LIVRO III DO TRATADO DA MÚSICA DE ARISTIDES …

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS Fernando Luís Barreto de Morais LIVRO III DO TRATADO DA MÚSICA DE ARISTIDES QUINTILIANO: INTRODUÇÃO, TRADUÇÃO E COMENTÁRIOS CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LETRAS

Fernando Luiacutes Barreto de Morais

LIVRO III DO TRATADO DA MUacuteSICA DE ARISTIDES QUINTILIANO INTRODUCcedilAtildeO TRADUCcedilAtildeO E COMENTAacuteRIOS

CURITIBA

2016

FERNANDO LUIacuteS B DE MORAIS

Α Ν Α Ν Η ΝLIBER III INTRODUCcedilAtildeO COMENTAacuteRIO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

Dissertaccedilatildeo apresentada como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paranaacute Aacuterea de concentraccedilatildeo Estudos Literaacuterios Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior

CURITIBA

2016

Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo Cristiane Rodrigues da Silva ndash CRB 91746

Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo ndash UFPR

Morais Fernando Luiacutes Barreto de Αρ ου ο α ου π ρ ου η liber III introduccedilatildeo

comentaacuterio traduccedilatildeo e notas Fernando Luiacutes Barreto de Morais ndash Curitiba 2016

185 f Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute

1 Muacutesica Grega Antiga 2 Da Muacutesica ndash Aristides Quintiliano 3 Filosofia Antiga ITiacutetulo CDD 875

Y a-t-il une possibiliteacute pour que dans le creacutepuscule

nous puissions saisir quelque chose de ce qui a eacuteteacute ἔrsquoaἡroreς ἁ a-t-il quelque chose qui dans le dernier moment reponde au premier moment Nous sommes peut-ecirctre dans une nuit qui va preacuteceacuteder un nouveau jour Nous sommes agrave la veille du plus enorme changement sur la terre Est-ce que dans cette nuit nous ne pouvons pas avoir quelques clarteacutes sur ce quit fut ἔrsquoaἡbe de la penseacutee ἐἡἕaἑne et sἡr ἔrsquoorἑgἑnaἑre agrave venir

Martin Heidegger

(Arnoux 1960 p8 apud M Jean Wahl δrsquoἑdeacutee drsquoecirctre cἐez ώeἑdegger 1951)

RESUMO

Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III

Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga

ABSTRACT

This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole

Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music

Agradeccedilo

Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e

aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo

A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes

Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea

Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas

E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos

meus estudos

IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123

IacuteNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Triacuteades 82

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo 10

11 Autor e obra 12

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24

14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32

21 Teoria harmocircnica 32

211 Gecircneros e nuances 33

212 Sistemas 34

213 Tom tropo e harmonia 38

214 Modulaccedilatildeo 40

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41

3 Traduccedilatildeo do Livro III 49

31 Capiacutetulo I 49

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52

33 Capiacutetulo II 54

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56

35 Capiacutetulo III 58

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59

37 Capiacutetulo IV 60

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62

39 Capiacutetulo V 63

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64

311 Capiacutetulo VI 65

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67

313 Capiacutetulo VII 68

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70

315 Capiacutetulo VIII 71

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73

317 Capiacutetulo IX 74

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75

319 Capiacutetulo X 76

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79

321 Capiacutetulo XI 80

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82

323 Capiacutetulo XII 83

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85

325 Capiacutetulo XIII 86

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87

327 Capiacutetulo XIV 88

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90

329 Capiacutetulo XV 91

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92

331 Capiacutetulo XVI 93

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94

333 Capiacutetulo XVII 95

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96

335 Capiacutetulo XVIII 97

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99

337 Capiacutetulo XIX 100

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101

339 Capiacutetulo XX 102

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104

341 Capiacutetulo XXI 106

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108

343 Capiacutetulo XXII 112

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113

345 Capiacutetulo XXIII 116

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118

347 Capiacutetulo XXIV 119

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122

349 Capiacutetulo XXV 124

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126

351 Capiacutetulo XXVI 127

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129

353 Capiacutetulo XXVII 130

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133

10

1 Introduccedilatildeo

Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor

Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato

com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo

desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites

com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos

menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o

modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja

como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos

Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto

ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural

estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q

me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia

pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e

preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas

Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais

deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo

aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um

contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a

chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias

talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos

ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e

longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e

fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da

razatildeo e da liberdade

A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade

voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre

me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que

coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas

amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa

vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos

justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute

11

certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo

natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado

proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso

Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos

parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de

universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de

pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo

(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do

tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que

pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas

sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma

A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra

certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita

avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma

antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como

expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio

preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente

humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui

importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo

Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do

espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos

descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou

desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o

espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende

nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra

demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige

cuidados

Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger

Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria

antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na

plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que

infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um

campo de treinamento

12

Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento

de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito

estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias

destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos

aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que

frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar

destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem

consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano

tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto

capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios

Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que

favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em

algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-

1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a

consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-

15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na

medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos

natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e

serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho

Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano

11 Autor e obra

Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito

deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda

outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio

provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome

romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha

pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em

algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum

segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico

restou de Aristides Quintiliano

1 II 10 32-34

13

Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado

a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo

registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido

aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de

seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains

unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early

source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec

XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece

associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar

A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash

c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George

Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel

Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente

moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o

impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e

secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais

a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da

obra

Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em

algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et

Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois

motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque

evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De

Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse

terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento

e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica

2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68

14

musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada

impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum

Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam

A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute

hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus

Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese

foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor

da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-

Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo

no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola

publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua

elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez

situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em

fins do seacutec IV

Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o

argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque

aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das

exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica

desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o

desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel

Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro

musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33

9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12

On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5

15

vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse

conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que

considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)

ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las

conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que

χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o

conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa

amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de

Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely

technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by

contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are

introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ

Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em

III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual

eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo

capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do

alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten

coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ

Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente

num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido

de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a

hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de

uma data posterior para o Da muacutesica de A Q

Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e

neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas

ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees

de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e

encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps

2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de

Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo

alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e

19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica

16

sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325

dC)

Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do

descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso

tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por

Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do

destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir

poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo

a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto

Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)

Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo

ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o

Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas

que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo

transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera

individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais

Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash

natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao

periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no

17

seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-

161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade

Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que

estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem

retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao

imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute

conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del

ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ

Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois

paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou

lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o

emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460

exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem

duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de

Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado

Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco

Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do

autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem

ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que

fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de

Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra

verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo

platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os

interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas

(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que

propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere

a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)

Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima

inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que

21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1

18

abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em

Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do

assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida

importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como

termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas

e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural

Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o

preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um

provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos

amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da

identidade do autor

Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos

que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a

maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com

a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente

estabelece

Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo

liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio

Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo

definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e

ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja

ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido

ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel

AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo

contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior

aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa

coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz

Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece

qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ

Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por

Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A

24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)

19

conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e

amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e

Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como

alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno

Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a

Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome

Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um

Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico

que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo

natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides

Quintiliano

Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a

certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar

o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio

Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92

Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio

Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como

faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter

recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio

e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a

miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo

esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto

no presente quanto no passado

Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides

Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura

26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)

20

bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos

musicoacutegrafos aacuterabes28

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo

O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os

mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII

(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A

Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e

tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja

transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o

nome de terceiros

Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do

livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do

periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos

ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica

Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de

Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos

diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem

(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo

teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de

origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos

27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ

υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6

21

de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a

sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica

Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter

tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a

permanecircncia do interesse pela obra de A Q

No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no

fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico

e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo

a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa

traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio

provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides

Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de

Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo

entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente

conheceram Aristides Quintiliano36

O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais

importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em

1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37

por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38

Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e

32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica

22

Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes

por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de

conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia

o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo

comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da

coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX

como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano

Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45

acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em

1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de

Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)

began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music

theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus

complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo

O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op

cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente

citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o

livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado

tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais

ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende

que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado

O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo

os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento

dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por

40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi

23

Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com

exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo

Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que

serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de

Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda

notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem

parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia

do original grego

No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um

pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos

frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por

exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o

artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren

Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54

Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico

filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos

de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de

reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega

Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a

publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de

estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J

47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963

24

Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O

estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de

mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada

nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou

ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew

Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da

Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que

procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen

Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60

igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos

antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q

para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de

tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica

dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute

desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo

ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62

ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a

seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ

Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica

tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor

declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de

conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com

o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)

deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos

Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte

explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui

o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a

58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248

25

alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado

fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e

portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo

Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende

refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura

mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e

ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a

unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio

imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs

patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino

no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados

sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que

sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63

E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata

que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de

acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a

tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de

que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em

seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou

dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que

natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios

mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua

inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-

se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna

No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que

chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o

preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente

conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido

de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e

63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel

26

objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma

participaccedilatildeo ou aspecto

O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de

meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker

(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica

proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the

movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria

enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo

conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da

definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um

pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno

musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores

A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante

Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a

menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de

Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo

fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α

) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo

(π π [] [] υ )

Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a

melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a

tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica

Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste

como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele

no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado

A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua

vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ

tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos

que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da

muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical

65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ

αὶ] α αῖ rdquoέ

27

entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma

disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica

A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica

aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute

somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da

muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais

generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica

aritmeacutetica desempenha um papel instrumental

Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute

anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em

criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo

musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro

a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q

O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina

artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde

ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de

elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo

28

dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos

(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67

O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das

paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as

afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa

a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de

certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas

para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua

Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ

α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma

consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de

uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou

irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)

Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas

partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo

indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida

Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim

como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma

irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em

mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma

Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos

a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de

Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que

reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo

Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e

Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete

e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e

em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de

Halicarnasso

66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C

29

O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das

doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado

entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A

questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada

estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da

muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia

de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral

e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo

do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo

reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo

dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste

trabalho

14 Uma proposta de traduccedilatildeo

O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a

Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a

toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez

que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no

acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma

harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica

Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto

sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do

cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as

premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse

noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo

Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas

do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente

agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da

70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)

30

Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se

no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os

capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil

situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no

cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue

essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen

Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta

traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo

de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado

capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu

verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos

livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e

referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por

versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra

inteira

Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse

predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de

sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa

arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da

linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio

ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima

luminosidade ndash na segunda parte do livro III

Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo

filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo

acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato

histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste

experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua

transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de

empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que

nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se

torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na

cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe

A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez

inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a

31

compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit

p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o

reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de

um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a

originalidade das ideias que faz do Da muacutesica

lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)

Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo

talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece

agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem

natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas

diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica

de fazer sonhar

O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de

certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-

modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia

protocolar seja de condescendecircncia arrogante

Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu

pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que

convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-

lhes o caminho

71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ

32

Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a

mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica

aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os

capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios

de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III

Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo

resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a

conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando

para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica

Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito

potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala

no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos

os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)

Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos

de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar

como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica

registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento

musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso

recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras

Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria

musical grega o tetracorde

Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que

compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o

tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou

intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia

pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado

harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo

33

que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento

nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima

formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas

eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C

fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que

veremos a seguir

211 Gecircneros e nuances

Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas

que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de

quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo

moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o

gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e

semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash

T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia

T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila

maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e

enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior

Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de

diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica

(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica

Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o

fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente

adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico

padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica

profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o

gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom

posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente

iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade

eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e

profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero

cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico

remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente

34

utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu

emprego em estado puro

Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou

nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute

referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de

semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)

O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom

semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um

terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero

(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma

diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou

ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de

tom)

212 Sistemas

Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda

sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por

conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo

na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde

cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo

Figura 2 - Tetracordes conjuntivos

No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades

doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a

configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas

35

Figura 3- Tetracordes disjuntivos

Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento

disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que

dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento

conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes

completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave

lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os

desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita

dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por

Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema

apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser

estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia

Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave

(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda

do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito

precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes

Figura 4- Sistema perfeito de oitava

Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito

Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave

sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas

36

primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o

tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado

por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de

que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira

heptacorde de tipo eoacutelico

Figura 5- Sistema Perfeito Menor

Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido

outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom

disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois

pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo

par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e

hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ

Figura 6 - Sistema Perfeito Maior

Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz

Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava

aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema

de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo

das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a

nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das

37

primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A

terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa

(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de

enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike

hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde

que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das

meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente

Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde

disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do

nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do

primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima

nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a

penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da

uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia

(paramese)

Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior

O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze

notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas

indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para

chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo

da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo

(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema

Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)

38

Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel

Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um

grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia

correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala

numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que

tratam os conceitos de tom tropo e harmonia

213 Tom tropo e harmonia

Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia

No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete

combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava

ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da

primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as

expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o

gecircnero diatocircnico satildeo

Mixoliacutedia STTSTTT

Liacutedia TTSTTTS

Friacutegia TSTTTST

Doacuterica STTTSTT

Hipoliacutedia TTTSTTS

Hipofriacutegia TTSTTST

39

Hipodoacuterica TSTTSTT

Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato

de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma

ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na

engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a

junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica

harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo

terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia

exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento

certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso

simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal

como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo

do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas

citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que

parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a

doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas

Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo

e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12

Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica

elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado

na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo

Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)

deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados

A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou

mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs

acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um

tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas

de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada

grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem

geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada

tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)

possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para

quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do

40

hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram

recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que

ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para

diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos

respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico

com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada

tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de

quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com

seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)

214 Modulaccedilatildeo

Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria

de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre

que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo

Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o

sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e

mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a

dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que

essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano

elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam

se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de

oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico

ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o

depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e

por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e

que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon

Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-

se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano

no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos

(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso

agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema

do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no

41

livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno

abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano

Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso

eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si

mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e

indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo

inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo

masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que

surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da

proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo

feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )

a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem

Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A

natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash

forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )

Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave

imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo

central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica

tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um

antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou

reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para

este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e

ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III

Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que

extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas

satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria

visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II

32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa

com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade

humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da

42

razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada

com exclusividade agrave filosofia

Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da

alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e

particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego

ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre

educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos

dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No

entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs

razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave

alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo

eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada

com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial

destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees

racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo

musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II

Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave

muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem

duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica

( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando

determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute

vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas

caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral

( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de

aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a

alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )

Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a

muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo

mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e

ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu

nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando

por fim no ato propriamente dito

Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez

das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses

43

mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado

o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves

paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a

essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente

as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem

como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que

podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver

sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma

virtude ainda ausente teraacute sido inoculado

Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo

estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo

masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo

entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o

feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para

Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash

talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas

Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ

Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica

e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as

escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os

instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente

masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim

diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os

posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e

viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute

humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma

espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio

Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual

E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica

quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo

No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma

oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo

por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz

Quintiliano (II 114-31)

44

() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas

Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam

o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas

uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo

designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as

mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para

designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse

incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o

emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no

que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes

e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ

Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem

observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor

desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma

da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das

letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes

Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes

que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais

proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias

enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais

45

proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em

relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade

As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de

articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua

vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto

meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais

tau delta e theta As guturais capa gama e khi

Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio

entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as

aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a

expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e

portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo

formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a

analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais

ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou

masculino)

Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas

breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza

intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade

(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash

formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste

mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal

feminina por excelecircncia

No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron

ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota

o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute

excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos

trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao

fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de

masculinidade satildeo α

72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo

46

Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas

palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento

Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo

dessa consoante

Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou

misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota

acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira

nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes

satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se

repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)

cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A

uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo

de oitava formado com a nota acrescida

Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo

Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio

dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem

satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos

instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da

primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do

descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material

entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os

instrumentos musicais

A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando

o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do

universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele

recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do

73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5

47

alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de

ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e

afundando-se na profundidade corpoacuterea

Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos

ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses

ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (

α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao

corpo

Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa

regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves

realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma

esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia

produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto

as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O

terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse

composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo

mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado

o nome de harmonia

Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de

nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a

origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo

sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos

de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a

alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas

liras postas lado a lado

Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato

dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico

potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo

74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ

48

outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)

Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel

com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana

enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos

quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees

( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma

Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a

certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre

Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos

(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma

enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de

acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com

que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares

Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos

e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma

agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo

brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira

doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )

satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina

acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem

menos) que o cumprimento dessa promessa

49

3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I

[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica

Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da

natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos

Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na

paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5

coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos

intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo

duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das

cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual

provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10

dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o

intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo

sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos

descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo

sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15

relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo

sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo

dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo

sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla

Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20

mencionados

76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43

XLIX

Α Ν Α Ν Ν Η Ν

I

[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν

Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν

π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ

π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν

Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5

αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν

ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν

Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν

α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ

πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10

ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν

α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν

ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν

π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15

π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]

Ν Ν π Ν Ν

ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν

Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ

α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν

α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20

50

E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou

seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81

assim procederam sabendo que o

intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros

dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25

sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia

ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82

e para o oito em razatildeo

sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que

a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um

tom consistia numa razatildeo sesquioitava83

E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30

Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados

termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero

pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo

se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute

para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35

dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior

Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84

a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que

quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo

quer acima da nota anterior e [96]

quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a

nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40

tenham dado a esse intervalo o nome de resto85

Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas

causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo

dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio

intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que

entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45

Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na

proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em

partes desiguais

81

Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )

da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82

86 = 43 96 = 32 83

(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84

Livro I Cap 11 85

α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta

na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A

Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes

L

υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν

υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν

ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ

Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ

Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ

Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν

Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν

υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30

α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν

α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν

Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν

Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν

φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35

Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν

ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ

αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν

π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν

α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40

α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ

α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν

α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν

α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ

α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45

π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ

51

Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto

exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50

duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que

estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo

estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817

mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo

192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55

muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica

inteligiacutevel86

86

Timeu 36b

LI

υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν

υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ

Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν

Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50

φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ

α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ

Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ

π ὺΝ π α Ν έΝ

52

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I

Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um

benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora

a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo

menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer

necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee

depende do que foi estabelecido anteriormente

Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica

e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material

da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee

uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma

mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz

passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente

verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da

natureza enquanto muacutesica

Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como

paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo

dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso

algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no

tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos

intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na

irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute

mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual

natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do

sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa

autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao

nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de

interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a

aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica

entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da

astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse

sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque

53

da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo

da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo

Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao

inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto

que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros

diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles

manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero

como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)

Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste

livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal

recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A

insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto

( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica

critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)

cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando

particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes

ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)

87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913

54

33 Capiacutetulo II

Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar

todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos

todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua

dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste

mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5

excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via

sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes

paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a

230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as

sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10

porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os

intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio

faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta

sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92

Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15

se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda

teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do

primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o

uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da

90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro

LIV

II

Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ

υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν

π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν

ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ

υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5

πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν

α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν

π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ

Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν

α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10

Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ

αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν

υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν

π έΝ

Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15

ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν

π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν

αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν

55

corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95

se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20

teremos o primeiro dos meacutedios96

E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-

ia a nota supermeacutedia97

mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos

a primeira dos primeiros98

A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte

modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade

igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99

E dividindo uma vez 25

mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade

idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais

quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo

entatildeo um cacircnon simples sem corda100

comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele

marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30

as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada

divisatildeo do cacircnon101

95

O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis

tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96

O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97

O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98

O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99

Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de

todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de

tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada

tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100

Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam

os intervalos 101

Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio

Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937

LV

α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20

π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν

πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ

αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν

Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν

π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25

π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ

αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν

φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν

πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν

α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30

α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ

56

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II

Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos

consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos

nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com

pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute

igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero

diatocircnico

O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as

duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde

hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas

relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas

notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos

hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute

a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete

synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre

essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo

Figura 10 - Consonacircncias no SPI

Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada

tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom

com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente

57

Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel

determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a

variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q

apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave

leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa

posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis

natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do

livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu

(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu

podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic

theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon

de Esmirna e Porfiacuterio

Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o

sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo

piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria

harmocircnica

58

35 Capiacutetulo III

Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas

Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado

Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles

traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na

quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5

quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias

pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com

que foram divididas103

Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se

completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10

portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois

tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota

com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e

doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo

ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15

dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com

relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos

primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava

a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora

102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (

) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6

LVIII

III

ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν

Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν

αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν

α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν

αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5

Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ

α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν

Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν

α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν

απ έΝ 10

α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν

υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν

α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν

α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν

Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15

Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν

π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν

π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν

πὶΝ έ

59

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III

Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o

heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as

etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )

dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees

presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia

Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ

10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H

Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp

384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)

Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o

contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio

Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora

jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute

indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do

comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11

n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro

reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento

AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial

(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta

corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)

Figura 11 - Heacutelicon

Fonte Colomer e Gil 1996 p177

60

37 Capiacutetulo IV

A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos

apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do

sistema perfeito108

Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta

compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109

tomamos os nuacutemeros [100]

3 (o

primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110

e o primeiro perfeito111

) e 4 (o primeiro nuacutemero 5

sesquiteacutercio112

e primeiro nuacutemero plano em geometria113

) e traccedilamos duas retas

perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em

proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas

correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10

de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo

aritmeacutetico114

a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados

pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute

nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para

fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115

15

108

Sistema de oitava 109

O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons

e meio) 21 = 43 x 32 110

Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111

O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo

o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou

completude do 3 112

Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113

Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a

caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1

representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou

cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3

114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na

figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115

Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas

conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d

LX

IV

Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν

Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ

π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν

ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν

ὺ [100]

Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5

π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν

α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν

ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν

α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν

π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10

ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν

α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν

π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν

π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν

π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15

61

Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica

Fonte Colomer e Gil p 180

62

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV

Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam

ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a

procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto

sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da

consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um

estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros

um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda

segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A

Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes

Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo

sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura

construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as

relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes

tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras

utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-

b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de

Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da

seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica

63

39 Capiacutetulo V

Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute

que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e

mediaccedilatildeo116

) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si

mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes

dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5

modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117

harmocircnica compotildee-se

de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo

aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos

posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo

geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10

entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]

de

modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118

Sendo a quantidade dupla na

quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo

comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a

aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15

proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na

harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs

consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo

sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias

aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20

ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre

cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual

seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas

razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os

nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119

25

116

A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O

3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se

tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf

Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117

O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo

entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118

Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B

representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a

meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie

harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de

proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119

As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b

LXIII

V

Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν

( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν

ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν

Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν

αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5

Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ

Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν

π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν

π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ

ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]

Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10

α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν

π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν

υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν

Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ

lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15

α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν

π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ

ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ

Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν

π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20

Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ

ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν

ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν

πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν

α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25

π ῖ Ν α α έ

64

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V

As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo

apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas

apresentadas ao fim do capiacutetulo

A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que

na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120

Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3

obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao

acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda

os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6

formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo

de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo

dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser

divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)

e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8

Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia

aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em

dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia

aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava

assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27

(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois

termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de

quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op

cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas

entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que

compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4

6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos

termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida

surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3

120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3

65

311 Capiacutetulo VI

E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem

propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de

mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos

consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5

denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126

agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram

soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente

descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto

a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10

e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com

o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada

chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado

geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado

pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15

composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4

122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo

LXV

VI

π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ

π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν

αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν

υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5

φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ

α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν

ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν

α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν

ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10

α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν

Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )

ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ

υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν

ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15

66

somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo

resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a

esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira

consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20

quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e

se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros

seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o

primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio

proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25

assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante

caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo

acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo

acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma

proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30

dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as

consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas

proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo

sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a

razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35

nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137

133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta

LXVI

ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν

Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν

φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν

υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20

Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν

α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν

α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ

έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν

[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25

ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ

Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν

αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ

υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν

ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30

υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν

π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν

υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν

π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35

απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν

α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ

Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α

67

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI

A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se

agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees

pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente

tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um

ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros

iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel

estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada

nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends

the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa

particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)

que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes

todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a

deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute

tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se

compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente

Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo

e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute

quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo

com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular

εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna

enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores

divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns

68

313 Capiacutetulo VII

Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um

lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os

intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos

revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas

por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5

nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a

outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao

passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em

virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe

facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10

dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do

material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais

doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui

em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que

padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15

nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o

meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam

do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por

isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam

recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20

universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos

fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas

nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e

perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a

semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25

caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas

temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as

coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o

crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α

LXVIII

VII

ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν

Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]

π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ

Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν

ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ

αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5

α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν

αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν

αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ

Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ

υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10

π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν

α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν

α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ

π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15

Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν

υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ

ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ

α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α

Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20

υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν

Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]

αὶ ὸ Ν Ν

Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν

α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ

έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25

αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν

Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν

αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν

69

que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30

lunar140

E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as

fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de

Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do

ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute

disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35

coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e

a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece

rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea

natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as

consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40

140

Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por

colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada

nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro

III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem

caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade

ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves

esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas

LXIX

π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν

αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30

φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ

α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν

αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν

α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35

Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν

Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν

α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν

α Νπα Νπα π έ

70

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII

Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da

incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos

nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia

aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da

experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros

se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na

forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos

por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus

pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja

ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que

platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona

os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute

controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel

superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q

ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na

especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a

origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles

(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a

Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere

SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes

neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e

Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia

enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles

A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que

reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da

alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e

da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais

culmina seu tratado

71

315 Capiacutetulo VIII

Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes

prestam os nuacutemeros141

Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem

nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria

dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se

ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142

[106]

pois a mesma 5

proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores

(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim

tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de

ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos

fisionomistas143

Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10

eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve

atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres

perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla

no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada

trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15

perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores

(a exemplo das febres hemitriacuteticas144

) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave

esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145

essas satildeo temiacuteveis e

letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante

proporccedilotildees quantitativas 20

De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar

consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se

poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)

produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo

entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25

141

Cf Filebo 55d ss 142

Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a

beleza em si 143

O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria

uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf

Repuacuteblica livros II III e X 144

Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos

agudos em dias alternados 145

Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)

ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ

LXXI

VIII

Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν

φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν

α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν

Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν

ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5

φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν

Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν

φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν

α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν

υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10

π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν

πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν

φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν

π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ

π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15

ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν

υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ

υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ

α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν

α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20

π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ

π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν

Ν

72

amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas

vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia

intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos

meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo

racional e a concupisciacutevel146

E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]

surpreender-te-ia o 30

fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas

melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147

E dentro da

proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a

cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o

conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35

cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os

dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e

pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e

ignorante

146

Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma

racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra

mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas

eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147

Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer

e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica

como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q

LXXII

φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν

Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25

αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν

ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν

αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν

Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν

π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30

ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν

υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ

ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν

υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν

έ35

73

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII

Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica

Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da

medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma

seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de

que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as

imposiccedilotildees do destino

Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma

que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ

ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave

teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por

Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e

16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria

a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo

corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto

meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das

contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma

dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs

livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como

expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ

A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria

entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da

hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q

e seu tratado no sec II dC

Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a

teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles

(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas

Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da

consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo

Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de

vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias

508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e

74

317 Capiacutetulo IX

Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a

semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se

perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez

constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as

realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5

as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais

relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de

semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma

imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que

preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10

tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos

seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]

com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia

calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim

sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15

148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica

LXXIV

IX

Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν

υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν

α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν

υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν

π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5

π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ

π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν

α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ

Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν

υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10

Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ

ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν

Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν

α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν

ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15

πα α α έ

75

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX

Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual

essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o

breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III

dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que

Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um

espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de

opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do

tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que

mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo

ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da

alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A

Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p

195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo

entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do

mundo

O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que

assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave

intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos

76

319 Capiacutetulo X

Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja

em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de

mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito

proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no

acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151

O movimento da voz concebido sem 5

referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152

tal como as primeiras coisas

Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou

descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria

mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153

Assim tal

como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10

mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a

imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade

com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que

a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas

tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15

receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical

participa do grave como do agudo154

Dentre as notas algumas [109]

satildeo fixas outras satildeo

moacuteveis155

e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros

satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos

151

Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter

entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152

τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e

natildeo material da altura tonal 153

O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz

determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel

Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala

exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde

agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154

Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo

adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de

indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para

sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a

primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou

seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155

Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas

enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias

determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo

tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se

mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo

LXXVI

X

Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν

Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν

υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν

αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α

α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5

Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν

Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν

π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ

υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν

π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10

α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν

π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν

π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν

ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν

α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15

Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ

α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]

Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ

πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ

ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν

α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20

υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν

ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν

π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν

αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν

ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25

π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν

Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν

φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30

Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ

)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν

77

quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20

baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se

segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas

apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156

Satildeo elas com efeito o

princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as

notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25

mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157

Assim tambeacutem a respeito do universo homens

divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste

mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que

eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a

morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30

completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz

conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo

eteacutereo158

o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras

(que apresentam dois intervalos159

a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele

produzido pelos seres sublunares160

que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35

e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o

semitom e o tom161

E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e

solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns

pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo

156

Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas

baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante

desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja

anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157

As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois

tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que

A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde

Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como

perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave

Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na

eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de

passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158

Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo

269a ndash 270b 159

A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente

notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a

nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero

enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160

Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161

No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e

no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda

LXXVII

υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν

ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν

α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35

α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ

α α π ν αὶ ὴ Ν [110]

Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν

α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν

φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ

Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40

π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν

π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν

πα α έ

78

graves e tendem para a terra162

Aleacutem disso [110]

o fato de que as notas tendam natural e 40

indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o

caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual

eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o

equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos

opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163

que produzem os bons climas o crescimento 45

das plantas e a sauacutede dos animais

162

Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os

intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos

densos e porosos 163

Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute

importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas

ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da

terapecircutica eacutetica Cf II 9

79

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X

A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da

dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no

campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente

informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio

situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa

harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o

grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo

(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no

fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim

as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta

Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como

eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave

imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que

seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal

como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas

entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o

movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes

A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao

simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II

No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade

(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto

a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para

novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta

mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria

80

321 Capiacutetulo XI

O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a

natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo

ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164

designa-se a natureza intermediaacuteria165

Dentre

os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e

ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5

que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166

vem a ser tripla Poreacutem como nas

dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional

ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante

um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute

estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10

cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio

a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer

realidade perceptiacutevel167

E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem

em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs

[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies

168 o mesmo nuacutemero 15

de tons do Sistema Perfeito169

No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a

essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia

164

A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81

Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O

tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual

surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava

tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)

formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema

Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por

conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165

Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui

por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se

que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)

simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)

Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q

logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166

Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167

χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)

por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A

hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo

que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168

As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As

espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169

Ou seja o intervalo de oitava

LXXX

XI

Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν

πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν

Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ

α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ

ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5

Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν

ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν

ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν

π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν

φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10

π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν

ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ

Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν

ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν

αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15

ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ

αΝ

81

intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua

perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170

(pois o que chamamos de alma alguns denominam como

ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20

em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero

diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e

inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou

nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172

tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute

composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25

semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a

triplicaccedilatildeo173

dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por

uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma

harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio

eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174

da alma Jaacute no que diz 30

respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o

cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo

responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e

a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175

170

Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves

trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171

χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima

412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist

De anima 430a10-25) 172

Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute

o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e

cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173

Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174

A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma

Cf Timeu 36e ss 175

A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre

a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se

daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte

LXXXI

ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ

ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν

Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20

α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ

ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν

α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ

υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν

Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25

α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν

α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν

ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ

ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν

πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30

αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ

82

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI

Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a

estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve

auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees

Tabela 1 - Triacuteades

INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO

Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente

Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo

Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria

Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um

desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na

medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em

conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros

Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees

propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda

que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano

e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente

inconclusivas

Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que

tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que

permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado

Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o

gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo

83

323 Capiacutetulo XII

Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois

quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por

meio do dois e a material [112]

por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave

regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem

afinidade com o dois176

A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5

desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela

soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo

dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui

Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira

com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10

seis179

Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]

ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e

a nona a esfera natildeo astral180

O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo

trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os

uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15

o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181

Jaacute o dezessete termo meacutedio entre

os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou

176

Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano

(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do

capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter

passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave

mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos

traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o

mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa

duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o

corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria

uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e

extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao

espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177

Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178

Cf III 6 179

Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam

respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180

Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e

Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser

a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181

Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de

modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a

circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem

aacuterea e circunferecircncia iguais a 18

LXXXIII

XII

α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ

ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ

ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν

ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]

Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν

α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5

Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν

α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ

Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν

π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν

ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10

Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν

πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ

ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν

φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν

ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15

αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ

υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ

ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν

84

relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182

O trinta e seis183

ao evidenciar a diese

aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano

182

Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute

agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18

ou 9) e a parte (16 ou 8) 183

Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar

da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada

multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento

relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao

processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da

diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e

o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave

cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie

formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a

seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do

6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea

LXXXIV

ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν

α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20

υ Ν υ α έ

85

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII

Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza

mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em

que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o

nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como

unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo

participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma

extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo

ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou

material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual

A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom

manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a

322

3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas

com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a

alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute

contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o

eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao

ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no

sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos

semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo

simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular

decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3

86

325 Capiacutetulo XIII

Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se

cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e

oito185

nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]

mecircs ocorre de ser vista com essa

mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e

omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5

tons186

nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15

apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons

para novamente retornar agraves graves187

E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo

tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188

(com agraves vezes um dia remanescente)

ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10

nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o

iniacutecio do descenso

184

π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue

trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo

de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo

como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando

harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo

(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se

intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai

possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de

ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185

Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima

do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco

tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo

enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186

Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa

voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187

A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os

intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188

Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio

Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p

199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada

dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na

verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por

Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen

sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa

posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A

correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais

um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no

sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema

Perfeito Maior

LXXXVI

XIII

Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν

α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν

lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]

ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν

α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ

Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5

φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν

α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν

φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν

Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ

ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10

υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν

ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν

π έ

87

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII

No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua

ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de

mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra

alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo

(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica

(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos

lunares

A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do

gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou

tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do

Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros

modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou

mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada

Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29

dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente

e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura

do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir

88

327 Capiacutetulo XIV

Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se

mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton

assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos

bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais

pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5

do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem

disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde

denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo

entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192

com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10

comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco

situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira

e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve

comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194

dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15

mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196

Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra

sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais

proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar

pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20

189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual

LXXXVIII

XIV

Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν

ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν

Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν

π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ

αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5

Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν

Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν

Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν

αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν

φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10

π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]

π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν

α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ

πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15

π υ αέΝ

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν

Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν

ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν

Ν αὶ φ ῖ Ν 20

89

terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute

necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o

movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o

movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico

deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25

E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute

anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo

ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao

olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao

ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30

diante dele foi posto o para-vento197

das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade

depende de um corpo luminoso198

)

197

Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198

Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos

LXXXIX

Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν

π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ

α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν

ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ

αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25

α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν

π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ

ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν

ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ

αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30

α ῃ α Ν α)έ

90

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV

Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar

Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute

que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)

enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas

do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando

por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele

entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos

TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico

SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter

O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais

intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo

91

329 Capiacutetulo XV

E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada

um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os

tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente

ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute

no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5

meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por

outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo

de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre

ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a

regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10

humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos

objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido

mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio

de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a

regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15

expressa a regiatildeo eteacuterea

199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois

XCI

XV

Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν

π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν

π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν

ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν

ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5

υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν

Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν

α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π

α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν

Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10

υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν

π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν

Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ

92

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV

O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e

Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo

Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes

Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos

PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos

OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter

NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea

MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular

93

331 Capiacutetulo XVI

No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas

de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e

meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao

prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem

razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5

(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde

meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave

temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais

daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o

tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10

corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute

limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se

comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro

elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao

segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15

irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro

pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas

devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da

alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c

XCIII

XVI

Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν

π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ

π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν

υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ

Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5

π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν

υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν

π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ

π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν

α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10

φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν

α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν

αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν

υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν

Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15

Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν

Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν

ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ

94

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI

A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas

quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de

Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e

associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8

Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto

eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na

conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo

as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos

tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia

de cada uma das divisotildees da alma

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma

Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico

Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Irracional Racional

Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes

Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional

Oitavas Oitava grave Oitava aguda

Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o

segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras

naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)

parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois

Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no

capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195

supra

95

333 Capiacutetulo XVII

E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que

conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema

perfeito215

assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo

semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese

ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216

5

ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o

sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na

qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior

e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217

tonal e estar limitado pela potecircncia da

voz218

ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219

para uma vida mais elevada bem como o 10

[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio

evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os

saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada

homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio

sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15

lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem

221 fala claramente desses dois tipos

de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil

e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os

deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares

ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20

215

A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216

Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e

disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro

meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217

O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das

mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a

passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da

primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude

para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27

como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218

Cf III 6 n 131 supra 219

Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra

220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo

ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221

Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d

XCV

XVII

Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν

Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν

υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν

ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν

ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5

ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν

αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν

Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν

π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10

α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]

α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν

α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν

Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν

π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν

π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15

π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν

ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν

Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν

ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20

π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ

96

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII

Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma

no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes

correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama

especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no

tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua

forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o

bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano

Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para

temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a

dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical

(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o

que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano

no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase

dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como

uma tarefa aacuterdua dada a cada homem

Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos

que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo

(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa

divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando

os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no

cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o

livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute

um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III

reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto

97

335 Capiacutetulo XVIII

Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm

relaccedilotildees simpaacuteticas222

com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos

mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o

primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223

agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem

com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5

elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224

nuacutemero segundo o

qual dizem225

os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6

obteriacuteamos 210 [118]

nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226

E

mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees

riacutetmicas227

igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228

dos 10

quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si

mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos

o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo

formados os bebecircs de nove meses229

E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15

nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem

vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230

Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo

tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231

Poreacutem natildeo participando de todas

jamais chegam a nascer vivos232

222

O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223

Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224

Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225

Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol

2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles

distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226

Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227

Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I

14 228

A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229

Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos

diferentes 230

Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231

Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo

da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45

multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a

gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que

assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere

Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da

gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232

Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An

408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo

XCVII

XVIII

Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν

υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν

α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν

Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5

π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ

Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ

απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]

αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν

Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10

π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ

Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ

Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ

π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν

Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15

α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν

α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ

αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν

π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν

α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20

98

Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20

intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos

consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve

tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo

da alma para a nobreza viril233

da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave

virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25

beleza234

durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos

alveacuteolos pulmonares 233

Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel

e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave

virtude da temperanccedila 234

Rep 403c

XCVIII

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ

Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ

υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ

α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν

π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25

Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ

403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ

99

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII

O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial

sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos

em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral

do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III

4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma

racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer

maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as

comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento

racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que

presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero

geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de

Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A

Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no

estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The

Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular

interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no

anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion

2008 p 2092)

Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os

caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos

hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der

Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave

teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo

pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De

animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo

Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais

adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero

platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades

100

337 Capiacutetulo XIX

Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que

constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a

piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra

por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar

enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5

icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente

quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por

meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais

estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da

aacutegua239 10

Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o

nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela

semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o

outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o

doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15

com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um

intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a

proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242

235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo

C

XIX

Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ

ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ

αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν

α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ

φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5

α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν

ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν

πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ

πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10

ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν

α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ

αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ

υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ

101

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX

O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo

anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio

deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos

quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados

segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares

Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-

56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das

associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos

os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-

d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo

Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que

compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos

sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees

Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo

Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo

Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono

Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera

Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno

Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q

agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o

fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas

exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a

hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente

pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos

aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo

do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o

icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala

A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta

(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)

102

339 Capiacutetulo XX

Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois

uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o

corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos

brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo

momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5

assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem

arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que

prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma

pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos

nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10

idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som

diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho

aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a

natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis

(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15

fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa

voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre

os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo

sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as

243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27

CII

XX

Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν

ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ

α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ

Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν

ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5

π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ

π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν

Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν

α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10

Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν

ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν

α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν

ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν

Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15

αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν

Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν

Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν

Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν

α Ν υ Ν 20

103

realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20

conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente

impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo

obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria

bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem

subjacente agraves notas musicais252

E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253

a cada 25

uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas

252

Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253

Cf II 12-14

CIII

ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν

φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν

πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ

π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν

α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25

π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ

υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν

πα α έ

104

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX

Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a

oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo

Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys

material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos

abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui

como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata

to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze

quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o

quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos

quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista

completa na ordem seguida por Teacuteon

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia

2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia

3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade

4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice

A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato

como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)

Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle

(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)

disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado

em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)

A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das

esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada

por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp

135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos

natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de

Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja

105

contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o

conhecimento necessaacuteriordquoέ

106

341 Capiacutetulo XXI

Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino

No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute

uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra

dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A

esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5

emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua

de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia

participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos

corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a

chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10

semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave

nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das

vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que

dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas

noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15

familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a

deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela

possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a

esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva

por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20

mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas

atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma

equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como

254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23

CVI

XXI

Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν

ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ

υΝ ὸ [121]

Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν

υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5

ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν

ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ

Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν

υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν

Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10

α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ

α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ

π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ

υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν

ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15

αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ

ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν

αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ

αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ

Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20

πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν

α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]

Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ

Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν

ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ

α ὰ 25

107

Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute

casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25

enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A

partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260

poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261

Se

atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim

sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30

planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas

Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do

que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de

forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo

tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262

Uma vez mais portanto satildeo sete as 35

notas remanescentes263

as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que

a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um

poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas

remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas

ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40

que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos

Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada

atraveacutes do eacutepsilon [123]

pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de

dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264

do primeiro par

e do primeiro iacutempar 45

260

O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261

Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo

com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu

(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em

aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262

Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada

quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero

bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas

apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a

modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu

maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263

A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264

Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5

correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro

nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar

CVII

Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν

π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ

υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ

π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν

Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30

Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν

π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν

π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ

ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν

αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35

φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν

α Ν ῖ Ν α α έΝ

Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α

π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν

ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40

α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν

α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν

π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν

π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]

ὰ ξ ρΝ

Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45

Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ

ὸ Ν υ έ

108

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI

Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em

II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo

associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo

desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais

intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter

masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do

primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)

superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a

qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a

ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas

notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta

Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida

estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem

outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute

associada ao eacutepsilon

Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais

correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino

feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os

planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava

do SPI fica como exposto a seguir

Figura 14 - Planetas e notas I

Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as

notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados

agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as

109

regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem

unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees

contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo

ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono

Figura 15 - Triplicidades

Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave

mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que

penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo

a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui

Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as

triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece

muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de

Ptolomeu que vem a ser a seguinte

A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries

Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade

correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda

maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio

A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e

Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo

compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta

triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute

que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus

Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para

as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois

110

quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente

masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira

ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino

associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima

Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de

ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-

feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da

ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das

triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e

Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso

poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente

segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que

se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)

Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com

as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste

capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como

expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o

intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos

planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa

necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas

de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu

Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III

A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece

dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen

conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para

Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma

mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de

potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave

nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por

razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A

disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir

265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar

111

Figura 16 - Planetas e notas II

Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre

vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as

sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile

Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no

serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute

aquele momento

112

343 Capiacutetulo XXII

Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada

um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves

notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota

acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o

terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5

zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco

relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da

consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que

tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada

organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10

como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash

que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila

onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos

dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo

266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II

CXII

XXII

Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν

Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ

ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν

ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν

α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5

ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν

α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν

Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ

ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ

υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10

α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ

Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ

113

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII

O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea

e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava

ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos

dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que

se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva

disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)

liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia

(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)

Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde

primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie

hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo

anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton

teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese

de que resultaria entatildeo a ordem a seguir

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa

Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia

Tetracorde Primeiro Meacutedio

O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos

(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de

qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a

espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os

graus do SPI

O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as

espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no

capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil

interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias

Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas

114

do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no

zodiacuteaco

Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do

SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda

se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se

utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de

oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso

Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem

das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave

doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as

notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave

espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala

ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma

ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie

hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano

tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com

a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por

diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima

Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia

Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico

Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que

corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma

Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por

Colomer e Gil no capiacutetulo anterior

Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos

quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias

relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia

dos toacutenoi se inverte na oitava aguda

115

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco

Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio

Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico

116

345 Capiacutetulo XXIII

E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim

divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais

jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional

caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5

reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional

denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo

situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse

triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a

quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10

caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais

desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino

como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco

sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279

Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15

natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos

setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados

entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis

o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero

nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20

igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a

razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo

a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285

273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32

CXVI

XXIII

Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν

ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν

Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ

α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5

ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]

πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν

ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν

Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ

π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10

Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν

ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν

ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ

π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν

α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15

ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν

Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ

π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν

φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ

αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20

α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν

Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ

117

Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286

Por isso eacute que tendo

dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25

trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles

domina ao longo de dez dias288

ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero

perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da

circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289

Cada um

deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30

acircngulos agudos formando doze segmentos290

Dois desses segmentos formam o lado de um

hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291

Trecircs deles formam o lado de um quadrado e

estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292

Quatro formam o lado de um

triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em

outro293

Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294

natildeo estabelecendo nenhuma 35

proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem

relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades

anteriores forma o diacircmetro295

Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero

maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois

o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40

nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296

285

43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286

Rep VIII 546c 287

Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do

signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do

horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco

completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288

Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O

tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias

dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289

360ordm 90ordm = 4 290

90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291

Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um

segmento em relaccedilatildeo ao outro 292

Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293

Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em

razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294

Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295

180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de

oitava e quinta com o hexaacutegono 296

Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica

relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre

razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18

CXVII

υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν

υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π

ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25

υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν

Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν

α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν

α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ

Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30

αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν

Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν

α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν

π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν

π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35

Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ

Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ

α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν

υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν

πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40

118

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII

Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a

segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do

tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o

zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla

oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o

zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no

cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma

racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao

nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de

base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees

que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana

Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo

capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia

correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco

que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu

(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele

estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as

consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele

mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico

119

347 Capiacutetulo XXIV

Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram

atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo

estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons

musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297

(seja na mescla corpoacuterea

na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5

compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade

De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os

saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida

Assim o afirma [126]

igualmente no Timeu298

o divino Platatildeo que o demiurgo299

da alma

tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10

natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o

intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300

novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo

dupla ateacute o oito301

e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302

Platatildeo ter-se-ia

expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15

individual no acircmbito nas artes303

quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute

outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um

lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o

princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees

mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20

igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel

de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a

profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se

vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente

propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25

297

Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298

35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag

22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299

Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300

As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia

intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro

indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise

completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301

A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302

A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303

A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)

deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II

CXIX

XXIV

Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν

φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ

π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ

Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν

φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5

αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν

υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ

Ν Νπ [126]

αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ

Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ

υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10

Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν

αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν

α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν

π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ

α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15

Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν

ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν

Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν

α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν

(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20

α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν

α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν

υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν

120

ocorre de a alma tender para o melhor304

ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar

relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos

divisiacutevel

Mas igualmente os maiores bens da alma305

disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes

agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30

com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306

(pois cada apreensatildeo

intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda

posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute

anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o

excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35

iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a

igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto

tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das

partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre

as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40

por meio da heacuteptada ()307

vemos o saacutebio308

dispor o discurso acerca da alma de modo duplo

a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e

a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da

mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309

Isso se haacute de tornar claro no diagrama310

da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45

dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a

forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais

retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre

superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do

304

Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305

As virtudes Cf III 16 306

Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307

Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem

como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio

estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda

εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos

que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p

527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na

traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308

Platatildeo Timeu 35b-36a 309

As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310

O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra

CXX

Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν

α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25

Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ

π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν

α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ

π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ

Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30

π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ

υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν

α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ

Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ

α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35

Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν

ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν

Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν

π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40

ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν

ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ

Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν

υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν

πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45

121

seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50

do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311

pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312

adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio

Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se

percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55

Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso

do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo

expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute

foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as

partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60

aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua

emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que

analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao

senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do

universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65

que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a

imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a

instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim

311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23

CXXI

Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν

πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν

π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ

Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ

α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50

αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ

αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν

υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν

π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν

υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55

ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν

υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν

φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν

ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ

υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60

ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν

φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν

πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ

122

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV

A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que

Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais

alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos

capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e

aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem

seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo

demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)

Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos

nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera

mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em

reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de

caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-

525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em

virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao

capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade

expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa

(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas

poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se

como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica

expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute

assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu

a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o

quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel

O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes

na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave

geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss

1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411

ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir

123

Figura 17 - Dupla tetraktys I

Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157

Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo

de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen

(p 53) sugere outra figura

Figura 18 - Dupla tetraktys II

Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo

desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o

diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as

proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os

termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um

membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois

intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O

recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas

Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees

teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da

muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5

124

349 Capiacutetulo XXV

Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320

eacute o primeiriacutessimo e mais natural

princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo

em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]

e no esquecimento assoberbada

de agitaccedilotildees e estiacutemulos321

e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve

momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5

sabedoria322

] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de

loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos

indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323

moderam a irracionalidade natural (tal como fazem

os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o

medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324

Por isso 10

eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser

purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as

emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais

ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma

mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15

um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no

igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o

tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo

claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior

ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]

Quanto agrave melodia (quer 20

entedida enquanto partes dos sistemas327

quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo

musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na

320

υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das

paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p

430 321

Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322

Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129

Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323

Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-

104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324

Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela

envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em

detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325

Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de

Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326

Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo

planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327

Enquanto escalas meras sequecircncias de notas

CXXIV

XXV

α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν

υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν

ᾳ [129]

αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν

π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν

Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5

ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν

ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν

Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν

π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν

ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10

α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν

αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν

Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ

ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν

Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15

Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ

Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ

υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ

ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20

125

posiccedilatildeo das letras328

das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave

terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as

geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25

maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se

associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329

) deve-se associar

ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do

deus330

que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau

estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30

aos demais elementos331

Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos

enquanto a ordem da alma ()332

eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja

substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333

a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao

passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um

ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334

Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35

sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se

corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335

328

Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma

posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a

disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf

II 14 III 21 329

Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo

simboacutelica 330

Apolo 331

Cf II 19 (92 5-8) 332

Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em

Mathiesen p 65 333

I 13 (318) 334

Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto

em Feacutedon 70d-72d 335

O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)

CXXV

Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν

Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν

υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν

Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25

π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν

π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν

α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ

Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ

Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30

α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ

π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν

π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν

φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ

Ν α έ 35

126

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV

A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo

anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao

progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento

do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a

em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades

inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no

entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos

organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma

Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla

corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da

corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da

relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos

do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou

geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas

que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das

contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico

e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete

ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo

riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado

o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas

127

351 Capiacutetulo XXVI

Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele

perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem

sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e

nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de

abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5

coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja

intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os

princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as

migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a

idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10

certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na

casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio

da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a

predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na

τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15

retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados

Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel

denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que

pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o

futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20

que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre

336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200

CXXVII

XXVI

ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν

ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν

α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν

π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν

αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5

Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ

α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν

α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν

Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ

Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10

Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν

α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν

υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν

Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν

Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15

Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν

α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν

Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ

Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20

128

passiacuteveis de mudanccedila345

Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a

ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave

economia coacutesmica [132]

nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no

seu desenrolar346

Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347

testemunha igualmente que isto eacute 25

assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos

disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia

fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora

destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer

(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30

colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ

Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz

ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre

os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo

divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35

eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo

oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente

ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o

profeta do universo352

teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso

parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40

δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada

indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que

naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ

345

Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o

paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5

346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d

Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do

devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta

Veterum Stoicorum B7-8 347

Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus

oraacuteculos 348

Heroacutedoto IX 43 7-8 349

αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e

contingecircncia 350

Odisseia VIII vv511-512 351

Iliacuteada III v59 352

Apolo

CXXVIII

α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ

πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ

αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν

Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ

πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25

πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν

α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν

Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ

Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν

πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30

ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν

α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν

α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν

π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν

π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35

α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν

α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ

ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν

ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν

υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40

υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν

Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ

129

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI

Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo

os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ

necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia

impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona

explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois

campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute

tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos

ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na

vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de

acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A

trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna

difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave

liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute

ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila

pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de

acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q

pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica

ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas

antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da

participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na

sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se

distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como

veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade

enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um

acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir

130

353 Capiacutetulo XXVII

Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a

essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros

sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma

nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado

esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5

escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins

de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e

leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a

participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas

merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10

verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe

aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e

tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o

profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e

auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15

ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada

uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a

perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo

que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da

geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20

propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo

A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber

353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c

CXXX

XXVII

α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν

Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν

α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ

ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν

π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5

Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt

ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ

φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ

π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν

π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10

απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ

Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν

Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν

αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ

φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15

πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν

υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν

υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν

υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν

Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20

υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ

Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν

φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ

131

Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com

perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360

que nos levou a essa empreitada

e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25

como dizem foi de todo mau361

pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que

no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo

quanto eacute relativo agrave muacutesica

360

Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa

invocaccedilatildeo 361

Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf

Mathiesen p 57 n 244

CXXXI

αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25

αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν

πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν

υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ

132

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII

No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando

seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem

como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave

filosofia com que encerra seu tratado

Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um

esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para

dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou

o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a

perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse

reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa

conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez

vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade

assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da

natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se

para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na

(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo

contato com o inteligiacutevel

Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso

da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa

imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo

filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em

π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos

π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o

mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e

moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos

termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como

ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja

proporcional e semelhante

362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329

133

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Page 2: LIVRO III DO TRATADO DA MÚSICA DE ARISTIDES …

FERNANDO LUIacuteS B DE MORAIS

Α Ν Α Ν Η ΝLIBER III INTRODUCcedilAtildeO COMENTAacuteRIO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

Dissertaccedilatildeo apresentada como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paranaacute Aacuterea de concentraccedilatildeo Estudos Literaacuterios Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior

CURITIBA

2016

Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo Cristiane Rodrigues da Silva ndash CRB 91746

Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo ndash UFPR

Morais Fernando Luiacutes Barreto de Αρ ου ο α ου π ρ ου η liber III introduccedilatildeo

comentaacuterio traduccedilatildeo e notas Fernando Luiacutes Barreto de Morais ndash Curitiba 2016

185 f Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute

1 Muacutesica Grega Antiga 2 Da Muacutesica ndash Aristides Quintiliano 3 Filosofia Antiga ITiacutetulo CDD 875

Y a-t-il une possibiliteacute pour que dans le creacutepuscule

nous puissions saisir quelque chose de ce qui a eacuteteacute ἔrsquoaἡroreς ἁ a-t-il quelque chose qui dans le dernier moment reponde au premier moment Nous sommes peut-ecirctre dans une nuit qui va preacuteceacuteder un nouveau jour Nous sommes agrave la veille du plus enorme changement sur la terre Est-ce que dans cette nuit nous ne pouvons pas avoir quelques clarteacutes sur ce quit fut ἔrsquoaἡbe de la penseacutee ἐἡἕaἑne et sἡr ἔrsquoorἑgἑnaἑre agrave venir

Martin Heidegger

(Arnoux 1960 p8 apud M Jean Wahl δrsquoἑdeacutee drsquoecirctre cἐez ώeἑdegger 1951)

RESUMO

Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III

Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga

ABSTRACT

This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole

Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music

Agradeccedilo

Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e

aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo

A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes

Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea

Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas

E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos

meus estudos

IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123

IacuteNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Triacuteades 82

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo 10

11 Autor e obra 12

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24

14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32

21 Teoria harmocircnica 32

211 Gecircneros e nuances 33

212 Sistemas 34

213 Tom tropo e harmonia 38

214 Modulaccedilatildeo 40

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41

3 Traduccedilatildeo do Livro III 49

31 Capiacutetulo I 49

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52

33 Capiacutetulo II 54

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56

35 Capiacutetulo III 58

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59

37 Capiacutetulo IV 60

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62

39 Capiacutetulo V 63

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64

311 Capiacutetulo VI 65

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67

313 Capiacutetulo VII 68

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70

315 Capiacutetulo VIII 71

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73

317 Capiacutetulo IX 74

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75

319 Capiacutetulo X 76

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79

321 Capiacutetulo XI 80

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82

323 Capiacutetulo XII 83

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85

325 Capiacutetulo XIII 86

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87

327 Capiacutetulo XIV 88

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90

329 Capiacutetulo XV 91

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92

331 Capiacutetulo XVI 93

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94

333 Capiacutetulo XVII 95

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96

335 Capiacutetulo XVIII 97

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99

337 Capiacutetulo XIX 100

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101

339 Capiacutetulo XX 102

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104

341 Capiacutetulo XXI 106

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108

343 Capiacutetulo XXII 112

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113

345 Capiacutetulo XXIII 116

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118

347 Capiacutetulo XXIV 119

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122

349 Capiacutetulo XXV 124

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126

351 Capiacutetulo XXVI 127

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129

353 Capiacutetulo XXVII 130

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133

10

1 Introduccedilatildeo

Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor

Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato

com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo

desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites

com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos

menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o

modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja

como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos

Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto

ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural

estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q

me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia

pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e

preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas

Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais

deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo

aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um

contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a

chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias

talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos

ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e

longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e

fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da

razatildeo e da liberdade

A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade

voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre

me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que

coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas

amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa

vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos

justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute

11

certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo

natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado

proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso

Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos

parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de

universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de

pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo

(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do

tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que

pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas

sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma

A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra

certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita

avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma

antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como

expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio

preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente

humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui

importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo

Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do

espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos

descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou

desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o

espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende

nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra

demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige

cuidados

Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger

Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria

antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na

plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que

infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um

campo de treinamento

12

Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento

de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito

estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias

destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos

aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que

frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar

destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem

consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano

tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto

capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios

Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que

favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em

algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-

1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a

consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-

15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na

medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos

natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e

serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho

Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano

11 Autor e obra

Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito

deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda

outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio

provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome

romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha

pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em

algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum

segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico

restou de Aristides Quintiliano

1 II 10 32-34

13

Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado

a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo

registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido

aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de

seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains

unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early

source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec

XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece

associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar

A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash

c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George

Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel

Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente

moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o

impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e

secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais

a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da

obra

Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em

algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et

Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois

motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque

evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De

Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse

terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento

e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica

2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68

14

musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada

impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum

Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam

A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute

hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus

Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese

foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor

da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-

Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo

no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola

publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua

elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez

situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em

fins do seacutec IV

Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o

argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque

aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das

exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica

desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o

desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel

Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro

musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33

9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12

On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5

15

vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse

conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que

considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)

ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las

conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que

χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o

conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa

amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de

Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely

technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by

contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are

introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ

Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em

III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual

eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo

capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do

alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten

coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ

Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente

num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido

de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a

hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de

uma data posterior para o Da muacutesica de A Q

Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e

neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas

ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees

de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e

encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps

2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de

Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo

alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e

19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica

16

sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325

dC)

Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do

descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso

tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por

Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do

destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir

poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo

a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto

Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)

Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo

ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o

Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas

que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo

transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera

individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais

Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash

natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao

periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no

17

seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-

161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade

Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que

estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem

retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao

imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute

conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del

ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ

Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois

paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou

lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o

emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460

exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem

duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de

Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado

Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco

Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do

autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem

ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que

fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de

Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra

verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo

platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os

interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas

(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que

propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere

a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)

Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima

inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que

21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1

18

abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em

Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do

assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida

importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como

termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas

e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural

Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o

preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um

provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos

amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da

identidade do autor

Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos

que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a

maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com

a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente

estabelece

Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo

liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio

Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo

definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e

ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja

ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido

ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel

AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo

contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior

aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa

coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz

Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece

qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ

Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por

Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A

24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)

19

conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e

amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e

Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como

alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno

Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a

Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome

Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um

Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico

que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo

natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides

Quintiliano

Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a

certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar

o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio

Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92

Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio

Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como

faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter

recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio

e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a

miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo

esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto

no presente quanto no passado

Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides

Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura

26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)

20

bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos

musicoacutegrafos aacuterabes28

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo

O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os

mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII

(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A

Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e

tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja

transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o

nome de terceiros

Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do

livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do

periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos

ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica

Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de

Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos

diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem

(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo

teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de

origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos

27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ

υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6

21

de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a

sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica

Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter

tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a

permanecircncia do interesse pela obra de A Q

No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no

fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico

e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo

a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa

traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio

provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides

Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de

Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo

entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente

conheceram Aristides Quintiliano36

O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais

importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em

1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37

por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38

Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e

32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica

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Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes

por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de

conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia

o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo

comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da

coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX

como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano

Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45

acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em

1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de

Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)

began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music

theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus

complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo

O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op

cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente

citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o

livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado

tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais

ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende

que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado

O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo

os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento

dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por

40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi

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Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com

exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo

Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que

serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de

Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda

notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem

parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia

do original grego

No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um

pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos

frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por

exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o

artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren

Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54

Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico

filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos

de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de

reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega

Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a

publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de

estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J

47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963

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Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O

estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de

mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada

nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou

ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew

Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da

Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que

procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen

Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60

igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos

antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q

para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de

tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica

dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute

desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo

ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62

ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a

seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ

Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica

tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor

declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de

conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com

o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)

deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos

Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte

explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui

o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a

58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248

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alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado

fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e

portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo

Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende

refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura

mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e

ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a

unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio

imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs

patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino

no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados

sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que

sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63

E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata

que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de

acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a

tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de

que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em

seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou

dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que

natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios

mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua

inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-

se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna

No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que

chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o

preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente

conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido

de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e

63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel

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objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma

participaccedilatildeo ou aspecto

O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de

meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker

(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica

proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the

movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria

enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo

conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da

definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um

pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno

musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores

A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante

Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a

menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de

Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo

fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α

) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo

(π π [] [] υ )

Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a

melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a

tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica

Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste

como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele

no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado

A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua

vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ

tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos

que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da

muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical

65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ

αὶ] α αῖ rdquoέ

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entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma

disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica

A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica

aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute

somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da

muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais

generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica

aritmeacutetica desempenha um papel instrumental

Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute

anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em

criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo

musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro

a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q

O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina

artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde

ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de

elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo

28

dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos

(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67

O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das

paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as

afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa

a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de

certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas

para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua

Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ

α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma

consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de

uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou

irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)

Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas

partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo

indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida

Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim

como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma

irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em

mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma

Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos

a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de

Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que

reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo

Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e

Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete

e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e

em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de

Halicarnasso

66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C

29

O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das

doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado

entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A

questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada

estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da

muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia

de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral

e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo

do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo

reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo

dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste

trabalho

14 Uma proposta de traduccedilatildeo

O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a

Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a

toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez

que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no

acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma

harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica

Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto

sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do

cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as

premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse

noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo

Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas

do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente

agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da

70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)

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Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se

no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os

capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil

situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no

cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue

essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen

Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta

traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo

de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado

capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu

verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos

livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e

referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por

versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra

inteira

Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse

predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de

sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa

arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da

linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio

ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima

luminosidade ndash na segunda parte do livro III

Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo

filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo

acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato

histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste

experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua

transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de

empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que

nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se

torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na

cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe

A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez

inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a

31

compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit

p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o

reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de

um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a

originalidade das ideias que faz do Da muacutesica

lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)

Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo

talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece

agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem

natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas

diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica

de fazer sonhar

O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de

certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-

modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia

protocolar seja de condescendecircncia arrogante

Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu

pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que

convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-

lhes o caminho

71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ

32

Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a

mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica

aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os

capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios

de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III

Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo

resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a

conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando

para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica

Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito

potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala

no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos

os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)

Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos

de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar

como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica

registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento

musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso

recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras

Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria

musical grega o tetracorde

Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que

compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o

tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou

intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia

pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado

harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo

33

que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento

nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima

formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas

eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C

fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que

veremos a seguir

211 Gecircneros e nuances

Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas

que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de

quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo

moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o

gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e

semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash

T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia

T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila

maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e

enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior

Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de

diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica

(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica

Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o

fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente

adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico

padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica

profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o

gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom

posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente

iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade

eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e

profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero

cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico

remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente

34

utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu

emprego em estado puro

Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou

nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute

referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de

semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)

O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom

semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um

terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero

(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma

diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou

ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de

tom)

212 Sistemas

Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda

sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por

conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo

na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde

cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo

Figura 2 - Tetracordes conjuntivos

No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades

doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a

configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas

35

Figura 3- Tetracordes disjuntivos

Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento

disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que

dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento

conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes

completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave

lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os

desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita

dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por

Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema

apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser

estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia

Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave

(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda

do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito

precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes

Figura 4- Sistema perfeito de oitava

Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito

Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave

sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas

36

primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o

tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado

por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de

que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira

heptacorde de tipo eoacutelico

Figura 5- Sistema Perfeito Menor

Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido

outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom

disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois

pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo

par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e

hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ

Figura 6 - Sistema Perfeito Maior

Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz

Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava

aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema

de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo

das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a

nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das

37

primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A

terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa

(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de

enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike

hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde

que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das

meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente

Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde

disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do

nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do

primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima

nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a

penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da

uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia

(paramese)

Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior

O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze

notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas

indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para

chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo

da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo

(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema

Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)

38

Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel

Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um

grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia

correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala

numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que

tratam os conceitos de tom tropo e harmonia

213 Tom tropo e harmonia

Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia

No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete

combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava

ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da

primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as

expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o

gecircnero diatocircnico satildeo

Mixoliacutedia STTSTTT

Liacutedia TTSTTTS

Friacutegia TSTTTST

Doacuterica STTTSTT

Hipoliacutedia TTTSTTS

Hipofriacutegia TTSTTST

39

Hipodoacuterica TSTTSTT

Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato

de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma

ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na

engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a

junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica

harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo

terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia

exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento

certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso

simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal

como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo

do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas

citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que

parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a

doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas

Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo

e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12

Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica

elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado

na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo

Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)

deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados

A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou

mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs

acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um

tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas

de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada

grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem

geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada

tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)

possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para

quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do

40

hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram

recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que

ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para

diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos

respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico

com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada

tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de

quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com

seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)

214 Modulaccedilatildeo

Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria

de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre

que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo

Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o

sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e

mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a

dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que

essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano

elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam

se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de

oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico

ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o

depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e

por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e

que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon

Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-

se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano

no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos

(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso

agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema

do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no

41

livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno

abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano

Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso

eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si

mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e

indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo

inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo

masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que

surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da

proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo

feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )

a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem

Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A

natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash

forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )

Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave

imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo

central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica

tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um

antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou

reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para

este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e

ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III

Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que

extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas

satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria

visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II

32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa

com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade

humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da

42

razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada

com exclusividade agrave filosofia

Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da

alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e

particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego

ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre

educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos

dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No

entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs

razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave

alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo

eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada

com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial

destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees

racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo

musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II

Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave

muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem

duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica

( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando

determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute

vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas

caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral

( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de

aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a

alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )

Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a

muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo

mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e

ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu

nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando

por fim no ato propriamente dito

Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez

das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses

43

mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado

o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves

paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a

essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente

as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem

como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que

podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver

sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma

virtude ainda ausente teraacute sido inoculado

Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo

estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo

masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo

entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o

feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para

Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash

talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas

Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ

Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica

e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as

escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os

instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente

masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim

diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os

posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e

viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute

humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma

espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio

Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual

E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica

quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo

No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma

oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo

por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz

Quintiliano (II 114-31)

44

() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas

Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam

o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas

uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo

designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as

mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para

designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse

incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o

emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no

que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes

e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ

Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem

observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor

desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma

da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das

letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes

Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes

que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais

proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias

enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais

45

proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em

relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade

As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de

articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua

vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto

meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais

tau delta e theta As guturais capa gama e khi

Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio

entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as

aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a

expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e

portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo

formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a

analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais

ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou

masculino)

Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas

breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza

intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade

(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash

formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste

mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal

feminina por excelecircncia

No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron

ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota

o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute

excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos

trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao

fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de

masculinidade satildeo α

72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo

46

Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas

palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento

Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo

dessa consoante

Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou

misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota

acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira

nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes

satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se

repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)

cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A

uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo

de oitava formado com a nota acrescida

Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo

Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio

dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem

satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos

instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da

primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do

descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material

entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os

instrumentos musicais

A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando

o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do

universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele

recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do

73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5

47

alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de

ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e

afundando-se na profundidade corpoacuterea

Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos

ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses

ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (

α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao

corpo

Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa

regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves

realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma

esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia

produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto

as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O

terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse

composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo

mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado

o nome de harmonia

Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de

nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a

origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo

sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos

de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a

alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas

liras postas lado a lado

Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato

dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico

potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo

74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ

48

outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)

Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel

com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana

enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos

quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees

( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma

Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a

certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre

Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos

(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma

enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de

acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com

que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares

Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos

e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma

agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo

brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira

doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )

satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina

acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem

menos) que o cumprimento dessa promessa

49

3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I

[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica

Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da

natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos

Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na

paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5

coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos

intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo

duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das

cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual

provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10

dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o

intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo

sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos

descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo

sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15

relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo

sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo

dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo

sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla

Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20

mencionados

76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43

XLIX

Α Ν Α Ν Ν Η Ν

I

[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν

Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν

π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ

π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν

Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5

αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν

ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν

Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν

α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ

πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10

ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν

α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν

ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν

π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15

π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]

Ν Ν π Ν Ν

ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν

Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ

α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν

α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20

50

E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou

seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81

assim procederam sabendo que o

intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros

dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25

sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia

ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82

e para o oito em razatildeo

sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que

a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um

tom consistia numa razatildeo sesquioitava83

E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30

Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados

termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero

pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo

se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute

para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35

dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior

Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84

a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que

quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo

quer acima da nota anterior e [96]

quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a

nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40

tenham dado a esse intervalo o nome de resto85

Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas

causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo

dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio

intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que

entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45

Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na

proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em

partes desiguais

81

Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )

da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82

86 = 43 96 = 32 83

(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84

Livro I Cap 11 85

α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta

na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A

Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes

L

υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν

υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν

ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ

Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ

Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ

Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν

Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν

υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30

α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν

α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν

Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν

Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν

φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35

Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν

ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ

αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν

π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν

α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40

α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ

α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν

α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν

α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ

α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45

π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ

51

Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto

exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50

duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que

estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo

estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817

mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo

192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55

muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica

inteligiacutevel86

86

Timeu 36b

LI

υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν

υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ

Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν

Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50

φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ

α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ

Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ

π ὺΝ π α Ν έΝ

52

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I

Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um

benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora

a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo

menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer

necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee

depende do que foi estabelecido anteriormente

Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica

e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material

da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee

uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma

mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz

passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente

verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da

natureza enquanto muacutesica

Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como

paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo

dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso

algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no

tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos

intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na

irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute

mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual

natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do

sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa

autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao

nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de

interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a

aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica

entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da

astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse

sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque

53

da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo

da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo

Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao

inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto

que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros

diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles

manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero

como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)

Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste

livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal

recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A

insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto

( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica

critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)

cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando

particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes

ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)

87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913

54

33 Capiacutetulo II

Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar

todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos

todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua

dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste

mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5

excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via

sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes

paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a

230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as

sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10

porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os

intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio

faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta

sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92

Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15

se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda

teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do

primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o

uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da

90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro

LIV

II

Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ

υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν

π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν

ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ

υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5

πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν

α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν

π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ

Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν

α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10

Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ

αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν

υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν

π έΝ

Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15

ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν

π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν

αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν

55

corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95

se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20

teremos o primeiro dos meacutedios96

E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-

ia a nota supermeacutedia97

mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos

a primeira dos primeiros98

A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte

modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade

igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99

E dividindo uma vez 25

mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade

idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais

quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo

entatildeo um cacircnon simples sem corda100

comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele

marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30

as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada

divisatildeo do cacircnon101

95

O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis

tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96

O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97

O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98

O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99

Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de

todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de

tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada

tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100

Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam

os intervalos 101

Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio

Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937

LV

α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20

π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν

πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ

αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν

Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν

π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25

π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ

αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν

φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν

πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν

α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30

α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ

56

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II

Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos

consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos

nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com

pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute

igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero

diatocircnico

O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as

duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde

hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas

relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas

notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos

hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute

a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete

synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre

essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo

Figura 10 - Consonacircncias no SPI

Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada

tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom

com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente

57

Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel

determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a

variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q

apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave

leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa

posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis

natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do

livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu

(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu

podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic

theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon

de Esmirna e Porfiacuterio

Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o

sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo

piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria

harmocircnica

58

35 Capiacutetulo III

Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas

Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado

Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles

traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na

quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5

quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias

pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com

que foram divididas103

Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se

completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10

portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois

tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota

com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e

doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo

ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15

dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com

relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos

primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava

a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora

102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (

) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6

LVIII

III

ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν

Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν

αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν

α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν

αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5

Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ

α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν

Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν

α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν

απ έΝ 10

α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν

υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν

α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν

α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν

Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15

Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν

π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν

π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν

πὶΝ έ

59

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III

Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o

heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as

etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )

dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees

presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia

Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ

10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H

Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp

384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)

Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o

contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio

Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora

jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute

indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do

comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11

n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro

reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento

AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial

(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta

corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)

Figura 11 - Heacutelicon

Fonte Colomer e Gil 1996 p177

60

37 Capiacutetulo IV

A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos

apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do

sistema perfeito108

Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta

compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109

tomamos os nuacutemeros [100]

3 (o

primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110

e o primeiro perfeito111

) e 4 (o primeiro nuacutemero 5

sesquiteacutercio112

e primeiro nuacutemero plano em geometria113

) e traccedilamos duas retas

perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em

proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas

correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10

de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo

aritmeacutetico114

a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados

pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute

nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para

fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115

15

108

Sistema de oitava 109

O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons

e meio) 21 = 43 x 32 110

Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111

O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo

o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou

completude do 3 112

Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113

Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a

caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1

representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou

cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3

114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na

figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115

Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas

conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d

LX

IV

Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν

Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ

π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν

ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν

ὺ [100]

Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5

π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν

α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν

ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν

α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν

π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10

ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν

α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν

π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν

π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν

π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15

61

Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica

Fonte Colomer e Gil p 180

62

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV

Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam

ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a

procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto

sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da

consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um

estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros

um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda

segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A

Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes

Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo

sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura

construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as

relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes

tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras

utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-

b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de

Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da

seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica

63

39 Capiacutetulo V

Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute

que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e

mediaccedilatildeo116

) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si

mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes

dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5

modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117

harmocircnica compotildee-se

de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo

aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos

posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo

geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10

entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]

de

modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118

Sendo a quantidade dupla na

quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo

comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a

aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15

proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na

harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs

consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo

sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias

aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20

ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre

cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual

seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas

razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os

nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119

25

116

A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O

3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se

tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf

Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117

O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo

entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118

Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B

representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a

meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie

harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de

proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119

As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b

LXIII

V

Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν

( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν

ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν

Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν

αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5

Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ

Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν

π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν

π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ

ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]

Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10

α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν

π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν

υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν

Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ

lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15

α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν

π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ

ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ

Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν

π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20

Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ

ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν

ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν

πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν

α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25

π ῖ Ν α α έ

64

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V

As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo

apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas

apresentadas ao fim do capiacutetulo

A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que

na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120

Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3

obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao

acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda

os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6

formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo

de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo

dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser

divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)

e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8

Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia

aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em

dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia

aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava

assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27

(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois

termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de

quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op

cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas

entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que

compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4

6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos

termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida

surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3

120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3

65

311 Capiacutetulo VI

E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem

propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de

mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos

consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5

denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126

agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram

soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente

descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto

a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10

e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com

o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada

chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado

geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado

pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15

composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4

122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo

LXV

VI

π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ

π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν

αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν

υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5

φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ

α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν

ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν

α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν

ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10

α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν

Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )

ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ

υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν

ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15

66

somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo

resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a

esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira

consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20

quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e

se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros

seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o

primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio

proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25

assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante

caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo

acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo

acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma

proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30

dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as

consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas

proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo

sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a

razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35

nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137

133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta

LXVI

ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν

Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν

φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν

υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20

Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν

α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν

α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ

έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν

[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25

ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ

Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν

αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ

υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν

ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30

υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν

π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν

υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν

π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35

απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν

α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ

Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α

67

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI

A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se

agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees

pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente

tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um

ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros

iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel

estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada

nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends

the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa

particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)

que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes

todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a

deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute

tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se

compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente

Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo

e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute

quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo

com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular

εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna

enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores

divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns

68

313 Capiacutetulo VII

Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um

lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os

intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos

revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas

por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5

nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a

outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao

passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em

virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe

facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10

dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do

material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais

doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui

em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que

padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15

nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o

meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam

do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por

isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam

recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20

universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos

fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas

nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e

perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a

semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25

caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas

temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as

coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o

crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α

LXVIII

VII

ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν

Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]

π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ

Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν

ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ

αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5

α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν

αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν

αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ

Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ

υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10

π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν

α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν

α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ

π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15

Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν

υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ

ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ

α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α

Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20

υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν

Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]

αὶ ὸ Ν Ν

Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν

α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ

έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25

αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν

Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν

αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν

69

que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30

lunar140

E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as

fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de

Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do

ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute

disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35

coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e

a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece

rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea

natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as

consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40

140

Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por

colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada

nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro

III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem

caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade

ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves

esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas

LXIX

π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν

αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30

φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ

α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν

αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν

α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35

Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν

Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν

α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν

α Νπα Νπα π έ

70

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII

Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da

incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos

nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia

aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da

experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros

se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na

forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos

por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus

pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja

ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que

platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona

os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute

controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel

superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q

ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na

especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a

origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles

(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a

Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere

SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes

neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e

Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia

enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles

A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que

reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da

alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e

da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais

culmina seu tratado

71

315 Capiacutetulo VIII

Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes

prestam os nuacutemeros141

Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem

nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria

dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se

ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142

[106]

pois a mesma 5

proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores

(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim

tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de

ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos

fisionomistas143

Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10

eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve

atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres

perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla

no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada

trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15

perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores

(a exemplo das febres hemitriacuteticas144

) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave

esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145

essas satildeo temiacuteveis e

letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante

proporccedilotildees quantitativas 20

De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar

consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se

poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)

produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo

entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25

141

Cf Filebo 55d ss 142

Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a

beleza em si 143

O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria

uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf

Repuacuteblica livros II III e X 144

Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos

agudos em dias alternados 145

Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)

ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ

LXXI

VIII

Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν

φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν

α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν

Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν

ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5

φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν

Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν

φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν

α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν

υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10

π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν

πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν

φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν

π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ

π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15

ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν

υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ

υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ

α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν

α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20

π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ

π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν

Ν

72

amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas

vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia

intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos

meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo

racional e a concupisciacutevel146

E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]

surpreender-te-ia o 30

fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas

melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147

E dentro da

proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a

cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o

conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35

cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os

dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e

pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e

ignorante

146

Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma

racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra

mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas

eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147

Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer

e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica

como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q

LXXII

φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν

Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25

αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν

ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν

αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν

Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν

π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30

ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν

υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ

ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν

υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν

έ35

73

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII

Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica

Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da

medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma

seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de

que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as

imposiccedilotildees do destino

Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma

que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ

ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave

teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por

Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e

16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria

a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo

corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto

meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das

contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma

dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs

livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como

expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ

A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria

entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da

hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q

e seu tratado no sec II dC

Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a

teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles

(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas

Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da

consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo

Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de

vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias

508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e

74

317 Capiacutetulo IX

Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a

semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se

perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez

constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as

realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5

as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais

relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de

semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma

imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que

preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10

tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos

seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]

com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia

calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim

sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15

148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica

LXXIV

IX

Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν

υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν

α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν

υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν

π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5

π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ

π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν

α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ

Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν

υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10

Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ

ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν

Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν

α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν

ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15

πα α α έ

75

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX

Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual

essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o

breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III

dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que

Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um

espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de

opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do

tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que

mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo

ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da

alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A

Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p

195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo

entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do

mundo

O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que

assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave

intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos

76

319 Capiacutetulo X

Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja

em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de

mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito

proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no

acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151

O movimento da voz concebido sem 5

referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152

tal como as primeiras coisas

Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou

descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria

mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153

Assim tal

como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10

mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a

imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade

com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que

a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas

tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15

receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical

participa do grave como do agudo154

Dentre as notas algumas [109]

satildeo fixas outras satildeo

moacuteveis155

e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros

satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos

151

Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter

entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152

τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e

natildeo material da altura tonal 153

O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz

determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel

Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala

exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde

agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154

Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo

adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de

indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para

sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a

primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou

seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155

Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas

enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias

determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo

tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se

mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo

LXXVI

X

Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν

Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν

υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν

αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α

α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5

Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν

Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν

π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ

υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν

π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10

α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν

π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν

π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν

ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν

α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15

Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ

α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]

Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ

πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ

ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν

α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20

υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν

ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν

π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν

αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν

ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25

π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν

Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν

φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30

Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ

)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν

77

quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20

baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se

segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas

apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156

Satildeo elas com efeito o

princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as

notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25

mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157

Assim tambeacutem a respeito do universo homens

divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste

mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que

eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a

morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30

completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz

conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo

eteacutereo158

o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras

(que apresentam dois intervalos159

a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele

produzido pelos seres sublunares160

que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35

e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o

semitom e o tom161

E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e

solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns

pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo

156

Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas

baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante

desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja

anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157

As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois

tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que

A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde

Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como

perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave

Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na

eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de

passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158

Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo

269a ndash 270b 159

A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente

notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a

nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero

enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160

Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161

No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e

no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda

LXXVII

υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν

ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν

α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35

α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ

α α π ν αὶ ὴ Ν [110]

Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν

α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν

φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ

Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40

π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν

π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν

πα α έ

78

graves e tendem para a terra162

Aleacutem disso [110]

o fato de que as notas tendam natural e 40

indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o

caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual

eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o

equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos

opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163

que produzem os bons climas o crescimento 45

das plantas e a sauacutede dos animais

162

Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os

intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos

densos e porosos 163

Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute

importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas

ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da

terapecircutica eacutetica Cf II 9

79

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X

A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da

dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no

campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente

informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio

situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa

harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o

grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo

(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no

fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim

as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta

Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como

eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave

imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que

seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal

como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas

entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o

movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes

A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao

simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II

No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade

(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto

a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para

novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta

mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria

80

321 Capiacutetulo XI

O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a

natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo

ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164

designa-se a natureza intermediaacuteria165

Dentre

os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e

ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5

que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166

vem a ser tripla Poreacutem como nas

dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional

ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante

um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute

estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10

cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio

a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer

realidade perceptiacutevel167

E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem

em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs

[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies

168 o mesmo nuacutemero 15

de tons do Sistema Perfeito169

No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a

essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia

164

A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81

Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O

tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual

surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava

tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)

formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema

Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por

conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165

Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui

por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se

que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)

simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)

Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q

logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166

Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167

χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)

por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A

hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo

que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168

As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As

espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169

Ou seja o intervalo de oitava

LXXX

XI

Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν

πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν

Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ

α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ

ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5

Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν

ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν

ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν

π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν

φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10

π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν

ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ

Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν

ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν

αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15

ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ

αΝ

81

intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua

perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170

(pois o que chamamos de alma alguns denominam como

ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20

em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero

diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e

inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou

nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172

tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute

composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25

semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a

triplicaccedilatildeo173

dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por

uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma

harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio

eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174

da alma Jaacute no que diz 30

respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o

cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo

responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e

a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175

170

Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves

trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171

χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima

412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist

De anima 430a10-25) 172

Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute

o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e

cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173

Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174

A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma

Cf Timeu 36e ss 175

A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre

a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se

daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte

LXXXI

ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ

ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν

Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20

α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ

ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν

α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ

υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν

Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25

α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν

α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν

ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ

ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν

πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30

αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ

82

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI

Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a

estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve

auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees

Tabela 1 - Triacuteades

INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO

Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente

Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo

Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria

Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um

desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na

medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em

conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros

Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees

propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda

que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano

e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente

inconclusivas

Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que

tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que

permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado

Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o

gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo

83

323 Capiacutetulo XII

Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois

quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por

meio do dois e a material [112]

por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave

regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem

afinidade com o dois176

A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5

desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela

soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo

dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui

Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira

com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10

seis179

Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]

ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e

a nona a esfera natildeo astral180

O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo

trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os

uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15

o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181

Jaacute o dezessete termo meacutedio entre

os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou

176

Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano

(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do

capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter

passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave

mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos

traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o

mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa

duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o

corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria

uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e

extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao

espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177

Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178

Cf III 6 179

Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam

respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180

Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e

Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser

a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181

Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de

modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a

circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem

aacuterea e circunferecircncia iguais a 18

LXXXIII

XII

α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ

ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ

ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν

ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]

Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν

α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5

Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν

α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ

Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν

π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν

ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10

Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν

πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ

ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν

φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν

ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15

αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ

υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ

ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν

84

relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182

O trinta e seis183

ao evidenciar a diese

aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano

182

Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute

agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18

ou 9) e a parte (16 ou 8) 183

Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar

da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada

multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento

relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao

processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da

diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e

o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave

cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie

formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a

seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do

6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea

LXXXIV

ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν

α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20

υ Ν υ α έ

85

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII

Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza

mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em

que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o

nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como

unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo

participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma

extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo

ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou

material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual

A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom

manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a

322

3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas

com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a

alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute

contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o

eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao

ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no

sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos

semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo

simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular

decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3

86

325 Capiacutetulo XIII

Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se

cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e

oito185

nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]

mecircs ocorre de ser vista com essa

mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e

omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5

tons186

nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15

apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons

para novamente retornar agraves graves187

E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo

tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188

(com agraves vezes um dia remanescente)

ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10

nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o

iniacutecio do descenso

184

π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue

trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo

de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo

como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando

harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo

(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se

intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai

possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de

ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185

Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima

do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco

tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo

enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186

Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa

voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187

A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os

intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188

Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio

Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p

199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada

dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na

verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por

Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen

sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa

posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A

correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais

um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no

sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema

Perfeito Maior

LXXXVI

XIII

Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν

α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν

lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]

ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν

α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ

Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5

φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν

α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν

φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν

Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ

ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10

υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν

ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν

π έ

87

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII

No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua

ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de

mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra

alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo

(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica

(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos

lunares

A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do

gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou

tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do

Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros

modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou

mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada

Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29

dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente

e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura

do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir

88

327 Capiacutetulo XIV

Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se

mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton

assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos

bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais

pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5

do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem

disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde

denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo

entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192

com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10

comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco

situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira

e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve

comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194

dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15

mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196

Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra

sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais

proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar

pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20

189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual

LXXXVIII

XIV

Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν

ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν

Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν

π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ

αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5

Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν

Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν

Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν

αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν

φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10

π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]

π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν

α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ

πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15

π υ αέΝ

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν

Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν

ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν

Ν αὶ φ ῖ Ν 20

89

terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute

necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o

movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o

movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico

deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25

E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute

anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo

ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao

olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao

ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30

diante dele foi posto o para-vento197

das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade

depende de um corpo luminoso198

)

197

Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198

Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos

LXXXIX

Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν

π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ

α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν

ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ

αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25

α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν

π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ

ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν

ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ

αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30

α ῃ α Ν α)έ

90

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV

Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar

Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute

que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)

enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas

do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando

por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele

entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos

TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico

SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter

O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais

intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo

91

329 Capiacutetulo XV

E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada

um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os

tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente

ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute

no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5

meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por

outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo

de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre

ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a

regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10

humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos

objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido

mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio

de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a

regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15

expressa a regiatildeo eteacuterea

199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois

XCI

XV

Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν

π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν

π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν

ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν

ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5

υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν

Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν

α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π

α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν

Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10

υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν

π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν

Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ

92

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV

O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e

Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo

Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes

Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos

PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos

OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter

NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea

MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular

93

331 Capiacutetulo XVI

No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas

de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e

meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao

prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem

razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5

(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde

meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave

temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais

daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o

tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10

corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute

limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se

comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro

elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao

segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15

irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro

pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas

devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da

alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c

XCIII

XVI

Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν

π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ

π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν

υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ

Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5

π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν

υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν

π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ

π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν

α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10

φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν

α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν

αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν

υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν

Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15

Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν

Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν

ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ

94

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI

A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas

quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de

Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e

associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8

Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto

eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na

conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo

as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos

tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia

de cada uma das divisotildees da alma

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma

Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico

Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Irracional Racional

Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes

Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional

Oitavas Oitava grave Oitava aguda

Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o

segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras

naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)

parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois

Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no

capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195

supra

95

333 Capiacutetulo XVII

E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que

conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema

perfeito215

assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo

semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese

ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216

5

ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o

sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na

qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior

e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217

tonal e estar limitado pela potecircncia da

voz218

ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219

para uma vida mais elevada bem como o 10

[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio

evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os

saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada

homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio

sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15

lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem

221 fala claramente desses dois tipos

de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil

e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os

deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares

ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20

215

A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216

Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e

disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro

meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217

O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das

mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a

passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da

primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude

para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27

como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218

Cf III 6 n 131 supra 219

Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra

220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo

ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221

Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d

XCV

XVII

Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν

Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν

υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν

ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν

ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5

ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν

αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν

Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν

π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10

α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]

α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν

α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν

Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν

π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν

π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15

π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν

ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν

Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν

ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20

π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ

96

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII

Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma

no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes

correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama

especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no

tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua

forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o

bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano

Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para

temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a

dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical

(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o

que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano

no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase

dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como

uma tarefa aacuterdua dada a cada homem

Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos

que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo

(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa

divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando

os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no

cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o

livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute

um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III

reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto

97

335 Capiacutetulo XVIII

Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm

relaccedilotildees simpaacuteticas222

com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos

mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o

primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223

agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem

com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5

elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224

nuacutemero segundo o

qual dizem225

os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6

obteriacuteamos 210 [118]

nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226

E

mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees

riacutetmicas227

igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228

dos 10

quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si

mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos

o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo

formados os bebecircs de nove meses229

E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15

nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem

vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230

Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo

tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231

Poreacutem natildeo participando de todas

jamais chegam a nascer vivos232

222

O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223

Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224

Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225

Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol

2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles

distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226

Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227

Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I

14 228

A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229

Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos

diferentes 230

Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231

Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo

da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45

multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a

gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que

assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere

Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da

gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232

Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An

408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo

XCVII

XVIII

Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν

υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν

α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν

Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5

π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ

Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ

απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]

αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν

Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10

π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ

Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ

Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ

π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν

Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15

α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν

α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ

αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν

π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν

α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20

98

Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20

intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos

consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve

tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo

da alma para a nobreza viril233

da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave

virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25

beleza234

durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos

alveacuteolos pulmonares 233

Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel

e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave

virtude da temperanccedila 234

Rep 403c

XCVIII

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ

Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ

υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ

α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν

π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25

Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ

403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ

99

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII

O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial

sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos

em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral

do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III

4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma

racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer

maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as

comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento

racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que

presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero

geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de

Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A

Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no

estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The

Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular

interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no

anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion

2008 p 2092)

Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os

caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos

hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der

Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave

teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo

pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De

animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo

Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais

adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero

platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades

100

337 Capiacutetulo XIX

Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que

constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a

piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra

por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar

enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5

icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente

quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por

meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais

estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da

aacutegua239 10

Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o

nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela

semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o

outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o

doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15

com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um

intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a

proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242

235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo

C

XIX

Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ

ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ

αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν

α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ

φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5

α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν

ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν

πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ

πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10

ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν

α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ

αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ

υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ

101

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX

O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo

anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio

deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos

quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados

segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares

Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-

56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das

associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos

os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-

d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo

Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que

compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos

sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees

Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo

Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo

Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono

Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera

Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno

Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q

agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o

fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas

exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a

hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente

pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos

aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo

do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o

icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala

A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta

(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)

102

339 Capiacutetulo XX

Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois

uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o

corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos

brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo

momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5

assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem

arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que

prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma

pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos

nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10

idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som

diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho

aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a

natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis

(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15

fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa

voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre

os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo

sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as

243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27

CII

XX

Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν

ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ

α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ

Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν

ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5

π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ

π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν

Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν

α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10

Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν

ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν

α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν

ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν

Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15

αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν

Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν

Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν

Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν

α Ν υ Ν 20

103

realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20

conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente

impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo

obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria

bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem

subjacente agraves notas musicais252

E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253

a cada 25

uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas

252

Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253

Cf II 12-14

CIII

ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν

φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν

πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ

π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν

α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25

π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ

υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν

πα α έ

104

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX

Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a

oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo

Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys

material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos

abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui

como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata

to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze

quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o

quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos

quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista

completa na ordem seguida por Teacuteon

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia

2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia

3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade

4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice

A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato

como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)

Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle

(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)

disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado

em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)

A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das

esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada

por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp

135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos

natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de

Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja

105

contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o

conhecimento necessaacuteriordquoέ

106

341 Capiacutetulo XXI

Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino

No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute

uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra

dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A

esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5

emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua

de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia

participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos

corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a

chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10

semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave

nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das

vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que

dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas

noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15

familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a

deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela

possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a

esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva

por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20

mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas

atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma

equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como

254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23

CVI

XXI

Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν

ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ

υΝ ὸ [121]

Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν

υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5

ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν

ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ

Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν

υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν

Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10

α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ

α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ

π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ

υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν

ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15

αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ

ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν

αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ

αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ

Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20

πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν

α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]

Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ

Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν

ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ

α ὰ 25

107

Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute

casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25

enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A

partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260

poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261

Se

atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim

sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30

planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas

Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do

que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de

forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo

tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262

Uma vez mais portanto satildeo sete as 35

notas remanescentes263

as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que

a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um

poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas

remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas

ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40

que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos

Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada

atraveacutes do eacutepsilon [123]

pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de

dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264

do primeiro par

e do primeiro iacutempar 45

260

O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261

Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo

com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu

(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em

aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262

Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada

quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero

bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas

apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a

modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu

maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263

A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264

Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5

correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro

nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar

CVII

Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν

π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ

υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ

π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν

Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30

Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν

π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν

π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ

ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν

αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35

φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν

α Ν ῖ Ν α α έΝ

Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α

π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν

ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40

α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν

α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν

π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν

π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]

ὰ ξ ρΝ

Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45

Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ

ὸ Ν υ έ

108

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI

Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em

II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo

associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo

desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais

intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter

masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do

primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)

superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a

qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a

ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas

notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta

Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida

estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem

outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute

associada ao eacutepsilon

Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais

correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino

feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os

planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava

do SPI fica como exposto a seguir

Figura 14 - Planetas e notas I

Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as

notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados

agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as

109

regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem

unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees

contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo

ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono

Figura 15 - Triplicidades

Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave

mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que

penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo

a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui

Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as

triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece

muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de

Ptolomeu que vem a ser a seguinte

A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries

Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade

correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda

maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio

A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e

Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo

compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta

triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute

que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus

Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para

as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois

110

quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente

masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira

ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino

associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima

Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de

ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-

feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da

ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das

triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e

Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso

poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente

segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que

se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)

Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com

as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste

capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como

expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o

intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos

planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa

necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas

de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu

Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III

A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece

dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen

conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para

Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma

mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de

potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave

nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por

razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A

disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir

265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar

111

Figura 16 - Planetas e notas II

Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre

vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as

sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile

Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no

serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute

aquele momento

112

343 Capiacutetulo XXII

Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada

um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves

notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota

acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o

terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5

zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco

relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da

consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que

tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada

organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10

como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash

que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila

onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos

dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo

266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II

CXII

XXII

Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν

Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ

ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν

ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν

α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5

ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν

α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν

Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ

ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ

υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10

α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ

Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ

113

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII

O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea

e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava

ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos

dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que

se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva

disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)

liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia

(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)

Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde

primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie

hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo

anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton

teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese

de que resultaria entatildeo a ordem a seguir

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa

Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia

Tetracorde Primeiro Meacutedio

O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos

(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de

qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a

espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os

graus do SPI

O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as

espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no

capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil

interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias

Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas

114

do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no

zodiacuteaco

Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do

SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda

se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se

utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de

oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso

Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem

das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave

doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as

notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave

espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala

ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma

ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie

hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano

tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com

a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por

diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima

Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia

Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico

Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que

corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma

Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por

Colomer e Gil no capiacutetulo anterior

Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos

quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias

relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia

dos toacutenoi se inverte na oitava aguda

115

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco

Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio

Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico

116

345 Capiacutetulo XXIII

E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim

divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais

jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional

caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5

reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional

denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo

situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse

triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a

quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10

caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais

desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino

como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco

sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279

Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15

natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos

setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados

entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis

o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero

nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20

igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a

razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo

a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285

273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32

CXVI

XXIII

Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν

ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν

Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ

α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5

ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]

πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν

ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν

Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ

π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10

Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν

ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν

ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ

π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν

α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15

ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν

Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ

π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν

φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ

αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20

α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν

Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ

117

Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286

Por isso eacute que tendo

dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25

trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles

domina ao longo de dez dias288

ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero

perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da

circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289

Cada um

deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30

acircngulos agudos formando doze segmentos290

Dois desses segmentos formam o lado de um

hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291

Trecircs deles formam o lado de um quadrado e

estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292

Quatro formam o lado de um

triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em

outro293

Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294

natildeo estabelecendo nenhuma 35

proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem

relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades

anteriores forma o diacircmetro295

Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero

maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois

o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40

nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296

285

43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286

Rep VIII 546c 287

Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do

signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do

horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco

completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288

Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O

tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias

dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289

360ordm 90ordm = 4 290

90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291

Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um

segmento em relaccedilatildeo ao outro 292

Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293

Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em

razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294

Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295

180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de

oitava e quinta com o hexaacutegono 296

Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica

relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre

razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18

CXVII

υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν

υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π

ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25

υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν

Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν

α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν

α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ

Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30

αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν

Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν

α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν

π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν

π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35

Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ

Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ

α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν

υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν

πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40

118

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII

Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a

segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do

tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o

zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla

oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o

zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no

cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma

racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao

nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de

base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees

que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana

Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo

capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia

correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco

que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu

(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele

estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as

consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele

mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico

119

347 Capiacutetulo XXIV

Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram

atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo

estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons

musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297

(seja na mescla corpoacuterea

na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5

compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade

De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os

saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida

Assim o afirma [126]

igualmente no Timeu298

o divino Platatildeo que o demiurgo299

da alma

tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10

natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o

intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300

novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo

dupla ateacute o oito301

e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302

Platatildeo ter-se-ia

expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15

individual no acircmbito nas artes303

quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute

outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um

lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o

princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees

mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20

igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel

de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a

profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se

vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente

propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25

297

Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298

35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag

22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299

Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300

As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia

intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro

indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise

completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301

A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302

A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303

A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)

deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II

CXIX

XXIV

Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν

φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ

π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ

Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν

φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5

αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν

υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ

Ν Νπ [126]

αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ

Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ

υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10

Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν

αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν

α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν

π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ

α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15

Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν

ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν

Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν

α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν

(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20

α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν

α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν

υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν

120

ocorre de a alma tender para o melhor304

ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar

relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos

divisiacutevel

Mas igualmente os maiores bens da alma305

disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes

agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30

com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306

(pois cada apreensatildeo

intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda

posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute

anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o

excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35

iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a

igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto

tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das

partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre

as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40

por meio da heacuteptada ()307

vemos o saacutebio308

dispor o discurso acerca da alma de modo duplo

a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e

a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da

mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309

Isso se haacute de tornar claro no diagrama310

da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45

dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a

forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais

retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre

superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do

304

Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305

As virtudes Cf III 16 306

Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307

Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem

como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio

estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda

εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos

que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p

527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na

traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308

Platatildeo Timeu 35b-36a 309

As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310

O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra

CXX

Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν

α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25

Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ

π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν

α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ

π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ

Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30

π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ

υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν

α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ

Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ

α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35

Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν

ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν

Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν

π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40

ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν

ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ

Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν

υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν

πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45

121

seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50

do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311

pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312

adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio

Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se

percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55

Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso

do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo

expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute

foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as

partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60

aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua

emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que

analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao

senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do

universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65

que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a

imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a

instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim

311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23

CXXI

Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν

πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν

π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ

Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ

α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50

αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ

αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν

υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν

π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν

υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55

ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν

υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν

φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν

ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ

υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60

ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν

φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν

πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ

122

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV

A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que

Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais

alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos

capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e

aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem

seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo

demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)

Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos

nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera

mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em

reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de

caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-

525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em

virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao

capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade

expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa

(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas

poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se

como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica

expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute

assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu

a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o

quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel

O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes

na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave

geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss

1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411

ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir

123

Figura 17 - Dupla tetraktys I

Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157

Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo

de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen

(p 53) sugere outra figura

Figura 18 - Dupla tetraktys II

Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo

desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o

diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as

proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os

termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um

membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois

intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O

recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas

Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees

teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da

muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5

124

349 Capiacutetulo XXV

Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320

eacute o primeiriacutessimo e mais natural

princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo

em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]

e no esquecimento assoberbada

de agitaccedilotildees e estiacutemulos321

e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve

momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5

sabedoria322

] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de

loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos

indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323

moderam a irracionalidade natural (tal como fazem

os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o

medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324

Por isso 10

eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser

purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as

emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais

ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma

mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15

um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no

igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o

tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo

claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior

ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]

Quanto agrave melodia (quer 20

entedida enquanto partes dos sistemas327

quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo

musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na

320

υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das

paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p

430 321

Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322

Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129

Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323

Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-

104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324

Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela

envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em

detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325

Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de

Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326

Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo

planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327

Enquanto escalas meras sequecircncias de notas

CXXIV

XXV

α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν

υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν

ᾳ [129]

αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν

π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν

Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5

ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν

ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν

Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν

π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν

ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10

α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν

αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν

Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ

ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν

Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15

Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ

Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ

υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ

ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20

125

posiccedilatildeo das letras328

das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave

terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as

geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25

maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se

associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329

) deve-se associar

ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do

deus330

que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau

estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30

aos demais elementos331

Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos

enquanto a ordem da alma ()332

eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja

substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333

a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao

passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um

ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334

Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35

sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se

corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335

328

Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma

posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a

disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf

II 14 III 21 329

Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo

simboacutelica 330

Apolo 331

Cf II 19 (92 5-8) 332

Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em

Mathiesen p 65 333

I 13 (318) 334

Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto

em Feacutedon 70d-72d 335

O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)

CXXV

Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν

Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν

υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν

Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25

π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν

π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν

α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ

Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ

Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30

α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ

π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν

π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν

φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ

Ν α έ 35

126

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV

A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo

anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao

progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento

do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a

em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades

inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no

entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos

organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma

Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla

corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da

corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da

relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos

do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou

geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas

que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das

contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico

e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete

ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo

riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado

o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas

127

351 Capiacutetulo XXVI

Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele

perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem

sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e

nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de

abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5

coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja

intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os

princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as

migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a

idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10

certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na

casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio

da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a

predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na

τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15

retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados

Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel

denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que

pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o

futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20

que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre

336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200

CXXVII

XXVI

ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν

ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν

α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν

π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν

αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5

Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ

α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν

α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν

Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ

Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10

Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν

α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν

υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν

Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν

Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15

Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν

α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν

Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ

Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20

128

passiacuteveis de mudanccedila345

Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a

ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave

economia coacutesmica [132]

nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no

seu desenrolar346

Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347

testemunha igualmente que isto eacute 25

assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos

disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia

fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora

destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer

(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30

colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ

Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz

ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre

os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo

divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35

eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo

oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente

ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o

profeta do universo352

teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso

parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40

δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada

indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que

naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ

345

Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o

paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5

346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d

Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do

devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta

Veterum Stoicorum B7-8 347

Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus

oraacuteculos 348

Heroacutedoto IX 43 7-8 349

αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e

contingecircncia 350

Odisseia VIII vv511-512 351

Iliacuteada III v59 352

Apolo

CXXVIII

α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ

πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ

αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν

Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ

πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25

πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν

α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν

Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ

Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν

πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30

ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν

α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν

α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν

π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν

π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35

α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν

α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ

ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν

ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν

υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40

υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν

Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ

129

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI

Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo

os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ

necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia

impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona

explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois

campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute

tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos

ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na

vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de

acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A

trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna

difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave

liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute

ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila

pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de

acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q

pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica

ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas

antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da

participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na

sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se

distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como

veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade

enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um

acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir

130

353 Capiacutetulo XXVII

Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a

essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros

sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma

nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado

esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5

escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins

de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e

leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a

participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas

merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10

verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe

aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e

tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o

profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e

auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15

ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada

uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a

perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo

que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da

geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20

propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo

A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber

353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c

CXXX

XXVII

α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν

Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν

α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ

ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν

π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5

Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt

ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ

φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ

π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν

π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10

απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ

Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν

Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν

αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ

φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15

πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν

υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν

υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν

υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν

Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20

υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ

Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν

φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ

131

Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com

perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360

que nos levou a essa empreitada

e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25

como dizem foi de todo mau361

pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que

no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo

quanto eacute relativo agrave muacutesica

360

Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa

invocaccedilatildeo 361

Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf

Mathiesen p 57 n 244

CXXXI

αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25

αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν

πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν

υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ

132

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII

No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando

seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem

como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave

filosofia com que encerra seu tratado

Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um

esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para

dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou

o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a

perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse

reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa

conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez

vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade

assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da

natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se

para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na

(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo

contato com o inteligiacutevel

Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso

da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa

imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo

filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em

π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos

π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o

mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e

moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos

termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como

ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja

proporcional e semelhante

362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329

133

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Page 3: LIVRO III DO TRATADO DA MÚSICA DE ARISTIDES …

Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo Cristiane Rodrigues da Silva ndash CRB 91746

Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo ndash UFPR

Morais Fernando Luiacutes Barreto de Αρ ου ο α ου π ρ ου η liber III introduccedilatildeo

comentaacuterio traduccedilatildeo e notas Fernando Luiacutes Barreto de Morais ndash Curitiba 2016

185 f Orientador Prof Dr Roosevelt Arauacutejo da Rocha Juacutenior

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute

1 Muacutesica Grega Antiga 2 Da Muacutesica ndash Aristides Quintiliano 3 Filosofia Antiga ITiacutetulo CDD 875

Y a-t-il une possibiliteacute pour que dans le creacutepuscule

nous puissions saisir quelque chose de ce qui a eacuteteacute ἔrsquoaἡroreς ἁ a-t-il quelque chose qui dans le dernier moment reponde au premier moment Nous sommes peut-ecirctre dans une nuit qui va preacuteceacuteder un nouveau jour Nous sommes agrave la veille du plus enorme changement sur la terre Est-ce que dans cette nuit nous ne pouvons pas avoir quelques clarteacutes sur ce quit fut ἔrsquoaἡbe de la penseacutee ἐἡἕaἑne et sἡr ἔrsquoorἑgἑnaἑre agrave venir

Martin Heidegger

(Arnoux 1960 p8 apud M Jean Wahl δrsquoἑdeacutee drsquoecirctre cἐez ώeἑdegger 1951)

RESUMO

Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III

Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga

ABSTRACT

This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole

Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music

Agradeccedilo

Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e

aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo

A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes

Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea

Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas

E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos

meus estudos

IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123

IacuteNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Triacuteades 82

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo 10

11 Autor e obra 12

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24

14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32

21 Teoria harmocircnica 32

211 Gecircneros e nuances 33

212 Sistemas 34

213 Tom tropo e harmonia 38

214 Modulaccedilatildeo 40

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41

3 Traduccedilatildeo do Livro III 49

31 Capiacutetulo I 49

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52

33 Capiacutetulo II 54

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56

35 Capiacutetulo III 58

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59

37 Capiacutetulo IV 60

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62

39 Capiacutetulo V 63

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64

311 Capiacutetulo VI 65

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67

313 Capiacutetulo VII 68

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70

315 Capiacutetulo VIII 71

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73

317 Capiacutetulo IX 74

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75

319 Capiacutetulo X 76

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79

321 Capiacutetulo XI 80

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82

323 Capiacutetulo XII 83

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85

325 Capiacutetulo XIII 86

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87

327 Capiacutetulo XIV 88

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90

329 Capiacutetulo XV 91

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92

331 Capiacutetulo XVI 93

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94

333 Capiacutetulo XVII 95

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96

335 Capiacutetulo XVIII 97

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99

337 Capiacutetulo XIX 100

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101

339 Capiacutetulo XX 102

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104

341 Capiacutetulo XXI 106

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108

343 Capiacutetulo XXII 112

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113

345 Capiacutetulo XXIII 116

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118

347 Capiacutetulo XXIV 119

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122

349 Capiacutetulo XXV 124

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126

351 Capiacutetulo XXVI 127

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129

353 Capiacutetulo XXVII 130

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133

10

1 Introduccedilatildeo

Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor

Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato

com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo

desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites

com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos

menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o

modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja

como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos

Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto

ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural

estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q

me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia

pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e

preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas

Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais

deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo

aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um

contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a

chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias

talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos

ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e

longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e

fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da

razatildeo e da liberdade

A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade

voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre

me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que

coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas

amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa

vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos

justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute

11

certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo

natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado

proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso

Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos

parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de

universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de

pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo

(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do

tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que

pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas

sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma

A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra

certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita

avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma

antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como

expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio

preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente

humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui

importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo

Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do

espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos

descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou

desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o

espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende

nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra

demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige

cuidados

Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger

Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria

antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na

plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que

infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um

campo de treinamento

12

Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento

de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito

estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias

destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos

aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que

frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar

destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem

consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano

tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto

capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios

Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que

favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em

algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-

1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a

consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-

15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na

medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos

natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e

serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho

Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano

11 Autor e obra

Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito

deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda

outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio

provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome

romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha

pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em

algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum

segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico

restou de Aristides Quintiliano

1 II 10 32-34

13

Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado

a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo

registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido

aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de

seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains

unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early

source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec

XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece

associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar

A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash

c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George

Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel

Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente

moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o

impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e

secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais

a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da

obra

Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em

algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et

Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois

motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque

evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De

Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse

terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento

e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica

2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68

14

musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada

impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum

Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam

A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute

hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus

Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese

foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor

da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-

Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo

no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola

publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua

elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez

situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em

fins do seacutec IV

Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o

argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque

aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das

exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica

desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o

desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel

Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro

musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33

9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12

On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5

15

vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse

conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que

considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)

ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las

conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que

χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o

conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa

amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de

Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely

technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by

contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are

introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ

Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em

III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual

eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo

capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do

alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten

coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ

Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente

num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido

de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a

hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de

uma data posterior para o Da muacutesica de A Q

Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e

neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas

ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees

de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e

encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps

2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de

Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo

alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e

19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica

16

sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325

dC)

Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do

descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso

tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por

Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do

destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir

poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo

a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto

Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)

Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo

ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o

Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas

que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo

transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera

individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais

Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash

natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao

periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no

17

seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-

161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade

Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que

estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem

retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao

imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute

conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del

ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ

Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois

paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou

lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o

emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460

exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem

duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de

Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado

Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco

Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do

autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem

ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que

fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de

Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra

verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo

platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os

interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas

(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que

propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere

a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)

Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima

inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que

21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1

18

abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em

Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do

assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida

importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como

termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas

e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural

Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o

preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um

provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos

amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da

identidade do autor

Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos

que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a

maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com

a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente

estabelece

Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo

liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio

Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo

definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e

ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja

ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido

ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel

AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo

contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior

aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa

coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz

Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece

qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ

Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por

Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A

24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)

19

conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e

amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e

Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como

alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno

Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a

Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome

Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um

Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico

que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo

natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides

Quintiliano

Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a

certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar

o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio

Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92

Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio

Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como

faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter

recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio

e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a

miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo

esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto

no presente quanto no passado

Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides

Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura

26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)

20

bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos

musicoacutegrafos aacuterabes28

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo

O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os

mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII

(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A

Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e

tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja

transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o

nome de terceiros

Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do

livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do

periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos

ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica

Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de

Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos

diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem

(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo

teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de

origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos

27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ

υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6

21

de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a

sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica

Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter

tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a

permanecircncia do interesse pela obra de A Q

No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no

fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico

e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo

a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa

traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio

provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides

Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de

Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo

entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente

conheceram Aristides Quintiliano36

O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais

importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em

1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37

por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38

Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e

32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica

22

Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes

por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de

conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia

o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo

comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da

coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX

como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano

Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45

acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em

1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de

Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)

began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music

theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus

complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo

O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op

cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente

citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o

livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado

tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais

ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende

que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado

O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo

os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento

dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por

40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi

23

Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com

exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo

Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que

serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de

Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda

notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem

parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia

do original grego

No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um

pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos

frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por

exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o

artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren

Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54

Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico

filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos

de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de

reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega

Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a

publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de

estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J

47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963

24

Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O

estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de

mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada

nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou

ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew

Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da

Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que

procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen

Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60

igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos

antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q

para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de

tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica

dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute

desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo

ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62

ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a

seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ

Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica

tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor

declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de

conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com

o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)

deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos

Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte

explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui

o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a

58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248

25

alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado

fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e

portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo

Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende

refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura

mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e

ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a

unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio

imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs

patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino

no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados

sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que

sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63

E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata

que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de

acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a

tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de

que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em

seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou

dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que

natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios

mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua

inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-

se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna

No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que

chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o

preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente

conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido

de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e

63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel

26

objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma

participaccedilatildeo ou aspecto

O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de

meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker

(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica

proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the

movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria

enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo

conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da

definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um

pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno

musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores

A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante

Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a

menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de

Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo

fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α

) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo

(π π [] [] υ )

Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a

melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a

tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica

Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste

como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele

no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado

A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua

vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ

tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos

que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da

muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical

65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ

αὶ] α αῖ rdquoέ

27

entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma

disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica

A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica

aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute

somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da

muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais

generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica

aritmeacutetica desempenha um papel instrumental

Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute

anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em

criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo

musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro

a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q

O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina

artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde

ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de

elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo

28

dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos

(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67

O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das

paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as

afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa

a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de

certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas

para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua

Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ

α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma

consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de

uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou

irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)

Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas

partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo

indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida

Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim

como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma

irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em

mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma

Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos

a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de

Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que

reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo

Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e

Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete

e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e

em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de

Halicarnasso

66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C

29

O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das

doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado

entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A

questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada

estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da

muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia

de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral

e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo

do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo

reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo

dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste

trabalho

14 Uma proposta de traduccedilatildeo

O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a

Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a

toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez

que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no

acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma

harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica

Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto

sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do

cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as

premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse

noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo

Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas

do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente

agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da

70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)

30

Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se

no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os

capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil

situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no

cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue

essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen

Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta

traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo

de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado

capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu

verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos

livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e

referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por

versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra

inteira

Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse

predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de

sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa

arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da

linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio

ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima

luminosidade ndash na segunda parte do livro III

Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo

filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo

acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato

histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste

experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua

transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de

empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que

nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se

torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na

cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe

A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez

inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a

31

compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit

p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o

reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de

um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a

originalidade das ideias que faz do Da muacutesica

lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)

Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo

talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece

agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem

natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas

diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica

de fazer sonhar

O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de

certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-

modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia

protocolar seja de condescendecircncia arrogante

Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu

pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que

convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-

lhes o caminho

71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ

32

Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a

mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica

aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os

capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios

de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III

Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo

resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a

conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando

para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica

Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito

potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala

no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos

os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)

Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos

de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar

como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica

registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento

musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso

recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras

Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria

musical grega o tetracorde

Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que

compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o

tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou

intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia

pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado

harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo

33

que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento

nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima

formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas

eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C

fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que

veremos a seguir

211 Gecircneros e nuances

Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas

que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de

quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo

moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o

gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e

semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash

T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia

T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila

maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e

enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior

Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de

diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica

(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica

Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o

fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente

adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico

padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica

profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o

gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom

posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente

iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade

eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e

profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero

cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico

remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente

34

utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu

emprego em estado puro

Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou

nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute

referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de

semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)

O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom

semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um

terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero

(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma

diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou

ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de

tom)

212 Sistemas

Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda

sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por

conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo

na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde

cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo

Figura 2 - Tetracordes conjuntivos

No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades

doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a

configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas

35

Figura 3- Tetracordes disjuntivos

Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento

disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que

dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento

conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes

completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave

lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os

desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita

dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por

Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema

apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser

estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia

Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave

(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda

do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito

precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes

Figura 4- Sistema perfeito de oitava

Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito

Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave

sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas

36

primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o

tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado

por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de

que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira

heptacorde de tipo eoacutelico

Figura 5- Sistema Perfeito Menor

Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido

outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom

disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois

pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo

par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e

hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ

Figura 6 - Sistema Perfeito Maior

Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz

Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava

aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema

de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo

das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a

nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das

37

primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A

terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa

(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de

enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike

hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde

que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das

meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente

Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde

disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do

nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do

primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima

nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a

penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da

uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia

(paramese)

Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior

O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze

notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas

indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para

chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo

da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo

(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema

Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)

38

Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel

Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um

grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia

correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala

numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que

tratam os conceitos de tom tropo e harmonia

213 Tom tropo e harmonia

Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia

No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete

combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava

ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da

primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as

expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o

gecircnero diatocircnico satildeo

Mixoliacutedia STTSTTT

Liacutedia TTSTTTS

Friacutegia TSTTTST

Doacuterica STTTSTT

Hipoliacutedia TTTSTTS

Hipofriacutegia TTSTTST

39

Hipodoacuterica TSTTSTT

Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato

de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma

ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na

engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a

junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica

harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo

terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia

exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento

certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso

simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal

como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo

do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas

citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que

parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a

doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas

Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo

e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12

Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica

elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado

na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo

Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)

deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados

A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou

mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs

acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um

tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas

de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada

grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem

geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada

tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)

possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para

quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do

40

hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram

recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que

ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para

diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos

respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico

com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada

tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de

quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com

seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)

214 Modulaccedilatildeo

Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria

de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre

que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo

Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o

sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e

mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a

dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que

essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano

elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam

se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de

oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico

ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o

depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e

por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e

que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon

Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-

se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano

no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos

(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso

agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema

do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no

41

livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno

abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano

Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso

eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si

mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e

indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo

inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo

masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que

surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da

proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo

feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )

a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem

Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A

natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash

forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )

Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave

imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo

central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica

tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um

antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou

reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para

este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e

ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III

Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que

extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas

satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria

visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II

32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa

com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade

humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da

42

razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada

com exclusividade agrave filosofia

Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da

alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e

particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego

ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre

educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos

dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No

entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs

razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave

alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo

eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada

com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial

destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees

racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo

musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II

Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave

muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem

duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica

( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando

determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute

vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas

caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral

( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de

aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a

alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )

Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a

muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo

mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e

ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu

nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando

por fim no ato propriamente dito

Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez

das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses

43

mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado

o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves

paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a

essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente

as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem

como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que

podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver

sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma

virtude ainda ausente teraacute sido inoculado

Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo

estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo

masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo

entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o

feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para

Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash

talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas

Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ

Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica

e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as

escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os

instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente

masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim

diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os

posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e

viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute

humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma

espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio

Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual

E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica

quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo

No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma

oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo

por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz

Quintiliano (II 114-31)

44

() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas

Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam

o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas

uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo

designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as

mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para

designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse

incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o

emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no

que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes

e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ

Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem

observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor

desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma

da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das

letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes

Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes

que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais

proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias

enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais

45

proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em

relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade

As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de

articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua

vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto

meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais

tau delta e theta As guturais capa gama e khi

Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio

entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as

aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a

expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e

portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo

formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a

analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais

ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou

masculino)

Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas

breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza

intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade

(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash

formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste

mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal

feminina por excelecircncia

No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron

ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota

o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute

excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos

trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao

fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de

masculinidade satildeo α

72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo

46

Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas

palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento

Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo

dessa consoante

Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou

misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota

acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira

nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes

satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se

repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)

cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A

uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo

de oitava formado com a nota acrescida

Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo

Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio

dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem

satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos

instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da

primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do

descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material

entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os

instrumentos musicais

A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando

o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do

universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele

recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do

73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5

47

alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de

ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e

afundando-se na profundidade corpoacuterea

Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos

ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses

ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (

α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao

corpo

Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa

regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves

realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma

esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia

produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto

as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O

terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse

composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo

mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado

o nome de harmonia

Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de

nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a

origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo

sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos

de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a

alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas

liras postas lado a lado

Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato

dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico

potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo

74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ

48

outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)

Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel

com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana

enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos

quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees

( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma

Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a

certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre

Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos

(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma

enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de

acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com

que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares

Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos

e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma

agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo

brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira

doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )

satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina

acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem

menos) que o cumprimento dessa promessa

49

3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I

[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica

Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da

natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos

Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na

paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5

coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos

intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo

duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das

cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual

provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10

dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o

intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo

sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos

descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo

sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15

relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo

sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo

dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo

sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla

Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20

mencionados

76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43

XLIX

Α Ν Α Ν Ν Η Ν

I

[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν

Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν

π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ

π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν

Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5

αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν

ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν

Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν

α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ

πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10

ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν

α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν

ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν

π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15

π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]

Ν Ν π Ν Ν

ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν

Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ

α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν

α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20

50

E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou

seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81

assim procederam sabendo que o

intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros

dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25

sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia

ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82

e para o oito em razatildeo

sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que

a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um

tom consistia numa razatildeo sesquioitava83

E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30

Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados

termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero

pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo

se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute

para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35

dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior

Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84

a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que

quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo

quer acima da nota anterior e [96]

quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a

nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40

tenham dado a esse intervalo o nome de resto85

Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas

causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo

dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio

intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que

entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45

Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na

proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em

partes desiguais

81

Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )

da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82

86 = 43 96 = 32 83

(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84

Livro I Cap 11 85

α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta

na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A

Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes

L

υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν

υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν

ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ

Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ

Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ

Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν

Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν

υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30

α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν

α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν

Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν

Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν

φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35

Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν

ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ

αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν

π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν

α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40

α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ

α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν

α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν

α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ

α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45

π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ

51

Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto

exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50

duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que

estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo

estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817

mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo

192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55

muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica

inteligiacutevel86

86

Timeu 36b

LI

υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν

υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ

Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν

Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50

φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ

α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ

Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ

π ὺΝ π α Ν έΝ

52

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I

Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um

benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora

a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo

menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer

necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee

depende do que foi estabelecido anteriormente

Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica

e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material

da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee

uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma

mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz

passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente

verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da

natureza enquanto muacutesica

Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como

paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo

dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso

algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no

tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos

intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na

irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute

mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual

natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do

sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa

autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao

nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de

interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a

aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica

entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da

astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse

sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque

53

da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo

da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo

Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao

inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto

que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros

diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles

manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero

como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)

Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste

livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal

recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A

insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto

( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica

critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)

cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando

particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes

ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)

87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913

54

33 Capiacutetulo II

Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar

todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos

todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua

dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste

mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5

excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via

sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes

paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a

230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as

sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10

porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os

intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio

faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta

sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92

Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15

se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda

teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do

primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o

uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da

90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro

LIV

II

Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ

υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν

π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν

ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ

υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5

πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν

α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν

π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ

Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν

α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10

Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ

αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν

υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν

π έΝ

Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15

ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν

π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν

αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν

55

corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95

se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20

teremos o primeiro dos meacutedios96

E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-

ia a nota supermeacutedia97

mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos

a primeira dos primeiros98

A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte

modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade

igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99

E dividindo uma vez 25

mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade

idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais

quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo

entatildeo um cacircnon simples sem corda100

comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele

marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30

as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada

divisatildeo do cacircnon101

95

O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis

tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96

O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97

O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98

O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99

Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de

todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de

tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada

tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100

Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam

os intervalos 101

Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio

Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937

LV

α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20

π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν

πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ

αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν

Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν

π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25

π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ

αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν

φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν

πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν

α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30

α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ

56

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II

Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos

consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos

nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com

pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute

igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero

diatocircnico

O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as

duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde

hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas

relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas

notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos

hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute

a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete

synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre

essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo

Figura 10 - Consonacircncias no SPI

Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada

tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom

com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente

57

Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel

determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a

variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q

apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave

leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa

posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis

natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do

livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu

(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu

podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic

theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon

de Esmirna e Porfiacuterio

Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o

sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo

piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria

harmocircnica

58

35 Capiacutetulo III

Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas

Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado

Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles

traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na

quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5

quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias

pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com

que foram divididas103

Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se

completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10

portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois

tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota

com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e

doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo

ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15

dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com

relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos

primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava

a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora

102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (

) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6

LVIII

III

ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν

Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν

αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν

α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν

αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5

Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ

α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν

Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν

α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν

απ έΝ 10

α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν

υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν

α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν

α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν

Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15

Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν

π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν

π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν

πὶΝ έ

59

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III

Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o

heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as

etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )

dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees

presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia

Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ

10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H

Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp

384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)

Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o

contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio

Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora

jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute

indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do

comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11

n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro

reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento

AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial

(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta

corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)

Figura 11 - Heacutelicon

Fonte Colomer e Gil 1996 p177

60

37 Capiacutetulo IV

A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos

apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do

sistema perfeito108

Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta

compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109

tomamos os nuacutemeros [100]

3 (o

primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110

e o primeiro perfeito111

) e 4 (o primeiro nuacutemero 5

sesquiteacutercio112

e primeiro nuacutemero plano em geometria113

) e traccedilamos duas retas

perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em

proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas

correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10

de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo

aritmeacutetico114

a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados

pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute

nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para

fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115

15

108

Sistema de oitava 109

O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons

e meio) 21 = 43 x 32 110

Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111

O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo

o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou

completude do 3 112

Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113

Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a

caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1

representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou

cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3

114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na

figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115

Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas

conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d

LX

IV

Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν

Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ

π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν

ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν

ὺ [100]

Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5

π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν

α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν

ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν

α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν

π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10

ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν

α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν

π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν

π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν

π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15

61

Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica

Fonte Colomer e Gil p 180

62

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV

Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam

ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a

procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto

sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da

consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um

estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros

um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda

segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A

Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes

Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo

sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura

construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as

relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes

tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras

utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-

b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de

Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da

seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica

63

39 Capiacutetulo V

Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute

que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e

mediaccedilatildeo116

) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si

mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes

dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5

modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117

harmocircnica compotildee-se

de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo

aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos

posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo

geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10

entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]

de

modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118

Sendo a quantidade dupla na

quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo

comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a

aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15

proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na

harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs

consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo

sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias

aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20

ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre

cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual

seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas

razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os

nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119

25

116

A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O

3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se

tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf

Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117

O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo

entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118

Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B

representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a

meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie

harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de

proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119

As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b

LXIII

V

Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν

( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν

ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν

Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν

αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5

Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ

Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν

π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν

π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ

ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]

Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10

α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν

π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν

υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν

Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ

lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15

α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν

π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ

ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ

Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν

π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20

Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ

ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν

ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν

πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν

α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25

π ῖ Ν α α έ

64

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V

As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo

apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas

apresentadas ao fim do capiacutetulo

A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que

na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120

Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3

obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao

acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda

os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6

formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo

de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo

dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser

divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)

e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8

Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia

aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em

dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia

aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava

assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27

(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois

termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de

quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op

cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas

entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que

compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4

6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos

termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida

surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3

120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3

65

311 Capiacutetulo VI

E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem

propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de

mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos

consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5

denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126

agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram

soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente

descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto

a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10

e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com

o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada

chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado

geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado

pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15

composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4

122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo

LXV

VI

π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ

π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν

αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν

υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5

φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ

α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν

ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν

α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν

ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10

α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν

Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )

ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ

υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν

ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15

66

somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo

resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a

esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira

consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20

quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e

se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros

seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o

primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio

proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25

assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante

caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo

acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo

acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma

proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30

dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as

consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas

proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo

sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a

razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35

nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137

133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta

LXVI

ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν

Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν

φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν

υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20

Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν

α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν

α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ

έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν

[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25

ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ

Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν

αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ

υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν

ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30

υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν

π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν

υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν

π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35

απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν

α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ

Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α

67

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI

A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se

agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees

pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente

tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um

ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros

iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel

estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada

nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends

the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa

particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)

que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes

todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a

deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute

tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se

compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente

Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo

e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute

quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo

com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular

εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna

enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores

divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns

68

313 Capiacutetulo VII

Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um

lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os

intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos

revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas

por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5

nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a

outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao

passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em

virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe

facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10

dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do

material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais

doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui

em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que

padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15

nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o

meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam

do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por

isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam

recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20

universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos

fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas

nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e

perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a

semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25

caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas

temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as

coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o

crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α

LXVIII

VII

ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν

Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]

π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ

Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν

ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ

αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5

α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν

αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν

αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ

Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ

υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10

π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν

α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν

α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ

π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15

Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν

υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ

ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ

α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α

Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20

υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν

Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]

αὶ ὸ Ν Ν

Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν

α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ

έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25

αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν

Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν

αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν

69

que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30

lunar140

E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as

fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de

Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do

ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute

disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35

coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e

a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece

rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea

natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as

consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40

140

Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por

colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada

nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro

III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem

caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade

ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves

esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas

LXIX

π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν

αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30

φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ

α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν

αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν

α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35

Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν

Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν

α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν

α Νπα Νπα π έ

70

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII

Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da

incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos

nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia

aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da

experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros

se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na

forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos

por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus

pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja

ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que

platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona

os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute

controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel

superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q

ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na

especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a

origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles

(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a

Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere

SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes

neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e

Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia

enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles

A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que

reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da

alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e

da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais

culmina seu tratado

71

315 Capiacutetulo VIII

Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes

prestam os nuacutemeros141

Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem

nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria

dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se

ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142

[106]

pois a mesma 5

proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores

(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim

tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de

ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos

fisionomistas143

Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10

eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve

atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres

perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla

no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada

trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15

perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores

(a exemplo das febres hemitriacuteticas144

) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave

esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145

essas satildeo temiacuteveis e

letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante

proporccedilotildees quantitativas 20

De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar

consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se

poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)

produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo

entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25

141

Cf Filebo 55d ss 142

Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a

beleza em si 143

O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria

uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf

Repuacuteblica livros II III e X 144

Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos

agudos em dias alternados 145

Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)

ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ

LXXI

VIII

Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν

φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν

α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν

Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν

ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5

φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν

Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν

φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν

α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν

υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10

π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν

πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν

φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν

π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ

π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15

ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν

υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ

υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ

α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν

α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20

π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ

π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν

Ν

72

amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas

vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia

intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos

meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo

racional e a concupisciacutevel146

E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]

surpreender-te-ia o 30

fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas

melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147

E dentro da

proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a

cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o

conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35

cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os

dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e

pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e

ignorante

146

Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma

racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra

mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas

eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147

Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer

e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica

como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q

LXXII

φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν

Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25

αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν

ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν

αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν

Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν

π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30

ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν

υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ

ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν

υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν

έ35

73

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII

Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica

Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da

medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma

seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de

que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as

imposiccedilotildees do destino

Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma

que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ

ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave

teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por

Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e

16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria

a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo

corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto

meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das

contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma

dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs

livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como

expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ

A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria

entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da

hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q

e seu tratado no sec II dC

Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a

teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles

(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas

Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da

consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo

Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de

vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias

508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e

74

317 Capiacutetulo IX

Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a

semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se

perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez

constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as

realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5

as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais

relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de

semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma

imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que

preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10

tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos

seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]

com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia

calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim

sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15

148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica

LXXIV

IX

Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν

υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν

α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν

υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν

π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5

π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ

π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν

α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ

Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν

υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10

Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ

ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν

Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν

α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν

ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15

πα α α έ

75

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX

Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual

essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o

breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III

dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que

Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um

espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de

opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do

tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que

mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo

ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da

alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A

Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p

195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo

entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do

mundo

O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que

assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave

intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos

76

319 Capiacutetulo X

Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja

em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de

mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito

proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no

acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151

O movimento da voz concebido sem 5

referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152

tal como as primeiras coisas

Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou

descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria

mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153

Assim tal

como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10

mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a

imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade

com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que

a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas

tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15

receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical

participa do grave como do agudo154

Dentre as notas algumas [109]

satildeo fixas outras satildeo

moacuteveis155

e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros

satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos

151

Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter

entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152

τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e

natildeo material da altura tonal 153

O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz

determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel

Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala

exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde

agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154

Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo

adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de

indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para

sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a

primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou

seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155

Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas

enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias

determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo

tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se

mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo

LXXVI

X

Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν

Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν

υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν

αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α

α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5

Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν

Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν

π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ

υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν

π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10

α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν

π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν

π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν

ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν

α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15

Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ

α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]

Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ

πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ

ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν

α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20

υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν

ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν

π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν

αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν

ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25

π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν

Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν

φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30

Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ

)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν

77

quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20

baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se

segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas

apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156

Satildeo elas com efeito o

princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as

notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25

mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157

Assim tambeacutem a respeito do universo homens

divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste

mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que

eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a

morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30

completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz

conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo

eteacutereo158

o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras

(que apresentam dois intervalos159

a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele

produzido pelos seres sublunares160

que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35

e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o

semitom e o tom161

E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e

solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns

pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo

156

Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas

baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante

desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja

anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157

As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois

tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que

A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde

Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como

perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave

Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na

eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de

passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158

Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo

269a ndash 270b 159

A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente

notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a

nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero

enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160

Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161

No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e

no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda

LXXVII

υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν

ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν

α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35

α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ

α α π ν αὶ ὴ Ν [110]

Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν

α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν

φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ

Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40

π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν

π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν

πα α έ

78

graves e tendem para a terra162

Aleacutem disso [110]

o fato de que as notas tendam natural e 40

indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o

caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual

eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o

equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos

opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163

que produzem os bons climas o crescimento 45

das plantas e a sauacutede dos animais

162

Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os

intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos

densos e porosos 163

Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute

importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas

ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da

terapecircutica eacutetica Cf II 9

79

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X

A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da

dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no

campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente

informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio

situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa

harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o

grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo

(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no

fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim

as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta

Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como

eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave

imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que

seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal

como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas

entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o

movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes

A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao

simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II

No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade

(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto

a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para

novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta

mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria

80

321 Capiacutetulo XI

O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a

natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo

ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164

designa-se a natureza intermediaacuteria165

Dentre

os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e

ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5

que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166

vem a ser tripla Poreacutem como nas

dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional

ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante

um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute

estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10

cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio

a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer

realidade perceptiacutevel167

E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem

em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs

[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies

168 o mesmo nuacutemero 15

de tons do Sistema Perfeito169

No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a

essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia

164

A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81

Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O

tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual

surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava

tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)

formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema

Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por

conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165

Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui

por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se

que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)

simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)

Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q

logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166

Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167

χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)

por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A

hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo

que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168

As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As

espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169

Ou seja o intervalo de oitava

LXXX

XI

Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν

πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν

Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ

α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ

ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5

Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν

ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν

ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν

π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν

φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10

π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν

ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ

Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν

ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν

αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15

ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ

αΝ

81

intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua

perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170

(pois o que chamamos de alma alguns denominam como

ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20

em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero

diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e

inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou

nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172

tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute

composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25

semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a

triplicaccedilatildeo173

dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por

uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma

harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio

eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174

da alma Jaacute no que diz 30

respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o

cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo

responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e

a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175

170

Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves

trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171

χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima

412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist

De anima 430a10-25) 172

Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute

o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e

cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173

Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174

A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma

Cf Timeu 36e ss 175

A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre

a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se

daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte

LXXXI

ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ

ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν

Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20

α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ

ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν

α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ

υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν

Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25

α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν

α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν

ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ

ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν

πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30

αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ

82

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI

Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a

estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve

auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees

Tabela 1 - Triacuteades

INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO

Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente

Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo

Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria

Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um

desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na

medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em

conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros

Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees

propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda

que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano

e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente

inconclusivas

Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que

tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que

permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado

Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o

gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo

83

323 Capiacutetulo XII

Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois

quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por

meio do dois e a material [112]

por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave

regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem

afinidade com o dois176

A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5

desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela

soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo

dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui

Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira

com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10

seis179

Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]

ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e

a nona a esfera natildeo astral180

O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo

trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os

uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15

o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181

Jaacute o dezessete termo meacutedio entre

os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou

176

Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano

(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do

capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter

passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave

mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos

traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o

mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa

duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o

corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria

uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e

extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao

espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177

Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178

Cf III 6 179

Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam

respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180

Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e

Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser

a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181

Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de

modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a

circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem

aacuterea e circunferecircncia iguais a 18

LXXXIII

XII

α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ

ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ

ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν

ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]

Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν

α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5

Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν

α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ

Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν

π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν

ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10

Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν

πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ

ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν

φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν

ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15

αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ

υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ

ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν

84

relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182

O trinta e seis183

ao evidenciar a diese

aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano

182

Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute

agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18

ou 9) e a parte (16 ou 8) 183

Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar

da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada

multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento

relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao

processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da

diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e

o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave

cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie

formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a

seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do

6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea

LXXXIV

ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν

α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20

υ Ν υ α έ

85

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII

Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza

mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em

que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o

nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como

unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo

participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma

extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo

ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou

material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual

A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom

manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a

322

3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas

com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a

alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute

contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o

eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao

ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no

sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos

semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo

simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular

decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3

86

325 Capiacutetulo XIII

Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se

cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e

oito185

nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]

mecircs ocorre de ser vista com essa

mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e

omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5

tons186

nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15

apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons

para novamente retornar agraves graves187

E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo

tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188

(com agraves vezes um dia remanescente)

ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10

nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o

iniacutecio do descenso

184

π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue

trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo

de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo

como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando

harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo

(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se

intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai

possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de

ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185

Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima

do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco

tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo

enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186

Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa

voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187

A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os

intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188

Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio

Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p

199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada

dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na

verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por

Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen

sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa

posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A

correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais

um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no

sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema

Perfeito Maior

LXXXVI

XIII

Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν

α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν

lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]

ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν

α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ

Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5

φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν

α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν

φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν

Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ

ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10

υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν

ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν

π έ

87

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII

No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua

ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de

mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra

alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo

(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica

(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos

lunares

A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do

gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou

tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do

Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros

modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou

mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada

Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29

dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente

e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura

do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir

88

327 Capiacutetulo XIV

Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se

mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton

assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos

bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais

pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5

do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem

disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde

denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo

entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192

com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10

comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco

situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira

e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve

comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194

dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15

mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196

Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra

sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais

proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar

pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20

189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual

LXXXVIII

XIV

Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν

ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν

Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν

π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ

αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5

Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν

Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν

Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν

αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν

φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10

π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]

π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν

α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ

πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15

π υ αέΝ

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν

Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν

ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν

Ν αὶ φ ῖ Ν 20

89

terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute

necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o

movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o

movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico

deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25

E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute

anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo

ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao

olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao

ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30

diante dele foi posto o para-vento197

das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade

depende de um corpo luminoso198

)

197

Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198

Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos

LXXXIX

Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν

π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ

α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν

ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ

αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25

α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν

π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ

ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν

ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ

αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30

α ῃ α Ν α)έ

90

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV

Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar

Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute

que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)

enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas

do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando

por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele

entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos

TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico

SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter

O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais

intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo

91

329 Capiacutetulo XV

E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada

um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os

tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente

ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute

no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5

meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por

outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo

de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre

ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a

regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10

humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos

objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido

mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio

de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a

regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15

expressa a regiatildeo eteacuterea

199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois

XCI

XV

Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν

π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν

π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν

ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν

ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5

υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν

Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν

α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π

α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν

Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10

υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν

π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν

Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ

92

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV

O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e

Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo

Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes

Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos

PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos

OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter

NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea

MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular

93

331 Capiacutetulo XVI

No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas

de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e

meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao

prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem

razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5

(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde

meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave

temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais

daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o

tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10

corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute

limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se

comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro

elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao

segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15

irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro

pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas

devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da

alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c

XCIII

XVI

Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν

π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ

π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν

υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ

Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5

π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν

υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν

π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ

π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν

α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10

φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν

α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν

αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν

υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν

Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15

Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν

Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν

ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ

94

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI

A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas

quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de

Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e

associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8

Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto

eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na

conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo

as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos

tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia

de cada uma das divisotildees da alma

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma

Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico

Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Irracional Racional

Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes

Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional

Oitavas Oitava grave Oitava aguda

Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o

segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras

naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)

parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois

Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no

capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195

supra

95

333 Capiacutetulo XVII

E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que

conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema

perfeito215

assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo

semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese

ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216

5

ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o

sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na

qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior

e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217

tonal e estar limitado pela potecircncia da

voz218

ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219

para uma vida mais elevada bem como o 10

[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio

evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os

saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada

homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio

sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15

lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem

221 fala claramente desses dois tipos

de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil

e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os

deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares

ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20

215

A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216

Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e

disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro

meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217

O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das

mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a

passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da

primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude

para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27

como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218

Cf III 6 n 131 supra 219

Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra

220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo

ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221

Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d

XCV

XVII

Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν

Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν

υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν

ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν

ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5

ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν

αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν

Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν

π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10

α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]

α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν

α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν

Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν

π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν

π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15

π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν

ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν

Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν

ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20

π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ

96

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII

Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma

no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes

correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama

especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no

tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua

forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o

bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano

Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para

temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a

dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical

(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o

que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano

no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase

dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como

uma tarefa aacuterdua dada a cada homem

Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos

que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo

(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa

divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando

os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no

cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o

livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute

um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III

reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto

97

335 Capiacutetulo XVIII

Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm

relaccedilotildees simpaacuteticas222

com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos

mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o

primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223

agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem

com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5

elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224

nuacutemero segundo o

qual dizem225

os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6

obteriacuteamos 210 [118]

nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226

E

mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees

riacutetmicas227

igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228

dos 10

quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si

mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos

o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo

formados os bebecircs de nove meses229

E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15

nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem

vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230

Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo

tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231

Poreacutem natildeo participando de todas

jamais chegam a nascer vivos232

222

O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223

Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224

Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225

Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol

2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles

distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226

Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227

Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I

14 228

A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229

Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos

diferentes 230

Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231

Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo

da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45

multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a

gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que

assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere

Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da

gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232

Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An

408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo

XCVII

XVIII

Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν

υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν

α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν

Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5

π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ

Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ

απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]

αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν

Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10

π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ

Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ

Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ

π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν

Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15

α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν

α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ

αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν

π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν

α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20

98

Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20

intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos

consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve

tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo

da alma para a nobreza viril233

da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave

virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25

beleza234

durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos

alveacuteolos pulmonares 233

Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel

e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave

virtude da temperanccedila 234

Rep 403c

XCVIII

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ

Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ

υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ

α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν

π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25

Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ

403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ

99

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII

O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial

sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos

em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral

do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III

4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma

racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer

maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as

comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento

racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que

presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero

geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de

Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A

Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no

estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The

Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular

interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no

anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion

2008 p 2092)

Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os

caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos

hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der

Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave

teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo

pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De

animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo

Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais

adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero

platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades

100

337 Capiacutetulo XIX

Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que

constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a

piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra

por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar

enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5

icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente

quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por

meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais

estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da

aacutegua239 10

Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o

nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela

semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o

outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o

doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15

com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um

intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a

proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242

235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo

C

XIX

Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ

ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ

αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν

α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ

φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5

α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν

ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν

πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ

πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10

ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν

α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ

αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ

υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ

101

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX

O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo

anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio

deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos

quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados

segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares

Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-

56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das

associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos

os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-

d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo

Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que

compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos

sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees

Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo

Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo

Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono

Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera

Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno

Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q

agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o

fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas

exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a

hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente

pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos

aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo

do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o

icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala

A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta

(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)

102

339 Capiacutetulo XX

Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois

uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o

corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos

brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo

momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5

assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem

arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que

prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma

pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos

nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10

idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som

diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho

aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a

natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis

(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15

fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa

voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre

os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo

sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as

243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27

CII

XX

Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν

ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ

α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ

Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν

ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5

π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ

π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν

Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν

α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10

Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν

ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν

α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν

ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν

Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15

αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν

Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν

Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν

Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν

α Ν υ Ν 20

103

realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20

conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente

impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo

obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria

bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem

subjacente agraves notas musicais252

E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253

a cada 25

uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas

252

Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253

Cf II 12-14

CIII

ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν

φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν

πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ

π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν

α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25

π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ

υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν

πα α έ

104

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX

Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a

oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo

Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys

material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos

abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui

como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata

to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze

quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o

quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos

quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista

completa na ordem seguida por Teacuteon

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia

2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia

3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade

4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice

A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato

como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)

Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle

(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)

disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado

em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)

A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das

esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada

por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp

135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos

natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de

Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja

105

contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o

conhecimento necessaacuteriordquoέ

106

341 Capiacutetulo XXI

Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino

No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute

uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra

dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A

esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5

emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua

de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia

participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos

corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a

chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10

semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave

nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das

vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que

dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas

noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15

familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a

deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela

possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a

esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva

por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20

mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas

atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma

equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como

254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23

CVI

XXI

Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν

ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ

υΝ ὸ [121]

Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν

υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5

ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν

ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ

Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν

υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν

Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10

α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ

α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ

π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ

υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν

ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15

αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ

ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν

αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ

αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ

Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20

πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν

α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]

Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ

Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν

ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ

α ὰ 25

107

Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute

casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25

enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A

partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260

poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261

Se

atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim

sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30

planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas

Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do

que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de

forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo

tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262

Uma vez mais portanto satildeo sete as 35

notas remanescentes263

as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que

a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um

poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas

remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas

ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40

que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos

Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada

atraveacutes do eacutepsilon [123]

pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de

dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264

do primeiro par

e do primeiro iacutempar 45

260

O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261

Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo

com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu

(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em

aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262

Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada

quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero

bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas

apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a

modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu

maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263

A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264

Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5

correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro

nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar

CVII

Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν

π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ

υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ

π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν

Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30

Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν

π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν

π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ

ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν

αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35

φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν

α Ν ῖ Ν α α έΝ

Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α

π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν

ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40

α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν

α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν

π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν

π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]

ὰ ξ ρΝ

Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45

Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ

ὸ Ν υ έ

108

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI

Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em

II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo

associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo

desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais

intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter

masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do

primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)

superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a

qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a

ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas

notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta

Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida

estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem

outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute

associada ao eacutepsilon

Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais

correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino

feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os

planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava

do SPI fica como exposto a seguir

Figura 14 - Planetas e notas I

Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as

notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados

agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as

109

regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem

unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees

contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo

ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono

Figura 15 - Triplicidades

Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave

mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que

penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo

a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui

Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as

triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece

muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de

Ptolomeu que vem a ser a seguinte

A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries

Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade

correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda

maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio

A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e

Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo

compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta

triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute

que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus

Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para

as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois

110

quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente

masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira

ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino

associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima

Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de

ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-

feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da

ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das

triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e

Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso

poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente

segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que

se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)

Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com

as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste

capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como

expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o

intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos

planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa

necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas

de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu

Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III

A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece

dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen

conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para

Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma

mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de

potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave

nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por

razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A

disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir

265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar

111

Figura 16 - Planetas e notas II

Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre

vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as

sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile

Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no

serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute

aquele momento

112

343 Capiacutetulo XXII

Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada

um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves

notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota

acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o

terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5

zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco

relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da

consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que

tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada

organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10

como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash

que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila

onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos

dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo

266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II

CXII

XXII

Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν

Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ

ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν

ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν

α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5

ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν

α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν

Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ

ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ

υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10

α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ

Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ

113

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII

O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea

e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava

ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos

dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que

se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva

disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)

liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia

(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)

Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde

primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie

hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo

anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton

teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese

de que resultaria entatildeo a ordem a seguir

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa

Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia

Tetracorde Primeiro Meacutedio

O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos

(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de

qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a

espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os

graus do SPI

O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as

espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no

capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil

interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias

Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas

114

do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no

zodiacuteaco

Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do

SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda

se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se

utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de

oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso

Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem

das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave

doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as

notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave

espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala

ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma

ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie

hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano

tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com

a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por

diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima

Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia

Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico

Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que

corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma

Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por

Colomer e Gil no capiacutetulo anterior

Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos

quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias

relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia

dos toacutenoi se inverte na oitava aguda

115

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco

Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio

Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico

116

345 Capiacutetulo XXIII

E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim

divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais

jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional

caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5

reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional

denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo

situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse

triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a

quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10

caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais

desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino

como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco

sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279

Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15

natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos

setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados

entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis

o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero

nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20

igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a

razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo

a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285

273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32

CXVI

XXIII

Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν

ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν

Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ

α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5

ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]

πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν

ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν

Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ

π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10

Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν

ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν

ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ

π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν

α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15

ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν

Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ

π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν

φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ

αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20

α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν

Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ

117

Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286

Por isso eacute que tendo

dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25

trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles

domina ao longo de dez dias288

ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero

perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da

circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289

Cada um

deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30

acircngulos agudos formando doze segmentos290

Dois desses segmentos formam o lado de um

hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291

Trecircs deles formam o lado de um quadrado e

estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292

Quatro formam o lado de um

triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em

outro293

Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294

natildeo estabelecendo nenhuma 35

proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem

relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades

anteriores forma o diacircmetro295

Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero

maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois

o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40

nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296

285

43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286

Rep VIII 546c 287

Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do

signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do

horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco

completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288

Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O

tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias

dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289

360ordm 90ordm = 4 290

90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291

Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um

segmento em relaccedilatildeo ao outro 292

Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293

Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em

razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294

Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295

180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de

oitava e quinta com o hexaacutegono 296

Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica

relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre

razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18

CXVII

υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν

υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π

ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25

υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν

Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν

α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν

α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ

Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30

αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν

Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν

α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν

π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν

π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35

Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ

Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ

α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν

υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν

πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40

118

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII

Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a

segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do

tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o

zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla

oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o

zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no

cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma

racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao

nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de

base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees

que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana

Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo

capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia

correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco

que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu

(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele

estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as

consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele

mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico

119

347 Capiacutetulo XXIV

Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram

atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo

estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons

musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297

(seja na mescla corpoacuterea

na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5

compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade

De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os

saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida

Assim o afirma [126]

igualmente no Timeu298

o divino Platatildeo que o demiurgo299

da alma

tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10

natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o

intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300

novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo

dupla ateacute o oito301

e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302

Platatildeo ter-se-ia

expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15

individual no acircmbito nas artes303

quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute

outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um

lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o

princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees

mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20

igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel

de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a

profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se

vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente

propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25

297

Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298

35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag

22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299

Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300

As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia

intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro

indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise

completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301

A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302

A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303

A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)

deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II

CXIX

XXIV

Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν

φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ

π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ

Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν

φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5

αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν

υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ

Ν Νπ [126]

αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ

Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ

υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10

Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν

αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν

α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν

π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ

α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15

Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν

ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν

Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν

α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν

(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20

α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν

α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν

υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν

120

ocorre de a alma tender para o melhor304

ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar

relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos

divisiacutevel

Mas igualmente os maiores bens da alma305

disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes

agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30

com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306

(pois cada apreensatildeo

intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda

posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute

anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o

excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35

iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a

igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto

tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das

partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre

as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40

por meio da heacuteptada ()307

vemos o saacutebio308

dispor o discurso acerca da alma de modo duplo

a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e

a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da

mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309

Isso se haacute de tornar claro no diagrama310

da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45

dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a

forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais

retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre

superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do

304

Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305

As virtudes Cf III 16 306

Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307

Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem

como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio

estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda

εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos

que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p

527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na

traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308

Platatildeo Timeu 35b-36a 309

As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310

O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra

CXX

Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν

α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25

Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ

π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν

α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ

π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ

Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30

π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ

υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν

α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ

Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ

α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35

Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν

ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν

Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν

π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40

ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν

ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ

Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν

υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν

πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45

121

seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50

do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311

pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312

adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio

Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se

percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55

Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso

do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo

expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute

foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as

partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60

aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua

emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que

analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao

senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do

universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65

que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a

imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a

instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim

311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23

CXXI

Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν

πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν

π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ

Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ

α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50

αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ

αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν

υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν

π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν

υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55

ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν

υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν

φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν

ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ

υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60

ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν

φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν

πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ

122

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV

A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que

Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais

alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos

capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e

aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem

seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo

demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)

Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos

nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera

mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em

reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de

caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-

525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em

virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao

capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade

expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa

(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas

poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se

como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica

expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute

assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu

a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o

quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel

O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes

na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave

geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss

1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411

ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir

123

Figura 17 - Dupla tetraktys I

Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157

Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo

de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen

(p 53) sugere outra figura

Figura 18 - Dupla tetraktys II

Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo

desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o

diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as

proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os

termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um

membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois

intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O

recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas

Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees

teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da

muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5

124

349 Capiacutetulo XXV

Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320

eacute o primeiriacutessimo e mais natural

princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo

em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]

e no esquecimento assoberbada

de agitaccedilotildees e estiacutemulos321

e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve

momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5

sabedoria322

] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de

loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos

indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323

moderam a irracionalidade natural (tal como fazem

os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o

medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324

Por isso 10

eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser

purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as

emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais

ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma

mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15

um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no

igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o

tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo

claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior

ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]

Quanto agrave melodia (quer 20

entedida enquanto partes dos sistemas327

quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo

musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na

320

υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das

paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p

430 321

Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322

Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129

Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323

Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-

104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324

Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela

envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em

detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325

Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de

Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326

Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo

planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327

Enquanto escalas meras sequecircncias de notas

CXXIV

XXV

α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν

υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν

ᾳ [129]

αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν

π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν

Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5

ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν

ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν

Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν

π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν

ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10

α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν

αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν

Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ

ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν

Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15

Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ

Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ

υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ

ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20

125

posiccedilatildeo das letras328

das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave

terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as

geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25

maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se

associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329

) deve-se associar

ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do

deus330

que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau

estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30

aos demais elementos331

Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos

enquanto a ordem da alma ()332

eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja

substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333

a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao

passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um

ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334

Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35

sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se

corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335

328

Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma

posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a

disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf

II 14 III 21 329

Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo

simboacutelica 330

Apolo 331

Cf II 19 (92 5-8) 332

Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em

Mathiesen p 65 333

I 13 (318) 334

Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto

em Feacutedon 70d-72d 335

O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)

CXXV

Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν

Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν

υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν

Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25

π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν

π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν

α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ

Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ

Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30

α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ

π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν

π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν

φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ

Ν α έ 35

126

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV

A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo

anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao

progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento

do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a

em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades

inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no

entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos

organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma

Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla

corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da

corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da

relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos

do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou

geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas

que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das

contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico

e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete

ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo

riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado

o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas

127

351 Capiacutetulo XXVI

Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele

perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem

sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e

nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de

abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5

coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja

intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os

princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as

migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a

idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10

certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na

casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio

da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a

predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na

τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15

retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados

Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel

denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que

pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o

futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20

que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre

336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200

CXXVII

XXVI

ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν

ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν

α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν

π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν

αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5

Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ

α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν

α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν

Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ

Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10

Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν

α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν

υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν

Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν

Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15

Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν

α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν

Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ

Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20

128

passiacuteveis de mudanccedila345

Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a

ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave

economia coacutesmica [132]

nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no

seu desenrolar346

Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347

testemunha igualmente que isto eacute 25

assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos

disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia

fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora

destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer

(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30

colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ

Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz

ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre

os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo

divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35

eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo

oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente

ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o

profeta do universo352

teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso

parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40

δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada

indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que

naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ

345

Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o

paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5

346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d

Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do

devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta

Veterum Stoicorum B7-8 347

Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus

oraacuteculos 348

Heroacutedoto IX 43 7-8 349

αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e

contingecircncia 350

Odisseia VIII vv511-512 351

Iliacuteada III v59 352

Apolo

CXXVIII

α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ

πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ

αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν

Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ

πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25

πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν

α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν

Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ

Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν

πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30

ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν

α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν

α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν

π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν

π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35

α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν

α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ

ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν

ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν

υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40

υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν

Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ

129

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI

Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo

os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ

necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia

impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona

explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois

campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute

tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos

ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na

vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de

acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A

trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna

difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave

liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute

ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila

pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de

acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q

pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica

ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas

antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da

participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na

sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se

distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como

veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade

enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um

acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir

130

353 Capiacutetulo XXVII

Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a

essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros

sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma

nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado

esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5

escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins

de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e

leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a

participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas

merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10

verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe

aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e

tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o

profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e

auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15

ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada

uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a

perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo

que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da

geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20

propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo

A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber

353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c

CXXX

XXVII

α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν

Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν

α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ

ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν

π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5

Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt

ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ

φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ

π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν

π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10

απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ

Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν

Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν

αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ

φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15

πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν

υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν

υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν

υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν

Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20

υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ

Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν

φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ

131

Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com

perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360

que nos levou a essa empreitada

e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25

como dizem foi de todo mau361

pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que

no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo

quanto eacute relativo agrave muacutesica

360

Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa

invocaccedilatildeo 361

Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf

Mathiesen p 57 n 244

CXXXI

αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25

αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν

πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν

υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ

132

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII

No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando

seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem

como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave

filosofia com que encerra seu tratado

Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um

esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para

dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou

o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a

perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse

reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa

conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez

vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade

assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da

natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se

para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na

(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo

contato com o inteligiacutevel

Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso

da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa

imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo

filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em

π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos

π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o

mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e

moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos

termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como

ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja

proporcional e semelhante

362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329

133

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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_______________ La manualistica musicale grega Milano Edizioni Angelo Guerini 1990

Page 4: LIVRO III DO TRATADO DA MÚSICA DE ARISTIDES …

Y a-t-il une possibiliteacute pour que dans le creacutepuscule

nous puissions saisir quelque chose de ce qui a eacuteteacute ἔrsquoaἡroreς ἁ a-t-il quelque chose qui dans le dernier moment reponde au premier moment Nous sommes peut-ecirctre dans une nuit qui va preacuteceacuteder un nouveau jour Nous sommes agrave la veille du plus enorme changement sur la terre Est-ce que dans cette nuit nous ne pouvons pas avoir quelques clarteacutes sur ce quit fut ἔrsquoaἡbe de la penseacutee ἐἡἕaἑne et sἡr ἔrsquoorἑgἑnaἑre agrave venir

Martin Heidegger

(Arnoux 1960 p8 apud M Jean Wahl δrsquoἑdeacutee drsquoecirctre cἐez ώeἑdegger 1951)

