O livro de Juízes Ciclos de fracasso e apostasia sem um líder nacional.
LIVRO III DO TRATADO DA MÚSICA DE ARISTIDES …
Transcript of LIVRO III DO TRATADO DA MÚSICA DE ARISTIDES …
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LETRAS
Fernando Luiacutes Barreto de Morais
LIVRO III DO TRATADO DA MUacuteSICA DE ARISTIDES QUINTILIANO INTRODUCcedilAtildeO TRADUCcedilAtildeO E COMENTAacuteRIOS
CURITIBA
2016
FERNANDO LUIacuteS B DE MORAIS
Α Ν Α Ν Η ΝLIBER III INTRODUCcedilAtildeO COMENTAacuteRIO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS
Dissertaccedilatildeo apresentada como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paranaacute Aacuterea de concentraccedilatildeo Estudos Literaacuterios Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior
CURITIBA
2016
Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo Cristiane Rodrigues da Silva ndash CRB 91746
Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo ndash UFPR
Morais Fernando Luiacutes Barreto de Αρ ου ο α ου π ρ ου η liber III introduccedilatildeo
comentaacuterio traduccedilatildeo e notas Fernando Luiacutes Barreto de Morais ndash Curitiba 2016
185 f Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute
1 Muacutesica Grega Antiga 2 Da Muacutesica ndash Aristides Quintiliano 3 Filosofia Antiga ITiacutetulo CDD 875
Y a-t-il une possibiliteacute pour que dans le creacutepuscule
nous puissions saisir quelque chose de ce qui a eacuteteacute ἔrsquoaἡroreς ἁ a-t-il quelque chose qui dans le dernier moment reponde au premier moment Nous sommes peut-ecirctre dans une nuit qui va preacuteceacuteder un nouveau jour Nous sommes agrave la veille du plus enorme changement sur la terre Est-ce que dans cette nuit nous ne pouvons pas avoir quelques clarteacutes sur ce quit fut ἔrsquoaἡbe de la penseacutee ἐἡἕaἑne et sἡr ἔrsquoorἑgἑnaἑre agrave venir
Martin Heidegger
(Arnoux 1960 p8 apud M Jean Wahl δrsquoἑdeacutee drsquoecirctre cἐez ώeἑdegger 1951)
RESUMO
Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III
Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga
ABSTRACT
This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole
Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music
Agradeccedilo
Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e
aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo
A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes
Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea
Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas
E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos
meus estudos
IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123
IacuteNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Triacuteades 82
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115
SUMAacuteRIO
1 Introduccedilatildeo 10
11 Autor e obra 12
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24
14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32
21 Teoria harmocircnica 32
211 Gecircneros e nuances 33
212 Sistemas 34
213 Tom tropo e harmonia 38
214 Modulaccedilatildeo 40
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41
3 Traduccedilatildeo do Livro III 49
31 Capiacutetulo I 49
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52
33 Capiacutetulo II 54
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56
35 Capiacutetulo III 58
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59
37 Capiacutetulo IV 60
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62
39 Capiacutetulo V 63
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64
311 Capiacutetulo VI 65
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67
313 Capiacutetulo VII 68
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70
315 Capiacutetulo VIII 71
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73
317 Capiacutetulo IX 74
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75
319 Capiacutetulo X 76
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79
321 Capiacutetulo XI 80
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82
323 Capiacutetulo XII 83
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85
325 Capiacutetulo XIII 86
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87
327 Capiacutetulo XIV 88
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90
329 Capiacutetulo XV 91
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92
331 Capiacutetulo XVI 93
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94
333 Capiacutetulo XVII 95
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96
335 Capiacutetulo XVIII 97
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99
337 Capiacutetulo XIX 100
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101
339 Capiacutetulo XX 102
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104
341 Capiacutetulo XXI 106
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108
343 Capiacutetulo XXII 112
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113
345 Capiacutetulo XXIII 116
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118
347 Capiacutetulo XXIV 119
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122
349 Capiacutetulo XXV 124
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126
351 Capiacutetulo XXVI 127
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129
353 Capiacutetulo XXVII 130
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133
10
1 Introduccedilatildeo
Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor
Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato
com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo
desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites
com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos
menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o
modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja
como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos
Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto
ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural
estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q
me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia
pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e
preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas
Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais
deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo
aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um
contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a
chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias
talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos
ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e
longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e
fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da
razatildeo e da liberdade
A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade
voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre
me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que
coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas
amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa
vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos
justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute
11
certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo
natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado
proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso
Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos
parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de
universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de
pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo
(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do
tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que
pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas
sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma
A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra
certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita
avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma
antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como
expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio
preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente
humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui
importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo
Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do
espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos
descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou
desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o
espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende
nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra
demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige
cuidados
Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger
Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria
antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na
plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que
infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um
campo de treinamento
12
Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento
de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito
estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias
destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos
aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que
frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar
destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem
consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano
tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto
capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios
Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que
favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em
algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-
1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a
consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-
15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na
medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos
natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e
serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho
Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano
11 Autor e obra
Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito
deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda
outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio
provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome
romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha
pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em
algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum
segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico
restou de Aristides Quintiliano
1 II 10 32-34
13
Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado
a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo
registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido
aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de
seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains
unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early
source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec
XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece
associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar
A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash
c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George
Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel
Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente
moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o
impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e
secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais
a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da
obra
Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em
algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et
Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois
motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque
evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De
Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse
terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento
e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica
2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68
14
musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada
impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum
Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam
A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute
hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus
Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese
foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor
da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-
Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo
no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola
publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua
elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez
situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em
fins do seacutec IV
Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o
argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque
aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das
exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica
desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o
desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel
Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro
musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33
9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12
On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5
15
vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse
conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que
considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)
ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las
conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que
χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o
conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa
amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de
Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely
technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by
contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are
introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ
Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em
III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual
eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo
capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do
alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten
coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ
Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente
num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido
de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a
hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de
uma data posterior para o Da muacutesica de A Q
Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e
neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas
ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees
de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e
encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps
2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de
Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo
alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e
19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica
16
sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325
dC)
Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do
descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso
tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por
Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do
destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir
poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo
a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto
Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)
Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo
ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o
Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas
que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo
transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera
individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais
Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash
natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao
periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no
17
seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-
161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade
Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que
estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem
retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao
imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute
conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del
ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ
Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois
paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou
lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o
emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460
exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem
duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de
Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado
Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco
Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do
autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem
ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que
fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de
Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra
verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo
platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os
interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas
(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que
propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere
a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)
Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima
inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que
21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1
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abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em
Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do
assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida
importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como
termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas
e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural
Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o
preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um
provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos
amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da
identidade do autor
Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos
que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a
maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com
a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente
estabelece
Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo
liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio
Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo
definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e
ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja
ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido
ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel
AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo
contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior
aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa
coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz
Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece
qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ
Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por
Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A
24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)
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conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e
amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e
Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como
alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno
Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a
Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome
Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um
Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico
que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo
natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides
Quintiliano
Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a
certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar
o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio
Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92
Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio
Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como
faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter
recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio
e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a
miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo
esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto
no presente quanto no passado
Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides
Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura
26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)
20
bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos
musicoacutegrafos aacuterabes28
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo
O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os
mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII
(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A
Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e
tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja
transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o
nome de terceiros
Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do
livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do
periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos
ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica
Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de
Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos
diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem
(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo
teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de
origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos
27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ
υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6
21
de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a
sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica
Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter
tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a
permanecircncia do interesse pela obra de A Q
No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no
fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico
e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo
a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa
traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio
provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides
Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de
Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo
entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente
conheceram Aristides Quintiliano36
O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais
importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em
1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37
por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38
Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e
32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica
22
Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes
por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de
conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia
o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo
comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da
coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX
como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano
Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45
acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em
1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de
Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)
began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music
theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus
complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo
O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op
cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente
citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o
livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado
tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais
ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende
que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado
O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo
os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento
dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por
40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi
23
Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com
exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo
Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que
serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de
Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda
notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem
parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia
do original grego
No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um
pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos
frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por
exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o
artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren
Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54
Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico
filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos
de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de
reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega
Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a
publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de
estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J
47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963
24
Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O
estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de
mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada
nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou
ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew
Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da
Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que
procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen
Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60
igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos
antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q
para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de
tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica
dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute
desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo
ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62
ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a
seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ
Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica
tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor
declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de
conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com
o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)
deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos
Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte
explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui
o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a
58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248
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alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado
fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e
portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo
Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende
refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura
mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e
ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a
unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio
imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs
patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino
no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados
sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que
sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63
E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata
que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de
acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a
tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de
que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em
seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou
dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que
natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios
mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua
inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-
se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna
No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que
chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o
preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente
conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido
de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e
63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel
26
objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma
participaccedilatildeo ou aspecto
O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de
meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker
(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica
proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the
movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria
enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo
conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da
definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um
pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno
musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores
A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante
Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a
menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de
Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo
fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α
) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo
(π π [] [] υ )
Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a
melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a
tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica
Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste
como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele
no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado
A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua
vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ
tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos
que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da
muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical
65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ
αὶ] α αῖ rdquoέ
27
entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma
disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica
A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica
aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute
somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da
muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais
generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica
aritmeacutetica desempenha um papel instrumental
Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute
anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em
criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo
musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro
a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q
O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina
artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde
ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de
elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo
28
dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos
(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67
O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das
paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as
afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa
a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de
certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas
para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua
Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ
α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma
consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de
uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou
irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)
Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas
partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo
indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida
Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim
como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma
irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em
mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma
Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos
a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de
Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que
reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo
Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e
Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete
e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e
em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de
Halicarnasso
66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C
29
O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das
doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado
entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A
questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada
estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da
muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia
de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral
e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo
do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo
reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo
dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste
trabalho
14 Uma proposta de traduccedilatildeo
O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a
Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a
toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez
que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no
acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma
harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica
Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto
sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do
cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as
premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse
noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo
Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas
do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente
agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da
70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)
30
Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se
no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os
capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil
situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no
cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue
essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen
Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta
traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo
de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado
capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu
verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos
livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e
referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por
versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra
inteira
Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse
predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de
sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa
arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da
linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio
ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima
luminosidade ndash na segunda parte do livro III
Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo
filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo
acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato
histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste
experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua
transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de
empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que
nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se
torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na
cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe
A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez
inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a
31
compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit
p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o
reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de
um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a
originalidade das ideias que faz do Da muacutesica
lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)
Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo
talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece
agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem
natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas
diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica
de fazer sonhar
O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de
certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-
modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia
protocolar seja de condescendecircncia arrogante
Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu
pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que
convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-
lhes o caminho
71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ
32
Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a
mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica
aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os
capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios
de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III
Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo
resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a
conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando
para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica
Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito
potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala
no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos
os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)
Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos
de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar
como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica
registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento
musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso
recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras
Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria
musical grega o tetracorde
Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que
compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o
tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou
intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia
pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado
harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo
33
que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento
nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima
formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas
eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C
fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que
veremos a seguir
211 Gecircneros e nuances
Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas
que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de
quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo
moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o
gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e
semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash
T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia
T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila
maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e
enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior
Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de
diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica
(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica
Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o
fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente
adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico
padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica
profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o
gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom
posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente
iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade
eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e
profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero
cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico
remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente
34
utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu
emprego em estado puro
Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou
nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute
referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de
semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)
O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom
semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um
terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero
(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma
diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou
ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de
tom)
212 Sistemas
Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda
sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por
conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo
na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde
cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo
Figura 2 - Tetracordes conjuntivos
No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades
doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a
configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas
35
Figura 3- Tetracordes disjuntivos
Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento
disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que
dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento
conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes
completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave
lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os
desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita
dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por
Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema
apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser
estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia
Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave
(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda
do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito
precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes
Figura 4- Sistema perfeito de oitava
Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito
Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave
sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas
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primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o
tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado
por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de
que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira
heptacorde de tipo eoacutelico
Figura 5- Sistema Perfeito Menor
Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido
outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom
disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois
pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo
par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e
hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ
Figura 6 - Sistema Perfeito Maior
Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz
Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava
aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema
de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo
das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a
nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das
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primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A
terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa
(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de
enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike
hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde
que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das
meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente
Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde
disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do
nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do
primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima
nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a
penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da
uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia
(paramese)
Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior
O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze
notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas
indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para
chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo
da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo
(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema
Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)
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Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel
Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um
grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia
correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala
numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que
tratam os conceitos de tom tropo e harmonia
213 Tom tropo e harmonia
Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia
No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete
combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava
ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da
primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as
expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o
gecircnero diatocircnico satildeo
Mixoliacutedia STTSTTT
Liacutedia TTSTTTS
Friacutegia TSTTTST
Doacuterica STTTSTT
Hipoliacutedia TTTSTTS
Hipofriacutegia TTSTTST
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Hipodoacuterica TSTTSTT
Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato
de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma
ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na
engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a
junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica
harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo
terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia
exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento
certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso
simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal
como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo
do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas
citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que
parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a
doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas
Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo
e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12
Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica
elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado
na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo
Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)
deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados
A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou
mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs
acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um
tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas
de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada
grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem
geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada
tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)
possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para
quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do
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hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram
recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que
ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para
diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos
respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico
com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada
tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de
quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com
seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)
214 Modulaccedilatildeo
Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria
de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre
que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo
Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o
sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e
mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a
dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que
essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano
elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam
se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de
oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico
ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o
depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e
por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e
que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon
Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-
se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano
no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos
(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso
agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema
do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no
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livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno
abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano
Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso
eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si
mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e
indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo
inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo
masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que
surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da
proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo
feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )
a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem
Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A
natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash
forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )
Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave
imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo
central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica
tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um
antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou
reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para
este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e
ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III
Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que
extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas
satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria
visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II
32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa
com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade
humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da
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razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada
com exclusividade agrave filosofia
Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da
alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e
particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego
ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre
educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos
dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No
entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs
razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave
alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo
eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada
com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial
destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees
racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo
musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II
Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave
muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem
duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica
( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando
determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute
vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas
caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral
( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de
aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a
alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )
Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a
muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo
mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e
ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu
nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando
por fim no ato propriamente dito
Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez
das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses
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mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado
o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves
paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a
essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente
as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem
como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que
podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver
sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma
virtude ainda ausente teraacute sido inoculado
Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo
estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo
masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo
entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o
feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para
Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash
talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas
Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ
Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica
e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as
escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os
instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente
masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim
diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os
posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e
viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute
humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma
espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio
Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual
E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica
quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo
No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma
oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo
por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz
Quintiliano (II 114-31)
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() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas
Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam
o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas
uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo
designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as
mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para
designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse
incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o
emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no
que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes
e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ
Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem
observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor
desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma
da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das
letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes
Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes
que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais
proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias
enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais
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proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em
relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade
As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de
articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua
vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto
meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais
tau delta e theta As guturais capa gama e khi
Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio
entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as
aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a
expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e
portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo
formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a
analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais
ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou
masculino)
Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas
breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza
intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade
(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash
formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste
mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal
feminina por excelecircncia
No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron
ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota
o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute
excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos
trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao
fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de
masculinidade satildeo α
72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo
46
Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas
palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento
Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo
dessa consoante
Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou
misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota
acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira
nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes
satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se
repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)
cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A
uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo
de oitava formado com a nota acrescida
Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo
Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio
dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem
satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos
instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da
primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do
descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material
entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os
instrumentos musicais
A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando
o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do
universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele
recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do
73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5
47
alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de
ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e
afundando-se na profundidade corpoacuterea
Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos
ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses
ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (
α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao
corpo
Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa
regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves
realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma
esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia
produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto
as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O
terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse
composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo
mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado
o nome de harmonia
Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de
nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a
origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo
sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos
de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a
alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas
liras postas lado a lado
Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato
dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico
potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo
74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ
48
outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)
Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel
com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana
enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos
quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees
( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma
Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a
certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre
Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos
(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma
enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de
acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com
que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares
Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos
e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma
agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo
brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira
doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )
satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina
acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem
menos) que o cumprimento dessa promessa
49
3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I
[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica
Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da
natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos
Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na
paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5
coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos
intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo
duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das
cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual
provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10
dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o
intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo
sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos
descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo
sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15
relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo
sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo
dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo
sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla
Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20
mencionados
76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43
XLIX
Α Ν Α Ν Ν Η Ν
I
[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν
Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν
π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ
π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν
Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5
αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν
ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν
Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν
α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ
πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10
ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν
α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν
ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν
π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15
π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]
Ν Ν π Ν Ν
ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν
Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ
α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν
α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20
50
E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou
seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81
assim procederam sabendo que o
intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros
dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25
sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia
ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82
e para o oito em razatildeo
sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que
a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um
tom consistia numa razatildeo sesquioitava83
E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30
Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados
termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero
pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo
se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute
para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35
dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior
Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84
a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que
quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo
quer acima da nota anterior e [96]
quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a
nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40
tenham dado a esse intervalo o nome de resto85
Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas
causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo
dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio
intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que
entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45
Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na
proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em
partes desiguais
81
Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )
da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82
86 = 43 96 = 32 83
(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84
Livro I Cap 11 85
α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta
na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A
Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes
L
υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν
υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν
ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ
Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ
Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ
Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν
Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν
υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30
α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν
α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν
Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν
Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν
φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35
Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν
ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ
αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν
π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν
α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40
α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ
α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν
α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν
α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ
α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45
π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ
51
Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto
exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50
duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que
estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo
estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817
mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo
192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55
muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica
inteligiacutevel86
86
Timeu 36b
LI
υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν
υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ
Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν
Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50
φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ
α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ
Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ
π ὺΝ π α Ν έΝ
52
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I
Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um
benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora
a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo
menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer
necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee
depende do que foi estabelecido anteriormente
Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica
e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material
da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee
uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma
mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz
passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente
verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da
natureza enquanto muacutesica
Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como
paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo
dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso
algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no
tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos
intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na
irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute
mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual
natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do
sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa
autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao
nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de
interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a
aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica
entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da
astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse
sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque
53
da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo
da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo
Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao
inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto
que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros
diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles
manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero
como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)
Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste
livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal
recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A
insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto
( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica
critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)
cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando
particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes
ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)
87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913
54
33 Capiacutetulo II
Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar
todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos
todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua
dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste
mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5
excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via
sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes
paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a
230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as
sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10
porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os
intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio
faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta
sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92
Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15
se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda
teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do
primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o
uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da
90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro
LIV
II
Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ
υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν
π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν
ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ
υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5
πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν
α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν
π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ
Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν
α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10
Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ
αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν
υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν
π έΝ
Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15
ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν
π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν
αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν
55
corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95
se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20
teremos o primeiro dos meacutedios96
E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-
ia a nota supermeacutedia97
mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos
a primeira dos primeiros98
A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte
modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade
igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99
E dividindo uma vez 25
mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade
idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais
quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo
entatildeo um cacircnon simples sem corda100
comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele
marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30
as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada
divisatildeo do cacircnon101
95
O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis
tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96
O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97
O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98
O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99
Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de
todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de
tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada
tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100
Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam
os intervalos 101
Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio
Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937
LV
α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20
π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν
πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ
αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν
Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν
π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25
π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ
αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν
φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν
πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν
α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30
α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ
56
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II
Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos
consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos
nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com
pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute
igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero
diatocircnico
O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as
duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde
hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas
relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas
notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos
hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute
a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete
synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre
essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo
Figura 10 - Consonacircncias no SPI
Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada
tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom
com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente
57
Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel
determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a
variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q
apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave
leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa
posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis
natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do
livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu
(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu
podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic
theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon
de Esmirna e Porfiacuterio
Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o
sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo
piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria
harmocircnica
58
35 Capiacutetulo III
Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas
Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado
Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles
traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na
quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5
quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias
pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com
que foram divididas103
Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se
completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10
portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois
tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota
com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e
doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo
ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15
dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com
relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos
primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava
a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora
102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (
) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6
LVIII
III
ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν
Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν
αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν
α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν
αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5
Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ
α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν
Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν
α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν
απ έΝ 10
α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν
υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν
α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν
α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν
Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15
Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν
π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν
π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν
πὶΝ έ
59
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III
Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o
heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as
etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )
dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees
presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia
Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ
10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H
Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp
384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)
Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o
contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio
Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora
jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute
indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do
comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11
n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro
reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento
AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial
(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta
corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)
Figura 11 - Heacutelicon
Fonte Colomer e Gil 1996 p177
60
37 Capiacutetulo IV
A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos
apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do
sistema perfeito108
Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta
compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109
tomamos os nuacutemeros [100]
3 (o
primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110
e o primeiro perfeito111
) e 4 (o primeiro nuacutemero 5
sesquiteacutercio112
e primeiro nuacutemero plano em geometria113
) e traccedilamos duas retas
perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em
proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas
correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10
de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo
aritmeacutetico114
a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados
pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute
nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para
fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115
15
108
Sistema de oitava 109
O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons
e meio) 21 = 43 x 32 110
Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111
O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo
o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou
completude do 3 112
Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113
Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a
caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1
representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou
cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3
114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na
figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115
Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas
conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d
LX
IV
Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν
Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ
π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν
ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν
ὺ [100]
Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5
π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν
α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν
ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν
α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν
π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10
ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν
α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν
π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν
π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν
π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15
61
Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica
Fonte Colomer e Gil p 180
62
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV
Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam
ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a
procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto
sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da
consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um
estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros
um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda
segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A
Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes
Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo
sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura
construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as
relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes
tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras
utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-
b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de
Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da
seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica
63
39 Capiacutetulo V
Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute
que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e
mediaccedilatildeo116
) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si
mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes
dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5
modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117
harmocircnica compotildee-se
de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo
aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos
posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo
geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10
entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]
de
modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118
Sendo a quantidade dupla na
quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo
comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a
aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15
proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na
harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs
consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo
sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias
aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20
ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre
cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual
seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas
razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os
nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119
25
116
A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O
3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se
tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf
Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117
O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo
entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118
Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B
representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a
meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie
harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de
proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119
As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b
LXIII
V
Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν
( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν
ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν
Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν
αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5
Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ
Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν
π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν
π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ
ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]
Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10
α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν
π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν
υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν
Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ
lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15
α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν
π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ
ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ
Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν
π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20
Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ
ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν
ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν
πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν
α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25
π ῖ Ν α α έ
64
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V
As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo
apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas
apresentadas ao fim do capiacutetulo
A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que
na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120
Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3
obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao
acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda
os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6
formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo
de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo
dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser
divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)
e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8
Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia
aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em
dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia
aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava
assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27
(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois
termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de
quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op
cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas
entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que
compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4
6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos
termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida
surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3
120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3
65
311 Capiacutetulo VI
E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem
propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de
mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos
consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5
denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126
agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram
soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente
descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto
a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10
e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com
o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada
chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado
geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado
pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15
composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4
122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo
LXV
VI
π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ
π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν
αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν
υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5
φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ
α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν
ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν
α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν
ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10
α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν
Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )
ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ
υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν
ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15
66
somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo
resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a
esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira
consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20
quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e
se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros
seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o
primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio
proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25
assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante
caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo
acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo
acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma
proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30
dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as
consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas
proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo
sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a
razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35
nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137
133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta
LXVI
ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν
Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν
φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν
υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20
Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν
α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν
α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ
έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν
[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25
ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ
Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν
αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ
υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν
ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30
υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν
π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν
υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν
π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35
απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν
α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ
Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α
67
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI
A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se
agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees
pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente
tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um
ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros
iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel
estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada
nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends
the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa
particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)
que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes
todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a
deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute
tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se
compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente
Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo
e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute
quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo
com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular
εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna
enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores
divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns
68
313 Capiacutetulo VII
Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um
lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os
intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos
revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas
por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5
nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a
outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao
passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em
virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe
facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10
dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do
material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais
doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui
em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que
padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15
nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o
meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam
do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por
isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam
recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20
universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos
fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas
nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e
perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a
semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25
caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas
temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as
coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o
crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α
LXVIII
VII
ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν
Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]
π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ
Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν
ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ
αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5
α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν
αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν
αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ
Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ
υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10
π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν
α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν
α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ
π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15
Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν
υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ
ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ
α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α
Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20
υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν
Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]
αὶ ὸ Ν Ν
Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν
α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ
έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25
αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν
Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν
αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν
69
que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30
lunar140
E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as
fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de
Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do
ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute
disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35
coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e
a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece
rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea
natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as
consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40
140
Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por
colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada
nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro
III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem
caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade
ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves
esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas
LXIX
π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν
αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30
φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ
α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν
αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν
α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35
Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν
Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν
α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν
α Νπα Νπα π έ
70
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII
Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da
incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos
nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia
aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da
experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros
se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na
forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos
por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus
pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja
ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que
platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona
os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute
controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel
superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q
ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na
especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a
origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles
(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a
Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere
SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes
neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e
Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia
enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles
A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que
reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da
alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e
da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais
culmina seu tratado
71
315 Capiacutetulo VIII
Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes
prestam os nuacutemeros141
Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem
nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria
dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se
ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142
[106]
pois a mesma 5
proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores
(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim
tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de
ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos
fisionomistas143
Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10
eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve
atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres
perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla
no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada
trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15
perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores
(a exemplo das febres hemitriacuteticas144
) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave
esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145
essas satildeo temiacuteveis e
letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante
proporccedilotildees quantitativas 20
De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar
consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se
poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)
produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo
entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25
141
Cf Filebo 55d ss 142
Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a
beleza em si 143
O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria
uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf
Repuacuteblica livros II III e X 144
Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos
agudos em dias alternados 145
Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)
ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ
LXXI
VIII
Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν
φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν
α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν
Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν
ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5
φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν
Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν
φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν
α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν
υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10
π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν
πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν
φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν
π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ
π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15
ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν
υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ
υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ
α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν
α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20
π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ
π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν
Ν
72
amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas
vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia
intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos
meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo
racional e a concupisciacutevel146
E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]
surpreender-te-ia o 30
fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas
melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147
E dentro da
proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a
cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o
conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35
cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os
dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e
pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e
ignorante
146
Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma
racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra
mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas
eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147
Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer
e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica
como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q
LXXII
φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν
Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25
αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν
ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν
αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν
Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν
π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30
ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν
υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ
ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν
υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν
έ35
73
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII
Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica
Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da
medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma
seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de
que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as
imposiccedilotildees do destino
Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma
que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ
ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave
teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por
Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e
16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria
a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo
corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto
meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das
contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma
dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs
livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como
expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ
A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria
entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da
hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q
e seu tratado no sec II dC
Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a
teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles
(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas
Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da
consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo
Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de
vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias
508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e
74
317 Capiacutetulo IX
Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a
semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se
perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez
constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as
realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5
as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais
relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de
semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma
imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que
preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10
tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos
seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]
com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia
calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim
sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15
148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica
LXXIV
IX
Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν
υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν
α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν
υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν
π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5
π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ
π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν
α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ
Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν
υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10
Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ
ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν
Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν
α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν
ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15
πα α α έ
75
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX
Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual
essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o
breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III
dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que
Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um
espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de
opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do
tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que
mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo
ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da
alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A
Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p
195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo
entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do
mundo
O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que
assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave
intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos
76
319 Capiacutetulo X
Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja
em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de
mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito
proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no
acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151
O movimento da voz concebido sem 5
referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152
tal como as primeiras coisas
Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou
descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria
mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153
Assim tal
como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10
mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a
imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade
com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que
a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas
tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15
receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical
participa do grave como do agudo154
Dentre as notas algumas [109]
satildeo fixas outras satildeo
moacuteveis155
e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros
satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos
151
Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter
entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152
τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e
natildeo material da altura tonal 153
O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz
determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel
Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala
exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde
agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154
Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo
adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de
indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para
sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a
primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou
seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155
Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas
enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias
determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo
tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se
mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo
LXXVI
X
Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν
Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν
υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν
αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α
α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5
Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν
Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν
π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ
υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν
π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10
α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν
π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν
π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν
ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν
α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15
Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ
α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]
Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ
πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ
ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν
α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20
υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν
ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν
π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν
αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν
ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25
π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν
Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν
φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30
Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ
)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν
77
quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20
baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se
segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas
apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156
Satildeo elas com efeito o
princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as
notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25
mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157
Assim tambeacutem a respeito do universo homens
divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste
mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que
eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a
morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30
completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz
conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo
eteacutereo158
o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras
(que apresentam dois intervalos159
a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele
produzido pelos seres sublunares160
que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35
e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o
semitom e o tom161
E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e
solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns
pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo
156
Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas
baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante
desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja
anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157
As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois
tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que
A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde
Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como
perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave
Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na
eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de
passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158
Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo
269a ndash 270b 159
A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente
notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a
nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero
enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160
Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161
No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e
no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda
LXXVII
υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν
ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν
α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35
α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ
α α π ν αὶ ὴ Ν [110]
Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν
α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν
φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ
Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40
π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν
π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν
πα α έ
78
graves e tendem para a terra162
Aleacutem disso [110]
o fato de que as notas tendam natural e 40
indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o
caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual
eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o
equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos
opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163
que produzem os bons climas o crescimento 45
das plantas e a sauacutede dos animais
162
Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os
intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos
densos e porosos 163
Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute
importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas
ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da
terapecircutica eacutetica Cf II 9
79
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X
A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da
dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no
campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente
informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio
situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa
harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o
grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo
(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no
fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim
as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta
Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como
eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave
imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que
seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal
como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas
entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o
movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes
A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao
simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II
No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade
(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto
a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para
novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta
mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria
80
321 Capiacutetulo XI
O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a
natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo
ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164
designa-se a natureza intermediaacuteria165
Dentre
os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e
ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5
que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166
vem a ser tripla Poreacutem como nas
dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional
ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante
um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute
estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10
cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio
a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer
realidade perceptiacutevel167
E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem
em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs
[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies
168 o mesmo nuacutemero 15
de tons do Sistema Perfeito169
No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a
essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia
164
A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81
Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O
tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual
surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava
tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)
formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema
Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por
conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165
Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui
por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se
que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)
simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)
Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q
logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166
Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167
χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)
por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A
hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo
que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168
As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As
espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169
Ou seja o intervalo de oitava
LXXX
XI
Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν
πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν
Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ
α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ
ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5
Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν
ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν
ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν
π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν
φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10
π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν
ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ
Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν
ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν
αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15
ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ
αΝ
81
intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua
perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170
(pois o que chamamos de alma alguns denominam como
ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20
em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero
diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e
inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou
nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172
tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute
composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25
semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a
triplicaccedilatildeo173
dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por
uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma
harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio
eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174
da alma Jaacute no que diz 30
respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o
cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo
responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e
a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175
170
Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves
trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171
χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima
412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist
De anima 430a10-25) 172
Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute
o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e
cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173
Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174
A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma
Cf Timeu 36e ss 175
A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre
a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se
daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte
LXXXI
ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ
ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν
Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20
α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ
ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν
α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ
υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν
Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25
α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν
α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν
ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ
ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν
πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30
αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ
82
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI
Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a
estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve
auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees
Tabela 1 - Triacuteades
INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO
Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente
Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo
Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria
Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um
desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na
medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em
conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros
Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees
propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda
que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano
e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente
inconclusivas
Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que
tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que
permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado
Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o
gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo
83
323 Capiacutetulo XII
Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois
quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por
meio do dois e a material [112]
por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave
regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem
afinidade com o dois176
A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5
desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela
soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo
dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui
Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira
com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10
seis179
Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]
ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e
a nona a esfera natildeo astral180
O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo
trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os
uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15
o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181
Jaacute o dezessete termo meacutedio entre
os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou
176
Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano
(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do
capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter
passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave
mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos
traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o
mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa
duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o
corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria
uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e
extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao
espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177
Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178
Cf III 6 179
Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam
respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180
Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e
Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser
a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181
Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de
modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a
circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem
aacuterea e circunferecircncia iguais a 18
LXXXIII
XII
α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ
ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ
ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν
ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]
Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν
α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5
Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν
α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ
Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν
π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν
ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10
Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν
πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ
ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν
φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν
ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15
αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ
υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ
ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν
84
relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182
O trinta e seis183
ao evidenciar a diese
aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano
182
Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute
agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18
ou 9) e a parte (16 ou 8) 183
Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar
da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada
multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento
relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao
processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da
diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e
o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave
cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie
formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a
seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do
6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea
LXXXIV
ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν
α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20
υ Ν υ α έ
85
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII
Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza
mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em
que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o
nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como
unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo
participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma
extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo
ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou
material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual
A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom
manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a
322
3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas
com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a
alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute
contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o
eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao
ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no
sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos
semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo
simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular
decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3
86
325 Capiacutetulo XIII
Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se
cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e
oito185
nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]
mecircs ocorre de ser vista com essa
mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e
omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5
tons186
nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15
apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons
para novamente retornar agraves graves187
E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo
tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188
(com agraves vezes um dia remanescente)
ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10
nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o
iniacutecio do descenso
184
π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue
trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo
de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo
como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando
harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo
(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se
intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai
possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de
ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185
Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima
do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco
tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo
enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186
Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa
voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187
A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os
intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188
Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio
Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p
199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada
dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na
verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por
Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen
sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa
posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A
correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais
um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no
sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema
Perfeito Maior
LXXXVI
XIII
Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν
α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν
lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]
ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν
α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ
Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5
φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν
α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν
φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν
Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ
ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10
υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν
ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν
π έ
87
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII
No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua
ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de
mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra
alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo
(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica
(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos
lunares
A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do
gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou
tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do
Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros
modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou
mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada
Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29
dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente
e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura
do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir
88
327 Capiacutetulo XIV
Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se
mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton
assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos
bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais
pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5
do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem
disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde
denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo
entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192
com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10
comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco
situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira
e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve
comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194
dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15
mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196
Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra
sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais
proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar
pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20
189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual
LXXXVIII
XIV
Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν
ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν
Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν
π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ
αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5
Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν
Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν
Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν
αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν
φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10
π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]
π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν
α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ
πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15
π υ αέΝ
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν
Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν
ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν
Ν αὶ φ ῖ Ν 20
89
terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute
necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o
movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o
movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico
deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25
E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute
anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo
ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao
olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao
ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30
diante dele foi posto o para-vento197
das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade
depende de um corpo luminoso198
)
197
Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198
Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos
LXXXIX
Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν
π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ
α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν
ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ
αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25
α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν
π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ
ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν
ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ
αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30
α ῃ α Ν α)έ
90
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV
Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar
Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute
que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)
enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas
do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando
por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele
entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos
TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico
SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter
O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais
intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo
91
329 Capiacutetulo XV
E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada
um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os
tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente
ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute
no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5
meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por
outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo
de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre
ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a
regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10
humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos
objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido
mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio
de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a
regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15
expressa a regiatildeo eteacuterea
199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois
XCI
XV
Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν
π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν
π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν
ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν
ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5
υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν
Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν
α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π
α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν
Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10
υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν
π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν
Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ
92
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV
O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e
Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo
Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes
Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos
PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos
OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter
NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea
MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular
93
331 Capiacutetulo XVI
No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas
de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e
meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao
prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem
razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5
(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde
meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave
temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais
daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o
tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10
corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute
limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se
comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro
elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao
segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15
irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro
pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas
devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da
alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c
XCIII
XVI
Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν
π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ
π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν
υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ
Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5
π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν
υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν
π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ
π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν
α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10
φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν
α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν
αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν
υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν
Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15
Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν
Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν
ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ
94
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI
A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas
quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de
Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e
associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8
Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto
eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na
conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo
as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos
tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia
de cada uma das divisotildees da alma
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma
Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico
Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Irracional Racional
Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes
Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional
Oitavas Oitava grave Oitava aguda
Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o
segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras
naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)
parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois
Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no
capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195
supra
95
333 Capiacutetulo XVII
E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que
conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema
perfeito215
assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo
semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese
ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216
5
ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o
sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na
qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior
e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217
tonal e estar limitado pela potecircncia da
voz218
ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219
para uma vida mais elevada bem como o 10
[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio
evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os
saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada
homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio
sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15
lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem
221 fala claramente desses dois tipos
de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil
e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os
deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares
ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20
215
A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216
Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e
disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro
meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217
O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das
mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a
passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da
primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude
para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27
como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218
Cf III 6 n 131 supra 219
Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra
220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo
ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221
Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d
XCV
XVII
Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν
Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν
υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν
ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν
ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5
ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν
αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν
Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν
π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10
α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]
α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν
α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν
Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν
π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν
π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15
π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν
ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν
Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν
ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20
π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ
96
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII
Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma
no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes
correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama
especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no
tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua
forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o
bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano
Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para
temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a
dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical
(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o
que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano
no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase
dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como
uma tarefa aacuterdua dada a cada homem
Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos
que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo
(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa
divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando
os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no
cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o
livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute
um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III
reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto
97
335 Capiacutetulo XVIII
Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm
relaccedilotildees simpaacuteticas222
com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos
mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o
primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223
agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem
com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5
elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224
nuacutemero segundo o
qual dizem225
os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6
obteriacuteamos 210 [118]
nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226
E
mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees
riacutetmicas227
igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228
dos 10
quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si
mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos
o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo
formados os bebecircs de nove meses229
E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15
nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem
vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230
Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo
tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231
Poreacutem natildeo participando de todas
jamais chegam a nascer vivos232
222
O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223
Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224
Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225
Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol
2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles
distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226
Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227
Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I
14 228
A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229
Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos
diferentes 230
Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231
Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo
da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45
multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a
gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que
assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere
Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da
gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232
Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An
408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo
XCVII
XVIII
Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν
υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν
α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν
Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5
π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ
Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ
απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]
αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν
Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10
π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ
Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ
Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ
π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν
Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15
α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν
α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ
αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν
π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν
α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20
98
Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20
intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos
consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve
tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo
da alma para a nobreza viril233
da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave
virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25
beleza234
durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos
alveacuteolos pulmonares 233
Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel
e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave
virtude da temperanccedila 234
Rep 403c
XCVIII
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ
Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ
υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ
α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν
π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25
Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ
403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ
99
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII
O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial
sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos
em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral
do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III
4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma
racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer
maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as
comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento
racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que
presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero
geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de
Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A
Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no
estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The
Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular
interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no
anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion
2008 p 2092)
Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os
caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos
hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der
Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave
teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo
pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De
animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo
Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais
adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero
platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades
100
337 Capiacutetulo XIX
Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que
constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a
piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra
por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar
enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5
icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente
quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por
meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais
estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da
aacutegua239 10
Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o
nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela
semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o
outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o
doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15
com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um
intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a
proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242
235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo
C
XIX
Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ
ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ
αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν
α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ
φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5
α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν
ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν
πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ
πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10
ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν
α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ
αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ
υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ
101
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX
O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo
anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio
deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos
quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados
segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares
Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-
56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das
associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos
os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-
d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo
Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que
compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos
sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees
Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo
Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo
Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono
Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera
Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno
Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q
agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o
fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas
exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a
hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente
pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos
aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo
do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o
icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala
A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta
(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)
102
339 Capiacutetulo XX
Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois
uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o
corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos
brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo
momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5
assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem
arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que
prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma
pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos
nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10
idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som
diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho
aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a
natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis
(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15
fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa
voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre
os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo
sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as
243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27
CII
XX
Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν
ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ
α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ
Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν
ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5
π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ
π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν
Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν
α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10
Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν
ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν
α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν
ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν
Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15
αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν
Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν
Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν
Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν
α Ν υ Ν 20
103
realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20
conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente
impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo
obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria
bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem
subjacente agraves notas musicais252
E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253
a cada 25
uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas
252
Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253
Cf II 12-14
CIII
ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν
φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν
πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ
π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν
α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25
π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ
υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν
πα α έ
104
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX
Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a
oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo
Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys
material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos
abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui
como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata
to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze
quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o
quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos
quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista
completa na ordem seguida por Teacuteon
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia
2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia
3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade
4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice
A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato
como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)
Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle
(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)
disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado
em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)
A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das
esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada
por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp
135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos
natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de
Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja
105
contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o
conhecimento necessaacuteriordquoέ
106
341 Capiacutetulo XXI
Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino
No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute
uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra
dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A
esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5
emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua
de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia
participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos
corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a
chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10
semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave
nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das
vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que
dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas
noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15
familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a
deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela
possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a
esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva
por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20
mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas
atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma
equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como
254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23
CVI
XXI
Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν
ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ
υΝ ὸ [121]
Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν
υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5
ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν
ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ
Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν
υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν
Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10
α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ
α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ
π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ
υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν
ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15
αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ
ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν
αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ
αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ
Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20
πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν
α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]
Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ
Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν
ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ
α ὰ 25
107
Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute
casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25
enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A
partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260
poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261
Se
atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim
sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30
planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas
Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do
que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de
forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo
tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262
Uma vez mais portanto satildeo sete as 35
notas remanescentes263
as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que
a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um
poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas
remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas
ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40
que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos
Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada
atraveacutes do eacutepsilon [123]
pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de
dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264
do primeiro par
e do primeiro iacutempar 45
260
O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261
Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo
com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu
(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em
aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262
Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada
quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero
bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas
apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a
modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu
maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263
A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264
Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5
correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro
nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar
CVII
Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν
π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ
υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ
π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν
Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30
Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν
π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν
π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ
ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν
αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35
φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν
α Ν ῖ Ν α α έΝ
Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α
π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν
ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40
α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν
α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν
π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν
π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]
ὰ ξ ρΝ
Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45
Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ
ὸ Ν υ έ
108
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI
Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em
II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo
associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo
desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais
intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter
masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do
primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)
superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a
qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a
ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas
notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta
Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida
estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem
outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute
associada ao eacutepsilon
Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais
correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino
feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os
planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava
do SPI fica como exposto a seguir
Figura 14 - Planetas e notas I
Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as
notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados
agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as
109
regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem
unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees
contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo
ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono
Figura 15 - Triplicidades
Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave
mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que
penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo
a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui
Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as
triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece
muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de
Ptolomeu que vem a ser a seguinte
A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries
Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade
correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda
maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio
A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e
Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo
compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta
triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute
que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus
Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para
as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois
110
quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente
masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira
ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino
associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima
Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de
ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-
feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da
ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das
triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e
Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso
poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente
segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que
se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)
Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com
as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste
capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como
expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o
intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos
planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa
necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas
de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu
Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III
A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece
dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen
conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para
Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma
mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de
potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave
nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por
razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A
disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir
265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar
111
Figura 16 - Planetas e notas II
Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre
vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as
sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile
Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no
serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute
aquele momento
112
343 Capiacutetulo XXII
Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada
um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves
notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota
acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o
terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5
zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco
relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da
consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que
tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada
organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10
como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash
que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila
onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos
dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo
266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II
CXII
XXII
Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν
Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ
ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν
ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν
α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5
ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν
α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν
Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ
ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ
υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10
α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ
Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ
113
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII
O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea
e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava
ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos
dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que
se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva
disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)
liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia
(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)
Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde
primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie
hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo
anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton
teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese
de que resultaria entatildeo a ordem a seguir
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa
Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia
Tetracorde Primeiro Meacutedio
O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos
(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de
qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a
espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os
graus do SPI
O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as
espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no
capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil
interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias
Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas
114
do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no
zodiacuteaco
Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do
SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda
se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se
utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de
oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso
Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem
das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave
doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as
notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave
espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala
ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma
ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie
hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano
tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com
a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por
diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima
Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia
Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico
Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que
corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma
Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por
Colomer e Gil no capiacutetulo anterior
Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos
quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias
relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia
dos toacutenoi se inverte na oitava aguda
115
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco
Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio
Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico
116
345 Capiacutetulo XXIII
E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim
divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais
jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional
caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5
reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional
denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo
situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse
triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a
quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10
caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais
desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino
como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco
sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279
Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15
natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos
setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados
entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis
o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero
nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20
igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a
razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo
a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285
273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32
CXVI
XXIII
Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν
ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν
Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ
α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5
ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]
πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν
ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν
Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ
π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10
Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν
ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν
ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ
π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν
α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15
ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν
Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ
π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν
φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ
αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20
α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν
Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ
117
Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286
Por isso eacute que tendo
dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25
trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles
domina ao longo de dez dias288
ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero
perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da
circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289
Cada um
deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30
acircngulos agudos formando doze segmentos290
Dois desses segmentos formam o lado de um
hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291
Trecircs deles formam o lado de um quadrado e
estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292
Quatro formam o lado de um
triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em
outro293
Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294
natildeo estabelecendo nenhuma 35
proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem
relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades
anteriores forma o diacircmetro295
Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero
maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois
o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40
nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296
285
43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286
Rep VIII 546c 287
Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do
signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do
horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco
completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288
Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O
tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias
dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289
360ordm 90ordm = 4 290
90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291
Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um
segmento em relaccedilatildeo ao outro 292
Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293
Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em
razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294
Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295
180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de
oitava e quinta com o hexaacutegono 296
Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica
relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre
razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18
CXVII
υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν
υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π
ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25
υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν
Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν
α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν
α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ
Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30
αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν
Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν
α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν
π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν
π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35
Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ
Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ
α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν
υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν
πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40
118
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII
Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a
segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do
tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o
zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla
oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o
zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no
cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma
racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao
nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de
base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees
que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana
Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo
capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia
correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco
que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu
(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele
estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as
consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele
mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico
119
347 Capiacutetulo XXIV
Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram
atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo
estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons
musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297
(seja na mescla corpoacuterea
na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5
compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade
De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os
saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida
Assim o afirma [126]
igualmente no Timeu298
o divino Platatildeo que o demiurgo299
da alma
tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10
natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o
intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300
novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo
dupla ateacute o oito301
e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302
Platatildeo ter-se-ia
expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15
individual no acircmbito nas artes303
quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute
outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um
lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o
princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees
mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20
igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel
de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a
profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se
vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente
propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25
297
Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298
35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag
22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299
Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300
As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia
intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro
indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise
completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301
A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302
A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303
A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)
deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II
CXIX
XXIV
Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν
φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ
π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ
Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν
φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5
αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν
υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ
Ν Νπ [126]
αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ
Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ
υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10
Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν
αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν
α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν
π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ
α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15
Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν
ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν
Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν
α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν
(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20
α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν
α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν
υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν
120
ocorre de a alma tender para o melhor304
ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar
relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos
divisiacutevel
Mas igualmente os maiores bens da alma305
disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes
agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30
com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306
(pois cada apreensatildeo
intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda
posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute
anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o
excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35
iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a
igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto
tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das
partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre
as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40
por meio da heacuteptada ()307
vemos o saacutebio308
dispor o discurso acerca da alma de modo duplo
a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e
a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da
mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309
Isso se haacute de tornar claro no diagrama310
da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45
dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a
forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais
retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre
superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do
304
Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305
As virtudes Cf III 16 306
Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307
Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem
como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio
estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda
εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos
que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p
527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na
traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308
Platatildeo Timeu 35b-36a 309
As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310
O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra
CXX
Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν
α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25
Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ
π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν
α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ
π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ
Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30
π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ
υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν
α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ
Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ
α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35
Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν
ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν
Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν
π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40
ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν
ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ
Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν
υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν
πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45
121
seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50
do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311
pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312
adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio
Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se
percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55
Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso
do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo
expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute
foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as
partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60
aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua
emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que
analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao
senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do
universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65
que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a
imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a
instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim
311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23
CXXI
Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν
πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν
π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ
Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ
α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50
αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ
αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν
υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν
π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν
υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55
ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν
υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν
φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν
ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ
υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60
ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν
φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν
πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ
122
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV
A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que
Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais
alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos
capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e
aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem
seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo
demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)
Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos
nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera
mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em
reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de
caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-
525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em
virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao
capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade
expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa
(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas
poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se
como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica
expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute
assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu
a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o
quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel
O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes
na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave
geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss
1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411
ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir
123
Figura 17 - Dupla tetraktys I
Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157
Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo
de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen
(p 53) sugere outra figura
Figura 18 - Dupla tetraktys II
Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo
desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o
diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as
proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os
termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um
membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois
intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O
recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas
Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees
teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da
muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5
124
349 Capiacutetulo XXV
Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320
eacute o primeiriacutessimo e mais natural
princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo
em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]
e no esquecimento assoberbada
de agitaccedilotildees e estiacutemulos321
e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve
momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5
sabedoria322
] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de
loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos
indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323
moderam a irracionalidade natural (tal como fazem
os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o
medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324
Por isso 10
eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser
purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as
emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais
ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma
mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15
um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no
igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o
tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo
claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior
ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]
Quanto agrave melodia (quer 20
entedida enquanto partes dos sistemas327
quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo
musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na
320
υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das
paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p
430 321
Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322
Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129
Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323
Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-
104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324
Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela
envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em
detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325
Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de
Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326
Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo
planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327
Enquanto escalas meras sequecircncias de notas
CXXIV
XXV
α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν
υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν
ᾳ [129]
αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν
π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν
Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5
ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν
ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν
Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν
π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν
ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10
α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν
αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν
Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ
ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν
Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15
Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ
Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ
υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ
ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20
125
posiccedilatildeo das letras328
das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave
terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as
geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25
maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se
associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329
) deve-se associar
ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do
deus330
que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau
estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30
aos demais elementos331
Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos
enquanto a ordem da alma ()332
eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja
substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333
a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao
passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um
ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334
Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35
sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se
corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335
328
Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma
posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a
disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf
II 14 III 21 329
Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo
simboacutelica 330
Apolo 331
Cf II 19 (92 5-8) 332
Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em
Mathiesen p 65 333
I 13 (318) 334
Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto
em Feacutedon 70d-72d 335
O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)
CXXV
Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν
Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν
υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν
Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25
π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν
π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν
α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ
Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ
Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30
α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ
π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν
π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν
φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ
Ν α έ 35
126
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV
A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo
anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao
progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento
do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a
em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades
inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no
entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos
organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma
Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla
corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da
corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da
relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos
do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou
geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas
que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das
contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico
e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete
ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo
riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado
o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas
127
351 Capiacutetulo XXVI
Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele
perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem
sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e
nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de
abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5
coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja
intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os
princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as
migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a
idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10
certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na
casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio
da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a
predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na
τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15
retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados
Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel
denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que
pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o
futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20
que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre
336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200
CXXVII
XXVI
ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν
ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν
α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν
π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν
αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5
Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ
α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν
α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν
Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ
Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10
Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν
α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν
υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν
Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν
Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15
Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν
α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν
Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ
Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20
128
passiacuteveis de mudanccedila345
Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a
ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave
economia coacutesmica [132]
nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no
seu desenrolar346
Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347
testemunha igualmente que isto eacute 25
assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos
disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia
fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora
destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer
(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30
colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ
Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz
ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre
os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo
divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35
eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo
oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente
ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o
profeta do universo352
teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso
parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40
δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada
indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que
naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ
345
Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o
paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5
346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d
Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do
devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta
Veterum Stoicorum B7-8 347
Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus
oraacuteculos 348
Heroacutedoto IX 43 7-8 349
αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e
contingecircncia 350
Odisseia VIII vv511-512 351
Iliacuteada III v59 352
Apolo
CXXVIII
α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ
πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ
αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν
Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ
πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25
πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν
α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν
Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ
Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν
πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30
ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν
α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν
α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν
π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν
π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35
α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν
α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ
ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν
ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν
υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40
υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν
Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ
129
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI
Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo
os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ
necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia
impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona
explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois
campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute
tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos
ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na
vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de
acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A
trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna
difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave
liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute
ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila
pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de
acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q
pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica
ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas
antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da
participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na
sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se
distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como
veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade
enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um
acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir
130
353 Capiacutetulo XXVII
Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a
essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros
sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma
nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado
esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5
escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins
de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e
leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a
participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas
merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10
verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe
aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e
tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o
profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e
auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15
ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada
uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a
perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo
que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da
geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20
propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo
A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber
353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c
CXXX
XXVII
α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν
Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν
α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ
ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν
π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5
Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt
ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ
φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ
π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν
π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10
απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ
Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν
Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν
αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ
φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15
πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν
υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν
υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν
υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν
Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20
υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ
Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν
φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ
131
Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com
perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360
que nos levou a essa empreitada
e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25
como dizem foi de todo mau361
pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que
no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo
quanto eacute relativo agrave muacutesica
360
Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa
invocaccedilatildeo 361
Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf
Mathiesen p 57 n 244
CXXXI
αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25
αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν
πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν
υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ
132
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII
No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando
seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem
como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave
filosofia com que encerra seu tratado
Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um
esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para
dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou
o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a
perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse
reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa
conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez
vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade
assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da
natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se
para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na
(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo
contato com o inteligiacutevel
Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso
da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa
imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo
filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em
π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos
π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o
mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e
moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos
termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como
ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja
proporcional e semelhante
362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329
133
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FERNANDO LUIacuteS B DE MORAIS
Α Ν Α Ν Η ΝLIBER III INTRODUCcedilAtildeO COMENTAacuteRIO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS
Dissertaccedilatildeo apresentada como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paranaacute Aacuterea de concentraccedilatildeo Estudos Literaacuterios Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior
CURITIBA
2016
Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo Cristiane Rodrigues da Silva ndash CRB 91746
Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo ndash UFPR
Morais Fernando Luiacutes Barreto de Αρ ου ο α ου π ρ ου η liber III introduccedilatildeo
comentaacuterio traduccedilatildeo e notas Fernando Luiacutes Barreto de Morais ndash Curitiba 2016
185 f Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute
1 Muacutesica Grega Antiga 2 Da Muacutesica ndash Aristides Quintiliano 3 Filosofia Antiga ITiacutetulo CDD 875
Y a-t-il une possibiliteacute pour que dans le creacutepuscule
nous puissions saisir quelque chose de ce qui a eacuteteacute ἔrsquoaἡroreς ἁ a-t-il quelque chose qui dans le dernier moment reponde au premier moment Nous sommes peut-ecirctre dans une nuit qui va preacuteceacuteder un nouveau jour Nous sommes agrave la veille du plus enorme changement sur la terre Est-ce que dans cette nuit nous ne pouvons pas avoir quelques clarteacutes sur ce quit fut ἔrsquoaἡbe de la penseacutee ἐἡἕaἑne et sἡr ἔrsquoorἑgἑnaἑre agrave venir
Martin Heidegger
(Arnoux 1960 p8 apud M Jean Wahl δrsquoἑdeacutee drsquoecirctre cἐez ώeἑdegger 1951)
RESUMO
Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III
Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga
ABSTRACT
This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole
Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music
Agradeccedilo
Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e
aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo
A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes
Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea
Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas
E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos
meus estudos
IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123
IacuteNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Triacuteades 82
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115
SUMAacuteRIO
1 Introduccedilatildeo 10
11 Autor e obra 12
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24
14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32
21 Teoria harmocircnica 32
211 Gecircneros e nuances 33
212 Sistemas 34
213 Tom tropo e harmonia 38
214 Modulaccedilatildeo 40
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41
3 Traduccedilatildeo do Livro III 49
31 Capiacutetulo I 49
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52
33 Capiacutetulo II 54
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56
35 Capiacutetulo III 58
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59
37 Capiacutetulo IV 60
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62
39 Capiacutetulo V 63
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64
311 Capiacutetulo VI 65
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67
313 Capiacutetulo VII 68
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70
315 Capiacutetulo VIII 71
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73
317 Capiacutetulo IX 74
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75
319 Capiacutetulo X 76
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79
321 Capiacutetulo XI 80
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82
323 Capiacutetulo XII 83
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85
325 Capiacutetulo XIII 86
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87
327 Capiacutetulo XIV 88
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90
329 Capiacutetulo XV 91
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92
331 Capiacutetulo XVI 93
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94
333 Capiacutetulo XVII 95
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96
335 Capiacutetulo XVIII 97
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99
337 Capiacutetulo XIX 100
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101
339 Capiacutetulo XX 102
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104
341 Capiacutetulo XXI 106
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108
343 Capiacutetulo XXII 112
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113
345 Capiacutetulo XXIII 116
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118
347 Capiacutetulo XXIV 119
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122
349 Capiacutetulo XXV 124
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126
351 Capiacutetulo XXVI 127
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129
353 Capiacutetulo XXVII 130
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133
10
1 Introduccedilatildeo
Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor
Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato
com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo
desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites
com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos
menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o
modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja
como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos
Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto
ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural
estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q
me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia
pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e
preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas
Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais
deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo
aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um
contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a
chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias
talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos
ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e
longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e
fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da
razatildeo e da liberdade
A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade
voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre
me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que
coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas
amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa
vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos
justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute
11
certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo
natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado
proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso
Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos
parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de
universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de
pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo
(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do
tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que
pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas
sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma
A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra
certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita
avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma
antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como
expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio
preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente
humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui
importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo
Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do
espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos
descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou
desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o
espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende
nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra
demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige
cuidados
Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger
Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria
antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na
plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que
infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um
campo de treinamento
12
Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento
de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito
estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias
destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos
aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que
frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar
destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem
consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano
tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto
capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios
Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que
favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em
algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-
1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a
consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-
15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na
medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos
natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e
serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho
Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano
11 Autor e obra
Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito
deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda
outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio
provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome
romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha
pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em
algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum
segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico
restou de Aristides Quintiliano
1 II 10 32-34
13
Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado
a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo
registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido
aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de
seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains
unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early
source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec
XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece
associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar
A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash
c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George
Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel
Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente
moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o
impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e
secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais
a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da
obra
Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em
algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et
Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois
motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque
evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De
Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse
terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento
e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica
2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68
14
musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada
impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum
Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam
A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute
hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus
Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese
foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor
da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-
Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo
no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola
publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua
elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez
situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em
fins do seacutec IV
Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o
argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque
aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das
exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica
desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o
desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel
Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro
musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33
9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12
On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5
15
vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse
conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que
considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)
ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las
conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que
χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o
conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa
amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de
Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely
technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by
contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are
introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ
Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em
III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual
eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo
capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do
alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten
coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ
Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente
num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido
de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a
hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de
uma data posterior para o Da muacutesica de A Q
Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e
neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas
ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees
de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e
encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps
2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de
Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo
alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e
19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica
16
sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325
dC)
Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do
descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso
tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por
Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do
destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir
poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo
a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto
Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)
Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo
ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o
Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas
que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo
transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera
individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais
Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash
natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao
periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no
17
seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-
161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade
Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que
estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem
retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao
imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute
conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del
ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ
Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois
paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou
lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o
emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460
exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem
duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de
Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado
Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco
Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do
autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem
ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que
fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de
Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra
verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo
platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os
interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas
(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que
propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere
a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)
Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima
inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que
21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1
18
abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em
Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do
assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida
importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como
termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas
e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural
Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o
preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um
provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos
amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da
identidade do autor
Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos
que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a
maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com
a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente
estabelece
Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo
liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio
Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo
definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e
ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja
ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido
ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel
AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo
contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior
aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa
coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz
Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece
qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ
Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por
Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A
24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)
19
conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e
amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e
Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como
alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno
Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a
Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome
Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um
Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico
que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo
natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides
Quintiliano
Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a
certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar
o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio
Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92
Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio
Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como
faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter
recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio
e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a
miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo
esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto
no presente quanto no passado
Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides
Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura
26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)
20
bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos
musicoacutegrafos aacuterabes28
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo
O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os
mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII
(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A
Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e
tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja
transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o
nome de terceiros
Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do
livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do
periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos
ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica
Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de
Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos
diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem
(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo
teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de
origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos
27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ
υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6
21
de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a
sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica
Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter
tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a
permanecircncia do interesse pela obra de A Q
No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no
fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico
e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo
a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa
traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio
provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides
Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de
Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo
entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente
conheceram Aristides Quintiliano36
O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais
importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em
1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37
por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38
Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e
32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica
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Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes
por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de
conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia
o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo
comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da
coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX
como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano
Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45
acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em
1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de
Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)
began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music
theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus
complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo
O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op
cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente
citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o
livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado
tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais
ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende
que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado
O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo
os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento
dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por
40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi
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Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com
exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo
Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que
serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de
Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda
notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem
parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia
do original grego
No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um
pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos
frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por
exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o
artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren
Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54
Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico
filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos
de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de
reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega
Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a
publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de
estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J
47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963
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Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O
estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de
mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada
nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou
ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew
Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da
Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que
procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen
Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60
igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos
antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q
para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de
tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica
dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute
desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo
ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62
ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a
seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ
Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica
tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor
declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de
conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com
o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)
deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos
Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte
explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui
o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a
58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248
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alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado
fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e
portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo
Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende
refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura
mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e
ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a
unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio
imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs
patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino
no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados
sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que
sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63
E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata
que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de
acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a
tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de
que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em
seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou
dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que
natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios
mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua
inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-
se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna
No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que
chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o
preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente
conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido
de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e
63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel
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objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma
participaccedilatildeo ou aspecto
O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de
meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker
(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica
proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the
movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria
enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo
conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da
definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um
pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno
musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores
A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante
Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a
menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de
Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo
fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α
) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo
(π π [] [] υ )
Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a
melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a
tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica
Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste
como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele
no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado
A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua
vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ
tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos
que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da
muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical
65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ
αὶ] α αῖ rdquoέ
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entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma
disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica
A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica
aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute
somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da
muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais
generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica
aritmeacutetica desempenha um papel instrumental
Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute
anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em
criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo
musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro
a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q
O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina
artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde
ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de
elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo
28
dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos
(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67
O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das
paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as
afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa
a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de
certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas
para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua
Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ
α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma
consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de
uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou
irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)
Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas
partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo
indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida
Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim
como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma
irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em
mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma
Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos
a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de
Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que
reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo
Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e
Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete
e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e
em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de
Halicarnasso
66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C
29
O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das
doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado
entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A
questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada
estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da
muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia
de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral
e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo
do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo
reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo
dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste
trabalho
14 Uma proposta de traduccedilatildeo
O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a
Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a
toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez
que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no
acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma
harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica
Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto
sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do
cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as
premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse
noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo
Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas
do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente
agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da
70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)
30
Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se
no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os
capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil
situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no
cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue
essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen
Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta
traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo
de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado
capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu
verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos
livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e
referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por
versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra
inteira
Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse
predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de
sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa
arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da
linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio
ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima
luminosidade ndash na segunda parte do livro III
Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo
filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo
acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato
histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste
experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua
transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de
empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que
nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se
torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na
cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe
A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez
inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a
31
compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit
p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o
reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de
um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a
originalidade das ideias que faz do Da muacutesica
lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)
Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo
talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece
agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem
natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas
diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica
de fazer sonhar
O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de
certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-
modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia
protocolar seja de condescendecircncia arrogante
Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu
pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que
convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-
lhes o caminho
71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ
32
Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a
mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica
aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os
capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios
de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III
Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo
resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a
conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando
para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica
Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito
potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala
no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos
os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)
Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos
de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar
como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica
registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento
musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso
recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras
Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria
musical grega o tetracorde
Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que
compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o
tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou
intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia
pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado
harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo
33
que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento
nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima
formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas
eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C
fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que
veremos a seguir
211 Gecircneros e nuances
Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas
que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de
quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo
moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o
gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e
semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash
T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia
T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila
maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e
enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior
Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de
diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica
(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica
Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o
fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente
adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico
padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica
profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o
gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom
posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente
iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade
eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e
profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero
cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico
remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente
34
utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu
emprego em estado puro
Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou
nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute
referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de
semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)
O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom
semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um
terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero
(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma
diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou
ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de
tom)
212 Sistemas
Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda
sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por
conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo
na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde
cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo
Figura 2 - Tetracordes conjuntivos
No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades
doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a
configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas
35
Figura 3- Tetracordes disjuntivos
Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento
disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que
dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento
conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes
completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave
lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os
desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita
dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por
Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema
apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser
estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia
Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave
(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda
do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito
precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes
Figura 4- Sistema perfeito de oitava
Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito
Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave
sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas
36
primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o
tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado
por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de
que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira
heptacorde de tipo eoacutelico
Figura 5- Sistema Perfeito Menor
Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido
outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom
disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois
pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo
par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e
hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ
Figura 6 - Sistema Perfeito Maior
Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz
Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava
aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema
de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo
das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a
nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das
37
primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A
terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa
(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de
enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike
hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde
que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das
meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente
Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde
disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do
nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do
primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima
nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a
penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da
uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia
(paramese)
Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior
O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze
notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas
indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para
chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo
da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo
(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema
Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)
38
Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel
Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um
grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia
correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala
numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que
tratam os conceitos de tom tropo e harmonia
213 Tom tropo e harmonia
Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia
No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete
combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava
ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da
primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as
expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o
gecircnero diatocircnico satildeo
Mixoliacutedia STTSTTT
Liacutedia TTSTTTS
Friacutegia TSTTTST
Doacuterica STTTSTT
Hipoliacutedia TTTSTTS
Hipofriacutegia TTSTTST
39
Hipodoacuterica TSTTSTT
Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato
de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma
ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na
engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a
junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica
harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo
terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia
exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento
certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso
simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal
como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo
do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas
citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que
parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a
doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas
Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo
e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12
Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica
elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado
na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo
Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)
deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados
A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou
mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs
acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um
tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas
de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada
grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem
geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada
tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)
possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para
quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do
40
hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram
recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que
ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para
diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos
respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico
com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada
tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de
quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com
seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)
214 Modulaccedilatildeo
Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria
de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre
que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo
Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o
sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e
mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a
dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que
essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano
elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam
se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de
oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico
ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o
depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e
por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e
que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon
Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-
se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano
no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos
(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso
agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema
do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no
41
livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno
abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano
Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso
eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si
mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e
indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo
inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo
masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que
surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da
proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo
feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )
a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem
Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A
natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash
forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )
Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave
imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo
central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica
tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um
antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou
reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para
este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e
ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III
Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que
extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas
satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria
visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II
32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa
com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade
humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da
42
razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada
com exclusividade agrave filosofia
Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da
alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e
particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego
ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre
educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos
dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No
entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs
razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave
alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo
eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada
com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial
destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees
racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo
musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II
Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave
muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem
duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica
( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando
determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute
vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas
caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral
( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de
aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a
alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )
Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a
muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo
mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e
ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu
nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando
por fim no ato propriamente dito
Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez
das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses
43
mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado
o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves
paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a
essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente
as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem
como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que
podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver
sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma
virtude ainda ausente teraacute sido inoculado
Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo
estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo
masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo
entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o
feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para
Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash
talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas
Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ
Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica
e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as
escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os
instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente
masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim
diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os
posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e
viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute
humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma
espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio
Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual
E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica
quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo
No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma
oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo
por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz
Quintiliano (II 114-31)
44
() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas
Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam
o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas
uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo
designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as
mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para
designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse
incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o
emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no
que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes
e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ
Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem
observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor
desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma
da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das
letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes
Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes
que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais
proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias
enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais
45
proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em
relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade
As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de
articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua
vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto
meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais
tau delta e theta As guturais capa gama e khi
Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio
entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as
aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a
expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e
portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo
formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a
analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais
ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou
masculino)
Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas
breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza
intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade
(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash
formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste
mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal
feminina por excelecircncia
No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron
ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota
o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute
excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos
trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao
fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de
masculinidade satildeo α
72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo
46
Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas
palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento
Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo
dessa consoante
Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou
misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota
acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira
nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes
satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se
repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)
cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A
uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo
de oitava formado com a nota acrescida
Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo
Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio
dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem
satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos
instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da
primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do
descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material
entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os
instrumentos musicais
A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando
o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do
universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele
recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do
73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5
47
alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de
ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e
afundando-se na profundidade corpoacuterea
Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos
ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses
ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (
α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao
corpo
Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa
regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves
realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma
esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia
produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto
as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O
terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse
composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo
mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado
o nome de harmonia
Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de
nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a
origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo
sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos
de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a
alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas
liras postas lado a lado
Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato
dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico
potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo
74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ
48
outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)
Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel
com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana
enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos
quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees
( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma
Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a
certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre
Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos
(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma
enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de
acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com
que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares
Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos
e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma
agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo
brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira
doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )
satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina
acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem
menos) que o cumprimento dessa promessa
49
3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I
[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica
Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da
natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos
Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na
paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5
coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos
intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo
duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das
cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual
provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10
dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o
intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo
sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos
descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo
sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15
relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo
sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo
dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo
sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla
Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20
mencionados
76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43
XLIX
Α Ν Α Ν Ν Η Ν
I
[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν
Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν
π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ
π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν
Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5
αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν
ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν
Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν
α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ
πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10
ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν
α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν
ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν
π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15
π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]
Ν Ν π Ν Ν
ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν
Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ
α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν
α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20
50
E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou
seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81
assim procederam sabendo que o
intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros
dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25
sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia
ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82
e para o oito em razatildeo
sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que
a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um
tom consistia numa razatildeo sesquioitava83
E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30
Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados
termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero
pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo
se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute
para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35
dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior
Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84
a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que
quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo
quer acima da nota anterior e [96]
quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a
nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40
tenham dado a esse intervalo o nome de resto85
Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas
causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo
dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio
intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que
entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45
Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na
proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em
partes desiguais
81
Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )
da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82
86 = 43 96 = 32 83
(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84
Livro I Cap 11 85
α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta
na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A
Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes
L
υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν
υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν
ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ
Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ
Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ
Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν
Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν
υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30
α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν
α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν
Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν
Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν
φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35
Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν
ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ
αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν
π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν
α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40
α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ
α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν
α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν
α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ
α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45
π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ
51
Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto
exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50
duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que
estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo
estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817
mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo
192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55
muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica
inteligiacutevel86
86
Timeu 36b
LI
υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν
υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ
Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν
Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50
φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ
α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ
Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ
π ὺΝ π α Ν έΝ
52
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I
Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um
benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora
a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo
menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer
necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee
depende do que foi estabelecido anteriormente
Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica
e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material
da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee
uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma
mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz
passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente
verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da
natureza enquanto muacutesica
Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como
paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo
dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso
algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no
tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos
intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na
irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute
mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual
natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do
sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa
autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao
nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de
interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a
aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica
entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da
astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse
sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque
53
da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo
da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo
Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao
inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto
que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros
diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles
manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero
como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)
Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste
livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal
recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A
insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto
( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica
critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)
cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando
particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes
ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)
87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913
54
33 Capiacutetulo II
Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar
todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos
todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua
dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste
mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5
excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via
sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes
paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a
230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as
sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10
porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os
intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio
faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta
sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92
Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15
se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda
teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do
primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o
uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da
90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro
LIV
II
Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ
υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν
π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν
ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ
υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5
πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν
α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν
π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ
Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν
α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10
Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ
αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν
υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν
π έΝ
Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15
ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν
π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν
αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν
55
corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95
se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20
teremos o primeiro dos meacutedios96
E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-
ia a nota supermeacutedia97
mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos
a primeira dos primeiros98
A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte
modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade
igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99
E dividindo uma vez 25
mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade
idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais
quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo
entatildeo um cacircnon simples sem corda100
comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele
marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30
as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada
divisatildeo do cacircnon101
95
O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis
tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96
O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97
O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98
O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99
Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de
todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de
tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada
tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100
Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam
os intervalos 101
Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio
Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937
LV
α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20
π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν
πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ
αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν
Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν
π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25
π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ
αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν
φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν
πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν
α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30
α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ
56
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II
Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos
consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos
nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com
pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute
igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero
diatocircnico
O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as
duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde
hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas
relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas
notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos
hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute
a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete
synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre
essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo
Figura 10 - Consonacircncias no SPI
Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada
tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom
com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente
57
Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel
determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a
variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q
apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave
leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa
posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis
natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do
livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu
(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu
podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic
theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon
de Esmirna e Porfiacuterio
Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o
sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo
piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria
harmocircnica
58
35 Capiacutetulo III
Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas
Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado
Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles
traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na
quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5
quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias
pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com
que foram divididas103
Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se
completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10
portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois
tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota
com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e
doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo
ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15
dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com
relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos
primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava
a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora
102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (
) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6
LVIII
III
ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν
Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν
αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν
α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν
αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5
Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ
α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν
Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν
α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν
απ έΝ 10
α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν
υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν
α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν
α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν
Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15
Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν
π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν
π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν
πὶΝ έ
59
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III
Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o
heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as
etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )
dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees
presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia
Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ
10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H
Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp
384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)
Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o
contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio
Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora
jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute
indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do
comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11
n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro
reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento
AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial
(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta
corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)
Figura 11 - Heacutelicon
Fonte Colomer e Gil 1996 p177
60
37 Capiacutetulo IV
A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos
apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do
sistema perfeito108
Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta
compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109
tomamos os nuacutemeros [100]
3 (o
primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110
e o primeiro perfeito111
) e 4 (o primeiro nuacutemero 5
sesquiteacutercio112
e primeiro nuacutemero plano em geometria113
) e traccedilamos duas retas
perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em
proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas
correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10
de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo
aritmeacutetico114
a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados
pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute
nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para
fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115
15
108
Sistema de oitava 109
O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons
e meio) 21 = 43 x 32 110
Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111
O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo
o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou
completude do 3 112
Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113
Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a
caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1
representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou
cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3
114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na
figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115
Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas
conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d
LX
IV
Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν
Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ
π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν
ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν
ὺ [100]
Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5
π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν
α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν
ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν
α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν
π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10
ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν
α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν
π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν
π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν
π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15
61
Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica
Fonte Colomer e Gil p 180
62
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV
Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam
ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a
procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto
sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da
consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um
estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros
um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda
segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A
Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes
Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo
sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura
construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as
relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes
tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras
utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-
b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de
Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da
seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica
63
39 Capiacutetulo V
Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute
que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e
mediaccedilatildeo116
) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si
mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes
dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5
modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117
harmocircnica compotildee-se
de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo
aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos
posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo
geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10
entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]
de
modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118
Sendo a quantidade dupla na
quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo
comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a
aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15
proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na
harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs
consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo
sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias
aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20
ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre
cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual
seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas
razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os
nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119
25
116
A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O
3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se
tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf
Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117
O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo
entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118
Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B
representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a
meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie
harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de
proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119
As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b
LXIII
V
Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν
( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν
ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν
Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν
αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5
Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ
Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν
π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν
π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ
ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]
Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10
α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν
π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν
υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν
Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ
lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15
α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν
π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ
ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ
Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν
π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20
Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ
ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν
ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν
πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν
α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25
π ῖ Ν α α έ
64
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V
As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo
apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas
apresentadas ao fim do capiacutetulo
A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que
na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120
Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3
obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao
acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda
os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6
formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo
de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo
dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser
divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)
e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8
Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia
aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em
dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia
aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava
assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27
(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois
termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de
quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op
cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas
entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que
compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4
6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos
termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida
surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3
120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3
65
311 Capiacutetulo VI
E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem
propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de
mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos
consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5
denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126
agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram
soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente
descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto
a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10
e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com
o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada
chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado
geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado
pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15
composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4
122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo
LXV
VI
π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ
π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν
αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν
υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5
φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ
α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν
ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν
α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν
ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10
α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν
Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )
ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ
υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν
ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15
66
somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo
resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a
esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira
consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20
quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e
se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros
seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o
primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio
proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25
assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante
caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo
acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo
acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma
proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30
dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as
consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas
proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo
sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a
razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35
nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137
133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta
LXVI
ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν
Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν
φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν
υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20
Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν
α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν
α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ
έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν
[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25
ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ
Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν
αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ
υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν
ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30
υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν
π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν
υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν
π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35
απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν
α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ
Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α
67
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI
A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se
agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees
pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente
tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um
ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros
iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel
estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada
nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends
the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa
particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)
que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes
todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a
deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute
tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se
compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente
Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo
e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute
quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo
com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular
εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna
enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores
divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns
68
313 Capiacutetulo VII
Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um
lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os
intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos
revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas
por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5
nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a
outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao
passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em
virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe
facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10
dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do
material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais
doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui
em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que
padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15
nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o
meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam
do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por
isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam
recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20
universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos
fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas
nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e
perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a
semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25
caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas
temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as
coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o
crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α
LXVIII
VII
ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν
Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]
π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ
Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν
ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ
αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5
α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν
αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν
αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ
Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ
υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10
π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν
α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν
α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ
π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15
Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν
υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ
ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ
α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α
Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20
υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν
Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]
αὶ ὸ Ν Ν
Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν
α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ
έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25
αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν
Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν
αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν
69
que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30
lunar140
E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as
fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de
Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do
ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute
disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35
coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e
a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece
rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea
natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as
consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40
140
Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por
colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada
nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro
III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem
caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade
ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves
esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas
LXIX
π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν
αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30
φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ
α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν
αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν
α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35
Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν
Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν
α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν
α Νπα Νπα π έ
70
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII
Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da
incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos
nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia
aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da
experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros
se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na
forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos
por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus
pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja
ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que
platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona
os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute
controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel
superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q
ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na
especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a
origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles
(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a
Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere
SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes
neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e
Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia
enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles
A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que
reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da
alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e
da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais
culmina seu tratado
71
315 Capiacutetulo VIII
Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes
prestam os nuacutemeros141
Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem
nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria
dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se
ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142
[106]
pois a mesma 5
proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores
(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim
tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de
ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos
fisionomistas143
Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10
eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve
atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres
perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla
no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada
trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15
perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores
(a exemplo das febres hemitriacuteticas144
) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave
esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145
essas satildeo temiacuteveis e
letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante
proporccedilotildees quantitativas 20
De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar
consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se
poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)
produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo
entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25
141
Cf Filebo 55d ss 142
Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a
beleza em si 143
O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria
uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf
Repuacuteblica livros II III e X 144
Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos
agudos em dias alternados 145
Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)
ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ
LXXI
VIII
Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν
φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν
α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν
Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν
ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5
φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν
Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν
φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν
α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν
υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10
π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν
πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν
φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν
π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ
π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15
ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν
υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ
υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ
α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν
α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20
π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ
π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν
Ν
72
amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas
vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia
intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos
meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo
racional e a concupisciacutevel146
E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]
surpreender-te-ia o 30
fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas
melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147
E dentro da
proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a
cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o
conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35
cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os
dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e
pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e
ignorante
146
Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma
racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra
mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas
eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147
Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer
e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica
como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q
LXXII
φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν
Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25
αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν
ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν
αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν
Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν
π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30
ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν
υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ
ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν
υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν
έ35
73
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII
Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica
Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da
medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma
seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de
que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as
imposiccedilotildees do destino
Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma
que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ
ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave
teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por
Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e
16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria
a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo
corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto
meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das
contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma
dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs
livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como
expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ
A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria
entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da
hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q
e seu tratado no sec II dC
Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a
teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles
(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas
Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da
consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo
Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de
vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias
508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e
74
317 Capiacutetulo IX
Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a
semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se
perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez
constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as
realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5
as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais
relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de
semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma
imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que
preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10
tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos
seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]
com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia
calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim
sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15
148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica
LXXIV
IX
Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν
υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν
α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν
υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν
π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5
π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ
π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν
α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ
Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν
υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10
Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ
ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν
Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν
α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν
ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15
πα α α έ
75
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX
Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual
essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o
breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III
dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que
Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um
espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de
opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do
tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que
mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo
ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da
alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A
Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p
195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo
entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do
mundo
O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que
assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave
intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos
76
319 Capiacutetulo X
Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja
em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de
mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito
proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no
acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151
O movimento da voz concebido sem 5
referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152
tal como as primeiras coisas
Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou
descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria
mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153
Assim tal
como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10
mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a
imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade
com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que
a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas
tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15
receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical
participa do grave como do agudo154
Dentre as notas algumas [109]
satildeo fixas outras satildeo
moacuteveis155
e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros
satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos
151
Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter
entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152
τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e
natildeo material da altura tonal 153
O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz
determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel
Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala
exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde
agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154
Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo
adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de
indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para
sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a
primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou
seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155
Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas
enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias
determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo
tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se
mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo
LXXVI
X
Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν
Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν
υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν
αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α
α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5
Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν
Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν
π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ
υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν
π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10
α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν
π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν
π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν
ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν
α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15
Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ
α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]
Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ
πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ
ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν
α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20
υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν
ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν
π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν
αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν
ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25
π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν
Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν
φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30
Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ
)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν
77
quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20
baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se
segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas
apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156
Satildeo elas com efeito o
princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as
notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25
mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157
Assim tambeacutem a respeito do universo homens
divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste
mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que
eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a
morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30
completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz
conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo
eteacutereo158
o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras
(que apresentam dois intervalos159
a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele
produzido pelos seres sublunares160
que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35
e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o
semitom e o tom161
E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e
solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns
pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo
156
Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas
baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante
desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja
anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157
As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois
tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que
A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde
Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como
perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave
Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na
eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de
passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158
Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo
269a ndash 270b 159
A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente
notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a
nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero
enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160
Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161
No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e
no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda
LXXVII
υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν
ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν
α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35
α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ
α α π ν αὶ ὴ Ν [110]
Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν
α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν
φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ
Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40
π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν
π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν
πα α έ
78
graves e tendem para a terra162
Aleacutem disso [110]
o fato de que as notas tendam natural e 40
indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o
caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual
eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o
equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos
opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163
que produzem os bons climas o crescimento 45
das plantas e a sauacutede dos animais
162
Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os
intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos
densos e porosos 163
Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute
importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas
ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da
terapecircutica eacutetica Cf II 9
79
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X
A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da
dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no
campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente
informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio
situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa
harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o
grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo
(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no
fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim
as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta
Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como
eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave
imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que
seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal
como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas
entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o
movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes
A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao
simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II
No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade
(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto
a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para
novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta
mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria
80
321 Capiacutetulo XI
O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a
natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo
ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164
designa-se a natureza intermediaacuteria165
Dentre
os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e
ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5
que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166
vem a ser tripla Poreacutem como nas
dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional
ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante
um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute
estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10
cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio
a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer
realidade perceptiacutevel167
E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem
em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs
[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies
168 o mesmo nuacutemero 15
de tons do Sistema Perfeito169
No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a
essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia
164
A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81
Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O
tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual
surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava
tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)
formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema
Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por
conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165
Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui
por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se
que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)
simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)
Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q
logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166
Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167
χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)
por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A
hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo
que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168
As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As
espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169
Ou seja o intervalo de oitava
LXXX
XI
Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν
πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν
Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ
α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ
ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5
Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν
ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν
ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν
π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν
φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10
π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν
ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ
Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν
ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν
αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15
ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ
αΝ
81
intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua
perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170
(pois o que chamamos de alma alguns denominam como
ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20
em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero
diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e
inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou
nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172
tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute
composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25
semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a
triplicaccedilatildeo173
dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por
uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma
harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio
eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174
da alma Jaacute no que diz 30
respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o
cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo
responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e
a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175
170
Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves
trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171
χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima
412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist
De anima 430a10-25) 172
Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute
o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e
cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173
Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174
A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma
Cf Timeu 36e ss 175
A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre
a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se
daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte
LXXXI
ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ
ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν
Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20
α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ
ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν
α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ
υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν
Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25
α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν
α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν
ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ
ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν
πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30
αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ
82
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI
Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a
estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve
auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees
Tabela 1 - Triacuteades
INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO
Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente
Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo
Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria
Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um
desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na
medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em
conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros
Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees
propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda
que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano
e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente
inconclusivas
Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que
tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que
permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado
Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o
gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo
83
323 Capiacutetulo XII
Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois
quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por
meio do dois e a material [112]
por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave
regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem
afinidade com o dois176
A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5
desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela
soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo
dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui
Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira
com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10
seis179
Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]
ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e
a nona a esfera natildeo astral180
O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo
trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os
uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15
o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181
Jaacute o dezessete termo meacutedio entre
os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou
176
Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano
(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do
capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter
passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave
mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos
traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o
mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa
duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o
corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria
uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e
extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao
espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177
Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178
Cf III 6 179
Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam
respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180
Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e
Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser
a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181
Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de
modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a
circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem
aacuterea e circunferecircncia iguais a 18
LXXXIII
XII
α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ
ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ
ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν
ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]
Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν
α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5
Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν
α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ
Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν
π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν
ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10
Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν
πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ
ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν
φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν
ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15
αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ
υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ
ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν
84
relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182
O trinta e seis183
ao evidenciar a diese
aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano
182
Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute
agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18
ou 9) e a parte (16 ou 8) 183
Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar
da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada
multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento
relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao
processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da
diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e
o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave
cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie
formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a
seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do
6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea
LXXXIV
ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν
α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20
υ Ν υ α έ
85
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII
Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza
mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em
que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o
nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como
unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo
participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma
extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo
ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou
material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual
A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom
manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a
322
3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas
com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a
alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute
contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o
eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao
ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no
sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos
semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo
simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular
decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3
86
325 Capiacutetulo XIII
Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se
cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e
oito185
nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]
mecircs ocorre de ser vista com essa
mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e
omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5
tons186
nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15
apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons
para novamente retornar agraves graves187
E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo
tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188
(com agraves vezes um dia remanescente)
ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10
nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o
iniacutecio do descenso
184
π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue
trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo
de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo
como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando
harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo
(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se
intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai
possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de
ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185
Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima
do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco
tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo
enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186
Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa
voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187
A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os
intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188
Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio
Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p
199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada
dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na
verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por
Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen
sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa
posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A
correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais
um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no
sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema
Perfeito Maior
LXXXVI
XIII
Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν
α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν
lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]
ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν
α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ
Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5
φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν
α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν
φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν
Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ
ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10
υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν
ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν
π έ
87
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII
No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua
ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de
mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra
alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo
(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica
(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos
lunares
A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do
gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou
tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do
Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros
modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou
mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada
Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29
dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente
e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura
do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir
88
327 Capiacutetulo XIV
Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se
mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton
assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos
bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais
pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5
do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem
disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde
denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo
entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192
com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10
comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco
situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira
e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve
comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194
dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15
mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196
Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra
sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais
proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar
pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20
189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual
LXXXVIII
XIV
Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν
ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν
Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν
π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ
αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5
Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν
Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν
Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν
αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν
φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10
π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]
π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν
α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ
πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15
π υ αέΝ
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν
Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν
ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν
Ν αὶ φ ῖ Ν 20
89
terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute
necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o
movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o
movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico
deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25
E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute
anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo
ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao
olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao
ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30
diante dele foi posto o para-vento197
das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade
depende de um corpo luminoso198
)
197
Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198
Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos
LXXXIX
Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν
π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ
α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν
ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ
αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25
α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν
π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ
ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν
ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ
αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30
α ῃ α Ν α)έ
90
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV
Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar
Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute
que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)
enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas
do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando
por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele
entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos
TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico
SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter
O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais
intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo
91
329 Capiacutetulo XV
E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada
um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os
tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente
ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute
no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5
meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por
outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo
de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre
ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a
regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10
humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos
objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido
mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio
de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a
regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15
expressa a regiatildeo eteacuterea
199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois
XCI
XV
Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν
π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν
π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν
ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν
ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5
υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν
Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν
α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π
α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν
Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10
υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν
π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν
Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ
92
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV
O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e
Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo
Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes
Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos
PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos
OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter
NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea
MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular
93
331 Capiacutetulo XVI
No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas
de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e
meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao
prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem
razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5
(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde
meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave
temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais
daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o
tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10
corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute
limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se
comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro
elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao
segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15
irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro
pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas
devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da
alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c
XCIII
XVI
Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν
π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ
π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν
υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ
Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5
π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν
υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν
π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ
π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν
α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10
φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν
α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν
αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν
υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν
Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15
Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν
Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν
ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ
94
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI
A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas
quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de
Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e
associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8
Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto
eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na
conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo
as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos
tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia
de cada uma das divisotildees da alma
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma
Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico
Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Irracional Racional
Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes
Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional
Oitavas Oitava grave Oitava aguda
Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o
segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras
naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)
parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois
Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no
capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195
supra
95
333 Capiacutetulo XVII
E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que
conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema
perfeito215
assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo
semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese
ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216
5
ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o
sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na
qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior
e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217
tonal e estar limitado pela potecircncia da
voz218
ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219
para uma vida mais elevada bem como o 10
[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio
evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os
saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada
homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio
sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15
lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem
221 fala claramente desses dois tipos
de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil
e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os
deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares
ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20
215
A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216
Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e
disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro
meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217
O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das
mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a
passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da
primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude
para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27
como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218
Cf III 6 n 131 supra 219
Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra
220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo
ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221
Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d
XCV
XVII
Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν
Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν
υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν
ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν
ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5
ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν
αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν
Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν
π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10
α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]
α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν
α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν
Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν
π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν
π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15
π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν
ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν
Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν
ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20
π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ
96
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII
Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma
no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes
correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama
especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no
tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua
forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o
bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano
Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para
temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a
dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical
(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o
que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano
no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase
dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como
uma tarefa aacuterdua dada a cada homem
Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos
que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo
(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa
divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando
os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no
cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o
livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute
um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III
reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto
97
335 Capiacutetulo XVIII
Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm
relaccedilotildees simpaacuteticas222
com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos
mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o
primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223
agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem
com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5
elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224
nuacutemero segundo o
qual dizem225
os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6
obteriacuteamos 210 [118]
nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226
E
mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees
riacutetmicas227
igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228
dos 10
quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si
mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos
o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo
formados os bebecircs de nove meses229
E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15
nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem
vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230
Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo
tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231
Poreacutem natildeo participando de todas
jamais chegam a nascer vivos232
222
O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223
Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224
Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225
Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol
2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles
distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226
Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227
Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I
14 228
A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229
Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos
diferentes 230
Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231
Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo
da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45
multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a
gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que
assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere
Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da
gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232
Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An
408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo
XCVII
XVIII
Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν
υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν
α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν
Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5
π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ
Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ
απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]
αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν
Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10
π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ
Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ
Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ
π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν
Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15
α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν
α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ
αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν
π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν
α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20
98
Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20
intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos
consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve
tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo
da alma para a nobreza viril233
da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave
virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25
beleza234
durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos
alveacuteolos pulmonares 233
Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel
e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave
virtude da temperanccedila 234
Rep 403c
XCVIII
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ
Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ
υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ
α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν
π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25
Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ
403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ
99
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII
O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial
sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos
em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral
do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III
4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma
racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer
maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as
comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento
racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que
presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero
geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de
Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A
Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no
estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The
Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular
interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no
anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion
2008 p 2092)
Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os
caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos
hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der
Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave
teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo
pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De
animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo
Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais
adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero
platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades
100
337 Capiacutetulo XIX
Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que
constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a
piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra
por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar
enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5
icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente
quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por
meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais
estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da
aacutegua239 10
Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o
nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela
semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o
outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o
doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15
com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um
intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a
proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242
235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo
C
XIX
Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ
ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ
αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν
α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ
φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5
α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν
ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν
πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ
πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10
ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν
α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ
αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ
υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ
101
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX
O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo
anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio
deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos
quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados
segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares
Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-
56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das
associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos
os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-
d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo
Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que
compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos
sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees
Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo
Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo
Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono
Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera
Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno
Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q
agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o
fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas
exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a
hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente
pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos
aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo
do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o
icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala
A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta
(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)
102
339 Capiacutetulo XX
Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois
uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o
corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos
brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo
momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5
assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem
arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que
prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma
pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos
nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10
idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som
diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho
aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a
natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis
(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15
fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa
voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre
os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo
sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as
243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27
CII
XX
Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν
ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ
α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ
Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν
ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5
π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ
π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν
Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν
α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10
Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν
ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν
α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν
ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν
Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15
αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν
Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν
Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν
Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν
α Ν υ Ν 20
103
realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20
conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente
impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo
obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria
bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem
subjacente agraves notas musicais252
E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253
a cada 25
uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas
252
Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253
Cf II 12-14
CIII
ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν
φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν
πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ
π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν
α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25
π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ
υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν
πα α έ
104
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX
Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a
oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo
Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys
material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos
abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui
como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata
to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze
quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o
quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos
quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista
completa na ordem seguida por Teacuteon
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia
2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia
3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade
4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice
A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato
como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)
Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle
(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)
disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado
em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)
A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das
esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada
por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp
135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos
natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de
Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja
105
contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o
conhecimento necessaacuteriordquoέ
106
341 Capiacutetulo XXI
Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino
No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute
uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra
dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A
esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5
emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua
de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia
participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos
corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a
chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10
semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave
nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das
vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que
dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas
noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15
familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a
deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela
possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a
esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva
por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20
mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas
atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma
equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como
254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23
CVI
XXI
Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν
ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ
υΝ ὸ [121]
Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν
υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5
ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν
ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ
Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν
υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν
Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10
α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ
α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ
π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ
υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν
ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15
αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ
ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν
αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ
αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ
Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20
πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν
α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]
Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ
Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν
ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ
α ὰ 25
107
Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute
casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25
enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A
partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260
poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261
Se
atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim
sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30
planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas
Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do
que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de
forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo
tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262
Uma vez mais portanto satildeo sete as 35
notas remanescentes263
as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que
a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um
poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas
remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas
ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40
que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos
Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada
atraveacutes do eacutepsilon [123]
pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de
dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264
do primeiro par
e do primeiro iacutempar 45
260
O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261
Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo
com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu
(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em
aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262
Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada
quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero
bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas
apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a
modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu
maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263
A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264
Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5
correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro
nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar
CVII
Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν
π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ
υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ
π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν
Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30
Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν
π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν
π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ
ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν
αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35
φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν
α Ν ῖ Ν α α έΝ
Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α
π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν
ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40
α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν
α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν
π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν
π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]
ὰ ξ ρΝ
Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45
Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ
ὸ Ν υ έ
108
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI
Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em
II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo
associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo
desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais
intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter
masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do
primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)
superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a
qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a
ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas
notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta
Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida
estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem
outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute
associada ao eacutepsilon
Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais
correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino
feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os
planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava
do SPI fica como exposto a seguir
Figura 14 - Planetas e notas I
Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as
notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados
agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as
109
regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem
unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees
contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo
ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono
Figura 15 - Triplicidades
Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave
mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que
penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo
a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui
Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as
triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece
muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de
Ptolomeu que vem a ser a seguinte
A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries
Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade
correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda
maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio
A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e
Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo
compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta
triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute
que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus
Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para
as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois
110
quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente
masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira
ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino
associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima
Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de
ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-
feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da
ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das
triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e
Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso
poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente
segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que
se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)
Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com
as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste
capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como
expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o
intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos
planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa
necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas
de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu
Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III
A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece
dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen
conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para
Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma
mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de
potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave
nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por
razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A
disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir
265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar
111
Figura 16 - Planetas e notas II
Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre
vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as
sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile
Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no
serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute
aquele momento
112
343 Capiacutetulo XXII
Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada
um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves
notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota
acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o
terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5
zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco
relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da
consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que
tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada
organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10
como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash
que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila
onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos
dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo
266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II
CXII
XXII
Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν
Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ
ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν
ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν
α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5
ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν
α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν
Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ
ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ
υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10
α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ
Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ
113
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII
O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea
e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava
ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos
dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que
se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva
disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)
liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia
(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)
Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde
primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie
hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo
anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton
teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese
de que resultaria entatildeo a ordem a seguir
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa
Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia
Tetracorde Primeiro Meacutedio
O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos
(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de
qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a
espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os
graus do SPI
O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as
espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no
capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil
interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias
Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas
114
do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no
zodiacuteaco
Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do
SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda
se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se
utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de
oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso
Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem
das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave
doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as
notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave
espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala
ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma
ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie
hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano
tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com
a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por
diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima
Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia
Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico
Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que
corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma
Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por
Colomer e Gil no capiacutetulo anterior
Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos
quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias
relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia
dos toacutenoi se inverte na oitava aguda
115
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco
Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio
Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico
116
345 Capiacutetulo XXIII
E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim
divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais
jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional
caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5
reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional
denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo
situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse
triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a
quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10
caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais
desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino
como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco
sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279
Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15
natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos
setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados
entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis
o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero
nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20
igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a
razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo
a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285
273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32
CXVI
XXIII
Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν
ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν
Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ
α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5
ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]
πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν
ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν
Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ
π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10
Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν
ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν
ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ
π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν
α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15
ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν
Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ
π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν
φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ
αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20
α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν
Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ
117
Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286
Por isso eacute que tendo
dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25
trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles
domina ao longo de dez dias288
ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero
perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da
circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289
Cada um
deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30
acircngulos agudos formando doze segmentos290
Dois desses segmentos formam o lado de um
hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291
Trecircs deles formam o lado de um quadrado e
estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292
Quatro formam o lado de um
triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em
outro293
Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294
natildeo estabelecendo nenhuma 35
proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem
relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades
anteriores forma o diacircmetro295
Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero
maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois
o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40
nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296
285
43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286
Rep VIII 546c 287
Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do
signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do
horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco
completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288
Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O
tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias
dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289
360ordm 90ordm = 4 290
90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291
Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um
segmento em relaccedilatildeo ao outro 292
Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293
Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em
razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294
Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295
180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de
oitava e quinta com o hexaacutegono 296
Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica
relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre
razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18
CXVII
υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν
υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π
ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25
υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν
Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν
α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν
α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ
Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30
αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν
Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν
α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν
π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν
π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35
Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ
Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ
α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν
υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν
πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40
118
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII
Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a
segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do
tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o
zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla
oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o
zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no
cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma
racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao
nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de
base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees
que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana
Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo
capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia
correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco
que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu
(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele
estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as
consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele
mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico
119
347 Capiacutetulo XXIV
Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram
atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo
estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons
musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297
(seja na mescla corpoacuterea
na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5
compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade
De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os
saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida
Assim o afirma [126]
igualmente no Timeu298
o divino Platatildeo que o demiurgo299
da alma
tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10
natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o
intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300
novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo
dupla ateacute o oito301
e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302
Platatildeo ter-se-ia
expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15
individual no acircmbito nas artes303
quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute
outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um
lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o
princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees
mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20
igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel
de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a
profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se
vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente
propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25
297
Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298
35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag
22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299
Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300
As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia
intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro
indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise
completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301
A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302
A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303
A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)
deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II