RESUMO

Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III

Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga

ABSTRACT

This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole

Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music

Agradeccedilo

Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e

aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo

A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes

Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea

Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas

E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos

meus estudos

IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123

IacuteNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Triacuteades 82

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo 10

11 Autor e obra 12

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24

14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32

21 Teoria harmocircnica 32

211 Gecircneros e nuances 33

212 Sistemas 34

213 Tom tropo e harmonia 38

214 Modulaccedilatildeo 40

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41

3 Traduccedilatildeo do Livro III 49

31 Capiacutetulo I 49

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52

33 Capiacutetulo II 54

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56

35 Capiacutetulo III 58

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59

37 Capiacutetulo IV 60

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62

39 Capiacutetulo V 63

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64

311 Capiacutetulo VI 65

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67

313 Capiacutetulo VII 68

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70

315 Capiacutetulo VIII 71

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73

317 Capiacutetulo IX 74

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75

319 Capiacutetulo X 76

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79

321 Capiacutetulo XI 80

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82

323 Capiacutetulo XII 83

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85

325 Capiacutetulo XIII 86

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87

327 Capiacutetulo XIV 88

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90

329 Capiacutetulo XV 91

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92

331 Capiacutetulo XVI 93

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94

333 Capiacutetulo XVII 95

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96

335 Capiacutetulo XVIII 97

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99

337 Capiacutetulo XIX 100

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101

339 Capiacutetulo XX 102

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104

341 Capiacutetulo XXI 106

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108

343 Capiacutetulo XXII 112

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113

345 Capiacutetulo XXIII 116

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118

347 Capiacutetulo XXIV 119

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122

349 Capiacutetulo XXV 124

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126

351 Capiacutetulo XXVI 127

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129

353 Capiacutetulo XXVII 130

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133

10

1 Introduccedilatildeo

Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor

Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato

com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo

desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites

com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos

menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o

modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja

como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos

Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto

ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural

estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q

me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia

pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e

preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas

Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais

deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo

aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um

contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a

chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias

talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos

ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e

longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e

fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da

razatildeo e da liberdade

A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade

voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre

me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que

coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas

amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa

vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos

justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute

11

certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo

natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado

proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso

Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos

parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de

universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de

pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo

(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do

tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que

pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas

sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma

A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra

certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita

avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma

antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como

expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio

preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente

humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui

importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo

Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do

espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos

descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou

desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o

espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende

nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra

demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige

cuidados

Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger

Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria

antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na

plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que

infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um

campo de treinamento

12

Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento

de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito

estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias

destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos

aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que

frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar

destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem

consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano

tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto

capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios

Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que

favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em

algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-

1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a

consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-

15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na

medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos

natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e

serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho

Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano

11 Autor e obra

Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito

deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda

outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio

provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome

romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha

pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em

algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum

segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico

restou de Aristides Quintiliano

1 II 10 32-34

13

Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado

a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo

registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido

aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de

seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains

unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early

source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec

XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece

associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar

A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash

c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George

Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel

Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente

moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o

impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e

secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais

a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da

obra

Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em

algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et

Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois

motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque

evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De

Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse

terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento

e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica

2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68

14

musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada

impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum

Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam

A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute

hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus

Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese

foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor

da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-

Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo

no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola

publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua

elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez

situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em

fins do seacutec IV

Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o

argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque

aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das

exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica

desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o

desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel

Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro

musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33

9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12

On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5

15

vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse

conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que

considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)

ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las

conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que

χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o

conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa

amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de

Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely

technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by

contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are

introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ

Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em

III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual

eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo

capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do

alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten

coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ

Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente

num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido

de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a

hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de

uma data posterior para o Da muacutesica de A Q

Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e

neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas

ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees

de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e

encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps

2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de

Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo

alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e

19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica

16

sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325

dC)

Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do

descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso

tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por

Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do

destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir

poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo

a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto

Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)

Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo

ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o

Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas

que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo

transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera

individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais

Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash

natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao

periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no

17

seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-

161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade

Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que

estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem

retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao

imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute

conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del

ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ

Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois

paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou

lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o

emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460

exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem

duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de

Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado

Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco

Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do

autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem

ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que

fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de

Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra

verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo

platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os

interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas

(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que

propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere

a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)

Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima

inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que

21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1

18

abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em

Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do

assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida

importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como

termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas

e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural

Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o

preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um

provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos

amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da

identidade do autor

Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos

que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a

maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com

a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente

estabelece

Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo

liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio

Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo

definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e

ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja

ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido

ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel

AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo

contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior

aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa

coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz

Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece

qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ

Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por

Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A

24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)

19

conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e

amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e

Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como

alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno

Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a

Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome

Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um

Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico

que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo

natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides

Quintiliano

Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a

certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar

o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio

Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92

Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio

Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como

faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter

recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio

e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a

miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo

esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto

no presente quanto no passado

Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides

Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura

26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)

20

bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos

musicoacutegrafos aacuterabes28

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo

O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os

mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII

(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A

Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e

tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja

transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o

nome de terceiros

Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do

livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do

periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos

ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica

Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de

Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos

diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem

(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo

teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de

origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos

27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ

υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6

21

de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a

sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica

Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter

tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a

permanecircncia do interesse pela obra de A Q

No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no

fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico

e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo

a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa

traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio

provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides

Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de

Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo

entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente

conheceram Aristides Quintiliano36

O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais

importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em

1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37

por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38

Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e

32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica

22

Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes

por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de

conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia

o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo

comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da

coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX

como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano

Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45

acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em

1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de

Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)

began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music

theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus

complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo

O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op

cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente

citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o

livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado

tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais

ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende

que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado

O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo

os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento

dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por

40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi

23

Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com

exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo

Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que

serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de

Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda

notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem

parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia

do original grego

No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um

pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos

frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por

exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o

artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren

Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54

Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico

filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos

de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de

reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega

Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a

publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de

estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J

47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963

24

Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O

estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de

mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada

nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou

ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew

Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da

Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que

procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen

Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60

igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos

antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q

para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de

tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica

dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute

desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo

ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62

ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a

seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ

Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica

tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor

declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de

conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com

o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)

deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos

Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte

explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui

o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a

58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248

25

alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado

fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e

portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo

Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende

refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura

mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e

ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a

unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio

imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs

patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino

no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados

sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que

sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63

E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata

que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de

acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a

tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de

que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em

seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou

dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que

natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios

mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua

inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-

se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna

No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que

chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o

preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente

conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido

de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e

63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel

26

objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma

participaccedilatildeo ou aspecto

O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de

meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker

(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica

proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the

movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria

enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo

conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da

definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um

pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno

musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores

A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante

Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a

menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de

Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo

fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α

) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo

(π π [] [] υ )

Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a

melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a

tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica

Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste

como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele

no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado

A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua

vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ

tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos

que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da

muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical

65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ

αὶ] α αῖ rdquoέ

27

entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma

disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica

A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica

aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute

somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da

muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais

generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica

aritmeacutetica desempenha um papel instrumental

Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute

anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em

criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo

musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro

a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q

O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina

artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde

ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de

elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo

28

dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos

(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67

O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das

paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as

afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa

a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de

certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas

para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua

Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ

α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma

consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de

uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou

irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)

Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas

partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo

indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida

Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim

como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma

irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em

mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma

Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos

a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de

Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que

reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo

Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e

Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete

e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e

em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de

Halicarnasso

66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C

29

O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das

doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado

entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A

questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada

estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da

muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia

de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral

e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo

do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo

reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo

dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste

trabalho

14 Uma proposta de traduccedilatildeo

O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a

Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a

toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez

que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no

acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma

harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica

Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto

sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do

cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as

premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse

noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo

Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas

do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente

agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da

70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)

30

Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se

no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os

capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil

situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no

cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue

essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen

Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta

traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo

de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado

capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu

verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos

livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e

referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por

versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra

inteira

Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse

predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de

sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa

arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da

linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio

ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima

luminosidade ndash na segunda parte do livro III

Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo

filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo

acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato

histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste

experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua

transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de

empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que

nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se

torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na

cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe

A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez

inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a

31

compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit

p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o

reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de

um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a

originalidade das ideias que faz do Da muacutesica

lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)

Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo

talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece

agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem

natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas

diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica

de fazer sonhar

O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de

certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-

modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia

protocolar seja de condescendecircncia arrogante

Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu

pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que

convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-

lhes o caminho

71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ

32

Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a

mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica

aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os

capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios

de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III

Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo

resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a

conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando

para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica

Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito

potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala

no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos

os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)

Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos

de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar

como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica

registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento

musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso

recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras

Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria

musical grega o tetracorde

Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que

compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o

tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou

intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia

pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado

harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo

33

que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento

nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima

formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas

eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C

fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que

veremos a seguir

211 Gecircneros e nuances

Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas

que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de

quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo

moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o

gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e

semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash

T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia

T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila

maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e

enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior

Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de

diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica

(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica

Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o

fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente

adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico

padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica

profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o

gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom

posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente

iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade

eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e

profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero

cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico

remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente

34

utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu

emprego em estado puro

Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou

nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute

referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de

semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)

O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom

semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um

terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero

(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma

diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou

ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de

tom)

212 Sistemas

Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda

sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por

conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo

na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde

cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo

Figura 2 - Tetracordes conjuntivos

No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades

doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a

configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas

35

Figura 3- Tetracordes disjuntivos

Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento

disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que

dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento

conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes

completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave

lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os

desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita

dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por

Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema

apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser

estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia

Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave

(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda

do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito

precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes

Figura 4- Sistema perfeito de oitava

Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito

Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave

sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas

36

primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o

tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado

por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de

que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira

heptacorde de tipo eoacutelico

Figura 5- Sistema Perfeito Menor

Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido

outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom

disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois

pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo

par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e

hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ

Figura 6 - Sistema Perfeito Maior

Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz

Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava

aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema

de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo

das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a

nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das

37

primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A

terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa

(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de

enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike

hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde

que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das

meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente

Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde

disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do

nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do

primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima

nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a

penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da

uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia

(paramese)

Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior

O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze

notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas

indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para

chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo

da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo

(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema

Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)

38

Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel

Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um

grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia

correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala

numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que

tratam os conceitos de tom tropo e harmonia

213 Tom tropo e harmonia

Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia

No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete

combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava

ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da

primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as

expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o

gecircnero diatocircnico satildeo

Mixoliacutedia STTSTTT

Liacutedia TTSTTTS

Friacutegia TSTTTST

Doacuterica STTTSTT

Hipoliacutedia TTTSTTS

Hipofriacutegia TTSTTST

39

Hipodoacuterica TSTTSTT

Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato

de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma

ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na

engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a

junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica

harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo

terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia

exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento

certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso

simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal

como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo

do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas

citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que

parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a

doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas

Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo

e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12

Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica

elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado

na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo

Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)

deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados

A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou

mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs

acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um

tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas

de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada

grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem

geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada

tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)

possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para

quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do

40

hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram

recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que

ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para

diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos

respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico

com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada

tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de

quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com

seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)

214 Modulaccedilatildeo

Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria

de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre

que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo

Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o

sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e

mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a

dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que

essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano

elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam

se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de

oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico

ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o

depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e

por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e

que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon

Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-

se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano

no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos

(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso

agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema

do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no

41

livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno

abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano

Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso

eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si

mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e

indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo

inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo

masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que

surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da

proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo

feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )

a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem

Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A

natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash

forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )

Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave

imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo

central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica

tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um

antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou

reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para

este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e

ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III

Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que

extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas

satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria

visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II

32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa

com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade

humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da

42

razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada

com exclusividade agrave filosofia

Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da

alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e

particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego

ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre

educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos

dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No

entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs

razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave

alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo

eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada

com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial

destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees

racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo

musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II

Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave

muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem

duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica

( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando

determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute

vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas

caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral

( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de

aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a

alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )

Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a

muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo

mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e

ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu

nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando

por fim no ato propriamente dito

Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez

das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses

43

mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado

o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves

paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a

essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente

as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem

como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que

podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver

sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma

virtude ainda ausente teraacute sido inoculado

Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo

estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo

masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo

entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o

feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para

Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash

talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas

Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ

Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica

e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as

escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os

instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente

masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim

diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os

posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e

viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute

humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma

espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio

Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual

E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica

quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo

No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma

oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo

por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz

Quintiliano (II 114-31)

44

() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas

Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam

o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas

uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo

designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as

mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para

designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse

incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o

emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no

que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes

e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ

Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem

observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor

desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma

da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das

letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes

Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes

que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais

proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias

enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais

45

proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em

relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade

As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de

articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua

vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto

meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais

tau delta e theta As guturais capa gama e khi

Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio

entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as

aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a

expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e

portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo

formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a

analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais

ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou

masculino)

Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas

breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza

intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade

(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash

formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste

mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal

feminina por excelecircncia

No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron

ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota

o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute

excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos

trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao

fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de

masculinidade satildeo α

72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo

46

Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas

palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento

Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo

dessa consoante

Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou

misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota

acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira

nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes

satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se

repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)

cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A

uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo

de oitava formado com a nota acrescida

Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo

Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio

dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem

satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos

instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da

primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do

descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material

entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os

instrumentos musicais

A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando

o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do

universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele

recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do

73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5

47

alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de

ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e

afundando-se na profundidade corpoacuterea

Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos

ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses

ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (

α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao

corpo

Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa

regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves

realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma

esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia

produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto

as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O

terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse

composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo

mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado

o nome de harmonia

Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de

nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a

origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo

sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos

de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a

alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas

liras postas lado a lado

Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato

dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico

potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo

74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ

48

outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)

Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel

com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana

enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos

quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees

( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma

Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a

certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre

Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos

(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma

enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de

acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com

que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares

Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos

e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma

agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo

brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira

doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )

satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina

acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem

menos) que o cumprimento dessa promessa

49

3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I

[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica

Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da

natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos

Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na

paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5

coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos

intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo

duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das

cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual

provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10

dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o

intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo

sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos

descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo

sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15

relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo

sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo

dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo

sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla

Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20

mencionados

76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43

XLIX

Α Ν Α Ν Ν Η Ν

I

[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν

Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν

π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ

π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν

Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5

αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν

ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν

Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν

α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ

πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10

ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν

α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν

ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν

π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15

π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]

Ν Ν π Ν Ν

ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν

Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ

α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν

α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20

50

E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou

seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81

assim procederam sabendo que o

intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros

dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25

sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia

ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82

e para o oito em razatildeo

sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que

a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um

tom consistia numa razatildeo sesquioitava83

E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30

Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados

termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero

pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo

se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute

para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35

dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior

Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84

a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que

quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo

quer acima da nota anterior e [96]

quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a

nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40

tenham dado a esse intervalo o nome de resto85

Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas

causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo

dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio

intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que

entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45

Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na

proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em

partes desiguais

81

Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )

da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82

86 = 43 96 = 32 83

(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84

Livro I Cap 11 85

α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta

na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A

Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes

L

υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν

υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν

ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ

Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ

Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ

Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν

Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν

υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30

α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν

α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν

Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν

Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν

φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35

Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν

ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ

αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν

π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν

α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40

α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ

α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν

α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν

α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ

α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45

π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ

51

Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto

exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50

duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que

estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo

estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817

mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo

192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55

muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica

inteligiacutevel86

86

Timeu 36b

LI

υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν

υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ

Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν

Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50

φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ

α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ

Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ

π ὺΝ π α Ν έΝ

52

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I

Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um

benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora

a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo

menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer

necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee

depende do que foi estabelecido anteriormente

Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica

e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material

da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee

uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma

mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz

passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente

verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da

natureza enquanto muacutesica

Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como

paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo

dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso

algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no

tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos

intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na

irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute

mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual

natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do

sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa

autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao

nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de

interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a

aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica

entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da

astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse

sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque

53

da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo

da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo

Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao

inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto

que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros

diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles

manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero

como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)

Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste

livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal

recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A

insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto

( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica

critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)

cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando

particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes

ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)

87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913

54

33 Capiacutetulo II

Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar

todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos

todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua

dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste

mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5

excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via

sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes

paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a

230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as

sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10

porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os

intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio

faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta

sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92

Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15

se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda

teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do

primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o

uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da

90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro

LIV

II

Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ

υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν

π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν

ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ

υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5

πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν

α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν

π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ

Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν

α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10

Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ

αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν

υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν

π έΝ

Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15

ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν

π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν

αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν

55

corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95

se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20

teremos o primeiro dos meacutedios96

E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-

ia a nota supermeacutedia97

mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos

a primeira dos primeiros98

A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte

modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade

igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99

E dividindo uma vez 25

mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade

idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais

quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo

entatildeo um cacircnon simples sem corda100

comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele

marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30

as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada

divisatildeo do cacircnon101

95

O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis

tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96

O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97

O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98

O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99

Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de

todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de

tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada

tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100

Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam

os intervalos 101

Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio

Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937

LV

α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20

π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν

πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ

αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν

Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν

π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25

π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ

αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν

φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν

πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν

α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30

α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ

56

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II

Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos

consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos

nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com

pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute

igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero

diatocircnico

O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as

duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde

hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas

relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas

notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos

hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute

a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete

synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre

essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo

Figura 10 - Consonacircncias no SPI

Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada

tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom

com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente

57

Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel

determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a

variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q

apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave

leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa

posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis

natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do

livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu

(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu

podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic

theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon

de Esmirna e Porfiacuterio

Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o

sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo

piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria

harmocircnica

58

35 Capiacutetulo III

Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas

Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado

Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles

traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na

quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5

quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias

pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com

que foram divididas103

Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se

completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10

portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois

tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota

com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e

doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo

ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15

dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com

relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos

primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava

a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora

102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (

) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6

LVIII

III

ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν

Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν

αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν

α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν

αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5

Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ

α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν

Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν

α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν

απ έΝ 10

α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν

υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν

α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν

α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν

Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15

Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν

π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν

π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν

πὶΝ έ

59

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III

Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o

heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as

etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )

dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees

presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia

Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ

10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H

Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp

384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)

Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o

contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio

Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora

jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute

indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do

comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11

n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro

reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento

AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial

(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta

corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)

Figura 11 - Heacutelicon

Fonte Colomer e Gil 1996 p177

60

37 Capiacutetulo IV

A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos

apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do

sistema perfeito108

Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta

compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109

tomamos os nuacutemeros [100]

3 (o

primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110

e o primeiro perfeito111

) e 4 (o primeiro nuacutemero 5

sesquiteacutercio112

e primeiro nuacutemero plano em geometria113

) e traccedilamos duas retas

perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em

proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas

correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10

de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo

aritmeacutetico114

a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados

pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute

nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para

fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115

15

108

Sistema de oitava 109

O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons

e meio) 21 = 43 x 32 110

Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111

O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo

o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou

completude do 3 112

Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113

Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a

caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1

representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou

cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3

114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na

figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115

Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas

conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d

LX

IV

Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν

Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ

π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν

ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν

ὺ [100]

Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5

π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν

α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν

ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν

α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν

π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10

ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν

α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν

π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν

π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν

π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15

61

Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica

Fonte Colomer e Gil p 180

62

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV

Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam

ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a

procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto

sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da

consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um

estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros

um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda

segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A

Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes

Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo

sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura

construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as

relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes

tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras

utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-

b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de

Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da

seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica

63

39 Capiacutetulo V

Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute

que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e

mediaccedilatildeo116

) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si

mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes

dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5

modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117

harmocircnica compotildee-se

de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo

aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos

posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo

geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10

entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]

de

modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118

Sendo a quantidade dupla na

quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo

comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a

aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15

proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na

harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs

consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo

sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias

aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20

ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre

cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual

seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas

razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os

nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119

25

116

A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O

3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se

tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf

Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117

O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo

entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118

Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B

representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a

meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie

harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de

proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119

As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b

LXIII

V

Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν

( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν

ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν

Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν

αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5

Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ

Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν

π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν

π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ

ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]

Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10

α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν

π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν

υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν

Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ

lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15

α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν

π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ

ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ

Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν

π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20

Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ

ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν

ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν

πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν

α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25

π ῖ Ν α α έ

64

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V

As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo

apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas

apresentadas ao fim do capiacutetulo

A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que

na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120

Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3

obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao

acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda

os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6

formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo

de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo

dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser

divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)

e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8

Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia

aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em

dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia

aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava

assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27

(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois

termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de

quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op

cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas

entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que

compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4

6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos

termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida

surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3

120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3

65

311 Capiacutetulo VI

E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem

propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de

mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos

consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5

denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126

agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram

soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente

descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto

a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10

e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com

o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada

chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado

geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado

pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15

composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4

122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo

LXV

VI

π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ

π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν

αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν

υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5

φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ

α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν

ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν

α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν

ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10

α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν

Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )

ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ

υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν

ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15

66

somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo

resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a

esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira

consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20

quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e

se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros

seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o

primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio

proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25

assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante

caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo

acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo

acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma

proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30

dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as

consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas

proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo

sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a

razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35

nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137

133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta

LXVI

ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν

Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν

φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν

υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20

Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν

α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν

α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ

έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν

[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25

ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ

Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν

αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ

υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν

ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30

υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν

π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν

υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν

π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35

απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν

α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ

Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α

67

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI

A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se

agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees

pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente

tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um

ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros

iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel

estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada

nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends

the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa

particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)

que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes

todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a

deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute

tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se

compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente

Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo

e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute

quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo

com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular

εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna

enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores

divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns

68

313 Capiacutetulo VII

Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um

lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os

intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos

revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas

por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5

nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a

outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao

passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em

virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe

facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10

dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do

material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais

doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui

em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que

padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15

nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o

meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam

do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por

isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam

recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20

universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos

fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas

nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e

perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a

semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25

caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas

temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as

coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o

crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α

LXVIII

VII

ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν

Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]

π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ

Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν

ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ

αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5

α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν

αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν

αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ

Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ

υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10

π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν

α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν

α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ

π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15

Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν

υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ

ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ

α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α

Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20

υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν

Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]

αὶ ὸ Ν Ν

Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν

α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ

έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25

αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν

Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν

αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν

69

que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30

lunar140

E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as

fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de

Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do

ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute

disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35

coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e

a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece

rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea

natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as

consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40

140

Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por

colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada

nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro

III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem

caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade

ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves

esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas

LXIX

π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν

αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30

φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ

α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν

αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν

α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35

Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν

Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν

α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν

α Νπα Νπα π έ

70

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII

Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da

incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos

nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia

aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da

experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros

se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na

forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos

por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus

pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja

ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que

platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona

os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute

controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel

superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q

ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na

especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a

origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles

(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a

Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere

SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes

neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e

Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia

enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles

A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que

reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da

alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e

da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais

culmina seu tratado

71

315 Capiacutetulo VIII

Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes

prestam os nuacutemeros141

Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem

nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria

dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se

ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142

[106]

pois a mesma 5

proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores

(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim

tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de

ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos

fisionomistas143

Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10

eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve

atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres

perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla

no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada

trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15

perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores

(a exemplo das febres hemitriacuteticas144

) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave

esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145

essas satildeo temiacuteveis e

letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante

proporccedilotildees quantitativas 20

De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar

consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se

poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)

produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo

entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25

141

Cf Filebo 55d ss 142

Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a

beleza em si 143

O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria

uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf

Repuacuteblica livros II III e X 144

Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos

agudos em dias alternados 145

Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)

ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ

LXXI

VIII

Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν

φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν

α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν

Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν

ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5

φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν

Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν

φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν

α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν

υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10

π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν

πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν

φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν

π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ

π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15

ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν

υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ

υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ

α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν

α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20

π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ

π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν

Ν

72

amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas

vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia

intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos

meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo

racional e a concupisciacutevel146

E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]

surpreender-te-ia o 30

fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas

melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147

E dentro da

proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a

cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o

conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35

cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os

dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e

pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e

ignorante

146

Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma

racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra

mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas

eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147

Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer

e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica

como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q

LXXII

φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν

Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25

αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν

ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν

αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν

Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν

π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30

ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν

υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ

ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν

υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν

έ35

73

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII

Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica

Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da

medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma

seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de

que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as

imposiccedilotildees do destino

Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma

que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ

ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave

teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por

Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e

16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria

a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo

corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto

meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das

contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma

dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs

livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como

expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ

A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria

entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da

hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q

e seu tratado no sec II dC

Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a

teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles

(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas

Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da

consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo

Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de

vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias

508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e

74

317 Capiacutetulo IX

Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a

semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se

perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez

constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as

realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5

as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais

relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de

semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma

imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que

preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10

tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos

seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]

com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia

calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim

sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15

148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica

LXXIV

IX

Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν

υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν

α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν

υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν

π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5

π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ

π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν

α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ

Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν

υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10

Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ

ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν

Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν

α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν

ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15

πα α α έ

75

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX

Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual

essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o

breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III

dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que

Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um

espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de

opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do

tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que

mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo

ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da

alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A

Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p

195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo

entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do

mundo

O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que

assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave

intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos

76

319 Capiacutetulo X

Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja

em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de

mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito

proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no

acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151

O movimento da voz concebido sem 5

referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152

tal como as primeiras coisas

Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou

descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria

mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153

Assim tal

como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10

mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a

imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade

com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que

a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas

tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15

receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical

participa do grave como do agudo154

Dentre as notas algumas [109]

satildeo fixas outras satildeo

moacuteveis155

e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros

satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos

151

Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter

entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152

τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e

natildeo material da altura tonal 153

O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz

determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel

Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala

exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde

agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154

Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo

adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de

indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para

sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a

primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou

seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155

Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas

enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias

determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo

tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se

mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo

LXXVI

X

Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν

Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν

υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν

αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α

α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5

Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν

Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν

π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ

υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν

π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10

α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν

π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν

π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν

ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν

α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15

Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ

α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]

Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ

πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ

ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν

α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20

υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν

ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν

π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν

αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν

ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25

π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν

Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν

φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30

Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ

)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν

77

quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20

baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se

segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas

apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156

Satildeo elas com efeito o

princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as

notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25

mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157

Assim tambeacutem a respeito do universo homens

divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste

mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que

eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a

morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30

completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz

conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo

eteacutereo158

o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras

(que apresentam dois intervalos159

a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele

produzido pelos seres sublunares160

que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35

e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o

semitom e o tom161

E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e

solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns

pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo

156

Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas

baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante

desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja

anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157

As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois

tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que

A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde

Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como

perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave

Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na

eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de

passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158

Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo

269a ndash 270b 159

A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente

notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a

nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero

enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160

Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161

No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e

no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda

LXXVII

υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν

ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν

α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35

α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ

α α π ν αὶ ὴ Ν [110]

Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν

α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν

φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ

Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40

π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν

π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν

πα α έ

78

graves e tendem para a terra162

Aleacutem disso [110]

o fato de que as notas tendam natural e 40

indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o

caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual

eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o

equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos

opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163

que produzem os bons climas o crescimento 45

das plantas e a sauacutede dos animais

162

Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os

intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos

densos e porosos 163

Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute

importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas

ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da

terapecircutica eacutetica Cf II 9

79

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X

A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da

dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no

campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente

informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio

situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa

harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o

grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo

(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no

fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim

as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta

Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como

eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave

imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que

seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal

como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas

entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o

movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes

A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao

simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II

No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade

(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto

a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para

novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta

mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria

80

321 Capiacutetulo XI

O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a

natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo

ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164

designa-se a natureza intermediaacuteria165

Dentre

os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e

ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5

que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166

vem a ser tripla Poreacutem como nas

dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional

ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante

um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute

estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10

cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio

a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer

realidade perceptiacutevel167

E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem

em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs

[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies

168 o mesmo nuacutemero 15

de tons do Sistema Perfeito169

No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a

essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia

164

A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81

Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O

tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual

surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava

tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)

formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema

Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por

conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165

Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui

por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se

que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)

simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)

Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q

logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166

Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167

χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)

por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A

hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo

que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168

As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As

espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169

Ou seja o intervalo de oitava

LXXX

XI

Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν

πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν

Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ

α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ

ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5

Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν

ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν

ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν

π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν

φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10

π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν

ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ

Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν

ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν

αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15

ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ

αΝ

81

intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua

perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170

(pois o que chamamos de alma alguns denominam como

ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20

em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero

diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e

inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou

nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172

tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute

composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25

semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a

triplicaccedilatildeo173

dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por

uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma

harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio

eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174

da alma Jaacute no que diz 30

respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o

cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo

responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e

a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175

170

Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves

trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171

χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima

412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist

De anima 430a10-25) 172

Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute

o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e

cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173

Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174

A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma

Cf Timeu 36e ss 175

A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre

a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se

daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte

LXXXI

ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ

ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν

Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20

α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ

ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν

α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ

υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν

Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25

α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν

α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν

ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ

ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν

πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30

αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ

82

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI

Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a

estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve

auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees

Tabela 1 - Triacuteades

INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO

Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente

Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo

Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria

Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um

desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na

medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em

conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros

Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees

propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda

que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano

e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente

inconclusivas

Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que

tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que

permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado

Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o

gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo

83

323 Capiacutetulo XII

Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois

quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por

meio do dois e a material [112]

por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave

regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem

afinidade com o dois176

A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5

desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela

soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo

dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui

Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira

com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10

seis179

Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]

ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e

a nona a esfera natildeo astral180

O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo

trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os

uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15

o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181

Jaacute o dezessete termo meacutedio entre

os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou

176

Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano

(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do

capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter

passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave

mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos

traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o

mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa

duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o

corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria

uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e

extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao

espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177

Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178

Cf III 6 179

Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam

respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180

Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e

Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser

a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181

Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de

modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a

circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem

aacuterea e circunferecircncia iguais a 18

LXXXIII

XII

α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ

ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ

ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν

ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]

Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν

α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5

Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν

α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ

Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν

π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν

ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10

Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν

πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ

ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν

φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν

ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15

αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ

υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ

ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν

84

relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182

O trinta e seis183

ao evidenciar a diese

aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano

182

Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute

agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18

ou 9) e a parte (16 ou 8) 183

Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar

da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada

multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento

relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao

processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da

diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e

o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave

cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie

formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a

seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do

6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea

LXXXIV

ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν

α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20

υ Ν υ α έ

85

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII

Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza

mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em

que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o

nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como

unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo

participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma

extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo

ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou

material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual

A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom

manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a

322

3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas

com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a

alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute

contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o

eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao

ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no

sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos

semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo

simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular

decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3

86

325 Capiacutetulo XIII

Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se

cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e

oito185

nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]

mecircs ocorre de ser vista com essa

mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e

omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5

tons186

nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15

apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons

para novamente retornar agraves graves187

E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo

tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188

(com agraves vezes um dia remanescente)

ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10

nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o

iniacutecio do descenso

184

π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue

trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo

de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo

como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando

harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo

(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se

intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai

possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de

ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185

Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima

do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco

tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo

enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186

Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa

voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187

A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os

intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188

Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio

Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p

199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada

dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na

verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por

Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen

sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa

posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A

correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais

um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no

sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema

Perfeito Maior

LXXXVI

XIII

Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν

α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν

lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]

ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν

α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ

Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5

φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν

α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν

φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν

Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ

ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10

υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν

ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν

π έ

87

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII

No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua

ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de

mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra

alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo

(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica

(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos

lunares

A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do

gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou

tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do

Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros

modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou

mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada

Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29

dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente

e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura

do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir

88

327 Capiacutetulo XIV

Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se

mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton

assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos

bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais

pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5

do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem

disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde

denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo

entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192

com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10

comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco

situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira

e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve

comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194

dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15

mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196

Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra

sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais

proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar

pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20

189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual

LXXXVIII

XIV

Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν

ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν

Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν

π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ

αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5

Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν

Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν

Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν

αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν

φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10

π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]

π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν

α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ

πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15

π υ αέΝ

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν

Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν

ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν

Ν αὶ φ ῖ Ν 20

89

terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute

necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o

movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o

movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico

deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25

E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute

anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo

ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao

olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao

ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30

diante dele foi posto o para-vento197

das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade

depende de um corpo luminoso198

)

197

Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198

Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos

LXXXIX

Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν

π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ

α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν

ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ

αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25

α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν

π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ

ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν

ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ

αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30

α ῃ α Ν α)έ

90

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV

Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar

Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute

que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)

enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas

do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando

por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele

entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos

TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico

SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter

O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais

intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo

91

329 Capiacutetulo XV

E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada

um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os

tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente

ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute

no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5

meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por

outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo

de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre

ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a

regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10

humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos

objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido

mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio

de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a

regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15

expressa a regiatildeo eteacuterea

199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois

XCI

XV

Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν

π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν

π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν

ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν

ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5

υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν

Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν

α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π

α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν

Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10

υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν

π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν

Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ

92

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV

O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e

Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo

Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes

Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos

PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos

OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter

NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea

MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular

93

331 Capiacutetulo XVI

No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas

de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e

meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao

prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem

razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5

(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde

meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave

temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais

daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o

tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10

corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute

limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se

comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro

elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao

segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15

irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro

pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas

devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da

alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c

XCIII

XVI

Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν

π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ

π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν

υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ

Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5

π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν

υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν

π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ

π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν

α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10

φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν

α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν

αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν

υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν

Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15

Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν

Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν

ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ

94

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI

A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas

quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de

Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e

associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8

Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto

eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na

conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo

as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos

tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia

de cada uma das divisotildees da alma

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma

Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico

Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Irracional Racional

Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes

Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional

Oitavas Oitava grave Oitava aguda

Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o

segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras

naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)

parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois

Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no

capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195

supra

95

333 Capiacutetulo XVII

E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que

conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema

perfeito215

assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo

semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese

ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216

5

ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o

sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na

qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior

e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217

tonal e estar limitado pela potecircncia da

voz218

ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219

para uma vida mais elevada bem como o 10

[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio

evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os

saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada

homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio

sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15

lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem

221 fala claramente desses dois tipos

de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil

e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os

deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares

ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20

215

A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216

Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e

disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro

meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217

O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das

mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a

passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da

primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude

para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27

como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218

Cf III 6 n 131 supra 219

Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra

220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo

ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221

Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d

XCV

XVII

Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν

Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν

υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν

ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν

ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5

ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν

αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν

Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν

π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10

α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]

α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν

α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν

Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν

π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν

π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15

π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν

ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν

Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν

ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20

π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ

96

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII

Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma

no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes

correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama

especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no

tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua

forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o

bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano

Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para

temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a

dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical

(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o

que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano

no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase

dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como

uma tarefa aacuterdua dada a cada homem

Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos

que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo

(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa

divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando

os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no

cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o

livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute

um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III

reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto

97

335 Capiacutetulo XVIII

Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm

relaccedilotildees simpaacuteticas222

com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos

mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o

primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223

agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem

com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5

elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224

nuacutemero segundo o

qual dizem225

os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6

obteriacuteamos 210 [118]

nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226

E

mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees

riacutetmicas227

igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228

dos 10

quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si

mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos

o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo

formados os bebecircs de nove meses229

E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15

nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem

vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230

Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo

tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231

Poreacutem natildeo participando de todas

jamais chegam a nascer vivos232

222

O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223

Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224

Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225

Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol

2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles

distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226

Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227

Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I

14 228

A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229

Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos

diferentes 230

Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231

Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo

da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45

multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a

gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que

assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere

Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da

gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232

Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An

408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo

XCVII

XVIII

Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν

υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν

α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν

Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5

π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ

Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ

απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]

αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν

Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10

π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ

Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ

Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ

π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν

Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15

α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν

α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ

αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν

π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν

α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20

98

Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20

intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos

consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve

tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo

da alma para a nobreza viril233

da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave

virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25

beleza234

durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos

alveacuteolos pulmonares 233

Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel

e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave

virtude da temperanccedila 234

Rep 403c

XCVIII

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ

Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ

υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ

α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν

π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25

Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ

403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ

99

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII

O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial

sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos

em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral

do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III

4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma

racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer

maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as

comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento

racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que

presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero

geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de

Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A

Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no

estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The

Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular

interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no

anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion

2008 p 2092)

Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os

caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos

hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der

Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave

teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo

pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De

animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo

Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais

adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero

platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades

100

337 Capiacutetulo XIX

Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que

constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a

piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra

por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar

enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5

icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente

quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por

meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais

estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da

aacutegua239 10

Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o

nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela

semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o

outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o

doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15

com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um

intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a

proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242

235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo

C

XIX

Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ

ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ

αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν

α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ

φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5

α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν

ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν

πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ

πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10

ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν

α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ

αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ

υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ

101

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX

O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo

anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio

deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos

quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados

segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares

Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-

56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das

associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos

os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-

d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo

Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que

compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos

sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees

Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo

Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo

Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono

Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera

Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno

Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q

agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o

fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas

exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a

hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente

pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos

aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo

do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o

icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala

A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta

(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)

102

339 Capiacutetulo XX

Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois

uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o

corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos

brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo

momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5

assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem

arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que

prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma

pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos

nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10

idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som

diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho

aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a

natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis

(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15

fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa

voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre

os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo

sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as

243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27

CII

XX

Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν

ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ

α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ

Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν

ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5

π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ

π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν

Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν

α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10

Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν

ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν

α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν

ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν

Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15

αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν

Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν

Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν

Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν

α Ν υ Ν 20

103

realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20

conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente

impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo

obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria

bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem

subjacente agraves notas musicais252

E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253

a cada 25

uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas

252

Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253

Cf II 12-14

CIII

ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν

φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν

πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ

π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν

α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25

π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ

υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν

πα α έ

104

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX

Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a

oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo

Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys

material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos

abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui

como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata

to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze

quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o

quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos

quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista

completa na ordem seguida por Teacuteon

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia

2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia

3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade

4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice

A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato

como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)

Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle

(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)

disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado

em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)

A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das

esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada

por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp

135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos

natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de

Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja

105

contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o

conhecimento necessaacuteriordquoέ

106

341 Capiacutetulo XXI

Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino

No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute

uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra

dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A

esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5

emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua

de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia

participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos

corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a

chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10

semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave

nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das

vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que

dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas

noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15

familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a

deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela

possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a

esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva

por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20

mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas

atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma

equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como

254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23

CVI

XXI

Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν

ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ

υΝ ὸ [121]

Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν

υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5

ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν

ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ

Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν

υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν

Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10

α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ

α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ

π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ

υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν

ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15

αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ

ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν

αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ

αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ

Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20

πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν

α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]

Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ

Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν

ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ

α ὰ 25

107

Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute

casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25

enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A

partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260

poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261

Se

atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim

sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30

planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas

Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do

que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de

forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo

tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262

Uma vez mais portanto satildeo sete as 35

notas remanescentes263

as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que

a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um

poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas

remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas

ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40

que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos

Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada

atraveacutes do eacutepsilon [123]

pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de

dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264

do primeiro par

e do primeiro iacutempar 45

260

O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261

Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo

com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu

(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em

aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262

Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada

quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero

bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas

apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a

modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu

maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263

A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264

Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5

correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro

nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar

CVII

Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν

π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ

υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ

π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν

Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30

Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν

π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν

π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ

ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν

αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35

φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν

α Ν ῖ Ν α α έΝ

Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α

π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν

ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40

α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν

α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν

π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν

π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]

ὰ ξ ρΝ

Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45

Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ

ὸ Ν υ έ

108

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI

Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em

II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo

associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo

desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais

intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter

masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do

primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)

superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a

qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a

ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas

notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta

Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida

estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem

outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute

associada ao eacutepsilon

Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais

correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino

feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os

planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava

do SPI fica como exposto a seguir

Figura 14 - Planetas e notas I

Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as

notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados

agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as

109

regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem

unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees

contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo

ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono

Figura 15 - Triplicidades

Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave

mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que

penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo

a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui

Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as

triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece

muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de

Ptolomeu que vem a ser a seguinte

A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries

Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade

correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda

maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio

A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e

Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo

compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta

triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute

que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus

Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para

as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois

110

quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente

masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira

ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino

associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima

Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de

ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-

feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da

ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das

triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e

Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso

poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente

segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que

se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)

Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com

as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste

capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como

expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o

intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos

planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa

necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas

de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu

Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III

A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece

dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen

conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para

Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma

mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de

potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave

nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por

razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A

disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir

265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar

111

Figura 16 - Planetas e notas II

Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre

vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as

sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile

Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no

serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute

aquele momento

112

343 Capiacutetulo XXII

Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada

um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves

notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota

acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o

terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5

zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco

relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da

consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que

tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada

organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10

como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash

que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila

onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos

dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo

266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II

CXII

XXII

Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν

Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ

ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν

ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν

α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5

ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν

α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν

Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ

ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ

υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10

α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ

Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ

113

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII

O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea

e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava

ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos

dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que

se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva

disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)

liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia

(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)

Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde

primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie

hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo

anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton

teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese

de que resultaria entatildeo a ordem a seguir

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa

Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia

Tetracorde Primeiro Meacutedio

O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos

(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de

qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a

espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os

graus do SPI

O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as

espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no

capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil

interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias

Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas

114

do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no

zodiacuteaco

Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do

SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda

se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se

utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de

oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso

Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem

das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave

doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as

notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave

espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala

ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma

ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie

hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano

tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com

a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por

diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima

Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia

Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico

Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que

corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma

Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por

Colomer e Gil no capiacutetulo anterior

Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos

quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias

relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia

dos toacutenoi se inverte na oitava aguda

115

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco

Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio

Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico

116

345 Capiacutetulo XXIII

E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim

divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais

jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional

caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5

reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional

denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo

situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse

triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a

quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10

caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais

desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino

como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco

sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279

Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15

natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos

setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados

entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis

o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero

nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20

igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a

razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo

a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285

273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32

CXVI

XXIII

Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν

ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν

Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ

α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5

ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]

πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν

ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν

Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ

π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10

Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν

ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν

ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ

π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν

α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15

ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν

Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ

π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν

φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ

αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20

α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν

Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ

117

Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286

Por isso eacute que tendo

dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25

trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles

domina ao longo de dez dias288

ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero

perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da

circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289

Cada um

deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30

acircngulos agudos formando doze segmentos290

Dois desses segmentos formam o lado de um

hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291

Trecircs deles formam o lado de um quadrado e

estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292

Quatro formam o lado de um

triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em

outro293

Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294

natildeo estabelecendo nenhuma 35

proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem

relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades

anteriores forma o diacircmetro295

Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero

maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois

o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40

nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296

285

43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286

Rep VIII 546c 287

Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do

signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do

horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco

completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288

Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O

tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias

dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289

360ordm 90ordm = 4 290

90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291

Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um

segmento em relaccedilatildeo ao outro 292

Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293

Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em

razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294

Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295

180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de

oitava e quinta com o hexaacutegono 296

Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica

relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre

razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18

CXVII

υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν

υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π

ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25

υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν

Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν

α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν

α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ

Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30

αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν

Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν

α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν

π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν

π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35

Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ

Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ

α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν

υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν

πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40

118

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII

Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a

segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do

tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o

zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla

oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o

zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no

cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma

racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao

nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de

base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees

que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana

Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo

capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia

correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco

que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu

(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele

estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as

consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele

mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico

119

347 Capiacutetulo XXIV

Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram

atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo

estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons

musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297

(seja na mescla corpoacuterea

na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5

compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade

De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os

saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida

Assim o afirma [126]

igualmente no Timeu298

o divino Platatildeo que o demiurgo299

da alma

tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10

natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o

intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300

novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo

dupla ateacute o oito301

e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302

Platatildeo ter-se-ia

expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15

individual no acircmbito nas artes303

quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute

outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um

lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o

princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees

mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20

igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel

de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a

profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se

vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente

propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25

297

Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298

35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag

22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299

Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300

As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia

intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro

indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise

completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301

A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302

A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303

A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)

deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II

CXIX

XXIV

Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν

φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ

π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ

Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν

φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5

αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν

υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ

Ν Νπ [126]

αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ

Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ

υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10

Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν

αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν

α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν

π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ

α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15

Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν

ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν

Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν

α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν

(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20

α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν

α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν

υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν

120

ocorre de a alma tender para o melhor304

ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar

relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos

divisiacutevel

Mas igualmente os maiores bens da alma305

disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes

agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30

com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306

(pois cada apreensatildeo

intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda

posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute

anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o

excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35

iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a

igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto

tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das

partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre

as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40

por meio da heacuteptada ()307

vemos o saacutebio308

dispor o discurso acerca da alma de modo duplo

a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e

a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da

mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309

Isso se haacute de tornar claro no diagrama310

da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45

dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a

forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais

retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre

superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do

304

Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305

As virtudes Cf III 16 306

Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307

Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem

como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio

estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda

εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos

que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p

527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na

traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308

Platatildeo Timeu 35b-36a 309

As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310

O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra

CXX

Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν

α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25

Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ

π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν

α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ

π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ

Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30

π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ

υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν

α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ

Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ

α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35

Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν

ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν

Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν

π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40

ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν

ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ

Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν

υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν

πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45

121

seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50

do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311

pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312

adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio

Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se

percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55

Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso

do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo

expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute

foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as

partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60

aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua

emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que

analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao

senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do

universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65

que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a

imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a

instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim

311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23

CXXI

Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν

πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν

π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ

Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ

α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50

αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ

αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν

υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν

π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν

υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55

ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν

υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν

φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν

ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ

υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60

ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν

φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν

πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ

122

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV

A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que

Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais

alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos

capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e

aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem

seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo

demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)

Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos

nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera

mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em

reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de

caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-

525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em

virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao

capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade

expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa

(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas

poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se

como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica

expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute

assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu

a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o

quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel

O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes

na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave

geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss

1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411

ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir

123

Figura 17 - Dupla tetraktys I

Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157

Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo

de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen

(p 53) sugere outra figura

Figura 18 - Dupla tetraktys II

Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo

desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o

diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as

proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os

termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um

membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois

intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O

recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas

Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees

teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da

muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5

124

349 Capiacutetulo XXV

Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320

eacute o primeiriacutessimo e mais natural

princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo

em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]

e no esquecimento assoberbada

de agitaccedilotildees e estiacutemulos321

e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve

momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5

sabedoria322

] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de

loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos

indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323

moderam a irracionalidade natural (tal como fazem

os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o

medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324

Por isso 10

eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser

purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as

emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais

ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma

mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15

um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no

igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o

tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo

claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior

ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]

Quanto agrave melodia (quer 20

entedida enquanto partes dos sistemas327

quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo

musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na

320

υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das

paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p

430 321

Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322

Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129

Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323

Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-

104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324

Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela

envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em

detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325

Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de

Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326

Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo

planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327

Enquanto escalas meras sequecircncias de notas

CXXIV

XXV

α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν

υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν

ᾳ [129]

αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν

π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν

Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5

ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν

ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν

Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν

π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν

ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10

α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν

αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν

Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ

ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν

Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15

Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ

Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ

υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ

ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20

125

posiccedilatildeo das letras328

das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave

terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as

geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25

maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se

associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329

) deve-se associar

ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do

deus330

que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau

estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30

aos demais elementos331

Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos

enquanto a ordem da alma ()332

eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja

substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333

a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao

passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um

ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334

Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35

sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se

corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335

328

Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma

posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a

disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf

II 14 III 21 329

Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo

simboacutelica 330

Apolo 331

Cf II 19 (92 5-8) 332

Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em

Mathiesen p 65 333

I 13 (318) 334

Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto

em Feacutedon 70d-72d 335

O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)

CXXV

Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν

Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν

υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν

Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25

π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν

π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν

α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ

Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ

Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30

α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ

π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν

π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν

φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ

Ν α έ 35

126

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV

A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo

anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao

progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento

do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a

em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades

inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no

entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos

organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma

Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla

corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da

corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da

relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos

do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou

geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas

que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das

contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico

e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete

ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo

riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado

o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas

127

351 Capiacutetulo XXVI

Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele

perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem

sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e

nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de

abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5

coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja

intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os

princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as

migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a

idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10

certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na

casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio

da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a

predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na

τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15

retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados

Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel

denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que

pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o

futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20

que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre

336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200

CXXVII

XXVI

ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν

ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν

α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν

π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν

αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5

Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ

α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν

α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν

Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ

Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10

Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν

α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν

υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν

Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν

Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15

Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν

α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν

Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ

Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20

128

passiacuteveis de mudanccedila345

Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a

ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave

economia coacutesmica [132]

nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no

seu desenrolar346

Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347

testemunha igualmente que isto eacute 25

assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos

disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia

fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora

destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer

(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30

colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ

Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz

ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre

os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo

divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35

eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo

oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente

ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o

profeta do universo352

teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso

parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40

δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada

indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que

naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ

345

Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o

paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5

346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d

Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do

devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta

Veterum Stoicorum B7-8 347

Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus

oraacuteculos 348

Heroacutedoto IX 43 7-8 349

αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e

contingecircncia 350

Odisseia VIII vv511-512 351

Iliacuteada III v59 352

Apolo

CXXVIII

α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ

πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ

αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν

Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ

πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25

πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν

α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν

Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ

Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν

πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30

ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν

α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν

α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν

π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν

π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35

α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν

α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ

ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν

ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν

υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40

υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν

Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ

129

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI

Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo

os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ

necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia

impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona

explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois

campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute

tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos

ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na

vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de

acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A

trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna

difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave

liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute

ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila

pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de

acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q

pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica

ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas

antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da

participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na

sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se

distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como

veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade

enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um

acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir

130

353 Capiacutetulo XXVII

Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a

essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros

sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma

nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado

esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5

escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins

de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e

leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a

participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas

merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10

verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe

aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e

tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o

profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e

auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15

ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada

uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a

perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo

que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da

geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20

propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo

A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber

353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c

CXXX

XXVII

α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν

Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν

α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ

ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν

π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5

Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt

ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ

φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ

π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν

π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10

απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ

Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν

Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν

αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ

φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15

πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν

υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν

υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν

υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν

Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20

υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ

Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν

φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ

131

Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com

perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360

que nos levou a essa empreitada

e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25

como dizem foi de todo mau361

pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que

no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo

quanto eacute relativo agrave muacutesica

360

Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa

invocaccedilatildeo 361

Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf

Mathiesen p 57 n 244

CXXXI

αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25

αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν

πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν

υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ

132

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII

No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando

seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem

como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave

filosofia com que encerra seu tratado

Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um

esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para

dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou

o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a

perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse

reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa

conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez

vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade

assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da

natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se

para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na

(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo

contato com o inteligiacutevel

Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso

da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa

imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo

filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em

π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos

π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o

mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e

moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos

termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como

ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja

proporcional e semelhante

362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329

133

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Page 5: LIVRO III DO TRATADO DA MÚSICA DE ARISTIDES …

RESUMO

Este trabalho consiste na traduccedilatildeo para o portuguecircs do terceito e uacuteltimo livro do tratado Da muacutesica (Π ὶ υ ) de Aristides Quintiliano Tido como uma das mais preciosas fontes para o estudo da teoria musical grega o Da muacutesica eacute frequentemente equiparado aos tratados de Aristoacutexeno e Ptolomeu No livro III objeto desta traduccedilatildeo Quintiliano aborda as doutrinas matemaacuteticas e cosmoloacutegicas que lhe deram um lugar de destaque no campo da tratadiacutestica musical A traduccedilatildeo eacute tambeacutem acompanhada de notas explicativas e comentaacuterios a cada um dos capiacutetulos As discussotildees ainda em curso relativas agrave identidade do autor e agrave dataccedilatildeo da obra satildeo abordadas na introduccedilatildeo que trata ainda da estrutura recepccedilatildeo e conteuacutedo do Da muacutesica No capiacutetulo seguinte satildeo expostos os aspectos mais importantes dos dois livros iniciais do tratado (a saber a teoria harmocircnica e a educaccedilatildeo musical) de modo a permitir uma visatildeo mais completa seja do conjunto da obra seja do proacuteprio livro III

Palavras-chave Da Muacutesica Aristides Quintiliano muacutesica grega antiga

ABSTRACT

This masterrsquos thesis is the first translation into Portuguese of Aristides Quintilianusrsquo On music book III a treatise thought to be along with those of Aristoxenus and Claudius Ptolomy one of the most relevant sources available for the study of ancient Greek music theory particularly when the interchanges between music and philosophy are concerned Book III of Quintilanusrsquo treatise here translated deals with the mathematical and cosmological doctrines which have endeared the author to the field of ancient music scholarship This translation comes with notes and is followed by commentaries on each chapter Information about the ongoing debate concerning Quintilianusrsquo identity and floruit is provided by a brief introduction which also summarizes τn εἡsἑcrsquos reception structure and content The main aspects dealt with in books I and II (ie harmonic theory and musical paideia) are addressed in the chapter following our introduction in the hope this may grant readers a fuller understanding of both book III and the treatise as whole

Keywords On music Aristides Quintilianus ancient Greek music

Agradeccedilo

Ao professor Roosevelt Rocha que me apresentou a Aristides Quintiliano e

aceitou orientar esta dissertaccedilatildeo

A Peter Heslin pela criaccedilatildeo da plataforma Diogenes

Aos professores Thomas J Mathiesen Andrew Barker Luis Colomer e Begontildea

Gil companheiros fieacuteis no afogo das batalhas

E last but not least ao povo brasileiro razatildeo deste trabalho e financiador dos

meus estudos

IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q 27 Figura 2 - Tetracordes conjuntivos 34 Figura 3- Tetracordes disjuntivos 35 Figura 4- Sistema perfeito de oitava 35 Figura 5- Sistema Perfeito Menor 36 Figura 6 - Sistema Perfeito Maior 36 Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior 37 Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel 38 Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo 46 Figura 10 - Consonacircncias no SPI 56 Figura 11 - Heacutelicon 59 Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica 61 Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes 92 Figura 14 - Planetas e notas I 108 Figura 15 - Triplicidades 109 Figura 16 - Planetas e notas II 111 Figura 17 - Dupla tetraktys I 123 Figura 18 - Dupla tetraktys II 123

IacuteNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Triacuteades 82

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos 90

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos 92

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos 92

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma 94

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes 94

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees 101

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon 104

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I 113

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II 114

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III 115

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo 10

11 Autor e obra 12

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo 20

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo 24

14 Uma proposta de traduccedilatildeo 29

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 32

21 Teoria harmocircnica 32

211 Gecircneros e nuances 33

212 Sistemas 34

213 Tom tropo e harmonia 38

214 Modulaccedilatildeo 40

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano 41

3 Traduccedilatildeo do Livro III 49

31 Capiacutetulo I 49

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I 52

33 Capiacutetulo II 54

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II 56

35 Capiacutetulo III 58

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III 59

37 Capiacutetulo IV 60

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV 62

39 Capiacutetulo V 63

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V 64

311 Capiacutetulo VI 65

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI 67

313 Capiacutetulo VII 68

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII 70

315 Capiacutetulo VIII 71

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII 73

317 Capiacutetulo IX 74

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX 75

319 Capiacutetulo X 76

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X 79

321 Capiacutetulo XI 80

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI 82

323 Capiacutetulo XII 83

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII 85

325 Capiacutetulo XIII 86

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII 87

327 Capiacutetulo XIV 88

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV 90

329 Capiacutetulo XV 91

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV 92

331 Capiacutetulo XVI 93

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI 94

333 Capiacutetulo XVII 95

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII 96

335 Capiacutetulo XVIII 97

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII 99

337 Capiacutetulo XIX 100

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX 101

339 Capiacutetulo XX 102

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX 104

341 Capiacutetulo XXI 106

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI 108

343 Capiacutetulo XXII 112

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII 113

345 Capiacutetulo XXIII 116

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII 118

347 Capiacutetulo XXIV 119

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV 122

349 Capiacutetulo XXV 124

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV 126

351 Capiacutetulo XXVI 127

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI 129

353 Capiacutetulo XXVII 130

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII 132

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 133

10

1 Introduccedilatildeo

Este trabalho deve sua inspiraccedilatildeo agrave disciplina ministrada em 2007 pelo professor

Roosevelt Rocha sob o tiacutetulo Teoria musical grega Foi nela que tive meu primeiro contato

com Aristides Quintiliano e com o universo da reflexatildeo musical na Antiguidade Ao longo

desses quase dez anos que separam a ideia de sua concretizaccedilatildeo a memoacuteria daquelas noites

com Aristides Quintiliano me ajudou a afastar o desacircnimo diante dos aspectos digamos

menos alentadores das nossas universidades de massa Quintiliano representou para mim o

modelo de algo belo bom e profundamente seacuterio ndash imagem ou miragem de um ideal que seja

como for me ajudou a persistir na decisatildeo pelos Estudos Claacutessicos

Devo confessar que no meu entusiasmo diante das possibilidades que o texto

ensejava havia um elemento subjetivo que natildeo quis desprezar Eacute que a despeito do natural

estranhamento e enfim de todo o abismo linguiacutestico cronoloacutegico e cultural a voz de A Q

me soava curiosamente familiar Talvez natildeo seja esse o melhor termo Em todo caso eu sentia

pulsar naquela obra de erudiccedilatildeo as anguacutestias e preocupaccedilotildees que se natildeo satildeo as anguacutestias e

preocupaccedilotildees dos homens de todos os tempos nem por isso deixam de ser as nossas

Quintiliano percebe-se fala para homens de uma era crespuscular aos quais

deseja comunicar certos lumes de aurora aquela mesma de matildeo pesada e dedos roacuteseos Todo

aquele a quem natildeo escape o caraacuteter crepuscular de nosso tempo veraacute em Quintiliano um

contemporacircneo ndash o veredicto provavelmente mais acertado em termos de dataccedilatildeo Mas a

chama que nosso autor quis reacender em tempos sombrios natildeo emana penso das harmonias

talvez damonianas de alegorias quem sabe estoicas nem de possiacuteveis segredos traiacutedos aos

ciacuterculos pitagoacutericos Todo esse valioso conjunto com que bem poderia se entreter e

longamente nossa curiosidade filoloacutegica parece-me a serviccedilo de um problema atualiacutessimo e

fundamental porque fundamentalmente humano a questatildeo simultacircnea e inseparaacutevel da

razatildeo e da liberdade

A ideia segundo a qual a razatildeo para noacutes ocidentais nasceu de uma curiosidade

voltada para o mundo exterior que ao fim nos libertou da irracionalidade mitoloacutegica sempre

me pareceu uma ofensa ainda que involuntaacuteria agrave nossa racionalidade Na medida em que

coloca a modernidade teacutecnico-cientiacutefica na culminacircncia de um processo cujas etapas

amontoando-se sucessivamente pesam sobre noacutes como um destino doravante alheio agrave nossa

vontade essa narrativa tem todas as caracteriacutesticas de um mito feito sob medida para nos

justificar Tambeacutem aqui como em todo mito haacute uma verdade de fundo que fala mais alto Eacute

11

certo que o recuo da liberdade face ao avanccedilo da razatildeo eacute um fato consumado Mas o prejuiacutezo

natildeo teria sido tatildeo grande se ao longo desse processo noacutes nos tiveacutessemos tornado

proporcionalmente mais racionais Natildeo foi esse o caso

Em A condiccedilatildeo humana Hannah Arendt abserva como essa razatildeo que nos

parece a uacutenica digna do nome ao mesmo tempo em que nos deu o poder de agir em termos de

universalidade sobre virtualmente todo o mundo fiacutesico tambeacutem nos subtraiu a capacidade de

pensar em termos universais dentro do acircmbito propriamente humano E o divoacutercio entre accedilatildeo

(isto eacute escolha liberdade) e razatildeo atinge inclusive o ato humano de pensar que em vista do

tipo de conhecimento que afinal interessa tem de ser confiado diz a filoacutesofa a maacutequinas que

pensem por noacutes A vitoacuteria final do Animal Laborans coloca ateacute mesmo as paixotildees humanas

sob a tutela da razatildeo instrumental que assim cresce nutrindo-se das desordens da alma

A razatildeo de que fala Quintiliano tem certamente outra natureza outro DNA outra

certidatildeo de nascimento Fato eacute que ela natildeo serve de ponto arquimediano que nos permita

avanccedilar na conquista do tempo e do espaccedilo Sua cosmologia que eacute uma teologia e uma

antropologia serve antes agrave conquista de si mesmo Nela a racionalidade humana tem como

expressatildeo mais alta natildeo a ciecircncia empiacuterica mas a liberdade E essa razatildeo que de iniacutecio

preside a ordenaccedilatildeo da alma adquire em seguida consciecircncia de si na alma plenamente

humana do filoacutesofo Feitas as contas (jaacute que as contas logo se veraacute satildeo tambeacutem aqui

importantes) natildeo eacute essa uma conquista inferior agraves do tempo e do espaccedilo

Para noacutes brasileiros filhos do conuacutebio fauacutestico com as forccedilas do tempo e do

espaccedilo as liccedilotildees dessa razatildeo socraacutetico-platocircnica satildeo particularmente urgentes Natildeo podemos

descartaacute-la como um figurino que outrora elegante foi jaacute ultrapassado por moda recente ou

desculpa nada original provou-se inadequado agraves inclemecircncias tropicais Sempre o tempo e o

espaccedilo Tampouco podemos alegar como outros talvez poderiam que essa razatildeo ofende

nosso credo democraacutetico Paralisada num transe freneacutetico entre o autoritarismo e a farra

demagoacutegica (versatildeo carnavalesca do mesmo autoritarismo) nossa alma anocircmica exige

cuidados

Foram mais ou menos esses enfim os motivos que me fizeram eleger

Quintiliano Uma tarefa sem duacutevida acima de mim Como disse Ruelle Quintiliano requereria

antes um Jacircmblico ou Porfiacuterio que o esclarecessem para noacutes ou ao menos um erudito na

plenitude de suas forccedilas a exemplo de Mathiesen Barker Colomer Gil e Duysinx o que

infelizmente tambeacutem natildeo eacute o caso Quintiliano eacute todo um percurso de maratona natildeo um

campo de treinamento

12

Daiacute que o auxiacutelio desses autores tenha sido essencial sobretudo no mapeamento

de doutrinas obras e autores que compotildeem o universo de referecircncias de A Q Esse deacutebito

estaacute assinalado nas notas que acompanham a traduccedilatildeo As observaccedilotildees mais oacutebvias

destinadas a orientar o leitor natildeo familiarizado com a temaacutetica do tratado ou com certos

aspectos mais gerais da Antiguidade via de regra natildeo tecircm sua autoria assinalada jaacute que

frequentemente ocorrem em mais de um autor quando natildeo em todos Assim procurei dar

destaque aos pontos em que os comentadores divergem no intuito de proporcionar a quem

consulte este trabalho a mais ampla perspectiva possiacutevel O tratado de Aristides Quintiliano

tem potencial para atrair interesses os mais diversos e foi minha intenccedilatildeo produzir um texto

capaz de prover o maior nuacutemero possiacutevel de subsiacutedios

Na citaccedilatildeo de passagens do proacuteprio tratado segui frequentemente um padratildeo que

favoreceraacute aqueles que consultem o texto na plataforma Diogenes a numeraccedilatildeo dos livros em

algarismo romanos e em indo-araacutebicos os capiacutetulos e linhasέ χssim por exemplo ldquoII ζέ1ί-

1ηrdquo significaμ livro segundo capiacutetulo ζ linhas 1ί a 1ηέ Em alguns casos para facilitar a

consulta incluiacute entre parecircnteses a paacutegina da ediccedilatildeo de Winnington-Ingram assim I 4 (5610-

15) A numeraccedilatildeo que parece em negrito e entre [colchetes] ao longo da traduccedilatildeo tenta indicar na

medida do possiacutevel a paginaccedilatildeo de Winnington-Ingram Jaacute a numeraccedilatildeo interna dos capiacutetulos

natildeo segue ndash nem poderia observadas as regras da ABNT ndash a numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo criacutetica e

serve apenas como referecircncia para as citaccedilotildees deste trabalho

Creio seja isso E agora chega de preacircmbulos como diria Quintiliano

11 Autor e obra

Aristides Quintiliano eacute ainda uma incoacutegnita O pouco que sabemos a seu respeito

deriva inteiramente do seu tratado Da Muacutesica Sabemos por exemplo que teria escrito ainda

outro tratado sobre poeacutetica que menciona brevemente1 Sabemos que viveu sob o Impeacuterio

provavelmente entre os seacuteculos I e IV dC e que escreveu em liacutengua grega apesar do nome

romano e eacute soacute Poderiacuteamos talvez especular nas entrelinhas do seu texto que tenha

pertencido a algum ciacuterculo filosoacutefico mais ou menos exclusivo (ou esoteacuterico) jaacute que em

algumas passagens demonstra certo escruacutepulo como se temesse trair impiamente algum

segredo Para aleacutem das especulaccedilotildees que o proacuteprio texto enseja nenhum registro biograacutefico

restou de Aristides Quintiliano

1 II 10 32-34

13

Eacute sem duacutevida notaacutevel que o autor de um tratado como o Da muacutesica (considerado

a partir do Renascimento como um dos mais importantes e seguramente o mais completo

registro da teoria musical grega ao lado dos tratados de Aristoacutexeno2 e Ptolomeu3) tenha sido

aparentemente tatildeo ignorado na Antiguidade mesmo por autores que supotildee-se serviram-se de

seu trabalho4 Mathiesen (1999 pp523-524) observa que ldquoχristides Quintilianus remains

unmentioned in any datable source earlier than Martianus Capella or indeed in any early

source at allrdquoέ A uacutenica exceccedilatildeo eacute um escoacutelio (Vaticanus GG I 3 136 30 sq datado do seacutec

XIII) frequentemente atribuiacutedo a Porfiacuterio no qual o nome de Aristides Quintiliano aparece

associado a uma passagem do Da muacutesica Confirmada a autoria do escoacutelio teriacuteamos de situar

A Q em torno do seacutec III dC um pouco antes ou talvez na mesma eacutepoca de Porfiacuterio (c234 ndash

c309 dC) Ocorre que o mesmo escoacutelio eacute atribuiacutedo em ao menos um manuscrito a George

Choeroboscus um gramaacutetico do seacutecVIII hipoacutetese que Mathiesen considera a mais provaacutevel

Pode-se argumentar eacute claro que a autoria eacute uma preocupaccedilatildeo tipicamente

moderna ie filoloacutegica e renascentista e que o semianonimato de Aristides Quintiliano natildeo o

impediu de ser lido embora parcialmente atraveacutes de Marciano Capela5 em primeiro lugar e

secundariamente atraveacutes de Briecircnio6 e Paquiacutemero7 Mas a ressalva pouco consola e no mais

a identidade do autor eacute somente uma das peccedilas perdidas de outro quebra-cabeccedila a dataccedilatildeo da

obra

Segundo a estimativa mais elaacutestica o Da muacutesica e seu autor estatildeo situados em

algum ponto do longo hiato que vai de Ciacutecero (106 ndash 46 aC) ao De nuptiis philologiaelig et

Mercurii de Marciano Capela escrito entre 410 e 429 dC A estimativa se justifica por dois

motivos de um lado porque Quintiliano cita Ciacutecero8 nominalmente e de outro porque

evidecircncias sugerem que o livro I do Da muacutesica tenha servido de fonte para o livro IX do De

Nuptiis Franccedilois Duysinx (1999 p6) no entanto aponta a fragilidade ateacute mesmo desse

terminus ante quem Afinal diz Marciano Capela natildeo cita Quintiliano em nenhum momento

e o livro IX das Nuacutepcias de Filologia e Mercuacuterio trata apenas de teoria harmocircnica ou teacutecnica

2 Elementa Harmonica e Elementa Rhythmica 3 Harmonica 4 Capela Paquiacutemero Briecircnio e provavelmente tambeacutem Cassiodoro Para um estudo detalhado Mathiesen (1983 p 5) remete a SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 pp 23 ndash 41 e 58 ndash 63 5 De nuptiis Philologiae et Mercurii et De Septem Artibus Liberalibus Libri Novem 6 Harmonica Jonker lista 43 paralelos entre Briecircnio e Aristides Quintiliano segundo Mathiesen (Ibid) Cf JONKER G H The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and index of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p 404 7Syntagma t n tessar n ἕatἐ ἕat nμ arἑtἐἕ tἑ s ἕoἡsἑ s ge ἕἕetrἑas aἑ astronoἕἑas Ou Tetrabiblos ou ainda Quadrivium de Paquiacutemero Cf ediccedilatildeo de TANNERY P Quadrivium de Georges Pachymegravere Vaticano Bibl Apostolica Vaticana 1940 8 II 6 66-68

14

musical temas de que A Q se ocupa somente nos caps 5-19 no livro I de seu tratado Nada

impede que Quintiliano e Capela se tenham valido de uma fonte comum

Ressalvas agrave parte o fato eacute que todas as hipoacuteteses aventadas ateacute o momento situam

A Q e o Da muacutesica entre os seacuteculos I e IV dC O debate iniciado no seacutec XVII persiste ateacute

hoje Em linhas gerais os primeiros estudos favoreciam uma data mais recuada Marcus

Meibomius primeiro9 editor de Aristides Quintiliano situava-o10 no seacutec I dC Essa hipoacutetese

foi a seguir contestada em favor de datas posteriores11 Mais recentemente Mathiesen autor

da primeira traduccedilatildeo12 inglesa do Da muacutesica feita a partir da ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-

Ingram13 propocircs14 que A Q tenha escrito seu tratado por volta do final do seacutec III ou mesmo

no iniacutecio do seacutec IV Jaacute Luis Colomer e Begontildea Gil autores de uma traduccedilatildeo espanhola

publicada em 1996 defendem15 que as pistas que o texto fornece do contexto histoacuterico de sua

elaboraccedilatildeo sugerem uma data natildeo posterior ao seacuteculo II Winnington-Ingram por sua vez

situa Quintiliano ldquonatildeo antes do final do seacuteculo IIrdquo16 ao passo que Zanoncelli17 o coloca em

fins do seacutec IV

Entre aqueles que situam o De Muacutesica entre os seacuteculos I e II prepondera o

argumento de que A Q ignorava Ptolomeu (90 ndash 168 dC) e sua Harmocircnica Isso porque

aleacutem natildeo citar jamais o alexandrino Quintiliano afirma (I 2) ser o primeiro a ir aleacutem das

exposiccedilotildees parciais ateacute entatildeo conhecidas e a escrever um tratado completo sobre a muacutesica

desde os seus princiacutepios e causas primeiras Tal pretensatildeo natildeo se explica justificam sem o

desconhecimento do tratado de Ptolomeu Mas ateacute que ponto essa suposiccedilatildeo eacute confiaacutevel

Quintiliano eacute fato natildeo cita Ptolomeu mas tampouco cita qualquer outro

musicoacutegrafo aleacutem de Aristoacutexeno18 Seus principais interlocutores satildeo Homero citado 33

9Antiquae musicae auctores septem Greace et Latine Marcus Meibomius restituit ac notis explicavit Volumen II Amstelodami apud Ludovicum Elzevirium 1652 10 τpέ citέ cfέ prefaacutecio ldquoδectori ἐenevolordquoέ 11 Para uma lista das hipoacuteteses desde o seacutec XVII ateacute o iniacutecio do seacutec XX cfέ RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 12

On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 13 Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 14 Opcit p14 15 Sobre la muacutesica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Luis Colomber y Begontildea Gil Madrid Editoral Gredos 1996 pp 12-18 16 Op cit pp xxiii-xxiv ἑfέ ainda ldquoχristides Quintilianusrdquo in The Oxford Classical Dictionary 2 ed By N G L Hammond and H H Scullard Oxford Clarendon Press 1970 p 111 apud Mathiesen 1983 p 14 17 ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di Cultura Classica 24 1977 pp51-93 18 I 10 5

15

vezes e Platatildeo com 12 citaccedilotildees19 Aleacutem disso eacute preciso reconhecer ainda que A Q tivesse

conhecido o tratado de Ptolomeu provavelmente o teria elencado entre os trabalhos que

considerava parciais e incompletos pois como explicam Colomer e Gil (op cit p13)

ldquoaunque Ptolomeo trata de los aspectos matemaacuteticos de la muacutesica no contempla las

conclusiones eacuteticas y metafiacutesicas ni atiende em ninguacuten momento a otras cuestiones que

χriacutestides considera musicales como el ritmo o el metrordquoέ De fato veremos adiante como o

conceito de υ para Quintiliano assumia um contorno particularmente amplo Essa

amplitude de ambiccedilatildeo ou visatildeo intelectual marca bem o contraste entre os tratados de

Ptolomeu e Quintiliano ldquoPtolomyrsquos work afirma Mathiesen (1983 p11) is a purely

technical work even when it is touching on the zodiacν χristides Quintilianusrsquo treatise by

contrast is a highly systematic work of philosophy in which even the technical materials are

introduced for the purpose of philosophical demonstrationrdquoέ

Haacute elementos poreacutem que relacionam os tratados de Quintiliano e Ptolomeu Em

III 3 Quintiliano descreve um ldquoinstrumento quadrado a que chamam de heacuteliconrdquo com o qual

eacute possiacutevel demonstrar as proporccedilotildees harmocircnicas O mesmo instrumento eacute descrito no segundo

capiacutetulo do livro II do tratado de Ptolomeu Teraacute Quintiliano afinal consultado a obra do

alexandrino Natildeo necessariamente Primeiro porque ldquoni el procedimiento de construcioacuten

coincide exactamente ni Ptolomeo habla del helicoacuten como un instrumento inventado por eacutelrdquoέ

Depois porque aleacutem de Ptolomeu tambeacutem Porfiacuterio descreve o instrumento precisamente

num Comentaacuterio agrave Harmocircnica de Ptolomeu E como haacute indiacutecios de que Porfiacuterio tenha servido

de fonte a A Q tambeacutem em outros momentos20 o conjunto dessas evidecircncias favorece a

hipoacutetese (independentemente do conhecimento ou desconhecimento da obra de Ptolomeu) de

uma data posterior para o Da muacutesica de A Q

Haacute ainda outro forte argumento em favor dessa hipoacutetese o saliente neoplatismo e

neopitagorismo de Quintiliano Traccedilos que recendem a filosofias tardias satildeo encontrados nas

ideias no vocabulaacuterio e no estilo do Da muacutesica Mathiesen (1983 p 12) menciona as noccedilotildees

de loacutegos heniaicircos e de Uno ndash associadas no cap 3 do livro I ao demiurgo platocircnico e

encontradas nos escritos de Plotino (205 ndash 269270 dC) e Porfiacuterio ndash aleacutem de passagens (caps

2 8 e 17 do livro II e caps 7 e 25-27 do livro III) que considera muito proacuteximas do estilo de

Plotino Menciona tambeacutem como evidecircncia dessa filiaccedilatildeo neoplatocircnica a interpretaccedilatildeo

alegoacuterica e moralizante que A Q faz de Homero e a distinccedilatildeo entre as regiotildees eteacuterea e

19 Duysinx 1999 p9 Jaacute Redondo Reys (ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126) elenca 35 referecircncias a Homero 20 agrave Iliacuteada e 15 agrave Odisseia 20 Cf as notas 154 173 212 232 e 239 dispostas na introduccedilatildeo escrita por Mathiesen (1993 pp 1-57) para sua traduccedilatildeo do Da Muacutesica

16

sublunar aleacutem de certa semelhanccedila vagamente aludida com as ideias de Jacircmblico (250 ndash 325

dC)

Colomer e Gil (op cit p14-15) acrescentam outros itens a essa lista a teoria do

descenso da alma e da formaccedilatildeo do corpo astral o emprego do adjetivo empyacuterios de uso

tardio as alusotildees aos cultos misteacutericos E citam ainda outras semelhanccedilas jaacute apontadas por

Mathiesen (a doutrina da muacutesica das esferas o uso da filosofia para superar as cadeias do

destino) que relacionam A Q com as obras de Plotino Porfiacuterio e Jacircmblico Logo a seguir

poreacutem Colomer e Gil apontam a insuficiecircncia desses indiacutecios em sustentar a tiacutetulo exclusivo

a hipoacutetese de um viacutenculo neoplatocircnico direto

Pero esto no es suficiente para hablar de una deuda directa de Ariacutestides con el pensamiento neoplatoacutenico Si bien estos rasgos estaacuten presentes en los filoacutesofos del neoplatonismo tambieacuten es cierto que pueden ser rastreados en todo el pensamiento de influencia pitagoacuterica y platoacutenica anterior desde las eacutepocas maacutes antiguas Hoy parece demostrado que el cambio que se produce en la filosofiacutea de estas escuelas es un proceso evolutivo en el que participa el mismo Platoacuten de modo que el neoplatonismo no significa un corte con la tradicioacuten anterior No es pues necesario recurrir al neoplatonismo para explicar las ideas que sustentan el texto de Ariacutestides y que se encuentran ya en pensadores del s I y II de nuestra era El uso de la filosofiacutea para el ascenso del alma o como liberadora de la eterna rueda de la necesidad es un claacutesico tema platoacutenico Las referencias a la muacutesica y a la filosofiacutea con el lenguaje de los misterios son claramente metafoacutericas en la misma liacutenea que las utilizadas por el propio Platoacuten Como ha demostrado Festugiegravere el pasaje del descenso del alma (II 86-88) puede proceder de fuentes gnoacutesticas de eacutepocas anteriores El nombre Loacutegos Heniaicircos parece atestiguado en Moderato de Gades (s II dC) Su estructuracioacuten triaacutedica de la totalidad estaacute muy lejos de asemejarse a las tres hipoacutestasis plotinianas Asiacute pues aunque para entender algunas de sus afirmaciones sea conveniente acudir a veces a los escritos de autores del siglo III o posteriores es maacutes faacutecil encontrar en su obra similitudes con Nicoacutemaco Moderato Teoacuten Numenio o Plutarco La interpretacioacuten del alma del universo y del hombre como una estructura musical constituida mediante nuacutemeros parece mucho maacutes proacutexima a las tesis del pitagorismo platoacutenico del siglo anterior o incluso a las ideas de Jenoacutecrates Espeusipo y del mismo Platoacuten sobre todo el Platoacuten de la edad madura (op cit pp15-16)

Ao atenuar o elemento neoplatocircnico em A Q Colomer e Gil desejam situaacute-lo

ldquodentro do mais puro pensamento platocircnicordquo favorecendo assim a hipoacutetese que transfere o

Da muacutesica para data mais recuada (por volta do seacutec II) tese defendida com base nas pistas

que Quintiliano fornece de seu entorno histoacuterico Para Colomer e Gil a ausecircncia de certo

transcendentalismo infenso agraves preocupaccedilotildees poliacuteticas coloca A Q longe da atmosfera

individualista tiacutepica das eacutepocas de crise e decadecircncia Aleacutem disso os termos com os quais

Quintiliano descreve seu tempo ndash como uma era de paz ordem e filantropia (livro II cap 6) ndash

natildeo convecircm dizem seja ao violento seacutec III seja ao jaacute decadente seacutec IV Tampouco ao

periacuteodo de comoccedilotildees poliacuteticas que se seguiu agrave morte de Nero Daiacute que situem Quintiliano no

17

seacutec II mais especificamente no periacuteodo dos imperadores Adriano (117-138) Antonino (138-

161) e Marco Aureacutelio (161-180) durante o qual Roma pocircde gozar de paz e estabilidade

Certas prescriccedilotildees poliacutetico-administrativas feitas por Quintiliano no cap8 do Livro III (que

estabelecem o exeacutercito como instituiccedilatildeo intermediaacuteria entre o governo e o povo) parecem

retratar sugerem o equiliacutebio de forccedilas durante os anos imediatamente posteriores ao

imperador Trajano (53 ndash 11ι) pois ldquofue con el emperador Trajano con quien Roma consiguioacute

conciliar mejor que nunca el poder ejecutivo los intereses del Senado y las influencias del

ejeacutercitordquo (opέ citέ pέ1ι)έ

Satildeo tambeacutem dignos de nota os argumentos que distanciando-se dos dois

paracircmetros mais comumente adotados buscam em outros aspectos ndash formais estiliacutesticos ou

lexicais ndash do tratado os indiacutecios de sua dataccedilatildeo Duysinx (op cit p 12) argumenta que o

emprego frequente de palavras compostas (ele refere a tiacutetulo de amostragem a presenccedila 460

exemplos soacute de verbos compostos com preposiccedilatildeo em cerca de 1400 ocorrecircncias) aponta sem

duacutevida para uma data tardia Por outro lado a estrutura em trecircs partes remete aos tratados de

Aristoacutexeno e Ptolomeu enquanto a forma dialogada aproxima-o do tratado tambeacutem intitulado

Da muacutesica atribuiacutedo a Plutarco

Ocorre que o tratado de Ptolomeu deixado inconcluso em virtude da morte do

autor foi completado por terceiros e o tratado de Aristoacutexeno aleacutem de fragmentaacuterio tem

ensejado suspeitas quanto ao plano original da obra21 Jaacute a respeito da forma dialogada que

fez Mathiesen22 enxergar no tratado de Plutarco um possiacutevel modelo para o Da muacutesica de

Quintiliano eacute preciso reconhecer que se naquele a forma dialoacutegica se mostra

verdadeiramente estruturante (com personagens que discursam e interagem bem ao estilo

platocircnico) neste ao contraacuterio o diaacutelogo assume sobretudo um caraacuteter epistolar em que os

interlocutores satildeo mencionados nominalmente no iniacutecio e no restante da obra apenas

(indireta e pronominalmente) em poucos e breves momentos Parecem antes destinataacuterios que

propriamente interlocutores Quintiliano passa ao largo de toda mise en scegravene teatral e refere

a si mesmo na primeira pessoa como autor de um tratado ( α α23)

Todavia haacute de fato no tratado de Quintiliano um elemento que o aproxima

inequivocamente daquele de Plutarco Trata-se do preacircmbulo (proacutelogo ou priamela) com que

21 χristoxenusrsquo treatise is divided into three books in many codices and this arrangement has been followed in published editions The internal structure of the treatise may actually suggest that books II and III be considered a single book (Mathiesen 1983 p14 nota 102) 22 Op cit p 15 23 I 2 1

18

abre o livro I Traccedilo bastante encontradiccedilo na prosa heleniacutestica24 (e particularmente em

Plutarco) a priamela tem por objetivo chamar a atenccedilatildeo do leitor para a importacircncia do

assunto a ser tratado mediante a comparaccedilatildeo com outros temas ou objetos de sabida

importacircncia No caso de Quintiliano seu proacutelogo faraacute o elogio da muacutesica adotando como

termo de comparaccedilatildeo de um lado os benefiacutecios valiosos mas parciais das demais disciplinas

e de outro a aptidatildeo da muacutesica para ordenar todo o mundo natural

Mas o dado que realmente interessa para fins de dataccedilatildeo da obra natildeo eacute o

preacircmbulo em si ndash entendido seja como traccedilo estiliacutestico de eacutepoca seja como revelador de um

provaacutevel modelo ndash e sim os nomes daqueles aos quais a obra eacute dirigidaμ aos ldquocariacutessimos

amigosrdquo Euseacutebio e Florecircncioέ E eis que o tema da dataccedilatildeo volta a tocar o problema da

identidade do autor

Florecircncio e Euseacutebio diz Mathiesen (1999 p522) satildeo nomes tipicamente cristatildeos

que natildeo se encontram na literatura grega senatildeo posteriormente ao seacutecIII A despeito disso a

maior parte das hipoacuteteses25 acerca da identidade de Aristides Quintiliano eacute incompatiacutevel com

a observaccedilatildeo anterior em razatildeo da dataccedilatildeo que implicitamente supotildee ou manifestamente

estabelece

Chegou-se a sugerir por exemplo que A Q teria sido um filho ou escravo

liberto de Marco Faacutebio Quintiliano (c35 ndash c95 dC) ou ainda o proacuteprio autor da Institutio

Oratoria A hipoacutetese foi motivada pelo fato de em alguns manuscritos o genitivo do artigo

definido masculino (Ἀ υ ῦ Κ α ῦ) aparecer entre os nomes ldquoχristidesrdquo e

ldquoQuintilianordquo sugerindo tratar-se este uacuteltimo de um patroniacutemico O fato de que o artigo esteja

ausente dos manuscritos mais antigos e de que o filho de M F Quintiliano tenha morrido

ainda na infacircncia tornam essa hipoacutetese bastante implausiacutevel

AQ foi associado tambeacutem a Marciano Aristides apologeta cristatildeo

contemporacircneo do imperador Adriano bem como a Eacutelio Aristides este jaacute um pouco posterior

aos outros dois (117 ou 129 ndash c181 dC) No fim das contas a semelhanccedila dos nomes e certa

coincidecircncia de interesses (em filosofia e medicina sobretudo) satildeo os uacutenicos argumentos diz

Mathiesen (1999 p521) em favor dessas hipoacuteteses Qual seja o caso nenhuma delas oferece

qualquer explicaccedilatildeo para os nomes tardios ldquoEuseacutebiordquo e Florecircnciordquoέ

Mais plausiacutevel e bem documentada eacute a hipoacutetese aludida brevemente por

Mathiesen (1999 p522) e jaacute exposta anteriormente por Zanoncelli (op cit p 91-93) A

24 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p 69 25 As hipoacuteteses aqui reproduzidas satildeo mencionadas tanto no estudo introdutoacuterio de Mathiesen (1983) quanto no de Colomer e Gil (1996)

19

conjectura parte da figura de Libacircnio de Antioquia (314 ndash c393 dC) erudito filoacutesofo e

amigo pessoal do imperador Juliano que apoacutes ter vivido em Atenas Constantinopla e

Nicomeacutedia retorna a Antioquia em 354 para ministrar a caacutetedra de retoacuterica onde teve como

alunos Satildeo Joatildeo Crisoacutestomo e Satildeo Basiacutelio Magno

Haacute desde o periacuteodo imediatamente posterior ao retorno (355) de Libacircnio a

Antioquia ateacute o ano de sua morte muitas cartas suas endereccediladas a vaacuterios indiviacuteduos de nome

Euseacutebio e Florecircncio26 dentre os quais dois antioquenos um Euseacutebio aluno de Libacircnio e um

Florecircncio amigo tanto deste quanto daquele Supotildee-se que Florecircncio tenha sido um poliacutetico

que abandonou a vida puacuteblica apoacutes cair em desgraccedila aos olhos do imperador Juliano Situaccedilatildeo

natildeo muito diferente da que se atribui a seu amigo Euseacutebio Mas e quanto a Aristides

Quintiliano

Em carta (Ep 591) datada de 357 e endereccedilada a Aristaneto Libacircnio refere-se a

certo antioqueno chamado Mariades ou Aristides em cuja descriccedilatildeo bem se poderia enxergar

o autor de um tratado como o Da muacutesica Diz Libacircnio

Conoscevo anche prima Mariade o come tu piugrave giustamente lo chiami Aristide Egrave um uomo eccellente sotto ogni punto di vista Ovunque va si porta dietro la sua povertagrave e chiunque la nota ne resta colpito Grande egrave la nostra cittagrave non solo ma madre di veri uomini retori forse giusti senzrsquoaltroέ E quando citi Aristide lo confermi Ep 591 (506W) apud Zanoncelli opcit p92

Infelizmente eis a uacutenica menccedilatildeo a esse Aristides que nos foi legada por Libacircnio

Para associaacute-lo mais diretamente ao nosso Aristides Quintiliano seria preciso especular como

faz Zanoncelli que se aquele Aristides foi retoacuterico e homem de escol bem poderia ter

recebido o epiacuteteto a tiacutetulo de cognomen honoriacutefico de Quintiliano E se foi amigo de Euseacutebio

e Florecircncio eacute bem provaacutevel que tenha partilhado da mesma sorte o que lhe explicaria a

miseacuteria por um lado e por outro a espeacutecie de morte civil que culmina no completo

esquecimento sorte natildeo muito diferente da que tecircm padecido muitos homens notaacuteveis tanto

no presente quanto no passado

Dramaacutetica quanto possa parecer a hipoacutetese condiz com o fato de que Aristides

Quintiliano natildeo seja citado nominalmente (mas incidentalmente) senatildeo na literatura

26 ldquoDi δibanio ci sono γγ lettere a vari Eusebio tra il γηη e il γλγν in altre η1 lettere a diverse persone compare sempre nello stesso periodo questo nome Ci sono anche 14 lettere a due Florencio tra Il 356 e il 365 e due lettere una a Spectato ed una a Daduchio rispettivamente del 359-60 e del 364 in cui ricorre questrsquoaltro nomeέ In χmmiano εarcellino si trovano menzionati sette Eusebio e cinque Florenzioέrdquo (Zanoncelli op cit p91)

20

bizantina27 e de que atraveacutes dos bizantinos tenha chegado ao conhecimento tambeacutem dos

musicoacutegrafos aacuterabes28

12 Transmissatildeo e recepccedilatildeo

O tratado de A Q chegou ateacute noacutes sob a forma de 56 manuscritos dos quais os

mais antigos satildeo datados dos seacuteculos XII (Venetus Marcianus gr app cl VI10) e XIII

(Vaticanus gr192)29 Dos trecircs mais importantes tratados da antiguidade o Da muacutesica de A

Q eacute o uacutenico a que temos acesso integralmente tal como seu autor o concebeu Eis um feito e

tanto em se tratando de um texto cujo autor permaneceu desde sempre obscuro e cuja

transmissatildeo se deu pelo menos em trecircs vias (latina grega e aacuterabe30) e frequentemente sob o

nome de terceiros

Presume-me que os estudiosos da Idade Meacutedia latina tenham lido A Q atraveacutes do

livro IX das Nuacutepcias de Marciano Capela uma das mais populares e influentes obras do

periacuteodo Esse conhecimento contudo teraacute sido bastante parcial pois como jaacute tivemos

ocasiatildeo de referir Capela teria utilizado somente os caps 5 a 19 do livro I do Da muacutesica

Sabemos que o mundo bizantino conheceu A Q porque o tratado Harmocircnica de

Briecircnio datado do seacutec XIV assim nos permite supor G H Jonker31 elenca 43 paralelos

diretos entre as duas obras referentes majoritariamente ao livro I do Da Muacutesica mas tambeacutem

(em proporccedilatildeo bem menor e natildeo sem algumas incorreccedilotildees diz) ao livro II O fato poreacutem natildeo

teraacute afetado muito o alcance do texto de AQ pois o grande nuacutemero de manuscritos de

origem bizantina nos permite supor que A Q estivesse disponiacutevel na iacutentegra para os eruditos

27 ldquoχristide Quitilien avons-nous dit nrsquoest mentionneacute dans aucun texte antique Son nom plus on moins altereacute nrsquoapparaicirct que dans la litteacuterature byzantineέ χlbert Jahn lrsquoa rencontreacute au cours drsquoun commentaire sur Heacutesiode Opera et dies par Jean le Protospathaire qui mit agrave profit un passage du Π ὶ υ ῆ livre III p129 Les Scholies anonymes sur Denys le Thrace visent un autre passage drsquoχristide ὁ Κ α ὸ Ἀ π ὶ

υ ῆ π ώ ῳ (p8 Mb) Une lettre anonyme eacutecrite aussi au Xiegraveme siegravecle (peut-ecirctre par Michel Psellos) le nomme dans le manuscrit Καυ α ὸ Ἀ et le cite comme ayant traiteacute de la meacutetrique (Ruelle op cit p318-319) 28 Ibid p319 Mathiesen 1999 p609-610 29 Mathiesen opcit p524 R P Winnington-Ingram (Aristidis Quintiliani libri tres Leipzig B G Teubner 1963 p199-202) traz algumas reproduccedilotildees fac-similares do Cod Venetus Macianus app cl VI 10 ff150r 152r 153r e 153v 30 Sobre os paralelos e afinidades entre A Q e demais tratadistas latinos gregos e aacuterabes Mathiesen (1983 p5) nos remete ao estudo introdutoacuterio de SCHAumlFKE Rudolf Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 31 The Harmonics of Manuel Bryennius edited with translation notes introduction and iacutendex of words Groningen Wolters-Noordhoff 1970 p404 apud Mathiesen 1983 p5-6

21

de Bizacircncio32 Deacutecadas antes do nascimento de Briecircnio outro bizantino Paquiacutemero publica a

sua Matemaacutetica dentre cujas fontes figura o cap 9 do livro I do Da muacutesica

Significativamente menos conhecida que o tratado de Briecircnio a obra de Paquiacutemero parece ter

tido pouca relevacircncia na transmissatildeo do conteuacutedo do Da Muacutesica embora ajude a atestar a

permanecircncia do interesse pela obra de A Q

No Ocidente a primeira versatildeo latina completa do Da muacutesica surgiu apenas no

fim do seacutec XV A traduccedilatildeo foi realizada por Johannes Franciscus Burana a pedido do muacutesico

e erudito Franchino Gaffurio (1451 ndash 1522) que esteve a serviccedilo da famiacutelia Sforza em Milatildeo

a partir de 1484 depois de ter vivido em Macircntua e Verona Uma coacutepia manuscrita dessa

traduccedilatildeo latina ainda se encontra em Verona33 Os trabalhos teoacutericos34 de Gaffurio

provavelmente contecircm as primeiras menccedilotildees nominais diretas e expliacutecitas a Aristides

Quintiliano35 que doravante natildeo restaraacute ignorado Conrad Gesner (1515 ndash 1565) Francisco de

Salinas (1513 ndash 1590) Girolamo Mei (1519 ndash 1594) e Vicenzo Galilei (c1520 ndash1591) estatildeo

entre os eruditos humanistas muacutesicos ou musicoacutelogos do seacuteculo XVI que certamente

conheceram Aristides Quintiliano36

O passo definitivo para a consagraccedilatildeo de Aristides Quintiliano como um dos mais

importantes musicoacutegrafos da Antiguidade ao lado de Aristoacutexeno e Ptolomeu foi dado em

1652 com a publicaccedilatildeo em dois volumes da coletacircnea Antiquae Musices Auctores Septem37

por Marcus Meibomius Em seu primeiro volume a coletacircnea trazia as obras de Aristoacutexeno38

Cleocircnides39 (erradamente atribuiacuteda a Euclides) Nicocircmaco40 Aliacutepio41 Gaudecircncio42 e

32 MATHIESEN Thomas J ldquoAristides Quintilianus and the Harmonics of Manuel Bryennius a study in Byzantine music theoryrdquo Journal of Music Theory 27 nordm1 1983 apud Mathiesen op cit loc cit 33 Biblioteca Capitolare MS CCXL (201) misc 34 Theorica musice (1492) Practica musice (1496) e De harmonia musicorum instrumentorum opus (1518) Para lista completa das citaccedilotildees por paacutegina cf Mathiesen 1983 p6 35 A presenccedila desse e de outros textos musicais na Itaacutelia provavelmente se deu por via bizantina apoacutes a Queda de Constantinopla em 1453 embora naquela altura como atesta Mathiesen (1999 p611-612) muitos desses textos jaacute tivessem alcanccedilado a Peniacutensula Ibeacuterica e parte da Europa pela matildeo de tratadistas e tradutores muccedilulmanos O fato eacute que apoacutes a chamada redescoberta bizantina (cujos expoentes satildeo Planudes e Briecircnio) dessa tratadiacutestica musical antiga foi na Itaacutelia ldquoque a partir do seacuteculo XV esses coacutedices musicais bizantinos podiam ser encontrados A biblioteca do convento de Satildeo Marcos em Florenccedila a Biblioteca Vaticana em Roma sob o papado de Nicolau V (1447-1455) e tambeacutem a Marciana de Veneza foram as primeiras bibliotecas puacuteblicas a conservar os antigos coacutedices de muacutesicaέrdquo ἐRτεἐERG ἑarlaέ A muacutesica como ciecircncia na obra quinhentista de Vicenzo Galilei 2009 120f Tese (Doutorado em Histoacuteria da Ciecircncia) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 36 Gesner incluiu Quintiliano em sua Bibliotheca Universalis Girolamo Mei e Vicenzo Galilei tambeacutem o citam em suas cartas Para referecircncias mais completas cf Mathiesen 1983 p7 37 Cf nota 9 O segundo volume que nos interessa mais diretamente estaacute disponiacutevel em httpwwwbsb-muenchen-digitaldeweb1021bsb10216598imagesindexhtmldigID=bsb10216598amppimage=5ampv=100ampnav=0ampl=de Acesso em 01122014 38 Aristoxeni Harmonicorum Elementorum Libri III 39 Euclidis Introductio Harmonica

22

Baacutequio43 Os tratados de Aristoacutexeno Nicocircmaco e Aliacutepio jaacute tinham sido publicados anos antes

por Johannes van Meurs44 cuja ediccedilatildeo aleacutem de baseada numa uacutenica fonte manuscrita e de

conter poucas notas natildeo oferecia uma traduccedilatildeo dos textos A ediccedilatildeo de Meibomius que trazia

o original grego e a traduccedilatildeo latina em colunas paralelas naturalmente se impocircs Sua ediccedilatildeo

comentada e traduzida dos trecircs livros do Da muacutesica (que ocupa o segundo volume da

coletacircnea ao lado do livro IX do De Nuptiis de Marciano Capela) permaneceu ateacute o secXX

como a referecircncia padratildeo para o estudo da obra de Aristides Quintiliano

Em 1682 um matemaacutetico de Oxford John Wallis publicou uma ediccedilatildeo45

acompanhada de traduccedilatildeo do tratado de Ptolomeu Essa ediccedilatildeo foi novamente publicada em

1699 em versatildeo revisada tendo-lhe sido acrescidos o comentaacuterio de Porfiacuterio ao tratado de

Ptololeu e a Harmocircnica de Briecircnio ldquoWith these four publications (εathiesen 1λκγ pέβ)

began some three hundred years of intense and uninterrupted study of ancient Greek music

theory The treatises of Aristoxenus Claudius Ptolemy and Aristides Quintilianus

complemented one another and their ready availability facilitated critical studyrdquo

O seacuteculo XVIII assim pocircde ler A Q sem maiores dificuldades Mathiesen (op

cit p7-8) cita pelo menos onze46 autores em cujos trabalhos Quintiliano eacute textualmente

citado ou ao menos mencionado O interesse todavia recaiu quase exclusivamente sobre o

livro I A uacutenica exceccedilatildeo apontada por Mathiesen eacute John Hawkins que pareceu interessado

tambeacutem em alguns aspectos do livro II Havia entre esses autores acrescenta a queixa mais

ou menos generalizada a respeito da difiacutecil compreensatildeo do texto de A Q Natildeo surpreende

que o livro III o mais desafiador nesse aspecto tenha permanecido ignorado

O seacuteculo XIX confirmou a tendecircncia jaacute observada no seacuteculo anterior favorecendo

os aspectos filoloacutegicos histoacutericos musicais ou linguiacutesticos do tratado de A Q em detrimento

dos aspectos filosoacuteficos morais e simboacutelicos Os trabalhos desse periacuteodo mencionados por

40 Nicomachi Geraseni Pythagorici Harmonices Manuale 41 Alipii Introductio Musica 42 Gaudentii Philosophi Introductio Harmonica 43 Bachii Senioris Introductio Artis Musicae 44 Aristoxenus Nichomacus Alypius Auctores musices antiquissimi hactenus non editi Joannes Meursius nunc primus vulgavit et notas addidit Lugduni Batavorum ex officina Ludovici Elzeviri Typis Godefridi Basson 1616 45 Claudii Ptolomaei harmonicorum libri tres Ex Codd MSS Undecim nunc primum Graece editus Johannes Wallis (Oxonii e Theatro Sheldoniano 1682) 46 Johann Kuhnau J J Rousseau Johann Mattheson F W Marpug Sir John Hawkins G B Martini Charles Burney J N Forkel Zaccaria Tevo Vicenzo Manfredini e Francesco Galeazzi

23

Mathiesen47 versam majoritariamente sobre temas ligados ao livro I do Da muacutesica com

exceccedilatildeo do estudo48 de A J H Vincent e Th H Martin sobre o nuacutemero nupcial de Platatildeo

Em 1882 Albert Jahn publica uma nova ediccedilatildeo49 criacutetica do Da muacutesica ediccedilatildeo que

serviu de base para a traduccedilatildeo alematilde de Rudolf Schaumlfke50 surgida em 1937 A ediccedilatildeo de

Schaumlfke aleacutem de ter sido a primeira versatildeo de A Q para uma liacutengua moderna trazia ainda

notas explicativas e um extenso estudo introdutoacuterio A traduccedilatildeo propriamente dita poreacutem

parece natildeo ter caiacutedo no gosto da criacutetica Natildeo poucos a consideraram ilegiacutevel sem a companhia

do original grego

No periacuteodo compreendido entre a ediccedilatildeo de Jahn e a traduccedilatildeo de Schaumlfke (e um

pouco aleacutem) alguns estudiosos51 ousaram abordar certos aspectos ateacute entatildeo menos

frequentados da obra de A Q e mesmo da teoria musical grega em geral Hermann Abert por

exemplo publicou em 1899 um estudo52 sobre a doutrina do eacutethos Em 1954 veio a lume o

artigo de Festugiegravere intitulado ldquoδrsquoacircme et la musique drsquoapregraves χristide Quintilienrdquo53 Warren

Anderson doze anos depois publicou o livro Ethos and education in Greek music54

Naturalmente o Da muacutesica continuou ensejando investigaccedilotildees de caraacuteter biograacutefico

filoloacutegico linguiacutestico ou histoacuterico Assim W B Stanford recorreu a A Q em seus estudos

de fonologia histoacuterica55 e do mesmo modo procedeu W Sidney Allen56 com seu trabalho de

reconstruccedilatildeo das prosoacutedias latina e grega

Um novo patamar na transmissatildeo de A Q foi alcanccedilado em 1963 com a

publicaccedilatildeo da ediccedilatildeo57 criacutetica de R P Winnington-Ingram que inaugura um novo ciclo de

estudos e traduccedilotildees do Da Muacutesica Publicada em 1983 a traduccedilatildeo inglesa de Thomas J

47 op cit p8-λμ ldquo(έέέ) in Germany Friedrich ἐellermannrsquos study of the notational diagrams χugust Rossbach and Rudolf Westphalrsquos study of rhythm and meter Kέ Jέ ἑaesarrsquos study of the same subject and Hermann Deitersrsquo examination of the relationship of Martianus Capella and Aristides Quintilianus and in France the biographical study of Fέ Jέ Feacutetis (έέέ) the consideration of the significance of χristides Quintilianusrsquo treatise by Henri Weil the history of ancient Greek music theory by F A Gevaert the survey of ancient music by F L Perne and the studies of the treatisersquos text biographical problems and the theory of solmisation by ἑharles-Emile Ruelle 48 Passage dἡ traἑteacute de ἔa ἕἡsἑqἡe drsquoArἑstἑde Qἡἑntἑἔἑen reἔatἑf aἡ noἕbre nἡptἑaἔ de Pἔaton Rome Impr des sciences matheacutematiques et physiques 1865 49 JAHN Albert ed Aristidis Quintiliani De musica libri III Berlin Calvarius 1882 50 SCHAumlFKE Rudolf Trans and comm Aristeides Quintilianus Von der Musik Berlin M Hesse 1937 51 Lista completa com referecircncias detalhadas em Mathiesen 1983 pp9-10 52 Die Lehre vom Ethos in der griechischen Musik Leipizig Breitkopf und Haumlrtel 1899 53 Transactions of the American Philological Association 85 (1954) pp 55-78 54 Cambridge Harvard University Press 1966 55 The sound of Greek studies in the Greek theory and practice of euphony Sather Classical Lectures 38 Berkeley University of California Press 1667 56 Accent and Rhythm prosodic features of Latin and Greek a study in theory and reconstruction Cambridge Studies in Linguistics 12 Cambridge Cambridge University Press 1967 57 Aristidis Quintiliani De Musica libri tres Lipsiae Teubner 1963

24

Mathiesen58 foi a primeira a se realizar com base na ediccedilatildeo criacutetica de Winnington-Ingram O

estudo introdutoacuterio os comentaacuterios e as notas que acompanham esse trabalho satildeo o que haacute de

mais completo a respeito de A Q e o valor desse aparato criacutetico pode ser atestado em cada

nota de rodapeacute desta dissertaccedilatildeo Jaacute quanto agrave traduccedilatildeo de Mathiesen que Barker considerou

ldquoquite unreliablerdquo59 pode-se dizer natildeo esteja imune agraves vicissitudes do pioneirismo Andrew

Barker por sua vez publicou uma segunda traduccedilatildeo (opcit pp 395-535) inglesa do Da

Muacutesica em 1989 com estudo introdutoacuterio bastante sumaacuterio mas acompanhada de notas que

procuram suprir as deficiecircncias por ele apontadas na ediccedilatildeo de Mathiesen

Em 1996 surge a traduccedilatildeo para o espanhol de Luis Colomer e Begontildea Gil60

igualmente dotada de notas uacuteteis e generosas e antecedida de breve introduccedilatildeo Quatro anos

antes de sua morte que ocorreu em 2003 Franccedilois Duysinx publicou uma traduccedilatildeo de A Q

para o francecircs61 Essa mais recente traduccedilatildeo moderna de A Q inova pela introduccedilatildeo de

tiacutetulos e subtiacutetulos nos capiacutetulos o que sem duacutevida facilita a consulta e pela divisatildeo temaacutetica

dos capiacutetulos um pouco diferente das divisotildees propostas anteriormente pelos tradutores Eacute

desses aspectos estruturais que passamos a tratar agora

13 Estrutura conteuacutedo e objetivo

ldquoEis qual deve ser a composiccedilatildeo nos discursos demonstrativosrdquo diz Aristoacuteteles62

ldquocomeccedila-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o planordquo E a

seguir acrescentaμ ldquoTodos os oradores conformaram-se com essa regrardquoέ

Tambeacutem Quintiliano procedeu conforme a regra Como foi dito o Da muacutesica

tem iniacutecio com um preacircmbulo endereccedilado aos amigos Euseacutebio e Florecircncio no qual o autor

declara antes do mais sua admiraccedilatildeo pelo esforccedilo dos antigos na aquisiccedilatildeo e transmissatildeo de

conhecimento Seu esforccedilo conclui-se integra essa mesma tradiccedilatildeo eacute uma colaboraccedilatildeo com

o esforccedilo dos antigos cuja concepccedilatildeo da υ (ora relegada ao campo das trivialidades)

deseja resgatar para benefiacutecio de seus contemporacircneos

Mas por que a muacutesica Que tem ela enfim de tatildeo especial Toda ciecircncia ou arte

explica tem o seu domiacutenio especiacutefico e sua contribuiccedilatildeo proacutepria Soacute a muacutesica poreacutem possui

o princiacutepio estruturante de todo o mundo sensiacutevel nele incluiacutedas as artes a alma humana e a

58 On Music in three books New Haven and Lodon Yale University Press 1983 59 BARKER A Greek musical writings Vol II harmonic and acoustic theory Cambridge Cambridge University Press 1989 p399 60 Sobre la muacutesica Madrid Editorial Gredos 1996 61 La musique Liegravege Bibliothegraveque de la Faculteacute de Philosophie et δettres de lrsquoUniversiteacute de δiegravege 1λλλέ 62 Arte Retoacuterica III 14 Trad de Antocircnio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Ouro 1969 p248

25

alma do universo A υ natildeo eacute apenas a ordenaccedilatildeo para fins esteacuteticos de determinado

fenocircmeno sensiacutevel Ela eacute ordenaccedilatildeo e beleza por excelecircncia sem epiacutetetos restritivos e

portanto diz respeito a tudo quanto por existir manifeste uma natureza ou ordem um cosmo

Ao iniciar com esse breve mas grandioso perfil do objeto sobre o qual pretende

refletir Quintiliano aleacutem de assumir um compromisso demonstrativo antecipa a estrutura

mesma da reflexatildeo que espelha a de seu objeto A muacutesica como arte praacutetica pedagoacutegica e

ciecircncia cosmoloacutegica Ou ainda a percepccedilatildeo sensiacutevel como um aspecto do todo aniacutemico a

unidade da alma como expressatildeo da ordem coacutesmica a unidade do mundo como princiacutepio

imanente que integra todas as coisas pela participaccedilatildeo na unidade do ser Satildeo esses os trecircs

patamares que A Q pretende escalar sucessivamente ao longo do texto Itineraacuterio e destino

no entanto satildeo esclarecidos antes mesmo do primeiro passo a fim de que sejam recordados

sempre que a atenccedilatildeo ao detalhe ameaccedilar a compreensatildeo do conjunto e sobretudo para que

sejam aprofundados pelo paulatino acreacutescimo de novas camadas63

E o preacircmbulo segue pelo cap2 no qual Quintiliano detalha a motivaccedilatildeo imediata

que o leva a escrever a indiferenccedila e o desprezo de seu tempo pela muacutesica A sobreposiccedilatildeo de

acepccedilotildees natildeo nos permite quantificar em que medida esse desprestiacutegio se aplica igualmente a

tudo quanto Quintiliano reuacutene sob o termo υ Eacute sem duacutevida uma pista valiosa o fato de

que inicie estabelecendo o prazer como elemento intriacutenseco64 agrave muacutesica esclarecendo em

seguida tratar-se de um prazer de natureza intelectual para o qual poucos estatildeo aptos ou

dispostos Outra pista eacute dada no final do capiacutetulo quando Quintiliano se queixa daqueles que

natildeo atentaram senatildeo para o aspecto teacutecnico da muacutesica nada dizendo a respeito dos princiacutepios

mais importantes Disso resultou que a muacutesica ateacute o momento jamais foi exposta em sua

inteireza mas sempre segundo interesses especiacuteficos e enfoques parciais Quintiliano declara-

se o primeiro a ousar corrigir essa lacuna

No cap3 a prece por meio da qual Quintiliano invoca o auxiacutelio do Uno ndash a que

chama tambeacutem Ideia Unidade Razatildeo e por fim Razatildeo Unitaacuteria ( ό αῖ ) ndash encerra o

preacircmbulo Decidido a fazer com que uma multiplidade de enfoques (frequentemente

conflitantes ndash ainda que de seu ponto de vista apenas superficialmente) convirja no sentido

de uma visatildeo intelectual unitaacuteria Quintiliano reconhece que seu intento depende inteira e

63 ldquoThe proem is recalled in two ways first through the specific demonstration of each of the contentions introduced and second through gradual illumination of its terminology in the careful repetition of key words of phrases (for instance ldquobenefitrdquo ldquoproperrdquo ldquojudgementrdquo ldquoharmoniardquo ldquogradually revealingrdquo ldquoascentrdquo ldquoDemiurgerdquo ldquoonerdquo etcέ) throughout the treatiseέrdquo (Mathiesen 1983 p16) 64 No cap6 do livro II Quintiliano esclarece que o prazer proporcionado pela muacutesica embora natildeo seja seu aspecto essencial nem por isso eacute condenaacutevel

26

objetivamente da unidade do real do qual a unidade do intelecto no mais eacute somente uma

participaccedilatildeo ou aspecto

O cap 4 introduz as primeiras definiccedilotildees de trabalho as noccedilotildees de muacutesica e de

meacutelos perfeito ( ) E aqui comeccedilam as divergecircncias entre os tradutores Barker

(op cit p402) acatando uma sugestatildeo de Winnington-Ingram65 traduz o conceito de muacutesica

proposto por Quintiliano como ldquoknowledge of what is appropriate in sounds and in the

movements of bodiesrdquoέ Mathiesen (1983 p75) descarta essa inserccedilatildeo por desnecessaacuteria

enquanto Colomer e Gil (opέcitέ pέζβ) argumentam que a definiccedilatildeo ldquoconocimiento de lo

conveniente en cuerpos y movimientosrdquo sendo de fato mais generalizante (ao contraacuterio da

definiccedilatildeo de Winnington-Ingram) que as definiccedilotildees parcias apresentadas por Quintiliano um

pouco antes resulta por isso mais fiel ao alcance que Quintiliano pretende dar ao fenocircmeno

musical evidenciando o contraste entre a abordagem de A Q e a de seus predecessores

A observaccedilatildeo de Colomer e Gil parece convincente tanto mais que logo adiante

Quintiliano excluiu da definiccedilatildeo ateacute mesmo os termos ldquocorpos e movimentosrdquo como se a

menccedilatildeo inicial agrave extensatildeo e ao movimento (aleacutem de uma impliacutecita negaccedilatildeo do paradoxo de

Zenatildeo) tivesse o propoacutesito de circunscrever mediante essas duas categorias todo o cosmo

fiacutesico χ nova definiccedilatildeo faz da muacutesica ldquoa arte do convenienterdquo ( ὸ ὲ ῦ π π ἶ α

) entendida essa conveniecircncia como uma ordenaccedilatildeo ou ldquocomunicaccedilatildeo de ordemrdquo

(π π [] [] υ )

Jaacute o meacutelos perfeito diz eacute aquele no qual estatildeo simultaneamente presentes a

melodia o ritmo e a dicccedilatildeo Eis aiacute resumidamente todo o restante do Livro I que passaraacute a

tratar sucessivamente da teoria harmocircnica da teoria riacutetmica e da meacutetrica

Doravante para que se possa compreender a estrateacutegia expositiva de A Q neste

como nos demais livros eacute preciso partir dos ramos do conhecimento musical descritos por ele

no cap5 que efetivamente encerra a parte introdutoacuteria do tratado

A muacutesica divide-se inicialmente em teoacuterica e praacutetica A muacutesica teoacuterica por sua

vez ramifica-se em teacutecnica (que corresponde agrave teoria musical stricto sensu) e fiacutesica (φυ ὸ

tambeacutem traduzida como ldquonaturalrdquo ou ldquoda naturezardquo) que trata dos princiacutepios causais uacuteltimos

que fundamentam a eficaacutecia da teacutecnica Atente-se para o fato de que esses dois ramos da

muacutesica teoacuterica correspondem natildeo exatamente a dois domiacutenios de uma mesma ciecircncia musical

65 Trata-se de uma inserccedilatildeo (assinalada entre parecircnteses) na seguinte fraseμ ldquo ῦ π π [φ αῖ

αὶ] α αῖ rdquoέ

27

entendida univocamente mas a duas acepccedilotildees distintas de υ de um lado uma

disciplina artiacutestica de outro uma cosmologia simboacutelica

A muacutesica fiacutesica ou da natureza tambeacutem se divide em dois ramos muacutesica

aritmeacutetica e muacutesica fiacutesica O fato de que a espeacutecie seja homocircnima do gecircnero indica que eacute

somente do ponto de vista classificatoacuterio que estamos diante de uma divisatildeo parcial da

muacutesica A vertente fiacutesica da muacutesica natural corresponde de fato agrave abordagem mais

generalizante da muacutesica a muacutesica cosmoloacutegica por excelecircncia em vista da qual a muacutesica

aritmeacutetica desempenha um papel instrumental

Quanto agrave muacutesica teacutecnica suas subdivisotildees satildeo as mesmas do melos perfeito jaacute

anteriormente mencionadas harmonia riacutetmica e meacutetrica Jaacute a muacutesica praacutetica divide-se em

criaccedilatildeo musical (cujas subdivisotildees igualmente repetem as do melos perfeito) e execuccedilatildeo

musical que pode ser vocal (o canto) instrumental e cecircnica (teatral) Resumida num quadro

a classificaccedilatildeo de Quintiliano seria a seguinte

Figura 1- Divisotildees da muacutesica em A Q

O livro I do tratado Da muacutesica aborda os trecircs elementos relativos a essa disciplina

artiacutestica Nos caps6-12 Quintiliano expotildeem a teoria harmocircnica cujo conteuacutedo corresponde

ao essencial daquilo que se entende por teoria musical grega Fundamental tanto no sentido de

elementar quanto no de imprescindiacutevel esse toacutepico seraacute periodicamente retomado ao longo

28

dos livros II e III A teoria riacutetmica seraacute o assunto dos caps13-1966 Nos uacuteltimos dez capiacutetulos

(20 a 29) Quintiliano trataraacute da teoria meacutetrica67

O livro II eacute inteiramente dedicado agrave muacutesica praacutetica que diz respeito agrave terapia das

paixotildees da alma e agrave correccedilatildeo e formaccedilatildeo do eacutethos por meio da muacutesica Aqui A Q retoma as

afirmaccedilotildees (acerca dos amplos benefiacutecios e aplicaccedilotildees da muacutesica) feitas no preacircmbulo e passa

a fundamentaacute-las com base numa teoria da alma a qual diz ele eacute responsaacutevel por dotar de

certo ritmo e de ordem ( υ αὶ ω ) as coisas deste mundo ( ῶ α ) Mas

para que possa ser isso eacute preciso que natildeo seja apenas isso Eis por que a alma continua

Quintiliano natildeo possui uma natureza ou potecircncia uacutenica ( ῶ φ

α χ ω ) mas certa natureza dupla ( π φ ω ) A duplicidade da alma

consiste em ter sido dotada pelo administrador de todas as coisas (ὁ ὸ πα ῶ ) de

uma substacircncia divina na qual habita a razatildeo ( oacute ) e de uma substacircncia mundana ou

irracional (ἄ ) na qual habita o desejo ( π υ α)

Por sua vez a porccedilatildeo desejante (ou irracional) da alma possui igualmente as suas

partes A Q as denomina desejante ( π υ ) a qual tende ao relaxamento (ou relaxaccedilatildeo

indulgecircncia) excessivo e impulsiva ( υ ὴ) que tende a uma tensatildeo igualmente desmedida

Ora a muacutesica diz Quintiliano no iniacutecio do cap3 do livro II estaacute para a alma irracional assim

como a filosofia estaacute para a alma racional Desse modo ao submeter-se agrave muacutesica a alma

irracional submete-se igualmente agrave razatildeo pois a muacutesica eacute no fundo razatildeo transformada em

mateacuteria sensiacutevel tal como a alma mesma

Eis as linhas iniciais da teoria da alma de Aristides Quintiliano de que voltaremos

a tratar adiante mais detalhadamente Desde logo todavia eacute possiacutevel notar a influecircncia de

Aristoacuteteles68 e Platatildeo69 Deste A Q citaraacute (no cap6) a Repuacuteblica no intuito de corrigir o que

reputa errocircneo em seus comentadores O arcabouccedilo conceitual de todo o livro II segundo

Mathiesen (1983) eacute caracteristicamente neoplatocircnico com empreacutestimos tomados a Plotino e

Porfiacuterio e talvez tambeacutem a Jacircmblico Platatildeo (sobretudo Fedro Timeu Repuacuteblica Banquete

e Leis) e Aristoacuteteles (Poliacutetica Eacutetica a Nicocircmaco e Da alma) satildeo presenccedilas marcantes nessa e

em outras partes do livro II ao lado de Teofrasto Heraacuteclito Galeno Plutarco e Dioniacutesio de

Halicarnasso

66 Eacute no final da exposiccedilatildeo acerca da teoria riacutetmica que Quintiliano menciona pela primeira vez as noccedilotildees de masculino e feminino seguidamente retomadas e aprofundadas nos capiacutetulos II e III 67 χ esse respeito diz Duysinx (opέ citέ pέκ) que Quintiliano ldquoest le seul (έέέ) agrave diffeacuterencier nettement meacutetrique et rythmique cette derniegravere faisant intervenir des longues de diverses dureacutees ou des silences pour combler chacun des deux temps eacutegaux ou non sur lesquels srsquoexeacutecute toute musique antiqueέ 68 A dupla divisatildeo da alma irracional eacute exposta na Eacutetica a Nicocircmaco I 13 69 A noccedilatildeo da alma como comandante do corpo aparece no Timeu 34C

29

O cap 14 do livro II tem despertado interesse como possiacutevel registro das

doutrinas eacutetico-musicais do pitagoacuterico Daacutemon professor de Peacutericles e Soacutecrates ostracizado

entre 450-440 aC e citado por Platatildeo na Repuacuteblica (400b e 424c) e em Laques (197d) A

questatildeo damoniana ainda eacute objeto de disputa70 e a despeito de qual seja a convicccedilatildeo de cada

estudioso o fato eacute que as teorias eacutetico-musicais expostas por A Q tecircm papel central no Da

muacutesica pois eacute no microsmo da alma humana ndash ela proacutepria ldquouma harmonia e uma harmonia

de nuacutemerosrdquo ndash que se daacute a articulaccedilatildeo paidecircutica entre experiecircncia do belo excelecircncia moral

e verdade cosmoloacutegica Se o livro I apresenta os rudimentos da arte cuja eficaacutecia na produccedilatildeo

do bem o livro II se esforccedila por demonstrar seraacute no livro III que o bem e o belo seratildeo

reabsorvidos na ordem total da alma do universo Sendo o livro III o objeto desta dissertaccedilatildeo

dele trataremos mais detidamente a seguir explicitando as razotildees das escolhas feitas neste

trabalho

14 Uma proposta de traduccedilatildeo

O livro III aborda os dois ramos da Muacutesica Natural a Muacutesica Aritmeacutetica e a

Muacutesica Fiacutesica A Muacutesica Aritmeacutetica trata do nuacutemero e das relaccedilotildees numeacutericas subjacentes a

toda realidade manifesta e mais particularmente agrave experiecircncia sensiacutevel da muacutesica Uma vez

que tais relaccedilotildees matemaacuteticas tenham sido devidamente demonstradas e justificadas no

acircmbito especiacutefico da muacutesica audiacutevel torna-se entatildeo possiacutevel alccedilaacute-las agrave condiccedilatildeo de paradigma

harmocircnico universal ndash objeto da Muacutesica Fiacutesica

Eacute claro que essa escalada paradigmaacutetica retroaje sobre o fenocircmeno musical stricto

sensu demonstrando sua conformidade (ou homologia isomorfismo) com a estrutura do

cosmo total validando ao mesmo tempo tanto os fundamentos da arte musical quanto as

premissas que afirmam e orientam seu emprego eacutetico-paidecircutico Eacute com esse retorno esse

noacutestos da mente ao ponto inicial que a reflexatildeo se encerra Eacute finda a primeira navegaccedilatildeo

Os tradutores modernos natildeo estatildeo de acordo quanto ao modo como as duas etapas

do raciociacutecio se distribuem ao longo do livro III Mathiesen propotildee que a exposiccedilatildeo referente

agrave Muacutesica Aritmeacutetica corresponde aos capiacutetulos 1 a 8 restando aos demais (9-27) tratar da

70 ldquoThe principal proponents of ἐook II as a source for Damonian theories are Deiters (De Aristidis Quintiliani doctrinae harmonicae fontibus Programm Duumlren Bonn 1870) and Hermann Koller (Die Mimesis in der Antike Bern Francke 1954) Schaumlfke (AQ von der Musik pp 104-41) also supports the premise but more cautiously Effective refutation is offered by Gerald F Else (Imitation in the Fifth Century Classical Philology 53 1958 pp73-90) and Carnes Lord (On Damon and music education Hermes 106 1978 pp32-43) See also Franccedilois Lassere (δa posteacuterἑteacute de ἔrsquoeacutetἐἑqἡe daἕonἑenne in Plutarque de la musique Bibliotheca helvetica romana Olten amp Lausanne URS Graf-Verlag 1954 pp80-87) A useful summary of the Damonian question may be found in Anderson Ethos and education in greek music 1966 pp74-κ1)έrdquo (Mathiesen 1983 pp27-28)

30

Muacutesica Fiacutesica Jaacute Barker considera que os assuntos relativos agrave Muacutesica Aritmeacutetica encerram-se

no cap6 embora o tema da Muacutesica Fiacutesica soacute tenha iniacutecio efetivo a partir do cap9 Os

capiacutetulos 7 e 8 diz seriam uma espeacutecie de transiccedilatildeo entre os dois assuntos Colomer e Gil

situam no cap5 o final da primeira parte do livro III com a segunda parte iniciando-se jaacute no

cap6 Duysinx adota subtiacutetulos ao longo de obra como tambeacutem no livro III mas segue

essencialmente o mesmo esquema proposto por Mathiesen

Tais divergecircncias satildeo aqui relevantes pelo seguinte motivo De iniacutecio esta

traduccedilatildeo deveria ocupar-se unicamente da Muacutesica Fiacutesica escolha que partiu da compreensatildeo

de que pela natureza mesma do seu enfoque a Muacutesica Fiacutesica eacute a uacutenica porccedilatildeo do tratado

capaz de fornecer uma visatildeo suficiente do conjunto teoacuterico da obra bem como de seu

verdadeiro escopo Toda a exposiccedilatildeo anterior desde as consideraccedilotildees teacutecnicas e eacuteticas dos

livros I e II agraves demonstraccedilotildees aritmeacuteticas da primeira parte do livro III estaacute contida (e

referida expliacutecita e implicitamente) nessa segunda porccedilatildeo do livro III que precisamente por

versar sobre a υ em sua acepccedilatildeo mais ampla funciona como um microcosmo da obra

inteira

Tiveram peso nessa decisatildeo ainda outros dois fatores Primeiro meu interesse

predominante pelo aspecto filosoacutefico da obra cujo valor me parece indubitaacutevel apesar de

sepultado sob inevitaacuteveis e sucessivas camadas de estranhamento Levar a cabo essa

arqueologia ou mineraccedilatildeo era o que me animava Assim achei por bem seguir o atalho da

linha reta e atacar diretamente as ideias e a visatildeo de mundo que conferindo forma e recheio

ao tratado de Quintiliano tinham sua culminacircncia expositiva ndash seu ponto de maacutexima

luminosidade ndash na segunda parte do livro III

Para mim o Da muacutesica foi sempre uma obra filosoacutefica mas uma reflexatildeo

filosoacutefica natildeo eacute jamais uma reflexatildeo filosoacutefica ateacute que seja acolhida como tal Isso natildeo

acontece em outros domiacutenios do conhecimento humano Verdadeiro ou falso um relato

histoacuterico eacute sempre um relato histoacuterico e um teste experimental eacute sempre um teste

experimental seja ele exitoso ou falhado Soacute a visatildeo da inteligecircncia requer para sua

transmissatildeo outra inteligecircncia igualmente disposta ao ato e receptiva ao objeto Em eacutepoca de

empirismo criptonominalista isso pode parecer um inconveniente Mas a verdade eacute que

nenhuma posse eacute tatildeo segura e completa quanto a posse do objeto pela inteligecircncia que se

torna aquele uma propriedade desta que nele por sua vez se transforma (como o amador na

cousa amada) pois ela eacute tudo quanto sabe

A rigor uma ideia natildeo pode ser transmitida apenas inteligida Mas uma vez

inteligida ela se torna um aspecto do intelecto e um dado do real Isso explica por que a

31

compreensatildeo de obras como Da muacutesica natildeo se encerra no cataacutelogo das fontes Ruelle (op cit

p317) chamou a atenccedilatildeo para esse ponto ao defender o Da muacutesica contra a acusaccedilatildeo que o

reduzia a um ldquoamontoadordquo (ramassis) ecleacutetico e apontar na obra de Quintiliano a marca de

um compromisso pessoal com as ideias expostas Eacute esse compromisso mais do que a

originalidade das ideias que faz do Da muacutesica

lrsquooeuvre drsquoun theacuteoricien doubleacute drsquoun philosophe pour lequel la musique exposeacutee sans parti pris drsquoapregraves les donneacutees traditionnelles est un facteur important de lrsquoeacuteducation et de la bonne conduite de la vieέ Tel me paraicirct ecirctre le caractegravere essentiel du livre drsquoχristideέ Il est donc oiseux selon moi de rechercher agrave quels auteurs il a empruteacute des assertions qui avaient cours de son temps et dont il srsquoest fait lrsquointerpregraveteέ Il en est tout autrement du dialogue sur la musique attribueacute agrave Plutarque La qualification de compilation conviendrait drsquoautant mieux agrave ce dialogue que des pages entiegraveres sont notoirement des extraits textuels drsquoHeacuteraclite du Pont drsquoχristoxegravene et drsquoautres sources inconnuesέ En tous cas que lrsquoauteur se soit inspireacute de ses devanciers principalement de Platon crsquoest incontestable mais en maint passage de son livre on croit sentir que laΝ penseacuteeΝ partΝ drsquouneΝ convictionΝ personnelle (grifo nosso)

Apesar das observaccedilotildees pertinentes o juiacutezo de Ruelle resulta um tanto negativo

talvez ateacute preconceituoso Se reconhece por um lado que o livro III do Da muacutesica permanece

agrave espera de um Porfiacuterio ou Jacircmblico que o possa comentar e afinal esclarecer (p323) tambeacutem

natildeo deixa de registrar seu espanto perante o caraacuteter bizarre de ces theacuteories71 Feitas as contas

diz resta ao Da muacutesica certo interesse histoacuterico ou quiccedilaacute e natildeo sem ironia a virtude poeacutetica

de fazer sonhar

O artigo de Ruelle escrito no iniacutecio do seacutec XX sem duacutevida conserva muito de

certa postura corrente no seacuteculo anterior Postura que eacute ainda a nossa modernos ou poacutes-

modernos sempre que nos voltamos para a Antiguidade investidos seja de uma reverecircncia

protocolar seja de condescendecircncia arrogante

Essa apreciaccedilatildeo ou depreciaccedilatildeo explica bem por que o livro III permaneceu

pouco estudado e sobretudo por que natildeo teve uma acolhida agrave altura do esforccedilo reflexivo a que

convida Enquanto um Jacircmblico ou Porfiacuterio natildeo nos socorrem tratemos por ora de aplainar-

lhes o caminho

71 Ruelle refere-se (p322) aqui particularmente agraves noccedilotildees de masculino e feminino categorias verdadeiramente centrais em χέ Qμ ldquoδibre aux critiques de railler ses theacuteories sur le caractegravere masculin ou feacuteminin des lettres nottamment des voyelles qui servent agrave la solmisation malgreacute le cocircteacute faible et la nature siguliegravere bizarre mecircme de ces theacuteories appliqueacutees agrave beaucoup drsquoautres eacuteleacutements par exemples aux astres comme chez Ptolomeacutee drsquoailleurs (έέέ) χu troisiegraveme et dernier livre lrsquoauteur aristoxeacutenien jusque lagrave en matiegravere musicale devient un disciple de Pythagore ν il joue jrsquoallais dire il jongle avec les nombres rapporteacutes aux sons et aux intervalles au monde moral agrave lrsquounivers cosmique (έέέ)έ

32

Desse modo e no intuito de nada omitir de essencial adotamos aqui por ser a

mais abrangente a divisatildeo proposta por Colomer e Gil que delimita o tema da Muacutesica Fiacutesica

aos capiacutetulos de 6 a 27 Este trabalho poreacutem natildeo estaacute restrito a esses limites jaacute que os

capiacutetulos iniciais do livro III estatildeo igualmente contemplados na traduccedilatildeo e nos comentaacuterios

de forma a favorecer uma visatildeo mais completa do livro III

Os livros I e II naquilo que tenham de essencial agrave compreensatildeo do livro III estatildeo

resumidos no capiacutetulo a seguir Essa medida dadas as frequentes remissotildees do livro III a

conteuacutedos dos livros anteriores nos permite reduzir o nuacutemero de notas explicativas deixando

para os comentaacuterios o trabalho de reflexatildeo mais detida e aprofundada acerca do texto

2 Aspectos essenciais dos livros I e II 21 Teoria harmocircnica

Quintiliano inicia a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica pela lista das vinte e oito

potecircncias (dynameis) dos sons musicais (phthongoi que designam as notas ou graus da escala

no Sistema Perfeito Imutaacutevel considerados os trecircs gecircneros meloacutedicos admitidos pelos gregos

os gecircneros diatocircnico cromaacutetico e ernarmocircnico)

Esse ponto de partida eacute na verdade um ponto de chegada que subentende seacuteculos

de desenvolvimento teoacuterico e praacutetico Ao fim deste capiacutetulo teremos ocasiatildeo de constatar

como o sistema de que fala Quintiliano fruto da elaboraccedilatildeo teoacuterica da escola aristoxecircnica

registra e condensa ao menos em parte as etapas desse processo de formaccedilatildeo do pensamento

musical grego Por ora se quisermos seguir com proveito a exposiccedilatildeo de A Q seraacute preciso

recuar ateacute o elemento estrutural miacutenimo desse sistema de vinte e oito potecircncias sonoras

Refiro-me ao primeiro e mais elementar sistema consonante e por isso fundamento da teoria

musical grega o tetracorde

Em I 8 Quintiliano define sistema (systema) como qualquer sequecircncia que

compreenda mais de dois intervalos Para os gregos havia apenas trecircs sistemas consonantes o

tetracorde cujas notas extremas estavam separadas por um intervalo de dois tons e meio (ou

intervalo de quarta dia tessaron) o pentacorde que compreendia um intervalo de quinta (dia

pente) e o octacorde que abrangia um intervalo de oitava (dia pason tambeacutem chamado

harmoniacutea) De iniacutecio as melodias gregas mantinham-se dentro do limite da oitava de modo

33

que os sistemas elencados acima correspondiam perfeitamente agraves necessidades do instrumento

nacional a lira cujos tipos mais comuns eram a lira tetracorde e a heptacorde esta uacuteltima

formada pela junccedilatildeo de dois tetracordes Liras de trecircs e cinco cordas tambeacutem existiam mas

eram menos comuns Liras com mais sete cordas surgiriam apenas a partir do seacuteculo V a C

fato que natildeo estaacute de forma alguma alheio ao desenvolvimento dos vaacuterios sistemas que

veremos a seguir

211 Gecircneros e nuances

Observando-se uma lira em disposiccedilatildeo tetracordal teriacuteamos que as duas cordas

que ocupam cada uma das extremidades estatildeo separadas por um intervalo obrigatoacuterio de

quarta justa sendo portanto fixas O mesmo natildeo se aplica agraves cordas intermediaacuterias que sendo

moacuteveis admitiam intervalos distintos A natureza dos intervalos empregados determinava o

gecircnero (genos) do tetracorde O gecircnero diatocircnico (diatonos) admitia intervalos de tom e

semitom distribuiacutedos na seguinte ordem (da corda mais grave para a mais aguda) T2 ndash T ndash

T O gecircnero cromaacutetico (chroma) possuiacutea intervalos de terccedila menor e semitom na sequecircncia

T2 ndash T2 ndash T + T2 E por fim o gecircnero enarmocircnico (harmonia) continha intervalos de terccedila

maior e um quarto de tom distribuiacutedos na ordem T4 ndash T4 ndash 2T Nos gecircneros cromaacutetico e

enarmocircnico vecirc-se que a soma dos dois intervalos menores eacute ainda inferior ao intervalo maior

Esse microintervalos indepedente de qual fosse o seu valor recebiam o nome geneacuterico de

diese (diesis) Jaacute no tratado de A Q o termo diese refere-se sobretudo agrave diese enarmocircnica

(T4) que nisso segue a convenccedilatildeo adotada pela escola aristoxecircnica

Dos trecircs gecircneros conhecidos o diatocircnico eacute o mais antigo e o mais natural daiacute o

fato de ter sido o uacutenico a sobreviver e chegar ateacute noacutes A configuraccedilatildeo particularmente

adaptada aos instrumentos de corda denuncia sua origem Todavia o gecircnero diatocircnico

padeceu certo descreacutedito durante o seacuteculo V aC particularmente no acircmbito da muacutesica

profissional no qual era tido por inferior e rudimentar Os muacutesicos de entatildeo favoreciam o

gecircnero enarmocircnico de origem auleacutetica Num instrumento de sopro como o aulo o semitom

posto entre as duas notas mais graves podia ser dividido em dois intervalos razoavelmente

iguais mediante a obstruccedilatildeo parcial de um dos furos Sutilezas microtonais agrave parte a verdade

eacute que o gecircnero enarmocircnico jamais deixou de ter seus adversaacuterios caindo em raacutepido e

profundo descreacutedito jaacute a partir do seacuteculo IV aC quando entatildeo foi substituiacutedo pelo gecircnero

cromaacutetico presente jaacute desde o seacuteculo VI e cuja origem tal como no caso do diatocircnico

remonta igualmente agrave praacutetica dos instrumento de corda O cromaacutetico foi mais comumente

34

utilizado para acrescentar variaccedilotildees ao gecircnero diatocircnico sendo relativamente raro seu

emprego em estado puro

Exceccedilatildeo feita ao enarmocircnico os gecircneros admitiam ainda variaccedilotildees internas ou

nuances (chroai) O gecircnero diatocircnico possuiacutea duas espeacutecies o diatocircnico tenso (syntonon) jaacute

referido acima e o diatocircnico brando ou relaxado (malakon) formado por intervalos de

semitom (T2) de trecircs dieses enarmocircnicas (34 de tom) e por fim de cinco dieses (T + T4)

O gecircnero cromaacutetico era dito tenso (toniaion) quando composto por intervalos de semitom

semitom e um tom e meio (T + T2) O cromaacutetico brando compreendia dois intervalos de um

terccedilo de tom (T3) e um intervalo de 1 tom + 56 de tom Jaacute o cromaacutetico sesquiaacuteltero

(hemiolon) era assim denominado por possuir dois intervalos formados cada qual por uma

diese sesquiaacuteltera da diese enarmocircnica (D + D2 isto eacute uma diese enarmocircnica e meia ou

ainda 38 de tom) e um intervalo formado por sete dieses enarmocircnicas (ou 1 tom + 34 de

tom)

212 Sistemas

Estivesse em qual fosse o gecircnero ou configuraccedilatildeo o tetracorde podia formar ainda

sistemas mais extensos mediante o acreacutescimo de outros tetracordes unidos ora por

conjunccedilatildeo ora por disjunccedilatildeo No procedimento por conjunccedilatildeo ndash que se observa por exemplo

na lira eoacutelica ndash dois tetracordes estavam unidos por uma nota comum Uma lira heptacorde

cujos tetracordes estivessem unidos por conjunccedilatildeo assumiria a seguinte feiccedilatildeo

Figura 2 - Tetracordes conjuntivos

No caso de tretarcodes unidos por disjunccedilatildeo (procedimento adotado pelas cidades

doacutericas) era preciso eliminar uma nota em um dos tetracordes de modo a adaptar a

configuraccedilatildeo agrave lira de sete cordas

35

Figura 3- Tetracordes disjuntivos

Cada configuraccedilatildeo tinha suas vantagens e desvantagens O procedimento

disjuntivo por exemplo tinha a vantagem de abranger a consonacircncia de oitava intervalo que

dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo natildeo chegavam a alcanccedilar Jaacute o procedimento

conjuntivo ao contraacuterio da uniatildeo por disjunccedilatildeo resultava sempre em dois tetracordes

completos Essa dificuldade diz Reinach (2011 p 39) levaria ao acreacutescimo de mais notas agrave

lira Todavia no periacuteodo em que escreve Quintiliano e na verdade pelo menos desde os

desenvolvimentos da escola aristoxecircnica a reflexatildeo teoacuterica havia jaacute abandonado essa estrita

dependecircncia com respeito agrave praacutetica instrumental No caso das 28 notas elencadas por

Quintiliano natildeo daacute duacutevida de que estatildeo presentes (bem no centro veremos do sistema

apresentado por A Q) os dois procedimentos segundo os quais a lira heptacorde podia ser

estrtuturada Mas a estruturaccedilatildeo dos sistemas pode perfeitamente dispensar essa referecircncia

Assim quando a dois tetracordes unidos por conjunccedilatildeo era acrescida uma nota mais grave

(chamada entatildeo de ldquonota acrescidardquo) formando com isso uma oitava como a nota mais aguda

do segundo tetracorde tinha-se um primeiro Sistema Perfeito (systema teleion) perfeito

precisamente por abranger os trecircs intervalos consonantes

Figura 4- Sistema perfeito de oitava

Trecircs tetracordes conjuntos e uma nota acrescida compotildeem o Sistema Perfeito

Menor (systema teleion elatton) no qual cada tetracorde recebia um nome correspondente agrave

sua posiccedilatildeo no sistema O tetracorde mais grave era chamado de hypaton isto eacute ldquodas

36

primeirasrdquoέ τ segundo era o tetracorde meacutedio (meson ou ldquodas meacutediasrdquo) e o terceiro o

tetracorde conjunto ou conjuntivo (synemmenon) Embora o sistema inteiro estivesse formado

por conjunccedilatildeo soacute o tetracorde conjuntivo recebia esse nome A razatildeo disso reside no fato de

que o conjunto formado pelos tetracordes meacutedio e conjuntivo remeta agrave configuraccedilatildeo da lira

heptacorde de tipo eoacutelico

Figura 5- Sistema Perfeito Menor

Quando ao primeiro par de tetracordes do Sistema Perfeito Menor era acrescido

outro par de tetracordes conjuntos ndash par este poreacutem separado do primeiro por um tom

disjuntivo ndash tinha-se entatildeo o Sistema Perfeito Maior (systema teleion meizon) Esses dois

pares de tetracordes compunham um sistema de dupla oitava e os dois tetracordes do segundo

par eram denominados repectivamente disjuntivo (diezeugmenon ou ldquodas notas disjuntasrdquo) e

hiperboacutelico (hyperbolaion ldquodas notas agudasrdquo)έ

Figura 6 - Sistema Perfeito Maior

Natildeo somente os tetracordes mas tambeacutem as notas (ou potecircncias como diz

Quintiliano) eram denominadas com base em sua posiccedilatildeo A nota correspondente agrave oitava

aguda da nota acrescida era chamada de mese (meacutedia) por estar situada no meio do sistema

de dupla oitava As notas situadas agrave esquerda (ou acima se levarmos em conta a disposiccedilatildeo

das cordas na lira) da mese recebiam dois nomes um primeiro nome que indicava a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem de um segundo que especificava o tetracorde a que a

nota pertencia Assim a primeira nota do primeiro tetracorde era chamada de primeira das

37

primeiras (hypate hypaton) e a segunda superprimeira das primeiras (parypate hypaton) A

terceira nota responsaacutevel por indicar o gecircnero do tetracorde era por isso dita indicativa

(lichanos) Conforme portanto o gecircnero do tetracorde a nota indicativa era chamada de

enarmocircnica das primeiras (enarmonios hypaton) cromaacutetica das primeiras (chromatike

hypaton) ou diatocircnica das primeiras (diatonos hypaton) A quarta nota do primeiro tetracorde

que coincidia com a primeira do tetracorde meacutedio era por isso chamada de primeira das

meacutedias (hypate meson) e assim sucessivamente

Tambeacutem para notas situdadas agrave direita da mese como as notas do tetracorde

disjuntivo havia dois nomes Omitiremos aqui o segundo nome que nada acrescenta aleacutem do

nome do respectivo tetracorde (das disjuntivas ou das hiperboacutelicas) e trataremos apenas do

primeiro jaacute que na oitava aguda os nomes tecircm como referecircncia natildeo a primeira mas a uacuteltima

nota do tetracorde com justiccedila batizada de uacuteltima (nete ldquonovardquo) antes da qual vinha a

penuacuteltima (paranete) sucessora por vez da terceira (trite) isto eacute a terceira nota a partir da

uacuteltima A nota imediatamente apoacutes a mese recebia um nome especial era a nota supermeacutedia

(paramese)

Figura 7- Notas do Sistema Perfeito Maior

O Sistema Perfeito Maior compunha-se portanto de uma sequecircncia de quinze

notas ou de vinte e trecircs potecircncias se considerarmos a denominaccedilatildeo tripla das notas

indicativas (na oitava aguda a nota que indicava o gecircnero do tetracorde era a penuacuteltima) Para

chegarmos ateacute as vinte e oito potecircncias de que fala Quintiliano eacute preciso acrescentar partindo

da mese mais um tetracorde unido por conjunccedilatildeo Esse tetracorde o tetracorde conjuntivo

(synemmenon) forma com os demais a sequecircncia de cinco tetracordes chamada Sistema

Perfeito Imutaacutevel (systema teleion ametabolon)

38

Figura 8- Sistema Perfeito Imutaacutevel

Cada uma dessas notas designava natildeo um determinado som ou altura mas um

grau da escala uma posiccedilatildeo relativa uma ldquopotecircnciardquoέ Para saber a que nota cada potecircncia

correspondia natildeo bastava ter em conta o gecircnero de cada tetracorde Era preciso situar a escala

numa regiatildeo ou tessitura e saber em que espeacutecie de oitava ela estava configurada Eacute disso que

tratam os conceitos de tom tropo e harmonia

213 Tom tropo e harmonia

Vimos que o intervalo de oitava (dia pason) recebia tambeacutem o nome de harmonia

No oitavo capiacutetulo do livro I Quintiliano descreve sete espeacutecies de harmonia ou seja as sete

combinaccedilotildees intervalares possiacuteveis dentro de uma oitava A Q dispotildee suas espeacutecies de oitava

ao longo dos dois primeiros tetracordes do SPI progredindo de grau em grau a partir da

primeira nota do primeiro tetracorde ateacute a nota meacutedia Conforme a ordem em que A Q as

expotildee as espeacutecies de oitava (harmoniai) com sua respectiva disposiccedilatildeo intervalar para o

gecircnero diatocircnico satildeo

Mixoliacutedia STTSTTT

Liacutedia TTSTTTS

Friacutegia TSTTTST

Doacuterica STTTSTT

Hipoliacutedia TTTSTTS

Hipofriacutegia TTSTTST

39

Hipodoacuterica TSTTSTT

Na origem o termo harmonia nada tinha de especialmente musical exceto o fato

de que a lira heptacorde primitiva mantivesse unidos seus dois tetracordes mediante uma

ligaccedilatildeo material chamada harmos palavra por sua vez comumente empregada ndash na

engenharia naacuteutica e na engenharia civil por exemplo ndash para designar precisamente isto a

junccedilatildeo ou engate entre duas coisas No acircmbito da muacutesica e numa acepccedilatildeo mais teacutecnica

harmonia tampouco teve desde o iniacutecio o sentido exclusivo de escala modal (precisatildeo

terminoloacutegica devida agrave escola aristoxecircnica) mas designava um estilo meloacutedico que podia

exigir tanto uma escala determinada quanto certo gecircnero de tetracorde ou de instrumento

certa tessitura da voz certo timbre ou ateacute algum ritmo especiacutefico e tudo isso

simultaneamente O proacuteprio Quintiliano nos fornece um testemunho de que as harmonias tal

como organizadas pelos teoacutericos natildeo correspondiam agraves harmoniai antigas No nono capiacutetulo

do livro I A Q lista seis harmoniai enarmocircnicas que segundo ele correspondem agravequelas

citadas por Platatildeo na Repuacuteblica (399a) Os nomes dessas harmoniai ateacute coincidem ainda que

parcialmente com as escalas modais dos manuais No entanto daquelas seis apenas uma a

doacuterica natildeo contradiz as descriccedilotildees ou as teorias dos harmonicistas

Jaacute o termo tropo (tropos) possui de iniacutecio a acepccedilatildeo geneacuterica de ldquomodordquo ldquoestilordquo

e mesmo ldquoestilo de vidardquo no que revela certa proximidade com o conceito de ethos Em I 12

Quintiliano emprega ldquotropordquo no sentido mais preciso de estilo de composiccedilatildeo meloacutedica

elecando entatildeo trecircs tropoi o nocircmico proacuteprio da regiatildeo mais aguda o ditiracircmbico executado

na regiatildeo meacutedia e o traacutegico proacuteprio da regiatildeo mais grave A tiacutetulo puramente ilustrativo

Quintiliano cita ainda algumas espeacutecies de troacutepoi (nupcial encomiaacutestico cocircmico etc)

deixando ao leitor o encargo de relacionar essas espeacutecies aos trecircs gecircneros antes mencionados

A classificaccedilatildeo inicial dos tropoi segundo a regiatildeo ou tessitura jaacute sugere certo parentesco (ou

mesmo sobreposiccedilatildeo) com a noccedilatildeo de tom (tonos) Em I 10 Quintiliano distingue trecircs

acepccedilotildees de tonos a) a de altura tonal b) a de intervalo particularmente o intervalo de um

tom e c) a de ldquotropo dos sistemasrdquoέ Os tonoi ou tropoi de que fala Quintiliano satildeo as escalas

de transposiccedilatildeo criadas pela escola aristoxecircnica mediante a atribuiccedilatildeo de uma nota a cada

grau do sistema de dupla oitava de modo a que progredindo de semitom em semitom fossem

geradas escalas que servissem de paracircmetro para a tessitura de uma melodia com cada

tessitura admitindo dentro do seu espectro todas as disposiccedilotildees intervalares (harmoniai)

possiacuteveis Inicialmente em nuacutemero de treze essas escalas foram depois ampliadas para

quinze uma para cada grau do sistema de dupla oitava desde a nota acrescida ateacute a uacuteltima do

40

hiperboacutelico Embora natildeo partissem da oitava modal esses tropoi ou tonoi acabaram

recebendo os mesmos nomes dados agraves harmoniai particularmente os cinco tropoi que

ocupavam a parte central do sistema (na ordem doacuterico jocircnico friacutegio eoacutelico e liacutedio) Para

diferenciaacute-los dos tropoi situados nas regiotildees grave e aguda foram acrescidos

respectivamente os prefixos hypo e hyper Disso resulta um sistema perfeitamente simeacutetrico

com cinco tons situados na regiatildeo dos graves cinco tons meacutedios e cinco tons agudos Cada

tom meacutedio estava separado dos seus correspondentes agudo e grave por um intervalo de

quarta Uma lista completa dos quarenta e cinco tons (15 para cada um dos trecircs gecircneros) com

seus respectivos signos notacionais estaacute disponiacutevel em Colomer e Gil (1996 pp 230-233)

214 Modulaccedilatildeo

Recurso inicialmente pouco empregado pelos muacutesicos gregos e que natildeo deixaria

de ter seus adversaacuterios (Cf Rocha op cit p 134) a modulaccedilatildeo (metabole) acontecia sempre

que no curso de uma execuccedilatildeo meloacutedica algum elemento estrutural sofresse modificaccedilatildeo

Essa modificaccedilatildeo podia afetar o gecircnero do tetracorde (diatocircnico cromaacutetico ou enarmocircnico) o

sistema (conjuntivo ou disjuntivo) em que a melodia se situava seu tom (tonos) ou tessitura e

mesmo sua harmonia (escala modal) Outras mudanccedilas podiam ser introduzidas de modo a

dotar a execuccedilatildeo de um caraacuteter mais ou menos solene mais ou menos relaxado etc Claro que

essas alteraccedilotildees impactavam diretamente o ethos de uma melodia Em I 1240-45 Quintiliano

elenca cinco paracircmetros em funccedilatildeo dos quais as composiccedilotildees meloacutedicas (melopoiiacuteai) podiam

se diferenciar Esses paracircmetros satildeo o gecircnero o sistema o tom (tonos isto eacute a espeacutecie de

oitava) o estilo (tropos cujas trecircs variedades satildeo as mesmas citadas anteriormente nocircmico

ditiracircmbico e traacutegico) e finalmente o ethos Os ethe citados por Quintiliano satildeo trecircs o

depressivo (systaltikon) que produz tristeza o exaltado (diastaltikon) que instiga o acircnimo e

por fim o ethos intermediaacuterio (meson) mediante o qual a alma eacute conduzida agrave tranquilidade e

que por isso receberaacute mais adiante (I 1920) o nome de hesuchastikon

Essa divisatildeo triaacutedica dos ethe ndash em que partindo de uma oposiccedilatildeo inicial chega-

se a um ponto meacutedio articulador ndash remete agrave divisatildeo triaacutedica da alma exposta por Quintiliano

no livro II bem como ao simbolismo do 3 (nuacutemero do universo) do qual trataraacute nos capiacutetulos

(III1-6) dedicados agrave muacutesica aritmeacutetica Procedimento recorrente em Quintiliano esse recurso

agraves oposiccedilotildees que se resolvem em mesclas intermediaacuterias manteacutem especial viacutenculo com o tema

do emprego da muacutesica na formaccedilatildeo e na correccedilatildeo do ethos assunto que embora tratado no

41

livro II ecoa de vaacuterias formas tambeacutem no livro III razatildeo por que consideramos oportuno

abordar aqui os aspectos essenciais dessa doutrina eacutetica da muacutesica segundo a visatildeo de A Q

22 A paideia musical de Aristides Quintiliano

Muacutesica eacute terapia das paixotildees da alma diz Quintiliano (II 7) Entender como isso

eacute possiacutevel acrescenta exige o conhecimento da origem e natureza das paixotildees Ora em si

mesma enquanto realidade puramente formal e inteligiacutevel a alma eacute simples ( π ) e

indiferenciada ( φ ) portanto imune agraves paixotildees Ocorre que egressa do mundo

inteligiacutevel a alma se vecirc submetida ao dualismo que impera no acircmbito corpoacutereo o dualismo

masculino-feminino Das oscilaccedilotildees e mesclas entre os dois termos dessa oposiccedilatildeo eacute que

surgem as paixotildees da alma Desse modo converte-se o dualismo em princiacutepio constitutivo da

proacutepria alma doravante dividia em concupisciacutevel ou desejante ( π υ ) sua porccedilatildeo

feminina na qual predominam os prazeres e as tristezas e em impulsiva ou irasciacutevel ( υ )

a porccedilatildeo masculina sede da ira e da coragem

Esse dualismo estaacute igualmente submetido a outra oposiccedilatildeo estruturante A

natureza primeira e inteligiacutevel ndash que natildeo foi perdida mas incorporada agrave mescla corpoacuterea ndash

forma com as duas anteriores uma oposiccedilatildeo entre alma racional e alma irracional (ἄ )

Hierarquicamente superpostas as duas dualidades compotildeem uma triacuteade que corresponde agrave

imagem total da alma dividida em racional e concupisciacutevel com o irasciacutevel na posiccedilatildeo

central exercendo uma funccedilatildeo mediadora Quintiliano propotildee a mesma divisatildeo triacuteadica

tambeacutem em outros termos Em II 2 fala da memoacuteria posta entre a razatildeo e o desejo como um

antiacutedoto contra a irracionalidade que ameaccedila tomar conta da alma Trata-se aiacute da memoacuteria ou

reminiscecircncia das formas eternas que desde as esferas inteligiacuteveis a alma traz consigo para

este mundo Num caso como no outro a alma em A Q move-se no terreno do platonismo e

ambas as caracterizaccedilotildees seratildeo retomadas e aprofundadas no livro III

Diretamente ligada ao tema no qual culminaraacute o livro III eacute a consequecircncia que

extrai Quintiliano dessa dupla natureza da alma Se duas satildeo as porccedilotildees da alma tambeacutem duas

satildeo as espeacutecies de aprendizado das quais a primeira mediante a comunicaccedilatildeo da sabedoria

visa a conservar a porccedilatildeo racional em sua natural liberdade ( α φ υ ᾳ II

32) Fazendo da liberdade uma prerrogativa especiacutefica da razatildeo A Q introduz a premissa

com a qual nos capiacutetulos finais do livro III tentaraacute equacionar a tensatildeo entre liberdade

humana e o ordenamento divino-racional do mundo Tanto laacute como caacute esse aprendizado da

42

razatildeo e da liberdade mediante uma progressiva participaccedilatildeo na sabedoria eacute tarefa assinalada

com exclusividade agrave filosofia

Jaacute a tarefa pedagoacutegica proacutepria da muacutesica eacute a de ordenar as porccedilotildees irracionais da

alma incutindo-lhe haacutebitos virtuosos A educaccedilatildeo musical assim definida dirige-se especial e

particularmente agraves crianccedilas embora o testemunho dos antigos diz recomende seu emprego

ao longo de toda a vida Essa observaccedilatildeo atenua a separaccedilatildeo aparentemente riacutegida entre

educaccedilatildeo musical e educaccedilatildeo filosoacutefica educaccedilatildeo infantil e educaccedilatildeo adulta Nos termos

dessa classificaccedilatildeo pareceria natildeo haver sentido falar de uma educaccedilatildeo musical da razatildeo No

entanto ao tratar dos motivos que levam agrave praacutetica da muacutesica (II 4-5) Quintiliano cita trecircs

razotildees baacutesicas uma para cada porccedilatildeo da alma o prazer a tristeza (ou dor associada agora agrave

alma irasciacutevel) e a inspiraccedilatildeo divina ( υ α ) Tal como o prazer e a dor o entusiasmo

eacute descrito aqui como uma paixatildeo que igualmente sujeita a desequiliacutebrios pode ser reordenada

com auxiacutelio da muacutesica Isso sugeriria dois niacuteveis de educaccedilatildeo musical um niacutevel inicial

destinado agraves paixotildees irracionais e outro posterior dedicado agora digamos agraves paixotildees

racionais Esses dois niacuteveis estatildeo de acordo com a distinccedilatildeo que se observa entre a formaccedilatildeo

musical de que trata o livro III e tudo o que a esse respeito eacute mencionado nos livros I e II

Em todo caso mesmo no domiacutenio pedagoacutegico atribuiacutedo especificamente agrave

muacutesica ou seja no campo da formaccedilatildeo e correccedilatildeo do ethos atraveacutes do haacutebito satildeo tambeacutem

duas as formas ( ἴ ) de educaccedilatildeo eacutetica A primeira eacute a modalidade corretiva ou terapecircutica

( απ υ ) que pode ser minorativa ( ω ) quando vai gradualmente atenuando

determinada paixatildeo ou anulativa ( α ) quando busca erradicar o viacutecio de uma soacute

vez Jaacute a modalidade beneacutefica (ὠφ ) age ora para conservar as virtudes alcanccediladas

caso da espeacutecie conservativa ( α ) ora no sentido de alccedilar a beleza moral

( α α α α) ao patamar da suma virtude ( ἄ α ὴ ὴ ) sendo entatildeo chamada de

aumentativa (π ) Em cada uma dessas quatro modalidades a muacutesica age sobre a

alma mediante dois processos a imposiccedilatildeo ( π υ ) e a persuasatildeo ( π )

Na base desse duplo processo de formaccedilatildeo da alma estaacute a imitaccedilatildeo Nisso a

muacutesica mostra sua vantagem frente agraves demais artes pois se aquelas realizam a imitaccedilatildeo

mediante um ou outro sentido em particular a muacutesica com o melos perfeito (melodia letra e

ritmo no qual estaacute incluiacuteda a danccedila) eacute apta a imitar de modo completo a accedilatildeo desde o seu

nascimento nas profundezas mudas da vontade passando pela verbalizaccedilatildeo e culminando

por fim no ato propriamente dito

Com a vontade eacute formada pelos ethe e pelas paixotildees que se nutrem por sua vez

das conviccedilotildees ou conceitos ( α ) adquiridos ao longo da vida seraacute com base nesses

43

mesmos conceitos que a muacutesica organizaraacute sua imitaccedilatildeo Partindo de um conceito adequado

o muacutesico-educador adotaraacute um estilo e elegeraacute palavras que correspondam aos ethe e agraves

paixotildees que deseje imitar Semelhantemente encontraraacute uma moldura meloacutedica adequada a

essa massa verbal dando em seguida agrave melodia uma forma riacutetmica que espelhe corretamente

as accedilotildees inspiradas pelo conjunto assim organizado Esse paracircmetro conceitual primeiro bem

como os ethe e as paixotildees que dele derivam tem por base o excesso ou a carecircncia de que

podem padecer as porccedilotildees masculina e feminina da alma Se o pedagogo musical obtiver

sucesso a alma de seu educando teraacute sido reconduzida ao equiliacutebrio e o germe de uma

virtude ainda ausente teraacute sido inoculado

Mas a muacutesica natildeo teria tal poder sobre a alma se seus elementos constitutivos natildeo

estivessem tambeacutem submetidos como tudo o mais no acircmbito corpoacutereo ao dualismo

masculino-feminino Jaacute no livro I (cap 19) Quintiliano trata nesses mesmos termos a relaccedilatildeo

entre ritmo e melodia Diz ele que o ritmo estaacute para a melodia como o masculino para o

feminino e que o meacutelos inativo e amorfo eacute a mateacuteria a que o ritmo impotildee uma forma Para

Colomer e Gil (p 96 n 148) a linguagem aristoteacutelica de que se reveste aqui essa doutrina ndash

talvez pitagoacuterica talvez damoniana na origem ndash remete a influecircncias aristoxecircnicas

Quintiliano a atribui ldquoaos antigosrdquo sem no entanto citar nomesέ

Jaacute no livro II (caps 10-16) a fim de demonstrar o paralelismo que reuacutene a muacutesica

e a alma sob a categoria comum da dualidade Quintiliano disserta longamente sobre como as

escolhas lexicais os recursos estiliacutesticos as melodias escalas troacutepoi ritmos e mesmo os

instrumentos se posicionam dentro do amplo espectro que situado entre o puramente

masculino e o maximamente feminino contempla ainda vaacuterias mesclas intermediaacuterias Assim

diz Quintiliano que os sistemas e troacutepoi graves satildeo mais masculinos e femininos os

posicionados na regiatildeo aguda Quanto aos metros e ritmos o espondeu ( __ __ ) eacute ordenado e

viril o troqueu ( __ U ) veicula certo ardor excessivo ao passo que pirriacutequio ( U U ) eacute

humilde e pouco nobre Dentre os instrumentos de corda a lira eacute masculina a sambyke (uma

espeacutecie de harpa) eacute feminina e a ciacutetara um intrumento intermediaacuterio

Mais do que os exemplos interessa-nos como Quintiliano aplica o princiacutepio dual

E dentre os toacutepicos que aborda eacute ao estudo das letras tema que interessa tanto agrave estiliacutestica

quanto agrave teoria harmocircnica que dedica maior atenccedilatildeo

No acircmbito das letras do alfabeto a dualidade de gecircneros atua a partir de uma

oposiccedilatildeo primeira entre vogais (que satildeo suaves e logo femininas) e mudas (que aacutesperas satildeo

por isso masculinas) Entre um polo e outro haacute um ponto intermediaacuterio as semivogais Diz

Quintiliano (II 114-31)

44

() eacute preciso atribuir as particularidades das letras agrave jaacute mencionada oposiccedilatildeo de gecircneros Dentre elas umas realizam sons mais suaves como as vogais outras sons aacutesperos como as mudas e outras sons intermediaacuterios como as semivogais Dentre as vogais as que proferem um som desimpedido satildeo mais eufocircnicas e por isso mais nobres como as longas jaacute as que limitam de pronto o som satildeo menos nobres a exemplo das breves enquanto as intermediaacuterias participam da eufonia conforme sua qualidade temporal Dentre as semivogais as que emitem um sibilo desde o topo dos laacutebios satildeo mais aacutesperas como as duplas e a independente ao passo que as restantes satildeo mais eufocircnicas Destas uacuteltimas satildeo particularmente eufocircnicas as que soam quando a liacutengua golpeia o ar e a boca como o lambda e o rocirc enquanto as que soam com as saiacutedas de ar fechadas ou soacute atraveacutes do nariz como o muuml e o nuuml jaacute o satildeo menos Quanto agraves mudas por sua vez umas satildeo produzidas apenas com os laacutebios quando o ar forccedila a passagem por entre eles como eacute o caso do beta e das letras circundantes outras como o gama e as letras que lhe ocupam os flancos produzem-se com as bochechas e os laacutebios separados numa forte e larga emissatildeo de ar jaacute outras satildeo produzidas com os dentes um pouco separados com a liacutengua a lanccedilar o ar pelo centro como o tau o theta e a letra que estaacute no meio das duas Das mudas todas as que emitem o ar suavemente desde a zona ao redor dos dentes satildeo chamadas simples e satildeo mais eufocircnicas as que o emitem desde dentro da garganta chamam-se aspiradas e satildeo muito aacutesperas jaacute as que o fazem desde o meio do trato vocal chamam-se meacutedias e possuem ambas as naturezas

Com exceccedilatildeo das vogais os termos da classificaccedilatildeo de Quintiliano natildeo significam

o mesmo que espontaneamente para noacutesέ ldquoεudasrdquo natildeo significam aqui ldquoconsoantesrdquo mas

uma subdivisatildeo das consoantes categoria esta que inclui as semivogaisέ ldquoεudasrdquo tambeacutem natildeo

designam as consoantes ditas surdas (ou desvozeadas) pois como se vecirc ele elenca entre as

mudas tanto consoantes vozeadas quanto desvozeadas Na verdade o termo proacuteprio para

designar as consoantes ldquo φ αrdquo sequer eacute utilizado por Quintiliano embora estivesse

incorporado agrave nomenclatura gramatical pelo menos desde Dioniacutesio Traacutecio (circa II aC) que o

emprega na sua χ α α com a qual Quintiliano estaacute de acordo em tudo o mais no

que diz respeito agraves letrasέ χssim para Quintiliano satildeo semivogais as consoantes

e enquanto as consoantes π φ e satildeo ditas mudasέ

Quanto agraves vogais A Q natildeo as aborda aqui senatildeo brevemente Cabe poreacutem

observar como o criteacuterio empregado para a classificaccedilatildeo das vogais ndash o maior ou menor

desimpedimento do som que profere ou seja a capacidade de assumir materialmente a forma

da quantidade contiacutenua por oposiccedilatildeo agrave quantidade discreta ndash rege igualmente o sistema das

letras no seu conjunto e em cada uma de suas partes

Assim intermediaacuterias entre o extenso e o discreto as semivogais satildeo consoantes

que apresentam certo caraacuteter de continuidade As mais contiacutenuas e eufocircnicas logo mais

proacuteximas das vogais satildeo o lambda e o rocirc O muuml e o nuuml satildeo semivogais intermediaacuterias

enquanto o sigma e as consoantes duplas (dzeta xi e psi) ocupam o outro extremo mais