CXIX
XXIV
Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν
φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ
π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ
Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν
φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5
αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν
υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ
Ν Νπ [126]
αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ
Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ
υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10
Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν
αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν
α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν
π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ
α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15
Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν
ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν
Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν
α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν
(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20
α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν
α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν
υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν
120
ocorre de a alma tender para o melhor304
ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar
relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos
divisiacutevel
Mas igualmente os maiores bens da alma305
disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes
agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30
com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306
(pois cada apreensatildeo
intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda
posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute
anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o
excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35
iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a
igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto
tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das
partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre
as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40
por meio da heacuteptada ()307
vemos o saacutebio308
dispor o discurso acerca da alma de modo duplo
a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e
a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da
mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309
Isso se haacute de tornar claro no diagrama310
da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45
dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a
forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais
retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre
superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do
304
Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305
As virtudes Cf III 16 306
Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307
Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem
como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio
estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda
εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos
que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p
527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na
traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308
Platatildeo Timeu 35b-36a 309
As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310
O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra
CXX
Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν
α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25
Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ
π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν
α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ
π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ
Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30
π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ
υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν
α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ
Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ
α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35
Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν
ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν
Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν
π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40
ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν
ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ
Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν
υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν
πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45
121
seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50
do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311
pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312
adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio
Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se
percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55
Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso
do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo
expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute
foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as
partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60
aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua
emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que
analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao
senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do
universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65
que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a
imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a
instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim
311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23
CXXI
Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν
πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν
π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ
Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ
α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50
αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ
αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν
υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν
π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν
υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55
ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν
υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν
φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν
ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ
υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60
ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν
φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν
πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ
122
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV
A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que
Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais
alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos
capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e
aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem
seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo
demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)
Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos
nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera
mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em
reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de
caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-
525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em
virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao
capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade
expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa
(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas
poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se
como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica
expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute
assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu
a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o
quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel
O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes
na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave
geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss
1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411
ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir
123
Figura 17 - Dupla tetraktys I
Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157
Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo
de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen
(p 53) sugere outra figura
Figura 18 - Dupla tetraktys II
Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo
desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o
diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as
proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os
termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um
membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois
intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O
recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas
Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees
teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da
muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5
124
349 Capiacutetulo XXV
Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320
eacute o primeiriacutessimo e mais natural
princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo
em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]
e no esquecimento assoberbada
de agitaccedilotildees e estiacutemulos321
e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve
momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5
sabedoria322
] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de
loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos
indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323
moderam a irracionalidade natural (tal como fazem
os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o
medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324
Por isso 10
eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser
purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as
emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais
ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma
mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15
um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no
igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o
tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo
claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior
ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]
Quanto agrave melodia (quer 20
entedida enquanto partes dos sistemas327
quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo
musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na
320
υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das
paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p
430 321
Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322
Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129
Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323
Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-
104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324
Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela
envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em
detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325
Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de
Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326
Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo
planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327
Enquanto escalas meras sequecircncias de notas
CXXIV
XXV
α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν
υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν
ᾳ [129]
αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν
π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν
Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5
ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν
ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν
Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν
π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν
ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10
α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν
αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν
Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ
ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν
Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15
Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ
Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ
υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ
ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20
125
posiccedilatildeo das letras328
das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave
terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as
geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25
maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se
associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329
) deve-se associar
ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do
deus330
que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau
estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30
aos demais elementos331
Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos
enquanto a ordem da alma ()332
eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja
substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333
a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao
passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um
ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334
Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35
sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se
corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335
328
Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma
posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a
disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf
II 14 III 21 329
Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo
simboacutelica 330
Apolo 331
Cf II 19 (92 5-8) 332
Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em
Mathiesen p 65 333
I 13 (318) 334
Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto
em Feacutedon 70d-72d 335
O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)
CXXV
Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν
Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν
υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν
Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25
π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν
π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν
α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ
Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ
Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30
α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ
π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν
π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν
φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ
Ν α έ 35
126
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV
A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo
anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao
progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento
do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a
em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades
inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no
entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos
organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma
Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla
corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da
corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da
relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos
do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou
geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas
que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das
contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico
e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete
ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo
riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado
o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas
127
351 Capiacutetulo XXVI
Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele
perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem
sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e
nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de
abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5
coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja
intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os
princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as
migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a
idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10
certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na
casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio
da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a
predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na
τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15
retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados
Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel
denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que
pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o
futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20
que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre
336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200
CXXVII
XXVI
ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν
ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν
α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν
π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν
αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5
Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ
α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν
α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν
Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ
Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10
Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν
α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν
υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν
Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν
Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15
Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν
α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν
Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ
Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20
128
passiacuteveis de mudanccedila345
Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a
ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave
economia coacutesmica [132]
nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no
seu desenrolar346
Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347
testemunha igualmente que isto eacute 25
assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos
disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia
fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora
destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer
(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30
colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ
Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz
ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre
os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo
divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35
eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo
oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente
ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o
profeta do universo352
teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso
parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40
δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada
indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que
naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ
345
Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o
paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5
346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d
Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do
devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta
Veterum Stoicorum B7-8 347
Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus
oraacuteculos 348
Heroacutedoto IX 43 7-8 349
αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e
contingecircncia 350
Odisseia VIII vv511-512 351
Iliacuteada III v59 352
Apolo
CXXVIII
α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ
πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ
αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν
Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ
πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25
πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν
α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν
Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ
Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν
πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30
ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν
α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν
α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν
π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν
π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35
α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν
α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ
ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν
ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν
υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40
υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν
Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ
129
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI
Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo
os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ
necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia
impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona
explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois
campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute
tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos
ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na
vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de
acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A
trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna
difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave
liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute
ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila
pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de
acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q
pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica
ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas
antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da
participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na
sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se
distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como
veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade
enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um
acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir
130
353 Capiacutetulo XXVII
Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a
essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros
sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma
nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado
esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5
escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins
de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e
leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a
participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas
merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10
verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe
aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e
tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o
profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e
auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15
ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada
uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a
perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo
que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da
geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20
propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo
A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber
353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c
CXXX
XXVII
α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν
Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν
α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ
ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν
π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5
Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt
ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ
φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ
π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν
π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10
απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ
Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν
Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν
αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ
φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15
πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν
υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν
υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν
υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν
Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20
υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ
Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν
φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ
131
Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com
perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360
que nos levou a essa empreitada
e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25
como dizem foi de todo mau361
pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que
no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo
quanto eacute relativo agrave muacutesica
360
Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa
invocaccedilatildeo 361
Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf
Mathiesen p 57 n 244
CXXXI
αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25
αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν
πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν
υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ
132
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII
No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando
seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem
como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave
filosofia com que encerra seu tratado
Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um
esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para
dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou
o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a
perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse
reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa
conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez
vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade
assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da
natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se
para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na
(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo
contato com o inteligiacutevel
Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso
da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa
imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo
filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em
π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos
π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o
mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e
moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos
termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como
ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja
proporcional e semelhante
362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329
133
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Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo ndash UFPR
Morais Fernando Luiacutes Barreto de Αρ ου ο α ου π ρ ου η liber III introduccedilatildeo
comentaacuterio traduccedilatildeo e notas Fernando Luiacutes Barreto de Morais ndash Curitiba 2016
185 f Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute
1 Muacutesica Grega Antiga 2 Da Muacutesica ndash Aristides Quintiliano 3 Filosofia Antiga ITiacutetulo CDD 875
Y a-t-il une possibiliteacute pour que dans le creacutepuscule
nous puissions saisir quelque chose de ce qui a eacuteteacute ἔrsquoaἡroreς ἁ a-t-il quelque chose qui dans le dernier moment reponde au premier moment Nous sommes peut-ecirctre dans une nuit qui va preacuteceacuteder un nouveau jour Nous sommes agrave la veille du plus enorme changement sur la terre Est-ce que dans cette nuit nous ne pouvons pas avoir quelques clarteacutes sur ce quit fut ἔrsquoaἡbe de la penseacutee ἐἡἕaἑne et sἡr ἔrsquoorἑgἑnaἑre agrave venir
Martin Heidegger
(Arnoux 1960 p8 apud M Jean Wahl δrsquoἑdeacutee drsquoecirctre cἐez ώeἑdegger 1951)
RESUMO
Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III
Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga
ABSTRACT
This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole
Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music
Agradeccedilo
Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e
aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo
A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes
Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea
Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas
E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos
meus estudos
IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123
IacuteNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Triacuteades 82
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115
SUMAacuteRIO
1 Introduccedilatildeo 10
11 Autor e obra 12
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24
14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32
21 Teoria harmocircnica 32
211 Gecircneros e nuances 33
212 Sistemas 34
213 Tom tropo e harmonia 38
214 Modulaccedilatildeo 40
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41
3 Traduccedilatildeo do Livro III 49
31 Capiacutetulo I 49
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52
33 Capiacutetulo II 54
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56
35 Capiacutetulo III 58
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59
37 Capiacutetulo IV 60
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62
39 Capiacutetulo V 63
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64
311 Capiacutetulo VI 65
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67
313 Capiacutetulo VII 68
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70
315 Capiacutetulo VIII 71
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73
317 Capiacutetulo IX 74
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75
319 Capiacutetulo X 76
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79
321 Capiacutetulo XI 80
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82
323 Capiacutetulo XII 83
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85
325 Capiacutetulo XIII 86
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87
327 Capiacutetulo XIV 88
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90
329 Capiacutetulo XV 91
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92
331 Capiacutetulo XVI 93
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94
333 Capiacutetulo XVII 95
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96
335 Capiacutetulo XVIII 97
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99
337 Capiacutetulo XIX 100
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101
339 Capiacutetulo XX 102
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104
341 Capiacutetulo XXI 106
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108
343 Capiacutetulo XXII 112
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113
345 Capiacutetulo XXIII 116
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118
347 Capiacutetulo XXIV 119
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122
349 Capiacutetulo XXV 124
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126
351 Capiacutetulo XXVI 127
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129
353 Capiacutetulo XXVII 130
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133
10
1 Introduccedilatildeo
Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor
Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato
com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo
desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites
com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos
menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o
modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja
como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos
Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto
ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural
estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q
me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia
pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e
preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas
Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais
deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo
aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um
contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a
chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias
talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos
ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e
longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e
fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da
razatildeo e da liberdade
A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade
voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre
me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que
coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas
amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa
vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos
justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute
11
certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo
natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado
proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso
Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos
parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de
universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de
pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo
(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do
tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que
pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas
sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma
A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra
certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita
avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma
antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como
expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio
preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente
humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui
importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo
Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do
espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos
descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou
desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o
espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende
nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra
demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige
cuidados
Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger
Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria
antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na
plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que
infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um
campo de treinamento
12
Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento
de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito
estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias
destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos
aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que
frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar
destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem
consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano
tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto
capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios
Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que
favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em
algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-
1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a
consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-
15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na
medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos
natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e
serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho
Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano
11 Autor e obra
Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito
deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda
outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio
provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome
romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha
pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em
algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum
segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico
restou de Aristides Quintiliano
1 II 10 32-34
13
Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado
a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo
registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido
aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de
seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains
unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early
source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec
XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece
associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar
A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash
c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George
Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel
Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente
moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o
impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e
secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais
a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da
obra
Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em
algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et
Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois
motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque
evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De
Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse
terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento
e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica
2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68
14
musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada
impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum
Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam
A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute
hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus
Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese
foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor
da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-
Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo
no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola
publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua
elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez
situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em
fins do seacutec IV
Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o
argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque
aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das
exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica
desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o
desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel
Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro
musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33
9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12
On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5
15
vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse
conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que
considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)
ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las
conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que
χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o
conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa
amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de
Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely
technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by
contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are
introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ
Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em
III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual
eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo
capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do
alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten
coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ
Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente
num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido
de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a
hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de
uma data posterior para o Da muacutesica de A Q
Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e
neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas
ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees
de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e
encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps
2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de
Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo
alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e
19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica
16
sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325
dC)
Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do
descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso
tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por
Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do
destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir
poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo
a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto
Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)
Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo
ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o
Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas
que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo
transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera
individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais
Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash
natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao
periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no
17
seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-
161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade
Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que
estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem
retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao
imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute
conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del
ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ
Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois
paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou
lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o
emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460
exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem
duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de
Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado
Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco
Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do
autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem
ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que
fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de
Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra
verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo
platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os
interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas
(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que
propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere
a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)
Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima
inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que
21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1
18
abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em
Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do
assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida
importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como
termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas
e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural
Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o
preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um
provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos
amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da
identidade do autor
Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos
que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a
maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com
a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente
estabelece
Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo
liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio
Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo
definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e
ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja
ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido
ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel
AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo
contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior
aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa
coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz
Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece
qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ
Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por
Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A
24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)
19
conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e
amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e
Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como
alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno
Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a
Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome
Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um
Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico
que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo
natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides
Quintiliano
Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a
certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar
o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio
Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92
Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio
Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como
faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter
recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio
e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a
miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo
esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto
no presente quanto no passado
Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides
Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura
26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)
20
bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos
musicoacutegrafos aacuterabes28
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo
O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os
mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII
(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A
Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e
tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja
transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o
nome de terceiros
Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do
livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do
periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos
ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica
Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de
Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos
diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem
(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo
teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de
origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos
27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ
υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6
21
de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a
sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica
Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter
tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a
permanecircncia do interesse pela obra de A Q
No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no
fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico
e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo
a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa
traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio
provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides
Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de
Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo
entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente
conheceram Aristides Quintiliano36
O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais
importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em
1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37
por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38
Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e
32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica
22
Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes
por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de
conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia
o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo
comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da
coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX
como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano
Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45
acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em
1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de
Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)
began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music
theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus
complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo
O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op
cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente
citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o
livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado
tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais
ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende
que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado
O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo
os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento
dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por
40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi
23
Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com
exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo
Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que
serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de
Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda
notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem
parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia
do original grego
No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um
pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos
frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por
exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o
artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren
Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54
Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico
filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos
de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de
reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega
Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a
publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de
estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J
47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963
24
Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O
estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de
mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada
nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou
ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew
Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da
Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que
procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen
Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60
igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos
antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q
para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de
tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica
dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute
desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo
ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62
ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a
seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ
Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica
tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor
declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de
conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com
o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)
deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos
Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte
explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui
o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a
58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248
25
alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado
fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e
portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo
Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende
refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura
mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e
ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a
unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio
imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs
patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino
no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados
sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que
sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63
E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata
que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de
acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a
tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de
que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em
seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou
dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que
natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios
mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua
inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-
se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna
No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que
chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o
preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente
conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido
de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e
63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel
26
objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma
participaccedilatildeo ou aspecto
O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de
meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker
(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica
proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the
movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria
enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo
conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da
definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um
pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno
musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores
A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante
Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a
menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de
Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo
fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α
) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo
(π π [] [] υ )
Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a
melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a
tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica
Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste
como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele
no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado
A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua
vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ
tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos
que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da
muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical
65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ
αὶ] α αῖ rdquoέ
27
entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma
disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica
A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica
aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute
somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da
muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais
generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica
aritmeacutetica desempenha um papel instrumental
Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute
anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em
criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo
musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro
a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q
O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina
artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde
ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de
elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo
28
dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos
(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67
O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das
paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as
afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa
a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de
certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas
para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua
Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ
α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma
consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de
uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou
irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)
Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas
partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo
indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida
Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim
como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma
irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em
mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma
Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos
a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de
Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que
reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo
Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e
Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete
e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e
em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de
Halicarnasso
66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C
29
O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das
doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado
entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A
questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada
estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da
muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia
de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral
e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo
do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo
reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo
dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste
trabalho
14 Uma proposta de traduccedilatildeo
O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a
Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a
toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez
que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no
acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma
harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica
Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto
sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do
cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as
premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse
noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo
Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas
do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente
agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da
70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)
30
Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se
no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os
capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil
situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no
cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue
essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen
Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta
traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo
de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado
capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu
verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos
livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e
referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por
versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra
inteira
Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse
predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de
sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa
arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da
linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio
ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima
luminosidade ndash na segunda parte do livro III
Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo
filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo
acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato
histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste
experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua
transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de
empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que
nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se
torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na
cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe
A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez
inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a
31
compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit
p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o
reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de
um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a
originalidade das ideias que faz do Da muacutesica
lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)
Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo
talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece
agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem
natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas
diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica
de fazer sonhar
O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de
certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-
modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia
protocolar seja de condescendecircncia arrogante
Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu
pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que
convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-
lhes o caminho
71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ
32
Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a
mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica
aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os
capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios
de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III
Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo
resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a
conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando
para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica
Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito
potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala
no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos
os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)
Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos
de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar
como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica
registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento
musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso
recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras
Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria
musical grega o tetracorde
Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que
compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o
tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou
intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia
pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado
harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo
33
que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento
nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima
formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas
eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C
fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que
veremos a seguir
211 Gecircneros e nuances
Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas
que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de
quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo
moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o
gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e
semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash
T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia
T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila
maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e
enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior
Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de
diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica
(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica
Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o
fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente
adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico
padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica
profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o
gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom
posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente
iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade
eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e
profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero
cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico
remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente
34
utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu
emprego em estado puro
Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou
nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute
referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de
semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)
O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom
semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um
terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero
(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma
diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou
ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de
tom)
212 Sistemas
Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda
sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por
conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo
na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde
cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo
Figura 2 - Tetracordes conjuntivos
No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades
doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a
configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas
35
Figura 3- Tetracordes disjuntivos
Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento
disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que
dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento
conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes
completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave
lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os
desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita
dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por
Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema
apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser
estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia
Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave
(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda
do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito
precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes
Figura 4- Sistema perfeito de oitava
Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito
Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave
sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas
36
primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o
tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado
por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de
que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira
heptacorde de tipo eoacutelico
Figura 5- Sistema Perfeito Menor
Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido
outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom
disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois
pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo
par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e
hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ
Figura 6 - Sistema Perfeito Maior
Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz
Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava
aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema
de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo
das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a
nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das
37
primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A
terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa
(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de
enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike
hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde
que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das
meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente
Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde
disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do
nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do
primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima
nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a
penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da
uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia
(paramese)
Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior
O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze
notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas
indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para
chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo
da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo
(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema
Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)
38
Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel
Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um
grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia
correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala
numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que
tratam os conceitos de tom tropo e harmonia
213 Tom tropo e harmonia
Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia
No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete
combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava
ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da
primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as
expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o
gecircnero diatocircnico satildeo
Mixoliacutedia STTSTTT
Liacutedia TTSTTTS
Friacutegia TSTTTST
Doacuterica STTTSTT
Hipoliacutedia TTTSTTS
Hipofriacutegia TTSTTST
39
Hipodoacuterica TSTTSTT
Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato
de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma
ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na
engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a
junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica
harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo
terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia
exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento
certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso
simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal
como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo
do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas
citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que
parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a
doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas
Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo
e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12
Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica
elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado
na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo
Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)
deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados
A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou
mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs
acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um
tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas
de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada
grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem
geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada
tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)
possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para
quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do
40
hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram
recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que
ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para
diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos
respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico
com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada
tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de
quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com
seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)
214 Modulaccedilatildeo
Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria
de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre
que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo
Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o
sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e
mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a
dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que
essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano
elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam
se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de
oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico
ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o
depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e
por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e
que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon
Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-
se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano
no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos
(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso
agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema
do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no
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livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno
abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano
Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso
eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si
mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e
indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo
inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo
masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que
surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da
proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo
feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )
a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem
Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A
natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash
forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )
Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave
imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo
central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica
tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um
antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou
reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para
este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e
ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III
Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que
extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas
satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria
visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II
32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa
com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade
humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da
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razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada
com exclusividade agrave filosofia
Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da
alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e
particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego
ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre
educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos
dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No
entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs
razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave
alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo
eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada
com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial
destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees
racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo
musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II
Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave
muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem
duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica
( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando
determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute
vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas
caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral
( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de
aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a
alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )
Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a
muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo
mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e
ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu
nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando
por fim no ato propriamente dito
Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez
das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses
43
mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado
o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves
paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a
essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente
as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem
como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que
podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver
sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma
virtude ainda ausente teraacute sido inoculado
Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo
estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo
masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo
entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o
feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para
Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash
talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas
Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ
Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica
e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as
escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os
instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente
masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim
diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os
posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e
viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute
humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma
espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio
Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual
E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica
quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo
No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma
oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo
por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz
Quintiliano (II 114-31)
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() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas
Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam
o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas
uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo
designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as
mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para
designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse
incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o
emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no
que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes
e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ
Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem
observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor
desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma
da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das
letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes
Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes
que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais
proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias
enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais
45
proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em
relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade
As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de
articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua
vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto
meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais
tau delta e theta As guturais capa gama e khi
Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio
entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as
aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a
expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e
portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo
formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a
analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais
ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou
masculino)
Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas
breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza
intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade
(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash
formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste
mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal
feminina por excelecircncia
No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron
ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota
o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute
excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos
trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao
fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de
masculinidade satildeo α
72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo
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Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas
palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento
Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo
dessa consoante
Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou
misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota
acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira
nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes
satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se
repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)
cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A
uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo
de oitava formado com a nota acrescida
Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo
Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio
dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem
satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos
instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da
primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do
descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material
entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os
instrumentos musicais
A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando
o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do
universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele
recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do
73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5
47
alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de
ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e
afundando-se na profundidade corpoacuterea
Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos
ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses
ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (
α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao
corpo
Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa
regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves
realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma
esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia
produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto
as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O
terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse
composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo
mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado
o nome de harmonia
Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de
nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a
origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo
sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos
de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a
alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas
liras postas lado a lado
Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato
dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico
potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo
74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ
48
outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)
Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel
com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana
enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos
quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees
( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma
Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a
certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre
Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos
(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma
enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de
acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com
que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares
Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos
e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma
agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo
brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira
doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )
satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina
acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem
menos) que o cumprimento dessa promessa
49
3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I
[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica
Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da
natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos
Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na
paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5
coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos
intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo
duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das
cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual
provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10
dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o
intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo
sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos
descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo
sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15
relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo
sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo
dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo
sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla
Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20
mencionados
76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43
XLIX
Α Ν Α Ν Ν Η Ν
I
[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν
Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν
π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ
π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν
Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5
αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν
ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν
Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν
α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ
πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10
ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν
α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν
ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν
π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15
π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]
Ν Ν π Ν Ν
ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν
Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ
α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν
α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20
50
E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou
seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81
assim procederam sabendo que o
intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros
dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25
sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia
ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82
e para o oito em razatildeo
sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que
a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um
tom consistia numa razatildeo sesquioitava83
E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30
Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados
termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero
pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo
se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute
para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35
dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior
Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84
a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que
quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo
quer acima da nota anterior e [96]
quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a
nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40
tenham dado a esse intervalo o nome de resto85
Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas
causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo
dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio
intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que
entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45
Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na
proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em
partes desiguais
81
Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )
da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82
86 = 43 96 = 32 83
(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84
Livro I Cap 11 85
α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta
na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A
Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes
L
υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν
υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν
ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ
Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ
Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ
Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν
Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν
υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30
α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν
α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν
Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν
Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν
φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35
Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν
ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ
αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν
π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν
α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40
α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ
α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν
α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν
α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ
α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45
π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ
51
Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto
exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50
duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que
estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo
estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817
mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo
192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55
muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica
inteligiacutevel86
86
Timeu 36b
LI
υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν
υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ
Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν
Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50
φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ
α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ
Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ
π ὺΝ π α Ν έΝ
52
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I
Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um
benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora
a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo
menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer
necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee
depende do que foi estabelecido anteriormente
Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica
e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material
da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee
uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma
mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz
passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente
verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da
natureza enquanto muacutesica
Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como
paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo
dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso
algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no
tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos
intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na
irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute
mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual
natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do
sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa
autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao
nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de
interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a
aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica
entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da
astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse
sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque
53
da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo
da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo
Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao
inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto
que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros
diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles
manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero
como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)
Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste
livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal
recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A
insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto
( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica
critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)
cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando
particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes
ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)
87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913
54
33 Capiacutetulo II
Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar
todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos
todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua
dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste
mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5
excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via
sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes
paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a
230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as
sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10
porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os
intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio
faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta
sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92
Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15
se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda
teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do
primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o
uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da
90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro
LIV
II
Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ
υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν
π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν
ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ
υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5
πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν
α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν
π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ
Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν
α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10
Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ
αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν
υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν
π έΝ
Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15
ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν
π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν
αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν
55
corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95
se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20
teremos o primeiro dos meacutedios96
E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-
ia a nota supermeacutedia97
mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos
a primeira dos primeiros98
A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte
modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade
igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99
E dividindo uma vez 25
mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade
idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais
quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo
entatildeo um cacircnon simples sem corda100
comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele
marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30
as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada
divisatildeo do cacircnon101
95
O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis
tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96
O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97
O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98
O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99
Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de
todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de
tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada
tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100
Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam
os intervalos 101
Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio
Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937
LV
α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20
π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν
πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ
αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν
Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν
π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25
π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ
αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν
φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν
πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν
α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30
α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ
56
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II
Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos
consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos
nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com
pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute
igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero
diatocircnico
O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as
duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde
hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas
relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas
notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos
hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute
a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete
synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre
essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo
Figura 10 - Consonacircncias no SPI
Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada
tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom
com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente
57
Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel
determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a
variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q
apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave
leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa
posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis
natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do
livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu
(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu
podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic
theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon
de Esmirna e Porfiacuterio
Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o
sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo
piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria
harmocircnica
58
35 Capiacutetulo III
Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas
Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado
Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles
traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na
quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5
quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias
pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com
que foram divididas103
Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se
completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10
portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois
tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota
com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e
doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo
ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15
dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com
relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos
primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava
a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora
102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (
) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6
LVIII
III
ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν
Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν
αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν
α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν
αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5
Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ
α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν
Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν
α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν
απ έΝ 10
α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν
υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν
α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν
α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν
Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15
Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν
π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν
π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν
πὶΝ έ
59
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III
Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o
heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as
etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )
dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees
presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia
Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ
10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H
Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp
384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)
Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o
contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio
Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora
jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute
indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do
comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11
n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro
reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento
AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial
(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta
corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)
Figura 11 - Heacutelicon
Fonte Colomer e Gil 1996 p177
60
37 Capiacutetulo IV
A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos
apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do
sistema perfeito108
Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta
compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109
tomamos os nuacutemeros [100]
3 (o
primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110
e o primeiro perfeito111
) e 4 (o primeiro nuacutemero 5
sesquiteacutercio112
e primeiro nuacutemero plano em geometria113
) e traccedilamos duas retas
perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em
proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas
correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10
de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo
aritmeacutetico114
a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados
pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute
nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para
fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115
15
108
Sistema de oitava 109
O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons
e meio) 21 = 43 x 32 110
Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111
O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo
o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou
completude do 3 112
Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113
Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a
caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1
representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou
cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3
114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na
figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115
Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas
conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d
LX
IV
Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν
Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ
π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν
ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν
ὺ [100]
Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5
π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν
α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν
ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν
α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν
π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10
ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν
α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν
π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν
π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν
π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15
61
Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica
Fonte Colomer e Gil p 180
62
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV
Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam
ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a
procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto
sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da
consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um
estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros
um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda
segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A
Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes
Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo
sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura
construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as
relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes
tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras
utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-
b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de
Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da
seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica
63
39 Capiacutetulo V
Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute
que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e
mediaccedilatildeo116
) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si
mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes
dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5
modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117
harmocircnica compotildee-se
de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo
aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos
posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo
geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10
entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]
de
modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118
Sendo a quantidade dupla na
quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo
comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a
aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15
proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na
harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs
consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo
sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias
aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20
ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre
cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual
seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas
razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os
nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119
25
116
A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O
3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se
tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf
Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117
O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo
entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118
Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B
representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a
meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie
harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de
proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119
As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b
LXIII
V
Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν
( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν
ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν
Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν
αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5
Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ
Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν
π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν
π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ
ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]
Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10
α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν
π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν
υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν
Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ
lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15
α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν
π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ
ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ
Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν
π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20
Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ
ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν
ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν
πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν
α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25
π ῖ Ν α α έ
64
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V
As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo
apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas
apresentadas ao fim do capiacutetulo
A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que
na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120
Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3
obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao
acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda
os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6
formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo
de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo
dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser
divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)
e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8
Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia
aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em
dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia
aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava
assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27
(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois
termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de
quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op
cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas
entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que
compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4
6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos
termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida
surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3
120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3
65
311 Capiacutetulo VI
E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem
propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de
mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos
consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5
denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126
agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram
soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente
descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto
a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10
e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com
o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada
chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado
geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado
pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15
composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4
122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo
LXV
VI
π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ
π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν
αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν
υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5
φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ
α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν
ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν
α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν
ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10
α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν
Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )
ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ
υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν
ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15
66
somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo
resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a
esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira
consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20
quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e
se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros
seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o
primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio
proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25
assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante
caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo
acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo
acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma
proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30
dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as
consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas
proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo
sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a
razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35
nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137
133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta
LXVI
ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν
Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν
φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν
υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20
Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν
α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν
α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ
έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν
[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25
ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ
Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν
αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ
υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν
ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30
υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν
π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν
υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν
π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35
απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν
α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ
Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α
67
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI
A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se
agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees
pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente
tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um
ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros
iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel
estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada
nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends
the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa
particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)
que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes
todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a
deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute
tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se
compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente
Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo
e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute
quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo
com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular
εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna
enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores
divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns
68
313 Capiacutetulo VII
Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um
lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os
intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos
revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas
por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5
nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a
outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao
passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em
virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe
facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10
dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do
material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais
doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui
em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que
padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15
nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o
meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam
do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por
isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam
recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20
universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos
fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas
nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e
perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a
semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25
caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas
temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as
coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o
crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α
LXVIII
VII
ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν
Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]
π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ
Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν
ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ
αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5
α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν
αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν
αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ
Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ
υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10
π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν
α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν
α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ
π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15
Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν
υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ
ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ
α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α
Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20
υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν
Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]
αὶ ὸ Ν Ν
Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν
α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ
έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25
αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν
Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν
αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν
69
que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30
lunar140
E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as
fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de
Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do
ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute
disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35
coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e
a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece
rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea
natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as
consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40
140
Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por
colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada
nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro
III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem
caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade
ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves
esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas
LXIX
π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν
αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30
φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ
α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν
αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν
α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35
Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν
Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν
α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν
α Νπα Νπα π έ
70
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII
Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da
incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos
nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia
aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da
experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros
se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na
forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos
por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus
pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja
ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que
platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona
os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute
controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel
superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q
ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na
especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a
origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles
(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a
Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere
SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes
neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e
Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia
enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles
A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que
reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da
alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e
da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais
culmina seu tratado
71
315 Capiacutetulo VIII
Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes
prestam os nuacutemeros141
Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem
nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria
dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se
ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142
[106]
pois a mesma 5
proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores
(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim
tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de
ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos
fisionomistas143
Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10
eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve
atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres
perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla
no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada
trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15
perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores
(a exemplo das febres hemitriacuteticas144
) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave
esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145
essas satildeo temiacuteveis e
letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante
proporccedilotildees quantitativas 20
De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar
consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se
poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)
produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo
entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25
141
Cf Filebo 55d ss 142
Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a
beleza em si 143
O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria
uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf
Repuacuteblica livros II III e X 144
Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos
agudos em dias alternados 145
Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)
ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ
LXXI
VIII
Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν
φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν
α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν
Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν
ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5
φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν
Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν
φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν
α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν
υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10
π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν
πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν
φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν
π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ
π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15
ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν
υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ
υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ
α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν
α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20
π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ
π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν
Ν
72
amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas
vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia
intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos
meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo
racional e a concupisciacutevel146
E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]
surpreender-te-ia o 30
fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas
melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147
E dentro da
proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a
cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o
conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35
cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os
dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e
pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e
ignorante
146
Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma
racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra
mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas
eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147
Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer
e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica
como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q
LXXII
φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν
Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25
αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν
ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν
αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν
Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν
π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30
ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν
υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ
ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν
υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν
έ35
73
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII
Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica
Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da
medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma
seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de
que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as
imposiccedilotildees do destino
Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma
que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ
ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave
teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por
Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e
16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria
a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo
corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto
meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das
contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma
dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs
livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como
expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ
A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria
entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da
hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q
e seu tratado no sec II dC
Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a
teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles
(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas
Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da
consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo
Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de
vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias
508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e
74
317 Capiacutetulo IX
Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a
semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se
perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez
constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as
realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5
as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais
relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de
semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma
imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que
preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10
tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos
seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]