45

proacuteximas das mudas O sistema das semivogais resulta assim perfeitamente simeacutetrico em

relaccedilatildeo ao conjunto das letras parte de uma polarizaccedilatildeo inicial que se desdobra numa triacuteade

As mudas satildeo tambeacutem subdivididas triadicamente conforme o ponto de

articulaccedilatildeo e podem ser labiais dentais ou guturais Cada uma dessas subdivisotildees por sua

vez eacute composta por trecircs elementos duas letras que se opotildee e uma terceira que eacute o seu ponto

meacutedio As labiais organizadas do masculino para o feminino satildeo pi beta e phi As dentais

tau delta e theta As guturais capa gama e khi

Coerentemente A Q estabelece as consoantes sonoras como ponto intermeacutedio

entre as aspiradas e as surdas A aspiraccedilatildeo eacute sem duacutevida um traccedilo contiacutenuo que aproxima as

aspiradas das semivogais (ou consoantes duplas) Jaacute as surdas com sua oclusatildeo seca satildeo a

expressatildeo maacutexima da natureza consonantal que consiste em obstruir a passagem do ar e

portanto introduzir no continuum vocaacutelico um princiacutepio de separaccedilatildeo (ou diferenciaccedilatildeo

formal) Dessa uniatildeo vogal-consoante surgem as mesclas silaacutebicas as quais para clarificar a

analogia de Quintiliano (e recorrendo a Aristoacuteteles) seriam um syacutenolon em que as vogais

ocupam o polo substancial (material ou feminino) e as consoantes o polo essencial (formal ou

masculino)

Internamente as vogais tambeacutem se estruturam numa triacuteade composta por longas

breves e diacutecronas As diacutecronas (α υ ) satildeo naturalmente ambiacuteguas e representam a natureza

intermediaacuteria Dentre as longas o eacute maximamente masculino dada sua esfericidade

(articulatoacuteria sobretudo) observaccedilatildeo que remete ao simbolismo do ciacuterculo e da esfera ndash

formas consideradas perfeitas daiacute a esfericidade da alma72 (II 1747) antes de cair neste

mundo bem como das oacuterbitas celestes Jaacute o longa e sem o arredondamente do eacute a vogal

feminina por excelecircncia

No campo das breves a classicaccedilatildeo segue os mesmos paracircmetros com o ocircmicron

ocupando o polo masculino e o eacutepsilon o feminino Das diacutecronas Quintiliano descarta o iota

o uumlpsilon por considerar sua estreiteza inadequada ao solfejo das notas Tambeacutem o ocircmicron eacute

excluiacutedo em vista do seu maior grau de fechamento Observe-se como em ambos os casos

trata-se de favorecer a expressatildeo da natureza vocaacutelica relacionada agrave quantidade contiacutenua Ao

fim dessas exclusotildees resultam cinco vogais que elencadas em ordem decrescente de

masculinidade satildeo α

72 ἑfέ Platatildeo ἐanquete 1λίaν E ainda segundo Rougier (1λλ1 pέηλ)μ ldquoχrquitas declara δaurent δydus em De Mensibus punha a definiccedilatildeo da alma no ciacuterculo em razatildeo de ser a alma aquilo que se move por si mesmo por que a alma sendo aquilo que se move por si mesmo eacute por uma consequecircncia necessaacuteria o primeiro motor Ora o primeiro motor eacute um ciacuterculo ou uma esferaέrdquo

46

Eis as vogais empregadas no solfejo das notas agraves quais se acrescenta ainda nas

palavras de Quintiliano a mais bela e eufocircnica das consoantes o tau Neste momento

Quintiliano guarda para si mas no livro III ele explicaraacute o simbolismo que justifica inclusatildeo

dessa consoante

Cada uma das quatro vogais acima assinala o caraacuteter (masculino feminino ou

misto) da nota agrave qual estaacute associada Agrave primeira nota do Sistema Perfeito Imutaacutevel a nota

acrescida (proslambanomenos) Quintiliano associa o έ Jaacute agravequela que eacute de fato a primeira

nota do primeiro tetracorde (a primeira das primeiras) χέ Qέ associa o αέ As notas seguintes

satildeo associadas ao (nota superprimeira) e ao (indicativa) apoacutes as quais a sequecircncia se

repete com novamente uma nota primeira (alfa) superprimeira (eta) e indicativa (ocircmega)

cada uma delas distando dois tons e meio da sua correspondente no tetracorde anterior A

uacuteltima nota do segundo tetracorde (a ) eacute associada novamante ao em razatildeo do intervalo

de oitava formado com a nota acrescida

Figura 9 - Vogais empregadas no solfejo

Apoacutes ter demonstrado com uma seacuterie de exemplos a operaccedilatildeo do princiacutepio

dualista no acircmbito da muacutesica Quintiliano sente que tudo isso apenas despertou sem

satisfazer completamente o desejo de conhecer as causas Afinal o que torna a melodia dos

instrumentos tatildeo aliciante para a alma ndash ele pergunta Satildeo duas as respostas que oferece Da

primeira trataremos mais adiante Jaacute a segunda eacute uma explicaccedilatildeo fiacutesica baseada no mito do

descenso da alma (Fedro 245c ss e Rep 614b ss) que estabelece uma analogia material

entre a alma (ou mais exatamente aquilo que manteacutem a uniatildeo entre corpo e alma) e os

instrumentos musicais

A narrativa comeccedila com a alma ainda puramente inteligiacutevel e esfeacuterica habitando

o ceacuteu das estrelas fixas unida agrave Alma do Mundo e obediente aos movimentos do soberano do

universo Em virtude de certa inclinaccedilatildeo ( 73) para as coisas deste mundo poreacutem ele

recebe imagens (φα α α ) de realidades terrenas que a fazem esquecer-se das belezas do

73 Termo teacutecnico da filosofia neoplatocircnica Festugiegravere (1954 pp 63-64) assinala nesta passagem paralelos doutrinas e textuais com Plotino (En I112 e II94) Barker (p 489 n 186) sugere ainda En I 6 5

47

alto Tanto mais distante do inteligiacutevel quanto mais proacutexima do corpoacutereo a alma se enche de

ignoracircncia ou irracionalidade (ἄ α) deixando assim de ser coextensiva com o universo e

afundando-se na profundidade corpoacuterea

Em sua trajetoacuteria descendente atraveacutes das esferas celestes a alma toma aos

ciacuterculos descritos pelos planetas bem como agraves linhas formadas pelos cruzamentos desses

ciacuterculos (os aspectos astroloacutegicos) materiais com os quais tece para si certos laccedilos (

α ) que semelhantes a uma rede faratildeo parte da trama que daraacute em seguida unidade ao

corpo

Ao ingressar na esfera sublunar a alma incha-se com o vento que circula nessa

regiatildeo Arrastada violentamente para baixo em virtude da accedilatildeo do vento mas ainda ligada agraves

realidades superiores a alma sofre uma espeacutecie de esticamento perdendo com isso sua forma

esfeacuterica e assumindo a forma humana Eacute entatildeo que as superfiacutecies ( π φα α ) que havia

produzido com mateacuteria luminosa e eteacuterea convertem-se numa espeacutecie de membrana enquanto

as linhas ( α α ) oriundas do empiacutereo ( π 74) transformam-se em nervos ( α) O

terceiro elemento o vento (π α) das regiotildees sublunares esfria e umidifica o conjunto Esse

composto de superfiacutecie membranosa nervos e vento eacute que eacute a raiz primeira do corpo

mediante a qual este se manteacutem unido agrave alma A este elo entre o psiacutequico e o corpoacutereo eacute dado

o nome de harmonia

Ora tal como o corpo tambeacutem os instrumentos musicais satildeo constituiacutedos de

nervos e vento e tal como naquele tambeacutem nestes os nervos (as cordas) representam a

origem celeste e divina enquanto o vento remete ao ingresso na corporiedade do mundo

sublunar de onde portanto a superioridade dos instrumentos de corda frente aos instrumentos

de sopro Em todo caso natildeo admira que em assim sendo tambeacutem as cordas que mantecircm a

alma atada ao corpo vibrem em uniacutessono com as cordas dos instrumentos a exemplo de duas

liras postas lado a lado

Quintiliano apoia a tese na autoridade de Homero75 de quem cita a seguir o relato

dos amores de Ares e Afrodite agrave guisa de reforccedilo alegoacuterico

potildee as cadeias em ciacutercrsquolo a apanhar a armaccedilatildeo por completo

74 Festugiegravere (op cit p 69) aponta a importacircncia da ocorrecircncia desse termo (observado apenas a partir de Proclo e Jacircmblico) para a dataccedilatildeo de A Q O termo remete agrave distinccedilatildeo feita pelos disciacutepulos de Plotino (embora natildeo acolhida pelo proacuteprio) entre π ou ceacuteu das estrelas fixas e α a regiatildeo dos ciacuterculos planetaacuterios Proclo (In Tim II 583 ) vai mais longe e associa a alma aos ciacuterculos α e o ao empiacutereo Como A Q conclui Festugiegravere natildeo segue o esquema fixo dos neoplatocircnicos deve ser colocado entre aqueles que anteriormente a Plotino admitiam a existecircncia do eacuteter mas natildeo faziam distinccedilatildeo entre eacuteter e fogo divino 75 Odisseia XI 219 (Carlos Alberto Nunes Ediouro 2002 p 195 vv 218-β1λ)μ ldquoesse o destino fatal dos mortais quando a vida se acaba pois os tendotildees de prender jaacute deixaram as carnes e os ossosrdquoέ

48

outras tambeacutem penduradas do teto e a cair para o solo tal como teia de aranha Odisseia VIII 278-280 (Nunes op cit p 143)

Para A Q Ares e Afrodite satildeo o corpo e a alma A teia circular sutil e invisiacutevel

com que Hefesto (o demiurgo) os prende satildeo as superfiacutecies que datildeo forma agrave figura humana

enquanto os peacutes da cama ( que A Q associa a Hermes dito ldquoeloquenterdquo) ndash aos

quais atraveacutes de laccedilos ( α α) a rede foi amarrada ndash seriam as razotildees ( ) e proporccedilotildees

( α α ) que mantecircm a unidade entre corpo e alma

Festugiegravere (op cit pp 72-73) relaciona a noccedilatildeo de ligaccedilotildees da alma ( α) a

certa doutrina que segundo Dioacutegenes Laeacutercio (Vidas e doutrinas VIII 24) Alexandre

Polistor encontrou nas Memoacuterias Pitagoacutericas Refere entatildeo Laeacutercio que para os pitagoacutericos

(VIII 30-31) os discursos e operaccedilotildees intelectuais seriam os sopros ( υ ) da alma

enquanto as veias arteacuterias e nervos ( α) seriam as suas ligaccedilotildees A observaccedilatildeo estaacute de

acordo com a analogia que A Q estabelece entre os nervos do corpo astral e os laccedilos com

que Hefesto aprisiona a alma Afrodite ao corpo Ares

Essa aproximaccedilatildeo com o pitagorismo e no mais a menccedilatildeo expliacutecita dos termos

e α α sugerem que essa segunda explicaccedilatildeo para o poder da muacutesica sobre a alma

agrave qual quase todo o cap 17 estaacute dedicado natildeo estaacute assim tatildeo distante da primeira explicaccedilatildeo

brevemente referida no iniacutecio do mesmo capiacutetulo Diz Quintiliano que segundo essa primeira

doutrina a alma eacute certa harmonia uma harmonia de nuacutemeros cujas proporccedilotildees ( α ῶ )

satildeo as mesmas que integram a harmonia musical O exame detalhado dessa doutrina

acrescenta ficaraacute para mais tarde O livro III o objeto desta traduccedilatildeo natildeo eacute mais (nem

menos) que o cumprimento dessa promessa

49

3 Traduccedilatildeo do Livro III 31 Capiacutetulo I

[94] Encerrem-se aqui as questotildees relativas agrave educaccedilatildeo e ao emprego da muacutesica

Doravante meu discurso trataraacute do que eacute possiacutevel dizer sobre a muacutesica sob o ponto de vista da

natureza a comeccedilar pelos nuacutemeros mediante os quais se datildeo as consonacircncias76 dos intervalos

Os primeiros a dar-se conta da natureza cambiante e nada estaacutevel do corpo (tal como se vecirc na

paulatina mudanccedila da juventude agrave velhice) tendo a partir disso compreendido dentre outras 5

coisas a pouca confiabilidade dos sentidos77 tiveram a ideia de determinar cada um dos

intervalos musicais mediante a exata apreensatildeo proporcionada pelos nuacutemeros Tomando entatildeo

duas cordas78 e partindo da unidade deduziram os nuacutemeros Atando um peso numa das

cordas e dois pesos na outra obtiveram ao percurti-las a consonacircncia de oitava a qual

provaram estar em razatildeo dupla E uma vez mais ao atar trecircs pesos a outra corda e percurti-la 10

dela soou com respeito agrave anterior o intervalo de quinta e com respeito agrave primeira corda o

intervalo de quinta e oitava Decobriram num caso a razatildeo tripla e no outro a razatildeo

sesquiaacuteltera79 E ao acrescentar novamente outra corda da qual pendiam quatro pesos

descobriram que em relaccedilatildeo agrave terceira corda ela soava o intervalo de quarta em proporccedilatildeo

sesquiteacutercia80 e o intervalo de oitava com relaccedilatildeo agrave segunda corda e o de dupla oitava com 15

relaccedilatildeo agrave primeira Determinaram assim que o intervalo [95] de quarta apresenta-se em razatildeo

sesquiteacutercia ao passo que o intervalo de quinta em razatildeo sesquiaacuteltera e o de oitava em razatildeo

dupla sendo este uacuteltimo formado pelos outros dois jaacute que o trecircs estaacute para o dois em razatildeo

sesquiaacuteltera o quatro estaacute para o trecircs em razatildeo sesquiteacutercia e para o dois em razatildeo dupla

Uma vez mais os intervalos maiores satildeo obtidos mediante a soma dos intervalos jaacute antes 20

mencionados

76 Cf Livro I Cap7 77 Sobre a insuficiecircncia dos sentidos perante o caraacuteter fluido ou cambiante ( υ ὸ ) das coisas cf Platatildeo Teeteto 170d ss Sobre a intelecccedilatildeo mediante nuacutemeros cf Filebo 55d ss e Filolau Frag4 Toda essa passagem subentende a discussatildeo acerca dos papeis quem cabem agrave razatildeo e agrave percepccedilatildeo no estabelecimento da ciecircncia harmocircnica e dessa forma remete agraves diferentes perspectivas representadas pela vertente pitagoacuterica matematizante e a vertente aristoxecircnica mais empirista Platatildeo aborda essa controveacutersia em Rep 530d-531d 78 O experimento a ser descrito por A Q natildeo corresponde agrave realidade A frequecircncia emitida pela corda natildeo eacute proporcional aos pesos nela atados mas agrave raiz quadrada destes Experimento semelhante a este eacute descrito em Nicocircmaco Harmonicum Enchiridion Cap VI 246-248 Barker (1990 p495 n4) sugere tenha sido Nicocircmaco a fonte de A Q nesta passagem 79 32 80 43

XLIX

Α Ν Α Ν Ν Η Ν

I

[94] ὰ ὲ Ν ὴ πα α Ν Ν π Ν αὶ Ν Ν α ὰ υ ὴ Ν Ν ῖ Ν

Ν Ν Ν Ν Νπ ὶ Νφυ Ν Ν α ὰ α Ν Ν Ν

π Ν ΥΝ Ν ὰ Ν Ν α Ν υ φ α Ν πα α έΝ Ν ὰ Ν ὴΝ

π Ν Ν Ν α Ν ὸΝ φ Ν υ ὸ Ν αὶΝ α Ν Ν π Ν ὰΝ Ν Ν

Ν πὶΝ α Ν α ὰΝ ὸ Ν α Ν ῖ α Ν α α α Ν Ν υΝ5

αΝπ ὸ Ν ῖ Ν Ν Να Ν υ Ν ὸΝ α Ν ῖΝ α α Ν Ν

ΥΝ Ν α Ν Ν Ν υ Ν α Ν αφ Ν π α έΝ α Ν Ν

Ν ὰ Ν πὸΝ Ν Ν υ α Ν ὺ Ν έΝ Ν ὲ Ν Ν Ν α Ν

α Ν ὴ Ν α α Ν Ν ὲΝ Ν π Ν Ν αὶΝ ὰ Ν φ α Νπ α Ν ὴ Ν ὰΝ

πα Ν υ φ α Ν Ν αὶΝ α Ν Ν π α Ν Ν υ π φ α έΝπ Ν10

ὲΝ Ν Ν ῖ Ν ὰ Ν π α Ν αὶΝ α α Ν Ν Νπ ὸ Ν Ν ὲ Ν Ν

α ὴ Ν α Ν ὸΝ ὰΝπ Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὰΝπα Ν αὶΝ ὰΝπ έΝ Ν

ὲ Ν Ν π α αΝ Ν Ν α Ν Ν ὲΝ ὸ Ν έΝπ Ν ὲΝ Ν

π Ν ὴ Ν αὶΝ α Ν Ν Ν Ν α α Ν Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὴ Ν Ν α Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὴ Ν υ α Ν ὸΝ ὰΝπα Ν15

π ὸ Ν ὲΝ ὴ Νπ Ν ὸΝ ὶ Ν ὰΝπα έΝ ὸΝ ὲ Ν Ν ὰ [95]

Ν Ν π Ν Ν

ῖ α Ν α Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπ Ν Ν Ν ὸΝ ὲΝ ὰΝπα Ν Ν π α Ν Ν

Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν ὰ Ν αΝ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ

α αΝπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν π α αΝ ὰΝ ὲΝ Ν

α α αΝπ Ν Ν Ν υ Ν Νπ Ν Ν ῖ α έΝ 20

50

E desejando determinar tambeacutem as razotildees dos intervalos inferiores ao diacutetono ou

seja os intervalos de um tom de meio tom e a diese81

assim procederam sabendo que o

intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom dispuseram em sequecircncia trecircs nuacutemeros

dos quais o primeiro estaacute para o segundo em razatildeo sesquiteacutercia e para o terceiro em razatildeo 25

sesquiaacuteltera Os nuacutemeros satildeo seis oito e nove O oito estaacute para o seis em razatildeo sesquiteacutercia

ao passo que o nove estaacute para o seis em razatildeo sesquiaacuteltera82

e para o oito em razatildeo

sesquioitava Uma vez que o intervalo de quinta ultrapassa o de quarta em um tom viram que

a proeminecircncia do intervalo de quinta em relaccedilatildeo ao de quarta que eacute precisamente de um

tom consistia numa razatildeo sesquioitava83

E quiseram ainda conhecer a razatildeo dos semitons 30

Natildeo havendo poreacutem entre o oito e o nove nenhum nuacutemero duplicaram os mencionados

termos e obtiveram dezesseis e dezoito no meio dos quais vem a estar o dezessete nuacutemero

pelo qual disseram eles o tom divide-se em semitons os quais poreacutem descobriram eles natildeo

se dividem em partes iguais mas em uma parte maior e outra menor pois o dezessete estaacute

para o dezesseis na razatildeo dezessete por dezesseis avos ao passo que o dezoito estaacute para o 35

dezessete na proporccedilatildeo dezoito por dezessete avos razatildeo esta que eacute menor do que a anterior

Por isso eacute que na notaccedilatildeo por semitons84

a representaccedilatildeo das notas eacute dupla de forma a que

quando seja preciso soar o semitom menor sigamos para a nota mais proacutexima quer abaixo

quer acima da nota anterior e [96]

quando seja preciso soar o semitom maior sigamos para a

nota mais distante Daiacute que dada a dificuldade de determinar sua medida exata os antigos 40

tenham dado a esse intervalo o nome de resto85

Daiacute que uma vez mais e pelas mesmas

causas tendo duplicado os nuacutemeros jaacute mencionados descobriram que as dieses tambeacutem natildeo

dividem o semitom em duas metades Assim tomaram o 32 o 34 e o 36 em cujo meio

intercalam-se outros nuacutemeros entre o 32 e o 34 o 33 e entre o 34 e o 36 o 35 de modo que

entre o 32 e o 34 surgem dois intervalos um na proporccedilatildeo 3332 e outro na proporccedilatildeo 3433 45

Da mesma forma dois intervalos surgem entre o 34 e o 36 um na proporccedilatildeo 3534 e outro na

proporccedilatildeo 3635 De fato constatamos que tambeacutem a natureza das dieses eacute dividir-se em

partes desiguais

81

Intervalo de um quarto de tom (Tζ)έ τ termo ldquodieserdquo deriva do verbo que signica ldquodissolverrdquo ldquodispersarrdquo ldquoatravessarrdquoέ No Livro I (Cap 7 39-41) AQ define a diese como o ponto de dissoluccedilatildeo ( υ )

da voz ou seja a formalidade abaixo da qual o fenocircmeno da variaccedilatildeo tonal cessa de existir 82

86 = 43 96 = 32 83

(32) (43) = 98 = 1 tom Cf Euclides Sectio Canonis prop 8 p198 In Barker 1990 84

Livro I Cap 11 85

α Esse termo se aplica sobretudo agrave proporccedilatildeo resultante da subtraccedilatildeo de dois tons ao intervalo de quarta

na forma (43) (98)2 que eacute 256243 A noccedilatildeo de α e o fenocircmeno da irracionalidade numeacuterica tecircm para A

Q implicaccedilotildees mais profundas das quais trataraacute nos capiacutetulos seguintes

L

υ Ν ὲΝ αὶΝ ὺ Ν Ν α Ν Ν υΝ α α α ῖ Ν υ Ν

υΝ Ν αὶΝ υΝ αὶΝ Ν Ν π α έΝ Ν ὰ Ν Ν ὸΝ ὰΝπ Ν Ν

ὰΝ Ν π Ν Ν υ α Ν ὺ Ν α ὰΝ ὸΝ Ν ῖ Ν Ν Νπ Νπ ὸ Ν

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν υ Ν Νπ ὸ Ν ὲΝ ὸ Ν Ν ὸ Ν έΝ ὶΝ ὲΝ

Ν Ν ὼ αέΝ ὲ Ν Ν ὼ π ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν π Ν Ν ὲ αΝπ ὸ Ν25

ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν π Ν ὸ ὲ ὰ π Ν ὰ

Ν π ῖ Ν π Ν αΝ Ν Ν ὴ Ν ὰ π Ν π ὸ Ν ὸ ὰ

Ν π Ν π Ν ὶ Ν υ έ υ α Ν ὲ αὶ ὸ Ν Ν

Ν α α α Ν έΝ α ὺ ὴ ὼ αὶ αΝ ὸ Ν

υ υΝ ὺ Ν π υ Ν υ Ν π α α Ν π α Ν ὲ Ν α αΝ αὶ 30

α αΝ α ὺ ὲ Ν Ν π αΝ ὸ Ν π α α αέΝ ὴ α Ν

α Ν ὸ Ν Ν Ν αέΝ α Ν ὲ α ΥΝ Ν Ν αΝ α αΝ Υ Ν

Ν ῖ Ν αὶ α Ν ὲ Ν ὰ Ν π α α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν φ α α Ν

Ν Ν ὲ α αΝπ ὸ Ν ὸ Ν π α α αΝ Ν Ν ΥΝ Ν υΝ ὸ Ν

φ π α α α Ν ΥΝ Ν α ΥΝ Ν α αφ π α Ν Ν Ν35

Ν Υ [96] Ν ὲ Ν α Ν Ν ῖ Ν Νπ ὸ Ν ὸ Ν ὴ Ν π α Ν

ὴ Ν Ν π αΝ Ν ὲ ὸ ῖ Ν π ὸ Ν ὸ π Ν Ν αὶ ῖ αΝ Ν ὸ

αΝ ὰ ὸ υ α Ν Ν Ν α Ν πα α έΝ π Ν ὴ ὺ Ν

π υ Νξ υ ρΝ ὰ ὰ Να ὰ Να α Ν π α α Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν

α Ν ὸ έΝ π α Ν ὰ Ν α α Ν α α - α αΝ40

α α Ν α ὺ ὲ Νπ Ν Νπ π υ Ν Ν ὲ Ν α α Ν αὶ

α α α αΝ α α αΝ ὲ α α α αΝ αὶ α αὲ Ν

α απ Ν Ν α ὺ α α Ν αὶ α α α αΝ α Ν Ν

α α αΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν π α Ν ὸ ΥΝ π α Ν Ν ὲ

α α α αΝ αὶ α αὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν π α α Ν ὸ ΥΝ45

π α π π έΝ Ν ὴ αὶ ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν αΝ ῃ έΝ

51

Assim sendo natildeo eacute difiacutecil perceber que o intervalo de quarta natildeo eacute composto

exatamente de dois tons e um semitom Com efeito se desejaacutessemos tomar uma apoacutes a outra 50

duas razotildees sesquioitavas (98) e em seguida acrescentaacutessemos um quarto termo que

estivesse relativamente ao primeiro da seacuterie em razatildeo sesquiteacutercia (43) tal termo natildeo

estaria relativamente ao terceiro termo da seacuterie nem em razatildeo 1716 nem em razatildeo 1817

mas numa razatildeo de aproximadamente 2019 + 505504 Esses quatro nuacutemeros sucessivos satildeo

192 216 243 256 nuacutemeros que o divino Platatildeo tambeacutem menciona no Timeu provando que a 55

muacutesica sensiacutevel no que tange agrave exatidatildeo deixa muito a desejar em relaccedilatildeo agrave muacutesica

inteligiacutevel86

86

Timeu 36b

LI

υΝ ὴΝ Ν Ν Ν α πὸ Ν υ ῖ Ν Ν ὸΝ ὰΝ Ν Ν

υ Ν Ν Ν Ν Ν αὶΝ υέΝ Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν α ὰΝ ὸΝ

Ν π υ Ν α ῖ Ν ᾆ αΝπ Ν Ν α Ν Ν Νπ ὸ Ν ὸ Νπ Ν Ν

Ν ὸ Ν π Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν Ν φ α α Ν Ν50

φ π α α α Ν ὰΝ υ Ν π α α α Ν αὶΝ π π α α έΝ

α Ν ὲΝ αὶΝ α ὰΝ ὸΝ Ν ὶΝ α Νξ Ϟ ρΝξ ϛρΝξ ρΝξ ϛρΝ Ν ὴΝ αὶΝ

Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν ᾳΝ

π ὺΝ π α Ν έΝ

52

32 Comentaacuterios ao capiacutetulo I

Tendo jaacute abordado a muacutesica enquanto arte (livro I) da qual se pode extrair um

benefiacutecio pedagoacutegico (livro II) A Q seguindo a estruturaccedilatildeo proposta em I5 passaraacute agora

a tratar da muacutesica enquanto propedecircutica filosoacutefica Entram em cena aqui portanto pelo

menos trecircs acepccedilotildees do termo ldquomuacutesicardquo acepccedilotildees agraves quais χέQέ teraacute de recorrer

necessariamente ao longo do livro III na medida em que boa parte do que aqui se expotildee

depende do que foi estabelecido anteriormente

Ocorre que se entre as duas acepccedilotildees iniciais de muacutesica (como atividade artiacutestica

e como teacutecnica pedagoacutegica) existe uma mera mudanccedila de enfoque na qual o objeto material

da ciecircncia (o fenocircmeno sonoro) permanece inalterado a disciplina filosoacutefica da muacutesica impotildee

uma mudanccedila simultaneamente mais sutil e mais profunda Haacute em primeiro lugar uma

mudanccedila de objeto ou ainda uma ampliaccedilatildeo dramaacutetica do objeto inicial Quintiliano diz

passaraacute a tratar da muacutesica sob o ponto de vista de natureza mas o contraacuterio eacute igualmente

verdadeiro ele trataraacute da natureza desde o ponto de vista da muacutesica ou seja trataraacute da

natureza enquanto muacutesica

Nessa mudanccedila de escala o objeto inicial natildeo eacute perdido mas permanece como

paradigma e estiacutemulo sensiacutevel para a inteligecircncia Em todo caso eacute preciso reacomodaacute-lo

dando-lhe no novo contexto um lugar incomparavelmente mais modesto Decorrem disso

algumas tensotildees entre o livro III e os livros anteriores Uma dessas tensotildees reside no

tratamento aproximativo e empiacuterico que Quintiliano daacute no capiacutetulo 7 do livro I ao tema dos

intervalos face ao tratamento rigorosamente matemaacutetico dado aqui com sua insistecircncia na

irracionalidade dos intervalos inferiores a um tom Essa insistecircncia matematizante que natildeo eacute

mera mudanccedila de meacutetodo deve ser entendida agrave luz daquela ampliaccedilatildeo inicial de objeto a qual

natildeo eacute exclusivamente horizontal mas sobretudo vertical e que corresponde agrave passagem do

sensiacutevel ao inteligiacutevel Eacute em vista dessa escalada vertical que o nuacutemero adquire certa

autonomia e ateacute preponderacircncia frente ao fenocircmeno quantificado O papel destinado ao

nuacutemero dentro da propedecircutica filosoacutefica da muacutesica exige que ele se torne um foco de

interesse em si mesmo Natildeo se trata poreacutem do nuacutemero como mera quantidade pois ldquouma eacute a

aritmeacutetica popular e outra a aritmeacutetica do filoacutesofordquo (Filebo 57d) assim como uma eacute a muacutesica

entendedida como contraparte da ginaacutestica e outra a muacutesica entendida como ciecircncia irmatilde da

astronomia (Rep 521e ndash 522c 530d ndash 531a) Satildeo ambas disciplinas pedagoacutegicas e nesse

sentido ambas desempenham algum papel na formaccedilatildeo do filoacutesofo Mas enquanto o enfoque

53

da primeira cinge-se ao aspecto eacutetico87 a segunda estaacute diretamente subordinada ao fim uacuteltimo

da educaccedilatildeo que eacute conduccedilatildeo ou conversatildeo (π α ω )88 da alma agrave visatildeo do bem supremo

Como explica Platatildeo na Repuacuteblica (523a ss) a alma soacute se potildee em marcha em direccedilatildeo ao

inteligiacutevel quando confrontada com um objeto que convide agrave reflexatildeo isto eacute com um objeto

que ensejando sensaccedilotildees opostas reclame um paracircmetro superior aos sentidos Os nuacutemeros

diz (Rep 524d ndash 525b) prestam-se muito bem a esse fim na medida em que cada um deles

manifesta uma tensatildeo entre a unidade e a multiplicidade Trata-se da tensatildeo entre o nuacutemero

como forma e o nuacutemero como quantidade89 (Feacutedon 100e8 ndash 101d)

Essa a razatildeo por que o caraacuteter especiacutefico da muacutesica tal como tratada aqui neste

livro por AQ natildeo reside propriamente no recurso aos nuacutemeros mas na finalidade a que tal

recurso atende a qual natildeo eacute fornecer uma quantificaccedilatildeo exata da mateacuteria sensiacutevel A

insistecircncia na irracionalidade dessa quantificaccedilatildeo como na passagem em que trata do resto

( α) eacute prova disso Tambeacutem Platatildeo em diversas passagens do Livro VII da Repuacuteblica

critica os praticantes das ciecircncias matemaacuteticas (aritmeacutetica geometria astronomia e muacutesica)

cuja matematizaccedilatildeo tem por objeto exclusivamente o mundo sensiacutevel Tratando

particularmente dos muacutesicos diz que estes ldquoaplicando-se a medir os intervalos consonantes

ao ouvido e os sons entre si fazem como os astrocircnomos um trabalho inuacutetilrdquo (531a1-3)

87 Diz Soacutecrates na Repuacuteblica (518a) que a inteligecircncia estaacute para alma como os olhos estatildeo para o corpo e que tal como os olhos natildeo se movem independentemente do corpo tambeacutem a inteligecircncia se quiser chegar agrave visatildeo do Ser precisa mover-se com alma inteira Essa a razatildeo por que a formaccedilatildeo eacutetica deve anteceder agrave formaccedilatildeo intelectual stricto sensu 88 Repuacuteblica 518c 89 Para esse efeito alguns autores fazem distinccedilatildeo entre um ( ) e mocircnada ( ) Cf Teacuteon de Esmirna 1913

54

33 Capiacutetulo II

Em vista disso se esticando uma corda sobre uma superfiacutecie capaz de comportar

todos aqueles nuacutemeros fizermos soar as proporccedilotildees antes mencionadas [97] descobriremos

todos os sons aqueles que em razatildeo de seus nuacutemeros estatildeo em consonacircncia e os que por sua

dissonacircncia satildeo inferiores Por isso eacute que segundo dizem Pitaacutegoras ao libertar-se deste

mundo recomendou aos que o seguiam o estudo do monocoacuterdio90 mostrando assim que a 5

excelecircncia em musica eacute alcanccedilada antes por via inteletual atraveacutes do nuacutemeros do que por via

sensiacutevel atraveacutes da audiccedilatildeo A fim de demonstrar isso estabeleceremos os seguintes

paracircmetros a nota acrescida corresponde a 9216 a mese a 4608 e a uacuteltima do hiperboacutelico a

230491 Organizaremos a partir de tais nuacutemeros as jaacute mencionadas proporccedilotildees dispondo-as

sobre o cacircnon conforme o nuacutemero de unidades como pontos sobre uma linha E dado que 10

porccedilotildees menores de corda percutem quantidades tambeacutem menores de ar faremos soar com os

intervalos menores os sons mais agudos ao passo que mediante o procedimento contraacuterio

faremos soar eacute claro os sons mais graves Poreacutem como a magnitude dos nuacutemeros dificulta

sua representaccedilatildeo na corda adotaremos o procedimento geomeacutetrico92

Assim uma vez esticada sobre o cacircnon uma corda que emitisse o som acrescido 15

se a tomarmos pela metade faremos soar a mese se tomarmos a quarta parte dessa corda

teremos o uacuteltimo do hiperboacutelico [98] Se tomarmos trecircs quartos teremos o diatocircnico do

primeiro93 E se dividirmos aqueles mesmos trecircs quartos em duas partes iguais obteremos o

uacuteltimo do conjuntivo94 e se tomarmos dois terccedilos daquela metade que equivale a um terccedilo da

90 O monocoacuterdio ou cacircnon consistia numa base retangular de madeira entre cujas extremidades era esticada uma corda Sob a corda e junto agrave base retangular havia uma espeacutecie de reacutegua indicando as diversas proporccedilotildees correspondentes aos intervalos aleacutem de uma ponte moacutevel que permitia ao muacutesico tocar a nota desejada O monocoacuterdio natildeo foi um intrumento musical propriamente dito mas um recurso teacutecnico empregado por teoacutericos para a mediccedilatildeo da magnitude dos intervalos A invenccedilatildeo do monocoacuterdio eacute comumente atribuiacuteda a Pitaacutegoras (aleacutem do proacuteprio AQ satildeo dessa opiniatildeo Diog Laert VIII 12 Boeacutecio Mus I 2 e muitos outros Cf Burkert 1972 p375 n 22 ) mas segundo Barker (1990 p 497 n14) eacute pouco provaacutevel que o monocoacuterdio tivesse sido empregado antes do seacutec IV aC 91 Ou seja da nota acrescida (proslambanoacutemenos) ateacute a mese temos uma oitava (92164608 = 21) e entre a mese a uacuteltima do hiperboacutelico (46082304 = 21) outra oitava O objetivo da atribuiccedilatildeo desses valores eacute permitir que cada nota nas suas diversas relaccedilotildees com as demais seja representada por um nuacutemero inteiro Como seria impraticaacutevel dividir o monocoacuterdio um instrumento relativamente pequeno em tantas unidades A Q retomaraacute em seguida o caacutelculo a partir das proporccedilotildees 92 Ou seja estabelecendo as proporccedilotildees muacutetuas entre as partes em vez de representar cada intervalo por uma corda diferente Cf III 4 e 5 adiante 93 Depois de estabelecer as notas que delimitam as duas oitavas do Sistema Perfeito Imutaacutevel A Q repete o mesmo procedimento na determinaccedilatildeo das notas fixas de cada tetracorde Entre a nota acrescida e o diatocircnico do primeiro haacute um intervalo de dois tons e meio isto eacute uma quarta justa Para visualizar com mais clareza v figuras 7 e 8 94 O uacuteltimo do conjuntivo eacute a oitava aguda do diatocircnico do primeiro

LIV

II

Ν ῖ Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π Ν Ν π π υΝ

υ υΝ α Ν π Ν ῖ Ν ὺ Ν πα α Ν ὺ Ν α α α Ν ὰ Ν

π α[97] Ν Ν α Ν πα Ν ῖ Ν φ Ν ὲ Ν

ῖ Ν ῖ Ν υ φ α Ν Ν ὲ α ΥΝ υ φ α Ν α έΝ ὸ αὶ

υ α α Ν φα ὶ ὴ Ν Ν πα α ὴ Ν π Ν Ν ῖ Ν α Ν5

πα α α Ν αΝ Ν ὴ Ν αΝ ὴ Ν Ν υ- Ν Ν ΥΝ Ν

α Ν ΥΝ Ν α π έΝ υ Ν υ Ν π αΝ Ν ῖ Ν π Ν

π α α Ν ὲ Νξ ͵ ϛρΝ Ν ὲ α Νξ ͵ ρΝ Ν ὲ π α Νξ ͵ ρέΝ

Ν Ν Ν Ν υ Ν ὺ Ν π υ Ν υ Ν αὶ α ὰ ὰ Ν

α Ν π α Ν Ν α Ν α π Ν πὶ α Ν ῖαΝ ὰ Ν10

Ν α Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αΝ ὰ

αΝ Ν ΥΝ α α ὴ ὰ α αέΝ ΥΝ π ὴ ὰ ὸ π Ν

υ ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν ὰ α Ν φ υΝ Ν

π έΝ

Ν Ν Ν Ν πὶ α Να ὴ ὲ Νπ α α Ν15

ὸ ὲ Ν υΝ α α Ν α Ν Ν ῖ Ν π Ν ὸ ὲ α Ν Ν

π α Ν ὰ ὲ [98] αΝ α αΝ π Ν έΝ ΥΝα ὰ α αΝ αΝ Ν

αΝ Ν υ Ν ὲ Ν α Ν ὸΝ Ν π Ν ὶΝ Ν Ν

55

corda inteira faremos soar o uacuteltimo do disjuntivo95

se tomarmos dois terccedilos da corda inteira 20

teremos o primeiro dos meacutedios96

E se daqueles dois terccedilos subtraiacutessemos um terccedilo emitir-se-

ia a nota supermeacutedia97

mas se pusermos duas vezes dois terccedilos daqueles dois terccedilos teremos

a primeira dos primeiros98

A fim de obter os menores intervalos procedemos do seguinte

modo dividimos um quarto da corda inteira em oito partes iguais e apondo outra unidade

igual agraves anteriores obteremos a diferenccedila correspondente a um tom99

E dividindo uma vez 25

mais o segmento resultante em oito partes iguais agraves quais acrescentamos outra unidade

idecircntida agraves demais obteremos a terceira do hiperboacutelico E o mesmo faremos nos demais

quarteacuteis dividindo-os segundo as mesmas proporccedilotildees e obtendo os diversos sons Dispondo

entatildeo um cacircnon simples sem corda100

comeccedilaremos por dividi-lo e desde os pontos nele

marcados traccedilamos paralelas ateacute o cacircnon que estaacute sob a corda E apoacutes termos assim marcado 30

as partes desse cacircnon dividimos a corda segundo os pontos nele assinalados Eis a chamada

divisatildeo do cacircnon101

95

O uacuteltimo do disjuntivo e a nota acrescida (corda inteira) estatildeo separados por um intervalo de uma oitava (seis

tons) e uma quinta (trecircs tons e meio) 96

O primeiro dos meacutedios eacute a quinta aguda da nota acrescida 97

O supermeacutedio por sua vez eacute a quinta aguda do primeiro dos meacutedios 98

O primeiro dos primeiros eacute a quarta grave do primeiro dos meacutedios 99

Um quarto da nota inteira ou seja a oitava aguda da mese que eacute a uacuteltima do hiperboacutelico a nota mais aguda de

todo o sistema de dupla oitava Ao acrescentar 18 aos 88 anteriores que somam 98 AQ vai progredindo de

tom em tom no sentido grave da escala Repetindo-se o procedimento a partir da nota mais aguda de cada

tetracorde obtecircm-se suas respectivas notas intermediaacuterias 100

Cacircnon aqui natildeo eacute sinocircnimo de monocoacuterdio mas designa a espeacutecie de reacutegua com auxiacutelio da qual se assinalam

os intervalos 101

Para uma descriccedilatildeo mais completa desse procedimento Mathiesen (p 163 n 30) sugere Euclides Sectio

Canonis proposiccedilatildeo 20 e Teacuteon de Esmirna 874-937

LV

α Ν π Ν Ν υ Ν Ν ὲΝ Ν π Ν ὸΝ Ν20

π Ν έΝ Ν ὲΝ Ν υΝ Ν Ν π Ν Ν φ α Ν

πα Ν Ν ὲΝ Ν υΝ ὸΝ Νξ ὶ ρΝ Ν Ν π Ν π έΝ

αΝ ὲΝ αὶΝ ὰΝ Ν φ Ν α α αΝπ Ν Ν Ν ὰ Ν Ν ὸΝ α Ν

Ν ὼΝ Ν αΝ αὶΝ Ν ὶΝ ὸΝ Ν π α Ν Ν Ν υΝ ὴ Ν

π Ν αὶΝ Ν π Ν Ν ὼΝ Ν Ν αΝ αὶΝ Ν α Ν25

π α Ν Ν Ν π α Ν Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὲΝ α Ν ὰΝ

αΝ α αΝ αὶΝ α α Ν α ὰΝ ὺ Ν υ Ν υ Ν Ν Ν

φ Ν ὰ Ν αφ Νπα α Ν ὲ Ν α αΝ ὸ Ν αὶΝα ὸ Ν ὲ Ν π α Ν

πὸΝ ὲΝ Ν Ν α Ν Ν πα α υ Ν Ν πὶΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν

α αΝ π ΥΝ Ν υΝ ὲ Ν Ν α Ν ὰΝ Ν Ν ὴ Ν ὲΝ ὴ Ν30

α ὰΝ ὰΝ ῖαΝ α α έΝ Ν ὲ Ν Ν α Ν Ν α α ὴΝ έ

56

34 Comentaacuterios ao capiacutetulo II

Estabelecidas as premissas baacutesicas ndash a saber a) as proporccedilotildees dos intervalos

consonantes b) a irracionalidade do semitom e da diese e c) a superioridade que atraveacutes dos

nuacutemeros eacute inerente agrave muacutesica inteligiacutevel ndash Quintiliano acrescenta agora agrave demonstraccedilatildeo com

pecircndulos exposta no capiacutetulo anterior a demonstraccedilatildeo a partir do cacircnon com o qual provaraacute

igualmente as proporccedilotildees existentes entre as notas dos cinco tetracordes do SPI no gecircnero

diatocircnico

O procedimento eacute relativamente simples Partindo das notas que delimitam as

duas oitava do sistema ndash a nota acrescida a mese (ou meacutedia) e a uacuteltima do tetracorde

hiperboacutelico ndash Quintiliano identifica no cacircnon as demais notas fixas do sistema mediante suas

relaccedilotildees de consonacircncia Na primeira oitava que vai da nota acrescida ateacute a meacutedia essas

notas satildeo a primeira do primeiro (hypate hypaton) a indicativa do primeiro (lichanos

hypaton) e a primeira do tetracorde meacutedio (hypate meson) Na oitava aguda desde a mese ateacute

a uacuteltima do hiperboacutelico as notas satildeo supermeacutedia (paramese) uacuteltima do conjuntivo (nete

synemenon) e uacuteltima do disjuntivo (nete diezeugmenon) As proporccedilotildees observadas entre

essas notas estatildeo resumidas no graacutefico abaixo

Figura 10 - Consonacircncias no SPI

Quanto agraves demais notas A Q as determina a partir da uacuteltima nota de cada

tetracorde mediante o acreacutescimo da extensatildeo de corda equivalente ao intervalo de um tom

com que se obteacutem a nota vizinha mais grave e assim sucessivamente

57

Mathiesen (pp 38-39 p 163 n 3) anota que embora natildeo seja possiacutevel

determinar com precisatildeo as fontes de que Quintiliano se teraacute servido neste capiacutetulo dada a

variedade de divisotildees do cacircnon disponiacuteveis na literatura haacute dois autores com os quais A Q

apresenta maior semelhanccedila Teacuteon de Esmirna (Dos conhecimentos matemaacuteticos uacuteteis agrave

leitura de Platatildeo) e Euclides (Sectio Canonis 19-20) Barker (p 498 n 19) reforccedila essa

posiccedilatildeo ao afirmar que a passagem na qual Quintiliano descreve o caacutelculo das notas moacuteveis

natildeo passa de um resumo de Euclides Outras fontes provaacuteveis aqui como em boa parte do

livro III satildeo ainda Plutarco (Da geraccedilatildeo da alma no Timeu de Platatildeo) Ptolomeu

(Harmocircnica) e o comentaacuterio de Porfiacuterio a Ptolomeu Os tratados de Euclides e Ptolomeu

podem ser encontrados em Barker (Greek Musical Writings vol 2 harmonic and acoustic

theory) onde satildeo tambeacutem traduzidas algumas passagens particularmente importantes de Teacuteon

de Esmirna e Porfiacuterio

Cabe ainda acrescentar que este capiacutetulo do livro III tem relaccedilatildeo estreita com o

sexto capiacutetulo do livro I no qual foram apresentadas todas as notas do SPI segundo a posiccedilatildeo

ocupada no respectivo tetracorde aleacutem das noccedilotildees de notas fixas notas moacuteveis e grupo

piacutecnico Para mais datalhes ou em caso de duacutevida consulte-se acima o resumo da teoria

harmocircnica

58

35 Capiacutetulo III

Haacute ainda aqueles que demonstraram as consonacircncias por meio de mais cordas

Dispondo quatro cordas de mesma altura tonal [99] sobre um instrumento quadrado chamado

Heacutelicon102 e dividindo a linha que corre ao longo da quarta corda em duas partes iguais eles

traccedilam uma reta que vai do topo da primeira corda ateacute o ponto anteriormente assinalado na

quarta corda A seguir traccedilam outra diagonal partindo da base da primeira corda ateacute o topo da 5

quarta corda e assim demonstram todas as relaccedilotildees de proporccedilatildeo presentes nas consonacircncias

pois as cordas seccionadas emitiratildeo as notas correspondentes agraves proporccedilotildees numeacutericas com

que foram divididas103

Assim disposto o instrumento possui as consonacircncias em suas quatro cordas e se

completado com mais cordas de mesma tensatildeo tonal faria soar todas as notas Devemos 10

portanto rechaccedilar104 os que dizem ser desiguais os nuacutemeros aqui tomados como exemplo pois

tambeacutem satildeo desiguais os excessos dos agudos105 Em razatildeo das consonacircncias da primeira nota

com a quarta e a quinta e destas para com a oitava tomamos106 os nuacutemeros seis oito nove e

doze nos quais existe analogia do primeiro com relaccedilatildeo ao segundo e do terceiro em relaccedilatildeo

ao quarto (tal como haacute entre a nota acrescida e o diatocircnico dos primeiros e entre a primeira 15

dos meacutedios e a mese) bem como do primeiro com relaccedilatildeo ao terceiro e do segundo com

relaccedilatildeo ao quarto (tal como entre a nota acrescida e a primeira dos meacutedios e do diatocircnico dos

primeiros para com a mese107) Jaacute a razatildeo do segundo com respeito ao terceiro eacute sesquioitava

a mesma mediante a qual a quinta excede a quarta Eacute isso por ora

102 Nome tomado ao monte Heacutelicon na Beoacutecia em cujo vale habitam as Musas (Teogonia 1-8) 103 Como alertam Colomer e Gil (1996 p177 n12) AQ omite que a segunda corda deve estar a meio caminho entre a primeira e a quarta e que a interseccedilatildeo entre as retas traccediladas assinala a posiccedilatildeo da terceira corda Cf Ptolomeu Harm II 2 Euclides Sectio Canonis 163-166 104 Barker (op cit p498 n 23) sugere duas possiacuteveis correccedilotildees para paraiteteoi (devemos rechaccedilar) parableteoi (devemos comparar) ou paralepteoi (devemos aplicar proceder) A sugestatildeo eacute uma tentativa de contornar a dificuldade de compreensatildeo desta passagem segundo a qual ldquodevemos rechaccedilar os que dizem (έέέ) mas tomam os nuacutemeros seis oito nove (έέέ)rdquo quando na verdade χέ Qέ natildeo rechaccedila esses nuacutemerosέ ἑolomer e Gil (cf n 106 infra) seguindo Meibomius oferecem outra soluccedilatildeo 105 Se tiveacutessemos de assinalar um nuacutemero para a oitava aguda da corda quarto cujo nuacutemero eacute 6 teriacuteamos de atribuir a ela o nuacutemero γέ τcorre que o ldquoexcessordquo a diferenccedila aritmeacutetica entre θ e γ eacute γ enquanto o ldquoexcessordquo observado na oitava grave (12 ndash 6) eacute 6 AQ explica que o que importa eacute a analogia a proporccedilatildeo entre os nuacutemeros 106 Gramaticalmente o sujeto de ldquotomamosrdquo ( α ) seria o mesmo da oraccedilatildeo anterior ldquoos que dizemrdquo (

) Colomer y Gil (op cit p177 n 13) seguindo Meibomius entendem que o sujeito de ldquo α rdquo eacute um impliacutecito ldquonoacutesrdquo orientaccedilatildeo que adotamos nesta traduccedilatildeoέ 107 Num sistema de oitava formado por dois tetracordes conjuntos e uma nota acrescida os nuacutemeros 12 9 8 e 6 expressam as relaccedilotildees entre as notas estruturais do sistema Nota acrescida = 12 diatocircnico do primeiro = 9 primeiro dos meacutedios = 8 mese = 6

LVIII

III

ὶΝ ὲΝ Ν αὶΝ ὰΝπ Ν Ν π α Ν ὰ Ν υ φ α έΝ α α Ν ὰ Ν

Ν ὰ Ν υ Ν [99] π Ν Ν υΝ α υΝ Ν ὴΝ α Ν

αΝ αὶΝ Ν Ν ὸ Ν π Ν α αΝ Ν αΝ υ Ν

α Ν πὸΝ Ν υφ Ν Νπ Ν Νπ ὸ Ν ὸΝ φ ὲ Ν Ν ῃΝ ῖ Ν

αὶΝ α Ν π Ν α Ν πὸΝ Ν Ν Ν π Ν πὶΝ ὴ Ν υφὴ Ν Ν5

Ν ὺ Ν Ν υ φ Ν π α Ν π υ Ν υ Ν α Ν ὰ Ν αὶΝ

α α α α Ν ὺ Ν α α υ Ν φ υ Ν ῖ Ν Ν Ν α Ν α ὰ Ν

Ν υ έΝ ὸΝ ὲΝ α Ν ᾗΝ Ν α Ν ὰ Ν υ φ α Ν Ν Ν αῖ Ν

α Ν αῖ Ν π α Ν ὲΝ ὺ Ν φ υ Ν Ν [ ]Ν Ν ὰΝ Ν Ν

απ έΝ 10

α α Ν υ Ν Ν ὺ Ν ὺ Ν π α Ν φ α Ν Ν

υ Ν π ὶΝ αὶΝα Ν π αὶΝ Ν υ Ν Ν ὰΝ ὲΝ ὰ Ν υ φ α Νπ υΝπ ὸ Ν

α Ν φ Ν αὶΝ π π Ν αὶΝ υΝ φ υΝ αὶΝ π π υΝ π ὸ Ν Ν

α Ν ὺ Ν Ν ὼΝ αΝ αΝ Ν Ν α αΝ Ν π Ν π ὸ Ν

Ν Νπ ὸ Ν α Ν( Νπ α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν15

Ν π ὸ Ν )Ν π Ν ὲΝ Ν π Ν π ὸ Ν Ν Ν π ὸ Ν α Ν ( Ν

π α α Νπ ὸ Ν π Ν Ν π Ν Νπ ὸ Ν )Ν Ν Ν Ν

π ὸ Ν Ν ῖΝ ὸΝ π ΝᾧΝ ὸΝ ὰΝπ Ν Ν ὰΝ Ν π έΝ α αΝ ὲ Ν

πὶΝ έ

59

36 Comentaacuterios ao capiacutetulo III

Em seu afatilde demonstrativo Quintiliano recorre agora a um terceiro instrumento o

heacutelicon em cujas quatro cordas estatildeo representadas as proporccedilotildees consonantes Aqui todas as

etapas da demonstraccedilatildeo satildeo remetidas a uma terceira pessoa do plural dispondo ( )

dividindo ( ) e traccedilando ( α ) eles demonstram ( π υ ) as relaccedilotildees

presentes nas consonacircncias Mas quem satildeo esses aos quais Quintiliano faz referecircncia

Segundo Mathiesen (pέ 1θγ nέ γ1έ Vέ ainda ldquoIntroduction and ἑommentaryrdquo ppέ

10-11) o heacutelicon eacute descrito por trecircs outros autores apenas Paquiacutemero (VINCENT A J H

Notice sur divers manuscrits grecs relatifs agrave la musique Paris Imprimerie Royal 1847 pp

384-553) Ptolomeu (Harm II 2) e Porfiacuterio (em seu comentaacuterio ao tratado de Ptolomeu)

Como o erudito bizantino do seacutec XIII jamais poderia ter sido fonte de A Q ndash embora o

contraacuterio sim seja bastante provaacutevel ndash sobram apenas Ptolomeu e Porfiacuterio

Esse fato tem grande interesse para a dataccedilatildeo do tratado de Quintiliano Embora

jamais cite Ptolomeu omissatildeo que colocaria A Q e seu tratado numa data mais recuada haacute

indiacutecios (e a descriccedilatildeo do heacutelicon eacute o mais forte deles) de que A Q se tenha valido do

comentaacuterio de Porfiacuterio em diversas passagens Mathiesen oferece uma lista em op cit p 11

n 91 Jaacute quanto ao procedimento demonstrativo descrito por Quintiliano o quadro

reproduzido abaixo deve facilitar a compreensatildeo Observe-se que a primeira corda (segmento

AB) soa a nota inteira A segunda corda (segmento QD) soa a quarta aguda da nota inicial

(129 = 43) A terceira corda daacute o intervalo de quinta (128 = 32) ao passo que na quarta

corda temos a oitava aguda da nota inicial (126 = 21)

Figura 11 - Heacutelicon

Fonte Colomer e Gil 1996 p177

60

37 Capiacutetulo IV

A seguir cabe ainda investigar por que entre os vaacuterios intervalos descobertos

apenas estes (o sesquiteacutercio o sesquiaacuteltero e o duplo) satildeo tidos por consonantes dentro do

sistema perfeito108

Dado que o sistema perfeito se apresenta em razatildeo dupla e que esta

compotildee-se de razatildeo sesquiaacuteltera e razatildeo sesquiteacutercia109

tomamos os nuacutemeros [100]

3 (o

primeiro nuacutemero sesquiaacuteltero110

e o primeiro perfeito111

) e 4 (o primeiro nuacutemero 5

sesquiteacutercio112

e primeiro nuacutemero plano em geometria113

) e traccedilamos duas retas

perpendiculares com medidas igualmente 3 e 4 das quais uma estaraacute em proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera relativamente ao segmento que dela faz parte enquanto a outra reta estaraacute em

proporccedilatildeo sesquiteacutercia E se a partir dos pontos que em cada uma daquelas retas

correspondem ao respectivo nuacutemero de unidades traccedilarmos linhas paralelas a aacuterea total seraacute 10

de doze unidades se estabelecidas as proporccedilotildees de modo geomeacutetrico se o fizermos de modo

aritmeacutetico114

a soma dos nuacutemeros resultaraacute em 35 Cada um dos paralelogramos delimitados

pelas partes das retas perpendiculares bem como pelo todo ou por alguma parte apresentaraacute

nada mais nada menos que as jaacute mencionadas proporccedilotildees dos intervalos consonantes Para

fins de clarezas ponham-se abaixo os diagramas115

15

108

Sistema de oitava 109

O intervalo de oitava (seis tons) equivale agrave soma dos intervalos de quarta (dois tons e meio) e quinta (trecircs tons

e meio) 21 = 43 x 32 110

Sesquiaacuteltero ou eacute um nuacutemero que pode ser descrito pela foacutermula n + (n2) 111

O nuacutemero 3 natildeo eacute dito perfeito aqui no sentido de ser o resultado da soma dos seus divisores (nessa acepccedilatildeo

o primeiro nuacutemero perfeito eacute o 6) No iniacutecio do Cap V A Q explica melhor em que consiste a perfeiccedilatildeo ou

completude do 3 112

Sesquiteacutercio ou π eacute o nuacutemero descrito pela foacutermula n + (n3) 113

Planos ou quadrados satildeo os nuacutemeros que assumem a forma n2 Barker anota (op cit p499 n27) que a

caracterizaccedilatildeo do 4 como primeiro nuacutemero plano parece anocircmala na teorizaccedilatildeo pitagoacuterico-platocircnica na qual o 1

representa o ponto o 2 a linha o 3 o plano e o 4 representa o soacutelido No entanto satildeo tambeacutem ditos soacutelidos ou

cuacutebicos os nuacutemeros que assumem a forma n3

114 Na figura construiacuteda geometricamente as proporccedilotildees se estabelecem entre a parte e o todo ao passo que na

figura construiacuteda aritmeticamente as proporccedilotildees se datildeo entre as partes 115

Os diagramas originais foram perdidos Os que seguem abaixo reconstruiacutedos a partir dos diagramas

conservados em Plutarco De animae procreatione in Timeo 1018a-d

LX

IV

Ἀ υ Ν ΥΝ Ν Ν πὸ Ν π α Ν Ν π Ν π Ν α Ν

Ν αυ ὶΝ Ν ῖ α Ν φ αΝ π ὸΝ Ν υΝ υ α Ν ὸΝ

π Ν ὸΝ Ν ὸΝ π έΝ π ὶΝ υ Ν ὸΝ αΝ ὸΝ Ν Ν π α Ν

ῖ α Ν Ν Ν ΥΝ α α Ν Ν Ν ὸΝ Ν αὶΝ π Ν α Ν

ὺ [100]

Ν ὲ Ν π Ν ὸ Ν αΝ αὶΝ Ν π Ν ξ ρΝ ῖ Ν5

π Ν ὲΝπ Ν ὸ Ν α αΝ αὶΝπ Ν π π Ν Ν ᾳΝξ αὶρΝ ὰ Ν Ν

α Ν α Ν α Ν α Νπ ὸ Ν ὰ Ν αΝ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὸΝα Ν Ν

ὸ Ν Ν Ν Ν ὲΝ ὸ Ν π Ν έΝ αὶΝ ὴΝ Ν ῖ Ν Να αῖ Ν φ Ν

α ὰΝ ὰ Ν π α Ν α Ν Νπα α υ Ν Ν ὸΝ ὲ Ν Ν ῖ Ν α ὸ Ν

π Ν ὲ Ν αΝ α Ν Ν α ὰΝ α Ν ὺ υ Ν Νπ Ν ὲΝ α ὰΝ10

ὴ Ν α απ Ν daggerΝ Ν ὰΝ daggerΝ Ν - Ν Ν α α α Ν

α Ν ὲΝ Ν πὸΝ Ν Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶΝ πὸΝ Ν αὶΝ υ Ν

π Ν πα α Ν ὺ Ν π υ Ν Ν υ φ Ν α Ν

π Ν υ Ν αὶΝ Ν π υ Ν Ν Ν υ έΝ αφ α Ν ὲΝ Ν

π Ν αὶΝ ὰΝ α α αέ 15

61

Figura 12 - Formas geomeacutetrica e aritmeacutetica

Fonte Colomer e Gil p 180

62

38 Comentaacuterios ao capiacutetulo IV

Quintiliano pretende demonstrar que as razotildees consonantes natildeo satildeo nem poderiam

ser senatildeo as razotildees dupla sesquiteacutercia e sequiaacuteltera Para tal nosso autor recorre a

procedimentos exclusivamente matemaacuteticos e sem viacutenculo com experiecircncia musical stricto

sensu Fica entatildeo evidente que o sentido atribuiacutedo aqui por Quintiliano ao fenocircmeno da

consonacircncia nada tem a ver com certa apreciaccedilatildeo esteacutetica ou resposta fisioloacutegica a um

estiacutemulo auditivo Trata-se de uma propriedade inerente agrave economia simboacutelica dos nuacutemeros

um dado necessaacuterio agrave ordem presente no mundo corpoacutereo Assim na figura construiacuteda

segundo o procedimento geomeacutetrico expressatildeo do aspecto contiacutenuo da quantidade (como A

Q explicaraacute a seguir) as relaccedilotildees entre as secccedilotildees das retas expressam as razotildees consonantes

Os segmentos CDOD expressam a razatildeo sesquiteacutercia (43) os segmentos ABOB a relaccedilatildeo

sesquiaacuteltera (32) enquanto os segmentos ODOB expressam a razatildeo dupla (21) Na figura

construiacuteda a partir do procedimento aritmeacutetico ligado ao caraacuteter descontiacutenuo da mateacuteria as

relaccedilotildees entre as aacutereas (6 8 9 e 12) dos quadrilaacuteteros delimitados pelas retas concorrentes

tambeacutem expressam as relaccedilotildees consonantes 126 = 21 129 = 43 128 = 32 As figuras

utilizadas aqui por A Q satildeo tambeacutem descritas em Plutarco (De animae procreatione 1018a-

b) a partir do qual os diagramas perdidos foram reconstituiacutedos A demonstraccedilatildeo de

Quintiliano natildeo se encerra aqui mas continua no capiacutetulo seguinte que trataraacute da formaccedilatildeo da

seacuterie harmocircnica a partir das seacuteries aritmeacutetica e geomeacutetrica

63

39 Capiacutetulo V

Tiacutenhamos entatildeo tomado duas retas uma contendo o primeiro nuacutemero perfeito (jaacute

que o trecircs eacute o primeiro nuacutemero a exibir iniacutecio meio e fim bem como oposiccedilatildeo e

mediaccedilatildeo116

) e outra que exibia a natureza do plano em geometria O nuacutemero 1 aplicado a si

mesmo geometricamente natildeo produz nenhum tipo de multiplicidade ao passo que duas vezes

dois gera o quatro o primeiro nuacutemero plano e quadrado Dispusemos as potecircncias de dois 5

modos de modo aritmeacutetico e de modo geomeacutetrico pois a proporccedilatildeo117

harmocircnica compotildee-se

de ambas ou seja tanto da proporccedilatildeo aritmeacutetica quanto da geomeacutetrica A proporccedilatildeo

aritmeacutetica eacute composta por termos que ultrapassam [os anteriores] e satildeo ultrapassados [pelos

posteriores] mediante o acreacutescimo de um mesmo valor numeacuterico enquanto a proporccedilatildeo

geomeacutetrica conserva o mesmo valor seja na proporccedilatildeo dos nuacutemeros entre si seja na proporccedilatildeo 10

entre suas respectivas diferenccedilas A proporccedilatildeo harmocircnica gera o primeiro acreacutescimo [101]

de

modo aritmeacutetico e o segundo de modo geomeacutetrico118

Sendo a quantidade dupla na

quantidade contiacutenua impera a geometria que produz as razotildees segundo a extensatildeo

comparando o todo com suas respectivas partes ao passo que na quantidade discreta impera a

aritmeacutetica que dividindo o todo compara as partes entre si Estatildeo presentes em cada 15

proporccedilatildeo os seguintes nuacutemeros Na aritmeacutetica 2 3 e 4 Na geomeacutetrica 2 4 e 8 Na

harmocircnica 3 4 e 6 Se quisermos dispor em sequecircncia as razotildees que abrangem as trecircs

consonacircncias forccedilosamente acrescentamos um nuacutemero que exceda o primeiro em razatildeo

sesquiteacutercia e outro que o exceda em razatildeo dupla Grosso modo se introduzirmos meacutedias

aritmeacuteticas no meio de uma proporccedilatildeo geomeacutetrica obteremos uma proporccedilatildeo harmocircnica seja 20

ela plana ou soacutelida Seja por exemplo uma proporccedilatildeo geomeacutetrica dupla 2 4 e 8 se entre

cada uma de suas razotildees puseres uma meacutedia aritmeacutetica obteraacutes uma proporccedilatildeo plana qual

seja 2 3 4 6 8 Seja ainda uma proporccedilatildeo tripla 3 9 27 Se puseres entre suas respectivas

razotildees duas meacutedias aritmeacuteticas ou seja entre o 3 e o 9 os nuacutemeros 4 e 6 e entre o 9 e o 27 os

nuacutemeros 12 e 18 comporaacutes uma proporccedilatildeo harmocircnica soacutelida119

25

116

A Q avanccedila aqui alguns aspectos da sua aritmologia simboacutelica da qual trataraacute mais detidamente no cap 6 O

3 possui iniacutecio meio e fim porque eacute a culminacircncia do movimento que partindo da mocircnada desdobra-se

tensionalmente na diacuteada para enfim alcanccedilar na triada um ponto de equiliacutebrio e repouso uma mediaccedilatildeo Cf

Jacircmblico Teologia da Aritmeacutetica (Waterfield 1988 p 50) 117

O termo aqui utilizado eacute α α que designa natildeo uma relaccedilatildeo qualquer entre dois termos mas uma relaccedilatildeo

entre relaccedilotildees Assim 32 eacute uma razatildeo ao passo que 32 = 64 eacute uma α α 118

Dados trecircs nuacutemeros A B e C de uma progressatildeo aritmeacutetica teremos que C-BB-A = CC em que B

representa a meacutedia aritmeacutetica entre os extremos A e C Numa progressatildeo geomeacutetrica A B e C teremos que a

meacutedia geomeacutetrica entre os termos A e C se daacute na forma AB = BC gtgt B2 = AC gtgt B = radicAC Jaacute na seacuterie

harmocircnica A B e C temos que C-BB-A = CA ou seja B-A = (C-B)AC Sobre as diversas modalidades de

proporccedilatildeo Cf Ghyka 1977 Cap1 119

As duas seacuteries geomeacutetricas correspondem aos nuacutemeros da geraccedilatildeo da alma do mundo no Timeu 35b-36b

LXIII

V

Ν ὲ α Ν φα Ν ὴ Ν ὲ Ν ὸ Ν π Ν Ν π υ α Ν

( ὴ Ν ὰ Ν αὶ Ν αὶ Ν α Ν Ν αὶ αΝπ Ν φ Ν α)Ν

ὴ Ν ὲ π π υΝ φ Ν Ν ᾳ α α Ν π Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φΥΝ αυ ὸ Ν

Ν Ν ὲ Ν Ν Ν π Ν φ α Ν ὲ ὶ Ν Ν π Ν π π Ν

αὶ Ν Ν ὸ Ν α αέΝ Ν ὲ ὰ Ν υ Ν Ν Ν αὶ 5

Ν αΝ Ν ὴ Ν ὴ Ν α α Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν Ν αὶ

Ν υ ῖ α Ν α Ν υ α Ν ὲ Ν ὰ Ν ὴ ὺ Ν υ Ν

π Ν Ν αὶ π υ Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὴ ὰ Ν α Ν

π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π ὸ Ν υ Ν π Ν πὶ Ν Ν υ Ν ΥΝ

ὴ ὴ Ν ὲ Ν π α Ν π ὴ Ν [101]

Ν Ν α υ αΝ ὴ Ν ὲ 10

α Ν Ν Ν - Ν α έΝ ὲ Ν π ὲ Ν υ Ν

π Ν αΝ αΝ α ὰ Ν π ῖ α Ν ὺ Ν υ Ν αΝ Ν ῖ Ν α Ν

υ υ αΝ ὸ ὲ α α ὸ Ν ὴ α υ αΝ υ αΝ ὸ Ν ὰ Ν

Ν Ν π ὸ Ν αΝ π ῖ α Ν υ έΝ π α Ν ὲ ῃ α ᾳ

lt ρΝ Ν αΝ α αΝ Ν α αΝ Ν υ αΝ 15

α αΝ Ν υ Ν ὰ Ν ὺ Ν π α Ν υ Ν ὰ Ν ῖ Ν υ φ α Ν

π α Ν α ὰ ὸ Ν α α Ν ὸ Ν ὲ Ν α ὰ ὸ Ν π Ν ὸ Ν π αΝ

ὸ Ν ὲ α ὰ ὸ Ν π α Ν π αΝ υ α έΝ α υΝ ὲ π ῖ Ν α ὺ

Ν α α Ν ὰ Ν πα α Ν α Ν ὴ Ν α α Ν

π π Ν ὰ Ν π ῃ Ν ὰ Ν α αΝ ὴ π α Ν Ν α αΝ20

Ν α Ν α Ν - Ν ὴ Ν ξπα α Ν αΝ

ὴ ρΝπ Ν α α Ν[ αὶ] π π Ν Ν Ν αΝ α αΝ Ν έΝπ Ν

ὲ Ν Ν α αΝ α ὰ ὸ π Ν αΝ αΝ π έΝ α Ν Ν Ν

πα α Ν α α Ν Ν α ὺ ὲ Ν αΝ αὶ αΝξ α αΝ αὶ Ν

α ὺ ὲ αρΝ αὶ π ὰ αΝ αὶ α Ν υ ὴ Ν ὰ Ν25

π ῖ Ν α α έ

64

310 Comentaacuterios ao Capiacutetulo V

As demonstraccedilotildees matemaacuteticas de A Q percebe-se natildeo satildeo desprovidas de certo

apelo esteacutetico Nesse sentido vale a pena atentar aqui para propriedades das seacuteries numeacutericas

apresentadas ao fim do capiacutetulo

A seacuterie geomeacutetrica plana (2 4 e 8) expressa a progressatildeo em oitavas ao passo que

na seacuterie soacutelida (3 9 e 27) os termos estatildeo separados por um intervalo de oitava e quinta120

Quando inserimos entre a oitava 2 ndash 4 a meacutedia aritmeacutetica entre esses dois termos121 o 3

obtemos os intervalos de quinta (32) e quarta (43) O mesmo ocorre na oitava superior ao

acrescentarmos entre o 4 e 8 a meacutedia aritmeacutetica 6 dado que 64 = 32 e 86 = 43 Mais ainda

os trecircs termos que separam os extremos da dupla oitava 2 ndash 8 isto eacute os nuacutemero 3 4 e 6

formam igualmente uma progressatildeo harmocircnica composta de uma oitava (3-6) um intervalo

de quarta (43) e outro de quinta (64) Nessa oitava intermediaacuteria poreacutem os intervalos estatildeo

dispostos na ordem inversa Por fim as duas oitavas da seacuterie harmocircnica plana podem ser

divididas em duas seacuteries aritmeacuteticas com um termo comum cujos respectivos excessos (1 e 2)

e respectivos termos estatildeo em razatildeo dupla 2 3 4 e 4 6 8

Na seacuterie geomeacutetrica soacutelida (3 9 27) a introduccedilatildeo de uma primeira meacutedia

aritmeacutetica entre cada par de termos da progressatildeo (3 6 9 18 27) divide o intervalo total em

dois intervalos respectivamente de oitava e quinta Assim entre 3 e 9 temos a meacutedia

aritmeacutetica 6 (9-66-3 = 99) e entre 9 e 27 a meacutedia aritmeacutetica 18 De 3 a 6 temos uma oitava

assim como entre 9 e 18 E de 6 a 9 temos uma quinta (96 = 32) tal como entre 18 e 27

(2718 = 1818 + 918 = 1 +12 = 32) A inserccedilatildeo de uma meacutedia aritmeacutetica 4 entre os dois

termos da oitava 3 ndash 6 novamente reparte a oitava em dois intervalos respectivamente de

quarta e quinta O mesmo ocorre quando da inserccedilatildeo do 12 entre 9 e 18 (Colomer e Gil op

cit p 181 n 19) O que se obteacutem ao fim da inserccedilatildeo consecutiva de duas meacutedias aritmeacuteticas

entre os termos da seacuterie geomeacutetrica soacutelida inicial eacute uma seacuterie harmocircnica soacutelida que

compreende duas oitavas separadas por um intervalo de quinta Cada uma dessas oitavas (3 4

6 e 9 12 18) por sua vez representa igualmente uma seacuterie harmocircnica cujos respectivos

termos e excessos estatildeo em razatildeo tripla Aleacutem disso no centro da seacuterie harmocircnica soacutelida

surge a seacuterie aritmeacutetica 6 9 12 cujo excesso eacute igualmente 3

120 Entre o 3 e o 9 por exemplo haacute a oitava representada pelo 6 agrave qual se acrescenta a quinta existente entre o 9 e o seis (96 = 32) O mesmo ocorre entre 9 e 27 separados pela oitava 189 (21) e pela quinta 2718 (1818 + 918 gt 1 + 12 gt 32) 121 3-2 = 4-3

65

311 Capiacutetulo VI

E jaacute que fomos forccedilosamente levados a mencionar os nuacutemeros natildeo eacute sem

propoacutesito dizer algo mais a respeito deles o exame seraacute intrincado mas com ele se haacute de

mostrar a imensa consonacircncia existente entre a muacutesica e os nuacutemeros122 Os antigos

consideravam a mocircnada a causa agente123 e o princiacutepio da consonacircncia entre todas as coisas [102] pois tudo o que existe permanece unido por meio da harmonia124 Jaacute agrave diacuteada 5

denominavam mateacuteria por ser a primeira a expressar a oposiccedilatildeo125 E chamavam totalidade126

agrave triacuteade por ser plenificada pela contrariedade e pelo ponto meacutedio Agrave teacutetrada denominaram

soacutelida uma vez que partindo do ponto e aumentando as dimensotildees sucessivamente

descobre-se em quarto lugar o soacutelido127 o qual se manifesta a partir do primeiro nuacutemero apto

a receber as trecircs dimensotildees128 Agrave pecircntada chamavam percepccedilatildeo sensiacutevel (o motivo eacute oacutebvio129) 10

e agrave heacutexada perfeiccedilatildeo do corpo por ser a combinaccedilatildeo geomeacutetrica do primeiro nuacutemero par com

o primeiro nuacutemero iacutempar (razatildeo por que foi denominado tambeacutem ldquocasamentordquo130) Agrave heacuteptada

chamavam pureza (pois eacute o uacutenico dentre os nuacutemeros da deacutecada a natildeo ser gerado

geometricamente por outro nem gerar outro131) e agrave oacutectada corpo material (jaacute que formado

pela multiplicaccedilatildeo cuacutebica do primeiro nuacutemero par132) Agrave eneacuteada chamavam muacutesica por ser 15

composta de nuacutemeros que estabelecem entre si as trecircs razotildees consonantes (pois 2 3 e 4

122 Para um testemunho da antiguidade e das fontes do simbolismo aritmoloacutegico exposto a seguir cf Burkert 1972 pp 466-467 123 π ὴ α α 124 Cf Filolau frags1 2 6 e 7 Arist Met 985b 23ss 987b22 1091a 13ss Teofrastro frag 14 Teacuteon de Esmirna 9924 ndash 1008 Platatildeo Banquete 187a Parmecircnides 137c ndash 166 Plotino Eneacuteadas V 1 [10] 125 α ό oposiccedilatildeo ou contrariedade Conceito central na cosmologia de A Q jaacute abordado no livro II Caps 6 9 11 12 e 14 A diacuteada na sua relaccedilatildeo com a mocircnada eacute a origem da oposiccedilatildeo masculino-feminino ou determinante-determinaacutevel ou forma-mateacuteria agrave qual estaacute submetido o mundo fiacutesico Os nuacutemeros pares satildeo ditos indeterminados pelos pitagoacutericos e a diacuteada como primeiro nuacutemero par e logo protoacutetito da paridade expressa a natureza da potecircncia determinaacutevel Cf Arist Met 986a 15ss 988a14 Teofrasto frag12 Teacuteon de Esmirna 1009-12 126 ὸ πα A Q emprega trecircs expressotildees para designar o universo ὸ πᾶ ὸ πα α Natildeo consideremos necessaacuterio adotar uma traduccedilatildeo especiacutefica para cada termo Independentemente da expressatildeo empregada por χέ Qέ numa dada passagem ldquouniversordquo deve ser entendido natildeo como uma vastidatildeo ilimitada mas como um todo organizado e completo em si mesmo A identificaccedilatildeo do 3 com a totalidade deriva por sua vez da identificaccedilatildeo do universo com o intervalo de oitava isto eacute com o 2 e o 1 Cf Mathiesen p116 n 7 127 A figura em questatildeo eacute um tetraedro soacutelido formado por quatro triacircngulos equilaacuteteros e que pode ser construiacutedo mediante a inserccedilatildeo de um ponto no centro de um triacircngulo equilaacutetero e traccedilando retas que liguem cada um dos acircngulos do triacircngulo a este ponto central 128 Dimensatildeo α tambeacutem significa intervalo E de fato a seacuterie numeacuterica 1 2 3 4 eacute a primeira a expressar os trecircs intervalos consonantes 129 Os cinco sentidos 130 Nuacutemeros iacutempares satildeo masculinos e os pares femininos O seis eacute o produto do primeiro nuacutemero masculino 3 como o primeiro feminino 2 Utilizando o processo aritmeacutetico mas conservando o mesmo raciociacutenio Jacircmblico (The theology of Arithmeticέ Waterfield 1λκκ pέθη) atribui ao cinco o epiacuteteto ldquocasamentordquoέ 131 Teacuteon de Esmirna (1031 ndash 10419) fornece mais detalhes dentre os quais o de que os pitagoacutericos denominavam o sete ldquoχtenardquo pois ela tal como o sete natildeo foi gerada nem gerouέ 132 O oito eacute o 2 (ie a mateacuteria) elevado ao cubo

LXV

VI

π ὴ ὲ Ν α α Ν π Ν Ν ὲ Ν π ὶ Ν πὶ

π Ν π ῖ Ν π αΝ ὰ Ν α Ν αὶ αΝ π Ν ῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

π α Ν υ φ αέΝ ὴ Ν Ν Ν αΝ Ν ὴ Ν Ν Ν Ν [102] υ φ α Ν

αὶ π ὴ Να α Ν Ν πα α Νπ αΝ ὰ Ν α Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν

υ αΝ ὴ Ν ὲ υ αΝ α ὰ ὴ Ν Ν α Ν α Ν α Ν π Ν5

φα έΝ αΝ ὲ ὸ πα Ν υ Ν α Ν αὶ Ν π π έΝ

α ὲ ὸ Νπ ῖπ Ν α Ν ὰ Ν πὸ υΝ αὶ α ὰ ὸ Να υ Ν

ὰ α α αΝ α Ν ὸ ὸ Ν α Ν Ν π υΝ Ν

α Ν π φα έΝ ὴ Ν ὲ π αΝα Ν φα α Ν(φα ὰ ὲ α α)Ν ὴ Ν

ὲ αΝ α α Ν υ Ν Νπ υΝπ αὶ υΝ[ αὶ] α ὰ 10

α Ν ( ὸ αὶ Ν α ῖ Νπ )Ν ὴ Ν ὲ π αΝ α Ν ( Ν ὰ Ν

Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Ν Ν φΥΝ Ν ΥΝ Ν )

ὴ Ν ὲ αΝ αΝ υ Ν ( Ν ὰ Ν π υΝ ξ υρΝ π υπ α α υΝ

υ Ν υ α α )έΝ ὴ Ν ὲ αΝ υ ὴ Ν υ Ν Νπ Ν Ν Ν ὺ Ν

ῖ Ν υ φ υ Νπα Ν υ Ν υ α Ν( Ν ὰ Ν αὶ αΝ αὶ α αΝ 15

66

somam 9) mas tambeacutem pelo fato de a harmonia e o movimento circular do universo

resultarem nesse nuacutemero considerando-se os chamados sete planetas133 e as duas esferas a

esfera dos astros natildeo errantes e a esfera imoacutevel134 A deacutecada foi chamada de primeira

consonacircncia pois se algueacutem dividisse o primeiro sistema musical consonante o sistema de 20

quarta nos menores intervalos (ou seja a diese) haveria de encontrar dez desses intervalos e

se substituiacutesse a diese pela unidade pareando nos trecircs gecircneros da melodia135 os nuacutemeros

seguintes com os intervalos veria surgir o mesmo nuacutemero Mas a deacutecada eacute tambeacutem o

primeiro nuacutemero formado de [103] dois outros (2 e 8) sobre os quais recai um ponto meacutedio

proporcional (ou seja 2 4 e 8) sequecircncia denominada por alguns de primeira harmonia pois 25

assim chamavam os antigos agraves proporccedilotildees geomeacutetricas planas Mas o 10 resulta mediante

caacutelculos tambeacutem do 9 (que representa a harmonia do todo) e do retorno ao princiacutepio pelo

acreacutescimo da unidade da qual o 10 participa e que lhe conserva a identidade Haacute ainda algo

acerca do 11 Eacute que o tom relativo agrave primeira diese (em escala ascendente) revela uma

proporccedilatildeo cujo nome eacute tambeacutem onze136 Jaacute o doze eacute mais musical dos nuacutemeros pois nenhum 30

dos nuacutemeros anteriores ostenta com respeito agrave maior parte dos nuacutemeros que o antecedem as

consonacircncias harmocircnicas embora os nuacutemeros divididos em partes menores apresentem certas

proporccedilotildees com respeito a outras porccedilotildees extensas Mas somente o doze possui a razatildeo

sesquiteacutercia com respeito ao 9 a sesquiaacuteltera com respeito ao 8 a dupla com respeito ao 6 e a

razatildeo tripla com relaccedilatildeo ao 4 e a razatildeo quaacutedrupla com relaccedilatildeo ao 3 motivo por que ateacute esse 35

nuacutemero (ou seja ateacute os doze tons) aprouve agrave nossa natureza conduzir a agudeza da voz137

133 Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e Saturno 134 A esfera terrestre e a esfera das estrelas fixas (zodiacuteaco) Ou ainda o eacuteter e o zodiacuteaco Cf III 12 n 180 infra E ainda Timeu 36c-e 135 Trata-se dos gecircneros enarmocircnico cromaacutetico e diatocircnico jaacute discutidos anteriormente Em qual seja o gecircnero o intervalo de quarta teraacute sempre dois tons e meio ou seja 10 dieses enarmocircnicas 136 A proporccedilatildeo entre o tom (98) e a diese maior (3332) eacute expressa pela fraccedilatildeo (98)(3332) = 1211 (ephendekatos ou seja epi + hendeka que significa ldquoonzerdquo)έ 137 Ou seja o alcance da voz humana seria de duas oitavas Segundo Aristoacutexeno (Elementa Harmonica 2023-30) esse alcance eacute de duas oitavas e uma quinta

LXVI

ὸ Ν αΝ π ῖ) ὰ αὶ ξ ὰ ὸρΝ ὴ Ν πα ὸ Ν α Ν Ν αὶ π φ ὰ Ν Ν

Ν υ α Ν ὸ Ν ὸ Ν π ὰ ὲ Ν π α Ν υ ῖ Ν ὲ Ν Ν π α Ν

φα α Ν αὶ Ν Ν α έΝ Ν Ν ὴ Ν αΝ π Ν υ Ν

υ φ α Ν Ν Ν ὸ π Ν Ν υ αΝ φ Ν π Ν ὶ ὸ ὰ 20

Ν Ν ὰ αΝ Ν α α αΝ ( Ν ὲ ὰ Ν )Ν αΝ α α Ν

α Ν Ν αὶ Ν ὶ Ν αΝ αὶ ὰ Ν πὰ Ν Ν ῖ Ν

α α Ν υ ὶ Ν α ὰ ὰ αΝ Ν α Ν Ν ὸ Να ὸ Ν ὸ Ν υ α αΝ

έΝ ὰ αὶ π Ν Ν υ ῖ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Νπ π Ν

[103] Ν Ν αὶ Ν Ν Ν α αΝ Ν αὶ π Νπα Ν Ν αΝ α Ν25

ὰ Ν ὰ Ν π π υ Ν α ὰ α Ν α α Ν Ν υ Ν πα α έΝ ὰ

Ν Ν Ν ὴ Ν Ν Ν α Ν α Ν ὰ Ν Ν ὸ π Ν αφ Ν

αὶ Ν Ν υ φα α Ν α αΝ υ α Ν Ν αΝ

υ α έΝ Ν Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν αΝ Ν ὰ Ν Νπ ὸ Ν ὴ Νπ Ν Ν

ὰ Ν daggerΝ π α Ν daggerΝ ὸ Ν π υ Ν α Ν Ν αφα α έΝ Ν ὴ Ν αΝ30

υ α Ν Ν Ν ὰ Ν π ὸ α π Ν ὶ Ν π ὸ Ν ὺ π υ Ν Ν

π Ν ὰ Ν ὰ Ν π υ Ν υ φ α Ν αὶ Ν αΝ α Ν

υ Ν ὰ Νπ ὸ Ν αΝπ Ν Ν π φα υ έΝ ὰ ὰ Ν ὶ Νπ ὸ Ν ὲ Ν

ὸ Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν π Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν ὼ ὸ Ν Νπ ὸ Ν ὲ ὸ Ν Ν ὸ Ν

π α Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὲ Ν ὸ Ν α αΝ ὸ Ν π α Ν π ὸ Ν ὲ ὸ Ν αΝ ὸ Ν35

απ α Ν[ ῖ Ν πὸ Ν φ Ν ὶ υ π ῖ Ν Ν Ν αὶ Ν

α Ν ὺ Ν υ Ν π ]Ν ὸ αὶ Ν Ν Νπ Ν( Ν ὲ

Ν αΝ )Ν φ Ν Ν π α α ῖ Ν ὴ Ν Ν φ Ν α

67

312 Comentaacuterios ao capiacutetulo VI

A exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica da Natureza aproxima-se

agora do fim e Quintiliano apoacutes ter longamente discorrido sobre os nuacutemeros e proporccedilotildees

pertinentes agrave muacutesica ingressa de vez no tema da aritmologia simboacutelica tema jaacute anteriormente

tangenciado (ou mesmo explicitamente abordado) em vaacuterios momentos Exceccedilatildeo feita a um

ou outro detalhe as associaccedilotildees simboacutelicas e conceituais de Quintiliano para os dez nuacutemeros

iniciais pouco diferem da recensatildeo feita por Burkert (1972 p 467) A diferenccedila mais notaacutevel

estaacute no fato de que A Q tenha avanccedilado sua aritmologia simboacutelica para aleacutem da deacutecada

nuacutemero como qual diz Burkert apoiado em Aristoacuteteles (Met 986a8 Probl 910b31) ldquoends

the symbolic interpretation of numbersrdquoέ Burkert em todo caso faz questatildeo de frisar essa

particularidade de A Q (p 468 n 10) Eacute tambeacutem notaacutevel segundo Barker (p 503 n 47)

que A Q natildeo mencione a tetraktys (1+2 + 3 + 4 = 10) pitagoacuterica na qual estatildeo presentes

todas as razotildees consonantes em nenhum momento ao longo de suas consideraccedilotildees sobre a

deacutecada reservando como diz ldquohis greatest enthusiasm for the number 1βrdquoέ Todavia como jaacute

tivesse apontado logo antes a presenccedila das razotildees consonantes na seacuterie (2 3 4) de que se

compotildee o 9 compreende-se que A Q tenha considerado a repeticcedilatildeo pouco producente

Burkert afirma que esse simbolismo aritmoloacutegico se perde nas brumas do tempo

e que mesmo entre os gregos ele eacute anterior agrave constituiccedilatildeo da matemaacutetica como ciecircncia Jaacute

quanto agrave aritmologia propriamente pitagoacuterico-platocircnica haacute em Burkert (pp 15-96) um estudo

com excelente recensatildeo de fontes Sobre as fontes de A Q neste capiacutetulo em particular

εathiesen (pέ ζί) ldquoin view of the earlier apparent uses of Theonrdquo aponta Teacuteon de Esmirna

enquanto Barker o descarta sempre anotando (pp 502-504) as passagens que os dois autores

divergem embora natildeo exclua a possibilidade de fontes comuns

68

313 Capiacutetulo VII

Algueacutem talvez objetasse que nossa argumentaccedilatildeo natildeo se sustenta vez que por um

lado alicerccedilamos nosso exame das questotildees musicais sobre os nuacutemeros [104] aos quais os

intervalos poreacutem natildeo se mostram perfeitamente receptivos138 A razatildeo disso se queremos

revelaacute-la requer uma doutrina divina e secreta Pois as coisas deste mundo satildeo constituiacutedas

por imitaccedilatildeo de realidades mais altas cujo influxo e cujo movimento lhes datildeo origem e lhes 5

nutrem o ser diferindo ambas as regiotildees pelo fato de uma ser pura e incorruptiacutevel enquanto a

outra eacute agitada e turva Na primeira a accedilatildeo se daacute de modo perfeito e sem impedimento ao

passo que na segunda ela eacute falha obstaacutevel e dificultosa natildeo por culpa do agente mas em

virtude da desordem e da impotecircncia da mateacuteria Tal como o escultor que dizem esculpe

facilmente na pedra as imagens que deseje natildeo o fazendo jamais (salvo a custa de muita 10

dificuldade) na pedra-pome e natildeo por debilidade sua ou imperiacutecia mas pela inadequaccedilatildeo do

material Assim tambeacutem a accedilatildeo do universo se exerce melhor sobre aquelas realidades (mais

doacuteceis porque mais divinas) ao passo que se exerce mais tenuamente sobre as coisas daqui

em razatildeo da imensa distacircncia bem como da sedimentaccedilatildeo e da obscuridade corporais de que

padecem A exemplo tal como dizem da luz solar que vista no ar eacute puriacutessima ao passo que 15

nas profundezas marinhas eacute deacutebil e evanescente E natildeo porque ela assim o seja mas porque o

meio circundante tolhe os nossos sentidos Assim tambeacutem as emanaccedilotildees do alto natildeo operam

do mesmo modo em todo lugar mas conforme a dignidade dos substratos de cada lugar Por

isso eacute que noacutes mesmos quando a agitaccedilatildeo e a desordem das coisas daqui nos afetam

recebemos do alto a miacutenima assistecircncia necessaacuteria derivada do caraacuteter uno e solidaacuterio do 20

universo Quando poreacutem tendo conhecido a noacutes mesmos e compreendido o que nos

fundamenta orientamos nossos impulsos e [105] nosso modo de vida para as coisas mais altas

nesse momento recebemos de parte da providecircncia universal139 o que haacute de mais puro e

perfeito aproximando assim nossa natureza daquilo que mais lhe conveacutem mediante a

semelhanccedila com o que haacute de mais belo Como prova evidente da simpatia entre as coisas de 25

caacute e as de laacute apontam-se tanto as mudanccedilas dos ares como os movimentos das aacuteguas as altas

temperaturas e os climas amenos que surgem conforme a disposiccedilatildeo estabelecida com as

coisas de laacute E igualmente fenocircmenos que por assim dizer ocorrem a todo momento como o

crescer e o perecer das plantas o robustecer-se e o minguar-se dos animais fenocircmenos esses 138 Os termos com que A Q formula o problema jaacute antecipam a noccedilatildeo de que a irracionalidade de certos intervalos demonstrada nos capiacutetulos iniciais do livro III deriva de certa oposiccedilatildeo ou contrariedade que a mateacuteria impotildee agrave forma Assim estabelece-se entre o intervalo como forma e o intervalo como fenocircmeno fiacutesico uma cesura ontoloacutegica 139 π α

LXVIII

VII

ΥΝ Ν Ν Ν π Ν ὴ υ α Ν ὸ Ν ΝΝ ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν

Ν α ὰ υ ὴ Ν πΥΝ [104]

π υ Να Ν ὲ Νφ υ Ν αὶ ὴ

Ν α Ν ὰ ὰ α α αέΝ υΝ ὴ ὴ Να α Ν Ν ῖ Ν Ν

ῖ Ν ῖ Ν Ν αὶ π Ν έΝ Ν ὰ Ν αυ ῖ α ὰ Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὰ

αΝ υ α Ν αὶ π ὸ Ν ὴ Ν Ν φ Ν Ν αὶ πὴ Ν Ν Ν Ν5

α α Ν αὶ ὸ α Νπ Ν αφ Ν ὲ Ν Ν φ Ν ῖ Ν π Ν

αὶ ὲ Ν α α Ν Ν αὶ αφ υΝ ὲ αὶ υ υ Ν ῖ Ν ὲ Ν

αΝ αΝ αὶ π Ν α Ν αυ ῖ ὲ π Ν Ν αὶ υ αΝ αὶ

Ν ὰ ὴ Ν Ν α α Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν Ν α α Ν Ν αὶ

υ α α έΝ Ν ὰ Ν ὸ Ν Ν Ν ὲ Ν φα ὶ Ν Ν Ν Ν Νπ α Ν10

π υ Ν Ν Ν ὲ π π Ν υ Ν α ὰ α α Ν ὴ Ν

α Ν ὰ ὲ ὴ Ν π αΝ Ν π Ν ὶ ὲ αὶ ὴ Ν Ν πα ὸ Ν

α Ν Ν ὲ Ν π αΝ ὰ ὸ Ν π Ν Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ΥΝ Ν ὰ ὴ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ὰ ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν αὶ

π Ν Ν αυ έΝ Ν ὰ Ν ὶ Ν α Νφα Ν ῖ α Ν Ν ὲ Ν15

Ν α α Ν Ν ὲ α α Ν Ν υ ὰ αὶ Ν Ν α ὴ α Ν

υ υ αΝ Ν ΥΝ α Να Ν πὸ π Νπα απ Ν ὶ

ὲ αὶ ὰ Ν α Ν π α Ν Ν Ν α ὰ π αΝ ῖ Ν π Ν α ΥΝ

α Ν ὲ υΝ Ν π έΝ ὸ αὶ α ὺ Ν Ν Ν ὲ Ν Ν α ὶ α α

Ν αὶ α ᾳ π π π α Ν Ν ὸ Ν αὶ α α α Ν πὸ Ν20

υ Ν π υ α Ν ὰ ὴ Ν πα ὸ Ν Ν Ν αὶ α Ν αΝ ΥΝ Να Ν Ν

Ν αὶ Ν ῖ Ν ὴ α Ν πὶ ὰ αΝ Ν Ν ὴ [105]

αὶ ὸ Ν Ν

Ν α αΝ Ν Ν π α Ν α Ν ὸ α φ ὲ Ν αὶ α Ν Ν

α Ν Ν φ Ν Ν ὸ π Ν υ α Ν Ν π ὸ Ν ὸ

έΝ Ν ὲ Ν α ὶ π ὸ Ν ὰ ῖ Ν υ πα α Ν Ν Ν α Ν φ υ Ν25

αΝ π Ν Ν Ν αὶ Ν φ Ν π Ν Ν αὶ α α Ν Ν α ὰ ὴ Ν

Ν ῖ Ν π ὰ Ν Ν α Ν υ α Ν Ν ὲ ὰ α ΥΝ α Ν α ὸ Ν Ν π ῖ Ν

αΝφυ Ν Να Ν αὶ φ Ν Ν Νπ Ν αὶ Ν

69

que satildeo afetados e modificados tanto pelo crescimento como pelo descreacutescimo da esfera 30

lunar140

E ateacute mesmo a vazante e a enchente das mareacutes que mudam conforme o curso e as

fases daquela deusa a exemplo do que se daacute com a passagem por entre as colunas de

Heacutercules ou do que ocorre no Egito com a corrente do Nilo que conforme as estaccedilotildees do

ano sobe ou recua analogamente ao curso e aos movimentos solares Assim natildeo eacute

disparatado dizer que a muacutesica como tudo o mais partilha do mesmo princiacutepio de todas as 35

coisas natildeo obstante o fato de apoacutes sua mescla com a mateacuteria corpoacuterea faltar-lhe a precisatildeo e

a excelecircncia proacutepria dos nuacutemeros vez que nos domiacutenios acima de noacutes ela permanece

rigorosa e incorruptiacutevel E assim em virtude do obstaacuteculo imposto pela densidade corpoacuterea

natildeo podemos dividir os intervalos de modo perfeitamente idecircntico de forma que as

consonacircncias que obtemos em nossos sistemas satildeo incompletas 40

140

Barker (op cit p504 n53) argumenta que a teoria mimeacutetica de A Q seria antes estoica que platocircnica por

colocar os corpos celestes e natildeo as ideias puras como habitantes do mundo superior Sua opiniatildeo estaacute baseada

nos exemplos dados aqui por A Q mas tambeacutem em passagens semelhantes dos capiacutetulos 19 20 e 21 do livro

III Natildeo estamos tatildeo seguros a esse respeito Parece-nos que o apelo de A Q a fenocircmenos celestes visiacuteveis tem

caraacuteter sobretudo didaacutetico e analoacutegico Tanto mais que para A Q parece haver antes uma escalaridade

ontoloacutegica que uma oposiccedilatildeo estrita entre dois mundos de forma que a subordinaccedilatildeo do mundo sublunar agraves

esferas celestes natildeo faria destes necessariamente os substitutos das formas eternas

LXIX

π Να Ν αὶ υ α υ π Ν Ν αὶ υ π α Ν

αὶ ὴ Ν αὶ α Νπα α Ν Ν αὶ π Να Να αὶ 30

φ Ν α ΥΝ α αΝ υ α υ Ν Ν ὴ α ὰ ὲ Ν ὸ Ν π υ Ν ὸ Ν ΥΝ

α Ν Νπα Υ α αΝ α Νφ ῖΝ α ὰ ὲ ὴ Ν υπ Νπ ὶ ὸ Ν

αΝ αῖ Ν α αῖ Ν αυ Ν α Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αῖ Ν α αῖ Ν

α Ν π α Ν Ν αὶ έΝ υ ὴ Ν ὴ αὶ α ὴ Ν ὴ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν αὶ ὰ αΝ π ῖ Ν Ν π α Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Ν α ὴ Ν Ν Ν35

Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν π π π Ν α Ν Ν αὶ Ν π ὶ Ν Ν ῖ Ν πὲ Ν

Ν π Ν Ν Ν Ν αὶ φ έΝ Ν αὶ ὰ Ν Ν αΝ Ν α Ν

α Ν υ α Ν αὶ ὰ Ν Ν υ Ν υ φ α Ν π ῖ Ν Ν Ν

α Νπα Νπα π έ

70

314 Comentaacuterios ao capiacutetulo VII

Quando nos capiacutetulos iniciais do livro III Quintiliano toca na questatildeo da

incapacidade inerente a certos intervalos de corresponder com precisatildeo agrave perfeiccedilatildeo dos

nuacutemeros seu objetivo parece ser o de conferir no contexto da sua reflexatildeo certa autonomia

aos nuacutemeros de modo a chamar a atenccedilatildeo do leitor para uma realidade independente da

experiecircncia sensiacutevel realidade na qual aiacute sim estatildeo postos os objetos aos quais os nuacutemeros

se referem O objetivo aqui parece ser ainda o mesmo embora Quintiliano formule sua tese na

forma de uma resposta antecipada a uma possiacutevel objeccedilatildeo Em vista dos desenvolvimentos

por vir era mesmo de se esperar que A Q tivesse de esclarecer em algum momento seus

pressupostos como por exemplo sua teoria da imitaccedilatildeo que recende a um platonismo cuja

ortodoxia Barker potildee em questatildeo Para Barker a mimesis de A Q eacute mais estoica que

platocircnica por colocar os corpos celestes no lugar das ideias-formas De fato A Q menciona

os ldquodomiacutenios acima de noacutesrdquo num contexto que sugere a princiacutepio as esferas celestes mas eacute

controvertido afirmar que o tenha feito com exclusatildeo de qualquer dimensatildeo inteligiacutevel

superior Colomer e Gil natildeo parecem endossar essa opiniatildeo jaacute que insistem em situar A Q

ldquodentro del maacutes puro pensamiento platocircnicordquo (pέ1θ)έ O emprego de termo recorrente na

especulaccedilatildeo astroloacutegica (emanaccedilatildeo π α) talvez fortaleccedila a posiccedilatildeo de Barker embora a

origem do termo como ele mesmo aponta recue ateacute Platatildeo (Fedro 251b) e Empeacutedocles

(Frag 89) Outro aspecto que segundo Barker relaciona A Q aos estoicos (e particular a

Possidocircnio) eacute sua teoria da simpatia universal A esse respeito Barker (p 492 n 200) sugere

SVF vol 2 473 475 532 534 546 912 1013 Mathiesen para quem as ideias presentes

neste capiacutetulo natildeo requerem fontes outras aleacutem de Plotino (En II 1 [40]) e Platatildeo (Fedro e

Repuacuteblica) aponta ecos de Plotino (En V 8) na metaacutefora do escultor na qual Barker todavia

enxerga uma menccedilatildeo agraves quatro causas de Aristoacuteteles

A passagem a respeito da especial providecircncia a que faz juz todo aquele que

reorienta a proacutepria alma no sentido do seu fundamento estaacute ligada ao relato do descenso da

alma exposto em II 17 Aleacutem disso essa passagem eacute uma antecipaccedilatildeo do tema do destino e

da liberdade tema que Quintiliano soacute atacaraacute frontalmente nos dois capiacutetulos finais nos quais

culmina seu tratado

71

315 Capiacutetulo VIII

Haacute de ser evidente para quem examine as demais artes o imenso serviccedilo que lhes

prestam os nuacutemeros141

Tomando-se a pintura por exemplo vecirc-se que ela nada faz sem

nuacutemeros e proporccedilotildees Ao contraacuterio eacute atraveacutes dos nuacutemeros que ela busca apreender a simetria

dos corpos e a combinaccedilatildeo das cores e eacute com eles que produz a beleza nas pinturas E vecirc-se

ainda que ela por meio dos nuacutemeros imita tambeacutem a primeira natureza142

[106]

pois a mesma 5

proporccedilatildeo que por sua presenccedila nos corpos naturais produz a beleza eis o que os pintores

(seja nas medidas das formas seja nas combinaccedilotildees de cores) buscam reproduzir Assim

tambeacutem os pintores possuem formas cores e esquemas que expressam os tipos de vida e de

ethos de sorte que a arte dos pintores eacute toda ela estruturada de modo inverso ao da arte dos

fisionomistas143

Num caso a conduta de vida eacute captada atraveacutes da forma subjacente noutro 10

eacute a partir do ethos observado que a forma eacute moldada Tambeacutem a medicina tudo descreve

atraveacutes dos nuacutemeros tanto os acessos de palpitaccedilatildeo quanto as proporccedilotildees das febres

perioacutedicas Destas aquelas que satildeo proporcionais agraves razotildees consonantes (seja agrave razatildeo dupla

no caso da febre que ocorre em dias alternados seja agrave sesquiaacuteltera como a que ocorre a cada

trecircs dias seja agrave sesquiteacutercia quando a febre se manifesta a cada quatro dias) natildeo satildeo de todo 15

perigosas Jaacute as mais complicadas que todavia possuem certa semelhanccedila com as anteriores

(a exemplo das febres hemitriacuteticas144

) essas acarretam risco embora deem certa margem agrave

esperanccedila As febres totalmente desarmocircnicas como as contiacutenuas145

essas satildeo temiacuteveis e

letais Tambeacutem os remeacutedios com seus vaacuterios tipos e usos natildeo se produzem senatildeo mediante

proporccedilotildees quantitativas 20

De modo geral em tudo o que se possa investigar haveremos de encontrar

consonacircncias mesmo naqueles assuntos aos quais segundo se imagina dificilmente se

poderia dar expressatildeo numeacuterica Assim a estreita similitude entre vida e caraacuteter (ethos)

produz concoacuterdia E quando as sentenccedilas do destino a participaccedilatildeo na sabedoria o acordo

entre atos e haacutebitos e a condiccedilatildeo do restante da vida estatildeo em razatildeo consonante entatildeo haacute 25

141

Cf Filebo 55d ss 142

Ou seja os pintores ao imitar os nuacutemeros que comunicam a certos corpos a sua beleza imitam igualmente a

beleza em si 143

O fisionomista eacute aquele que faz uma leitura do caraacuteter a partir da aparecircncia enquanto o pintor de A Q cria

uma forma que expresse determinado caraacuteter Sobre o caraacuteter ou ethos como objeto primaacuterio de imitaccedilatildeo Cf

Repuacuteblica livros II III e X 144

Ou semiteacutercias como verte Barker esclarecendo (p 506 n 67) que essas satildeo febres contiacutenuas com acessos

agudos em dias alternados 145

Sobre as febres contiacutenuas diz Hipoacutecrates (Aforismo 43 In Tratados Hipocraacuteticos vol I Gredos p 267)

ldquoFrebres contiacutenuas que se agravam no terceiro dia satildeo perigosasέ Quando satildeo descontiacutenuas de qualquer tipo isso indica que natildeo satildeo perigosasrdquoέ

LXXI

VIII

Ν ὲ α Ν ὰ Ν α Ν π Ν α Ν Ν Ν Ν α α Ν ὴ Ν

φ α έΝ αφ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υΝ Ν αὶ α Ν

α Ν Ν ὰ αὶ Ν υ α Ν αὶ Ν Ν Υ Ν

Ν Ν Ν ὸ Ν ὰ Ν αφὰ Νπ υ Ν έΝα ὴ Ν ὲ α Ν Ν

ῖ Ν Υ Ν αὶ Ν π Ν φ Ν α Ν Ν [106] αΝ Ν Ν ῖ Ν5

φυ ῖ Ν α Ν α αΝπ αΝ Ν π Ν α Ν Ν ῖ Ν Ν Ν

Ν αῖ Ν Ν Ν υ Ν α υ έΝ ὶ Ν Ν αὶ πα ΥΝα ῖ Ν

φα Ν Ν αὶ αὶ αὶ α αΝ Ν αὶ Ν Ν υ α α Ν Ν π αΝ Ν

α Υ φὴ Ν Ν Ν φυ Ν π υΝ ὲ Ν ὰ Ν φ Ν π Ν

υ α Ν Ν π υΝ ὲ υ Ν υ υΝ υπ α Ν φ έΝ α ὴ ὲ αὶ α ὴ 10

π αΝ ὲ Ν ΥΝ Ν πα Ν Ν α α Ν αὶ π Ν π Ν α α Ν

πα Ν Ν ὲ Ν ῖ Ν υ φ Ν α Ν Ν π α Ν Ν

φ Ν Ν Ν ὰ Ν π Ν Ν ὰ Ν

π α Ν π Ν υ Ν π φ υ Ν ὲ daggerΝ α π ὶ daggerΝ Ν Ν ὲ

π ὸ Να ὺ Ν Ν α Ν Ν Ν α Ν Νπα α Ν υ Ν15

ὲ Ν π φ υ Ν ὸ Ν Ν Ν Ν π Ν υ Ν ὲ πα Ν φ Ν

υ Ν Ν υ ῖ Νφ Ν Ν Ν αὶ Νφα Ν ὲ π α Ν αὶ

υ Ν α Ν Ν ὰ υ Ν Ν α ὰ π α Ν α έΝ

α υΝ ὲ π αΝ Ν Ν αὶ ὰ α αΝ π Ν Ν α Ν

α ΥΝ ὸ Ν Ν φ αΝ Ν Ν αὶ Ν ὰ Ν υ Ν α Ν α Ν20

π φ α Ν Ν Ν π α Ν αὶ φ Ν ὴ Ν π Ν Ν αὶ

π υ ΝdaggerΝ υ φ α ΝdaggerΝ αὶ ὴ Ν πὴ Ν υΝ α α Ν Ν ὲ Ν υ φ Ν

Ν

72

amizade havendo poreacutem o oposto quando estatildeo em razatildeo dissonante Nesses casos muitas

vezes certa meacutedia proporcional harmoniza a desarmonia a exemplo de uma consonacircncia

intermediaacuteria posta entre intervalos dissonantes Se quiseres observar na alma esses pontos

meacutedios descobriraacutes que a parte irasciacutevel anaacuteloga a ambas eacute o ponto meacutedio entre a porccedilatildeo

racional e a concupisciacutevel146

E se examinasses as estruturas poliacuteticas [107]

surpreender-te-ia o 30

fato de que o ponto meacutedio entre a classe governante e o povo seja a classe militar que nas

melhores comunidades poliacuteticas jamais descura de seus deveres especiacuteficos147

E dentro da

proacutepria classe militar cujos extremos satildeo a cavalaria e a infantaria pesada o ponto meacutedio eacute a

cavalaria leve semelhante aos dois extremos em sua agilidade pedestre Por sua vez o

conjunto formado pela classe governante e pelo povo tem por ponto meacutedio a classe dos 35

cavaleiros que por sua posiccedilatildeo na escala descendente de honra guarda semelhanccedila com os

dois extremos Estando todas essas coisas pantentemente constituiacutedas mediante nuacutemeros e

pontos meacutedios natildeo supor que tambeacutem a muacutesica assim o seja eacute proacuteprio de gente obtusa e

ignorante

146

Cabe agrave porccedilatildeo irasciacutevel em sua atividade mediadora impor agrave porccedilatildeo concupisciacutevel as determinaccedilotildees da alma

racional Cf Rep 441a ss No entanto essa mediaccedilatildeo operada pela porccedilatildeo irasciacutevel depende ainda de outra

mediaccedilatildeo agora entre o proacuteprio irasciacutevel e a alma racional que fica a cargo da memoacuteria (memoacuteria das formas

eternas que apoacutes o descenso a alma ainda conserva) A Q tratou disso em II 2 (54 10-20) 147

Os termos com que A Q parece descrever o equiliacutebrio poliacutetico do estado romano sugerem segundo Colomer

e Gil (op cit p16-17) que seu tratado tenha sido redigido por volta do seacutec II aC Essa dataccedilatildeo dizem explica

como A Q pocircde situar-se ldquodentro do mais puro pensamento platocircnico longe daquele transcendentalismo plotiniano tatildeo tiacutepico de uma eacutepoca de criserdquoέ εathiesen e ἐarker como vimos satildeo de opiniatildeo oposta seja no tocante agrave dataccedilatildeo seja quanto agrave ortodoxia do platonismo de A Q

LXXII

φ α Ν Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν π φ αέΝ Νπ Ν ὴ Ν α α Ν Ν

Ν Ν α αΝ π Ν φ αΝ α α αΝ Ν ῖ αΝ υ φ αέ Ν Ν25

αὶ ὰ Ν Ν υ α Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π υ α Ν Ν

ὴ Ν α ὰ ὸ υ ὸ Ν φ ῖ Ν α α έΝ ὲ αὶ π ὰ Ν α α Ν

αυ Ν Ν ὲ Ν υ υ αὶ Ν α Ν ὸ π ὸ Ν π Ν

Να υ α Ν Ν αῖ Ν α Νπ α Ν φ Ν υΝ ΥΝα ὸ ὲ Ν

π ὸ Ν αὶ ππ ὸ Ν Ν Ν ΥΝ φ ῖ Ν ὸ υ ὸ Ν αΝ π ὸ Ν30

ὺ Ν υ Ν Ν π υφ Ν Ν π Ν ΥΝ α ὸ π αΝ ὸ πα Ν

υ υ αὶ αΝ ὸ ππ ὸ Ν Ν α Ν φ υΝ

ῖ Ν Ν έΝ ὸ ὴ α αΝ ὲ Ν Ν α Ν Υ Ν αὶ Ν

υ α Ν υ ὴ Ν ὲ ὴ Ν π ῖ Ν πα Ν α Ν αὶ υΝ ὴ Ν φ Ν

έ35

73

316 Comentaacuterios ao capiacutetulo VIII

Encerra-se neste capiacutetulo a exposiccedilatildeo acerca da espeacutecie aritmeacutetica da Muacutesica

Natural e ao colocar aqui sob o impeacuterio do nuacutemero campos tatildeo diversos com os da arte da

medicina do caraacuteter do comportamento e da poliacutetica Quintiliano no fundo repassa toda uma

seacuterie de temas jaacute antes abordados nos livros anteriores aleacutem de antecipar algumas questotildees de

que trataraacute mais adiante como o tema do acordo ou desacordo entre as decisotildees pessoais e as

imposiccedilotildees do destino

Haacute que se notar todavia que A Q natildeo reduz a realidade aos nuacutemeros mas afirma

que as coisas se constituem ldquomediante nuacutemeros e pontos meacutediosrdquo ( ῶ αὶ

ω ) Essa retomada da noccedilatildeo do ponto meacutedio ( ) nos remete diretamente agrave

teoria da dualidade masculino-feminino que central na teoria do ethos foi abordada por

Quintiliano em diversos momentos ao longo do livro II (V sobretudo caps 2 4 6 8 15 e

16) e que tornaraacute a ser mencionada explicitamente no proacuteximo capiacutetulo Segundo essa teoria

a dualidade seria uma espeacutecie de princiacutepio ordenador ao qual estaacute submetido o mundo

corpoacutereo Ocorre que como toda oposiccedilatildeo exige uma resoluccedilatildeo tal se daacute atraveacutes de um ponto

meacutedio capaz de dissolver a tensatildeo dos opostos numa mescla harmocircnica que no fim das

contas nada mais eacute do que a natureza mesma dos diversos seres corpoacutereos Mais do que uma

dualidade essa teorizaccedilatildeo implica uma estrutura triaacutedica (haacute varias delas ao longo dos trecircs

livros do tratado) que pode estar de algum modo relacionada ao simbolismo do 3 como

expressatildeo da perfeiccedilatildeo ou completude ou seja como ldquonuacutemero do universordquoέ

A passagem em que A Q descreve o exeacutercito como a instituiccedilatildeo intermediaacuteria

entre o governo e o povo colocando em seguida a ordem equestre no ponto intermediaacuterio da

hierarquia militar foi utilizada por Colomer e Gil (p 16-17) como evidecircncia para situar A Q

e seu tratado no sec II dC

Por fim cabe elencar as fontes provaacuteveis sugeridas por Matiesen (p 41) Para a

teoria mimeacutetica da pintura e sua relaccedilatildeo com a arte dos fisionomistas sugere Aristoacuteteles

(Physiognomica 806a19-806b3) Sobre as proporccedilotildees nas pulsaccedilotildees e febres perioacutedicas

Galeno (Sobre os diferentes tipos de pulsaccedilatildeo 18 29 213-14 33) Para o tema da

consonacircncia nas comunidades poliacuteticas as Leis (689d) e a Repuacuteblica (402c-d) de Platatildeo

Comentando a passagem que trata da amizade ou discordacircncia entre haacutebitos e condiccedilotildees de

vida ἐarker diz que ldquoesse vago sentimento tem raiacutezes platocircnicasrdquo e nos remete aμ Goacutergias

508a Leis 744b-c e 756e-757e Repuacuteblica 432a-b e 443d-e

74

317 Capiacutetulo IX

Examinemos agora um a um os assuntos relativos agrave muacutesica elucidando a

semelhanccedila de cada um deles com o conjunto do universo Pois tal como nada de belo se

perfaz em desarmonia com o universo tampouco a muacutesica se teria constituiacutedo (nem uma vez

constituiacuteda atuaria assim tatildeo poderosamente) se mediante uma enorme semelhanccedila com as

realidades acima de noacutes natildeo adquirisse um poder inconteste e verdadeiramente divino Dentre 5

as coisas que hei de mencionar poucas satildeo comuns agraves outras artes sua maior parte e as mais

relevantes dentre elas satildeo proacuteprias da muacutesica Eacute sobretudo proacuteprio da muacutesica o fato de

semelhantemente agrave geraccedilatildeo natural constituir-se de opostos148 e de veicular com isso uma

imagem da harmonia do universo Tal como no iniacutecio devemos novamente rogar ao deus que

preside toda geraccedilatildeo corpoacuterea149 e toda harmonia psiacutequica para que conserve eternamente 10

tornando digno de ser ouvido e compreendido tudo aquilo que sendo liacutecito revelar a muitos

seja dito aqui conforme a reta opiniatildeo E para que caso haja aqui algo em desarmonia [108]

com a causa dos seres150 ou algo inadequadamente posto por escrito e a cujo respeito caberia

calar conceda a noacutes o perdatildeo pelo veemente amor ao trabalho e aos semelhantes e que assim

sendo ou oculte inteiramente nossas palavras ou as faccedila chegar agravequeles aos quais seja liacutecito15

148 Fundamental e particularmente a oposiccedilatildeo masculino-feminino determinante-determinaacutevel ou par-iacutempar Cf Livro II Cap 8 Livro III Cap 21 149 Apolo 150 Jaacute no Livro I Cap 5 A Q tinha definido a espeacutecie fiacutesica da muacutesica natural como aquela que trata dos seres (π ὶ ῶ ω α α ) A retomada aqui da expressatildeo prepara a passagem da muacutesica aritmeacutetica para a muacutesica fiacutesica culminacircncia de toda a obra Daiacute igualmente a reiterada invocaccedilatildeo a Apolo feita jaacute no cap 3 do livro I que aleacutem de assinalar o caraacuteter sagrado das doutrinas que seratildeo expostas enfatiza o paralelismo existente entre os livros I e II tatildeo proacuteximos no tema quanto separados no enfoque Nos capiacutetulos seguintes A Q seguiraacute de perto a ordem adotada no livro I para a exposiccedilatildeo da teoria harmocircnica

LXXIV

IX

Ἤ Ν υ Ν αὶ ὰ α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν Ν

υΝ ὴ Νπ ὸ Ν ὸ πα Ν αΝ α αφ έΝ Ν ὰ Ν ὲ Ν Ν α Ν

α Ν αΝ Ν π ὸ Ν ῖ Ν υ α α Ν υ φ α Ν Ν ὲ υ ὴ Ν Ν

υ α Ν υ Ν π ὲ Ν ὴ Ν υ α Ν Ν υ α Ν ῖ Ν ὴ ὰ ὴ Ν

π ὴ Ν π ὸ Ν ὰ πὲ Ν Ν αΝ α α Ν αὶ α Ν Ν Ν ὴ Ν ὺ Ν5

π π έΝ α Ν ὲ Ν Ν ὰ ὲ Ν αὶ Ν ὰ Ν ὰ ὲ

π ῖ αΝ αὶ αΝ υ Ν αΝ α Ν ὲ αΝ Ν Ν Ν α Ν α Ν

α Ν φυ Ν πα απ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν α Ν ὴ Ν ὼ φ έΝ

Ν ὸ Να ὸ Ν ῖ Ν ὸ Ν Ν αὶ α ΥΝ ὰ Νπα α π Ν ὸ Νπ Ν ὲ Ν α Ν

υ Ν π Ν ὲ υ Ν α Ν π Ν αὶ Ν Ν Ν Ν10

Ν ῃ Ν α Ν αὶ Νπ ῖ φα Ν Ν Ν Ν ὶ

ὸ Ν Ν αὶ Ν αῖ Ν Ν αὶ Νπα α ῖ Ν Ν Ν Ν πα ὰ [1ίἆ]Ν ὴ Ν

Ν Ν α α Ν Ν Ν π Ν Ν Ν ὴ Ν αφὴ Ν Ν Ν

α α α Ν υ Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν Ν υ υΝ Νφ π α Ν αὶ Ν Ν

ὸ φυ Νφ α π α Ν ὺ Ν ὲ υ Ν Ν α α α Ν Ν Ν π Ν15

πα α α έ

75

318 Comentaacuterios ao capiacutetulo IX

Nada se constitui em desarmonia com o universo muito mesmo a muacutesica na qual

essa harmonia se faz presente de modo peculiar e especial Assim inicia Quintiliano o

breviacutessimo capiacutetulo 9 que eacute no fundo uma espeacutecie de prefaacutecio agrave segunda metade do livro III

dedicada ao aspecto fiacutesico da Muacutesica da Natureza Vecirc-se que natildeo foi sem razatildeo que

Quintiliano no capiacutetulo anterior retomou o tema da dualidade pois o que faz da muacutesica um

espelho particularmente exato da harmonia do universo eacute o fato de que seja constituiacuteda de

opostos Esses satildeo termos que ecoam as palavras com que o proacuteprio Quintiliano no iniacutecio do

tratado (I1) justificou sua iniciativa Disse ele entatildeo que a muacutesica revela a harmonia que

mediante proporccedilotildees existem nos corpos nas almas individuais e na alma do universo sendo

ainda ela a muacutesica o princiacutepio ordenador de tudo quanto possui uma natureza O tema da

alma individual humana foi abordado sobretudo no livro II Aqui e no restante do livro III A

Q trataraacute dos temas restantes do cap 10-17 segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p

195 n 375) trataraacute da muacutesica no acircmbito das realidades terrenas do cap 18-23 da relaccedilatildeo

entre a muacutesica e o corpo do universo e do cap 24-27 da estrutura musical da alma do

mundo

O paralelismo com o proecircmio do livro I eacute seguido ateacute na invocaccedilatildeo a Apolo que

assinala para a obra um novo comeccedilo Receoso embora Quintiliano convida o leitor agrave

intimidade com o deus confiando que a verdade saberaacute proteger-se a si mesma dos profanos

76

319 Capiacutetulo X

Acerca primeiramente do movimento da voz quem poderia duvidar que esteja

em consonacircncia com o universo Pois o universo eacute composto de princiacutepio agente e de

mateacuteria sendo esta indistinta desfigurada e totalmente desprovida de forma Em seu acircmbito

proacuteprio os fundamentos e princiacutepios das artes satildeo tidos na conta de mateacuterias ao passo que no

acircmbito da natureza satildeo antes de tudo ideias151

O movimento da voz concebido sem 5

referecircncia agrave mudanccedila corpoacuterea eacute por natureza incorpoacutereo152

tal como as primeiras coisas

Mas a mateacuteria tem dado margem a infinitas controveacutersias quanto a ser ela contiacutenua ou

descontiacutenua e tambeacutem nisso a muacutesica exibe o caraacuteter opositivo da mateacuteria jaacute que sua proacutepria

mateacuteria (o movimento da voz) mostra-se tanto contiacutenua quanto descontiacutenua153

Assim tal

como o poder providencial do universo divide em ideias o excessivamente contiacutenuo da 10

mateacuteria e agrupa harmonicamente a descontinuidade igualmente a muacutesica considerou inuacutetil a

imensa continuidade da voz e rejeitando por indeterminada uma maior descontinuidade

com base em intervalos proporcionais instituiu a melodia Sem duacutevida estaacute claro para noacutes que

a nota musical eacute um movimento simples traccedilo tambeacutem presente nas demais artes (pois todas

tecircm por princiacutepio seus proacuteprios elementos miacutenimos) Poreacutem eacute traccedilo caracteriacutestico da muacutesica a 15

receptividade aos opostos semelhantemente agrave mateacuteria do universo pois a nota musical

participa do grave como do agudo154

Dentre as notas algumas [109]

satildeo fixas outras satildeo

moacuteveis155

e o mesmo se pode dizer do universo jaacute que dos seres alguns satildeo fixos e outros

satildeo moacuteveis Cada um desses dois divide-se por sua vez em outros dois tipos os que satildeo fixos

151

Tudo aquilo que num determinado acircmbito seja tomado como mateacuteria nem por isso abdica de seu caraacuteter

entitativo proacuteprio isto eacute de sua forma pois do contraacuterio sequer existiria 152

τu sejaμ ldquomateacuteriardquo natildeo eacute sinocircnomo de ente corpoacutereo mas de potecircncia receptivaέ Ente inteligiacutevel que eacute a mateacuteria tal como a forma pode ser tomada abstratamente Assim a mateacuteria da muacutesica eacute a realidade formal e

natildeo material da altura tonal 153

O movimento contiacutenuo em muacutesica eacute dado pelos movimentos do corpo pela vibraccedilatildeo que produz

determinada nota e por qualquer alteraccedilatildeo de altura tonal na qual a fronteira entre as notas seja imperceptiacutevel

Em I4 A Q cita como exemplo deste uacuteltimo a variaccedilatildeo tonal que ocorre espontaneamente durante a fala

exemplo que tem em vista particularmente os falantes da liacutengua grega Jaacute o movimento descontiacutenuo corresponde

agrave variaccedilatildeo da altura tonal clara e distinta Cf Livro I 4-6 154

Rigorosamente falando a oposiccedilatildeo grave-agudo recai sob a categoria da relaccedilatildeo natildeo da quantidade que natildeo

adimite opostos (Arist Categorias 5b11) O que A Q estabelece aqui eacute um paralelismo entre o estado de

indeterminaccedilatildeo da altura tonal entre o grave e o agudo e a indeterminaccedilatildeo intriacutenseca da mateacuteria como tal Para

sair desse estado de indeterminaccedilatildeo uma nota precisa estar em relaccedilatildeo com outra que assim determina a

primeira e eacute ao mesmo tempo por ela determinada Desse modo a altura tonal enquanto mateacuteria da muacutesica ou

seja enquanto potecircncia receptiva para o grave ou o agudo eacute anaacuteloga agrave mateacuteria universal que eacute potecircncia pura 155

Separadas por um intervalo de quarta justa a notas que ocupam os extremos de um tetracorde satildeo fixas

enquanto as duas notas intermediaacuteveis satildeo moacuteveis As diversas configuraccedilotildees possiacuteveis das notas intermediaacuterias

determinam o gecircnero (diatocircnico enarmocircnico ou cromaacutetico) do tetracorde As notas fixas de um tetracorde satildeo

tambeacutem chamadas baripiacutecnica (a grave) e apiacutecnica (a mais aguda) Jaacute as notas moacuteveis denominam-se

mesopiacutecnica e oxipiacutecnica igualmente do grave para o agudo

LXXVI

X

Ν ὲ Ν Ν Νπ Ν Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν Ν Ν φ Ν

Ν ὶ πα ὶ υ φ Ν νΝ υΝ ὰ Ν Ν Ν π Ν Ν Ν

υ Ν Ν ὲ Ν π Ν Ν αὶ φ υΝ αὶ πα ὸ Ν υ Ν Ν

αῖ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν π α Ν Ν αὶ αῖ Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ Ν φ α Ν α

α Ν α Ν υ Ν Ν ὲ π ὸ Ν ὴ Νφ Νπ ὺ π Ν Ν υ Ν ὲ 5

Ν α ὰ ὴ Νφ ὴ Ν υΝ Ν α Ν αφ Ν π ῖ α Ν α Ν Ν α Υ α Ν

Ν ὰ π αΝ α έΝ ὰ αὶ Ν Ν υ α Ν φ Ν πα Ν

π αΝ υ Ν Ν Ν υ ὴ Ν Ν Ν ὴ Ν α αΝ

υ Ν ὴ Ν ὰ Να Ν Ν Ν ὶ Νφ Ν υ Ν αὶ α α ὴ Ν

π έΝ π Ν Ν πα ὸ Νπ υ Ν α Ν Ν Ν α Ν υ ὲ Ν Ν Ν10

α ῖ Ν Ν αὶ ὸ ὲ Ν υ Ν υ Ν ὶ ὲ αὶ υ ὴ ὴ Ν ὲ Ν

π ὴ Ν υ α Ν Ν φ Ν Ν Ν π φ Ν ὴ Ν ὲ Ν α Ν Ν

π Ν π α αΝ υ α Ν ὴ Ν α Ν π α έΝ αὶ ὴ Ν Ν

ὲ Ν φ Ν α Ν π Ν Ν ῖ Ν Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν

α Ν (π α Ν ὰ Ν Ν Ν Ν π ὸ Ν αυ ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν υ )Ν α Ν ὲ ὸ 15

Ν α Ν α Ν ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῃ Ν Ν α ὸ Ν αὶ

α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν ὲ [109]

Ν ὲ α Ν ὸ ΥΝα ὸ

πὶ πα Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν ὰ ὲ ῖ α έΝ αὶ

ὴ Ν α υΝ αὶ αφ α Ν ὰ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ π Ν Ν Ν αὶ ὰ Ν

α Ν Ν Ν α πυ Ν φ Ν ὰ ὴ Ν υΝ α αΝ αὶ 20

υ φ α Νπ ὸ Ν ὰ φ Ν ὰ ὲ α ὰ α Ν Ν ὰ ῖαΝ Ν α Ν πυ Ν ὴ Ν

ὸ Ν α Ν υ υ α Ν α Ν π α Ν Ν α Ν Ν Ν Ν Ν

π Ν φ Ν Ν Ν ῖ αΝ π υ Ν Ν ὺ Ν Ν πα α Ν Ν ὲ Ν

αῖ Ν αῖ Ν Ν Ν α Ν Ν ὲ α ῖ Ν Ν Ν φα έΝ Ν

ὴ αὶ πὶ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ φ ὶ α Ν φ Ν ὰ Νπ αΝ αὶ 25

π Ν ὰ α αΝ Νπ Ν Ν αὶ αὶ Ν π αΝ α ὲ Ν

Ν α α Ν ῖ α Ν Ν ὲ α Νπ α Νφ Ν Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α υ Ν αὶ ᾳ α Ν α υΝ ὴ Ν α Ν α έΝ π Ν π ὶ Ν

φ Ν Ν Ν( ὲ Ν ὰ Ν α Ν α ΥΝ ῖα Ν ὲ α ὰ )Ν ὲ Ν α ὰ Ν

α Ν ὸ α Ν αΝ ὴ αὶ π π Ν α Νπ Ν Ν α Ν π Ν Ν Ν30

Ν ῖ Ν πα υπα Ν ( Ν Ν Ν Ν α α αΝ Ν Ν Ν αὶ ὸ

)Ν ὴ Ν ὲ α ΥΝ ῖα Ν [ ]Ν φ α Ν ὰ πὸ Ν υ Ν Ν

77

quanto ao lugar como a Terra e tudo o que nela haacute agraves quais se assemelham as notas 20

baripiacutecnicas (em razatildeo da gravidade do elemento terra e de seu apego a tudo quanto dele se

segue) e os que satildeo fixos quanto ao poder (como as coisas divinas) que semelhantes agraves notas

apiacutecnicas manifestam uma substacircncia livre de todo jugo corpoacutereo156

Satildeo elas com efeito o

princiacutepio das demais notas tal como as coisas divinas o satildeo dos corpos E contecircm todas as

notas seguintes nos intrumentos de corda mediante diminuiccedilatildeo dos nuacutemeros no aulo 25

mediante subtraccedilatildeo das magnitudes157

Assim tambeacutem a respeito do universo homens

divinos e saacutebios descobriram que em razatildeo da queda e da decadecircncia eacute que as coisas deste

mundo que satildeo as uacuteltimas distanciam-se das primeiras em virtude vida e movimento e que

eacute por diminuiccedilatildeo do bem que manifestam o mal e por diminuiccedilatildeo da vida que produzem a

morte e que por lentidatildeo e ausecircncia de movimento proporcional se gera a imobilidade 30

completa do centro Mais uma vez satildeo duas as formas do movimento a que se produz

conforme a reta e a que se produz conforme o ciacuterculo Da forma circular faz uso o corpo

eteacutereo158

o qual segundo alguns seria plano e por isso semelhante agraves notas superprimeiras

(que apresentam dois intervalos159

a diese e o semitom) Jaacute o movimento retiliacuteneo eacute aquele

produzido pelos seres sublunares160

que participam da profundidade possuem trecircs dimensotildees 35

e aos quais correspondem as notas indicativas as quais possuem trecircs intervalos a diese o

semitom e o tom161

E entatildeo Acaso os intervalos natildeo diferem entre si em porosidade e

solidez diferenccedila essa que manifesta as peculiaridades dos corpos materiais em que alguns

pela porosidade satildeo leves e tendem para o alto ao passo que outros mediante a solidez satildeo

156

Assim como Ceacuteu e Terra designam os limites do cenaacuterio total que corresponde ao universo tambeacutem as notas

baripiacutecnicas e apiacutecnicas estabelecem os limites do cosmo musical Um aspecto particularmente interessante

desse simbolismo eacute fato de que a nota apiacutecnica assim denominada por natildeo pertencer ao grupo piacutecnico seja

anaacuteloga ao Ceacuteu que igualmente determina o limite da realidade terrestre sem no entanto confundir-se com ela 157

As notas fixas baripiacutecnicas ou apiacutecnicas satildeo as referecircncias das demais Em todo caso quando se tem dois

tetracordes conjuntos a nota comum seraacute simultaneamente baripiacutecna e apiacutecnica Barker ( p509 n91) sugere que

A Q esteja se referindo aqui agrave nota acrescida apiacutecnica por excelecircncia por natildeo pertencer a nenhum tetracorde

Isso parece contradizer o que A Q diz logo em seguida ao descrever o processo de comunicaccedilatildeo do ser como

perda progressiva agrave imagem da sucessiva perda de movimento implicada na passagem do agudo para o grave

Vale observar que tradicionalmente a escala grega ascendia no sentido do grave natildeo do agudo embora na

eacutepoca de A Q que natildeo sabemos precisar tal tenha sido talvez jaacute natildeo fosse assim Cf I 926-30 aleacutem de

passagem logo adiante ainda neste capiacutetulo 158

Sobre a superioridade do movimento circular v Pl Tim 34a 40b 43b Arist Phys VIII 8-9 De Caelo

269a ndash 270b 159

A analogia eacute aqui um pouco forccedilada pois baseia-se apenas na homoniacutemia entre ldquodimensotildeesrdquo e ldquointervalosrdquo iέ e α α α Os intervalos estabelecidos pelas notas moacuteveis (mesopiacutecnicas e oxipiacutecnicas ou respectivamente

notas superprimeiras e indicativas) determinam o gecircnero do tetracorde Nos gecircneros diatocircnico e cromaacutetico a

nota superprimeira eacute meio tom mais aguda que a nota primeira (a mais grave do tetracorde) No gecircnero

enarmocircnico eacute um quarto de tom ou diese mais aguda 160

Cf Arist De Caelo 269a ndash 270b 161

No gecircnero diatocircnico a nota indicativa eacute um tom mais aguda que a superprimeira no cromaacutetico meio tom e

no enarmocircnico um quarto de tom mais aguda

LXXVII

υ Ν Ν α Ν Ν α α Ν Ν Ν α ῖ Ν ὰ Ν

ῖ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν αὶ έΝ Ν ΥνΝ ὶ αὶ Ν

α Ν Ν α Ν αὶ πυ Ν ὶ Να αφ αὶ Ν Ν Ν π φα υ Ν 35

α Νᾗ ὰ ὲ Να Ν α Ν φαΝ αὶ φ Ν ὰ ὲ πυ Ν α αΝ αὶ

α α π ν αὶ ὴ Ν [110]

Ν Ν α Ν φ Ν ὲ Ν Ν π Ν π α Ν ὰ Ν

α Ν ῃ ὲ π α Ν Ν Ν υ ῖ α Ν αὶ ὴ Ν ὴ Ν

φ Ν ὴ Ν ὲ Ν π Ν α Ν αὶ Ν ὸ Ν ὲ π α Ν αΝ αὶ Ν αὶ

Ν υ α α Ν Ν αὶ υ Ν αὶ αὶ υ α Ν Ν Ν π Ν40

π α υ α Ν Ν Ν πὶ α Ν ΥΝ α Ν ὲ π Ν ὰ Ν α Ν

π α Ν α α Ν ὲ Ν Ν πα Ν φυ ῖ Ν ὲ Ν Ν ὲ α Ν

πα α έ

78

graves e tendem para a terra162

Aleacutem disso [110]

o fato de que as notas tendam natural e 40

indefinidamente para o agudo enquanto o limite lhes eacute imposto pela arte deixa claro natildeo soacute o

caraacuteter indefinido e irracional da natureza material mas tambeacutem o poder do demiurgo o qual

eacute limite e razatildeo Desse modo eacute que surgem a beleza dos corpos as virtudes da alma e o

equiliacutebrio dos climas ou seja nem pelo avanccedilo indefinido nem pela alternacircncia brusca dos

opostos mas mediante pequenas mudanccedilas163

que produzem os bons climas o crescimento 45

das plantas e a sauacutede dos animais

162

Em I 731-33 Quintiliano jaacute havia definido os intervalos menores (a diese por exemplo) como densos e os

intervalos maiores (eg o intervalo de quarta) como porosos Em III 19 Quintiliano voltaraacute ao tema dos corpos

densos e porosos 163

Μ α Empregado aqui de modo pouco enfaacutetico e sem maiores destaques esse termo adquiriraacute

importacircncia mais adiante nos capiacutetulos 17 e 26 mas sobretudo no encerramento do capiacutetulo 27 Em todas essas

ocorrecircncias estaacute relacionado agrave mudanccedila draacutestica ( α ) operada pela variante destrutiva (ou anulativa) da

terapecircutica eacutetica Cf II 9

79

320 Comentaacuterios ao capiacutetulo X

A fim de demonstrar como a muacutesica se estrutura segundo o princiacutepio da

dualidade Quintiliano nos remete agrave oposiccedilatildeo fundamental entre forma e mateacuteria Assim no

campo da muacutesica a formalidade ldquoaltura tonalrdquo eacute tornada mateacuteria e mateacuteria igualmente

informada pela dualidade contiacutenuo-descontiacutenuo A harmonia o engate ou o ponto meacutedio

situado entre esses opostos satildeo precisamente os intervalos as consonacircncias Essa

harmonizaccedilatildeo por sua vez estaacute tambeacutem fundada numa tensatildeo estruturante a oposiccedilatildeo entre o

grave e o agudo Quando uma nota atualiza sua potecircncia simultacircnea para o grave ou o agudo

(mediante o acreacutescimo de uma segunda nota) tem iniacutecio o movimento meloacutedico que eacute no

fundo uma continuidade articulada em pequenas descontinuidades pequenas pausas E assim

as diversas alturas tonais transformam-se em mateacuteria de uma formalidade mais alta

Duplo em sua estrutura o movimento eacute tambeacutem duplo nas suas espeacutecies tal como

eacute dupla a imobilidade Na verdade o que eacute duplo aqui eacute o simbolismo associado agrave

imobilidade que assume caraacuteter distinto (oposto de fato) conforme o plano de realidade a que

seja aplicado Nas fronteiras do real estatildeo o ato puro e a pura potecircncia ambos imoacuteveis tal

como o microcosmo da muacutesica o tetracorde estaacute limitado por duas notas fixas separadas

entre si como o Ceacuteu da Terra No campo delimitado por essas fronteiras eacute que se daacute o

movimento retiliacutenio no plano sublunar e circular nas esferas celestes

A oposiccedilatildeo final (solidez e porosidade) menciona por A Q estaacute relacionada ao

simbolismo do masculino e do feminino do qual Quintiliano se ocupou bastante no livro II

No plano das realidades terrenas (bem como no microcosmo das notas musicais) porosidade

(ou feminilidade) eacute abertura ao influxo do alto potecircncia para receber determinaccedilotildees enquanto

a solidez relacionada ao masculino implica resistecircncia fechamento e incapacidade para

novas atualizaccedilotildees Na natureza como na muacutesica a beleza eacute resultado da ordem imposta

mediante nuacutemeros e pontos meacutedios ao caos informe da mateacuteria

80

321 Capiacutetulo XI

O fato de que os primeiros sistemas consonantes sejam trecircs jaacute deixa entrever a

natureza triaacutedica do universo Ao Sistema Perfeito de oitava chamamos incorpoacutereo corpoacutereo

ao sistema de quarta e ao sistema de quinta164

designa-se a natureza intermediaacuteria165

Dentre

os seres uma vez mais alguns satildeo divinos e imortais outros completamente inanimados e

ainda outros estatildeo entre estes e aqueles a exemplo dos animais mortais Tambeacutem por isso eacute 5

que a principal distinccedilatildeo dos gecircneros meloacutedicos166

vem a ser tripla Poreacutem como nas

dimensotildees corpoacutereas haacute certa natureza triaacutedica (pois a natureza primordial unidimensional

ordena-se segundo a linha e a seguinte dupla segundo o plano enquanto a terceira mediante

um triplo acreacutescimo alicerccedila-se na profundidade) o sistema enarmocircnico simples e indiviso eacute

estruturado segundo a linha enquanto o diatocircnico eacute soacutelido e partiacutecipe da profundidade Jaacute o 10

cromaacutetico estrutura-se segundo o plano pois jaacute entre os mais antigos toda natureza plana veio

a ser denominada de cor em razatildeo de sua capacidade de manifestar a cor de qualquer

realidade perceptiacutevel167

E uma vez mais dentre esses gecircneros meloacutedicos alguns se dividem

em espeacutecies Assim enquanto o gecircnero enarmocircnico eacute indiviso o cromaacutetico divide-se em trecircs

[111] e o diatocircnico em duas de modo que o conjunto perfaz seis espeacutecies

168 o mesmo nuacutemero 15

de tons do Sistema Perfeito169

No tocante ao homem o gecircnero enarmocircnico manifesta a

essecircncia psiacutequica que eacute monaacutedica e simples o cromaacutetico corresponde agrave substacircncia

164

A quarta a quinta e a oitava satildeo tomadas aqui natildeo como intervalos mas como sistemas Em I 81

Quintiliano define ldquosistemardquo como qualquer sucessatildeo superior a dois intervalosέ Em sentido estrito um sistema eacute uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos abstraccedilatildeo feita da altura tonal absoluta dos sons que o compotildeem O

tetracorde ou intervalo de quarta eacute a unidade estrutural miacutenima da teoria harmocircnica grega a partir da qual

surgem os demais sistemas Dois tetracordes justapostos por conjunccedilatildeo formam o Sistema Perfeito de oitava

tambeacutem chamado de Harmonia Trecircs tretacordes conjuntos aos quais se acrescenta uma nota grave (a acrescida)

formam o Sistema Perfeito Menor Dois pares de tetracordes separados por um tom disjuntivo formam o Sistema

Perfeito Maior E quando ao tetracorde meacutedio do Sistema Perfeito Maior era acrescido mais um tetracorde por

conjunccedilatildeo obtinha-se a sequecircncia de dezoito notas denominada Sistema Perfeito Imutaacutevel (SPI) 165

Colomer e Gil (op cit p 194 n33) oferecem uma explicaccedilatildeo bastante elegante para a associaccedilatildeo feita aqui

por Quintiliano Tomando a sequecircncia (1 2 3 4) da tetraktyacutes como os graus sucessivos da manifestaccedilatildeo tem-se

que a oitava (21) expressa a oposiccedilatildeo inicial mocircnada-diacuteada determinante-determinaacutevel A quinta (32)

simboliza o grau intermediaacuterio que culmina na mateacuteria corpoacuterea representada pelo intervalo de quarta (43)

Juntos os quatro graus da tetraktyacutes formam o triacircngulo perfeito pitagoacuterico o que reforccedila a afirmaccedilatildeo de A Q

logo na abertura do capiacutetulo acerca da ldquonatureza triaacutedica do universordquoέ Para uma explicaccedilatildeo de outra natureza Cf Barker p511 n 100 166

Os gecircneros satildeo diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico Cf cap 2 p 33 deste trabalho 167

χssociaccedilatildeo entre ldquocorrdquo e ldquoplanordquo e logo do gecircnero cromaacutetico agrave superfiacutecie penso esteja ligada agrave teoria do sensiacutevel proacuteprio segundo a qual o sensiacutevel proacuteprio do sentido da visatildeo eacute a cor (ou a luz e suas determinaccedilotildees)

por meio da qual captamos a diferenccedila entre as diversas superfiacutecies Cf Arist De Anima 418a7 ndash 418b25 A

hierarquia entre os trecircs gecircneros estava jaacute estabelecida desde I 9 quando Quintiliano define a cor como aquilo

que estaacute ldquoentre o branco e o pretordquo ou seja entre extremosέ 168

As espeacutecies do gecircnero cromaacutetico satildeo cromaacutetico brando sesquiaacuteltero e cromaacutetico de tom (ou tenso) As

espeacutecies do diatocircnico satildeo diatocircnico brando e diatocircnico intenso Para mais detalhes v cap 2 169

Ou seja o intervalo de oitava

LXXX

XI

Ν Ν ὴ Ν ὸ αΝ υ Ν ὰ π αΝ φ αΝ υ α αΝ ὴ Ν α ὴ Ν

πα ὸ Ν π φα Ν φ έΝ ὰ ὲ Ν ὰ Ν α Ν φα Ν α αΝ α ὰ ὸ ὰ πα Ν

Ν ὰ ὲ α αΝ α ὰ ὸ ὰ Ν ὰ ὲ ὴ Ν Ν φ Ν αΝ

α ὰ ὸ ὰ π έΝπ Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν ῖαΝ αὶ αΝ ὰ ΥΝ υ αΝ ὰ πα Ν ὰ

ὲ α ὺ Ν Ν ὰ ὰ αέΝ ΥΝ ὴ αὶ Ν Ν Ν ὴ Ν 5

Ν αφ έΝ ΥΝ π ὶ αὶ Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν Ν Ν φ Ν

ὲ Ν Ν φΥΝ Ν α Ν α ὰ α Ν ΥΝ πὶ α ῃ ὰ υ ῖ Ν α ΥΝ π π Ν

ὲ Ν ὰ Ν α Ν πὶ Ν ὸ ὲ Ν α Ν α α Ν α ὰ α ὴ Ν

π Ν υ Ν αὶ φ Ν ὸ ὲ Ν Ν ὸ Ν π Ν αὶ υ Ν

φ Ν ὸ ὲ α ὸ Ν α Ν α ΥΝ π π Ν π υΝ αὶ πα ὰ ῖ Νπα α Ν10

π α Ν ὴ Ν π π Ν φ Ν α Ν α Ν υ α Ν ξ ρΝ α Ν α Ν

ὴ Ν π Ν π φα α Ν έΝ π Ν ΥΝ α Ν Ν ξ Ν ρΝ

Ν Ν Ν α Ν αέΝ αὶ υ Ν π ὶ ὸ ὲ Ν α Ν α Ν Ν

ὸ ὲ αΝ Ν αΝ α ῖ α [111] ὸ ὲ Ν Ν Ν αὶ πα αΝπ ῖ ὴ Ν

αΝ υΝ υ α Ν ῖ Ν Ν υ Ν Ν ὲ Ν π ὶ π υΝ 15

ὸ ὲ Ν α Ν υ ὴ Ν α Ν φα Ν α Ν Ν α Ν αὶ π Ν ὸ ὲ

αΝ

81

intermediaacuteria entre a alma e o corpo a que chamamos natureza a qual em razatildeo de sua

perfeiccedilatildeo eacute anaacuteloga ao trecircs170

(pois o que chamamos de alma alguns denominam como

ldquointelecto externordquo chamando por sua vez ldquoalmardquo ao que denominamos ldquonaturezardquo a qual 20

em razatildeo da perfeiccedilatildeo nela observada foi tambeacutem chamada ldquoenteleacutequia171rdquo)έ Jaacute o gecircnero

diatocircnico revela o corpo sensiacutevel sendo este soacutelido e resistente tal como aquele eacute duro e

inflexiacutevel possuindo ambos uma constituiccedilatildeo semelhante Pois tal com o corpo no todo ou

nas partes eacute formado pela composiccedilatildeo do dois com a metade172

tambeacutem o gecircnero diatocircnico eacute

composto pela disposiccedilatildeo de dois tons e meio O gecircnero cromaacutetico formado inteiramente por 25

semitons mostra a natural semelhanccedila da enteleacutequia consigo mesma bem como mediante a

triplicaccedilatildeo173

dos intervalos de semitom a sua perfeiccedilatildeo O gecircnero enarmocircnico formado por

uma diese outra diese e um diacutetono mostra por meio das suas dieses natildeo soacute como a alma

harmoniza-se atraveacutes de unidades miacutenimas mas tambeacutem quatildeo imaterial e indiviso ele proacuteprio

eacute Jaacute com o diacutetono mostra a veemente e constante autocinese174

da alma Jaacute no que diz 30

respeito ao universo o gecircnero enarmocircnico simples e impassiacutevel assemelha-se ao agente o

cromaacutetico que se subdivide em trecircs (um nuacutemero perfeito) deixa entrever a dimensatildeo

responsaacutevel pela vida dos corpos e o diatocircnico subdividido em dois revela a divisibilidade e

a disposiccedilatildeo receptiva da mateacuteria175

170

Considere-se ainda a divisatildeo triaacutedica da alma em alma racional irasciacutevel e concupisciacutevel divisatildeo anaacuteloga agraves

trecircs espeacutecies do gecircnero cromaacutetico 171

χlma no sentido de ldquonaturezardquo ou ldquoenteleacutequiardquo eacute a alma como forma substancial do corpo (χristέ De anima

412b5-1ί)έ Jaacute a alma no sentido de ldquointelecto externordquo provavelmente remete agrave noccedilatildeo de intelecto agente (Arist

De anima 430a10-25) 172

Como Quintiliano trata aqui do homem o corpo que ele descreve como formado por dois e uma metade natildeo eacute

o corpo em geral mas o corpo humano dividido numa proporccedilatildeo aproximada em pernas (1) tronco (1) e

cabeccedila (12) A sugestatildeo eacute de Barker (p 512 n 109) 173

Refere-se ao uacuteltimo intervalo do cromaacutetico tenso T2 + T2 + (T + T2) 174

A alma entendida como phyacutesis eacute princiacutepio autocircnomo de movimento Sobre o movimento circular da alma

Cf Timeu 36e ss 175

A Q retoma aqui o simbolismo dos nuacutemeros relacionando o gecircnero enarmocircnico agrave mocircnada que exerce sobre

a diacuteada (gecircnero diatocircnico) um influxo ativo do qual resulta a triacuteade (gecircnero cromaacutetico) cujo acircmbito de accedilatildeo jaacute se

daacute sobre o corpoacutereo A aparente inversatildeo da hierarquia dos gecircneros seraacute explicada no capiacutetulo seguinte

LXXXI

ὴ Ν α ὺ υ Ν αὶ α Ν π α Ν Ν α Νφ Ν Ν ὰ Ν α ῖ ὰ

ὸ Ν( Ν Ν ὴ Ν α υ Ν υ ὴ Ν Ν α Νπ π Ν ὸ ΥΝ φΥΝ Ν

Ν φ Ν υ ὴ Ν α Ν πὸ Ν Ν α υ Ν Ν20

α Να ὴ Ν [30]π α )Ν ὸ ὲ Ν ῖ ὸ α ὸ Ν αΝ υ ὶ

ὰ Ν Ν ΥΝ ὶ αὶ υπὲ Ν Ν ῖ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν Ν

α Ν Ν αὶ ὰ Ν ὸ αΝ α υΝ Ν αὶ α ὰ Ν υ Ν Ν daggerΝ

υ Ν έέέΝ daggerΝ αὶ Ν υ Ν Ν ῖ Ν υ ῖ Ν ξ ρΝ αὶ υΝ Ν

Ν ὸ ὲ αΝ Νπ Ν Ν α Ν ὴ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν25

α Νπ ὸ Ν αυ ὴ ΝξΝΝΝ ὴ ρΝ ὲ αΝ π α α Ν α α Ν

α Ν π Ν ὸ ΥΝ α Ν α ὰ Ν ξ αὶ ρΝ αὶ Ν ῖ Ν

ὲ Ν α Ν α α Ν ὸ Ν υ Ν ΥΝ α Ν Ν αὶ Ν Ν αὶ

ὲ Ν π ῖΝ ὲ ὴ Ν φ ὰ Να Ν αὶ υ Να α έΝ Ν Ν ὴ Ν

πα ὶ ὸ ὲ Ν α Ν π Ν Ν Ν αὶ πα ὲ Ν α Ν π Ν ὸ ὲ 30

αΝ α Ν Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Να Ν ῖ Ν α Ν π φα Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν α Ν Ν αὶ πα έ

82

322 Comentaacuterios ao capiacutetulo XI

Enquanto cap 10 foi dedicado agraves oposiccedilotildees e dualidades aqui A Q aborda a

estrutura ternaacuteria do universo e suas analogias no acircmbito da muacutesica O quadro abaixo deve

auxiliar na visualizaccedilatildeo das associaccedilotildees

Tabela 1 - Triacuteades

INTERVALOS NATUREZA SERES DIMENSOtildeES GEcircNEROS HOMEM UNIVERSO

Oitava Incorpoacuterea Divinos Linha Enarmocircnico Alma Agente

Quinta Intermeacutedia Mortais Plano Cromaacutetico Natureza Geraccedilatildeo

Quarta Corpoacuterea Inanimados Profundidade Diatocircnico Corpo Mateacuteria

Observe-se como a triacuteade com que A Q encerra este capiacutetulo eacute na verdade um

desdobramento da oposiccedilatildeo mencionada ao fim do capiacutetulo anterior Isso eacute interessante na

medida em que sugere uma estrutura expositiva anaacuteloga que se vai desdobrando em

conformidade com o simbolismo dos nuacutemeros

Mathiesen (p 43) argumenta que na ausecircncia de fontes para as associaccedilotildees

propostas por A Q o mais provaacutevel eacute que sejam criaccedilotildees originais suas E comenta ainda

que as semelhanccedilas apontadas por Schaumlfke (AQ von der Musik pp 148-151) entre Quintiliano

e Ptolomeu (Ham 34-16) nesta passagem satildeo ainda muito distantes e portanto totalmente

inconclusivas

Por fim um detalhe que poderia facilmente passar despercebido eacute o fato de que

tambeacutem aqui tal como no capiacutetulo anterior Quintiliano leva em conta a ambiguidade que

permite ao siacutembolo assumir significaccedilotildees opostas segundo o plano de realidade considerado

Daiacute que o gecircnero diatocircnico seja ora associado ao 3 ora ao 2 o mesmo acontecendo com o

gecircnero cromaacutetico O capiacutetulo seguinte partiraacute precisamente dessa questatildeo

83

323 Capiacutetulo XII

Nada disso conflita com o que dissemos anteriormente acerca das dimensotildees Pois

quando a distinccedilatildeo recai sobre o aspecto extenso das coisas a regiatildeo eteacuterea manifesta-se por

meio do dois e a material [112]

por meio do trecircs Jaacute quando se trata dos respectivos poderes agrave

regiatildeo eteacuteria que eacute perfeita cabe o trecircs ao passo que a material imperfeita e passiva manteacutem

afinidade com o dois176

A causa dessa permuta natildeo eacute disparatada Pois tal como a partir 5

desses dois nuacutemeros gera-se o seis (que aleacutem de nuacutemero perfeito eacute o primeiro formado pela

soma de suas proacuteprias partes177 daiacute ter sido chamado de ldquocasamento178rdquo) eacute tambeacutem da uniatildeo

dessas duas naturezas a eteacuterea e a material que toda natureza corpoacuterea e viva se constitui

Mas se examinarmos as proporccedilotildees reciacuteprocas entre as regiotildees de que falamos (da primeira

com relaccedilatildeo agrave segunda e agrave terceira e da segunda com relaccedilatildeo agrave terceira) obteremos o nuacutemero 10

seis179

Todos os nuacutemeros musicais satildeo sagrados e eficazes o nuacutemero sesquioitavo [98]

ilustra a harmonia do universo pois como satildeo sete os planetas a oitava eacute a esfera zodiacal e

a nona a esfera natildeo astral180

O sesquidecimoseacutetimo [1817] dispotildee lado a lado e em sucessatildeo

trecircs nobiliacutessimas medidas pois dentre os nuacutemeros planos os dezesseis e o dezoito satildeo os

uacutenicos cujas aacutereas satildeo idecircnticas aos respectivos periacutemetros fato que manifesta a simetria ente 15

o continente e o conteuacutedo isto eacute entre a alma e o corpo181

Jaacute o dezessete termo meacutedio entre

os nuacutemeros citados acima manifesta o equilibro natural em ambos evidenciando a accedilatildeo ou

176

Na metade do capiacutetulo anterior Quintiliano havia associado o gecircnero cromaacutetico agrave cor e por isso ao plano

(bidimensional) ao passo que o gecircnero diatocircnico estava associado ao soacutelido (tridimensional) Ao fim do

capiacutetulo poreacutem a associaccedilatildeo se inverte e o gecircnero diatocircnico passa a representar no acircmbito da muacutesica o caraacuteter

passivo e material da diacuteada enquanto o cromaacutetico relaciona-se com o ato formativo da triacuteade aniacutemica frente agrave

mateacuteria corpoacuterea Note como a aparente inversatildeo se daacute precisamente no intuito de preservar os respectivos

traccedilos ativo e passivo de cada um dos gecircneros Ao que tudo indica o simbolismo dos nuacutemeros natildeo permanece o

mesmo conforme se transite da quantidade discreta para a quantidade extensa e vice-versa havendo nessa

duplicidade de enfoque aritmoloacutegico um anaacutelogo da relaccedilatildeo entre o dois e o trecircs isto eacute entre o eteacutereo e o

corpoacutereo Quando Aristides logo a seguir trata das duas naturezas a eteacuterea e a material e da sua necessaacuteria

uniatildeo na constituiccedilatildeo de toda mateacuteria corpoacuterea creio esteja impliacutecito igualmente o duplo aspecto discreto e

extenso de toda mateacuteria corpoacuterea na qual o aspecto discreto equivale agrave identidade ao uno e portanto ao

espiritual e o aspecto extenso equivale ao muacuteltiplo ao vaacuterio e logo ao material 177

Isto eacute eacute formado pela soma (como pela multiplicaccedilatildeo) dos seus divisores 1 2 e 3 178

Cf III 6 179

Barker (p 513 n 116) sugere que as proporccedilotildees referidas sejam 12 13 23 em que 1 2 e 3 representam

respectivamente o Uno a regiatildeo eteacuterea e a corpoacuterea de cuja soma resulta o 6 180

Como a Terra natildeo estaacute incluiacuteda na lista dos sete planetas (Sol Lua Mercuacuterio Marte Vecircnus Juacutepiter e

Saturno) Colomer e Gil identificam a esfera natildeo astral com a esfera imoacutevel citada no cap VI que entendem ser

a Terraέ Jaacute ἐarker (opέ citέ locέ citέ nέ11ι) relaciona essa esfera natildeo astral com a regiatildeo eteacuterea o eacuteter que ldquocorre sem cessarrdquo (Platέ Crat 410b-c) entre os planetas Cf Koestler 1961 p31 Simaan e Fontaine 2003 p 45 181

Duplicada a fraccedilatildeo 98 que representa a harmonia do universo tem-se a fraccedilatildeo 1816 16 equivale a 42 de

modo que um quadrado de lado 4 tem aacuterea e circunferecircncia iguais a 16 A aacuterea representa o conteuacutedo e a

circunferecircncia o continente Jaacute com o 18 que eacute 6 multiplicado por 3 temos que um retacircngulo de lados 3 e 6 tem

aacuterea e circunferecircncia iguais a 18

LXXXIII

XII

α αΝ ΥΝ Ν Ν Ν ῖ Ν π ὶ Ν α Νπ Ν π υΝ

ὰ Ν π ὶ ὸ Ν αφ Ν ὲ Ν α Ν ὰ υ Ν ξ φα α Ν π Ν ΥΝ

ὸ Ν ὰ ρέΝ π υΝ ὲ υ Ν Ν ὲ Να Ν Ν Ν α φ Ν

ὸ Ν αΝ ΥΝ ὸ [112]

Ν ὴ Ν αὶ πα ὸ Ν Ν ὴ Ν υ αέΝ ὰ αὶ Ν

α Ν α α Ν Ν Ν α αΝ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν Ν ὸ Ν5

Ν Ν αΝ αὶ π Ν ῖ Να Ν υ π Ν( ὸ αὶ Ν α )Ν

α Ν υ α Ν ὶ ὲ αὶ Ν Ν φ Ν υ υ Ν α υΝ Ν αὶ

Ν πα αΝ α ὰ αΝ ὴ υ α α Ν φ έΝ ὰ αὶ Ν π Ν ῖ Ν

π Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Να Ν Ν υ Νπ ὸ Ν υ Ν Ν

ὲ Νπ υΝπ Ν Ν ὸ Ν Ν αὶ ὸ Ν Ν ὲ υ υΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν 10

Ν Ν ῖ Ν π Ν απ α έΝ Ν ὲ ὴ α ὰ υ ὴ Ν Ν

πα Ν Ν Ν αὶ υ Ν ὲ Ν π Ν ὴ Νπ Ν Ν α Ν( π ὰ

ὰ Ν Ν Ν π α Ν Ν ὲ Ν α Ν Ν ὲ α Ν α υ Ν

φαῖ α)Ν ὲ φ π α α α Ν ῖ Ν φ Ν υ Ν πα α ὶ Ν υ έΝ ὲ Ν

ξ ὰ ρΝ α αΝ αὶ α αΝ Ν π Ν π π Ν Ν ὰ Ν α Ν α Ν15

αῖ Ν φ α π Ν υ Ν ὴ Ν υ α Ν π Ν Ν αὶ π υΝ

υ Ν αὶ α Ν Ν ὲ π α α αΝ Ν Ν Νπ Ν Ν αὶ

ὴ Ν φ ῖ Νφυ ὴ Ν αΝ Ν

84

relaccedilatildeo natural e primeira da Lua com a Terra182

O trinta e seis183

ao evidenciar a diese

aponta a primeira criaccedilatildeo do ser humano

182

Note como a relaccedilatildeo corpo-alma expressa antes como propriedade instriacutenseca a cada um dos nuacutemeros eacute

agora transferida para a relaccedilatildeo reciacuteproca entre eles de modo a fazer do ponto meacutedio o 17 o elo entre o todo (18

ou 9) e a parte (16 ou 8) 183

Ao mencionar o 9 Quintiliano falava da harmonia da esfera celeste ao passar para o dezoito passou a tratar

da relaccedilatildeo corpo-alma Aqui ao duplicar o 18 e obter o 36 passa a falar da geraccedilatildeo corpoacuterea A cada

multiplicaccedilatildeo portanto haacute uma mudanccedila de plano no sentido do corpoacutereo e logo um proporcional afastamento

relativamente ao plano racional ou inteligiacutevel Essa sucessiva passagem do inteligiacutevel ao corpoacutereo eacute anaacuteloga ao

processo descrito no primeiro capiacutetulo mediante o qual A Q demonstra a desigualdade dos semitons e da

diese As proporccedilotildees com que Quintiliano divide os semitons (1817 e 1716) satildeo as mesmas empregadas aqui e

o fato de que a relaccedilatildeo entre a Terra e a Lua se expresse nas proporccedilotildees do semiton maior (1716) remete agrave

cesura ontoloacutegica entre o mundo sublunar e as esferas superiores Uma vez mais multiplicando por dois a seacuterie

formada pelas proporccedilotildees dos semitons (16 17 18) e acrescentando-lhe os respectivos pontos meacutedios obtemos a

seacuterie 36 35 34 33 e 32 que expressa as proporccedilotildees das dieses O 36 aleacutem disso eacute produto da multiplicaccedilatildeo do

6 nuacutemero nupcial por ele mesmo daiacute sua relaccedilatildeo com a geraccedilatildeo corpoacuterea

LXXXIV

ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν ὰ π αΝ φυ Ν Ν Ν αὶ π α Ν

α Ν ὲ α αὲ Ν αφ Ν ὴ Ν Ν π υΝ υΝ ὴ Ν π Ν20

υ Ν υ α έ

85

324 Comentaacuterios ao capiacutetulo XII

Quintiliano explica que a permuta simboacutelica entre o 2 e o 3 se daacute pela natureza

mesma da geraccedilatildeo corpoacuterea fruto da interaccedilatildeo do eteacutereo com o material Especulemos em

que sentido isso pode mesmo ser tido como uma explicaccedilatildeo Observemos primeiro que o

nuacutemero a quantidade eacute simultaneamente identidade e diferenccedila unidade e extensatildeo Como

unidade o 2 eacute a diacuteada material no campo da extensatildeo representa o plano Todo ente corpoacutereo

participa dessa mesma ambiguidade na medida em que eacute tambeacutem e necessariamente uma

extensatildeo e uma unidade Mas extensatildeo e unidade satildeo aqui tambeacutem duplas jaacute que o 3 (eteacutereo

ou material) subentende e conteacutem o 2 ao passo que o 2 natildeo atualiza sua potecircncia (eteacuterea ou

material) senatildeo atraveacutes do 3 o que nos remete agrave simetria do continente e do conteuacutedo da qual

A Q falaraacute mais adiante A razatildeo sesquioitava [98] que expressa o intervalo de um tom

manifesta igualmente essa mescla (que jaacute natildeo eacute dupla mas quaternaacuteria) pois 98 equivale a

322

3 Duplicados o 8 e o 9 obtemos 16 e 18 nuacutemeros capazes de formar figuras geomeacutetricas

com aacuterea e periacutemetro idecircnticos Essa identidade de conteuacutedo e continente expressa como a

alma que conteacutem o corpo em potecircncia estaacute igualmente nele contida tal com o 2 que estaacute

contido no trecircs jaacute antes o continha em potecircncia Entre corpo e alma ou entre a Terra e o

eteacutereo estaacute posta a Lua o 17 que equivale na triacuteade humana exposta no capiacutetulo anterior ao

ponto intermeacutedio batizado por Quintiliano de ldquonaturezardquoέ ἑom o γθ daacute-se outro salto no

sentido da manifestaccedilatildeo corpoacuterea Se antes a analogia musical era com as proporccedilotildees dos

semitons aqui jaacute invadimos o campo da diese no qual tambeacutem estaacute presente o duplo

simbolismo geracional do 2 e do 3 visto que o 36 nuacutemero tanto quadrado quanto triangular

decompotildee-se em 2 x 2 x 3 x 3

86

325 Capiacutetulo XIII

Jaacute no que tange agrave exposiccedilatildeo dos tropos (aos quais chamamos tambeacutem lsquotons184rsquo) se

cada um deles fosse disposto aleatoriamente em todos os trecircs gecircneros obteriacuteamos vinte e

oito185

nuacutemero idecircntico ao de apariccedilotildees da lua que todo [113]

mecircs ocorre de ser vista com essa

mesma frequecircncia Dispondo-se os tropos poreacutem em cada gecircnero individualmente e

omitindo-se o tetracorde conjuntivo que eacute idecircntico ao disjuntivo produzem-se ao todo quinze 5

tons186

nuacutemero igual ao do crescimento da lua pois ela apoacutes ter crescido ao longo de 15

apariccedilotildees novamente comeccedila a minguar tal como a voz que se eleva ao longo de quinze tons

para novamente retornar agraves graves187

E o nuacutemero em ambos os casos vem a ser o mesmo

tambeacutem do seguinte modo a Lua avanccedila por 29 dias188

(com agraves vezes um dia remanescente)

ao passo que os tons cantados em escala ascendente e descendente completam o mesmo 10

nuacutemero pois a deacutecima quinta nota cantada uma soacute vez eacute tanto o fim da ascensatildeo quanto o

iniacutecio do descenso

184

π e satildeo termos espinhosos e que datildeo margem a muitos equiacutevocos Em I 10 Quintiliano distingue

trecircs acepccedilotildees do termo a) determinada altura tonal b) o intervalo de um tom e c) o como sinocircnimo

de π A dificuldade consiste em saber se A Q ao tratar do tom como sinocircnimo de tropo considera o tropo

como algo perfeitamente distinto de harmoniacutea (Cf Barker op cit p 421 n 117) Rigorosamente falando

harmoniacutea designa uma determinada disposiccedilatildeo de intervalos algo como os nossos modos ou escalas Jaacute o tropo