com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia
calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim
sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15
148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica
LXXIV
IX
Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν
υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν
α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν
υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν
π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5
π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ
π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν
α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ
Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν
υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10
Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ
ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν
Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν
α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν
ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15
πα α α έ
75
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX
Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual
essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o
breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III
dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que
Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um
espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de
opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do
tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que
mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo
ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da
alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A
Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p
195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo
entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do
mundo
O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que
assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave
intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos
76
319 Capiacutetulo X
Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja
em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de
mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito
proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no
acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151
O movimento da voz concebido sem 5
referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152
tal como as primeiras coisas
Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou
descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria
mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153
Assim tal
como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10
mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a
imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade
com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que
a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas
tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15
receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical
participa do grave como do agudo154
Dentre as notas algumas [109]
satildeo fixas outras satildeo
moacuteveis155
e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros
satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos
151
Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter
entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152
τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e
natildeo material da altura tonal 153
O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz
determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel
Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala
exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde
agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154
Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo
adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de
indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para
sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a
primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou
seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155
Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas
enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias
determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo
tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se
mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo
LXXVI
X
Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν
Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν
υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν
αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α
α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5
Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν
Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν
π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ
υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν
π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10
α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν
π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν
π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν
ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν
α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15
Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ
α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]
Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ
πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ
ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν
α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20
υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν
ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν
π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν
αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν
ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25
π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν
Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν
φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30
Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ
)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν
77
quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20
baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se
segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas
apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156
Satildeo elas com efeito o
princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as
notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25
mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157
Assim tambeacutem a respeito do universo homens
divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste
mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que
eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a
morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30
completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz
conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo
eteacutereo158
o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras
(que apresentam dois intervalos159
a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele
produzido pelos seres sublunares160
que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35
e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o
semitom e o tom161
E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e
solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns
pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo
156
Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas
baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante
desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja
anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157
As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois
tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que
A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde
Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como
perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave
Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na
eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de
passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158
Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo
269a ndash 270b 159
A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente
notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a
nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero
enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160
Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161
No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e
no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda
LXXVII
υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν
ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν
α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35
α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ
α α π ν αὶ ὴ Ν [110]
Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν
α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν
φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ
Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40
π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν
π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν
πα α έ
78
graves e tendem para a terra162
Aleacutem disso [110]
o fato de que as notas tendam natural e 40
indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o
caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual
eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o
equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos
opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163
que produzem os bons climas o crescimento 45
das plantas e a sauacutede dos animais
162
Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os
intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos
densos e porosos 163
Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute
importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas
ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da
terapecircutica eacutetica Cf II 9
79
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X
A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da
dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no
campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente
informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio
situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa
harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o
grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo
(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no
fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim
as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta
Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como
eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave
imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que
seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal
como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas
entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o
movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes
A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao
simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II
No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade
(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto
a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para
novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta
mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria
80
321 Capiacutetulo XI
O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a
natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo
ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164
designa-se a natureza intermediaacuteria165
Dentre
os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e
ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5
que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166
vem a ser tripla Poreacutem como nas
dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional
ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante
um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute
estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10
cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio
a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer
realidade perceptiacutevel167
E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem
em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs
[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies
168 o mesmo nuacutemero 15
de tons do Sistema Perfeito169
No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a
essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia
164
A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81
Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O
tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual
surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava
tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)
formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema
Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por
conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165
Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui
por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se
que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)
simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)
Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q
logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166
Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167
χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)
por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A
hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo
que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168
As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As
espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169
Ou seja o intervalo de oitava
LXXX
XI
Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν
πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν
Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ
α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ
ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5
Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν
ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν
ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν
π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν
φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10
π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν
ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ
Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν
ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν
αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15
ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ
αΝ
81
intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua
perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170
(pois o que chamamos de alma alguns denominam como
ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20
em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero
diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e
inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou
nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172
tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute
composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25
semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a
triplicaccedilatildeo173
dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por
uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma
harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio
eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174
da alma Jaacute no que diz 30
respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o
cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo
responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e
a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175
170
Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves
trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171
χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima
412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist
De anima 430a10-25) 172
Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute
o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e
cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173
Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174
A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma
Cf Timeu 36e ss 175
A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre
a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se
daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte
LXXXI
ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ
ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν
Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20
α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ
ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν
α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ
υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν
Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25
α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν
α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν
ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ
ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν
πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30
αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ
82
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI
Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a
estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve
auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees
Tabela 1 - Triacuteades
INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO
Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente
Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo
Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria
Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um
desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na
medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em
conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros
Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees
propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda
que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano
e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente
inconclusivas
Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que
tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que
permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado
Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o
gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo
83
323 Capiacutetulo XII
Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois
quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por
meio do dois e a material [112]
por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave
regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem
afinidade com o dois176
A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5
desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela
soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo
dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui
Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira
com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10
seis179
Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]
ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e
a nona a esfera natildeo astral180
O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo
trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os
uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15
o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181
Jaacute o dezessete termo meacutedio entre
os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou
176
Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano
(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do
capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter
passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave
mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos
traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o
mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa
duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o
corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria
uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e
extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao
espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177
Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178
Cf III 6 179
Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam
respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180
Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e
Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser
a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181
Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de
modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a
circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem
aacuterea e circunferecircncia iguais a 18
LXXXIII
XII
α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ
ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ
ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν
ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]
Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν
α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5
Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν
α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ
Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν
π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν
ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10
Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν
πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ
ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν
φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν
ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15
αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ
υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ
ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν
84
relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182
O trinta e seis183
ao evidenciar a diese
aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano
182
Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute
agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18
ou 9) e a parte (16 ou 8) 183
Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar
da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada
multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento
relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao
processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da
diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e
o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave
cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie
formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a
seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do
6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea
LXXXIV
ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν
α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20
υ Ν υ α έ
85
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII
Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza
mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em
que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o
nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como
unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo
participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma
extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo
ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou
material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual
A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom
manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a
322
3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas
com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a
alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute
contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o
eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao
ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no
sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos
semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo
simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular
decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3
86
325 Capiacutetulo XIII
Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se
cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e
oito185
nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]
mecircs ocorre de ser vista com essa
mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e
omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5
tons186
nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15
apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons
para novamente retornar agraves graves187
E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo
tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188
(com agraves vezes um dia remanescente)
ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10
nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o
iniacutecio do descenso
184
π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue
trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo
de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo
como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando
harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo
(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se
intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai
possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de
ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185
Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima
do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco
tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo
enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186
Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa
voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187
A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os
intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188
Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio
Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p
199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada
dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na
verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por
Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen
sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa
posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A
correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais
um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no
sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema
Perfeito Maior
LXXXVI
XIII
Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν
α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν
lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]
ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν
α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ
Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5
φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν
α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν
φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν
Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ
ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10
υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν
ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν
π έ
87
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII
No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua
ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de
mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra
alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo
(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica
(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos
lunares
A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do
gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou
tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do
Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros
modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou
mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada
Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29
dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente
e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura
do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir
88
327 Capiacutetulo XIV
Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se
mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton
assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos
bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais
pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5
do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem
disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde
denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo
entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192
com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10
comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco
situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira
e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve
comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194
dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15
mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196
Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra
sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais
proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar
pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20
189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual
LXXXVIII
XIV
Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν
ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν
Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν
π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ
αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5
Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν
Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν
Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν
αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν
φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10
π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]
π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν
α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ
πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15
π υ αέΝ
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν
Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν
ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν
Ν αὶ φ ῖ Ν 20
89
terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute
necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o
movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o
movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico
deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25
E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute
anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo
ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao
olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao
ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30
diante dele foi posto o para-vento197
das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade
depende de um corpo luminoso198
)
197
Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198
Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos
LXXXIX
Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν
π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ
α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν
ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ
αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25
α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν
π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ
ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν
ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ
αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30
α ῃ α Ν α)έ
90
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV
Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar
Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute
que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)
enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas
do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando
por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele
entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos
TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico
SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter
O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais
intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo
91
329 Capiacutetulo XV
E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada
um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os
tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente
ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute
no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5
meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por
outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo
de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre
ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a
regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10
humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos
objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido
mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio
de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a
regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15
expressa a regiatildeo eteacuterea
199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois
XCI
XV
Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν
π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν
π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν
ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν
ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5
υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν
Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν
α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π
α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν
Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10
υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν
π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν
Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ
92
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV
O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e
Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo
Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes
Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos
PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos
OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter
NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea
MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular
93
331 Capiacutetulo XVI
No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas
de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e
meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao
prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem
razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5
(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde
meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave
temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais
daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o
tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10
corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute
limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se
comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro
elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao
segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15
irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro
pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas
devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da
alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c
XCIII
XVI
Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν
π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ
π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν
υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ
Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5
π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν
υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν
π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ
π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν
α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10
φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν
α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν
αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν
υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν
Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15
Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν
Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν
ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ
94
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI
A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas
quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de
Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e
associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8
Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto
eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na
conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo
as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos
tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia
de cada uma das divisotildees da alma
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma
Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico
Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Irracional Racional
Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes
Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional
Oitavas Oitava grave Oitava aguda
Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o
segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras
naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)
parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois
Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no
capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195
supra
95
333 Capiacutetulo XVII
E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que
conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema
perfeito215
assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo
semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese
ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216
5
ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o
sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na
qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior
e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217
tonal e estar limitado pela potecircncia da
voz218
ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219
para uma vida mais elevada bem como o 10
[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio
evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os
saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada
homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio
sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15
lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem
221 fala claramente desses dois tipos
de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil
e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os
deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares
ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20
215
A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216
Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e
disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro
meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217
O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das
mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a
passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da
primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude
para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27
como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218
Cf III 6 n 131 supra 219
Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra
220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo
ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221
Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d
XCV
XVII
Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν
Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν
υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν
ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν
ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5
ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν
αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν
Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν
π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10
α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]
α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν
α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν
Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν
π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν
π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15
π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν
ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν
Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν
ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20
π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ
96
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII
Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma
no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes
correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama
especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no
tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua
forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o
bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano
Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para
temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a
dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical
(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o
que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano
no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase
dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como
uma tarefa aacuterdua dada a cada homem
Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos
que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo
(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa
divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando
os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no
cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o
livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute
um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III
reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto
97
335 Capiacutetulo XVIII
Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm
relaccedilotildees simpaacuteticas222
com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos
mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o
primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223
agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem
com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5
elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224
nuacutemero segundo o
qual dizem225
os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6
obteriacuteamos 210 [118]
nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226
E
mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees
riacutetmicas227
igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228
dos 10
quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si
mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos
o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo
formados os bebecircs de nove meses229
E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15
nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem
vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230
Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo
tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231
Poreacutem natildeo participando de todas
jamais chegam a nascer vivos232
222
O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223
Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224
Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225
Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol
2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles
distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226
Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227
Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I
14 228
A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229
Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos
diferentes 230
Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231
Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo
da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45
multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a
gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que
assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere
Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da
gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232
Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An
408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo
XCVII
XVIII
Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν
υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν
α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν
Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5
π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ
Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ
απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]
αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν
Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10
π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ
Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ
Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ
π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν
Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15
α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν
α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ
αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν
π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν
α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20
98
Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20
intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos
consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve
tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo
da alma para a nobreza viril233
da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave
virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25
beleza234
durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos
alveacuteolos pulmonares 233
Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel
e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave
virtude da temperanccedila 234
Rep 403c
XCVIII
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ
Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ
υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ
α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν
π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25
Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ
403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ
99
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII
O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial
sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos
em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral
do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III
4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma
racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer
maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as
comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento
racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que
presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero
geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de
Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A
Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no
estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The
Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular
interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no
anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion
2008 p 2092)
Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os
caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos
hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der
Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave
teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo
pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De
animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo
Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais
adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero
platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades
100
337 Capiacutetulo XIX
Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que
constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a
piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra
por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar
enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5
icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente
quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por
meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais
estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da
aacutegua239 10
Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o
nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela
semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o
outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o
doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15
com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um
intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a
proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242
235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo
C
XIX
Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ
ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ
αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν
α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ
φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5
α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν
ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν
πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ
πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10
ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν
α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ
αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ
υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ
101
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX
O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo
anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio
deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos
quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados
segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares
Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-
56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das
associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos
os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-
d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo
Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que
compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos
sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees
Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo
Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo
Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono
Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera
Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno
Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q
agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o
fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas
exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a
hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente
pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos
aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo
do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o
icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala
A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta
(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)
102
339 Capiacutetulo XX
Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois
uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o
corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos
brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo
momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5
assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem
arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que
prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma
pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos
nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10
idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som
diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho
aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a
natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis
(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15
fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa
voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre
os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo
sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as
243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27
CII
XX
Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν
ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ
α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ
Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν
ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5
π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ
π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν
Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν
α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10
Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν
ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν
α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν
ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν
Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15
αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν
Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν
Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν
Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν
α Ν υ Ν 20
103
realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20
conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente
impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo
obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria
bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem
subjacente agraves notas musicais252
E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253
a cada 25
uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas
252
Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253
Cf II 12-14
CIII
ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν
φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν
πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ
π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν
α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25
π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ
υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν
πα α έ
104
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX
Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a
oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo
Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys
material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos
abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui
como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata
to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze
quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o
quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos
quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista
completa na ordem seguida por Teacuteon
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia
2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia
3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade
4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice
A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato
como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)
Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle
(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)
disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado
em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)
A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das
esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada
por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp
135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos
natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de
Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja
105
contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o
conhecimento necessaacuteriordquoέ
106
341 Capiacutetulo XXI
Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino
No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute
uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra
dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A
esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5
emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua
de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia
participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos
corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a
chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10
semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave
nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das
vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que
dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas
noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15
familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a
deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela
possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a
esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva
por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20
mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas
atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma
equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como
254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23
CVI
XXI
Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν
ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ
υΝ ὸ [121]
Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν
υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5
ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν
ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ
Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν
υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν
Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10
α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ
α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ
π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ
υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν
ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15
αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ
ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν
αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ
αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ
Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20
πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν
α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]
Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ
Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν
ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ
α ὰ 25
107
Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute
casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25
enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A
partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260
poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261
Se
atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim
sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30
planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas
Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do
que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de
forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo
tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262
Uma vez mais portanto satildeo sete as 35
notas remanescentes263
as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que
a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um
poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas
remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas
ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40
que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos
Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada
atraveacutes do eacutepsilon [123]
pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de
dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264
do primeiro par
e do primeiro iacutempar 45
260
O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261
Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo
com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu
(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em
aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262
Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada
quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero
bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas
apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a
modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu
maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263
A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264
Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5
correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro
nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar
CVII
Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν
π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ
υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ
π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν
Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30
Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν
π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν
π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ
ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν
αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35
φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν
α Ν ῖ Ν α α έΝ
Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α
π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν
ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40
α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν
α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν
π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν
π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]
ὰ ξ ρΝ
Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45
Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ
ὸ Ν υ έ
108
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI
Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em
II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo
associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo
desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais
intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter
masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do
primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)
superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a
qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a
ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas
notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta
Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida
estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem
outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute
associada ao eacutepsilon
Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais
correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino
feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os
planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava
do SPI fica como exposto a seguir
Figura 14 - Planetas e notas I
Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as
notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados
agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as
109
regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem
unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees
contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo
ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono
Figura 15 - Triplicidades
Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave
mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que
penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo
a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui
Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as
triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece
muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de
Ptolomeu que vem a ser a seguinte
A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries
Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade
correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda
maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio
A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e
Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo
compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta
triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute
que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus
Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para
as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois
110
quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente
masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira
ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino
associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima
Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de
ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-
feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da
ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das
triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e
Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso
poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente
segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que
se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)
Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com
as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste
capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como
expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o
intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos
planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa
necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas
de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu
Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III
A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece
dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen
conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para
Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma
mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de
potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave
nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por
razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A
disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir
265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar
111
Figura 16 - Planetas e notas II
Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre
vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as
sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile
Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no
serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute
aquele momento
112
343 Capiacutetulo XXII
Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada
um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves
notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota
acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o
terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5
zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco
relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da
consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que
tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada
organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10
como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash
que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila
onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos
dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo
266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II
CXII
XXII
Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν
Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ
ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν
ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν
α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5
ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν
α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν
Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ
ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ
υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10
α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ
Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ
113
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII
O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea
e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava
ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos
dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que
se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva
disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)
liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia
(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)
Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde
primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie
hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo
anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton
teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese
de que resultaria entatildeo a ordem a seguir
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa
Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia
Tetracorde Primeiro Meacutedio
O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos
(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de
qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a
espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os
graus do SPI
O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as
espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no
capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil
interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias
Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas
114
do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no
zodiacuteaco
Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do
SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda
se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se
utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de
oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso
Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem
das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave
doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as
notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave
espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala
ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma
ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie
hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano
tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com
a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por
diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima
Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia
Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico
Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que
corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma
Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por
Colomer e Gil no capiacutetulo anterior
Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos
quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias
relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia
dos toacutenoi se inverte na oitava aguda
115
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco
Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio
Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico
116
345 Capiacutetulo XXIII
E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim
divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais
jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional
caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5
reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional
denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo
situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse
triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a
quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10
caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais
desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino
como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco
sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279
Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15
natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos
setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados
entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis
o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero
nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20
igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a
razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo
a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285
273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32
CXVI
XXIII
Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν
ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν
Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ
α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5
ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]
πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν
ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν
Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ
π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10
Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν
ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν
ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ
π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν
α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15
ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν
Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ
π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν
φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ
αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20
α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν
Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ
117
Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286
Por isso eacute que tendo
dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25
trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles
domina ao longo de dez dias288
ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero
perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da
circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289
Cada um
deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30
acircngulos agudos formando doze segmentos290
Dois desses segmentos formam o lado de um
hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291
Trecircs deles formam o lado de um quadrado e
estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292
Quatro formam o lado de um
triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em
outro293
Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294
natildeo estabelecendo nenhuma 35
proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem
relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades
anteriores forma o diacircmetro295
Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero
maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois
o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40
nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296
285
43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286
Rep VIII 546c 287
Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do
signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do
horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco
completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288
Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O
tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias
dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289
360ordm 90ordm = 4 290
90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291
Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um
segmento em relaccedilatildeo ao outro 292
Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293
Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em
razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294
Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295
180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de
oitava e quinta com o hexaacutegono 296
Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica
relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre
razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18
CXVII
υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν
υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π
ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25
υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν
Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν
α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν
α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ
Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30
αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν
Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν
α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν
π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν
π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35
Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ
Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ
α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν
υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν
πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40
118
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII
Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a
segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do
tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o
zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla
oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o
zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no
cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma
racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao
nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de
base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees
que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana
Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo
capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia
correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco
que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu
(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele
estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as
consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele
mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico
119
347 Capiacutetulo XXIV
Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram
atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo
estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons
musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297
(seja na mescla corpoacuterea
na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5
compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade
De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os
saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida
Assim o afirma [126]
igualmente no Timeu298
o divino Platatildeo que o demiurgo299
da alma
tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10
natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o
intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300
novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo
dupla ateacute o oito301
e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302
Platatildeo ter-se-ia
expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15
individual no acircmbito nas artes303
quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute
outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um
lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o
princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees
mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20
igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel
de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a
profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se
vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente
propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25
297
Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298
35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag
22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299
Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300
As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia
intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro
indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise
completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301
A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302
A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303
A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)
deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II
CXIX
XXIV
Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν
φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ
π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ
Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν
φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5
αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν
υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ
Ν Νπ [126]
αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ
Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ
υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10
Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν
αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν
α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν
π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ
α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15
Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν
ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν
Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν
α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν
(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20
α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν
α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν
υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν
120
ocorre de a alma tender para o melhor304
ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar
relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos
divisiacutevel
Mas igualmente os maiores bens da alma305
disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes
agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30
com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306
(pois cada apreensatildeo
intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda
posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute
anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o
excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35
iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a
igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto
tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das
partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre
as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40
por meio da heacuteptada ()307
vemos o saacutebio308
dispor o discurso acerca da alma de modo duplo
a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e
a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da
mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309
Isso se haacute de tornar claro no diagrama310
da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45
dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a
forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais
retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre
superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do
304
Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305
As virtudes Cf III 16 306
Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307
Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem
como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio
estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda
εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos
que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p
527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na
traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308
Platatildeo Timeu 35b-36a 309
As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310
O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra
CXX
Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν
α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25
Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ
π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν
α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ
π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ
Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30
π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ
υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν
α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ
Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ
α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35
Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν
ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν
Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν
π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40
ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν
ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ
Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν
υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν
πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45
121
seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50
do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311
pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312
adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio
Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se
percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55
Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso
do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo
expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute
foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as
partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60
aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua
emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que
analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao
senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do
universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65
que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a
imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a
instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim
311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23
CXXI
Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν
πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν
π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ
Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ
α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50
αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ
αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν
υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν
π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν
υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55
ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν
υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν
φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν
ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ
υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60
ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν
φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν
πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ
122
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV
A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que
Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais
alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos
capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e
aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem
seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo
demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)
Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos
nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera
mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em
reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de
caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-
525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em
virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao
capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade
expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa
(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas
poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se
como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica
expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute
assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu
a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o
quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel
O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes
na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave
geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss
1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411
ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir
123
Figura 17 - Dupla tetraktys I
Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157
Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo
de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen
(p 53) sugere outra figura
Figura 18 - Dupla tetraktys II
Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo
desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o
diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as
proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os
termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um
membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois
intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O
recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas
Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees
teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da
muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5
124
349 Capiacutetulo XXV
Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320
eacute o primeiriacutessimo e mais natural
princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo
em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]
e no esquecimento assoberbada
de agitaccedilotildees e estiacutemulos321
e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve
momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5
sabedoria322
] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de
loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos
indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323
moderam a irracionalidade natural (tal como fazem
os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o
medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324
Por isso 10
eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser
purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as
emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais
ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma
mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15
um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no
igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o
tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo
claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior
ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]
Quanto agrave melodia (quer 20
entedida enquanto partes dos sistemas327
quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo
musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na
320
υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das
paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p
430 321
Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322
Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129
Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323
Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-
104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324
Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela
envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em
detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325
Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de
Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326
Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo
planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327
Enquanto escalas meras sequecircncias de notas
CXXIV
XXV
α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν
υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν
ᾳ [129]
αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν
π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν
Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5
ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν
ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν
Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν
π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν
ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10
α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν
αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν
Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ
ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν
Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15
Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ
Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ
υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ
ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20
125
posiccedilatildeo das letras328
das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave
terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as
geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25
maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se
associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329
) deve-se associar
ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do
deus330
que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau
estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30
aos demais elementos331
Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos
enquanto a ordem da alma ()332
eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja
substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333
a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao
passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um
ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334
Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35
sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se
corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335
328
Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma
posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a
disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf
II 14 III 21 329
Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo
simboacutelica 330
Apolo 331
Cf II 19 (92 5-8) 332
Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em
Mathiesen p 65 333
I 13 (318) 334
Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto
em Feacutedon 70d-72d 335
O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)
CXXV
Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν
Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν
υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν
Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25
π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν
π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν
α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ
Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ
Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30
α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ
π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν
π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν
φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ
Ν α έ 35
126
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV
A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo
anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao
progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento
do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a
em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades
inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no
entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos
organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma
Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla
corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da
corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da
relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos
do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou
geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas
que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das
contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico
e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete
ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo
riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado
o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas
127
351 Capiacutetulo XXVI
Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele
perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem
sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e
nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de
abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5
coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja
intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os
princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as
migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a
idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10
certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na
casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio
da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a
predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na
τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15
retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados
Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel
denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que
pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o
futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20
que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre
336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200
CXXVII
XXVI
ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν
ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν
α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν
π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν
αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5
Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ
α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν
α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν
Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ
Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10
Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν
α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν
υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν
Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν
Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15
Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν
α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν
Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ
Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20
128
passiacuteveis de mudanccedila345
Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a
ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave
economia coacutesmica [132]
nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no
seu desenrolar346
Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347
testemunha igualmente que isto eacute 25
assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos
disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia
fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora
destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer
(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30
colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ
Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz
ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre
os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo
divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35
eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo
oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente
ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o
profeta do universo352
teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso
parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40
δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada
indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que
naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ
345
Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o
paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5
346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d
Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do
devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta
Veterum Stoicorum B7-8 347
Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus
oraacuteculos 348
Heroacutedoto IX 43 7-8 349
αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e
contingecircncia 350
Odisseia VIII vv511-512 351
Iliacuteada III v59 352
Apolo
CXXVIII
α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ
πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ
αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν
Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ
πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25
πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν
α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν
Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ
Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν
πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30
ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν
α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν
α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν
π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν
π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35
α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν
α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ
ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν
ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν
υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40
υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν
Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ
129
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI
Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo
os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ
necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia
impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona
explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois
campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute
tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos
ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na
vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de
acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A
trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna
difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave
liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute
ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila
pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de
acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q
pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica
ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas
antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da
participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na
sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se
distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como
veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade
enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um
acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir
130
353 Capiacutetulo XXVII
Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a
essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros
sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma
nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado
esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5
escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins
de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e
leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a
participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas
merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10
verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe
aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e
tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o
profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e
auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15
ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada
uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a
perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo
que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da
geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20
propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo
A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber
353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c
CXXX
XXVII
α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν
Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν
α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ
ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν
π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5
Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt
ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ
φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ
π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν
π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10
απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ
Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν
Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν
αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ
φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15
πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν
υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν
υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν
υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν
Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20
υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ
Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν
φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ
131
Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com
perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360
que nos levou a essa empreitada
e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25
como dizem foi de todo mau361
pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que
no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo
quanto eacute relativo agrave muacutesica
360
Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa
invocaccedilatildeo 361
Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf
Mathiesen p 57 n 244
CXXXI
αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25
αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν
πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν
υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ
132
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII
No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando
seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem
como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave
filosofia com que encerra seu tratado
Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um
esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para
dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou
o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a
perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse
reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa
conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez
vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade
assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da
natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se
para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na
(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo
contato com o inteligiacutevel
Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso
da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa
imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo
filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em
π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos
π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o
mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e
moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos
termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como
ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja
proporcional e semelhante
362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329
133
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Y a-t-il une possibiliteacute pour que dans le creacutepuscule
nous puissions saisir quelque chose de ce qui a eacuteteacute ἔrsquoaἡroreς ἁ a-t-il quelque chose qui dans le dernier moment reponde au premier moment Nous sommes peut-ecirctre dans une nuit qui va preacuteceacuteder un nouveau jour Nous sommes agrave la veille du plus enorme changement sur la terre Est-ce que dans cette nuit nous ne pouvons pas avoir quelques clarteacutes sur ce quit fut ἔrsquoaἡbe de la penseacutee ἐἡἕaἑne et sἡr ἔrsquoorἑgἑnaἑre agrave venir
Martin Heidegger
(Arnoux 1960 p8 apud M Jean Wahl δrsquoἑdeacutee drsquoecirctre cἐez ώeἑdegger 1951)
RESUMO
Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III
Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga
ABSTRACT
This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole
Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music
Agradeccedilo
Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e
aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo
A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes
Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea
Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas
E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos
meus estudos
IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123
IacuteNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Triacuteades 82
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115
SUMAacuteRIO
1 Introduccedilatildeo 10
11 Autor e obra 12
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24
14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32
21 Teoria harmocircnica 32
211 Gecircneros e nuances 33
212 Sistemas 34
213 Tom tropo e harmonia 38
214 Modulaccedilatildeo 40
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41
3 Traduccedilatildeo do Livro III 49
31 Capiacutetulo I 49
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52
33 Capiacutetulo II 54
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56
35 Capiacutetulo III 58
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59
37 Capiacutetulo IV 60
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62
39 Capiacutetulo V 63
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64
311 Capiacutetulo VI 65
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67
313 Capiacutetulo VII 68
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70
315 Capiacutetulo VIII 71
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73
317 Capiacutetulo IX 74
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75
319 Capiacutetulo X 76
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79
321 Capiacutetulo XI 80
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82
323 Capiacutetulo XII 83
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85
325 Capiacutetulo XIII 86
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87
327 Capiacutetulo XIV 88
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90
329 Capiacutetulo XV 91
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92
331 Capiacutetulo XVI 93
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94
333 Capiacutetulo XVII 95
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96
335 Capiacutetulo XVIII 97
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99
337 Capiacutetulo XIX 100
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101
339 Capiacutetulo XX 102
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104
341 Capiacutetulo XXI 106
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108
343 Capiacutetulo XXII 112
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113
345 Capiacutetulo XXIII 116
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118
347 Capiacutetulo XXIV 119
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122
349 Capiacutetulo XXV 124
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126
351 Capiacutetulo XXVI 127
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129
353 Capiacutetulo XXVII 130
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133
10
1 Introduccedilatildeo
Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor
Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato
com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo
desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites
com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos
menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o
modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja
como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos
Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto
ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural
estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q
me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia
pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e
preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas
Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais
deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo
aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um
contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a
chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias
talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos
ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e
longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e
fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da
razatildeo e da liberdade
A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade
voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre
me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que
coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas
amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa
vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos
justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute
11
certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo
natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado
proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso
Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos
parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de
universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de
pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo
(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do
tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que
pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas
sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma
A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra
certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita
avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma
antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como
expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio
preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente
humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui
importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo
Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do
espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos
descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou
desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o
espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende
nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra
demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige
cuidados
Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger
Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria
antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na
plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que
infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um
campo de treinamento
12
Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento
de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito
estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias
destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos
aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que
frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar
destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem
consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano
tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto
capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios
Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que
favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em
algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-
1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a
consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-
15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na
medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos
natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e
serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho
Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano
11 Autor e obra
Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito
deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda
outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio
provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome
romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha
pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em
algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum
segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico
restou de Aristides Quintiliano
1 II 10 32-34
13
Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado
a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo
registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido
aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de
seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains
unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early
source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec
XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece
associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar
A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash
c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George
Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel
Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente
moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o
impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e
secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais
a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da
obra
Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em
algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et
Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois
motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque
evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De
Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse
terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento
e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica
2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68
14
musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada
impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum
Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam
A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute
hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus
Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese
foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor
da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-
Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo
no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola
publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua
elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez
situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em
fins do seacutec IV
Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o
argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque
aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das
exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica
desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o
desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel
Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro
musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33
9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12
On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5
15
vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse
conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que
considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)
ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las
conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que
χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o
conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa
amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de
Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely
technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by
contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are
introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ
Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em
III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual
eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo
capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do
alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten
coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ
Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente
num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido
de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a
hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de
uma data posterior para o Da muacutesica de A Q
Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e
neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas
ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees
de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e
encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps
2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de
Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo
alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e
19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica
16
sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325
dC)
Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do
descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso
tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por
Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do
destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir
poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo
a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto
Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)
Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo
ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o
Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas
que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo
transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera
individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais
Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash
natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao
periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no
17
seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-
161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade
Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que
estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem
retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao
imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute
conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del
ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ
Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois
paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou
lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o
emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460
exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem
duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de
Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado
Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco
Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do
autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem
ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que
fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de
Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra
verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo
platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os
interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas
(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que
propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere
a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)
Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima
inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que
21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1
18
abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em
Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do
assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida
importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como
termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas
e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural
Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o
preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um
provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos
amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da
identidade do autor
Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos
que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a
maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com
a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente
estabelece
Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo
liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio
Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo
definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e
ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja
ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido
ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel
AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo
contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior
aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa
coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz
Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece
qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ
Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por
Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A
24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)
19
conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e
amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e
Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como
alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno
Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a
Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome
Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um
Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico
que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo
natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides
Quintiliano
Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a
certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar
o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio
Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92
Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio
Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como
faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter
recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio
e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a
miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo
esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto
no presente quanto no passado
Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides
Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura
26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)
20
bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos
musicoacutegrafos aacuterabes28
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo
O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os
mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII
(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A
Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e
tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja
transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o
nome de terceiros
Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do
livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do
periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos
ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica
Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de
Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos
diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem
(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo
teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de
origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos
27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ
υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6
21
de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a
sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica
Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter
tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a
permanecircncia do interesse pela obra de A Q
No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no
fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico
e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo
a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa
traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio
provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides
Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de
Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo
entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente
conheceram Aristides Quintiliano36
O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais
importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em
1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37
por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38
Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e
32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica
22
Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes
por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de
conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia
o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo
comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da
coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX
como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano
Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45
acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em
1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de
Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)
began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music
theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus
complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo
O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op
cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente
citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o
livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado
tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais
ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende
que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado
O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo
os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento
dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por
40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi
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Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com
exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo
Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que
serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de
Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda
notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem
parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia
do original grego
No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um
pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos
frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por
exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o
artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren
Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54
Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico
filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos
de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de
reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega
Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a
publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de
estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J
47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963
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Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O
estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de
mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada
nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou
ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew
Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da
Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que
procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen
Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60
igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos
antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q
para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de
tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica
dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute
desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo
ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62
ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a
seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ
Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica
tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor
declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de
conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com
o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)
deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos
Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte
explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui
o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a
58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248
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alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado
fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e
portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo
Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende
refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura
mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e
ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a
unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio
imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs
patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino
no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados
sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que
sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63
E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata
que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de
acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a
tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de
que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em
seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou
dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que
natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios
mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua
inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-
se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna
No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que
chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o
preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente
conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido
de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e
63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel
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objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma
participaccedilatildeo ou aspecto
O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de
meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker
(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica
proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the
movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria
enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo
conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da
definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um
pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno
musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores
A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante
Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a
menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de
Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo
fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α
) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo
(π π [] [] υ )
Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a
melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a
tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica
Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste
como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele
no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado
A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua
vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ
tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos
que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da
muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical
65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ
αὶ] α αῖ rdquoέ
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entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma
disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica
A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica
aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute
somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da
muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais
generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica
aritmeacutetica desempenha um papel instrumental
Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute
anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em
criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo
musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro
a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q
O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina
artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde
ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de
elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo
28
dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos
(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67
O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das
paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as
afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa
a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de
certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas
para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua
Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ
α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma
consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de
uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou
irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)
Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas
partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo
indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida
Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim
como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma
irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em
mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma
Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos
a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de
Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que
reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo
Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e
Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete
e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e
em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de
Halicarnasso
66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C
29
O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das
doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado
entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A
questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada
estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da
muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia
de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral
e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo
do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo
reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo
dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste
trabalho
14 Uma proposta de traduccedilatildeo
O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a
Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a
toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez
que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no
acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma
harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica
Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto
sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do
cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as
premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse
noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo
Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas
do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente
agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da
70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)
30
Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se
no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os
capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil
situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no
cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue
essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen
Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta
traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo
de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado
capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu
verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos
livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e
referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por
versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra
inteira
Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse
predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de
sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa
arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da
linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio
ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima
luminosidade ndash na segunda parte do livro III
Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo
filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo
acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato
histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste
experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua
transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de
empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que
nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se
torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na
cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe
A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez
inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a
31
compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit
p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o
reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de
um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a
originalidade das ideias que faz do Da muacutesica
lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)
Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo
talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece
agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem
natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas
diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica
de fazer sonhar
O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de
certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-
modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia
protocolar seja de condescendecircncia arrogante
Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu
pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que
convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-
lhes o caminho
71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ
32
Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a
mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica
aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os
capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios
de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III
Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo
resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a
conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando
para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica
Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito
potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala
no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos
os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)
Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos
de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar
como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica
registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento
musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso
recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras
Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria
musical grega o tetracorde
Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que
compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o
tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou
intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia
pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado
harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo
33
que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento
nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima
formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas
eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C
fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que
veremos a seguir
211 Gecircneros e nuances
Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas
que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de
quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo
moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o
gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e
semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash
T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia
T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila
maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e
enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior
Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de
diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica
(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica
Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o
fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente
adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico
padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica
profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o
gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom
posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente
iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade
eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e
profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero
cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico
remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente
34
utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu
emprego em estado puro
Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou
nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute
referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de
semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)
O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom
semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um
terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero
(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma
diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou
ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de
tom)
212 Sistemas
Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda
sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por
conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo
na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde
cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo
Figura 2 - Tetracordes conjuntivos
No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades
doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a
configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas
35
Figura 3- Tetracordes disjuntivos
Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento
disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que
dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento
conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes
completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave
lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os
desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita
dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por
Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema
apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser
estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia
Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave
(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda
do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito
precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes
Figura 4- Sistema perfeito de oitava
Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito
Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave
sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas
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primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o
tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado
por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de
que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira
heptacorde de tipo eoacutelico
Figura 5- Sistema Perfeito Menor
Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido
outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom
disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois
pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo
par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e
hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ
Figura 6 - Sistema Perfeito Maior
Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz
Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava
aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema
de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo
das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a
nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das
37
primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A
terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa
(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de
enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike
hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde
que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das
meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente
Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde
disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do
nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do
primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima
nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a
penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da
uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia
(paramese)
Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior
O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze
notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas
indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para
chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo
da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo
(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema
Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)
38
Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel
Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um
grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia
correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala
numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que
tratam os conceitos de tom tropo e harmonia
213 Tom tropo e harmonia
Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia
No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete
combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava
ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da
primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as
expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o
gecircnero diatocircnico satildeo
Mixoliacutedia STTSTTT
Liacutedia TTSTTTS
Friacutegia TSTTTST
Doacuterica STTTSTT
Hipoliacutedia TTTSTTS
Hipofriacutegia TTSTTST
39
Hipodoacuterica TSTTSTT
Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato
de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma
ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na
engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a
junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica
harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo
terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia
exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento
certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso
simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal
como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo
do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas
citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que
parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a
doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas
Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo
e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12
Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica
elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado
na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo
Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)
deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados
A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou
mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs
acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um
tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas
de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada
grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem
geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada
tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)
possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para
quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do
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hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram
recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que
ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para
diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos
respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico
com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada
tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de
quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com
seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)
214 Modulaccedilatildeo
Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria
de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre
que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo
Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o
sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e
mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a
dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que
essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano
elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam
se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de
oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico
ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o
depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e
por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e
que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon
Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-
se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano
no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos
(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso
agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema
do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no
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livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno
abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano
Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso
eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si
mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e
indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo
inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo
masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que
surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da
proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo
feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )
a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem
Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A
natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash
forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )
Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave
imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo
central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica
tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um
antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou
reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para
este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e
ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III
Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que
extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas
satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria
visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II
32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa
com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade
humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da
42
razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada
com exclusividade agrave filosofia
Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da
alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e
particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego
ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre
educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos
dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No
entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs
razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave
alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo
eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada
com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial
destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees
racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo
musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II
Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave
muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem
duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica
( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando
determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute
vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas
caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral
( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de
aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a
alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )
Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a
muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo
mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e
ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu
nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando
por fim no ato propriamente dito
Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez
das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses
43
mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado
o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves
paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a
essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente
as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem
como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que
podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver
sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma
virtude ainda ausente teraacute sido inoculado
Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo
estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo
masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo
entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o
feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para
Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash
talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas
Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ
Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica
e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as
escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os
instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente
masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim
diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os
posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e
viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute
humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma
espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio
Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual
E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica
quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo
No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma
oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo
por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz
Quintiliano (II 114-31)
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() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas
Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam
o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas
uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo
designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as
mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para
designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse
incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o
emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no
que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes
e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ
Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem
observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor
desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma
da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das
letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes
Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes
que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais
proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias
enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais
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proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em
relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade
As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de
articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua
vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto
meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais
tau delta e theta As guturais capa gama e khi
Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio
entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as
aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a
expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e
portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo
formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a
analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais
ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou
masculino)
Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas
breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza
intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade
(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash
formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste
mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal
feminina por excelecircncia
No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron
ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota
o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute
excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos
trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao
fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de
masculinidade satildeo α
72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo
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Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas
palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento
Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo
dessa consoante
Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou
misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota
acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira
nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes
satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se
repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)
cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A
uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo
de oitava formado com a nota acrescida
Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo
Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio
dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem
satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos
instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da
primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do
descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material
entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os
instrumentos musicais
A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando
o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do
universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele
recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do
73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5
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alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de
ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e
afundando-se na profundidade corpoacuterea
Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos
ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses
ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (
α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao
corpo
Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa
regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves
realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma
esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia
produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto
as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O
terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse
composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo
mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado
o nome de harmonia
Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de
nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a
origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo
sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos
de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a
alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas
liras postas lado a lado
Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato
dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico
potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo
74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ
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outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)
Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel
com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana
enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos
quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees
( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma
Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a
certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre
Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos
(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma
enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de
acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com
que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares
Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos
e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma
agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo
brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira
doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )
satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina
acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem
menos) que o cumprimento dessa promessa
49
3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I
[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica
Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da
natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos
Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na
paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5
coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos
intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo
duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das
cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual
provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10
dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o
intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo
sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos
descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo
sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15
relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo
sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo
dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo
sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla
Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20
mencionados
76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43
XLIX
Α Ν Α Ν Ν Η Ν
I
[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν
Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν
π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ
π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν
Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5
αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν
ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν
Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν
α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ
πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10
ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν
α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν
ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν
π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15
π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]
Ν Ν π Ν Ν
ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν
Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ
α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν
α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20
50
E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou
seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81
assim procederam sabendo que o
intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros
dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25
sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia
ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82
e para o oito em razatildeo
sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que
a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um
tom consistia numa razatildeo sesquioitava83
E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30
Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados
termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero
pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo
se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute
para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35
dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior
Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84
a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que
quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo
quer acima da nota anterior e [96]
quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a
nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40
tenham dado a esse intervalo o nome de resto85
Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas
causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo
dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio
intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que
entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45
Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na
proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em
partes desiguais
81
Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )
da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82
86 = 43 96 = 32 83
(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84
Livro I Cap 11 85
α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta
na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A
Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes
L
υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν
υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν
ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ
Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ
Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ
Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν
Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν
υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30
α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν
α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν
Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν
Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν
φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35
Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν
ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ
αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν
π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν
α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40
α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ
α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν
α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν
α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ
α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45
π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ
51
Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto
exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50
duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que
estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo
estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817
mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo
192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55
muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica
inteligiacutevel86
86
Timeu 36b
LI
υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν
υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ
Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν
Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50
φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ
α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ
Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ
π ὺΝ π α Ν έΝ
52
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I
Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um
benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora
a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo
menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer
necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee
depende do que foi estabelecido anteriormente
Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica
e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material
da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee
uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma
mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz
passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente
verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da
natureza enquanto muacutesica
Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como
paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo
dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso
algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no
tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos
intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na
irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute
mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual
natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do
sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa
autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao
nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de
interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a
aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica
entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da
astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse
sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque
53
da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo
da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo
Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao
inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto
que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros
diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles
manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero
como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)
Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste
livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal
recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A
insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto
( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica
critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)
cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando
particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes
ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)
87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913
54
33 Capiacutetulo II
Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar
todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos
todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua
dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste
mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5
excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via
sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes
paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a
230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as
sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10
porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os
intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio
faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta
sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92
Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15
se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda
teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do
primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o
uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da
90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro
LIV
II
Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ
υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν
π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν
ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ
υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5
πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν
α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν
π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ
Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν
α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10
Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ
αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν
υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν
π έΝ
Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15
ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν
π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν
αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν
55
corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95
se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20
teremos o primeiro dos meacutedios96
E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-
ia a nota supermeacutedia97
mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos
a primeira dos primeiros98
A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte
modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade
igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99
E dividindo uma vez 25
mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade
idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais
quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo
entatildeo um cacircnon simples sem corda100
comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele
marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30
as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada
divisatildeo do cacircnon101
95
O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis
tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96
O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97
O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98
O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99
Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de
todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de
tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada
tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100
Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam
os intervalos 101
Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio
Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937
LV
α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20
π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν
πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ
αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν
Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν
π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25
π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ
αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν
φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν
πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν
α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30
α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ
56
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II
Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos
consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos
nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com
pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute
igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero
diatocircnico
O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as
duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde
hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas
relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas
notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos
hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute
a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete
synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre
essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo
Figura 10 - Consonacircncias no SPI
Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada
tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom
com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente
57
Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel
determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a
variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q
apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave
leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa
posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis
natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do
livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu
(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu
podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic
theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon
de Esmirna e Porfiacuterio
Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o
sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo
piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria
harmocircnica
58
35 Capiacutetulo III
Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas
Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado
Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles
traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na
quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5
quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias
pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com
que foram divididas103
Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se
completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10
portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois
tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota
com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e
doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo
ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15
dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com
relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos
primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava
a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora
102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (
) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6
LVIII
III
ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν
Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν
αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν
α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν
αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5
Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ
α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν
Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν
α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν
απ έΝ 10
α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν
υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν
α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν
α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν
Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15
Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν
π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν
π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν
πὶΝ έ
59
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III
Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o
heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as
etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )
dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees
presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia
Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ
10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H
Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp
384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)
Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o
contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio
Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora
jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute
indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do
comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11
n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro
reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento
AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial
(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta
corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)
Figura 11 - Heacutelicon
Fonte Colomer e Gil 1996 p177
60
37 Capiacutetulo IV
A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos
apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do
sistema perfeito108
Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta
compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109
tomamos os nuacutemeros [100]
3 (o
primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110
e o primeiro perfeito111
) e 4 (o primeiro nuacutemero 5
sesquiteacutercio112
e primeiro nuacutemero plano em geometria113
) e traccedilamos duas retas
perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em
proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas
correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10
de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo
aritmeacutetico114
a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados
pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute
nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para
fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115
15
108
Sistema de oitava 109
O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons
e meio) 21 = 43 x 32 110
Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111
O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo
o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou
completude do 3 112
Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113
Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a
caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1
representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou
cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3
114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na
figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115
Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas
conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d
LX
IV
Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν
Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ
π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν
ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν
ὺ [100]
Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5
π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν
α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν
ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν
α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν
π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10
ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν
α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν
π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν
π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν
π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15
61
Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica
Fonte Colomer e Gil p 180
62
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV
Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam
ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a
procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto
sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da
consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um
estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros
um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda
segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A
Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes
Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo
sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura
construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as
relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes
tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras
utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-
b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de
Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da
seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica
63
39 Capiacutetulo V
Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute
que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e
mediaccedilatildeo116
) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si
mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes
dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5
modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117
harmocircnica compotildee-se
de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo
aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos
posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo
geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10
entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]
de
modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118
Sendo a quantidade dupla na
quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo
comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a
aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15
proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na
harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs
consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo
sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias
aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20
ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre
cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual
seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas
razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os
nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119
25
116
A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O
3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se
tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf
Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117
O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo
entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118
Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B
representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a
meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie
harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de
proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119
As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b
LXIII
V
Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν
( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν
ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν
Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν
αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5
Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ
Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν
π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν
π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ
ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]
Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10
α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν
π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν
υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν
Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ
lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15
α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν
π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ
ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ
Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν
π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20
Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ
ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν
ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν
πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν
α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25
π ῖ Ν α α έ
64
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V
As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo
apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas
apresentadas ao fim do capiacutetulo
A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que
na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120
Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3
obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao
acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda
os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6
formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo
de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo
dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser
divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)
e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8
Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia
aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em
dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia
aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava
assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27
(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois
termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de
quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op
cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas
entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que
compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4
6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos
termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida
surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3
120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3
65
311 Capiacutetulo VI
E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem
propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de
mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos
consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5
denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126
agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram
soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente
descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto
a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10
e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com
o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada
chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado
geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado
pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15
composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4
122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo
LXV
VI
π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ
π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν
αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν
υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5
φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ
α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν
ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν
α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν
ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10
α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν
Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )
ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ
υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν
ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15
66
somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo
resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a
esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira
consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20
quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e
se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros
seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o
primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio
proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25
assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante
caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo
acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo
acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma
proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30
dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as
consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas
proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo
sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a
razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35
nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137
133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta
LXVI
ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν
Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν
φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν
υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20
Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν
α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν
α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ
έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν
[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25
ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ
Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν
αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ
υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν
ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30
υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν
π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν
υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν
π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35
απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν
α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ
Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α
67
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI
A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se
agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees
pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente
tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um
ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros
iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel
estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada
nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends
the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa
particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)
que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes
todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a
deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute
tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se
compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente
Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo
e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute
quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo
com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular
εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna
enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores
divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns
68
313 Capiacutetulo VII
Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um
lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os
intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos
revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas
por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5
nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a
outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao
passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em
virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe
facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10
dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do
material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais
doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui
em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que
padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15
nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o
meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam
do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por
isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam
recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20
universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos
fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas
nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e
perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a
semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25
caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas
temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as
coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o
crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α
LXVIII
VII
ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν
Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]
π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ
Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν
ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ
αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5
α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν
αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν
αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ
Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ
υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10
π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν
α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν
α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ
π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15
Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν
υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ
ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ
α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α
Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20
υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν
Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]
αὶ ὸ Ν Ν
Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν
α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ
έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25
αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν
Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν
αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν
69
que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30
lunar140
E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as
fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de
Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do
ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute
disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35
coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e
a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece
rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea
natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as
consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40
140
Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por
colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada
nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro
III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem
caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade
ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves
esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas
LXIX
π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν
αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30
φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ
α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν
αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν
α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35
Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν
Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν
α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν
α Νπα Νπα π έ
70
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII
Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da
incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos
nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia
aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da
experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros
se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na
forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos
por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus
pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja
ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que
platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona
os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute
controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel
superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q
ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na
especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a
origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles
(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a
Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere
SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes
neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e
Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia
enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles
A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que
reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da
alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e
da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais
culmina seu tratado
71
315 Capiacutetulo VIII
Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes
prestam os nuacutemeros141
Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem
nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria
dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se
ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142
[106]
pois a mesma 5
proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores
(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim
tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de
ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos
fisionomistas143
Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10
eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve
atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres
perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla
no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada
trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15
perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores
(a exemplo das febres hemitriacuteticas144
) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave
esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145
essas satildeo temiacuteveis e
letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante
proporccedilotildees quantitativas 20
De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar
consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se
poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)
produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo
entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25
141
Cf Filebo 55d ss 142
Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a
beleza em si 143
O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria
uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf
Repuacuteblica livros II III e X 144
Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos
agudos em dias alternados 145
Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)
ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ
LXXI
VIII
Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν
φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν
α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν
Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν
ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5
φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν
Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν
φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν
α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν
υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10
π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν
πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν
φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν
π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ
π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15
ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν
υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ
υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ
α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν
α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20
π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ
π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν
Ν
72
amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas
vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia
intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos
meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo
racional e a concupisciacutevel146
E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]
surpreender-te-ia o 30
fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas
melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147
E dentro da
proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a
cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o
conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35
cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os
dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e
pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e
ignorante
146
Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma
racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra
mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas
eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147
Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer
e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica
como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q
LXXII
φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν
Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25
αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν
ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν
αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν
Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν
π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30
ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν
υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ
ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν
υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν
έ35
73
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII
Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica
Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da
medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma
seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de
que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as
imposiccedilotildees do destino
Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma
que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ
ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave
teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por
Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e
16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria
a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo
corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto
meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das
contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma
dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs
livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como
expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ
A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria
entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da
hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q
e seu tratado no sec II dC
Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a
teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles
(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas
Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da
consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo
Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de
vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias
508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e
74
317 Capiacutetulo IX
Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a
semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se
perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez
constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as
realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5
as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais
relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de
semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma
imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que
preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10
tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos
seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]
com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia
calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim
sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15
148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica
LXXIV
IX
Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν
υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν
α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν
υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν
π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5
π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ
π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν
α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ
Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν
υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10
Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ
ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν
Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν
α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν
ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15
πα α α έ
75
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX
Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual
essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o
breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III
dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que
Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um
espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de
opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do
tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que
mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo
ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da
alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A
Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p
195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo
entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do
mundo
O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que
assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave
intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos
76
319 Capiacutetulo X
Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja
em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de
mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito
proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no
acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151
O movimento da voz concebido sem 5
referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152
tal como as primeiras coisas
Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou
descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria
mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153
Assim tal
como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10
mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a
imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade
com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que
a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas
tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15
receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical
participa do grave como do agudo154
Dentre as notas algumas [109]
satildeo fixas outras satildeo
moacuteveis155
e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros
satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos
151
Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter
entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152
τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e
natildeo material da altura tonal 153
O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz
determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel
Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala
exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde
agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154
Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo
adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de
indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para
sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a
primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou
seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155
Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas
enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias
determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo
tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se
mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo
LXXVI
X
Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν
Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν
υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν
αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α
α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5
Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν
Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν
π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ
υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν
π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10
α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν
π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν
π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν
ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν
α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15
Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ
α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]
Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ
πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ
ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν
α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20
υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν
ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν
π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν
αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν
ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25
π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν
Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν
φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30
Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ
)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν
77
quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20
baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se
segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas
apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156
Satildeo elas com efeito o
princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as
notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25
mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157
Assim tambeacutem a respeito do universo homens
divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste
mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que
eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a
morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30
completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz
conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo
eteacutereo158
o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras
(que apresentam dois intervalos159
a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele
produzido pelos seres sublunares160
que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35
e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o
semitom e o tom161
E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e
solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns
pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo
156
Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas
baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante
desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja
anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157
As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois
tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que
A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde
Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como
perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave
Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na
eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de
passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158
Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo
269a ndash 270b 159
A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente
notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a
nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero
enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160
Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161
No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e
no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda
LXXVII
υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν
ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν
α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35
α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ
α α π ν αὶ ὴ Ν [110]
Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν
α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν
φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ
Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40
π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν
π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν
πα α έ
78
graves e tendem para a terra162
Aleacutem disso [110]
o fato de que as notas tendam natural e 40
indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o
caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual
eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o
equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos
opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163
que produzem os bons climas o crescimento 45
das plantas e a sauacutede dos animais
162
Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os
intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos
densos e porosos 163
Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute
importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas
ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da
terapecircutica eacutetica Cf II 9
79
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X
A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da
dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no
campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente
informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio
situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa
harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o
grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo
(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no
fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim
as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta
Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como
eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave
imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que
seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal
como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas
entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o
movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes
A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao
simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II
No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade
(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto
a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para
novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta
mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria
80
321 Capiacutetulo XI
O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a
natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo
ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164
designa-se a natureza intermediaacuteria165
Dentre
os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e
ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5
que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166
vem a ser tripla Poreacutem como nas
dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional
ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante
um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute
estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10
cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio
a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer
realidade perceptiacutevel167
E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem
em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs
[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies
168 o mesmo nuacutemero 15
de tons do Sistema Perfeito169
No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a
essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia
164
A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81
Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O
tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual
surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava
tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)
formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema
Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por
conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165
Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui
por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se
que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)
simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)
Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q
logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166
Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167
χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)
por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A
hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo
que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168
As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As
espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169
Ou seja o intervalo de oitava
LXXX
XI
Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν
πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν
Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ
α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ
ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5
Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν
ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν
ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν
π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν
φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10
π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν
ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ
Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν
ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν
αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15
ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ
αΝ
81
intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua
perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170
(pois o que chamamos de alma alguns denominam como
ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20
em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero
diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e
inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou
nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172
tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute
composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25
semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a
triplicaccedilatildeo173
dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por
uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma
harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio
eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174
da alma Jaacute no que diz 30
respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o
cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo
responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e
a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175
170
Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves
trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171
χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima
412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist
De anima 430a10-25) 172
Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute
o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e
cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173
Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174
A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma
Cf Timeu 36e ss 175
A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre
a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se
daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte
LXXXI
ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ
ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν
Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20
α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ
ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν
α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ
υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν
Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25
α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν
α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν
ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ
ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν
πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30
αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ
82
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI
Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a
estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve
auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees
Tabela 1 - Triacuteades
INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO
Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente
Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo
Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria
Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um
desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na
medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em
conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros
Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees
propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda
que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano
e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente
inconclusivas
Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que
tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que
permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado
Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o
gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo
83
323 Capiacutetulo XII
Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois
quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por
meio do dois e a material [112]
por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave
regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem
afinidade com o dois176
A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5
desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela
soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo
dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui
Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira
com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10
seis179
Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]
ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e
a nona a esfera natildeo astral180
O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo
trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os
uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15
o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181
Jaacute o dezessete termo meacutedio entre
os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou
176
Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano
(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do
capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter
passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave
mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos
traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o
mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa
duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o
corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria
uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e
extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao
espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177
Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178
Cf III 6 179
Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam
respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180
Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e
Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser
a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181
Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de
modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a
circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem
aacuterea e circunferecircncia iguais a 18
LXXXIII
XII
α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ
ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ
ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν
ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]
Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν
α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5
Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν
α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ
Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν
π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν
ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10
Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν
πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ
ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν
φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν
ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15
αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ
υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ
ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν
84
relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182
O trinta e seis183
ao evidenciar a diese
aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano
182
Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute
agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18
ou 9) e a parte (16 ou 8) 183
Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar
da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada
multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento
relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao
processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da
diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e
o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave
cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie
formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a
seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do
6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea
LXXXIV
ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν
α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20
υ Ν υ α έ
85
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII
Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza
mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em
que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o
nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como
unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo
participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma
extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo
ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou
material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual
A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom
manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a
322
3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas
com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a
alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute
contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o
eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao
ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no
sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos
semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo
simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular
decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3
86
325 Capiacutetulo XIII
Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se
cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e
oito185
nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]
mecircs ocorre de ser vista com essa
mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e
omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5
tons186
nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15
apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons
para novamente retornar agraves graves187
E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo
tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188
(com agraves vezes um dia remanescente)
ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10
nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o
iniacutecio do descenso
184
π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue
trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo
de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo
como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando
harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo
(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se
intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai
possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de
ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185
Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima
do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco
tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo
enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186
Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa
voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187
A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os
intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188
Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio
Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p
199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada
dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na
verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por
Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen
sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa
posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A
correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais
um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no
sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema
Perfeito Maior
LXXXVI
XIII
Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν
α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν
lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]
ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν
α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ
Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5
φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν
α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν
φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν
Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ
ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10
υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν
ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν
π έ
87
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII
No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua
ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de
mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra
alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo
(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica
(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos
lunares
A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do
gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou
tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do
Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros
modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou
mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada
Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29
dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente
e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura
do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir
88
327 Capiacutetulo XIV
Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se
mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton
assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos
bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais
pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5
do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem
disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde
denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo
entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192
com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10
comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco
situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira
e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve
comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194
dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15
mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196
Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra
sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais
proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar
pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20
189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual
LXXXVIII
XIV
Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν
ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν
Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν
π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ
αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5
Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν
Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν
Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν
αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν
φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10
π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]
π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν
α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ
πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15
π υ αέΝ
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν
Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν
ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν
Ν αὶ φ ῖ Ν 20
89
terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute
necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o
movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o
movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico
deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25
E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute
anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo
ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao
olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao
ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30
diante dele foi posto o para-vento197
das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade
depende de um corpo luminoso198
)
197
Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198
Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos
LXXXIX
Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν
π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ
α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν
ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ
αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25
α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν
π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ
ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν
ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ
αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30
α ῃ α Ν α)έ
90
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV
Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar
Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute
que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)
enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas
do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando
por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele
entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos
TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico
SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter
O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais
intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo
91
329 Capiacutetulo XV
E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada
um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os
tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente
ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute
no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5
meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por
outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo
de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre
ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a
regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10
humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos
objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido
mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio
de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a
regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15
expressa a regiatildeo eteacuterea
199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois
XCI
XV
Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν
π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν
π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν
ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν
ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5
υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν
Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν
α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π
α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν
Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10
υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν
π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν
Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ
92
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV
O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e
Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo
Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes
Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos
PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos
OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter
NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea
MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular
93
331 Capiacutetulo XVI
No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas
de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e
meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao
prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem
razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5
(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde
meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave
temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais
daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o
tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10
corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute
limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se
comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro
elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao
segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15
irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro
pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas
devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da
alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c
XCIII
XVI
Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν
π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ
π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν
υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ
Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5
π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν
υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν
π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ
π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν
α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10
φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν
α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν
αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν
υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν
Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15
Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν
Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν
ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ
94
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI
A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas
quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de
Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e
associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8
Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto
eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na
conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo
as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos
tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia
de cada uma das divisotildees da alma
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma
Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico
Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Irracional Racional
Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes
Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional
Oitavas Oitava grave Oitava aguda
Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o
segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras
naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)
parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois
Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no
capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195
supra
95
333 Capiacutetulo XVII
E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que
conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema
perfeito215
assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo
semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese
ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216
5
ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o
sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na
qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior
e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217
tonal e estar limitado pela potecircncia da
voz218
ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219
para uma vida mais elevada bem como o 10
[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio
evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os
saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada
homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio
sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15
lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem
221 fala claramente desses dois tipos
de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil
e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os
deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares
ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20
215
A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216
Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e
disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro
meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217
O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das
mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a
passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da
primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude
para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27
como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218
Cf III 6 n 131 supra 219
Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra
220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo
ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221
Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d
XCV
XVII
Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν
Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν
υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν
ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν
ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5
ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν
αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν
Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν
π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10
α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]
α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν
α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν
Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν
π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν
π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15
π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν
ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν
Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν
ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20
π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ
96
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII
Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma
no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes
correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama
especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no
tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua
forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o
bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano
Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para
temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a
dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical
(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o
que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano
no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase
dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como
uma tarefa aacuterdua dada a cada homem
Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos
que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo
(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa
divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando
os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no
cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o
livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute
um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III
reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto
97
335 Capiacutetulo XVIII
Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm
relaccedilotildees simpaacuteticas222
com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos
mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o
primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223
agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem
com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5
elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224
nuacutemero segundo o
qual dizem225
os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6
obteriacuteamos 210 [118]
nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226
E
mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees
riacutetmicas227
igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228
dos 10
quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si
mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos
o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo
formados os bebecircs de nove meses229
E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15
nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem
vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230
Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo
tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231
Poreacutem natildeo participando de todas
jamais chegam a nascer vivos232
222
O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223
Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224
Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225
Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol
2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles
distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226
Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227
Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I
14 228
A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229
Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos
diferentes 230
Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231
Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo
da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45
multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a
gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que
assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere
Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da
gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232
Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An
408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo
XCVII
XVIII
Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν
υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν
α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν
Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5
π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ
Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ
απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]
αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν
Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10
π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ
Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ
Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ
π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν
Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15
α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν
α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ
αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν
π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν
α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20
98
Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20
intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos
consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve
tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo
da alma para a nobreza viril233
da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave
virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25
beleza234
durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos
alveacuteolos pulmonares 233
Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel
e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave
virtude da temperanccedila 234
Rep 403c
XCVIII
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ
Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ
υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ
α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν
π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25
Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ
403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ
99
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII
O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial
sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos
em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral
do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III
4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma
racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer
maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as
comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento
racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que
presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero
geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de
Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A
Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no
estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The
Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular
interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no
anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion
2008 p 2092)
Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os
caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos
hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der
Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave
teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo
pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De
animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo
Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais
adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero
platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades
100
337 Capiacutetulo XIX
Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que
constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a
piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra
por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar
enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5
icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente
quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por
meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais
estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da
aacutegua239 10
Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o
nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela
semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o
outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o
doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15
com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um
intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a
proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242
235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo
C
XIX
Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ
ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ
αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν
α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ
φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5
α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν
ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν
πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ
πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10
ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν
α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ
αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ
υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ
101
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX
O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo
anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio
deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos
quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados
segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares
Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-
56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das
associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos
os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-
d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo
Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que
compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos
sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees
Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo
Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo
Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono
Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera
Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno
Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q
agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o
fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas
exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a
hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente
pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos
aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo
do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o
icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala
A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta
(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)
102
339 Capiacutetulo XX
Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois
uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o
corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos
brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo
momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5
assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem
arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que
prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma
pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos
nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10
idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som
diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho
aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a
natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis
(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15
fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa
voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre
os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo
sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as
243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27
CII
XX
Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν
ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ
α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ
Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν
ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5
π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ
π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν
Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν
α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10
Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν
ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν
α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν
ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν
Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15
αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν
Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν
Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν
Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν
α Ν υ Ν 20
103
realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20
conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente
impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo
obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria
bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem
subjacente agraves notas musicais252
E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253
a cada 25
uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas
252
Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253
Cf II 12-14
CIII
ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν
φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν
πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ
π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν
α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25
π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ
υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν
πα α έ
104
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX
Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a
oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo
Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys
material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos
abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui
como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata
to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze
quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o
quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos
quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista
completa na ordem seguida por Teacuteon
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia
2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia
3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade
4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice
A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato
como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)
Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle
(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)
disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado
em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)
A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das
esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada
por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp
135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos
natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de
Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja
105
contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o
conhecimento necessaacuteriordquoέ
106
341 Capiacutetulo XXI
Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino
No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute
uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra
dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A
esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5
emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua
de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia
participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos
corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a
chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10
semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave
nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das
vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que
dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas
noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15
familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a
deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela
possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a
esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva
por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20
mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas
atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma
equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como
254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23
CVI
XXI
Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν
ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ
υΝ ὸ [121]
Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν
υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5
ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν
ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ
Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν
υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν
Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10
α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ
α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ
π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ
υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν
ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15
αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ
ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν
αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ
αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ
Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20
πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν
α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]
Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ
Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν
ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ
α ὰ 25
107
Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute
casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25
enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A
partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260
poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261
Se
atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim
sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30
planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas
Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do
que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de
forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo
tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262
Uma vez mais portanto satildeo sete as 35
notas remanescentes263
as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que
a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um
poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas
remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas
ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40
que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos
Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada
atraveacutes do eacutepsilon [123]
pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de
dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264
do primeiro par
e do primeiro iacutempar 45
260
O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261
Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo
com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu
(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em
aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262
Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada
quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero
bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas
apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a
modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu
maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263
A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264
Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5
correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro
nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar
CVII
Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν
π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ
υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ
π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν
Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30
Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν
π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν
π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ
ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν
αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35
φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν
α Ν ῖ Ν α α έΝ
Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α
π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν
ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40
α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν
α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν
π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν
π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]
ὰ ξ ρΝ
Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45
Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ
ὸ Ν υ έ
108
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI
Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em
II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo
associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo
desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais
intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter
masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do
primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)
superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a
qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a
ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas
notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta
Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida
estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem
outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute
associada ao eacutepsilon
Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais
correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino
feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os
planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava
do SPI fica como exposto a seguir
Figura 14 - Planetas e notas I
Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as
notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados
agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as
109
regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem
unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees
contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo
ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono
Figura 15 - Triplicidades
Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave
mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que
penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo
a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui
Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as
triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece
muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de
Ptolomeu que vem a ser a seguinte
A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries
Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade
correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda
maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio
A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e
Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo
compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta
triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute
que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus
Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para
as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois
110
quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente
masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira
ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino
associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima
Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de
ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-
feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da
ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das
triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e
Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso
poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente
segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que
se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)
Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com
as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste
capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como
expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o
intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos
planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa
necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas
de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu
Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III
A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece
dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen
conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para
Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma
mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de
potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave
nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por
razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A
disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir
265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar
111
Figura 16 - Planetas e notas II
Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre
vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as
sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile
Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no
serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute
aquele momento
112
343 Capiacutetulo XXII
Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada
um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves
notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota
acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o
terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5
zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco
relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da
consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que
tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada
organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10
como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash
que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila
onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos
dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo
266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II
CXII
XXII
Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν
Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ
ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν
ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν
α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5
ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν
α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν
Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ
ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ
υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10
α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ
Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ
113
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII
O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea
e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava
ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos
dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que
se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva
disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)
liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia
(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)
Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde
primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie
hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo
anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton
teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese
de que resultaria entatildeo a ordem a seguir
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa
Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia
Tetracorde Primeiro Meacutedio
O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos
(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de
qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a
espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os
graus do SPI
O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as
espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no
capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil
interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias
Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas
114
do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no
zodiacuteaco
Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do
SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda
se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se
utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de
oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso
Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem
das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave
doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as
notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave
espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala
ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma
ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie
hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano
tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com
a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por
diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima
Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia
Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico
Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que
corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma
Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por
Colomer e Gil no capiacutetulo anterior
Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos
quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias
relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia
dos toacutenoi se inverte na oitava aguda
115
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco
Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio
Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico
116
345 Capiacutetulo XXIII
E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim
divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais
jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional
caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5
reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional
denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo
situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse
triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a
quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10
caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais
desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino
como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco
sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279
Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15
natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos
setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados
entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis
o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero
nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20
igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a
razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo
a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285
273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32
CXVI
XXIII
Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν
ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν
Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ
α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5
ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]
πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν
ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν
Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ
π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10
Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν
ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν
ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ
π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν
α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15
ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν
Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ
π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν
φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ
αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20
α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν
Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ
117
Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286
Por isso eacute que tendo
dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25
trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles
domina ao longo de dez dias288
ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero
perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da
circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289
Cada um
deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30
acircngulos agudos formando doze segmentos290
Dois desses segmentos formam o lado de um
hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291
Trecircs deles formam o lado de um quadrado e
estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292
Quatro formam o lado de um
triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em
outro293
Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294
natildeo estabelecendo nenhuma 35
proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem
relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades
anteriores forma o diacircmetro295
Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero
maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois
o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40
nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296
285
43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286
Rep VIII 546c 287
Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do
signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do
horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco
completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288
Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O
tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias
dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289
360ordm 90ordm = 4 290
90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291
Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um
segmento em relaccedilatildeo ao outro 292
Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293
Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em
razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294
Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295
180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de
oitava e quinta com o hexaacutegono 296
Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica
relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre
razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18
CXVII
υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν
υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π
ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25
υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν
Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν
α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν
α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ
Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30
αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν
Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν
α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν
π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν
π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35
Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ
Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ
α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν
υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν
πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40
118
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII
Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a
segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do
tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o
zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla
oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o
zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no
cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma
racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao
nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de
base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees
que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana
Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo
capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia
correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco
que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu
(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele
estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as
consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele
mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico
119
347 Capiacutetulo XXIV
Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram
atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo
estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons
musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297
(seja na mescla corpoacuterea
na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5
compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade
De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os
saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida
Assim o afirma [126]
igualmente no Timeu298
o divino Platatildeo que o demiurgo299
da alma
tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10
natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o
intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300
novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo
dupla ateacute o oito301
e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302
Platatildeo ter-se-ia
expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15
individual no acircmbito nas artes303
quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute
outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um
lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o
princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees
mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20
igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel
de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a
profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se
vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente
propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25
297
Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298
35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag
22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299
Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300
As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia
intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro
indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise
completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301
A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302
A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303
A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)
deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II
CXIX
XXIV
Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν
φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ
π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ
Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν
φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5
αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν
υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ
Ν Νπ [126]
αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ
Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ
υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10
Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν
αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν
α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν
π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ
α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15
Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν
ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν
Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν
α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν
(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20
α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν
α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν
υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν
120
ocorre de a alma tender para o melhor304
ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar
relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos
divisiacutevel
Mas igualmente os maiores bens da alma305
disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes
agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30
com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306
(pois cada apreensatildeo
intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda
posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute
anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o
excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35
iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a
igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto
tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das
partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre
as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40
por meio da heacuteptada ()307
vemos o saacutebio308
dispor o discurso acerca da alma de modo duplo
a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e
a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da
mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309
Isso se haacute de tornar claro no diagrama310
da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45
dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a
forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais
retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre
superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do
304
Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305
As virtudes Cf III 16 306
Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307
Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem
como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio
estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda
εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos
que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p
527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na
traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308
Platatildeo Timeu 35b-36a 309
As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310
O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra
CXX
Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν
α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25
Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ
π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν
α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ
π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ
Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30
π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ
υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν
α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ
Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ
α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35
Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν
ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν
Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν
π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40
ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν
ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ
Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν
υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν
πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45
121
seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50
do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311
pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312
adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio
Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se
percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55
Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso
do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo
expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute
foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as
partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60
aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua
emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que
analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao
senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do
universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65
que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a
imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a
instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim
311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23
CXXI
Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν
πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν
π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ
Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ
α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50
αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ
αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν
υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν
π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν
υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55
ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν
υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν
φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν
ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ
υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60
ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν
φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν
πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ
122
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV
A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que
Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais
alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos
capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e
aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem
seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo
demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)
Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos
nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera
mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em
reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de
caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-
525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em
virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao
capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade
expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa
(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas
poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se
como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica
expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute
assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu
a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o
quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel
O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes
na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave
geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss
1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411
ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir
123
Figura 17 - Dupla tetraktys I
Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157
Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo
de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen
(p 53) sugere outra figura
Figura 18 - Dupla tetraktys II
Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo
desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o
diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as
proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os
termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um
membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois
intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O
recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas
Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees
teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da
muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5
124
349 Capiacutetulo XXV
Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320
eacute o primeiriacutessimo e mais natural
princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo
em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]
e no esquecimento assoberbada
de agitaccedilotildees e estiacutemulos321
e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve
momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5
sabedoria322
] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de
loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos
indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323
moderam a irracionalidade natural (tal como fazem
os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o
medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324
Por isso 10
eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser
purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as
emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais
ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma
mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15
um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no
igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o
tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo
claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior
ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]
Quanto agrave melodia (quer 20
entedida enquanto partes dos sistemas327
quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo
musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na
320
υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das
paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p
430 321
Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322
Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129
Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323
Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-
104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324
Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela
envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em
detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325
Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de
Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326
Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo
planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327
Enquanto escalas meras sequecircncias de notas
CXXIV
XXV
α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν
υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν
ᾳ [129]
αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν
π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν
Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5
ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν
ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν
Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν
π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν
ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10
α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν
αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν
Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ
ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν
Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15
Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ
Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ
υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ
ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20
125
posiccedilatildeo das letras328
das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave
terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as
geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25
maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se
associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329
) deve-se associar
ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do
deus330
que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau
estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30
aos demais elementos331
Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos
enquanto a ordem da alma ()332
eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja
substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333
a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao
passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um
ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334
Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35
sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se
corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335
328
Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma
posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a
disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf
II 14 III 21 329
Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo
simboacutelica 330
Apolo 331
Cf II 19 (92 5-8) 332
Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em
Mathiesen p 65 333
I 13 (318) 334
Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto
em Feacutedon 70d-72d 335
O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)
CXXV
Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν
Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν
υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν
Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25
π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν
π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν
α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ
Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ
Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30
α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ
π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν
π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν
φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ
Ν α έ 35
126
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV
A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo
anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao
progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento
do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a
em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades
inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no
entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos
organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma
Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla
corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da
corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da
relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos
do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou
geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas
que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das
contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico
e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete
ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo
riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado
o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas
127
351 Capiacutetulo XXVI
Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele
perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem
sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e
nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de
abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5
coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja
intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os
princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as
migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a
idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10
certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na
casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio
da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a
predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na
τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15
retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados
Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel
denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que
pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o
futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20
que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre
336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200
CXXVII
XXVI
ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν
ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν
α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν
π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν
αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5
Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ
α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν
α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν
Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ
Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10
Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν
α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν
υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν
Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν
Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15
Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν
α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν
Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ
Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20
128
passiacuteveis de mudanccedila345
Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a
ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave
economia coacutesmica [132]
nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no
seu desenrolar346
Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347
testemunha igualmente que isto eacute 25
assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos
disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia
fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora
destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer
(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30
colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ
Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz
ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre
os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo
divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35
eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo
oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente
ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o
profeta do universo352
teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso
parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40
δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada
indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que
naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ
345
Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o
paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5
346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d
Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do
devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta
Veterum Stoicorum B7-8 347
Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus
oraacuteculos 348
Heroacutedoto IX 43 7-8 349
αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e
contingecircncia 350
Odisseia VIII vv511-512 351
Iliacuteada III v59 352
Apolo
CXXVIII
α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ
πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ
αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν
Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ
πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25
πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν
α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν
Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ
Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν
πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30
ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν
α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν
α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν
π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν
π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35
α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν
α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ
ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν
ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν
υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40
υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν
Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ
129
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI
Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo
os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ
necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia
impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona
explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois
campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute
tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos
ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na
vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de
acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A
trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna
difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave
liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute
ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila
pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de
acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q
pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica
ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas
antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da
participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na
sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se
distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como
veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade
enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um
acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir
130
353 Capiacutetulo XXVII
Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a
essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros
sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma
nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado
esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5
escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins
de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e
leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a
participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas
merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10
verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe
aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e
tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o
profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e
auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15
ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada
uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a
perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo
que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da
geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20
propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo
A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber
353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c
CXXX
XXVII
α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν
Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν
α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ
ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν
π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5
Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt
ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ
φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ
π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν
π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10
απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ
Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν
Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν
αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ
φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15
πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν
υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν
υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν
υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν
Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20
υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ
Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν
φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ
131
Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com
perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360
que nos levou a essa empreitada
e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25
como dizem foi de todo mau361
pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que
no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo
quanto eacute relativo agrave muacutesica
360
Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa
invocaccedilatildeo 361
Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf
Mathiesen p 57 n 244
CXXXI
αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25
αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν
πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν
υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ
132
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII
No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando
seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem
como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave
filosofia com que encerra seu tratado
Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um
esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para
dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou
o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a
perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse
reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa
conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez
vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade
assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da
natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se
para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na
(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo
contato com o inteligiacutevel
Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso
da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa
imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo
filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em
π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos
π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o
mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e
moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos
termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como
ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja
proporcional e semelhante
362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329
133
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RESUMO
Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III
Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga
ABSTRACT
This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole
Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music
Agradeccedilo
Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e
aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo
A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes
Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea
Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas
E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos
meus estudos
IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123
IacuteNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Triacuteades 82
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115
SUMAacuteRIO
1 Introduccedilatildeo 10
11 Autor e obra 12
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24
14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32
21 Teoria harmocircnica 32
211 Gecircneros e nuances 33
212 Sistemas 34
213 Tom tropo e harmonia 38
214 Modulaccedilatildeo 40
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41
3 Traduccedilatildeo do Livro III 49
31 Capiacutetulo I 49
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52
33 Capiacutetulo II 54
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56
35 Capiacutetulo III 58
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59
37 Capiacutetulo IV 60
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62
39 Capiacutetulo V 63
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64
311 Capiacutetulo VI 65
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67
313 Capiacutetulo VII 68
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70
315 Capiacutetulo VIII 71
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73
317 Capiacutetulo IX 74
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75
319 Capiacutetulo X 76
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79
321 Capiacutetulo XI 80
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82
323 Capiacutetulo XII 83
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85
325 Capiacutetulo XIII 86
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87
327 Capiacutetulo XIV 88
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90
329 Capiacutetulo XV 91
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92
331 Capiacutetulo XVI 93
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94
333 Capiacutetulo XVII 95
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96
335 Capiacutetulo XVIII 97
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99
337 Capiacutetulo XIX 100
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101
339 Capiacutetulo XX 102
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104
341 Capiacutetulo XXI 106
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108
343 Capiacutetulo XXII 112
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113
345 Capiacutetulo XXIII 116
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118
347 Capiacutetulo XXIV 119
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122
349 Capiacutetulo XXV 124
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126
351 Capiacutetulo XXVI 127
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129
353 Capiacutetulo XXVII 130
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133
10
1 Introduccedilatildeo
Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor
Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato
com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo
desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites
com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos
menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o
modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja
como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos
Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto
ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural
estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q
me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia
pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e
preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas
Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais
deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo
aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um
contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a
chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias
talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos
ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e
longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e
fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da
razatildeo e da liberdade
A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade
voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre
me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que
coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas
amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa
vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos
justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute
11
certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo
natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado
proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso
Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos
parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de
universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de
pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo
(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do
tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que
pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas
sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma
A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra
certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita
avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma
antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como
expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio
preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente
humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui
importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo
Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do
espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos
descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou
desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o
espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende
nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra
demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige
cuidados
Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger
Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria
antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na
plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que
infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um
campo de treinamento
12
Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento
de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito
estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias
destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos
aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que
frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar
destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem
consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano
tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto
capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios
Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que
favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em
algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-
1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a
consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-
15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na
medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos
natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e
serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho
Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano
11 Autor e obra
Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito
deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda
outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio
provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome
romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha
pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em
algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum
segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico
restou de Aristides Quintiliano
1 II 10 32-34
13
Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado
a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo
registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido
aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de
seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains
unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early
source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec
XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece
associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar
A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash
c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George
Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel
Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente
moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o
impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e
secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais
a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da
obra
Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em
algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et
Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois
motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque
evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De
Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse
terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento
e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica
2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68
14
musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada
impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum
Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam
A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute
hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus
Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese
foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor
da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-
Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo
no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola
publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua
elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez
situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em
fins do seacutec IV
Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o
argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque
aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das
exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica
desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o
desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel
Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro
musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33
9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12
On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5
15
vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse
conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que
considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)
ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las
conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que
χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o
conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa
amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de
Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely
technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by
contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are
introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ
Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em
III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual
eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo
capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do
alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten
coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ
Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente
num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido
de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a
hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de
uma data posterior para o Da muacutesica de A Q
Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e
neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas
ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees
de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e
encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps
2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de
Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo
alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e
19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica
16
sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325
dC)
Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do
descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso
tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por
Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do
destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir
poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo
a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto
Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)
Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo
ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o
Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas
que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo
transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera
individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais
Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash
natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao
periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no
17
seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-
161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade
Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que
estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem
retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao
imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute
conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del
ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ
Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois
paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou
lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o
emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460
exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem
duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de
Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado
Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco
Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do
autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem
ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que
fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de
Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra
verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo
platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os
interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas
(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que
propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere
a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)
Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima
inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que
21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1
18
abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em
Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do
assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida
importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como
termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas
e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural
Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o
preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um
provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos
amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da
identidade do autor
Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos
que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a
maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com
a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente
estabelece
Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo
liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio
Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo
definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e
ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja
ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido
ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel
AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo
contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior
aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa
coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz
Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece
qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ
Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por
Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A
24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)
19
conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e
amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e
Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como
alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno
Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a
Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome
Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um
Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico
que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo
natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides
Quintiliano
Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a
certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar
o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio
Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92
Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio
Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como
faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter
recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio
e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a
miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo
esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto
no presente quanto no passado
Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides
Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura
26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)
20
bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos
musicoacutegrafos aacuterabes28
12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo
O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os
mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII
(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A
Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e
tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja
transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o
nome de terceiros
Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do
livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do
periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos
ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica
Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de
Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos
diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem
(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo
teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de
origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos
27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ
υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6
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de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a
sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica
Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter
tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a
permanecircncia do interesse pela obra de A Q
No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no
fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico
e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo
a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa
traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio
provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides
Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de
Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo
entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente
conheceram Aristides Quintiliano36
O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais
importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em
1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37
por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38
Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e
32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica
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Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes
por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de
conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia
o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo
comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da
coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX
como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano
Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45
acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em
1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de
Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)
began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music
theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus
complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo
O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op
cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente
citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o
livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado
tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais
ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende
que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado
O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo
os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento
dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por
40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi
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Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com
exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo
Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que
serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de
Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda
notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem
parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia
do original grego
No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um
pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos
frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por
exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o
artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren
Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54
Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico
filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos
de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de
reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega
Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a
publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de
estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J
47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963
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Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O
estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de
mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada
nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou
ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew
Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da
Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que
procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen
Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60
igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos
antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q
para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de
tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica
dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute
desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora
13 Estrutura conteuacutedo e objetivo
ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62
ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a
seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ
Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica
tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor
declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de
conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com
o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)
deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos
Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte
explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui
o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a
58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248
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alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado
fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e
portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo
Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende
refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura
mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e
ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a
unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio
imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs
patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino
no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados
sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que
sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63
E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata
que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de
acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a
tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de
que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em
seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou
dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que
natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios
mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua
inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-
se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna
No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que
chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o
preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente
conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido
de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e
63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel
26
objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma
participaccedilatildeo ou aspecto
O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de
meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker
(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica
proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the
movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria
enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo
conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da
definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um
pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno
musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores
A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante
Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a
menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de
Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo
fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α
) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo
(π π [] [] υ )
Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a
melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a
tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica
Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste
como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele
no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado
A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua
vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ
tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos
que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da
muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical
65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ
αὶ] α αῖ rdquoέ
27
entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma
disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica
A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica
aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute
somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da
muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais
generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica
aritmeacutetica desempenha um papel instrumental
Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute
anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em
criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo
musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro
a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte
Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q
O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina
artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde
ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de
elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo
28
dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos
(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67
O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das
paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as
afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa
a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de
certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas
para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua
Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ
α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma
consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de
uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou
irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)
Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas
partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo
indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida
Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim
como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma
irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em
mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma
Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos
a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de
Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que
reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo
Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e
Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete
e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e
em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de
Halicarnasso
66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C
29
O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das
doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado
entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A
questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada
estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da
muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia
de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral
e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo
do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo
reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo
dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste
trabalho
14 Uma proposta de traduccedilatildeo
O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a
Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a
toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez
que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no
acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma
harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica
Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto
sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do
cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as
premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse
noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo
Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas
do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente
agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da
70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)
30
Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se
no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os
capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil
situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no
cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue
essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen
Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta
traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo
de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado
capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu
verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos
livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e
referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por
versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra
inteira
Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse
predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de
sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa
arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da
linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio
ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima
luminosidade ndash na segunda parte do livro III
Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo
filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo
acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato
histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste
experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua
transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de
empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que
nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se
torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na
cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe
A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez
inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a
31
compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit
p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o
reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de
um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a
originalidade das ideias que faz do Da muacutesica
lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)
Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo
talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece
agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem
natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas
diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica
de fazer sonhar
O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de
certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-
modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia
protocolar seja de condescendecircncia arrogante
Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu
pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que
convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-
lhes o caminho
71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ
32
Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a
mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica
aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os
capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios
de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III
Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo
resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a
conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando
para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto
2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica
Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito
potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala
no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos
os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)
Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos
de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar
como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica
registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento
musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso
recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras
Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria
musical grega o tetracorde
Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que
compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o
tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou
intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia
pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado
harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo
33
que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento
nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima
formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas
eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C
fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que
veremos a seguir
211 Gecircneros e nuances
Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas
que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de
quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo
moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o
gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e
semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash
T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia
T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila
maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e
enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior
Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de
diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica
(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica
Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o
fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente
adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico
padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica
profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o
gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom
posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente
iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade
eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e
profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero
cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico
remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente
34
utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu
emprego em estado puro
Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou
nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute
referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de
semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)
O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom
semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um
terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero
(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma
diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou
ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de
tom)
212 Sistemas
Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda
sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por
conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo
na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde
cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo
Figura 2 - Tetracordes conjuntivos
No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades
doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a
configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas
35
Figura 3- Tetracordes disjuntivos
Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento
disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que
dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento
conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes
completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave
lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os
desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita
dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por
Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema
apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser
estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia
Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave
(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda
do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito
precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes
Figura 4- Sistema perfeito de oitava
Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito
Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave
sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas
36
primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o
tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado
por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de
que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira
heptacorde de tipo eoacutelico
Figura 5- Sistema Perfeito Menor
Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido
outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom
disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois
pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo
par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e
hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ
Figura 6 - Sistema Perfeito Maior
Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz
Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava
aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema
de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo
das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a
nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das
37
primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A
terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa
(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de
enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike
hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde
que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das
meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente
Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde
disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do
nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do
primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima
nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a
penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da
uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia
(paramese)
Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior
O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze
notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas
indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para
chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo
da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo
(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema
Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)
38
Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel
Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um
grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia
correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala
numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que
tratam os conceitos de tom tropo e harmonia
213 Tom tropo e harmonia
Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia
No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete
combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava
ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da
primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as
expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o
gecircnero diatocircnico satildeo
Mixoliacutedia STTSTTT
Liacutedia TTSTTTS
Friacutegia TSTTTST
Doacuterica STTTSTT
Hipoliacutedia TTTSTTS
Hipofriacutegia TTSTTST
39
Hipodoacuterica TSTTSTT
Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato
de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma
ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na
engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a
junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica
harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo
terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia
exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento
certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso
simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal
como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo
do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas
citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que
parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a
doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas
Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo
e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12
Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica
elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado
na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo
Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)
deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados
A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou
mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs
acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um
tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas
de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada
grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem
geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada
tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)
possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para
quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do
40
hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram
recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que
ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para
diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos
respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico
com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada
tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de
quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com
seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)
214 Modulaccedilatildeo
Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria
de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre
que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo
Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o
sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e
mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a
dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que
essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano
elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam
se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de
oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico
ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o
depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e
por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e
que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon
Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-
se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano
no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos
(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso
agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema
do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no
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livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno
abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q
22 A paideia musical de Aristides Quintiliano
Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso
eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si
mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e
indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo
inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo
masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que
surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da
proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo
feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )
a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem
Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A
natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash
forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )
Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave
imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo
central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica
tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um
antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou
reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para
este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e
ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III
Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que
extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas
satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria
visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II
32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa
com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade
humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da
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razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada
com exclusividade agrave filosofia
Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da
alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e
particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego
ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre
educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos
dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No
entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs
razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave
alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo
eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada
com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial
destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees
racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo
musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II
Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave
muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem
duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica
( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando
determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute
vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas
caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral
( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de
aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a
alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )
Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a
muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo
mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e
ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu
nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando
por fim no ato propriamente dito
Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez
das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses
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mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado
o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves
paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a
essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente
as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem
como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que
podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver
sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma
virtude ainda ausente teraacute sido inoculado
Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo
estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo
masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo
entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o
feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para
Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash
talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas
Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ
Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica
e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as
escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os
instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente
masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim
diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os
posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e
viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute
humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma
espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio
Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual
E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica
quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo
No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma
oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo
por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz
Quintiliano (II 114-31)
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() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas
Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam
o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas
uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo
designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as
mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para
designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse
incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o
emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no
que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes
e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ
Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem
observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor
desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma
da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das
letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes
Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes
que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais
proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias
enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais
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proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em
relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade
As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de
articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua
vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto
meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais
tau delta e theta As guturais capa gama e khi
Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio
entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as
aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a
expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e
portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo
formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a
analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais
ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou
masculino)
Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas
breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza
intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade
(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash
formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste
mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal
feminina por excelecircncia
No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron
ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota
o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute
excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos
trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao
fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de
masculinidade satildeo α
72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo
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Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas
palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento
Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo
dessa consoante
Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou
misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota
acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira
nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes
satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se
repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)
cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A
uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo
de oitava formado com a nota acrescida
Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo
Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio
dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem
satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos
instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da
primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do
descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material
entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os
instrumentos musicais
A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando
o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do
universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele
recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do
73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5
47
alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de
ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e
afundando-se na profundidade corpoacuterea
Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos
ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses
ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (
α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao
corpo
Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa
regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves
realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma
esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia
produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto
as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O
terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse
composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo
mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado
o nome de harmonia
Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de
nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a
origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo
sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos
de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a
alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas
liras postas lado a lado
Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato
dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico
potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo
74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ
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outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)
Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel
com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana
enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos
quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees
( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma
Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a
certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre
Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos
(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma
enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de
acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com
que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares
Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos
e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma
agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo
brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira
doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )
satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina
acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem
menos) que o cumprimento dessa promessa
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3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I
[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica
Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da
natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos
Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na
paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5
coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos
intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo
duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das
cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual
provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10
dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o
intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo
sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos
descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo
sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15
relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo
sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo
dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo
sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla
Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20
mencionados
76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43
XLIX
Α Ν Α Ν Ν Η Ν
I
[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν
Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν
π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ
π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν
Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5
αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν
ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν
Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν
α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ
πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10
ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν
α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν
ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν
π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15
π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]
Ν Ν π Ν Ν
ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν
Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ
α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν
α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20
50
E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou
seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81
assim procederam sabendo que o
intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros
dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25
sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia
ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82
e para o oito em razatildeo
sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que
a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um
tom consistia numa razatildeo sesquioitava83
E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30
Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados
termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero
pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo
se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute
para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35
dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior
Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84
a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que
quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo
quer acima da nota anterior e [96]
quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a
nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40
tenham dado a esse intervalo o nome de resto85
Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas
causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo
dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio
intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que
entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45
Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na
proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em
partes desiguais
81
Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )
da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82
86 = 43 96 = 32 83
(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84
Livro I Cap 11 85
α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta
na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A
Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes
L
υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν
υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν
ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ
Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25
ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ
Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ
Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν
Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν
υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30
α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν
α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν
Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν
Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν
φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35
Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν
ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ
αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν
π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν
α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40
α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ
α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν
α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν
α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ
α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45
π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ
51
Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto
exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50
duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que
estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo
estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817
mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo
192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55
muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica
inteligiacutevel86
86
Timeu 36b
LI
υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν
υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ
Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν
Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50
φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ
α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ
Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ
π ὺΝ π α Ν έΝ
52
32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I
Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um
benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora
a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo
menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer
necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee
depende do que foi estabelecido anteriormente
Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica
e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material
da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee
uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma
mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz
passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente
verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da
natureza enquanto muacutesica
Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como
paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo
dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso
algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no
tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos
intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na
irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute
mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual
natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do
sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa
autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao
nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de
interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a
aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica
entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da
astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse
sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque
53
da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo
da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo
Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao
inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto
que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros
diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles
manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero
como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)
Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste
livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal
recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A
insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto
( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica
critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)
cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando
particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes
ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)
87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913
54
33 Capiacutetulo II
Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar
todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos
todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua
dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste
mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5
excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via
sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes
paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a
230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as
sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10
porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os
intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio
faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta
sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92
Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15
se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda
teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do
primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o
uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da
90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro
LIV
II
Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ
υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν
π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν
ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ
υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5
πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν
α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν
π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ
Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν
α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10
Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ
αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν
υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν
π έΝ
Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15
ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν
π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν
αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν
55
corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95
se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20
teremos o primeiro dos meacutedios96
E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-
ia a nota supermeacutedia97
mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos
a primeira dos primeiros98
A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte
modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade
igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99
E dividindo uma vez 25
mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade
idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais
quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo
entatildeo um cacircnon simples sem corda100
comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele
marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30
as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada
divisatildeo do cacircnon101
95
O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis
tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96
O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97
O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98
O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99
Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de
todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de
tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada
tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100
Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam
os intervalos 101
Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio
Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937
LV
α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20
π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν
πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ
αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν
Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν
π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25
π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ
αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν
φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν
πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν
α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30
α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ
56
34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II
Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos
consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos
nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com
pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute
igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero
diatocircnico
O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as
duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde
hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas
relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas
notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos
hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute
a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete
synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre
essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo
Figura 10 - Consonacircncias no SPI
Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada
tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom
com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente
57
Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel
determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a
variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q
apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave
leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa
posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis
natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do
livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu
(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu
podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic
theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon
de Esmirna e Porfiacuterio
Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o
sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo
ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo
piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria
harmocircnica
58
35 Capiacutetulo III
Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas
Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado
Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles
traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na
quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5
quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias
pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com
que foram divididas103
Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se
completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10
portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois
tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota
com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e
doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo
ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15
dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com
relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos
primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava
a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora
102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (
) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6
LVIII
III
ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν
Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν
αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν
α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν
αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5
Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ
α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν
Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν
α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν
απ έΝ 10
α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν
υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν
α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν
α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν
Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15
Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν
π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν
π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν
πὶΝ έ
59
36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III
Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o
heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as
etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )
dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees
presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia
Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ
10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H
Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp
384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)
Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o
contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio
Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora
jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute
indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do
comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11
n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro
reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento
AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial
(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta
corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)
Figura 11 - Heacutelicon
Fonte Colomer e Gil 1996 p177
60
37 Capiacutetulo IV
A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos
apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do
sistema perfeito108
Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta
compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109
tomamos os nuacutemeros [100]
3 (o
primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110
e o primeiro perfeito111
) e 4 (o primeiro nuacutemero 5
sesquiteacutercio112
e primeiro nuacutemero plano em geometria113
) e traccedilamos duas retas
perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em
proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas
correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10
de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo
aritmeacutetico114
a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados
pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute
nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para
fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115
15
108
Sistema de oitava 109
O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons
e meio) 21 = 43 x 32 110
Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111
O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo
o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou
completude do 3 112
Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113
Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a
caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1
representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou
cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3
114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na
figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115
Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas
conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d
LX
IV
Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν
Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ
π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν
ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν
ὺ [100]
Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5
π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν
α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν
ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν
α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν
π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10
ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν
α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν
π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν
π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν
π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15
61
Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica
Fonte Colomer e Gil p 180
62
38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV
Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam
ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a
procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto
sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da
consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um
estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros
um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda
segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A
Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes
Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo
sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura
construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as
relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes
tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras
utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-
b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de
Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da
seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica
63
39 Capiacutetulo V
Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute
que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e
mediaccedilatildeo116
) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si
mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes
dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5
modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117
harmocircnica compotildee-se
de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo
aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos
posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo
geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10
entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]
de
modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118
Sendo a quantidade dupla na
quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo
comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a
aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15
proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na
harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs
consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo
sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias
aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20
ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre
cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual
seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas
razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os
nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119
25
116
A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O
3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se
tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf
Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117
O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo
entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118
Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B
representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a
meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie
harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de
proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119
As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b
LXIII
V
Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν
( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν
ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν
Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν
αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5
Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ
Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν
π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν
π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ
ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]
Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10
α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν
π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν
υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν
Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ
lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15
α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν
π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ
ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ
Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν
π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20
Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ
ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν
ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν
πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν
α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25
π ῖ Ν α α έ
64
310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V
As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo
apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas
apresentadas ao fim do capiacutetulo
A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que
na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120
Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3
obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao
acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda
os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6
formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo
de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo
dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser
divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)
e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8
Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia
aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em
dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia
aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava
assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27
(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois
termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de
quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op
cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas
entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que
compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4
6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos
termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida
surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3
120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3
65
311 Capiacutetulo VI
E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem
propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de
mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos
consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5
denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126
agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram
soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente
descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto
a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10
e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com
o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada
chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado
geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado
pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15
composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4
122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo
LXV
VI
π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ
π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν
αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν
υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5
φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ
α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν
ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν
α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν
ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10
α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν
Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )
ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ
υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν
ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15
66
somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo
resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a
esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira
consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20
quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e
se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros
seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o
primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio
proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25
assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante
caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo
acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo
acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma
proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30
dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as
consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas
proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo
sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a
razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35
nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137
133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta
LXVI
ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν
Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν
φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν
υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20
Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν
α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν
α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ
έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν
[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25
ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ
Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν
αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ
υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν
ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30
υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν
π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν
υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν
ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν
π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35
απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν
α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ
Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α
67
312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI
A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se
agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees
pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente
tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um
ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros
iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel
estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada
nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends
the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa
particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)
que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes
todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a
deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute
tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se
compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente
Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo
e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute
quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo
com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular
εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna
enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores
divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns
68
313 Capiacutetulo VII
Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um
lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os
intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos
revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas
por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5
nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a
outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao
passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em
virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe
facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10
dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do
material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais
doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui
em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que
padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15
nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o
meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam
do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por
isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam
recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20
universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos
fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas
nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e
perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a
semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25
caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas
temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as
coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o
crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α
LXVIII
VII
ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν
Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]
π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ
Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν
ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ
αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5
α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν
αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν
αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ
Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ
υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10
π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν
α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν
α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ
π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15
Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν
υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ
ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ
α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α
Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20
υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν
Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]
αὶ ὸ Ν Ν
Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν
α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ
έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25
αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν
Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν
αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν
69
que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30
lunar140
E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as
fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de
Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do
ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute
disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35
coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e
a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece
rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea
natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as
consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40
140
Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por
colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada
nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro
III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem
caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade
ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves
esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas
LXIX
π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν
αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30
φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ
α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν
αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν
α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35
Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν
Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν
α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν
α Νπα Νπα π έ
70
314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII
Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da
incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos
nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia
aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da
experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros
se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na
forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos
por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus
pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja
ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que
platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona
os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute
controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel
superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q
ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na
especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a
origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles
(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a
Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere
SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes
neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e
Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia
enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles
A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que
reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da
alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e
da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais
culmina seu tratado
71
315 Capiacutetulo VIII
Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes
prestam os nuacutemeros141
Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem
nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria
dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se
ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142
[106]
pois a mesma 5
proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores
(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim
tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de
ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos
fisionomistas143
Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10
eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve
atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres
perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla
no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada
trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15
perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores
(a exemplo das febres hemitriacuteticas144
) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave
esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145
essas satildeo temiacuteveis e
letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante
proporccedilotildees quantitativas 20
De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar
consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se
poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)
produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo
entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25
141
Cf Filebo 55d ss 142
Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a
beleza em si 143
O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria
uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf
Repuacuteblica livros II III e X 144
Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos
agudos em dias alternados 145
Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)
ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ
LXXI
VIII
Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν
φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν
α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν
Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν
ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5
φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν
Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν
φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν
α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν
υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10
π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν
πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν
φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν
π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ
π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15
ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν
υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ
υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ
α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν
α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20
π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ
π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν
Ν
72
amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas
vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia
intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos
meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo
racional e a concupisciacutevel146
E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]
surpreender-te-ia o 30
fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas
melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147
E dentro da
proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a
cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o
conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35
cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os
dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e
pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e
ignorante
146
Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma
racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra
mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas
eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147
Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer
e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica
como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q
LXXII
φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν
Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25
αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν
ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν
αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν
Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν
π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30
ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν
υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ
ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν
υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν
έ35
73
316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII
Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica
Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da
medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma
seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de
que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as
imposiccedilotildees do destino
Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma
que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ
ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave
teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por
Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e
16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria
a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo
corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto
meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das
contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma
dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs
livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como
expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ
A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria
entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da
hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q
e seu tratado no sec II dC
Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a
teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles
(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas
Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da
consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo
Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de
vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias
508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e
74
317 Capiacutetulo IX
Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a
semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se
perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez
constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as
realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5
as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais
relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de
semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma
imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que
preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10
tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos
seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]
com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia
calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim
sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15
148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica
LXXIV
IX
Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν
υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν
α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν
υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν
π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5
π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ
π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν
α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ
Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν
υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10
Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ
ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν
Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν
α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν
ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15
πα α α έ
75
318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX
Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual
essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o
breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III
dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que
Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um
espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de
opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do
tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que
mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo
ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da
alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A
Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p
195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo
entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do
mundo
O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que
assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave
intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos
76
319 Capiacutetulo X
Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja
em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de
mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito
proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no
acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151
O movimento da voz concebido sem 5
referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152
tal como as primeiras coisas
Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou
descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria
mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153
Assim tal
como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10
mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a
imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade
com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que
a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas
tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15
receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical
participa do grave como do agudo154
Dentre as notas algumas [109]
satildeo fixas outras satildeo
moacuteveis155
e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros
satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos
151
Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter
entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152
τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e
natildeo material da altura tonal 153
O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz
determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel
Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala
exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde
agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154
Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo
adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de
indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para
sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a
primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou
seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155
Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas
enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias
determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo
tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se
mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo
LXXVI
X
Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν
Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν
υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν
αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α
α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5
Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν
Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν
π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ
υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν
π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10
α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν
π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν
π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν
ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν
α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15
Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ
α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]
Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ
πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ
ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν
α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20
υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν
ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν
π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν
αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν
ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25
π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν
Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν
φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν
α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30
Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ
)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν
77
quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20
baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se
segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas
apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156
Satildeo elas com efeito o
princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as
notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25
mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157
Assim tambeacutem a respeito do universo homens
divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste
mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que
eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a
morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30
completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz
conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo
eteacutereo158
o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras
(que apresentam dois intervalos159
a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele
produzido pelos seres sublunares160
que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35
e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o
semitom e o tom161
E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e
solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns
pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo
156
Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas
baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante
desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja
anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157
As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois
tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que
A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde
Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como
perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave
Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na
eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de
passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158
Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo
269a ndash 270b 159
A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente
notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a
nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero
enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160
Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161
No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e
no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda
LXXVII
υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν
ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν
α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35
α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ
α α π ν αὶ ὴ Ν [110]
Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν
α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν
φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ
Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40
π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν
π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν
πα α έ
78
graves e tendem para a terra162
Aleacutem disso [110]
o fato de que as notas tendam natural e 40
indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o
caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual
eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o
equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos
opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163
que produzem os bons climas o crescimento 45
das plantas e a sauacutede dos animais
162
Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os
intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos
densos e porosos 163
Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute
importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas
ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da
terapecircutica eacutetica Cf II 9
79
320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X
A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da
dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no
campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente
informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio
situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa
harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o
grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo
(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no
fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim
as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta
Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como
eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave
imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que
seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal
como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas
entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o
movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes
A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao
simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II
No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade
(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto
a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para
novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta
mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria
80
321 Capiacutetulo XI
O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a
natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo
ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164
designa-se a natureza intermediaacuteria165
Dentre
os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e
ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5
que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166
vem a ser tripla Poreacutem como nas
dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional
ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante
um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute
estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10
cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio
a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer
realidade perceptiacutevel167
E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem
em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs
[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies
168 o mesmo nuacutemero 15
de tons do Sistema Perfeito169
No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a
essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia
164
A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81
Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O
tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual
surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava
tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)
formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema
Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por
conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165
Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui
por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se
que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)
simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)
Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q
logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166
Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167
χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)
por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A
hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo
que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168
As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As
espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169
Ou seja o intervalo de oitava
LXXX
XI
Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν
πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν
Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ
α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ
ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5
Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν
ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν
ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν
π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν
φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10
π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν
ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ
Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν
ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν
αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15
ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ
αΝ
81
intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua
perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170
(pois o que chamamos de alma alguns denominam como
ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20
em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero
diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e
inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou
nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172
tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute
composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25
semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a
triplicaccedilatildeo173
dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por
uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma
harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio
eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174
da alma Jaacute no que diz 30
respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o
cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo
responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e
a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175
170
Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves
trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171
χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima
412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist
De anima 430a10-25) 172
Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute
o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e
cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173
Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174
A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma
Cf Timeu 36e ss 175
A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre
a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se
daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte
LXXXI
ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ
ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν
Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20
α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ
ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν
α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ
υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν
Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25
α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν
α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν
ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ
ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν
πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30
αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ
82
322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI
Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a
estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve
auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees
Tabela 1 - Triacuteades
INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO
Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente
Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo
Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria
Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um
desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na
medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em
conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros
Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees
propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda
que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano
e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente
inconclusivas
Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que
tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que
permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado
Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o
gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo
83
323 Capiacutetulo XII
Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois
quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por
meio do dois e a material [112]
por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave
regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem
afinidade com o dois176
A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5
desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela
soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo
dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui
Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira
com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10
seis179
Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]
ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e
a nona a esfera natildeo astral180
O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo
trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os
uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15
o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181
Jaacute o dezessete termo meacutedio entre
os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou
176
Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano
(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do
capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter
passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave
mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos
traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o
mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa
duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o
corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria
uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e
extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao
espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177
Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178
Cf III 6 179
Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam
respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180
Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e
Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser
a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181
Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de
modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a
circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem
aacuterea e circunferecircncia iguais a 18
LXXXIII
XII
α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ
ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ
ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν
ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]
Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν
α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5
Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν
α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ
Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν
π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν
ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10
Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν
πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ
ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν
φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν
ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15
αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ
υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ
ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν
84
relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182
O trinta e seis183
ao evidenciar a diese
aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano
182
Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute
agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18
ou 9) e a parte (16 ou 8) 183
Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar
da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada
multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento
relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao
processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da
diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e
o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave
cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie
formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a
seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do
6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea
LXXXIV
ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν
α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20
υ Ν υ α έ
85
324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII
Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza
mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em
que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o
nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como
unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo
participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma
extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo
ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou
material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual
A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom
manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a
322
3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas
com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a
alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute
contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o
eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao
ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no
sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos
semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo
simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular
decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3
86
325 Capiacutetulo XIII
Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se
cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e
oito185
nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]
mecircs ocorre de ser vista com essa
mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e
omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5
tons186
nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15
apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons
para novamente retornar agraves graves187
E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo
tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188
(com agraves vezes um dia remanescente)
ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10
nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o
iniacutecio do descenso
184
π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue
trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo
de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo
como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando
harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo
(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se
intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai
possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de
ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185
Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima
do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco
tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo
enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186
Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa
voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187
A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os
intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188
Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio
Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p
199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada
dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na
verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por
Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen
sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa
posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A
correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais
um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no
sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema
Perfeito Maior
LXXXVI
XIII
Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν
α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν
lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]
ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν
α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ
Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5
φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν
α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν
φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν
Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ
ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10
υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν
ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν
π έ
87
326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII
No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua
ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de
mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra
alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo
(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica
(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos
lunares
A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do
gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou
tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do
Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros
modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou
mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada
Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29
dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente
e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura
do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir
88
327 Capiacutetulo XIV
Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se
mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton
assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos
bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais
pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5
do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem
disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde
denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo
entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192
com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10
comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco
situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira
e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve
comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194
dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15
mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196
Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra
sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais
proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar
pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20
189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual
LXXXVIII
XIV
Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν
ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν
Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν
π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ
αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5
Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν
Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν
Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν
αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν
φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10
π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]
π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν
α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ
πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν
Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15
π υ αέΝ
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν
Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν
ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν
Ν αὶ φ ῖ Ν 20
89
terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute
necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o
movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o
movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico
deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25
E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute
anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo
ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao
olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao
ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30
diante dele foi posto o para-vento197
das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade
depende de um corpo luminoso198
)
197
Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198
Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos
LXXXIX
Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν
π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ
α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν
ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ
αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25
α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν
π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ
ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν
ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ
αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30
α ῃ α Ν α)έ
90
328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV
Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar
Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute
que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)
enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas
do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando
por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele
entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes
Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos
TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico
SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter
O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais
intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo
91
329 Capiacutetulo XV
E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada
um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os
tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente
ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute
no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5
meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por
outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo
de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre
ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a
regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10
humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos
objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido
mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio
de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a
regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15
expressa a regiatildeo eteacuterea
199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois
XCI
XV
Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν
π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν
π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν
ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν
ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5
υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν
Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν
α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π
α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν
Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10
υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν
π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν
Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ
92
330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV
O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e
Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo
Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes
Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo
Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos
PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo
ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter
Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos
OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo
SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo
ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter
NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea
MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular
93
331 Capiacutetulo XVI
No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas
de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e
meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao
prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem
razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5
(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde
meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave
temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais
daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o
tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10
corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute
limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se
comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro
elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao
segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15
irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro
pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas
devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da
alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c
XCIII
XVI
Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν
π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ
π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν
υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ
Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5
π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν
υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν
π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ
π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν
α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10
φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν
α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν
αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν
υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν
Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15
Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν
Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν
ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ
94
332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI
A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas
quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de
Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e
associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8
Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto
eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na
conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo
as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos
tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia
de cada uma das divisotildees da alma
Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma
Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico
Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Irracional Racional
Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8
Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes
Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo
Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria
Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional
Oitavas Oitava grave Oitava aguda
Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o
segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras
naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)
parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois
Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no
capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195
supra
95
333 Capiacutetulo XVII
E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que
conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema
perfeito215
assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo
semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese
ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216
5
ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o
sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na
qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior
e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217
tonal e estar limitado pela potecircncia da
voz218
ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219
para uma vida mais elevada bem como o 10
[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio
evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os
saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada
homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio
sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15
lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem
221 fala claramente desses dois tipos
de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil
e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os
deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares
ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20
215
A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216
Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e
disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro
meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217
O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das
mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a
passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da
primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude
para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27
como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218
Cf III 6 n 131 supra 219
Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra
220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo
ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221
Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d
XCV
XVII
Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν
Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν
υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν
ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν
ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5
ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν
αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν
Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν
π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10
α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]
α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν
α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν
Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν
π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν
π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15
π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν
ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν
Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν
ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20
π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ
96
334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII
Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma
no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes
correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama
especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no
tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua
forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o
bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano
Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para
temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a
dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical
(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o
que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano
no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase
dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como
uma tarefa aacuterdua dada a cada homem
Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos
que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo
(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa
divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando
os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no
cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o
livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute
um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III
reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto
97
335 Capiacutetulo XVIII
Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm
relaccedilotildees simpaacuteticas222
com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos
mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o
primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223
agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem
com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5
elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224
nuacutemero segundo o
qual dizem225
os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6
obteriacuteamos 210 [118]
nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226
E
mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees
riacutetmicas227
igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228
dos 10
quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si
mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo
sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos
o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo
formados os bebecircs de nove meses229
E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15
nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem
vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230
Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo
tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231
Poreacutem natildeo participando de todas
jamais chegam a nascer vivos232
222
O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223
Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224
Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225
Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol
2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles
distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226
Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227
Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I
14 228
A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229
Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos
diferentes 230
Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231
Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo
da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45
multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a
gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que
assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere
Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da
gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232
Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An
408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo
XCVII
XVIII
Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν
α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν
υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν
α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν
Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5
π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ
Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ
απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]
αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν
Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10
π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ
Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ
Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ
π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν
Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15
α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν
α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ
αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν
π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν
α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20
98
Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20
intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos
consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve
tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo
da alma para a nobreza viril233
da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave
virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25
beleza234
durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos
alveacuteolos pulmonares 233
Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel
e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave
virtude da temperanccedila 234
Rep 403c
XCVIII
Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ
Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ
υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ
α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν
π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25
Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ
403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ
99
336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII
O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial
sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos
em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral
do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III
4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma
racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer
maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as
comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento
racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que
presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero
geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de
Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A
Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no
estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The
Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular
interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no
anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion
2008 p 2092)
Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os
caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos
hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der
Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave
teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo
pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De
animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo
Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais
adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero
platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades
100
337 Capiacutetulo XIX
Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que
constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a
piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra
por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar
enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5
icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente
quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por
meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais
estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da
aacutegua239 10
Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o
nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela
semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o
outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o
doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15
com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um
intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a
proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242
235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo
C
XIX
Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ
ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ
αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν
α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ
φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5
α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν
ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν
πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ
πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10
ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν
α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ
αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ
υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ
101
338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX
O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo
anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio
deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos
quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados
segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares
Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-
56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das
associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos
os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-
d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo
Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que
compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos
sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes
Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees
Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo
Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo
Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono
Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera
Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno
Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q
agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o
fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas
exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a
hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente
pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos
aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo
do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o
icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala
A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta
(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)
102
339 Capiacutetulo XX
Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois
uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o
corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos
brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo
momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5
assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem
arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que
prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma
pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos
nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10
idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som
diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho
aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a
natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis
(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15
fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa
voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre
os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo
sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as
243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27
CII
XX
Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν
ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ
α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ
Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν
ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5
π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ
π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν
Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν
α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10
Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν
ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν
α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν
ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν
Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15
αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν
Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν
Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν
Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν
α Ν υ Ν 20
103
realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20
conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente
impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo
obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria
bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem
subjacente agraves notas musicais252
E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253
a cada 25
uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas
252
Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253
Cf II 12-14
CIII
ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν
φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν
πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ
π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν
α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25
π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ
υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν
πα α έ
104
340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX
Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a
oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo
Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys
material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos
abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui
como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata
to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze
quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o
quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos
quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista
completa na ordem seguida por Teacuteon
Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia
2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia
3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade
4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice
A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato
como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)
Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle
(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)
disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado
em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)
A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das
esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada
por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp
135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos
natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de
Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja
105
contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o
conhecimento necessaacuteriordquoέ
106
341 Capiacutetulo XXI
Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino
No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute
uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra
dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A
esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5
emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua
de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia
participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos
corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a
chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10
semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave
nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das
vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que
dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas
noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15
familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a
deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela
possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a
esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva
por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20
mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas
atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma
equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como
254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23
CVI
XXI
Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν
ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ
υΝ ὸ [121]
Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν
υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν
Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5
ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν
ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ
Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν
υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν
Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10
α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ
α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ
π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ
υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν
ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15
αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ
ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν
αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ
αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ
Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20
πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν
α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]
Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ
Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν
ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ
α ὰ 25
107
Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute
casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25
enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A
partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260
poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261
Se
atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim
sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30
planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas
Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do
que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de
forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo
tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262
Uma vez mais portanto satildeo sete as 35
notas remanescentes263
as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que
a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um
poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas
remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas
ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40
que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos
Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada
atraveacutes do eacutepsilon [123]
pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de
dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264
do primeiro par
e do primeiro iacutempar 45
260
O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261
Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo
com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu
(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em
aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262
Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada
quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero
bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas
apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a
modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu
maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263
A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264
Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5
correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro
nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar
CVII
Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν
π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ
υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ
π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν
Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30
Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν
π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν
π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ
ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν
αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35
φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν
α Ν ῖ Ν α α έΝ
Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α
π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν
ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40
α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν
α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν
π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν
π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]
ὰ ξ ρΝ
Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45
Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ
ὸ Ν υ έ
108
342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI
Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em
II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo
associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo
desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais
intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter
masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do
primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)
superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a
qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a
ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas
notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta
Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida
estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem
outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute
associada ao eacutepsilon
Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais
correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino
feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os
planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava
do SPI fica como exposto a seguir
Figura 14 - Planetas e notas I
Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as
notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados
agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as
109
regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem
unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees
contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo
ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono
Figura 15 - Triplicidades
Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave
mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que
penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo
a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui
Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as
triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece
muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de
Ptolomeu que vem a ser a seguinte
A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries
Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade
correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda
maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio
A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e
Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo
compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta
triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute
que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus
Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para
as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois
110
quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente
masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira
ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino
associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima
Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de
ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-
feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da
ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das
triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e
Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso
poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente
segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que
se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)
Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com
as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste
capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como
expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o
intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos
planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa
necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas
de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu
Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III
A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece
dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen
conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para
Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma
mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de
potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave
nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por
razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A
disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir
265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar
111
Figura 16 - Planetas e notas II
Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre
vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as
sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile
Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no
serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute
aquele momento
112
343 Capiacutetulo XXII
Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada
um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves
notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota
acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o
terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5
zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco
relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da
consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que
tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada
organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10
como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash
que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila
onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos
dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo
266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II
CXII
XXII
Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν
Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ
ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν
ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν
α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5
ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν
α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν
Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ
ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ
υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10
α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ
Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ
113
344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII
O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea
e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava
ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos
dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que
se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva
disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)
liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia
(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)
Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde
primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie
hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo
anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton
teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese
de que resultaria entatildeo a ordem a seguir
Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa
Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia
Tetracorde Primeiro Meacutedio
O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos
(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de
qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a
espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os
graus do SPI
O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as
espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no
capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil
interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias
Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas
114
do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no
zodiacuteaco
Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do
SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda
se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se
utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de
oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso
Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem
das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave
doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as
notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave
espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala
ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma
ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie
hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano
tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com
a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por
diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes
Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno
Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima
Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia
Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico
Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que
corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma
Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por
Colomer e Gil no capiacutetulo anterior
Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos
quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias
relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia
dos toacutenoi se inverte na oitava aguda
115
Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III
Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco
Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio
Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico
116
345 Capiacutetulo XXIII
E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim
divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais
jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional
caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5
reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional
denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo
situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse
triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a
quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10
caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais
desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino
como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco
sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279
Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15
natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos
setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados
entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis
o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero
nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20
igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a
razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo
a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285
273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32
CXVI
XXIII
Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν
ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν
υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν
Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ
α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5
ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]
πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν
ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν
Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ
π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10
Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν
ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν
ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ
π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν
α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15
ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν
Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ
π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν
φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ
αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20
α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν
Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ
117
Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286
Por isso eacute que tendo
dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25
trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles
domina ao longo de dez dias288
ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero
perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da
circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289
Cada um
deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30
acircngulos agudos formando doze segmentos290
Dois desses segmentos formam o lado de um
hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291
Trecircs deles formam o lado de um quadrado e
estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292
Quatro formam o lado de um
triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em
outro293
Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294
natildeo estabelecendo nenhuma 35
proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem
relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades
anteriores forma o diacircmetro295
Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero
maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois
o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40
nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296
285
43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286
Rep VIII 546c 287
Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do
signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do
horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco
completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288
Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O
tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias
dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289
360ordm 90ordm = 4 290
90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291
Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um
segmento em relaccedilatildeo ao outro 292
Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293
Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em
razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294
Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295
180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de
oitava e quinta com o hexaacutegono 296
Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica
relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre
razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18
CXVII
υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν
υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π
ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25
υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν
Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν
α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν
α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ
Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30
αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν
Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν
α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν
π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν
π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35
Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ
Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ
α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν
υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν
πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40
118
346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII
Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a
segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do
tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o
zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla
oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do
triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o
zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no
cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma
racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao
nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de
base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees
que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana
Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo
capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia
correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco
que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu
(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele
estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as
consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele
mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico
119
347 Capiacutetulo XXIV
Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram
atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo
estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons
musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297
(seja na mescla corpoacuterea
na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5
compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade
De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os
saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida
Assim o afirma [126]
igualmente no Timeu298
o divino Platatildeo que o demiurgo299
da alma
tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10
natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o
intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300
novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo
dupla ateacute o oito301
e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302
Platatildeo ter-se-ia
expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15
individual no acircmbito nas artes303
quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute
outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um
lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o
princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees
mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20
igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel
de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a
profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se
vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente
propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25
297
Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298
35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag
22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299
Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300
As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia
intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro
indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise
completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301
A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302
A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303
A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)
deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II
CXIX
XXIV
Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν
φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ
π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ
Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν
φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5
αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν
υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ
Ν Νπ [126]
αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ
Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ
υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10
Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν
αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν
α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν
π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ
α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15
Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν
ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν
Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν
α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν
(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20
α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν
α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν
υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν
120
ocorre de a alma tender para o melhor304
ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar
relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos
divisiacutevel
Mas igualmente os maiores bens da alma305
disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes
agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30
com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306
(pois cada apreensatildeo
intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda
posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute
anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o
excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35
iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a
igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto
tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das
partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre
as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40
por meio da heacuteptada ()307
vemos o saacutebio308
dispor o discurso acerca da alma de modo duplo
a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e
a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da
mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309
Isso se haacute de tornar claro no diagrama310
da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45
dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a
forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais
retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre
superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do
304
Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305
As virtudes Cf III 16 306
Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307
Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem
como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio
estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda
εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos
que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p
527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na
traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308
Platatildeo Timeu 35b-36a 309
As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310
O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra
CXX
Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν
α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25
Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ
π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν
α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ
π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ
Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30
π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ
υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν
α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ
Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ
α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35
Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν
ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ
ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν
Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν
π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40
ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν
ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ
Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν
υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν
πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45
121
seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50
do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311
pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312
adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio
Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se
percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55
Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso
do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo
expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute
foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as
partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60
aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua
emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que
analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao
senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do
universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65
que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a
imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a
instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim
311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23
CXXI
Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν
πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν
π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ
Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ
α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50
αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ
αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν
υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν
π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν
υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55
ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν
υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν
φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν
ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ
υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60
ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν
φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν
πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ
122
348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV
A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que
Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais
alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos
capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e
aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem
seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo
demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)
Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos
nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera
mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em
reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de
caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-
525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em
virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao
capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade
expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa
(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas
poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se
como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica
expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute
assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu
a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o
quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel
O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes
na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave
geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss
1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411
ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir
123
Figura 17 - Dupla tetraktys I
Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157
Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo
de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen
(p 53) sugere outra figura
Figura 18 - Dupla tetraktys II
Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo
desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o
diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as
proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os
termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um
membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois
intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O
recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas
Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees
teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da
muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5
124
349 Capiacutetulo XXV
Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320
eacute o primeiriacutessimo e mais natural
princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo
em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]
e no esquecimento assoberbada
de agitaccedilotildees e estiacutemulos321
e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve
momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5
sabedoria322
] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de
loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos
indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323
moderam a irracionalidade natural (tal como fazem
os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o
medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324
Por isso 10
eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser
purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as
emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais
ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma
mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15
um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no
igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o
tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo
claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior
ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]
Quanto agrave melodia (quer 20
entedida enquanto partes dos sistemas327
quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo
musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na
320
υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das
paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p
430 321
Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322
Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129
Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323
Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-
104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324
Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela
envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em
detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325
Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de
Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326
Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo
planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327
Enquanto escalas meras sequecircncias de notas
CXXIV
XXV
α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν
υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν
ᾳ [129]
αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν
π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν
Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5
ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν
ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν
Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν
π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν
ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10
α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν
αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν
Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ
ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν
Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15
Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ
Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ
υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ
ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20
125
posiccedilatildeo das letras328
das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave
terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as
geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25
maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se
associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329
) deve-se associar
ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do
deus330
que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau
estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30
aos demais elementos331
Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos
enquanto a ordem da alma ()332
eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja
substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333
a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao
passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um
ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334
Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35
sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se
corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335
328
Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma
posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a
disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf
II 14 III 21 329
Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo
simboacutelica 330
Apolo 331
Cf II 19 (92 5-8) 332
Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em
Mathiesen p 65 333
I 13 (318) 334
Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto
em Feacutedon 70d-72d 335
O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)
CXXV
Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν
π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν
Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν
υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν
Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25
π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν
π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν
α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ
Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ
Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30
α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ
π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν
π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν
φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ
Ν α έ 35
126
350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV
A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo
anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao
progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento
do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a
em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades
inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no
entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos
organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma
Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla
corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da
corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da
relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos
do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou
geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas
que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das
contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico
e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete
ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo
riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado
o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas
127
351 Capiacutetulo XXVI
Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele
perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem
sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e
nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de
abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5
coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja
intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os
princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as
migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a
idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10
certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na
casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio
da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a
predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na
τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15
retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados
Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel
denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que
pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o
futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20
que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre
336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200
CXXVII
XXVI
ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν
ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν
α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν
π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν
αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5
Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ
α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν
α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν
Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ
Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10
Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν
α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν
υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν
Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν
Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15
Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν
α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν
Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν
Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ
Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20
128
passiacuteveis de mudanccedila345
Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a
ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave
economia coacutesmica [132]
nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no
seu desenrolar346
Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347
testemunha igualmente que isto eacute 25
assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos
disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia
fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora
destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer
(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30
colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ
Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz
ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre
os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo
divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35
eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo
oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente
ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o
profeta do universo352
teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso
parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40
δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada
indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que
naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ
345
Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o
paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5
346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d
Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do
devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta
Veterum Stoicorum B7-8 347
Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus
oraacuteculos 348
Heroacutedoto IX 43 7-8 349
αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e
contingecircncia 350
Odisseia VIII vv511-512 351
Iliacuteada III v59 352
Apolo
CXXVIII
α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ
πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ
αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν
Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ
πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25
πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν
α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν
Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ
Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν
πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30
ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν
α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν
α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν
π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν
π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35
α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν
α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ
ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν
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υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40
υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν
Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ
129
352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI
Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo
os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ
necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia
impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona
explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois
campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute
tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos
ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na
vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de
acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A
trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna
difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave
liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute
ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila
pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de
acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q
pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica
ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas
antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da
participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na
sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se
distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como
veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade
enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um
acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir
130
353 Capiacutetulo XXVII
Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a
essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros
sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma
nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado
esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5
escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins
de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e
leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a
participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas
merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10
verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe
aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e
tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o
profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e
auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15
ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada
uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a
perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo
que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da
geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20
propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo
A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber
353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c
CXXX
XXVII
α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν
Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν
α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ
ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν
π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5
Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt
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φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ
π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν
π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10
απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ
Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν
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αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ
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υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν
υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν
Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20
υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ
Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν
φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ
131
Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com
perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360
que nos levou a essa empreitada
e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25
como dizem foi de todo mau361
pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que
no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo
quanto eacute relativo agrave muacutesica
360
Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa
invocaccedilatildeo 361
Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf
Mathiesen p 57 n 244
CXXXI
αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν
π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25
αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν
πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν
υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ
132
354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII
No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando
seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem
como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave
filosofia com que encerra seu tratado
Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um
esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para
dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou
o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a
perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse
reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa
conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez
vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade
assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da
natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se
para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na
(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo
contato com o inteligiacutevel
Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso
da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa
imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo
filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em
π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos
π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o
mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e
moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos
termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como
ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja
proporcional e semelhante
362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329
133
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