(no sentido de toacutenos) indica o registro a tessitura em que determinada a harmoniacutea eacute executada conservando-se

intacta sua disposiccedilatildeo intervalar (Cf Rocha op cit pp 122-23) Em todo caso os diversos troacutepoi e harmoniacuteai

possuem exatamente os mesmos nomes e nada impede que o termo tropos na acepccedilatildeo mais elaacutestica de

ldquomaneirardquo ou ldquoestilordquo pudesse designar simultaneamente a escala modal e a tessitura de determinada melodia 185

Satildeo 28 tropos com cada tropo iniciando numa nota (ou grau) distinta do SPI desde a nota acrescida agrave uacuteltima

do hiperboacutelico O SPI possui na verdade 18 graus ou notas Considerando todavia que em cada um dos cinco

tetracordes a nota indicativa admite nomes distintos confome o gecircnero (indicativo diatocircnico indicativo

enarmocircnico e indicativo cromaacutetico) temos um total de 28 notas Cf I 6 186

Considerando-se cada gecircnero individualmente ou seja excluindo as denominaccedilotildees triplas da nota indicativa

voltamos a ter as 18 notas do SPI Excluiacutedo ainda o tetracorde conjuntivo sobram apenas 15 notas 187

A Lua natildeo leva 15 dias a crescer mas apenas 14 Barker (p 514 n 123) sugere que A Q esteja contando os

intervalos de forma que 15 notas delimitam 14 intervalos isto eacute 14 dias 188

Essa afirmaccedilatildeo natildeo contradiz apenas a hipoacutetese de Barker exposta na nota anterior mas tambeacutem o proacuteprio

Quintiliano que tinha estabelecido no iniacutecio do capiacutetulo um ciclo lunar de 28 dias Colomer e Gil anotam (p

199 n39) todavia que as 28 apariccedilotildees da Lua se datildeo em 29 dias (ou mais exatamente 295 dias) jaacute que cada

dia se atrasa cerca de ηί minutosέ εathiesen (pέ 1κί nέ ββη) observa que o sujeito de ldquoavanccedilardquo (π ) na

verdade estaacute omitido do texto e que acreacutescimo de a tiacutetulo de sujeito se deve agrave hipoacutetese defendida por

Meibom Shaumlfke e Winnington-Ingram de que o sujeito aqui eacute αὕ (III 1310) ou seja a Lua Mathiesen

sugere entatildeo que o sujeito deveria ter sido (mecircs) posto logo apoacutes o conectivo αὶ argumentando que nessa

posiccedilatildeo o sujeito poderia ter sido facilmente confundido com a partiacutecula intensiva (certamente de fato) A

correccedilatildeo diz Mathiesen justifica-se ainda pelo fato de o mecircs ateniense possuindo realmente 29 dias aos quais

um trigeacutesimo era agraves vezes acrescido fornecer agrave A Q um paralelismo mais perfeito com as 29 notas (15 no

sentido ascendente e 14 no descendente jaacute que a uacuteltima do hiperboacutelico eacute contada uma uacutenica vez) do Sistema

Perfeito Maior

LXXXVI

XIII

Ν ὴ Ν Ν Ν π Ν Ν αὶ υ Ν α α Ν Ν α Ν ὲ Ν

α Ν α ὰ ὰ αΝ Ν Ν φ Ν ὸ Ν Ν ὼ π Ν

lt ρΝ ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν α ῖ Νφ Ν υ [113]

ὰ Ν ὸ Ν αυ Ν

α ὴ Ν α Ν υ α Νπ Ν ὲ α Υ α Ν Ν αὶ ξ ὴρΝ υ υΝ

Ν υ Ν υ α Ν υ α Ν υ Ν ὺ Ν π α Ν5

φ υ υ Ν φ υ Ν υ Ν π α αΝ αὶ α υ Ν Ν Ν

α Ν Ν ὰ Ν α Ν Ν π α αΝ φ Ν π υῖαΝ π Ν α Ν

φ Ν Ν αὶ φ ὴ Νπ α αΝφ Ν π α αΝπ Ν π Ν

Ν α αέΝ αὶ ὸ Ν ὲ πΥΝ φ ῖ Ν α ὸ Ν υ α Νξ α Ν αὶ αὶ

ὰ Ν ρΝ Ν Ν αὶ αΝπ Ν Ν Ν ὴ Ν πὴ Ν Ν αὶ α Ν10

υ αΝ αὶ φ Ν α ΥΝ π α Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν ὲ Ν π Ν

ὴ Ν ὲ Ν αΝ ὸ Ν π α α Ν πα Ν α Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν

π έ

87

326 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIII

No encerramento do capiacutetulo 12 Quintiliano havia mencionado a Lua e sua

ldquorelaccedilatildeo natural e primeirardquo com a Terra na qualidade de regente dos processos ciacuteclicos de

mutaccedilatildeo Ao longo do tratado A Q daacute vaacuterios exemplos dessa accedilatildeo da Lua sobre a Terra

alguns dos quais estatildeo ainda por vir Ocorre que em muacutesica mudanccedila significa modulaccedilatildeo

(Cf I 11) e o que A Q pretende demonstrar eacute que os paracircmetros da modulaccedilatildeo meloacutedica

(ele natildeo aborda aqui a modulaccedilatildeo riacutetmica) estatildeo estruturados segundos os padrotildees dos ciclos

lunares

A modulaccedilatildeo meloacutedica depende basicamente dos seguintes paracircmetros a) do

gecircnero meloacutedico b) da disposiccedilatildeo dos intervalos na escala (harmonia) e c) do registro ou

tessitura da escala (toacutenos) subentendendo aqui tambeacutem os sistemas (ou tetracordes do

Sistema Perfeito Imutaacutevel) dentro do qual a melodia estaacute localizada Juntos esses paracircmetros

modulam o ethos da melodia sem prejuiacutezo de modulaccedilotildees outras introduzidas pelo ritmo ou

mesmo pelo instrumento no qual a melodia seja executada

Os tropos satildeo ao todo 28 como satildeo 28 as apariccedilotildees que faz a Lua ao longo de 29

dias que corresponde por sua vez ao nuacutemero de notas percorridas em movimento ascendente

e descendente (como o da Lua) ao longo do SPI Aqui A Q natildeo toca na questatildeo da altura

do tetracorde Eacute o que faraacute nos capiacutetulos a seguir

88

327 Capiacutetulo XIV

Mas tambeacutem como haacute cinco tetracordes para cada tropo189 cada um deles se

mostra semelhante a cada um dos nossos sentidos O tetracorde mais grave o hypaacuteton

assemelha-se ao tato (que aleacutem de ser o primeiro190 dos nossos sentidos ndash percebido ateacute pelos

bebecircs receacutem-nascidos que choram por causa do frio ambiente ndash eacute por natureza o mais

pesado distribuindo-se por todo o corpo) O segundo o tetracorde meacutedio estaacute mais proacuteximo 5

do paladar (pois a vida exige o uso do paladar antes dos demais sentidos sendo ele aleacutem

disso semelhante ao tato jaacute que o paladar eacute o tato da liacutengua191) Ao terceiro tetracorde

denominado conjuntivo deve-se assinalar o olfato pois este segue-se ao paladar havendo

entre ambos uma afinidade reciacuteproca (razatildeo por que muitos meacutedicos curam os desfalecidos192

com aromas em vez de alimentos) O quarto tetracorde que chamamos disjuntivo eacute 10

comparaacutevel agrave audiccedilatildeo a qual aleacutem de estar longe dos demais oacutergatildeos dos sentidos tampouco

situa-se num mesmo lugar [114] a exemplo das narinas mas separadas entre si ndash uma agrave direira

e a outra no lado oposto193 O uacuteltimo tetracorde o hiperboacutelico eacute agrave visatildeo que se deve

comparar pois tal como ele eacute o mais agudo dos tetracordes tambeacutem a visatildeo eacute o mais agudo194

dos sentidos jaacute que ao contraacuterio dos demais ela natildeo depende da proximidade dos corpos 15

mas projeta-se195 por si mesma sobre as substacircncias196

Ademais os cinco elementos satildeo veremos anaacutelogos aos tetracordes a terra

sendo o elemento mais pesado eacute anaacuteloga ao tetracorde primeiro e a aacutegua o elemento mais

proacuteximo da terra eacute anaacuteloga ao tetracorde meacutedio Jaacute o tetracorde conjuntivo eacute anaacutelogo ao ar

pois este se dispersa afundando e arrastando-se desde as profundezas do mar aos covis da 20

189 Listados em I 6 V cap 2 deste trabalho 190 Tanto o primeiro no sentido temporal quanto no de prioritaacuterio para ao ser vivo animado jaacute que ldquosem o tato nenhum outro sentido pode ser concedido ao animalrdquo (χristέ De anima 435a9-1η) sendo ainda o tato ldquoo sentido cuja privaccedilatildeo implica a morte dos animaisrdquo (τpέ citέ ζγηbγ)έ 191 Sobre o paladar como modalidade do tato Cf Arist De anima 434b20 192 O termo aqui empregado eacute π υ α ldquocarentes de υ rdquo Thymikeacute eacute o termo utilizado por Quintiliano (II 8) para definir a porccedilatildeo masculina (impulsiva e ativa) da alma irracional 193 O tetracorde disjunto natildeo tem nenhuma nota em comum com a oitava grave de modo que os dois pares de tetracordes disjuntos seriam como as duas orelhas Cf I 6 194 Essa agudeza poderia estar ligada agrave teoria que relaciona a visatildeo ao fogo presente no olho (Cf n 195 infra) No Timeu (61d9-62a5) Platatildeo descreve o fogo como agudo e penetrante capaz de dividir os corpos em razatildeo de sua particular geometria (56a-b) Apesar disso como veremos a seguir Quintiliano natildeo associa a visatildeo ao fogo mas ao eacuteter de modo que agudeza aqui parece assumir conotaccedilotildees intelectuais o que nos remete a Arist Met 980a21-29 195 Trata-se de concepccedilatildeo descrita por Platildetatildeo no Timeu (45b2-d3) segundo a qual na visatildeo a luz parte do olho para o objeto e retorna em seguida para o olho Essa luz dos olhos teria origem numa espeacutecie de fogo puro que gera luz sem queimar Aristoacuteteles menciona essa teoria em De anima 435a5 196 π que εathiesen verte como ldquomateacuterias subjacentesrdquo (underlying matters) esclarecendo (p119 n 32) que Quintiliano emprega essa mesma expressatildeo para designar as essecircncias das coisas em trecircs acircmbitos o poeacutetico o fiacutesico e o espiritual

LXXXVIII

XIV

Ἀ ὰ αὶ Ν Ν α Νπ Ν υ α Ν α Να Ν

ῖ Ν Να Ν Ν υ α έΝ ὸ ὲ Ν Ν α α Ν π Ν ὶ Ν π Ν

Ν φ (π Ν ὰ Να Ν αὶ ὰ αΝ Ν φ Ν α α Ν πὸ Ν

π Ν Ν Ν Ν π α αΝ αὶ α υ Ν π φυ Ν Υ υΝ

αΝ α )Ν ὸ ὲ Νξ α Ν Νπ α ρΝ Ν ( αΝ5

Ν ὰ Ν α Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν π ὸ Ν π Ν αὶ Ν π ὸ Ν ὴ Ν φ Ν φὴ ὰ Ν

Ν )έΝ ὸ ὲ Ν α ῖ α Ν υ Ν φ Ν υ α Ν π α Ν

Ν ὰ Ν Ν αὶ φ α Ν ὶ π ὸ Ν αΝ αΝ π ὶ Ν αὶ αῖ Ν

αῖ Ν ὶ φ Ν π Ν α Νπαῖ Ν π υ α Νπ α έΝ ὸ ὲ α Ν

φα Ν υ Ν πα α Ν π Ν Ν ὰ Ν Ν Ν α Ν10

π α Ν αὶ ὲ α ὰ α ὸ [114]

π Ν υ Ν α Ν ΥΝ ὲ Ν

α Ν Ν ΥΝ πὶ α αΝ ὶ Ν α Ν αὶ φ Να Ν α έΝ ὸ ὲ ὴ

πὸ Ν π Ν ὶ Ν π α Ν Ν π Ν Ν ὰ Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν α Ν ὶ αὶ Ν πα Ν α Ν Ν Ν Ν

Ν π Ν π Ν α παὶ Υα ὴ πα ΥΝ α Ν ῖ Ν π Ν15

π υ αέΝ

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὴ Ν Ν π Ν Ν π αΝ Ν α α Ν

Ν ὲ Ν π Ν Ν Ν α υ Ν ὲ Ν Ν Ν π α α Ν

ὲ υ Ν αΝ( Ν ὰ Ν Ν φ Ν αὶ α Ν Ν Ν α α Ν

Ν αὶ φ ῖ Ν 20

89

terra a fim de tornar possiacutevel a respiraccedilatildeo (sem a qual natildeo se sobrevive pois o ar eacute

necessaacuterio) aos animais que laacute habitam O fogo eacute anaacutelogo ao tetracorde disjunto (pois o

movimento descendente e a retenccedilatildeo forccedilada lhe satildeo antinaturais sendo-lhe natural o

movimento ascendente e o distanciar-se das coisas deste mundo) Ao tetracorde hiperboacutelico

deve-se assinalar o eacuteter por ser este o elemento mais elevado 25

E tambeacutem os elementos satildeo anaacutelogos aos nossos sentidos a terra pela firmeza eacute

anaacuteloga ao tato capaz de captar tanto a dureza quanto a maciez O elemento aacutegua eacute anaacutelogo

ao paladar (pois este capta as qualidades sensiacuteveis atraveacutes da umidade) E o ar eacute anaacutelogo ao

olfato (pois eacute mediante a respiraccedilatildeo que se percebem todos os odores) jaacute o fogo eacute anaacutelogo ao

ouvido (o qual opera em meio ao calor intenso e no frio corrompe-se e perece (razatildeo por que 30

diante dele foi posto o para-vento197

das orelhas) O eacuteter eacute anaacutelogo agrave visatildeo (cuja atividade

depende de um corpo luminoso198

)

197

Daacute-se o nome de trago a essa saliecircncia cartilaginosa situada pouco acima do loacutebulo da orelha 198

Jaacute que o eacuteter circula entre os corpos celestes que satildeo luminosos

LXXXIX

Ν α αΝ Ν Ν απ Ν Ν Ν υΝ Ν Ν Ν π Ν )Ν

π Ν ὲ υ Ν ( υΝ ὰ Ν πα ὰ φ Ν πὶ ὰ Ν φ ὰ αὶ α ὴ

α Νφυ ὴ ὲ π ὸ Ν ὸ Νπ αΝ αὶ Ν Ν )έΝ ὲ π α Ν

ὸ Να αΝ Ν αΝπ έΝ

αὶ ὰ Ν Ν α Ν Ν Ν ῖ Ν Ν ῖ Ν25

α Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν υπ Ν φ Ν Ν ῃ αὶ α α Ν

π Ν ὲ Ν( ΥΝ Ν ὰ Να Ν Νπ Να )Ν αΝ

ΥΝ φ Ν ( ΥΝ απ Ν ὰ Ν α Νπ α Ν α )Ν π Ν ὲ ( Ν

ὰ Ν ῖ π υ ὶ ὸ α Ν υ Ν ὲ φ α Ν Ν αὶ π υ α Ν ὸ

αὶ π α Ν ὸ Ν Ν )Ν α αΝ ὲ Ν ( ὰ ὰ Ν α Ν30

α ῃ α Ν α)έ

90

328 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIV

Ao fim de tratar da ordem que rege as mudanccedilas no mundo sublunar

Quintiliano passa em seguida a tratar dos sentidos Essa transiccedilatildeo natildeo carece de sentido jaacute

que as sensaccedilotildees tecircm por objeto o que eacute gerado e mutaacutevel (Timeu 27d5-28a4 52a-b)

enquanto a inteligecircncia tem por objeto ldquoaquilo que eacute semprerdquo e jamais deveacutemέ As 15 notas

do SPI correspondem ao campo da experiecircncia sensiacutevel com cada tetracorde delimitando

por sua vez o campo proacuteprio de um sensiacutevel especiacutefico As associaccedilotildees que A Q estabele

entre os tetracordes os sentidos e os elementos satildeo as seguintes

Tabela 2 - Tetracordes sentidos e elementos

TETRACORDES Primeiro Meacutedio Conjunto Disjunto Hiperboacutelico

SENTIDOS Tato Paladar Olfato Audiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar Fogo Eacuteter

O SPI admite poreacutem outros subsistemas estruturados segundo os demais

intervalos consonantes a quinta e a oitava dos quais A Q trataraacute no proacuteximo capiacutetulo

91

329 Capiacutetulo XV

E vez que haacute trecircs pentacordes199 faccedilamos um discurso adequado acerca de cada

um deles novamente relacionando entre si os semelhantes A quinta que abrange os

tetracordes primeiro e meacutedio corresponde no acircmbito da natureza humana simultaneamente

ao tato e ao paladar [115] pois a accedilatildeo destes se daacute em meio a objetos que opotildeem resistecircncia jaacute

no tocante ao universo corresponde agrave aacutegua e agrave terra por sua idecircntica tendecircncia para o ponto 5

meacutedio central200 A quinta do tetracorde conjuntivo relaciona-se por um lado ao olfato e por

outro ao ar pelas razotildees que jaacute conhecemos Relacionamos a quinta do tetracorde disjuntivo

de iniacutecio tanto agrave audiccedilatildeo quanto agrave visatildeo (jaacute que o calor eacute inseparaacutevel da luz havendo entre

ambos uma afinidade muacutetua) e igualmente ao fogo e ao eacuteter pois ambos compreendem a

regiatildeo superior201 E como sejam duas as espeacutecies de oitava202 a primeira expressa no acircmbito 10

humano quatro oacutergatildeos dos sentidos simultaneamente ndash aqueles cuja accedilatildeo parte somente dos

objetos externos e das nossas faculdades A segunda oitava manifesta a visatildeo um sentido

mais elevado que natildeo executa sua funccedilatildeo mediante dois mas ao contraacuterio carece do auxiacutelio

de um terceiro elemento a luz203 No tocante ao macrocosmo a primeira oitava expressaraacute a

regiatildeo material cujo movimento eacute retiliacuteneo Jaacute a segunda cujo movimento eacute circular204 15

expressa a regiatildeo eteacuterea

199 Em I 843 Quintiliano lista os nomes dos trecircs pentacordes (meacutedio conjuntivo e disjuntivo) mas natildeo estabelece quais satildeo as notas que limitam cada um dos pentacordes Barker (p 416 n97) sugere sejam a) pentacorde meacutedio da primeira dos meacutedios agrave nota supermeacutedia (paramese) b) pentacorde conjunto da mese agrave primeira do hiperboacutelico passando pelo tetracorde conjuntivo e c) pentacorde disjunto novamente da mese ateacute a primeira do hiperboacutelico agora passando pelo tetracorde disjuntivo Essa hipoacutetese tem poreacutem o inconveniente de suprimir o tetracorde primeiro e boa parte das notas do hiperboacutelico Colomer e Gil (bem como Mathiesen) sugerem hipoacutetese mais satisfatoacuteria em que o petacorde meacutedio parte da nota acrescida e segue ateacute a primeira dos meacutedios o pentacorde conjunto vai da superprimeira dos meacutedios ateacute a penuacuteltima do conjuntivo e por fim o pentacorde disjuntivo vai da terceira do disjuntivo ateacute a uacuteltima do hiperboacutelico Essa uacuteltima disposiccedilatildeo natildeo apenas cobre todas as 18 notas do SPI como corresponde mais exatamente agraves mesclas (de tetarcordes elementos e faculdades) expostas neste capiacutetuloέ ἐarker (pέ η1η nέ 1γ1) sugere ainda que esse pentacorde ldquoque abrange os tetracordes primeiro e meacutediordquo talvez natildeo seja o pentacorde meacutedio citado em I κ mas a quinta mesoeides citada em II 14 (81 21-23) 200 Essa observaccedilatildeo parece sugerir conforme aponta Barker (p 515 n 131) que o pentacorde ao qual A Q se refere seja o mesmo mencionado em II 14 que vai do indicativo diatocircnico do primeiro ateacute a mese 201 Em II 17 Quintiliano descreve o Empiacutereo como a esfera superior da luz e do fogo 202 Os limites dessas duas oitavas tambeacutem natildeo estatildeo claros Em I 844 Quintiliano daacute a esses dois octacordes os nomes conjuntivo e disjuntivo distinccedilatildeo talvez baseada no fato de que a segunda oitava parta do tetracorde disjuntivo Em todo caso como veremos a seguir o segundo octacorde parece incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo 203 Rep 507c-508a 204 Em I 930 A Q define a melodia circular como aquela que ascende por conjunccedilatildeo e descende por disjunccedilatildeo ou vice-versa daiacute a necessidade de o segundo octacorde incluir tanto o tetracorde disjunto quanto o conjuntivo A partir disso e embora Quintiliano natildeo mencione esse argumento a relaccedilatildeo entre o segundo octacorde e o sentido da visatildeo como apontam Colomer e Gil (p 201 n 41) poderia ter sido justificada ainda pelo fato de a segunda oitava compreender trecircs tetracordes ao passo que a primeira oitava abrange apenas dois

XCI

XV

Ν ὲ ὰ π Ν Ν Νπ Ν ὰ αΝ υ α Ν Ν ὸ Ν

π π αΝ π ὶ Ν Ν π αΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν ΥΝ π Ν αὶ Ν Ν ὲ Ν

π υΝφ Ν Ν αὶ φὴ Ν αΝ ῖ ὰ ὴ Ν Ν π Να Ν α Ν Ν

ὲ πα ὶ Ν αὶ Ν ὰ ὴ Ν πὶ ὸ Ν π Ν π Ν ὸ ὲ α ὰ υ Ν

ξ ρΝ π υΝ ὲ Ν φ Ν π υΝ ὲ Ν ΥΝ Ν α Ν α α Ν ὸ ὲ α ὰ 5

υ Ν π υΝ ὲ Ν Ν αὶ Ν( ὰ ξ ὰ ρΝ Ν Ν ὶ Να Ν Ν

Ν ῖ Ν φ Ν α)Ν π υΝ ὲ πυ ὶ αὶ α Ν ὸ Ν Ν π Ν φ Ν

α φ έΝ υ ῖ Ν ὲ ῖ Ν Ν ὰ πα Ν ὸ ὲ Νπ Ν Ν ὲ Ν π

α αΝ ῖ Ν α Ν αΝ Ν π Ν Ν Ν ὸ Ν π α Ν αὶ πὸ Ν

Ν υ Ν Ν αΝ ὸ ὲ Ν α Ν Ν αΝ Ν υ ῖ Ν10

υ υ Ν π ῖ Ν ὰ αὶ υΝ π ῖ α Ν φ ὸ Ν Ν

π υ α Ν Ν ὲ πα ὶ ὸ ὲ Ν π Ν αΝ ὸ Ν ὸ Ν αὶ πΥΝ α Ν

Ν Ν ὲ ὸ Ν α Ν αὶ υ φ ὸ Ν Ν π έ

92

330 Comentaacuterios ao capiacutetulo XV

O quadro a seguir construiacutedo segundo as divisotildees propostas por Colomer e Gil (e

Mathiesen) deve facilitar a compreensatildeo dos intervalos de que fala Quintiliano neste capiacutetulo

Figura 13 - Tetracordes pentacordes e octacordes

Tambeacutem as associaccedilotildees simboacutelicas estatildeo resumidas abaixo

Tabela 3 - Pentacordes sentidos e elementos

PENTACORDES Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladar Olfato AudiccedilatildeoVisatildeo

ELEMENTOS Terra Aacutegua Ar FogoEacuteter

Tabela 4 - Octacordes sentidos e elementos

OCTACORDES Conjuntivo Disjuntivo

SENTIDOS TatoPaladarOlfatoAudiccedilatildeo Visatildeo

ELEMENTOS TerraAacuteguaArFogo Eacuteter

NO UNIVERSO Regiatildeo material Regiatildeo eteacuterea

MOVIMENTO Retiliacuteneo Circular

93

331 Capiacutetulo XVI

No discurso acerca da alma humana natildeo seria disparatado comparar os sistemas

de tetracordes tambeacutem com as virtudes Ao sistema composto pelos tetracordes primeiro e

meacutedio205 deve-se designar a temperanccedila206 pois sua accedilatildeo eacute dupla207 a que se daacute no tocante ao

prazer iliacutecito (do qual se recomendam total privaccedilatildeo e impassibilidade) accedilatildeo que natildeo sem

razatildeo comparariacuteamos ao mais grave dos tetracordes e a accedilatildeo relativa ao prazer liacutecito 5

(elogiaacutevel pela sua razoabilidade) que natildeo disparatadamente comparamos ao tetracorde

meacutedio Ao tetracorde conjuntivo deve-se assinalar a justiccedila208 cuja natureza estaacute ligada agrave

temperanccedila209 e cuja accedilatildeo tanto em questotildees poliacuteticas quanto nos atos virtuosos individuais

daacute-se por comunhatildeo210 conferindo unidade a tudo quanto eacute humano Deve-se equiparar o

tetracorde disjunto agrave coragem211 a qual aparta todo viacutecio libertando a alma da inclinaccedilatildeo ao 10

corpoacutereo O tetracorde hiperboacutelico eacute um ecircmulo natural da sabedoria212 [116] pois aquele eacute

limite do agudo e para esta o bem reside no que haacute de mais alto213 Uma vez mais se

comparaacutessemos esses fatos aos pentacordes atribuiriacuteamos duas virtudes ao primeiro

elencando juntas a temperanccedila e a justiccedila pois elas ordenam a parte desejante da alma Ao

segundo pentacorde atribuiriacuteamos a coragem que apresenta a virtude e o substrato da alma 15

irasciacutevel e aleacutem disso uma tendecircncia para cada uma das outras duas naturezas214 Ao terceiro

pentacorde atribuiriacuteamos a sabedoria que representa a essecircncia da razatildeo Jaacute as duas oitavas

devemos comparar ao duplo caraacuteter da alma a primeira oitava agrave porccedilatildeo praacutetica e irracional da

alma e a segunda agrave porccedilatildeo racional conforme a afinidade que cada qual apresenta 205 Quintiliano natildeo parece estar falando do pentacorde meacutedio (que abrange os tetracordes primeiro e meacutedio) mas da oitava formada entre a nota acrescida e a mese ou quem sabe ainda do par de tetracordes conjuntos da oitava grave com exclusatildeo da nota acrescida Cf Barker p 516 n 136 206 Σωφ 207 Tal como satildeo tambeacutem duas as espeacutecies de educaccedilatildeo eacutetica expostas por A Q em II 99-26 a espeacutecie terapecircutica e a espeacutecie beneacutefica cada uma das quais se subdivide tambeacutem em duas A dupla accedilatildeo da temperanccedila estaacute ligada agraves duas modalidades de educaccedilatildeo eacutetica tipo terapecircutica a remediante (ou minorativa) que eacute gradual e visa agrave contenccedilatildeo dos excessos e a purgativa (ou anulativa) que elimina bruscamente a praacutetica viciosa 208 α 209 Tal como o tetracorde cojuntivo estaacute ligado ao tetracorde meacutedio A temperanccedila gera no acircmbito da alma apetitiva o mesmo equiliacutebrio que a justiccedila produz no conjunto da alma particularmente na relaccedilatildeo entre as porccedilotildees racional e irracional Cf Rep 432a 442d-e 210 Temperanccedila e justiccedila natildeo satildeo faculdades isoladas mas o equiliacutebrio e a harmonia entre as diversas faculdades da alma como entre os diversos seres humanos Daiacute que temperanccedila e justiccedila natildeo sejam virtudes exlcusivas de nenhuma das trecircs classes (governantes guardiotildees e produtores) definidas por Platatildeo na Repuacuteblica embora a temperanccedila seja a virtude proacutepria da classe produtiva Cf Rep 403e-432a 433a-c 442a-d 443c ss 211 α 212 φ 213 ἐarker (pέ η1θ nέ 1ζί) enxerga aqui um ldquotoque aristoteacutelicordquo que remete agrave distinccedilatildeo entre virtudes eacuteticas e dianoeacuteticas Se aquelas satildeo um meio termo entre extremos estas satildeo disposiccedilotildees por meio das quais a alma alcanccedila a verdade Cf Eacutetic Nicom 1139b12 214 A alma irasciacutevel embora faccedila parte da alma irracional exerce sobre a alma apetitiva uma accedilatildeo ordenadora que em uacuteltima instacircncia parte da proacutepria alma racional Cf Rep 442a-c

XCIII

XVI

Ν Ν ὴ Ν π ὶ υ Ν Ν π Ν αὶ αῖ Ν αῖ Ν Ν

π Ν Ν Ν πα α Ν ὰ υ α αέΝ ὸ ὲ Ν Ν π Ν αὶ Ν φ ῃ

π Ν π ὰ Ν α Ν αΝ Ν ὰ Ν Ν ὴ Ν ὲ Νπα Ν α Ν

υ Ν Ν π ὴ Ν πα αὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν α υ

Ν υ Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν Νπ ὶ υ α Ν πα Ν Ν Ν5

π Ν Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν υ Ν α ῃ π Ν

υ π α Ν Ν ὰ Ν α Ν π α Ν Ν φ Ν αὶ ὴ Ν α Ν α Ν Ν

π αῖ Ν Ν α Ν αὶ αῖ Ν π α Ν ὰ α Ν π ῖ α Ν υ υ αΝ ὸ

π έΝ ὸ ὲ υ Ν ᾳ πα Ν αΝ ὰ Να Ν Νπ Ν

α α Ν Ν Ν ὸ αΝ π πα α Ν ὴ Ν υ ὴ Ν π υ αέΝ ὸ ΥΝ π α Ν10

φ Ν π φυ[116] Ν φ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν Ν π α Ν Ν ΥΝ Ν Ν

α έΝπ Ν α αΝ ῖ Ν ὰ π Ν ὶ Ν πα Νξ ὸ ὲ Νπ Ν υ ὶ Ν

αῖ Ν π ρΝ α Ν Ν αὶ φ Ν αΝ Ν Ν Ν

υ Ν π υ Ν α Ν ὸ ὲ Ν ᾳ ὴ Ν υ Ν

Ν Ν αὶ π α Ν αὶ π ὸ Ν α α Ν Ν υ ῖ Νφ Νπα ὰ Ν π Ν ὸ ὲ 15

Νφ Ν ὴ Ν ὴ Ν α Ν έΝ Ν ὴ Ν αὶ ὴ Ν υ αΝ ὰ πα Ν

Ν υ Ν υ Νπα α Ν ὸ ὲ Νπ Ν π α αὶ Ν

ὸ ΥΝ Ν α Υ αΝπα α α έ

94

332 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVI

A alma humana eacute um microcosmo musical um sistema articulado de quartas

quintas e oitavas que espelha a estrutura do Sistema Perfeito Imutaacutevel Eis a tese de

Quintiliano e embora sinalize o fato apenas ao final do capiacutetulo eacute claro que as divisotildees e

associaccedilotildees propostas aqui subentendem a estrutura diaacutedico-triaacutedica da alma exposta em II 8

Este capiacutetulo portanto tem relaccedilatildeo direta com o livro II que trata da educaccedilatildeo da alma isto

eacute da formaccedilatildeo do ethos por meio da muacutesica Ora a razatildeo da particular eficaacutecia da muacutesica na

conduccedilatildeo da alma reside justamente na analogia estrutural que haacute entre ambas Desse modo

as associaccedilotildees feitas aqui satildeo um capiacutetulo importante da teoria do ethos No caso dos

tetracordes da alma eacute faacutecil observar como as quatro virtudes cardeais expressam a excelecircncia

de cada uma das divisotildees da alma

Tabela 5 - Tetracordes virtudes e partes da alma

Tetracordes Primeiro e Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo Hiperboacutelico

Virtudes Temperanccedila Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Irracional Racional

Ao tratar dos pentacordes A Q deixa mais expliacutecita a relaccedilatildeo com II 8

Tabela 6 - Pentacordes octacordes e virtudes

Pentacordes Meacutedio Conjuntivo Disjuntivo

Virtudes Temperanccedila e Justiccedila Coragem Sabedoria

Alma Concupisciacutevel Irasciacutevel Racional

Oitavas Oitava grave Oitava aguda

Quanto aos pentacordes haacute ainda um detalhe que observar A Q relaciona o

segundo pentacorde com a alma irasciacutevel esclarecendo que esta tende para as duas outras

naturezas (racional e concupisciacutevel) Essa uacuteltima observaccedilatildeo pontua Barker (p 516 n 142)

parece sugerir que o pentacorde meacutedio de fato possui notas em comum com os outros dois

Sendo esse o caso a divisatildeo dos pentacordes resultaria bastante diferente da exposta no

capiacutetulo anterior fortalecendo assim a divisatildeo proposta por Barker A esse respeito cf n 195

supra

95

333 Capiacutetulo XVII

E veja como sendo duas as atitudes perante a vida (a que conduz ao viacutecio e a que

conduz agrave virtude) tambeacutem a muacutesica ilustra essas trajetoacuterias de vida O primeiro sistema

perfeito215

assemelha-se dizem aos anos de juventude durante a qual vivemos de modo

semelhante e somos semelhantemente vencidos pelas paixotildees O sistema que parte da mese

ilustra os dois tipos de vida que haacute apoacutes a infacircncia O conjuntivo sendo o mais curto216

5

ilustra a indulgecircncia e sendo por causa da conjunccedilatildeo semitonal o mais proacuteximo e o

sonoricamente mais agradaacutevel ilustra a natureza indulgente e prazerosa do viacutecio idade na

qual ningueacutem jamais mudou de vida mas progrediu somente em viacutecio Jaacute o disjuntivo eacute maior

e ilustra a dificuldade Por produzir uma mudanccedila217

tonal e estar limitado pela potecircncia da

voz218

ele mostra a violenta e aguda conversatildeo219

para uma vida mais elevada bem como o 10

[117]poder da virtude Pois a substacircncia da virtude estaacute na excelecircncia e toda forma de viacutecio

evidencia uma natureza imperfeita e uma total impotecircncia Por isso eacute que alguns dentre os

saacutebios considerando a perfeiccedilatildeo da virtude como suprema ordem e salvaccedilatildeo para cada

homem chamaram-na divindade E reconhecendo que a accedilatildeo debilitante e destrutiva do viacutecio

sobre toda natureza ou constituiccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do animal racional denominaram-na 15

lsquobestialidadersquo220 Tambeacutem Hesiacuteodo em certa passagem

221 fala claramente desses dois tipos

de haacutebitos com termos que um muacutesico empregaria para falar dos sistemasμ ldquoAcumula-se faacutecil

e abundantemente o viacutecio plano eacute o caminho e muito acessiacutevel Jaacute entre noacutes e a virtude os

deuses imortais puseram o suor longa e escarpada eacute a vereda e aacuterduo o iniacutecio Apoacutes chegares

ao cume poreacutem torna-se faacutecil conquanto difiacutecil sejaέrdquo 20

215

A primeira oitava grave que vai da nota acrescida agrave mese 216

Ou seja a distacircncia entre os tetracodes meacutedio e conjuntivo eacute menor do que a distacircncia entre o meacutedio e

disjuntivo Tomados simultaneamente como se numa imagem da vida os trecircs tetracordes conjuntos (primeiro

meacutedio e conjuntivo) formam o Sistema Perfeito Menor do qual natildeo faz parte o tetracorde hiperboacutelico 217

O termo empregado eacute α ou modulaccedilatildeo que designa uma mudanccedila estrutural a exemplo das

mudanccedilas de gecircnero sistema tropo etc A Q trata desse assunto em I 11 Talvez Quintiliano considere aqui a

passagem da oitava grave conjunta para a oitava aguda (tambeacutem conjunta internamente embora separada da

primeira por disjunccedilatildeo) como uma espeacutecie de modulaccedilatildeo embora ldquona progressatildeo da oitava grave para a aguda por disjunccedilatildeo nenhuma modulaccedilatildeo de sistema ou tropo aconteccedilardquo (ἐarker pέ η1ι nέ 1ζθ)έ Em todo caso a ideia de uma modulaccedilatildeo entre as notas meacutedia e supermeacutedia bem como sua analogia com a passagem da juventude

para a vida adulta pode ter relaccedilatildeo com o tratamento mais abrangente dado ao tema da modulaccedilatildeo em III 26-27

como sugere Mathiesen (p 184 n 266) 218

Cf III 6 n 131 supra 219

Μ α mudanccedila Mas agora numa acepccedilatildeo mais precisa e enfaacutetica de certa forma antecipando a ldquo α φ φ α α rdquo de III βιέ11έ ἑfέ III 1ί nέ 1θγ supra

220 Aristoacuteteles (Eacutetica a Nicocircmaco VII 1) define a bestialidade ( enquanto A Q emprega o sinocircnimo

ω α) como a disposiccedilatildeo moral contraacuteria agrave ldquoespeacutecie heroica e divina da excelecircncia moralrdquoέ 221

Os trabalhos e os dias 287-292 Passagem tambeacutem citada em Rep 364c-d

XCV

XVII

Ὅ αΝ ὴ π Ν αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν Ν π Ν ( ὲ Ν ὰ Ν π ὸ Ν

Ν ὲ π ὸ Ν α α Ν α α )Ν αὶ α α Ν ὰ Ν αφ ὰ Ν Ν Ν π Ν

υ έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν π Ν Ν Ν υ Ν ᾳ π ῃΝφα Ν Ν

ᾳΝ α ΥΝ Ν πα Ν Ν Ν Ν αὶ πα Ν π Ν αΝ ὸ ΥΝ πὸ Ν

ὰ ὰ ὴ Νπα ὴ Ν α Ν π α ῖ Ν έΝ ὸ ὲ Ν ὰ Ν α ὰ υ Ν5

ὲ Ν α Ν α Ν ὴ Ν α Ν ὲ ὰ ὴ Ν α α Ν υ αφὴ Ν Ν α Ν

αὶ Ν α ὰ ὸ Ν Ν ὴ Ν Ν α α Ν αὶ ῖα Ν α ῖ φ Ν Νᾗ ὲ Ν

Ν ᾳ υΝ α Ν Νπ α Ν ὲ π Ν φ Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

υ Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὸ υ Ν ὴ Ν ὲ π Ν α ὴ Ν

π α Ν Ν Νφ Ν υ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν αὶ Ν Ν ὸ Ν υΝ10

α Ν ῖ Ν Ν Ν [117]

α Ν Ν Ν ὰ Να Ν π α Ν

α α Ν ὲ Ν πα Ν Ν Νφ Ν Ν αὶ πα ὴ Ν υ α αέΝ ὸ α Ν Ν

Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν

π φα Ν αΝ π α Ν ὸ ὲ Ν α α Ν Ν Ν αὶ φ α ὸ Ν

π Ν φ Ν Ν αὶ υ Ν υ Ν Ν π πὲ Ν α Ν15

π α α έΝ Ν Ν π υΝ [ἡὂέΝ ἀἆἅndash ἀλἀ]Ν αὶ Ν π ὶ φ ῖ Ν Ν α Ν

ῖ Ν α Ν πὶ Ν Ν α Ν Ν υ ὸ Ν Ν Ν πὶ Ν υ Ν π Ν

Ν ὴ Ν ὲ Ν ὰ Ν α αΝ αὶ α ὸ Ν Ν α Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

αΝ ΥΝ Ν α Ν Ν ΥΝ Ν αΝ ὶ π π Ν α Ν α Ν α ὸ Ν

ὲ αὶ Ν Ν Να ὴ αὶ ὺ Ν ὸ π Ν πὴ Ν ΥΝ Ν Ν α Ν Ν ὴ 20

π αΝπ Ν α π Νπ Ν αέ

96

334 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVII

Mais do que um mero esquema estaacutetico da alma a muacutesica expressa a vida da alma

no tempo um mapa das diversas trajetoacuterias biograacuteficas possiacuteveis Isso porque se as virtudes

correspondem agrave natureza da alma (tal como estabelecido no capiacutetulo anterior) o drama

especiacutefico da alma humana consistiraacute precisamente em realizar essa natureza imprimindo no

tempo uma ldquoimagem moacutevelrdquo (o proacuteprio χέ Qέ empregaraacute essa linguagem mais adiante) de sua

forma eterna Daiacute que a vida da alma se decirc no campo das virtudes cujos limites entre o

bestial e o divino delimitam o territoacuterio do humano

Haacute nisto tudo uma referecircncia dupla Uma primeira que aponta para traacutes para

temas jaacute abordados anteriormente como o emprego da muacutesica na correccedilatildeo eacutetica (II 4) a

dupla natureza dos mele beneacuteficos ou viciosos (II 6) e as duas espeacutecies de educaccedilatildeo musical

(II 9) cujos papeis satildeo instituir ou nutrir a vida da alma E outra referecircncia que aponta para o

que viraacute a seguir para a ldquodivina conversatildeo operada pela filosofiardquo de que falaraacute Quintiliano

no uacuteltimo capiacutetulo do tratado Um elemento adicional a unir os capiacutetulos 17 e 27 eacute a ecircnfase

dada tanto laacute como caacute ao papel do esforccedilo a insistecircncia em afirmar a natureza humana como

uma tarefa aacuterdua dada a cada homem

Natildeo eacute certamente sem motivo que A Q insere aqui essas consonacircncias Vimos

que segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen este eacute o capiacutetulo que conclui a primeira seccedilatildeo

(caps 9-17) da segunda parte (caps 9-27) do livro III Outro modo de compreender essa

divisatildeo seria notar como ao longo dos uacuteltimos oito capiacutetulos Quintiliano veio reelaborando

os temas dos dois livros anteriores agrave luz do enfoque mais abrangente do livro III Iniciado no

cap 15 essa revisatildeo dos temas do livro II chega aqui a seu termo A partir desse ponto o

livro III se dobra sobre si mesmo repassando seus temas especiacuteficos Assim se o livro III eacute

um microcosmo da obra inteira seus capiacutetulos finais satildeo um microcosmo do proacuteprio livro III

reproduzindo em sua proacutepria oitava todas as notas tocadas ateacute este ponto

97

335 Capiacutetulo XVIII

Mostremos agora como tambeacutem as gestaccedilotildees dos animais racionais mantecircm

relaccedilotildees simpaacuteticas222

com as proporccedilotildees musicais A gestaccedilatildeo levada a cabo em sete ciclos

mensais veremos daacute-se segundo as proporccedilotildees harmocircnicas Se tomando o 6 que eacute o

primeiro siacutembolo da geraccedilatildeo223

agruparmos em ordem sucessiva os nuacutemeros que apresentem

com relaccedilatildeo a ele as proporccedilotildees harmocircnicas (sesquiteacutercia sesquiaacuteltera e dupla) seratildeo 5

elencados os seguintes nuacutemeros 6 8 9 e 12 os quais somados datildeo 35224

nuacutemero segundo o

qual dizem225

os bebecircs de sete meses satildeo formados E se multiplicaacutessemos 35 por 6

obteriacuteamos 210 [118]

nuacutemero idecircntico ao de ciclos diaacuterios das gestaccedilotildees de sete meses226

E

mais uma vez se partindo da unidade somarmos agraves mesmas medidas as proporccedilotildees

riacutetmicas227

igual dupla sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a seacuterie de nuacutemeros seraacute 1 2 3 e 4228

dos 10

quais o 1 natildeo possuindo nuacutemero que o anteceda manteraacute proporccedilatildeo igual com relaccedilatildeo a si

mesmo Jaacute o 2 manteraacute proporccedilatildeo dupla com relaccedilatildeo ao 1 e o 3 com relaccedilatildeo ao 2 proporccedilatildeo

sesquiaacuteltera e o 4 com relaccedilatildeo ao 3 proporccedilatildeo sesquiteacutercia Somando-os entre si compomos

o nuacutemero 10 que somado ao 35 resulta em 45 o nuacutemero segundo o qual dizem satildeo

formados os bebecircs de nove meses229

E uma vez mais ao multiplicar o 6 na qualidade de 15

nuacutemero perfeito pelo 45 obteremos 270 nuacutemero dos bebecircs de nove meses pois estes nascem

vivos apoacutes tal nuacutemero de ciclos diaacuterios230

Pode-se observar que bebecircs de oito meses satildeo

tambeacutem gerados jaacute que participam das razotildees menores231

Poreacutem natildeo participando de todas

jamais chegam a nascer vivos232

222

O tema das relaccedilotildees simpaacuteticas entre a alma e o universo foi abordado em II 18 223

Cf III 6 n 130 e III 12 n 177 supra 224

Remete ao procedimento aritmeacutetico de disposiccedilatildeo das proporccedilotildees harmocircnicas descrito em III 4 225

Formaccedilatildeo embrionaacuteria A esse respeito Barker (p 528 n 150) cita o testemunho de Proclo (In Rempubl Vol

2 3314-15) que atribui aos pitagoacutericos essa estimativa de 35 dias Em Hist An (583a25-30) Aristoacuteteles

distingue os periacuteodos de formaccedilatildeo embrionaacuteria segundo o sexo 35 dias para mulheres e 40 dias para homens 226

Ou sete ciclos de 30 dias Cf Plutarco De anim proc 1018b 227

Satildeo as mesmas proporccedilotildees harmocircnicas agora aplicadas natildeo agrave altura relativa mas agrave duraccedilatildeo das notas Cf I

14 228

A tetraktyacutes pitagoacuterica da qual se origina a deacutecada (1+2+3+4 = 10) 229

Proclo (In Rempubl Vol 2 352-4 apud Barker p 518 n 153) chega ao nuacutemero 45 mediante caacutelculos

diferentes 230

Ou nove ciclos de trinta dias (9 x 30 = 270) 231

Na gestaccedilatildeo de nove meses estatildeo implicadas as proporccedilotildees harmocircnicas (6 + 8 + 9 + 12 = 35) do 6 siacutembolo

da geraccedilatildeo e as proporccedilotildees riacutetmicas contidas na tetraktyacutes (1 + 2 + 3 + 4 = 10) jaacute que 35 + 10 somam 45 e 45

multiplicado por 6 nos daacute o nuacutemero de dias da gestaccedilatildeo de nove meses Refazendo os mesmos caacutelculos para a

gestaccedilatildeo de oito meses temos que 240 divido por 6 eacute igual a 40 ou seja o 35 somado agrave metade da deacutecada que

assim resulta incompleta Para uma explicaccedilatildeo mais detalhada e sutil Barker (op cit loc cit n 155) sugere

Proclo In Rempubl vol 2 354 ss Tambeacutem anota Barker que em Hipoacutecrates De Septim 9 a inviabilidade da

gestatildeo de oito meses estaacute associada ao caraacuteter indeterminado e incompleto dos nuacutemeros pares 232

Uma crenccedila popular baseada seguramente em observaccedilatildeo empiacuterica e endossada por Aristoacuteteles (Hist An

408b5-14) embora numa versatildeo menos draacutestica e explicada hoje pela medicina como resultado da interrupccedilatildeo

XCVII

XVIII

Φ Ν ὴ αὶ ὰ Ν Ν Ν Ν Ν π Ν αῖ Ν α ὰ υ ὴ Ν

α α Ν υ π π α Ν π έΝ ὴ Ν ὲ Ν Ν α ΥΝ π α υ Ν π φ ὰ Ν

υ υ Ν α ὰ ὺ Ν ὺ Ν Ν Ν υ έΝ ὰ Ν

α Ν ὸ Ν Ν π Ν αΝ Ν Ν φ Ν υ Ν ὺ Ν ὺ Ν

Ν Ν α Ν π ὸ Ν α ὸ Ν π Ν π υΝ Ν αὶ υΝ αὶ 5

π α υΝ α Ν ὲ Ν ῖ Ν Ν α ὰ ὸ Ν ὶ Ν Ν ὼ αΝ αΝ

Ν υ Ν ὲ υ Ν αὶ π α Ν ὸ Ν α απ Ν α Υ Ν φα Ν ὰ π αΝ

απ α Ν α ὰ ὸ Ν Νπ υπ α α Να Νξπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ[118]

αρΝ Ν αῖ Ν Ν π α Νπ Ν α έΝπ Ν ὲ ῖ Να ῖ Ν

Ν ὺ Ν υ ὺ Ν π Ν υ Ν Ν Ν αὶ π α αΝ αὶ Ν αὶ 10

π Ν πὸ Ν αΝ υ α Ν ὲ Ν ὶ Ν Ν Ν αΝ α αΝ

Ν ὲ Ν Ν αΝπ α Ν Ν ὸ Ν ὸ Ν Νπ ὸ Ν αυ ὸ Ν Ν Ν ὲ

Νπ ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π α αΝ ὲ αΝπ ὸ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ α αΝ

π ὸ Ν ὸ Ν αΝ ὸ Ν π Ν Ν Ν ὲ Ν πα α Ν ὸ Ν Ν αΝ π Ν

Ν Ν ὲ α απ Ν υ Ν π Ν ὸ Ν α α απ Ν15

α ΥΝ Ν φα Ν φ α Ν ὰ αέΝ ὲ Ν π Ν Ν ὸ Ν

α α απ Νπ υπ α α Ν ὸ Ν Ν α Ν ὸ Ν Ν α αΝ

αΝ α α Ν ὰ Ν Ν π π Ν ῖ α Ν υ α Ν ὺ Ν

π υ έΝ ὺ Ν ΥΝ α α υ Ν ῖ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν

α Ν Ν Ν ὲ ὴ π Ν α Ν υ υ έΝ 20

98

Mas se compararmos o que eacute dito acerca da proporccedilatildeo dos corpos agraves razotildees dos 20

intervalos veremos que os corpos que participam do belo satildeo anaacutelogos aos intervalos

consonantes e que os contraacuterios assemelham-se aos intervalos dissonantes Natildeo se deve

tomar por beleza corpoacuterea a ostentaccedilatildeo de uma feminice improacutepria mas a manifesta aptidatildeo

da alma para a nobreza viril233

da qual satildeo merecedores aqueles que foram chamados agrave

virtude e agrave amizade Por isso eacute que Platatildeo pocircde dizer que o objeto da muacutesica eacute o amor da 25

beleza234

durante o oitavo mecircs de gestaccedilatildeo da produccedilatildeo do liacutequido superfactante que manteacutem o funcionamento dos

alveacuteolos pulmonares 233

Os termos masculino e feminino satildeo utilizados em II 8 para designar respectivamente as porccedilotildees irasciacutevel

e concupisciacutevel da alma irracional O domiacutenio racional da alma irasciacutevel sobre a concupisciacutevel corresponde agrave

virtude da temperanccedila 234

Rep 403c

XCVIII

Ἀ ὰ ὰ Ν αὶ ὺ Ν υ Ν Ν α Ν π α Ν ῖ Ν π ὶ

Ν υ α Ν Ν Ν ῖ Ν ὲ Ν υ φ Ν α α Ν ὰ

υ Ν αΝ α ῖΝ ῖ Ν ΥΝ υ φ Ν α Ν ὰ α αέΝ Ν ὲ

α Ν ὸ ὴ Ν Ν π φαῖ Ν αΝ Ν ὰ ὸ υ Ν

π αΝ Νπ ὸ Ν α α α Ν Ν υ Ν Ν ὴ Νπα α Ν αὶ 25

Ν φ α Ν Ν Ν ὰ Ν α α Ν αὶ ὸ Ν Ν [ἤἷὅὂέΝ ἙἙἙΝ

403ἵ]Ν πὸ Ν α Ν υ Ν ὰ α έ

99

336 Comentaacuterios ao capiacutetulo XVIII

O estatuto de que goza a alma racional exige que sua geraccedilatildeo mantenha especial

sintonia com a ordem racional (e musical) que governa o mundo sobretuto quando levamos

em conta as tarefas que cabem agrave razatildeo executar Parece ser esse o elo entre a reflexatildeo moral

do capiacutetulo anterior e a exposiccedilatildeo aritmoloacutegica deste capiacutetulo Tambeacutem Ptolomeu (Harm III

4 In Barker Greek Musical Writings vol 2 p 374) ao comparar os movimentos da alma

racional aos movimentos dos corpos celestes afirma algo nesse sentido embora sem fornecer

maiores detalhes a respeito E Platatildeo ao tratar da decadecircncia de que fatalmente padecem as

comunidades poliacuteticas (Rep 546a-d) atribui a causa dessa progressiva falecircncia do elemento

racional tanto no acircmbito coletivo como no acircmbito privado ao descuido com os nuacutemeros que

presidem a geraccedilatildeo humana A relaccedilatildeo deste capiacutetulo com o tema platocircnico do nuacutemero

geomeacutetrico ou nupcial eacute tal que Robert Baccou recorreu ao testemunho de A Q (aleacutem dos de

Plutarco e Proclo) na sua interpretaccedilatildeo dessa passagem de Platatildeo (Cf Apecircndice II In A

Repuacuteblica vol 2 Satildeo Paulo Difusatildeo Europeia do Livro 1973 p 277) baseada por sua vez no

estudo de J Adam sobre o livro VIII da Repuacuteblica (Cf Appendices to book VIII In The

Republic of Plato vol 2 Cambridge University Press pp 264-312) Outro estudo de particular

interesse por destacar a estrutura tetracordal do nuacutemero platocircnico pode ser encontrado no

anexo 18 da ediccedilatildeo francesa dos diaacutelogos de Platatildeo organizada por Luc Brisson (Flammarion

2008 p 2092)

Apesar da estreita relaccedilatildeo com Rep 546a-d Barker anota (p 518 n 148) que os

caacutelculos aqui apresentados estatildeo mais proacuteximos daqueles encontrados nos escritos

hipocraacuteticos e cita De victu I 8 De septim 9 De carn 19 Apoiado em Shaumlfke (AQ Von der

Musik pp 152-53) Mathiesen (p 47) sugere que a seacuterie 6 8 9 e 12 possa estar associada agrave

teoria dos quatro humores o que colocaria este capiacutetulo sob a influecircncia de certa tradiccedilatildeo

pitagoacuterica Todavia para Mathiesen as fontes mais provaacuteveis deste capiacutetulo satildeo Plutarco (De

animae generatione 1017d-1018d) Aristoacuteteles (Hist Anim 73-4) e Platatildeo

Mencionamos acima o paralelo entre a alma racional e os corpos celestes Mais

adiante ao tratar da muacutesica celeste (cap XXIII) Quintiliano voltaraacute a mencionar o nuacutemero

platocircnico sinalizando novamente a relaccedilatildeo entre as duas realidades

100

337 Capiacutetulo XIX

Atente agora para o fato de que tambeacutem as razotildees presentes nos corpos que

constituem o universo satildeo consonantes Ao fogo em razatildeo de sua semelhanccedila com a

piracircmide235 designamos [119] o quatro que eacute o nuacutemero de acircngulos236 daquela figura Agrave terra

por ser um cubo designamos o seis que corresponde ao nuacutemero de suas superfiacutecies Ao ar

enquanto octaedro assinalamos o oito em razatildeo das superfiacutecies E agrave aacutegua que eacute um 5

icosaedro designamos o doze conforme o nuacutemero de acircngulos237 Tanto no par ascendente

quanto no descendente238 consideramos nos elementos ativos de cada par os acircngulos (por

meio de cuja agudeza eles agem) e nos elementos passivos as superfiacutecies (por meio das quais

estes satildeo divididos) pois o ar eacute agrupado e dispersado por accedilatildeo do fogo e a terra por accedilatildeo da

aacutegua239 10

Sendo assim eacute claro que cada uma das estaccedilotildees do ano haacute de tomar para si o

nuacutemero do elemento que lhe seja afim a primavera tomaraacute o oito nuacutemero do ar a ela

semelhante na brandura Por causa do calor o veratildeo tomaraacute o quatro nuacutemero do fogo E o

outono o seis nuacutemero da terra em razatildeo da secura Por conta da umidade o inverno tomaraacute o

doze nuacutemero da aacutegua Portanto e conforme se atribui a Pitaacutegoras a primavera estabeleceraacute 15

com o outono um intervalo de quarta com o inverno um intervalo de quinta e com o veratildeo um

intervalo de oitava como ilustrado abaixo240 Partindo das razotildees sesquiteacutercia e sesquiaacuteltera a

proporccedilatildeo241 musical forma variada e alternadamente a razatildeo dupla242

235 Πυ α (piracircmide ou tetraedro) e π (fogo) A curiosa semelhanccedila dos nomes deve ter parecido sugestiva 236 Ou veacutertices isto eacute as extremidades pontiagudas da figura e natildeo os acircngulos de cada uma das faces 237 Timeu 55d-56b 238 Par ascendente fogo e ar Par descendente terra e aacutegua 239 Timeu 56d ss 240 A ilustraccedilatildeo natildeo chegou ateacute noacutes V comentaacuterio a seguir Sobre a harmonia das estaccedilotildees cf III 7 241 α α 242 Como fontes da associaccedilatildeo entre estaccedilotildees do ano e os elementos todos os comentadores apontam Plutarco De An proc 1028f ss aleacutem do Timeu 53a-57c para o conjunto do capiacutetulo

C

XIX

Ἄ Ν ὴ Ν αὶ Ν πα ὸ Ν Ν ὶ υ φ Ν έΝπυ ὶ

ὲ Ν ὰ Ν ὰ ὸ πυ α Νπα α[119]π Ν ὸ Ν α αΝ Ν ὸ Ν α αΝ

αῖ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν αΝ ῖ Ν π π Ν Ν ὲ Ν

α ὰ ὰ π π αΝ ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν α ὰ ὰ Ν α Ν ὸ Ν αέΝ

φα Ν ὰ Ν Ν Ν φ Ν αὶ Ν α φ Ν υ Ν Ν ὲ Νπ Ν ὰ Ν5

α Να Ν Ν ὰ ὴ Ν αΝ Ν ὲ πα Ν ὰ π π αΝ Ν α Ν ὴ Ν ὲ Ν

ὰ Ν πὸ πυ Ν ὲ πὸ α Ν υ α Ν αὶ α ῖ α έΝ

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν αυ Ν Ν Ν ὸ Ν

πα απ υΝ Ν Ν ὸ Ν α Ν α Ν ὲ Ν ὸ Ν Ν ὸ Ν α ΥΝ

πα αΝ ὸ Ν Ν Ν ὲ πυ ὸ Ν ὰ αΝ ὸ Ν α αΝ π Ν ὲ Ν10

ὰ αΝ ὸ Ν Ν ὼ Ν ὲ α Ν ΥΝ αΝ ὸ Ν αέΝ Ν υ Ν ὸ α Ν

α ὰ αὶ υ α α Ν φα α Ν Ν π ὸ Ν ὲ Ν π Ν ὸ ὰ Ν π ὸ Ν ὲ

αΝ ὸ ὰ π Νπ ὸ Ν ὲ Ν ὸ ὰ πα Ν Ν π απ α Ν Ν αὶ α αΝ

υ ὴ π Ν Ν π υΝ αὶ υΝ αὶ α ὰ Ν ὸ Ν π α Ν π αέ

101

338 Comentaacuterios ao capiacutetulo XIX

O objeto da muacutesica eacute o amor da beleza disse Quintiliano ao fim do capiacutetulo

anterior fazendo questatildeo ali de mencionar Platatildeo explicitamente Ato contiacutenuo no iniacutecio

deste capiacutetulo 19 A Q passa a tratar daqueles que o mesmo Platatildeo descreveu como ldquoos

quatro corpos mais belosrdquo (Timeu 53e) os corpos dos quatro elementos estruturados

segundo a forma dos soacutelidos platocircnicos A despeito de serem cinco os poliedros regulares

Quintiliano omite o dodecaedro e nisso tambeacutem segue Platatildeo Na passagem do Timeu (54d-

56e) da qual Quintiliano hauriu as associaccedilotildees apresentadas neste capiacutetulo (com exceccedilatildeo das

associaccedilotildees entre os quatro elementos e as estaccedilotildees do ano que natildeo estando no Timeu todos

os comentadores atribuem a Plutarco) Platatildeo menciona o dodecaedro apenas uma vez (55c-

d) e somente para assinalar que essa forma foi aplicada pelo deus ao conjunto do universo

Quintiliano tambeacutem omite certos detalhes construtivos relacionados aos triacircngulos que

compotildeem cada uma das faces dos quatro soacutelidos Seu interesse cinge-se aos quatro elementos

sua estutura espacial e as associaccedilotildees decorrentes que satildeo as seguintes

Tabela 7 - Soacutelidos platocircnicos e suas associaccedilotildees

Soacutelido Elemento Nuacutemero CaraacuteterParacircmetro Estaccedilatildeo

Tetraedro Fogo 4 AtivoAcircngulo Veratildeo

Cubo Terra 6 PassivoSuperfiacutecie Outono

Octaedro Ar 8 PassivoSuperfiacutecie Primavera

Icosaedro Aacutegua 12 AtivoAcircngulo Inverno

Seguindo um procedimento vaacuterias vezes aplicado ao longo do tratado A Q

agrupa os elementos em dois pares conforme o paracircmetro atividade-passividade Assim o

fogo eacute o par ativo do ar enquanto a aacutegua eacute o par ativo da terra Platatildeo natildeo coloca as coisas

exatamente nesses termos Em todo caso os pares de A Q natildeo estatildeo em desacordo com a

hierarquia platocircnica que coloca o fogo no topo da escala de atividade seguido imediatamente

pelo ar a aacutegua e a terra Cabe tambeacutem notar que os pares de A Q natildeo valem para os soacutelidos

aos quais aqueles elementos estatildeo associados Os pares de soacutelidos satildeo obtidos pela inversatildeo

do respectivo nuacutemero de lados e veacutertices de modo que o cubo faz par com o octaedro o

icosaedro com o dodecaedro e o tetraedro faz par consigo mesmo As proporccedilotildees de que fala

A Q ao fim do capiacutetulo satildeo faacuteceis de observar a oitava (4 6 8) compreende uma quinta

(64=32) e uma quarta (86=43) o mesmo valendo para a oitava (6 8 12)

102

339 Capiacutetulo XX

Eacute evidente que tambeacutem no corpo do universo haacute um paradigma musical Pois

uma vez mais o intervalo de quarta manifesta a tetraktys material243 o de quinta representa o

corpo eteacutereo244 e a oitava o movimento harmonioso dos planetas do qual trataremos

brevemente Movidos pela inspiraccedilatildeo musical os poetas louvam-no em cacircnticos a todo

momento chamando-o de coro dos astros245 Homens saacutebios e buscadores da verdade tambeacutem 5

assim o entenderam mediante exposiccedilotildees como as que seguem Todo corpo dizem

arrastado246 muito rapidamente atraveacutes de um meio homogecircneo pouco resistente e que

prontamente se agita em razatildeo do impacto (como os ciacuterculos formados na aacutegua por uma

pedrinha) acaba produzindo algum som247 E tal como o ar aqui eacute simples e [120] adaptado aos

nossos instrumentos mas acaba soando de modos distintos (pois de uma percussatildeo248 10

idecircntica conforme seja produzida por homem mulher velho ou crianccedila resulta um som

diferente) tambeacutem o eacuteter laacute eacute simples249 Poreacutem sendo muitos e variados ndash em tamanho

aparecircncia accedilotildees e emanaccedilotildees ndash os corpos que no eacuteter habitam este ressoa conforme a

natureza e as capacidades proacuteprias de cada corpo Para noacutes esses sons satildeo imperceptiacuteveis

(pois natildeo temos uma audiccedilatildeo adequada turbada que estaacute em razatildeo da grande distacircncia e da 15

fusatildeo com o corpo) agrave semelhanccedila daqueles que por ter uma audiccedilatildeo pior natildeo ouvem nossa

voz nem o que eacute mais impressionante trovotildees e estrondos que tais250 Jaacute aos melhores dentre

os que viveram entre os homens eacute permitido aproximar seus ouvidos de forma a que natildeo

sejam excluiacutedos de tal felicidade Assim tal como para noacutes eacute naturalmente difiacutecil captar251 as

243 Em III 11 e 12 Quintiliano aborda as trecircs regiotildees (o uno o eteacutereo e a mateacuteria) que Mathiesen (p 179 n 214 p 52 n 223) relaciona agraves hipoacutestases plotinianas Em todo caso a triacuteade a que se refere Quintiliano no iniacutecio deste capiacutetulo estaacute situada no acircmbito corpoacutereo 244 Sobre o corpo eteacutereo Cf III 10 e 12 II 17 18 e 19 245 Timeu 40c 246 Cf Mathiesen p 176 n 175 E ainda III 12 247 Mathiesen (p 188 n 303) anota aqui um paralelo textual com Nicocircmaco Ench 3 e Briecircnio Harm I 1 Barker ( 520 n 162) lista como fontes Arist De anima 419b-421a De audib 800a ss De caelo 290b O tema da harmonia celeste eacute abordado em Platatildeo (Rep 616b ss) e Ptolomeu (Harm III 8 ss) 248 Refere-se agrave percussatildeo do ar produzida pela voz Em I 4 Quintiliano discute se o som eacute o ar percutido ou a percussatildeo do ar explicando que a segunda definiccedilatildeo eacute melhor por assinalar que o som eacute um afecccedilatildeo sofrida pelo ar natildeo a mateacuteria em si 249 Sobre a simplicidade da regiatildeo eteacuterea Cf II 8 e 18 III 10-11 250 Mathiesen (p 189 n 312) acredita haver aqui uma repreensatildeo agravequeles que natildeo datildeo ouvidos agraves doutrinas de Quintiliano (ldquonatildeo ouvem nossa vozrdquo) e que desprezam as mensagens dos deuses (com trovatildeo aqui representando Zeus) A observaccedilatildeo eacute perspicaz e nos faz entender melhor a que tipo de surdez A Q se refere quando fala da muacutesica das esferas 251 δiteramente ldquotornar-se observadoresrdquo ( π π α α ) O observador eacute aquele que atingiu o terceiro grau de iniciaccedilatildeo o da perfeita contemplaccedilatildeo (ldquo ὰ ὲ α αὶ π π rdquo Rep 210a) Para Quintiliano a muacutesica possui um caraacuteter misteacuterico (Cf I 1-2 II 7 e 17 III 7 e 9) que ficaraacute progressivamente mais claro nos capiacutetulos seguintes particularmente nos caps 24 e 27

CII

XX

Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Νπα αΝ υ Ν α έΝπ Ν

ὰ Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ὴ Ν ὴ Ν φα Ν α Ν ὸ ὲ ὰ π Ν αὶ ὸ

α Νπ α Ν αΝ ὸ ὲ ὰ πα Ν ὴ Ν Νπ α Ν Νπ ὶ

Ν ὰ α έΝ π αὶ ὲ Ν ὰ Ν α Ν π Ν υ ὰ πα ὸ Ν

ᾄ υ Ν Ν ὸ Ν π Ν φ ὶ ὲ Ν αὶ α Ν υ αὶ ΥΝ5

π Ν Ν α α έΝπ Νφα Ν αΝ Νπ φ Ν α ΥΝ υΝ αὶ

π Ν αΝ υ α υΝ Ν πὸ Ν π Ν Ν Ν πὸ φῖ Ν Ν α Ν

Ν α Ν Νπ ὸ Ν π ῖ Ν π Ν ὲ ὸ Ν αΝ Ν π Ν Ν αΝ αὶ [120] ῖ Ν Ν Ν π φυ Ν αΝ αφ Ν ῖ Ν υ α Ν ( Ν ὰ Ν

α Ν π Ν π Ν Ν ὸ Ν αὶ υ α ὸ Ν πα Ν Ν αὶ π υΝ Ν10

Ν π α Ν ὸ Ν )Ν ὶ ὲ ῖ Ν ὸ Ν ὲ Να αΝ υ Ν π Ν

ὰ ΥΝ Να α αΝπ Ν αΝ αὶ π αΝ Ν α Ν Ν Ν αὶ αῖ Ν

α Ν Ν αὶ π α Νπ Να ὸ Ν α ὰ ὴ Ν α Ν α Ν αὶ φ έΝ ῖ Ν

ὲ Ν Ν πα υ Ν α Ν ὺ Ν υ Ν( ὰ Ν π Ν ὰ Ν ὰ Ν Ν Ν Ν

Νπ Ν π Ν αὶ Νπ ὸ Ν ὸ αΝ Ν α Ν α π Ν ὰ 15

αΝ Ν Ν α α Ν Ν Ν α Ν πα υ Ν φ Ν Ν Ν

Ν Ν αὶ Ν π )Ν ῖ Ν ὲ Ν Ν ὴ φα Ν Ν π Ν

Ν Ν Ν α Νξ ῖ α ρΝ Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν

Ν α α Ν π Ν ὰ Ν αὶ Ν Ν π π α Ν α Νφ Ν ὲ Ν ῖ Ν

α Ν υ Ν 20

103

realidades mais altas embora aos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o 20

conhecimento necessaacuterio seja liacutecito contemplar a presenccedila das formas divinas eacute igualmente

impossiacutevel sobretudo aos indignos escutar por meacuterito proacuteprio o som do universo natildeo

obstante o fato de que aos virtuosos e saacutebios seja dado participar dessa honra e dessa alegria

bem como das realidades mais elevadas Esses sons satildeo proferidos dizem segundo a ordem

subjacente agraves notas musicais252

E sendo as notas masculinas femininas ou mistas253

a cada 25

uma delas fez-se corresponder um poder e uma accedilatildeo dos planetas

252

Conforme a sucessatildeo observada no SPI de que fala em I 6 253

Cf II 12-14

CIII

ῖ Ν ΥΝ Ν Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν π υΝ υ α Ν Ν αὶ Ν

φ α Ν α Νπα υ α Ν Ν ὲ αὶ Ν πα ὸ Ν Ν α Ν ὲ Ν

πὸ α υΝ αὶ αΝ ὺ Ν α υ Ν α α Ν ὺ Ν ὲ π υ α υ Ν αὶ

π α Ν φ Ν Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν πα Ν Ν Ν ΥΝ Ν

α α Ν πὸ Ν έΝ υ Ν ὴ ὺ Ν υ Νπ φ α Νφα Ν α ὰ ὴ Ν25

π Ν ῖ Ν φ Ν Ν Ν ὲ φ Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὲ

υ Ν Ν ὲ π Ν Ν α Ν Ν π α Ν αὶ α Ν

πα α έ

104

340 Comentaacuterios ao capiacutetulo XX

Em III 11 ao tratar da estrutura triaacutedica do univero A Q havia associado a

oitava ao incorpoacutereo a quinta agrave natureza intermediaacuteria e o intervalo de quarta ao corpoacutereo

Aqui seu objetivo eacute apontar a estrutura triaacutedica dentro do acircmbito corpoacutereo A tetraktys

material associada ao intervalo de quarta remete em princiacutepio aos quatro elementos

abordados no capiacutetulo anterior com o eacuteter (associado ao intervalo de quinta) figurando aqui

como quinto elemento (Cf Barker p 519 n 161) Todavia Teacuteon de Esmirna (Ton kata

to mathematikon chresimon II 37 Cf traduccedilatildeo de DUPUIS J 1892 pp155-163) lista onze

quaternaacuterios ( α ) dos quais sete satildeo por ele designados como materiais e o

quaternaacuterio dos elementos seria apenas uma dessas α materiais A maior parte dos

quaternaacuterios de Teacuteon poreacutem jaacute foi antes mencionada por A Q Segue abaixo a lista

completa na ordem seguida por Teacuteon

Tabela 8 - Tetraktyes de Teacuteon

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

1 1 1 Ponto Fogo Piracircmide Semente Homem Pensamento Racional Primavera Infacircncia

2 2 3 Linha Ar Octaedro Altura Famiacutelia Ciecircncia Irasciacutevel Veratildeo Adolescecircncia

3 4 9 Superfiacutecie Aacutegua Icosaedro Largura Burgo Opiniatildeo Concupisciacutevel Outono Maturidade

4 8 27 Soacutelido Terra Cubo Espessura Cidade Sentidos corpoacutereo Inverno Velhice

A passagem em que A Q justifica a ideia de uma muacutesica das esferas tem de fato

como aponta Barker notaacutevel semelhanccedila com Nicocircmaco (Harmonikon Enchridion cap III)

Veja-se a esse respeito a traduccedilatildeo de Zanoncelli (1990 p 147) ou ainda a de Ruelle

(ἔrsquoAnnἡaἑre de ἔrsquoAssocἑatἑon poἡr ἔrsquoencoἡrageἕent des Etἡdes ύrecqἡes en France 1880)

disponiacutevel em httpremacleorgbloodwolferuditsnicomaqueharmoniquehtm (acessado

em 29032016) e a de Barker (1990 p 250)

A explicaccedilatildeo que daacute A Q para a nossa incapacidade de escutar a muacutesica das

esferas sugere particularmente naquilo que a distancia da explicaccedilatildeo tradicional conservada

por Aristoacuteteles (De caelo 290b10-291a25 Cf CANDEL M Editorial Gredos 1996 pp

135-36) que A Q natildeo concebe a harmonia das esferas como muacutesica sonora ou ao menos

natildeo exclusivamente como muacutesica sonora Reforccedilam essa sugestatildeo a perspicaz observaccedilatildeo de

Mathiesen (cf n 246 supra) e o fato de que A Q associe essa muacutesica agraves formas divinas cuja

105

contemplaccedilatildeo eacute liacutecita somente ldquoaos que alcanccedilaram o cume da virtude e possuem o

conhecimento necessaacuteriordquoέ

106

341 Capiacutetulo XXI

Para comeccedilar eacute preciso definir o que satildeo por natureza o masculino e o feminino

No corpo o masculino eacute duro e seco nas almas eacute ativo e amante do esforccedilo Jaacute o feminino eacute

uacutemido [121] e permeaacutevel tranquilo e evita o esforccedilo254 Assim do predomiacutenio de uma ou outra

dessas qualidades ou de sua combinaccedilatildeo equitativa surgem diferenccedilas na sua atualizaccedilatildeo A

esfera lunar por exemplo que uacutemida e permeaacutevel eacute responsaacutevel por toda a geraccedilatildeo corpoacuterea 5

emite atraveacutes do eacutepsilon255 um som feminino ainda um pouco masculinizado pois se a Lua

de um lado possui mais do feminino jaacute que recebe influecircncias dos demais planetas todavia

participa tambeacutem do masculino ao enviar para a terra as potecircncias geradoras e nutritivas dos

corpos256 Eacute o que mostram aqueles que celebram os misteacuterios e os ritos da Lua pois a

chamam androacutegina (participando mais do feminino) e lhe atribuiacuteram o aulo de chifre257 a ela 10

semelhante na forma de Lua crescente e dentre os aulos o mais grave sendo equivalente agrave

nota acrescida258 no tocante agrave vocalizaccedilatildeo Jaacute a esfera de Mercuacuterio cuja accedilatildeo eacute no mais das

vezes ressecante em razatildeo da proximidade com o Sol (embora seja umectante sempre que

dele se afaste um pouco) e que se regozija259 sobretudo em apariccedilotildees diurnas (raramente nas

noturnas) tem tambeacutem um som androacutegino soacute que mais para o masculino por estar mais 15

familiarizado com a secura e com as formas diurnas A esfera de Vecircnus eacute luminosa (como a

deusa) e tambeacutem doce festiva predominantemente uacutemida e regozija-se mais agrave noite ela

possui um som extremamente feminino Mais seca e abrasadora sempre quente e ativa a

esfera do Sol emite um som masculino Por um lado a esfera de Marte eacute quente e impulsiva

por outro regozija-se com formas uacutemidas e noturnas O som que produz eacute ambiacuteguo embora 20

mais virilizado A esfera de Juacutepiter ecircmulo de Vecircnus em quase tudo eacute doce em todas as suas

atualizaccedilotildees [122] No tocante ao abrandamento dos planetas adjacentes ele por possuir uma

equilibrada mescla de ambos diminui o calor de Marte e alivia a frieza de Saturno Como

254 O tema jaacute foi abordado em II 810 12-14 17-18 255 A descriccedilatildeo das vogais segundo seu caraacuteter masculino ou feminino bem com sua respectiva relaccedilatildeo segundo o mesmo caraacuteter com os diversos graus da escala foi efeita em II 12-14 256 III 12 257 O aulo friacutegio (elymos aulos) Natildeo confundir com o aulo friacutegio citado em II 16 Cf Colomer e Gil p 156 n 91 258 Estaacute relacionada agrave nota acrescida (proslambanomenos) nota solfejada com a vogal eacutepsilon aqui assinalada agrave Lua Cf II 14 259 Os planetas dividem-se em dois grandes grupos os que pertencem ao seacutequito do Sol e os que pertencem ao seacutequito da Lua Aleacutem disso certas regiotildees do zodiacuteaco podem ser favoraacuteveis ou desfavoraacuteveis a determinado planeta Quando um planeta transita por uma regiatildeo do zodiacuteaco que embora natildeo lhe seja particularmente favoraacutevel eacute poreacutem favoraacutevel a algum planeta de mesmo seacutequito diz-se que o planeta em questatildeo estaacute em ldquoregozijordquo Cf Ptolomeu Tetrabiblos I 23

CVI

XXI

Ν Ν Ν Ν ὸ Νφ Ν αὶ υέΝ ὸ ὲ Ν Ν Ν Ν

ὲ Ν α Ν Ν Ν αὶ Ν Ν ὲ υ αῖ Ν π α Ν Ν αὶ φ π Ν ὸ ὲ

υΝ ὸ [121]

Ν αῖ Ν Ν αὶ φυ π έΝ Ν ὴ α α α Ν

υ Ν π Ν ὰ Ν Ν Ν αφ ὰ Ν α Ν υ α έΝ ὲ Ν Ν Ν

Ν Ν Ν Ν Ν αὶ Ν υ π Ν Ν α Να α Ν5

ὸ Ν ὰ ξ ρΝ υ Ν φ Νφ Ν πὶ ὸ Ν Ν αὶ ὰ Να Νπ ῖ Ν

ὲ Ν Ν Ν α Ν ὰ Νπα ὰ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὴ Ν αὶ

Ν π ῖ αΝ αὶ πα ΥΝ α Ν Ν ὴ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν αὶ π ὰ Ν

υ Ν έΝ Ν ὲ Ν αὶ α Ν υ π Ν Ν αὶ α α Ν

Ν Ν ὰ Ν α ὴ Ν π α Ν π Ν υ α Ν Ν αὶ ὸ Ν10

α φ Να ὸ Ν α Να Ν ῖ α Νπα απ Ν αΝ αὶ

α α Ν π Νπ α α α ὰ ὴ Ν φ έΝ ὲ α ὰ ὲ Ν ὸ

π ῖ Ν α ὸ Ν π Ν ὰ ὴ Ν π ὸ Ν ὸ Ν Ν α ὰ Ν αΝ ΥΝ

υΝ ὲ Ν α ὸ Ν π Ν υΝ Ν αὶ υ αῖ Ν πα Ν αῖ Ν

ὲ πὶ π Ν ὼ Νφ Ν ὸ υΝ αὶ α ὸ Ν ῖΝπ Ν ὴ Ν Ν15

αὶ α ὸ Ν Ν Ν Ν αὶ ῖ Ν ῖ Νᾠ α Ν α έΝ ὲ ὴ

ΝἈφ Νφα Ν Ν Ν α ὰ ὴ Ν ὰ Ν αὶ ὺ Ν αὶ φ Ν π α ὸ Ν

αὶ ὸ Ν ὸ π Ν υ Ν Ν α Ν ὸ Ν υ Ν Ν π Νφ έΝ ὲ υΝ

αὶ αυ ὸ Ν υΝ Ν ὸ Ν αὶ α ὸ Ν ῖ ὸ Ν αέΝ ὲ

Ἄ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ῖ Ν Ν αὶ υ ῖ Ν ὼ Ν α Ν ὸ Ν20

πα φ αΝπ Ν π Ν ὴ Ν έΝ ὲ ὸ Ν Ν Ν Ν πα Ν

α Ν Ν αὶ π αΝ υΝ ῖ Ν [122]

Ἀφ Ν φ Ν αὶ α ὰ

Ν π ὸ Ν ὺ Ν πα ΥΝ αΝ Ν αὶ ὲ ΝἌ Ν ὸ ὸ Ν α Ν

ὲ υΝ ὸ υ ὸ Νπα α υ Ν α Ν Ν Ν φ ῖ Ν Ν Ν αὶ α ὰ

α ὰ 25

107

Vecircnus ele favorece a geraccedilatildeo dos ventos diurnos e quanto agrave uniatildeo dos corpos eacute

casamenteiro e disseminador de bebecircs Natildeo sem razatildeo emite um som mais feminino 25

enquanto Saturno o uacuteltimo que eacute duro ressequido e laborioso emite um som masculino A

partir da remanescente consonacircncia de quarta que por conjunccedilatildeo tem iniacutecio na mese260

poderiacuteamos constatar que tambeacutem o zodiacuteaco se encontra em quatro regiotildees e extensotildees261

Se

atribuiacutessemos a primeira dessas regiotildees agrave mese a segunda agrave nota seguinte e assim

sucessivamente natildeo fariacuteamos nenhum absurdo Com efeito dada sua semelhanccedila com os 30

planetas cada uma dessas regiotildees participa tambeacutem por natureza das atividades dos planetas

Natildeo surpreende que dentre esses planetas aqueles que ocupam um lugar maior ou menor do

que as extensotildees supracitadas faccedilam soar igualmente as sobras e lapsos dos intervalos de

forma a que tambeacutem entre eles se constitua a melodia enarmocircnica pois corpos imensos satildeo

tambeacutem capazes de fazer soar os menores intervalos262

Uma vez mais portanto satildeo sete as 35

notas remanescentes263

as quais estamos impedidos de atribuir agraves regiotildees do zodiacuteaco vez que

a atividade desta eacute simples Poreacutem como a potecircncia dos planetas eacute dupla (pois exercem um

poder pela manhatilde e outro agrave noite) relacionaremos a eles mais uma vez cada uma das notas

remanescentes por oposiccedilatildeo aos seus respectivos poderes diaacuterios assinalando aos planetas

ativos e laboriosos o que seja masculino (ou predominantemente masculino) e remetendo o 40

que seja feminino (ou proporcionalmente mais feminino) aos planetas inativos e uacutemidos

Pode-se contatar que no que tange aos planetas somente a nota acrescida eacute pronunciada

atraveacutes do eacutepsilon [123]

pois essa letra eacute anaacuteloga agrave natureza da lua e como alguns gostam de

dizer eacute siacutembolo da geraccedilatildeo na medida em que formada enquanto nuacutemero264

do primeiro par

e do primeiro iacutempar 45

260

O tetracorde conjunto que tem iniacutecio na mese 261

Trata-se a princiacutepio dos quatro quadrantes de 90ordm que compotildeem a circunferecircncia No entanto essa associccedilatildeo

com os planetas que A Q menciona sem esclarecer remete-nos agraves quatro triplicidades de Ptolomeu

(Tetrabiblos I 18) em que cada triplicidade corresponde ainda a trecircs arcos de 30ordm cada distribuiacutedos poreacutem em

aacutereas natildeo contiacuteguasVer comentaacuterio adiante 262

Embora os quadrantes da circunferecircncia sejam iguais no tamanho as notas do tetracorde conjunto a que cada

quadrante corresponde natildeo expressam intervalos iguais jaacute que as notas moacuteveis podem variar conforme o gecircnero

bem como a disposiccedilatildeo dos intervalos pode variar conforme o tropo Semelhantemente tambeacutem os planetas

apresentam irregularidades sistemaacuteticas no seu movimento com os epiciclos de Ptolomeu que aliaacutes relaciona a

modulaccedilatildeo de gecircnero (diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico) ao movimento vertical dos planetas ou seja ao seu

maior ou menor afastamento da Terra Cf Ptolomeu Harm III 11(em Barker 1990 p 385) 263

A oitava mais aguda composta dos tetracordes disjuntivo e hiperboacutelico 264

Os gregos representavam os nuacutemeros atraveacutes das letras do alfabeto tomadas pela ordem Assim o nuacutemero 5

correpondia ao eacutepsilon quinta letra do alfabeto e o 5 resulta da soma do primeiro nuacutemero par 2 com o primeiro

nuacutemero iacutempar 3 A unidade como origem da seacuterie goza de estuto especial daiacute ser considerada par-iacutempar

CVII

Ν Ἀφ Ν Ν ὲ Ν Ν π α Ν Ν Ν Ν ὲ Ν υ αφαῖ Ν

π Ν Ν αὶ α Ν Ν Ν π Ν Ν ὸ Ν Ν υ αῖ Ν ὲ

υΝ Ν Ν Ν αὶ α ὸ Ν αὶ π π Ν ὸ Ν αέΝ

π Ν ὴ Ν ὰ Ν πὸ Ν α ὰ υ Ν υ φ α Ν

Ν Ν αὶ ὸ Ν α ὸ Ν Ν α Ν π Ν αὶ Ν έΝ Ν30

Ν ὸ ὲ Νπ Ν π Ν ῃΝ ὸ ὲ Ν ὰ α Ν πὶ Ν

π Ν Ν Ν Ν πὸ π υΝ έΝ αὶ ὰ Ν Ν α Νφυ Ν Ν Ν

π ὸ Ν ὺ Νπ α υ Ν Ν αὶ Ν Ν Ν φα Ν Ν Ν αὶ

ὺ Ν Ν Ν Νξ ρΝπ Ν αὶ Ν π Ν υΝ α α Ν

αὶ Ν α Ν ὰ Ν π ὰ Ν Ν ῖ Ν Ν π Ν Ν υ α Νπα ὰ 35

φ Ν αὶ ὴ α Ν α Ν Ν ὰ πα Ν α αΝ αὶ ὰ α αΝ Ν

α Ν ῖ Ν α α έΝ

Ν υ Ν Ν π ὰ π Ν φ Ν ῖ Ν ὲ Ν α

π Ν α Ν π πα αΝ ( π ὰ Ν Ν α)Ν Ν ὲ π α Ν

ὴ Ν Ν α Ν( Ν ὰ Ν ὰ υ Ν Ν ὲ ΥΝ α Ν α α )Νπ Ν40

α ῖ Ν αΝ Ν π Ν α ΥΝ α αΝ Ν Ν υ Ν π Ν ῖ Ν ὲ Ν

α α Ν π π Ν ὸ Ν ὸ α ὰ ὴ Ν Ν Ν π Ν

π Ν ῖ Ν ΥΝ α Ν Ν ὸ υΝπ Ν ὸ Ν

π έΝ Ν ὴ ὸ Ν π α α Ν πὶ Ν π α [123]

ὰ ξ ρΝ

Ν Ν ῖ Ν ὸ ὰ Ν ὴ ῖ Ν Ν Ν Ν α Νφ Ν45

Ν α Ν Ν π Ν Ν Ν υΝπ υ αὶ π α ΥΝ

ὸ Ν υ έ

108

342 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXI

Quintiliano retorna agora ao dualismo masculino-feminino com base no qual em

II 13-14 havia demonstrado o caraacuteter de cada uma das vogais empregadas no solfejo

associando-as em seguida agrave nota correspondente no tetracorde A sequecircncia proposta entatildeo

desde a vogal mais masculina ateacute a mais feminina foi ω α na qual as vogais

intermediaacuterias (α ) representam mesclas em que predominam respectivamente o caraacuteter

masculino e o feminino Jaacute dentro do tetracorde a disposiccedilatildeo das vogais seria (partindo do

primeiro tetracorde nele incluiacuteda a nota acrescida) a seguinte acrescida( ) primeira(α)

superprimeira( ) e indicativa(ω) Para fins de clareza omitiremos aqui o tau consoante com a

qual as vogais eram articuladas no momento do solfejo Quanto aos demais tetracordes a

ordem seraacute sempre α ω desde que a progressatildeo ocorra por conjunccedilatildeo Isso porque duas

notas solfejadas com a mesma vogal devem estar separadas por um intervalo de quarta

Assim a vogal reapareceria somente na mese que aleacutem de oitava aguda da nota acrescida

estaacute tambeacutem separada da nota seguinte por um tom disjuntivo Ocorre que como A Q tem

outros planos para a mese somente a nota acrescida explica no tocante aos planetas estaacute

associada ao eacutepsilon

Embora mencione explicitamente apenas a associaccedilatildeo entre a Lua e o as vogais

correspondentes aos demais planetas podem ser deduzidas a partir do caraacuteter masculino

feminino ou misto de cada um deles bem como a partir da ordem com que A Q dispotildee os

planetas Desse modo as analogias entre planetas vogais e notas dentro da primeira oitava

do SPI fica como exposto a seguir

Figura 14 - Planetas e notas I

Quintiliano natildeo eacute claro quanto agraves regiotildees do zodiacuteaco que deseja relacionar com as

notas do tetracorde conjuntivo Tampouco esclarece quais sejam os planetas associados

agravequelas regiotildees nem como tais planetas poderia ocupar ldquoum lugar maior ou menor que as

109

regiotildees supracitadasrdquoέ A fim de esclarecer tais questotildees os comentadores recorrem

unanimente a Ptolomeu (Tetrabiblos I 18) que divide o zodiacuteaco natildeo em quatro secccedilotildees

contiacuteguas mas em quatro triacircngulos (ou triplicidades) equilaacuteteros cujos veacutertices estatildeo

ocupados por signos que formam entre si um aspecto de 120ordm (ou triacutegono

Figura 15 - Triplicidades

Fonte httpalvarodominguescom20150822os-quatro-elementos-e-suas-qualidades Quanto a saber qual dessas regiotildees eacute a primeira e portanto deve ser assinalada agrave

mese tambeacutem aqui os comentadores datildeo por suposta a ordem seguida por Ptolomeu no que

penso estejam certos jaacute que Ptolomeu organiza sua exposiccedilatildeo partindo da convenccedilatildeo segundo

a qual o ciclo anual comeccedila na Primavera ou seja no signo de Aacuteries (hemisfeacuterio norte) Aqui

Barker e Mathiesen diferem em apenas um ponto Enquanto Mathiesen procura associar as

triplicidades de Ptolomeu aos quadrantes contiacuteguos da circunferecircncia o que natildeo nos parece

muito exato Barker evita qualquer associaccedilatildeo desse tipo limitando-se a reproduzir a lista de

Ptolomeu que vem a ser a seguinte

A primeira triplicidade sumamente masculina compreende os signos de Aacuteries

Leatildeo e Sagitaacuterio e seus regentes satildeo Sol e Juacutepiter (embora os signos dessa triplicidade

correspondam aos domiciacutelios respectivamente de Marte Sol e Juacutepiter) A segunda

maximamente feminina pois regida por Vecircnus e Lua abrange Touro Virgem e Capricoacuternio

A terceira triplicidade eacute tambeacutem masculina jaacute que os signos nela incluiacutedos (Gecircmeos Libra e

Aquaacuterio) diz Ptolomeu satildeo todos masculinos Entretanto como essa triplicidade natildeo

compreende o domiciacutelio de Marte seu caraacuteter masculino eacute menor que o da primeira A quarta

triplicidade corresponde a Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes e seu caraacuteter eacute tambeacutem ambiacuteguo jaacute

que regida conjuntamente por Marte Lua e Vecircnus

Tendo em vista os graus relativos de masculinidade-feminilidade assinalados para

as quatro vogais e para os quatro elementos podemos facilmente associar esses dois

110

quaternaacuterios agraves quatro triplicidades de Ptolomeu A primeira triplicidade sumamente

masculina deve ser associada ao fogo e ao έ χ segunda feminina agrave terra e ao έ χ terceira

ambiacutegua mas tendente ao masculino ao ar e ao αέ E a quarta ambiacutegua e tendente ao feminino

associa-se agrave aacutegua e ao 265 τcorre que o no acircmbito dos planetas (como adverte acima

Quintiliano) associa-se exclusivamente agrave Lua e agrave nota acrescida e a uacutenica vogal capaz de

ocupar seu lugar em virtude da aptidatildeo para expressar graus variados da mescla masculino-

feminino (II 131-35) eacute o alfa que por isso deve ser associado aqui agrave mese Partindo entatildeo da

ordem das vogais dentro do tetracorde conjuntivo (α α) temos que a sucessatildeo das

triplicidades seria quarta (Cacircncer Escorpiatildeo e Peixes) segunda (Touro Virgem e

Capricoacuternio) primeira (Aacuteries Leatildeo e Sagitaacuterio) e terceira (Gecircmeos Libra e Aquaacuterio) Isso

poreacutem contradiz o texto de Quintiliano (que prescreve uma associaccedilatildeo feita sucessivamente

segundo a ordem) bem com a interpretaccedilatildeo dos comentadores (que supotildee seja a ordem a que

se refere A Q a mesma adotada por Ptolomeu)

Os temas da modulaccedilatildeo de gecircnero na harmonia das esferas e de sua relaccedilatildeo com

as quatro ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo acima discutidas satildeo dois outros toacutepicos obscuros neste

capiacutetulo ἐarker (pέ ηββ nέ 1ιθ) sugere que ldquoregiotildees e extensotildeesrdquo sejam entendidas como

expressando intervalos hipoacutetese que de fato me parece a uacutenica viaacutevel Sugere ele ainda que o

intervalo entre as regiotildees adjacentes seja dado pelo aspecto formado entre os respectivos

planetas regentes A ideia eacute sem duacutevida engenhosa mas natildeo me parece que dependa

necessariamente da noccedilatildeo de regiotildees adjacentes Para tentativas diferentes e mais completas

de relacionar os movimentos planetaacuterios agrave modulaccedilatildeo de gecircnero Barker aponta Ptolomeu

Harm III 11 e Nicocircmaco Enchridion III

A correta disposiccedilatildeo dos planetas ao longo da oitava aguda tambeacutem oferece

dificuldades Apoiado na inversatildeo de potecircncias (diurnas e noturnas) dos planetas Mathiesen

conserva a mesma ordem empregada na oitava grave ainda que isso implique assinalar para

Vecircnus por exemplo uma vogal extremamente masculina ( )έ ἑonsiderando que uma

mudanccedila tatildeo draacutestica contradiz a letra do texto Colomer e Gil entendem que a oposiccedilatildeo de

potecircncia implicaria antes uma inversatildeo na disposiccedilatildeo dos planetas com Saturno associado agrave

nota supermeacutedia e assim sucessivamente Barker segue Mathiesen nesse ponto embora (por

razotildees diametralmente opostas agraves de Colomer e Gil) considere a soluccedilatildeo insatisfatoacuteria A

disposiccedilatildeo da oitava aguda segundo as duas hipoacuteteses aqui mencionadas fica como a seguir

265 Em III 25 Quintiliano faraacute uma associaccedilatildeo diferente da que propomos aqui Para ele o embora natildeo seja a mais feminina das vogais estaacute relacionado ao elemento terra enquanto o a mais feminina das vogais estaacute associado ao elemento ar

111

Figura 16 - Planetas e notas II

Por fim cabe mencionar que as analogias estabelecidas por Quintiliano entre

vogais notas e planetas natildeo satildeo as uacutenicas possiacuteveis Associaccedilotildees diversas incluindo todas as

sete vogais do alfabeto grego podem ser encontradas em outros autores O estudo de Eacutemile

Ruelle e Eacutelie Poireacutee (1901 pp 15-27) discute as principais fontes dessa doutrina seu papel no

serviccedilo religioso-iniciaacutetico aleacutem de comentar as tentativas de reconstituiccedilatildeo propostas ateacute

aquele momento

112

343 Capiacutetulo XXII

Pelo que foi exposto eacute possiacutevel compreender como havemos de relacionar cada

um dos deuses e das coisas que lhes sejam semelhantes aos sistemas e tropos266 anaacutelogos agraves

notas dos proacuteprios deuses agrave Lua e agraves potecircncias anaacutelogas a harmonia que parte da nota

acrescida a Mercuacuterio e a seus iguais o segundo sistema ao terceiro deus e a seus acoacutelitos o

terceiro sistema ao quarto e ao que se lhe assemelhe o quarto e assim sucessivamente267 Ao 5

zodiacuteaco inteiro relacionaremos o conjunto das espeacutecies268 e agraves extensotildees parciais do zodiacuteaco

relacionaremos tudo quanto seja anaacutelogo aos sons dessas extensotildees269 mediante o uso da

consonacircncia e seguindo na direccedilatildeo dos graves Quanto agraves notas remanescentes270 que

tiacutenhamos confinado agraves atividades noturnas novamente as tomaremos na ordem dada

organizando a harmonia do agudo para o grave271 Por fim natildeo haacute segredo quanto ao modo 10

como havemos de relacionar a cada deus a natureza272 ndash seja de ritmo seja de instrumento ndash

que seja conforme o seu respectivo sistema lanccedilando matildeo do agudo conforme a semelhanccedila

onde mais atividade se faccedila necessaacuteria e diluindo os excessos por meio da mescla dos

dessemelhantes sempre que necessaacuteria alguma atenuaccedilatildeo

266 ἐarker (pέ ηβγ nέ 1κβ) anota que ldquotroposrdquo emprega-se aqui no sentido exclusivo de harmoniacutea isto eacute escala modal sem referecircncia a uma altura tonal especiacutefica o que nos remeteria agrave lista das sete harmoniacuteai em I8 as quais partem poreacutem da primeira nota do primeiro tetracorde (natildeo da nota acrescida) e seguem ateacute a mese Jaacute para Mathiesen (p 192 n 344) Quintiliano trata aqui dos 15 troacutepoi elencados em I 10 partindo todos sempre da nota acrescida 267 A ordem dos planetas tal como estabelecida no capiacutetulo anterior eacute Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter e Saturno 268 As espeacutecies de oitava (harmoniacuteai) elencadas em I 8 ou ainda as 15 espeacutecies de troacutepoi (I10) O fato eacute que tal como os planetas aos quais estatildeo relacionadas essas espeacutecies tambeacutem transitam ao longo do zodiacuteaco 269 No capiacutetulo anterior cada uma das quatro notas do tetracorde conjunto foi associada a uma regiatildeo da circunferecircncia zodiacal com cada divisatildeo abrangendo trecircs signos A relaccedilatildeo entre a seccedilatildeo do zodiacuteaco e os planetas que ocupam a oitava grave descrita anteriormente eacute aqui definida em funccedilatildeo das relaccedilotildees de consonacircncia (oitava quarta e quinta) existente entre cada nota do tetracorde conjuntivo e as notas dos tetracordes anteriores 270 Os tetracorde disjuntivo e hiperboacutelico 271 Do uacuteltimo do hiperboacutelico ateacute a nota supermeacutedia tal como tinham sugerido Colomer e Gil (v comentaacuterio ao capiacutetulo anterior) no tocante agrave disposiccedilatildeo dos planetas 272 Refere-se ao ethos masculino feminino ou misto (nas suas diversas combinaccedilotildees) A observaccedilatildeo que encerra o capiacutetulo retoma as discussotildees pedagoacutegicas abordadas nos capiacutetulos 12-19 do livro II

CXII

XXII

Ν ὴ Ν υ ῖ Ν υ α ὸ Ν Ν αὶ υ α αΝ αὶ π υ Ν Ν

Ν αὶ ῖ Ν Ν Ν π Ν ῖ Ν Νφ Ν α αΝ ῃ

ὲ Ν αὶ αῖ Ν α Ν υ Ν ὴ Ν πὸ π α α υΝ Ν α Ν

ὲ αὶ ῖ Ν Ν ὸ Ν αΝ Ν ὲ αὶ ῖ Ν πα απ Ν

α Ν αὶ ῖ Ν φ Ν αὶ πὶ Ν Ν έΝ ὲ α π Ν5

ὲ Ν Ν π Ν πα Ν ῖ Ν ὲ πα ὰ Ν α Ν ὰ ῖ Ν φ Ν

α αΝ πὶ ὸ Ν Ν υ φ ᾳέΝπ Ν ὲ πὶ Ν π Νφ Ν

Ν αῖ Ν υ αῖ Ν α Ν φ α Ν ὲ Ν Ν α π Ν Ν αΝ

ὴ Ν ὲ α Ν πὶ ὸ Ν υ αέΝ πὸ Ν ὲ Ν Ν Ν αὶ

υ αὶ Νφ Ν ῖ Ν υ α Νπ π υ α Ν π Ν π υΝ ὲ Νπ Ν10

α Ν αΝ ΥΝ Ν ὴ Ν αΝπ α Ν π υΝ ὲ φ Ν ὰ

Ν Ν Ν Ν ὰ Ν π ὰ Ν α α έ

113

344 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXII

O intervalo de oitava (dia pason) como se sabe era tambeacutem chamado harmoniacutea

e as harmoniacuteai de que fala Quintiliano em I 8 designam precisamente as espeacutecies de oitava

ou seja os tipos de disposiccedilatildeo intervalar (dentro de cada um dos trecircs gecircneros) admitidos

dentro desse intervalo Essas harmoniacuteai satildeo naturalmente sete como satildeo sete planetas a que

se referiu A Q no capiacutetulo anterior As espeacutecies de oitava cada qual com sua respectiva

disposiccedilatildeo intervalar dentro do gecircnero diatocircnico satildeo as seguintes mixoliacutedia (STTSTTT)

liacutedia (TTSTTTS) frigia (TSTTTST) doacuterica (STTTSTT) hipoliacutedia (TTTSTTS) hipofriacutegia

(TTSTTST) e hipodoacuterica (TSTTSTT)

Em I 8 Quintiliano dispotildee essas harmoniacuteai a partir da primeira nota do tetracorde

primeiro (espeacutecie mixoliacutedia) e seguindo conforme a ordem dada acima ateacute a mese (espeacutecie

hipodoacuterica) Aqui a fim de relacionar as sete harmoniai com os sete planetas do capiacutetulo

anterior partindo agora da nota acrescida (associada agrave Lua) e natildeo mais da hypate hypaton

teriacuteamos de deslocar a espeacutecie hipodoacuterica para a nota acrescida que eacute a oitava grave da mese

de que resultaria entatildeo a ordem a seguir

Tabela 9 - Planetas e harmoniacuteai I

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Acrescida Primeira Superprimeira Indicativa Primeira Superprimeira Indicativa

Oitavas Hipodoacuterica Mixoliacutedia Liacutedia Friacutegia Doacuterica Hipoliacutedia Hipofriacutegia

Tetracorde Primeiro Meacutedio

O quadro subentende que A Q ao falar neste capiacutetulo em proslambanomenos

(nota acrescida) refere-se realmente agrave nota mais grave do SPI e natildeo agrave nota mais grave de

qual seja a escala (modal ou de transposiccedilatildeo) Natildeo sendo esse o caso teriacuteamos de assinalar a

espeacutecie mixoliacutedia agrave Lua e assim sucessivamente abstraindo a relaccedilatildeo entre os planetas e os

graus do SPI

O tetracorde conjuntivo corresponde ao zodiacuteaco no qual estatildeo inseridas todas as

espeacutecies anteriores distribuiacutedas poreacutem nas quatro seccedilotildees (ou quadrantes) mencionadas no

capiacutetulo anterior Sendo a questatildeo mesma dos quadrantes do zodiacuteaco um toacutepico de difiacutecil

interpretaccedilatildeo natildeo temos como deduzir quais seriam exatamente as correspondecircncias

Assinalamos apenas que estabelecendo correlaccedilotildees a partir das consonacircncias entre as notas

114

do conjuntivo e as demais da oitava grave a espeacutecie mixoliacutedia ficaria sem correspondente no

zodiacuteaco

Quanto agraves potecircncias noturnas dos planetas que compreendem a oitava aguda do

SPI teriacuteamos de comeccedilar por definir qual seria de fato a ordem os planetas na oitava aguda

se a ordem sugerida por Colomer e Gil ou a empregada por Mathiesen e Barker Se

utilizarmos a primeira dessas diposiccedilotildees e invertermos igualmente a ordem das espeacutecies de

oitava teremos que a segunda oitava ficaraacute idecircntica agrave primeira o que natildeo parece ser o caso

Partindo poreacutem da disposiccedilatildeo planetaacuteria de Mathiesen e Barker e invertendo entatildeo a ordem

das harmoniacuteai teremos a Lua associada agrave espeacutecie hipofriacutegia Mercuacuterio agrave hipoliacutedia Vecircnus agrave

doacuterica e assim sucessivamente Ou ainda se fizermos abstraccedilatildeo da correspondecircncia com as

notas do SPI como alertamos acima teremos que na oitava aguda a Lua estaria associada agrave

espeacutecie hipodoacuterica Mercuacuterio agrave hipofriacutegia Vecircnus agrave hipoliacutedia etc Eacute claro que na escala

ascendente as espeacutecie de harmoniacuteai da oitava aguda (partindo da mese) seguem a mesma

ordem da oitava grave hipodoacuterica mixoliacutedia liacutedia etc retornando mais uma vez agrave espeacutecie

hipodoacuterica na uacuteltima nota do tetracorde disjuntivo No entanto se como sugere Quintiliano

tivermos de retroceder as harmoniacuteai no sentido das graves obteremos escalas invertidas com

a mixoliacutedia (STTSTTT) convertendo-se em hipoliacutedia (TTTSTTS) por exemplo e assim por

diante As associaccedilotildees para a oitava aguda seriam entatildeo as seguintes

Tabela 10 - Planetas e harmoniacuteai II

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno

Notas Supermeacutedia Terceira Penuacuteltima Uacuteltima Terceira Penuacuteltima Uacuteltima

Oitavas Hipoliacutedia Doacuterica Friacutegia Liacutedia Mixoliacutedia Hipodoacuterica Hipofriacutegia

Tetracorde Disjuntivo Hiperboacutelico

Observe-se que a hamonia frigia eacute a uacutenica que natildeo tem par inverso que lhe que

corresponda jaacute que perfeitamente simeacutetrica (TSTTTST) ela de fato corresponde a si mesma

Por fim haacute que atentar ainda para a possiacutevel inversatildeo na ordem dos planetas proposta por

Colomer e Gil no capiacutetulo anterior

Mathiesen entende que as escalas abordadas neste capiacutetulo correspondem aos

quinze toacutenoi de que falava Quintiliano em I 10 Sendo esse o caso as correspondecircncias

relativamente mais simples resultam como a seguir Note-se como tambeacutem aqui a sequecircncia

dos toacutenoi se inverte na oitava aguda

115

Tabela 11 - Planetas e harmoniacuteai III

Planetas Lua Mercuacuterio Vecircnus Sol Marte Juacutepiter Saturno Zodiacuteaco

Oitava diurna Hipodoacuterico Hipojocircnico Hipofriacutegio Hipoeoacutelico Hipoliacutedio Doacuterico Jocircnico Friacutegio

Oitava noturna Hiperliacutedio Hipereoacutelico Hiperfriacutegio Hiperjocircnico Hiperdoacuterico Liacutedio Eoacutelico

116

345 Capiacutetulo XXIII

E haacute tambeacutem proporccedilotildees muacutetuas entre esses sons eteacutereos O zodiacuteaco assim

divide-se em doze partes273 nuacutemero idecircntico ao de notas musicais274 e ao periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo275 pois este eacute o primeiro triacircngulo formado todo ele de nuacutemeros racionais

jaacute que os triacircngulos retacircngulos de lados menores que esse teratildeo um lado totalmente irracional

caso a hipotenusa possa exibir a proporccedilatildeo correta com relaccedilatildeo aos lados adjacentes ao acircngulo 5

reto Daiacute tambeacutem dizer-se que o cinco eacute o primeiro nuacutemero a mostrar um diacircmetro racional

denominando-se diacircmetro racional a diagonal de um retacircngulo cujos acircngulos retos estatildeo

situados entre lados que mantecircm entre si proporccedilatildeo sesquiteacutercia276 E como dizia sendo esse

triacircngulo formado pelo 3 pelo 4 e pelo 5 se somarmos esses lados aritmeticamente a

quantidade resultante seraacute 12 Jaacute somando ao quatro cada um dos demais277 mostramos num 10

caso o nuacutemero dos bebecircs setemesinhos e noutro o dos nonomesinhos em cada um dos quais

desenvolve plenamente o que eacute humano278 constituiacutedo que eacute do masculino e do feminino

como aliaacutes deixa claro a natureza dos nuacutemeros somados E se somaacutessemos o trecircs ao cinco

sendo ambos masculinos mostrariacuteamos a gestaccedilatildeo inviaacutevel e sem vida dos octomesinhos279

Mas se aumentarmos cada um dos lados em conformidade com a profundidade280 (pois a 15

natureza do corpo eacute a profundidade) obteriacuteamos 216281 nuacutemero proacuteximo ao dos

setemesinhos282 E tomando mais uma vez segundo a profundidade desta feita os trecircs lados

entre si e somando o produto ao resultado anterior completariacuteamos duzentos e setenta e seis

o nuacutemero de dias dos nonomesinhos283 Em ambos haacute um excedente de seis dias nuacutemero

nupcial por conta da razatildeo jaacute mencionada Mas as quatro razotildees riacutetmicas se podem 20

igualmente apontar na figura A reta formada por trecircs unidades se pode dividir segundo a

razatildeo dupla a reta formada por quatro segundo a razatildeo igual e a formada por cinco segundo

a razatildeo sesquiaacuteltera284 Os lados adjacentes ao acircngulo reto mostram a razatildeo sesquiteacutercia285

273 Cada quadrante divide-se em trecircs partes com cada parte assinalada a um signo Cf Ptolomeu Harm III 9 274 As duas oitavas do Sistema Perfeito Maior perfazem 12 tons 275 O triacircngulo retacircngulo de hipotenusa 5 e catetos 4 e 3 276 Um retacircngulo de lados igualmente 3 e 4 277 Ao 3 e ao 5 278 Ou seja a racionalidade V comentaacuterio ao capiacutetulo XVIII 279 Nuacutemeros pares satildeo femininos e nuacutemeros iacutempares masculinos Toda realidade corpoacuterea estaacute submetida agrave dualidade (Cf II 8) daiacute a inviabilidade dos bebecircs octomesinhos (3+5 = 8) E ainda 6+2 7+1 4+4 No caso dos nonomesinhos (9 = 5 + 4) e setemesinhos (7 = 4 + 3) o requisito eacute atendido Cf III 18 280 Elevando ao cubo 281 33 + 43 + 53 = 216 282 216 = 210 (nuacutemeros de dias dos bebecircs setemesinhos) + 6 (siacutembolo da geraccedilatildeo) Cf III 18 283 (3 x 4 x 5) + 210 + 6 = 270 284 Aritmeticamente ou seja observando a relaccedilatildeo entre as partes As relaccedilotildees para cada uma das retas satildeo 21 22 e 32

CXVI

XXIII

Ν ὰ Ν ὴ Ν α Ν Ν αὶ π ὸ Ν υ Ν α Ν έΝ ὸ Ν

ὰ Ν ὴ α ὸ Ν α Ν ὲ Ν υ Ν Ν Ν αΝ α Ν ῖ Ν Ν Ν

υ Ν αὶ π υΝ υ ndash Ν ὰ Ν Ν πα Ν

Ν υ α Ν π Ν ( ὰ ὰ Ν Ν α Ν α π υ Ν αΝ αΝ

α Νπ Ν Ν Ν Ν Ν ὴ Ν π υ α Ν ὸ Ν υ α Ν ῖ α Ν αῖ Ν5

ὴ Ν ὴ Νπ α Ν ὸ αὶ ὸ Νπ Νπ Νφα Ν ὴ Ν π ῖ α Ν Ν ὴ Ν[124]

πα α υΝ α Νξ ρΝ ὰ Ν ὰ Ν α Ν π π Ν

ὴ Ν Ν π π )Ν ὴ υΝ υΝ υ Ν Ν φ Ν Ν

Ν αὶ Ν αὶ π Ν ὰ Νπ υ ὰ Ν Ν υ Ν Ν αΝ

π α Ν π έΝ Ν Ν ὴ Ν ὸ Ν ὲ Ν α αΝ π ὸ Ν Ν Ν π Ν10

Ν υ Ν ὲ ὲ Ν ὸ Ν Ν π α Ν ὲ ὲ ὸ Ν Ν α Ν

ὸ Ν Ν Ν α υ ῖ α Ν ὸ π Ν Ν Ν αὶ Ν

ὴ Ν α Ν Ν Ν Ν υ Ν Ν υ Νφ Ν ὲ ὸ Ν αΝ

π Ν υ Ν φ Ν υ Ν Ν φ Ν ὴ Ν αὶ Ν ὴ Ν Ν

α Ν έΝ ΥΝ αὶ Νπ υ Ν Ν α ὰ Να α Ν( Ν15

ὰ Ν α Νφ )Νπ α Ν Ν ὸ Ν α αΝ αὲ Ν Ν αΝ υ Ν

Ν π α έΝ π Ν ὲ ὰ Ν ῖ Ν πΥΝ α Ν α ὰ Ν π α Ν αὶ

π π Ν ὸ Ν Ν α Ν υ Ν α αΝ α έΝ Ν

φ Ν ὲ Νπ Ν α ὸ Ν υ Ν ξὰ ὴ Νπ ρΝα α έΝ ὰ

αὶ Ν Ν υ Ν Ν ὶ ὸ αΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν Ν ῖαΝ20

α ῖ ΥΝ Ν Ν ὸ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὸ Ν Ν ὲ Νπ Ν Ν ὸ Ν

Να ὲ ὴ Ν ὴ Νπ υ α Ν Ν ὸ Ν π έΝ

117

Daiacute que Platatildeo mencione uma base sesquiteacutercia ligada agrave pentada286

Por isso eacute que tendo

dividido o universo em doze partes e multiplicando o doze pelo primeiro nuacutemero perfeito (o 25

trecircs) obtivemos os assim chamados trinta e seis ldquoregentes da horardquo287 E como cada um deles

domina ao longo de dez dias288

ao novamente multiplicaacute-los por dez que eacute outro nuacutemero

perfeito obtemos trezentos e sessenta termo equivalente ao nuacutemero de graus da

circunferecircncia completa Em torno do centro haacute somente quatro acircngulos retos289

Cada um

deles divide-se (por diacircmetros que partem de pontos situados na circunferecircncia) em trecircs 30

acircngulos agudos formando doze segmentos290

Dois desses segmentos formam o lado de um

hexaacutegono exibindo entre si a razatildeo igual291

Trecircs deles formam o lado de um quadrado e

estabelecem com os lados do hexaacutegono a razatildeo sesquiaacuteltera292

Quatro formam o lado de um

triacircngulo que manteraacute com os jaacute citados a razatildeo sesquiteacutercia num caso e a razatildeo dupla em

outro293

Jaacute o agrupamento de cinco desses segmentos294

natildeo estabelecendo nenhuma 35

proporccedilatildeo harmocircnica com os segmentos anteriores compotildee uma linha desarmocircnica e sem

relaccedilatildeo com o ciacuterculo O grupo de seis segmentos que se harmoniza com todas as quantidades

anteriores forma o diacircmetro295

Denomino harmocircnica a razatildeo que atraveacutes de um nuacutemero

maior expressa em potecircncia e sem divisatildeo um nuacutemero menor que lhe seja consonante (pois

o mais grave reside em potecircncia no mais agudo) e denomino razatildeo riacutetmica sempre que um 40

nuacutemero se organiza distinta e separadamente em theacutesis e aacutersis296

285

43 como os catetos 4 e 3 do triacircngulo retacircngulo acima 286

Rep VIII 546c 287

Ou ascendente o signo que desponta no horizonte leste no momento do nascimento Essa ascendecircncia do

signo sobre o indiviacuteduo coisa ou evento sofre qualificaccedilotildees conforme o grau interceptado pela linha do

horizonte Para esse efeito os 30ordm que cada signo ocupa satildeo dividos em trecircs regiotildees iguais de 10ordm O zodiacuteaco

completo eacute formado por 36 regiotildees de 10ordm cada totalizando 360ordm 288

Essa observaccedilatildeo sugere que Quintiliano esteja se referindo natildeo ao signo ascendente mas ao signo solar O

tracircnsito do ascendente dura duas horas natildeo 30 dias Jaacute o tracircnsito do Sol dentro de cada signo dura trinta dias

dividos em trecircs grupos de 10 chamados decanatos (dekamoiriai) 289

360ordm 90ordm = 4 290

90ordm 3 = 30ordm E 30ordm x 12 = 360ordm 291

Isto eacute formam um poliacutegono de 6 lados com 6 acircngulos de 60ordm cada A razatildeo igual designa a proporccedilatildeo de um

segmento em relaccedilatildeo ao outro 292

Os seis lados do hexaacutegono e os quatro lados do quadrado 64 = 32 293

Um triacircngulo com trecircs acircngulos de 120ordm que estaacute em razatildeo dupla relativamente ao hexaacutegono (63 = 21) e em

razatildeo sesquiteacutercia relativamente ao quadrado (43) 294

Cinco agrupamentos de 30ordm ou 150ordm 295

180ordm O diacircmetro estaacute em razatildeo sesquiaacuteltera com o triacircngulo em razatildeo dupla com o quadrado e em razatildeo de

oitava e quinta com o hexaacutegono 296

Enquanto a razatildeo harmocircnica relaciona unidades (todos) de magnitudes proporcionais a razatildeo riacutetmica

relaciona partes proporcionais de um mesmo todo distinccedilatildeo aparentemente idecircntica a que foi estabelecida entre

razatildeo aritmeacutetica e razatildeo geomeacutetrica Cf III 5 Sobre razatildeo riacutetmica cf I 14 e 18

CXVII

υΝ ὴ αὶ Ν φ ὶ Ν [ἤἷὅὂέΝ ἨἙἙἙΝ ἃἂἄΝ ἵ]Ν π Ν πυ αΝ π Ν

υ υ αέ ndash ὰ α αΝ ὴ ὴ Ν Ν αΝ πα ὸ Ν α Ν π π Ν π

ὲ Ν π υπ α α Ν ὸ Ν αΝ αΝ ὸ Ν Ν α α Ν Ν αὶ 25

υ Ν π υ Ν ὸ Ν π π α Ν Ν ὲ α ὰ Ν α Ν

Ν π Ν αΝ [125] π υπ α α Ν α ὺ Ν ὸ Ν Ν

α Ν αΝ π Ν Ν Ν αΝ αῖ Ν υΝ πα Ν

α έΝ α Ν ὲ Ν Ν αὶ π ὶ ὸ Ν α Ν α Ν α Ν Ν ὲ

Ν πὸ Ν Ν α Ν Ν Ν πὶ Ν π φ α Ν Ν Ν ὴ Ν30

αΝ α Ν Ν ῖ Ν α Ν α Ν υ α έΝ Ν α ὲ Ν Ν ὴ Ν

Ν υ α Νφ Ν ὸ Ν Ν Ν Να ὲ ῖ Ν α υΝπ ὸ Ν ὰ Ν

α υΝ ὸ Ν Να ὲ α Ν υΝπ ὸ Ν φ Ν ὰ Νπ α Ν

π ὲ Ν ὸ Ν π Νπ ὲ ὸ Ν π α Να ὲ π Ν αΝ Ν Νπ ὸ Ν ὰ Ν

π α Ν υ α Ν Ν φ Ν αὶ Ν υΝπ Ν ῖα Να ὲ 35

Ν π ὸ Ν ὰ Ν π α Ν π α Ν υ φ α Ν π α Ν Ν ὴ Ν έΝ

Ν ὲ ὸ Ν ὲ Ν Ν ὸ Ν αὶ Υ ὸ Ν Ν ὸ Ν Ν υ Ν αὶ

α Ν αΝ α ὰ υ φ α Ν( αὶ ὰ Ν Ν υ ᾳ φ υ Νπ α Ν

υ Ν ὴ Ν α α)Ν υ ὸ Ν Ν αΝ Ν Ν ὸ Ν

πα α α α Ν ὸ ὲ Ν Ν Ν ὸ ὲ Ν Ν έ 40

118

346 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIII

Segundo a divisatildeo proposta por Mathiesen (p 195 n 375) encerra-se aqui a

segunda seccedilatildeo da segunda parte do livro III que vinha tratando desde o capiacutetulo XVIII do

tema relativo ao corpo do universo Neste capiacutetulo Quintiliano aborda mais detidamente o

zodiacuteaco associando as doze divisotildees da circunferecircncia aos doze tons que integram a dupla

oitava do Sistema Perfeito Maior As associaccedilotildees construiacutedas a partir do 12 periacutemetro do

triacircngulo retacircngulo de lados 3 4 e 5 permitem a Quintiliano reforccedilar o viacutenculo entre o

zodiacuteaco e geraccedilatildeo humana Desse modo Quintiliano retoma e aprofunda o tema com que no

cap XVIII havia dado iniacutecio agrave exposiccedilatildeo sobre o corpo do universo a geraccedilatildeo da alma

racional Se jaacute no cap XVIII estava presente o diaacutelogo com as reflexotildees subjacentes ao

nuacutemero platocircnico aqui a menccedilatildeo eacute direta e expliacutecita de modo a que com base na pecircntada de

base sesquiteacutercia de que fala Platatildeo Quintiliano possa novamente demonstrar as proporccedilotildees

que presidem a geraccedilatildeo corpoacuterea humana

Quintiliano natildeo menciona o fato (embora faccedila alusatildeo no iniacutecio do proacuteximo

capiacutetulo) de que as figuras geomeacutetricas por ele traccediladas no interior da circunferecircncia

correspondem aos diversos aspectos formados pelos planetas em seu tracircnsito pelo zodiacuteaco

que satildeo a oposiccedilatildeo (180ordm) o triacutegono (120ordm) a quadratura (90ordm) e o sextil (60ordm) Ptolomeu

(Harm III 9) aborda esses mesmos aspectos (aleacutem de outros) de forma mais completa Ele

estabelece natildeo apenas as consonacircncias reciacuteprocas entre as figuras mas tambeacutem as

consonacircncias entre cada aspecto e o todo da circunferecircncia Quintiliano aqui como ele

mesmo explica cinge-se exclusivamente ao procedimento harmocircnico

119

347 Capiacutetulo XXIV

Se partindo das mencionadas consonacircncias e das potecircncias que lhe foram

atribuiacutedas conforme as notas musicais desejares traccedilar os prognoacutesticos das geraccedilotildees natildeo

estaraacutes longe de alcanccedilaacute-lo Pelo exame do caraacuteter masculino feminino ou misto dos sons

musicais bem como da consonacircncia ou dissonacircncia das figuras297

(seja na mescla corpoacuterea

na alma no caraacuteter na accedilatildeo no estilo de vida ou na vida mesma) chegaraacutes a uma 5

compreensatildeo que natildeo seraacute nem desarmocircnica nem distante da verdade

De fato natildeo somente o corpo do universo mas igualmente a alma afirmaram os

saacutebios do passado constitui-se de nuacutemeros consonantes e desse modo deve ser compreendida

Assim o afirma [126]

igualmente no Timeu298

o divino Platatildeo que o demiurgo299

da alma

tomou uma essecircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e o divisiacutevel E que relativamente agrave 10

natureza indivisiacutevel e divisiacutevel do Mesmo e do Outro formou intermediaacuterios com o

intermediaacuterio dessas essecircncias e que compondo uma mescla dessas trecircs essecircncias300

novamente dividiu a mescla inteira em pares e iacutempares aumentando os pares segundo a razatildeo

dupla ateacute o oito301

e os iacutempares ateacute o vinte e sete segundo a razatildeo tripla302

Platatildeo ter-se-ia

expressado assim dizem alguns pelo fato de a alma operar por meio de nuacutemeros tanto a alma 15

individual no acircmbito nas artes303

quanto a alma do universo no acircmbito da natureza Jaacute

outros mais exatos dizem tratar-se aiacute da potecircncia e da essecircncia especiacuteficas da alma De um

lado a explicaccedilatildeo baseada em nuacutemeros cuja natureza eacute exterior aos corpos mostra o

princiacutepio incorpoacutereo da alma ao passo que as progressotildees mediante razotildees e proporccedilotildees

mostram a tendecircncia para a profundidade a progressatildeo diaacutedica (pois 2 elevado ao cubo eacute 20

igual a 8) mostra a profundidade corpoacuterea que denominamos fiacutesica (pois eacute pereciacutevel e passiacutevel

de divisatildeo) e a progressatildeo triaacutedica (pois 3 elevado ao cubo eacute igual a 27) mostra a

profundidade incorpoacuterea indivisiacutevel e ativa relativamente ao princiacutepio De fato a alma se

vale da profundidade corpoacuterea e com ela se enfronha adquirindo frequentemente

propriedades contraacuterias ao psiacutequico (pois o corpoacutereo eacute mais forte) de modo que agraves vezes 25

297

Ou seja dos aspectos astroloacutegicos estruturados segundo as figuras mencionadas no capiacutetulo anterior 298

35a-c Essa passagem do Timeu eacute tambeacutem citada em Plutarco De musica 1138c-1139b (Rocha 2010 parag

22 p185) Nicocircmaco Ench cap 8 e outros Cf Barker p 526 n198 299

Para outras ocorrecircncias do demiurgo platocircnico ver III 10 (1102) I 3 (45) II 17 (8811) 300

As trecircs essecircncias satildeo a) a substacircncia intermediaacuteria entre o indivisiacutevel e divisiacutevel b) a substacircncia

intermediaacuteria entre o mesmo indivisiacutevel e o mesmo divisiacutevel c) a substacircncia intermediaacuteria entre o outro

indivisiacutevel e o outro divisiacutevel Cf Timeu Trad de Maria Joseacute Figueiredo 2003 p 73 n 49 Para uma anaacutelise

completa da estrutura musical da Alma do εundo cfέ ldquoχnnexe β1rdquoέ Inμ ἐrisson βίίκ pέ βίλθέ 301

A seacuterie geomeacutetrica 1 2 4 8 Cf III 5 302

A seacuterie geomeacutetrica 1 3 9 27 Cf III 5 303

A possibilidade que tem a alma de ser afetada moldada e educada pelas artes (particularmente pela muacutesica)

deriva dessa reciprocidade numeacuterica Esse aspecto da teoria do ethos foi abordado ao longo do livro II

CXIX

XXIV

Ν ὴ Ν π Ν υ φ Ν αὶ Ν πα Ν α ὰ ὺ Ν

φ υ Ν υ Ν Ν Ν αὶ Ν Ν π Ν Ν πὸ

π α ῖ Ν ὰ Ν α Ν Ν αὶ υ αὶ Ν π Ν Ν αὶ αὶ

Ν Ν υΝ αὶ Ν αὶ ὸ Ν π π Ν Νφ αὶ ὸ Ν Ν

φ Ν φ Ν Ν υ Ν Ν α Νπ Νπ ῃ ὴ Ν α έ 5

αὶ ὴ Ν ὸ αΝ πα ὸ Ν Ν ὰ αὶ ὴ Ν υ ὴ Ν ΥΝ Ν

υ φ Ν υ α Ν αὶ ῖ α Ν πα α Ν Ν Ν αὶ φ ὶ υ α έΝ

Ν Νπ [126]

αὶ ῖ Ν Ν Ν α [ἵἸέΝἁἃΝἳ]Ν Ν Ν Ν υΝ αὶ

Ν α Ν Ν α Ν α ὼ Ν αὶ πὶ Ν α αὶ α υΝ Ν Ν αὶ

υΝ φ Ν ὰ Ν α Ν Ν Ν Ν υ ὶ Ν αὶ Ν Ν10

Ν Νπ υ Ν υ ὸ Νπ Ν α ΥΝ ὺ Ν Ν ὸ πα Ν

αΝ ῖ Ν υ Ν Ν αὶ π Ν αὶ αΝ ὺ Ν ὲ Ν υ Ν Ν Να Ν

α ὰ ὸ Ν π α Ν Ν ὺ Ν ὲ π ὺ Ν Ν Ν αὶ π Ν α ὰ ὸ Ν

π α έΝ α αΝ ὲ ὲ Ν ὰ ὸ ὴ Ν υ ὴ Ν ῖ Ν ῖ Ν ὴ Ν ὲ Ν α ΥΝ α Ν ὰ

α ὰ ὰ Ν α Ν ὴ Ν ὲ πα ὸ Ν ὰ α ὰ φ Ν Ν α Ν φα Ν ὲ 15

Ν Ν Ν υ Ν αὶ α Να Νπα α Νφα ὶ ὴ Ν αέΝα ὲ Ν

ὰ Ν πΥΝ Ν Ν Ν φ Ν Ν Ν ὴ Ν α Ν α Ν ὴ Ν

Ν α ὲ ὰ Ν Ν αὶ α Να Ν ὴ Ν πὶ Ν φ Ν ὲ Ν

α ὰ υ αΝ ( Ν ὰ Ν πὸ υ Ν )Ν ὸ α ὸ Ν Ν α Νφυ Ν

(φ α ὸ Ν ὰ Ν Ν αὶ α )Ν ὲ α ὰ αΝ ὸ daggerΝ α ὰ ὴ Νdagger α Ν αὶ ὸ 20

α Ν αὶ ὸ Ν ( Ν ὰ Ν πὸ Ν π ὰ αὶ )Ν α Ν ὰ Ν

α ὴ Ν αὶ α Ν υ α υ Να αὶ α -πα ῖ Νπ Ν

υ ( Ν ὰ Ν υ )Ν αὶ ὲ ὲ Ν Ν ὰ Ν π α Ν

120

ocorre de a alma tender para o melhor304

ndash o qual em razatildeo do caraacuteter indivisiacutevel calhou estar

relacionado ao iacutempar ndash e outras vezes ao oposto cuja natureza eacute par e tal como os corpos

divisiacutevel

Mas igualmente os maiores bens da alma305

disseram (os saacutebios) satildeo semelhantes

agraves mencionadas medidas de forma que as quatro virtudes natildeo vecircm a ser senatildeo semelhanccedilas 30

com nuacutemeros A sabedoria por exemplo eacute anaacuteloga agrave unidade306

(pois cada apreensatildeo

intelectual eacute uma e simples) ao passo que a coragem eacute anaacuteloga ao 2 e comparaacutevel agrave segunda

posiccedilatildeo pois mostra a mudanccedila e o impulso de uma coisa em relaccedilatildeo a outra A temperanccedila eacute

anaacuteloga ao 3 por ser ela uma harmonia compoacutesita situada no ponto meacutedio entre a falta e o

excesso E a justiccedila eacute anaacuteloga ao 4 pois o quatro (primeiro nuacutemero formado por nuacutemeros 35

iguais que se repetem um nuacutemero igual de vezes) eacute por isso o primeiro nuacutemero a mostrar a

igualdade Jaacute no acircmbito do bem-estar corporal a forccedila eacute anaacuteloga agrave coragem (e portanto

tambeacutem ao 2) a beleza agrave temperanccedila e logo tambeacutem ao 3 em razatildeo das proporccedilotildees das

partes e das cores e a sauacutede eacute anaacuteloga agrave justiccedila por conta da muacutetua concoacuterdia que existe entre

as coisas Poreacutem natildeo observando no corpo nada semelhante agrave sabedoria de modo razoaacutevel 40

por meio da heacuteptada ()307

vemos o saacutebio308

dispor o discurso acerca da alma de modo duplo

a seacuterie dos nuacutemeros pares que se sucedem em razatildeo dupla ligada agraves profundezas sensiacuteveis e

a seacuterie dos iacutempares em razatildeo tripla ligada ao racional e ao incorpoacutereo ambas pendendo da

mesma mocircnada como de uma soacute causa e princiacutepio309

Isso se haacute de tornar claro no diagrama310

da dupla tetraktys que mostra todas as proporccedilotildees tanto geomeacutetricas quanto musicais e que 45

dispotildee os nuacutemeros iacutempares sobre uma reta e os pares de modo curvo No corpo com efeito a

forma circular eacute mais valorizada por ser mais leve e mais pura ao passo que a forma mais

retiliacutenea eacute mais pesada e material na alma a forma retiliacutenea e sem inclinaccedilatildeo eacute que eacute nobre

superior que eacute em igualdade e identidade enquanto a outra lhe eacute inferior com a curvatura do

304

Sobre os dois caminhos assinalados para a alma humana Cf III 17 305

As virtudes Cf III 16 306

Compare-se com o simbolismo aritmoloacutegico em III 6 307

Lacuna assinalada por Meibomius (Antiquae musicae auctores septem vol 2 p 155) que verte a passagem

como ldquoat Prudentiae nihil in corporibus adsimil cernentes merito per septenarium eam denonaruntέ ἑaeterum videmus sapientem bifariam de χnima instituere sermonemrdquo ou sejaμ ldquomas como nada semelhante agrave sabedoria enxergassem nos corpos com razatildeo a designaram por meio do septenaacuterio No mais vemos que o saacutebio

estabelece um duplo discurso acerca da almardquoέ ἑom a emenda sugerida por Winnington-Ingram (p 127 ou ainda

εathiesen pέ 1λι nέ ζίι) o texto ficaria ldquoe como nada semelhante agrave sabedoria enxergamos nos corpos vemos

que o saacutebio agiu com razatildeo ao estabelecer atraveacutes do septenaacuterio um duplo discurso acerca da almardquoέ εathiesen rejeita a emenda por desnecessaacuteria (ἑfέ 1βιέ1β em ldquotabela de variantesrdquo εathiesen pέ θη) enquanto Barker (p

527 n 203) a critica por inconsistente Seguimos aqui a soluccedilatildeo do Winnington-Ingram embora conservando na

traduccedilatildeo a ordem original dos termos 308

Platatildeo Timeu 35b-36a 309

As seacuteries satildeo 1 2 4 8 e 1 3 9 27 310

O diagrama natildeo foi conservado V comentaacuterio infra

CXX

Ν α Νπ ὸ Νπ ὰ ὸ Νᾧ π Ν ὰ α αΝ ὲ ὲ π ὸ Ν

α αΝ Ν Ν φ Ν αὶ Ν Ν α έΝ 25

Ἀ ὰ αὶ ὰ αΝ Ν α Ν α Ν ῖ Ν Ν Ν πα αΝ

π α Ν ὰ Ν ὰ Ν α α Ν ὰ Ν Ν Ν υ Ν π ὸ Ν ὺ Ν

α [127] ὴ Ν Ν Νφ Ν Ν Ν ( α ὴ ὰ Ν υΝ αὶ

π )Ν υ Ν ὲ α Ν αὶ υ ᾳ ᾳ πα απ Ν ὴ Ν π Ν Ν φΥΝ

Ν αὶ α Ν φα υ α Ν Ν ὲ φ Ν α Ν Ν αὶ 30

π Ν υ α Ν α α Ν Ν ὲ α Ν (π Ν ὰ Ν αΝ

υ Ν Ν Ν Ν π Ν υ α)Ν Ν ὲ α Ν π α Ν ὺ Ν ὲ Ν

α ῖ Ν ᾳ ( ὸ αὶ υ )Ν Ν ὲ φ ῃ ὰ ὰ Ν Ν Ν αὶ

Ν υ α ( ὸ αὶ )Ν α Ν ὲ α ῃ ὰ ὴ Ν π ὸ Ν αΝ

α Ν Νφ Ν ὲ α Ν Ν Ν α Ν αΝ Ν ὰ 35

Ν π ΝΝΝΝ Ν ὸ Ν φὸ Ν Ν ὸ Νπ ὶ υ Ν υ αΝ Ν ὸ ὲ Ν

ὰ Ν α ὰ ὰ Ν π α υ Ν αὶ υ α Ν πα π Ν Ν ὸ ὲ α ὰ

ὸ π Ν αὶ π ὸ Ν αὶ φ Ν ὲ Ν Ν Να Ν Ν

Ν Ν αὶ α α Ν αέΝ αφ Ν ὲ αὶ Ν ὸ α αΝ α ὰ ὴ Ν

π Ν α ὺ Ν π α Ν α α Ν ὰ Ν αὶ υ ὰ Ν π Ν αὶ ὺ Ν40

ὲ Νπ ὺ Ν Ν Ν πΥΝ α Ν Ν ὺ Ν ὲ υ Ν α ὰ π φ α έΝ Ν ὲ Ν

ὰ Ν α Ν ὸ υ ὸ Ν Ν Ν ὰ Ν υφ Ν Ν αὶ α α Ν ὸ ΥΝ

Ν α Ν αὶ Ν Ν ὲ υ ὸ ὲ Ν ὺ αὶ ὲ Ν α Ν

υ ὶ ὰ Ν Ν αὶ α Νπ Ν Ν ὲ π Ν ὸ π π Ν

πα ὰ Ν α Να Νᾗ Ν α ὰ α ὸ 45

121

seu traccedilado a exibir simultaneamente o cocircncavo e o [128] convexo numa alusatildeo agrave mutabilidade 50

do sensiacutevel Por isso eacute que os narradores gregos natildeo sem razatildeo atribuem a Patilde o cajado311

pois natildeo eacute desarrazoado que aquele ao qual se deu o nome do princiacutepio vital do universo312

adorne-se e faccedila uso de um instrumento que indica esse mesmo princiacutepio

Quanto agraves proporccedilotildees do mencionado diagrama as proporccedilotildees aritmeacuteticas que se

percebem por meio da igualdade dos excessos mostram a simetria entre as partes da alma313 55

Jaacute as proporccedilotildees geomeacutetricas314 que se destacam pela magnitude mostram o caraacuteter extenso

do corpo As proporccedilotildees harmocircnicas satildeo uma combinaccedilatildeo de ambas as anteriores e datildeo

expressatildeo ao fato de que o ser vivo constitui-se de corpo e alma315 A teoria relativa a isso jaacute

foi tratada quando falamos do 256 e do 243316 [Platatildeo] estabelece a consonacircncia entre as

partes da alma atraveacutes da primeira consonacircncia a sesquiteacutercia317 O discurso a esse respeito 60

aponta que o processo de animaccedilatildeo se daacute segundo a altura e a largura processo que na sua

emanaccedilatildeo universal finda por preencher a profundidade318 Quanto aos dois ciacuterculos ndash que

analogamente agrave subida e agrave descida da voz mostram o retorno das realidades fenomecircnicas ao

senhor do universo319 ndash um deles o da tetraktys par revela a porccedilatildeo praacutetica da alma do

universo que estaacute unida ao corpo jaacute o ciacuterculo dos nuacutemeros iacutempares revela a porccedilatildeo teoreacutetica 65

que livre e mais proacutexima do divino eacute amiga do melhor Assim ao ciacuterculo que apresenta a

imutabilidade do ser segundo a sabedoria chama-o (Ciacuterculo) do Mesmo e ao que define a

instabilidade da natureza irracional e sensiacutevel chama-o (Ciacuterculo do Outro) Eacute isso enfim

311 Κα α πα ou talvez α πα Cf Winnington-Ingram op cit p 128 E ainda Barker p 529 n 207 O deus Patilde eacute homocircnimo do universo ( ὸ πᾶ ) 312 Platatildeo Craacutetilo 408b-e 313 Os nuacutemeros 1 2 3 e 4 associados aqui agraves quatro virtudes cardeais (e portanto agraves correspondentes partes da alma) formam uma seacuterie aritmeacutetica Para Mathiesen (p 52) as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica a que se refere Quintiliano e que o diagrama perdido deveria ilustrar satildeo jaacute as seacuteries aritmeacutetica e harmocircnica que no Timeu (35c-36a) o demiurgo insere entre os termos das duas seacuteries geomeacutetricas formadas inicialmente Cf n 317 infra 314 As mesmas jaacute mencionadas aqui e em III 5 a) 2 4 8 e b) 3 9 27 315 II 2 8 e 17 316 Abordado em III 1 ao tratar dos valores desiguais do semitom 317 Com a inserccedilatildeo de uma meacutedia harmocircnica e uma meacutedia aritmeacutetica entre cada um dos termos das seacuteries geomeacutetricas tomadas separadamente obtem-se entatildeo as seacuteries 1 43 32 2 83 3 4 163 6 8 (a partir da seacuterie dupla) e 1 32 2 3 92 6 9 272 18 27 (a partir da seacuterie tripla) Entre os termos da primeira dessas seacuteries haacute somente intervalos de quarta (ou sesquiteacutercio de que fala Quintiliano) e de um tom Entre os membros da segunda seacuterie haacute somente intervalos de quinta e quarta Cf Platon Oeuvres Complegravetes (Brisson 2008 pp 2097-98) 318 Mathiesen (p 199 n 427) aponta aqui duas referecircncias possiacuteveis a formaccedilatildeo dos ciacuterculos do Mesmo e do Outro e a posterior divisatildeo deste em sete esferas (as oacuterbitas planetaacuterias) tal como narrado no Timeu 35a-37b em que trecircs dessas esferas giram a uma mesma velocidade enquanto as outras quatro giram em velocidades diferentes Ou ainda a presenccedila de quadrados nas duas seacuteries geomeacutetricas (como entre 2 e 4 e entre 3 e 9) que representariam o plano (daiacute altura e largura) e a presenccedila de cubos (como entre 2 e 8 e entre 3 e 37) que entatildeo representariam a profundidade 319 Como no movimento circular das oacuterbitas planetaacuterias tambeacutem a voz ascende pelos graus (associados aos planetas) da escala e depois retorna ao ponto inicial Cf III 21-23

CXXI

Ν Ν αὶ υ [128] Ν φα έΝ ὸ αὶ ὺ Ν Ν υ Ν Ν

πὸ π υΝ α ὶ π π Ν ὸ Ν α α παΝ ὸ Ν ὰ Ν Ν πα ὸ Ν υ α Ν

π υ Ν Ν π ὸ Ν α Ν α Ν Ν αὶ ῖ α έΝ

Ν ὴ υΝ α α Ν α Ν α ὲ Ν αὶ

α Ν Ν π Ν α Ν ὸ Ν υ Ν ὲ Ν π φα υ Ν α ὲ 50

αὶ Ν αφ υ α Ν ὴ Ν α ὴ Ν π φα υ Ν π αΝ α ΥΝ

αὶ υ α Ν ΥΝ φ ῖ Ν υ υ α Ν ὴ Ν Ν υ Ν αὶ α Ν π υ α Ν

υΝ α έΝ Ν ὴ Ν Ν υΝ αΝ π ὶ Ν α Ν π αὲ Ν

π ὸ Ν α αΝ α α α αΝ π α έΝ ὴ Ν Ν υ φ α Ν Ν Ν Ν

υ Ν ὰ π υΝ υ φ υΝ π υΝ υ Ν ὲ ὴ π ὶ υΝ Ν55

ὴ Ν α ὰ Ν αὶ π Ν Ν α Ν π Ν Ν π ὸ Ν π Ν π Ν

υ Ν α Ν υ π έΝ Ν ὲ Ν Ν ὴ Ν π ὸ Ν ὸ ὸ Ν Ν

φα α Ν Ν α Ν α Ν αῖ Ν Νφ Ν π Ν αὶ Ν

ὲ Ν Ν Ν Ν α Ν ὸ π α ὸ Ν Ν πα ὸ Ν ῖ υ Ν αὶ

υ ῖ α Ν α Ν ΥΝ Ν Ν α ὰ ὺ Νπ ὺ Ν ὸ ὸ Ν αὶ α Ν αὶ 60

ὸ Ν Ν έΝ Ν ὴ ὸ Ν ὲ Ν α Ν π φ Ν Ν α ὰ ὴ Ν

φ Ν α Ν ὸ Ν φα αΝ ὸ Ν ὲ Ν α υΝ ὸ Ν

πα Ν αὶ υΝ φ Ν α Ν έΝ α αΝ ὲ Ν Ν α ῃ

122

348 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXIV

A profissatildeo de feacute astroloacutegica como que inicia o capiacutetulo serve de ensejo para que

Quintiliano remeta a harmonia presente no corpo do universo a uma realidade anterior e mais

alta a Alma do Mundo Pistas que jaacute insinuavam essa concepccedilatildeo podem ser apontadas nos

capiacutetulos anteriores a exemplo das seacuteries geomeacutetricas (2 4 8 e 3 9 27) citadas em III 5 e

aqui mais uma vez mencionadas A seacuterie composta a partir dessas duas (que eacute na ordem

seguida por Platatildeo no Timeu 1 2 3 4 9 8 27) correspondem agraves divisotildees iniciais feitas pelo

demiurgo na mescla composta pelo Mesmo pelo o Outro e pela substacircncia (ou Ser ousiacutea)

Quintiliano interroga por que Platatildeo nessa passagem achou de recorrer agrave linguagem dos

nuacutemeros Em sua resposta A Q natildeo rejeita de todo a noccedilatildeo segundo a qual a alma opera

mediante nuacutemeros apenas adverte que a tese carece de precisatildeo Essa precisatildeo consiste em

reivindicar certa autonomia para a linguagem dos nuacutemeros em dotar essa linguagem de

caraacuteter simboacutelico Tal advertecircncia natildeo nos parece alheia ao comentaacuterio de Platatildeo (Rep 524d-

525b) a respeito da especial aptidatildeo dos nuacutemeros para pocircr em marcha a reflexatildeo dialeacutetica em

virtude da tensatildeo entre unidade e multiplicidade que neles se manifesta (Cf comentaacuterio ao

capiacutetulo I) Os nuacutemeros assim expressam a essecircncia e a potecircncia da alma Enquanto unidade

expressam sua essecircncia incorpoacuterea como multiplicidade expressam as potecircncias ativa

(mediante a progressatildeo triaacutedica) e passiva (mediante a progressatildeo diaacutedica) da alma Ambas

poreacutem manifestam o progressivo afastamento do acircmbito puramente inteligiacutevel Perceba-se

como tambeacutem aqui persiste a permuta simboacutelica entre o 3 e o 2 pois se a progressatildeo triaacutedica

expressa a potecircncia ativa e incorpoacuterea o avanccedilo no sentido da profundidade tambeacutem eacute

assinalado pelo 3 De fato natildeo eacute outra a razatildeo pela qual segundo a ordem exposta no Timeu

a seacuterie 1 2 3 4 9 8 27 apresenta o 9 antes do 8 que por ser o cubo de 2 enquanto o 9 eacute o

quadrado do 3 expressa um grau maior afastamento do inteligiacutevel

O diagrama da dupla tetraktys que deveria assinalar todas as proporccedilotildees presentes

na alma natildeo se consevou no texto de Quintiliano Outro diagrama tambeacutem relacionado agrave

geraccedilatildeo da alma no Timeu chegou ateacute noacutes atraveacutes de Plutarco (De anim procr 1017d ss

1027d) Proclo (In Tim 170-1 187-8) e Teacuteon de Esmirna (Ton kata to mathemathikon 9411

ss) de onde extraiacutemos a ilustraccedilatildeo reproduzida a seguir

123

Figura 17 - Dupla tetraktys I

Fonte Dupuis Hachette 1892 p 157

Na figura mencionada por Quintiliano poreacutem a seacuterie diaacutedica eacute disposta ao longo

de uma curva forma apta a expressar a mutabilidade do sensiacutevel Em virtude disso Mathiesen

(p 53) sugere outra figura

Figura 18 - Dupla tetraktys II

Para uma discussatildeo mais completa a respeito das tentativas de reconstituiccedilatildeo

desse diagrama cf Barker pp 527-529 n 205 Em todo caso eacute razoaacutevel esperar que o

diagrama contivesse natildeo soacute os nuacutemeros das seacuteries geomeacutetrica iniciais mas tambeacutem as

proporccedilotildees geradas primeiro pela inserccedilatildeo das meacutedias harmocircnicas e aritmeacuteticas entre os

termos das seacuteries geomeacutetricas e depois pela divisatildeo do intervalo de quarta formado entre um

membro da seacuterie diaacutedica inicial e a meacutedia (aritmeacutetica ou harmocircnica) adjacente em dois

intervalos de tom e a leimma (256243) conforme o procedimento relatado no Timeu O

recurso ao diagrama talvez explique por que A Q passa tatildeo brevemente por essas etapas

Por fim Quintiliano associa os ciacuterculos gerados pelas duas tetraktyes agraves porccedilotildees

teoreacutetica e praacutetica da Alma do Mundo divisatildeo que corresponde agraves duas principais espeacutecies da

muacutesica tal como ele mesmo estabelece em I 5

124

349 Capiacutetulo XXV

Esse raciociacutenio mostra que o entusiasmo320

eacute o primeiriacutessimo e mais natural

princiacutepio da melodia A alma que pelo abandono da sabedoria caiu neste mundo caacute vivendo

em razatildeo da indolecircncia corpoacuterea somente na ignoracircncia [129]

e no esquecimento assoberbada

de agitaccedilotildees e estiacutemulos321

e que no instante de sua geraccedilatildeo torna-se vacilante por um breve

momento tambeacutem aqui nesta vida partilha mais ou menos conforme o periacuteodo dos frutos [da 5

sabedoria322

] Em razatildeo da ignoracircncia e do esquecimento imensos dizem que a alma que de

loucura nenhuma carece deve ser acalmada pela melodia E natildeo haacute duacutevida de que certos

indiviacuteduos mediante alguma imitaccedilatildeo323

moderam a irracionalidade natural (tal como fazem

os sujeitos rudes e mais selvagens) e outros ainda atraveacutes da audiccedilatildeo e da visatildeo afastam o

medo (a exemplo dos indiviacuteduos mais educados ou por natureza mais ordenados)324

Por isso 10

eacute que tanto os ritos baacutequicos quanto outros ritos que tais tecircm dizem sua razatildeo de ser

purificar por meio das danccedilas e melodias que haacute nesses ritos (bem como nos jogos) as

emoccedilotildees que em virtude do modo de vida ou do acaso residem nos indiviacuteduos mais

ignorantes Que toda paixatildeo eacute loucura tal nos mostra tambeacutem o poeta ao dizer acerca de uma

mulher dominada pelo desejoμ ldquoPor ele inflamou-se a mulher de Pretordquo325 Ou quando trata de 15

um que lamenta o assassinato do filhoμ ldquoFuribundo louco do juiacutezordquo326 Atestam-no

igualmente os homens saacutebios ao chamar toda paixatildeo de pequena possessatildeo e prova-o

tambeacutem o caacutelculo com base nos extremos se a loucura eacute o ponto maacuteximo de toda paixatildeo

claro estaacute que as demais medidas satildeo pequenas loucuras de forma que pela presenccedila maior

ou menor de uma porccedilatildeo de sabedoria disfarccedila-se o infortuacutenio [130]

Quanto agrave melodia (quer 20

entedida enquanto partes dos sistemas327

quer em seu todo no conjunto da composiccedilatildeo

musical) uma eacute a que segue em linha reta e outra a que se daacute mediante uma mudanccedila na

320

υ α inspiraccedilatildeo possessatildeo divina Quintiliano jaacute mencionara o termo em II 4-5 (582) ao tratar das

paixotildees que motivam a muacutesica e de como a muacutesica atua na terapecircutica dessas paixotildees Cf Chaintraine 1968 p

430 321

Sobre o descenso da alma Cf III 7 II 2 e 17 322

Lacuna preenchida por Meibomius (op cit p 157) com φ ω Cf Winnignton-Ingram p 129

Mathiesen (p 200) rejeita a inserccedilatildeo e Barker (p 530 n 215) sugere outra 323

Sobre o papel da na educaccedilatildeo musical Cf Anderson Ethos and education in greek music pp 100-

104 126-128 O tema jaacute foi mencionado em II 4 e 9 III 7 324

Sobre as duas modalidades de pedagogia musical conforme a porccedilatildeo (racional ou irracional) da alma nela

envolvida Cf II 3 Barker (p 531 n 216) chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter mais elevado atribuiacutedo agrave fruiccedilatildeo em

detrimento da execuccedilatildeo musical apontando para discussatildeo semelhante em Arist Pol 1339a-b e 1340b-1341b 325

Iliacuteada VI v160 Anteacuteia esposa do rei Preto apaixonara-se por Belerofonte Ressentida com a recusa de

Belerofonte Anteacuteia o acusa de a ter tentado violentar exigindo assim que o marido o mate 326

Iliacuteada XV v 128 Palavras ditas por Atena a Ares que abalado com a notiacutecia da morte do filho Ascaacutefalo

planejava descer ao campo de batalha em vinganccedila contra os troianos 327

Enquanto escalas meras sequecircncias de notas

CXXIV

XXV

α Ν ὲ Ν ὴ Νφυ Ν αὶ π Ν ὸ υ α ὸ Ν

υ έΝ ὴ Ν ὰ Ν ὴ υ ὴ Ν πὶ Ν α α Ν π φ Ν ὲ Ν ΥΝ Ν

ᾳ [129]

αὶ ῃ ὰ ὸ Ν α ὸ Ν Ν Ν α υΝ Ν αὶ π Ν

π π α Νπα φ Ν Ν Να Ν Ν Ν α α α Ν Ν

Ν α Ν α Νπ υ Νπ Ν Ν αὶ ῖ ΝΝΝΝπα απ α έΝ α Ν ὴ ὰ 5

ὴ Νπ ὴ Ν α Ν αὶ Ν ὲ Ν α α Ν π υ α Ν α α α Νφα ὶ Ν α Ν

ᾳ Ν αὶ α ὺ Ν Ν ὶ ὸ Νφ Ν Ν π υ Ν Ν

Ν Ν ὸ Ν αὶ Ν αὶ ΥΝ Ν Νξ ρΝφ Ν ὸ Ν Ν

π π υ Ν Ν Νπ πα υ Ν αὶ φ Ν έΝ ὸ αὶ ὰ Ν α ὰ Ν

ὰ Ν αὶ α Ν α α Ν πα απ Ν υΝ ὸ Ν α Ν φα Ν π Ν Ν Ν10

α Νπ Ν ὰ Ν Ν πὸ Ν Ν α α Ν Ν Ν αὶ Ν

αΝπα αῖ Ν α α α έΝ Νξ ὲρΝπ Νπ Ν α αΝ ῖ ὲ Ν αὶ π ὴ Ν πὶ ὲ Ν

Ν ΥΝ π υ α Ν π Ν π Ν[ Ν1ἄί]Ν ὲ υ ὴ υΝ π α Ν πὶ ὲ

ὰ ὸ Ν φ Ν πα ὸ Ν Ν Ν [ Ν 1ἀἆ]Ν α Ν φ α Ν Ν

Ν ὲ αὶ Ν φ ὶ π Νπ Ν ὰ Ν π α Ν α Να ῖ ὲ αὶ 15

Ν Ν Ν π Ν ὰ Νπα ὸ Νπ υ Ν Ν α αΝ Ν Ν αὶ ὰ πὰ

Ν α α Ν Ν Ν α Ν ὲ π ῖ α Ν Νφ Ν ῖ Ν α Ν ὸ

υ αΝ π α έΝ [130] Ν ὲ α Ν Ν Ν α ὰ Ν υ α ὰ αὶ Ν π Ν α ὰ

ὴ Ν Ν π α Ν ὲ Ν πΥΝ α Ν ὲ α ὰ α ὴ Ν α 20

125

posiccedilatildeo das letras328

das quais a primeira enquanto siacutembolo da geraccedilatildeo deve ser associada agrave

terra a segunda que participa do masculino agrave aacutegua por meio da qual a natureza produz as

geraccedilotildees sobre a terra a terceira letra ao ar pois sendo feminina revela o caraacuteter mutaacutevel e 25

maximamente receptivo do elemento a quarta que eacute perfeitamente masculina deve-se

associar ao fogo Jaacute a letra que se acrescenta agraves demais (refiro-me ao tau329

) deve-se associar

ao eacuteter pois a forma do tau eacute semelhante a um plectro o que potildee a letra sob a proteccedilatildeo do

deus330

que o discurso dos mais saacutebios revela ser o plectro do universo Por isso eacute que o tau

estaacute unido a todas as vogais (enquanto sons musicais) tal como o eacuteter transmite poder vital 30

aos demais elementos331

Daiacute que a ordem da mateacuteria seja o movimento dos elementos

enquanto a ordem da alma ()332

eacute a melodia Ademais no que diz respeito aos ritmos cuja

substacircncia sabemos consiste em aacutersis e theacutesis333

a theacutesis manifesta a geraccedilatildeo individual ao

passo que a aacutersis a corrupccedilatildeo (pois tal como nenhum deles sem o outro chega a produzir um

ritmo tampouco conhecemos geraccedilatildeo sem corrupccedilatildeo334

Poreacutem como a corrupccedilatildeo de uns foi 35

sempre ensejo para a geraccedilatildeo de outros a geraccedilatildeo adquire substacircncia a partir dos seres que se

corromperam) Ainda quanto aos ritmos alguns satildeo variaacuteveis e outros invariaacuteveis335

328

Os tipos de sequecircncia meloacutedica foram abordados em I 9 (16 18) 12 (298) Cada vogal expressa uma

posiccedilatildeo ou grau da escala natildeo uma nota com valor absoluto As letras empregadas no solfejo satildeo segundo a

disposiccedilatildeo no tetracorde α Dispostas em ordem decrescente de masculinidade teriacuteamos α Cf

II 14 III 21 329

Em II 14 Quintiliano justifica a inserccedilatildeo do tau em termos de eufonia Aqui acrescenta a explicaccedilatildeo

simboacutelica 330

Apolo 331

Cf II 19 (92 5-8) 332

Winnington-Ingram (p 130) assinala duas possiacuteveis palavras corrompidas Cf ainda variante 13016 em

Mathiesen p 65 333

I 13 (318) 334

Barker ( p 532 n 224) sugere que Quintiliano esteja considerando aqui particularmente o argumento exposto

em Feacutedon 70d-72d 335

O tema da modulaccedilatildeo riacutetmica foi abordado em I 14 (3419) I 18 (401-10) II 15 (837-20)

CXXV

Ν Ν Ν ξ Ν ρ ὸ ὲ Ν π Ν Ν Ν Ν

π Ν ὸ ὲ Ν Ν αὶ Ν Ν α Ν Υ ὰ Ν π ὶ ὴ Ν

Ν ῖ Ν φ Ν ὸ ὲ Ν Ν υΝ υ Ν ὸ π Ν

υΝ αὶ πα α Ν π Ν ὸ ὲ α πυ ὶ Ν Ν υ Ν

Ν ὸ ὲ Ν υ α Ν Ν ὲ ὸ α Ν α Ν25

π Ν Ν Ν ὸ αΝ πα απ Ν Ν Ν Ν Ν πα ὸ Ν α Ν

π Ν Ν φ Ν π φα α Ν Ν ὸ ῖ Ν πα Ν υ α α Νφ Ν

α ὰ ὺ Ν φ υ Ν π Ν α ὴ Ν ῖ Ν π ῖ Ν ὴ Ν α Ν α έΝ ὸ

Ν ὲ Ν Ν Ν Ν Ν ὲ υ ΝdaggerΝ υ ΝdaggerΝ αέΝ αὶ ὴ Ν αὶ

Ν υ Ν Ν Ν Ν αὶ Ν ὴ Ν π α Ν Ν ὲ Ν Ν Ν ὴ Ν Ν30

α ΥΝ α Ν ὲ Ν ὴ Ν φ ὰ Ν ῖ ( π Ν ὰ Ν Ν Ν αΝ

π υ ὸ Ν α Ν Ν ὲ Ν Ν ῖ Ν υΝ φ Ν ὰ ὰ Ν

π Ν Ν Ν φ ὰ Ν Ν φ Ν ὲ Ν π Ν Ν

φ α Ν α Ν α )Ν αὶ Ν ὲ ὲ Ν Ν α Ν ὲ

Ν α έ 35

126

350 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXV

A alma cai neste mundo por abandono da sabedoria diz Quintiliano No capiacutetulo

anterior a sabedoria foi associada ao 1 e a dupla tetraktys que dele se originava ao

progressivo avanccedilo da alma no sentido da profundidade (e ao seu correspondente afastamento

do plano inteligiacutevel) Ora a muacutesica estruturada segundo essa mesma sabedoria comunica-a

em alguma medida tambeacutem agrave alma que assim volta a participar daquelas realidades

inteligiacuteveis Eacute nesse sentido que se pode considerar que a muacutesica esteja fundada no

entusiasmo isto eacute na possessatildeo da alma pelo divino Daiacute que tal como os elementos

organizam a mateacuteria tambeacutem a melodia e seus elementos (as notas) organizem a alma

Todavia essa ordenaccedilatildeo da alma que mediante o descenso participa agora da mescla

corpoacuterea estaacute por sua vez submetida a outro princiacutepio ordenador o princiacutepio da geraccedilatildeo e da

corrupccedilatildeo anaacutelogo ao movimento riacutetmico Em I 1925-30 Quintiliano jaacute havia tratado da

relaccedilatildeo entre melodia e ritmo em termos semelhantes fazendo do ritmo (ldquoque possui o logos

do criador com relaccedilatildeo ao que eacute criadordquo) o princiacutepio ordenador da melodia Theacutesis e aacutersis ou

geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo satildeo por um lado as fronteiras que delimitam e por outro as estruturas

que datildeo forma ao movimento meloacutedico aqui assimilado agrave vida da alma que eacute no fim das

contas um princiacutepio autocircnomo de movimento Mas tal movimento (simultaneamente riacutetmico

e meloacutedico) diz natildeo eacute necessariamente linear Com essa observaccedilatildeo Quintiliano nos remete

ao tema da modulaccedilatildeo (que abordado no capiacutetulo logo a seguir diz respeito agrave composiccedilatildeo

riacutetmica e meloacutedica) antecipando com isso tambeacutem a questatildeo com a qual culmina seu tratado

o problema da liberdade humana frente ao fatal encadeamento das causas

127

351 Capiacutetulo XXVI

Poremos fim ao discurso tratando brevemente da modulaccedilatildeo336 Dentre os meacutele

perfeitos337 alguns seguem em conformidade com as concepccedilotildees338 iniciais e outros seguem

sucessivamente em direccedilatildeo a algo diferente Assim tal como se pode observar no universo e

nos ciclos mais longos mudanccedilas nos costumes reviravoltas poliacuteticas periacuteodos de

abundacircncia e carestia que afetam seres vivos e [131] plantas tambeacutem na escala individual haacute 5

coisas que dependem e decorrem das causas de sua origem inicial e haacute outras que seja

intencional ou casualmente alteram-se e sofrem transformaccedilatildeo Do mesmo modo os

princiacutepios que regem os modos de vida os motivos para agir os interesses praacuteticos e as

migraccedilotildees339 quando natildeo se datildeo em conformidade com as primeiras causas340 alteram toda a

idiossincrasia congecircnita Homero eacute testemunha suficiente de que isto eacute assim ao dizer em 10

certa passagemμ ldquoHomem nenhum foge agrave εoirardquo341έ E noutraμ ldquoἑuida para que natildeo entres na

casa do Hades em desobediecircncia agrave εoirardquoέ Sua obra estaacute cheia de passagens assimέ σo iniacutecio

da Iliacuteada por exemplo diz ldquoεuitas fortes almas ao Hades arrojourdquo342 como se fora a

predestinada aniquilaccedilatildeo dos aqueus uma nova possibilidade aberta pela ira de Aquiles E na

τdisseiaμ ldquoTolosἑomeram os bois de Heacutelio hiperiocircnio e ele lhes extirpou o dia do 15

retornordquo343 como se caso natildeo o tivessem feito do retorno ao lar natildeo teriam sido privados

Mas tambeacutem os saacutebios dizem que os tipos de futuro satildeo dois um necessaacuterio e irreversiacutevel

denominado de ldquoo que seraacuterdquoν e um tipo mutaacutevel e natildeo de todo definido a que chamam ldquoo que

pode serrdquoέ τ futuro necessaacuterio corresponde agraves realidades supralunares e delas se ocupaν jaacute o

futuro duvidoso e contingente diz respeito agraves realidades deste mundo aqui344 As realidades 20

que se datildeo universalmente satildeo inflexiacuteveis e necessaacuterias enquanto as particulares satildeo sempre

336 Cf I 11 e 19 II 14 337 Em I 4 (205-10) Quintiliano aborda o melos perfeito (meacutelos teacuteleion) no seu sentido teacutecnico de performance musical completa com letra melodia e ritmo Aqui sugere Barker (p 532 n 227) trata-se apenas da sequecircncia meloacutedica completa com iniacutecio meio e fim 338 O termo eacute π que poderia ser vertido por ldquoprojetordquo ou ldquopadratildeordquoέ σa acepccedilatildeo de ldquointuiccedilatildeordquo ldquoapreensatildeordquo ldquoconceitordquo pode estar relacionado a α termo importante em Quintiliano Sobre α cf I 9 (68 14) II 16 (8521) 339 πω α Sobre o termo α v comentaacuterio ao capiacutetulo XXVII e n 353 infra 340 α α π cujas quatro acepccedilotildees (formal material eficiente e final) Aristoacuteteles estabelece em Met 983a24 ss e em Fisέ II γέ Talvez a expressatildeo ldquocausas primeirasrdquo apesar do plural refira-se ao Uno como em Plot En III 1 Cf Igal Eneacuteadas III-IV (vol2) Editorial Gredos p 21 n 3 E ainda Baracat 2006 p 497 n 5 341 Iliacuteada VI v 488 342 Iliacuteada I v3 343 Odisseia I vv8-9 344 Mathiesen (p 203 n 476) relaciona as noccedilotildees de futuro necessaacuterio ( ) e futuro contingente ( ) com as passagens 41e-42d e 47e-48e do Timeu e com Eneacuteadas II 3[52] 9 Jaacute Barker (p 533 n 231) aponta a distinccedilatildeo estoica entre to atἐrsquoἐeἑἕarἕenen (o que se daacute segundo o destino) e to epἐrsquoἐeἕin (o que cabe a noacutes) como um equivalente aproximado da distinccedilatildeo operada aqui por A Q A respeito das noccedilotildees estoicas de liberdade e determinismo V FREDE D Stoic determinism In INWOOD B (Ed) 2003 pp 192-200

CXXVII

XXVI

ὶ ὴ Ν α Ν α αΝ π Ν α απα Ν ὸ Ν έΝ Ν ὰ Ν

ὴ Ν Ν ὰ ὲ Ν Ν Ν αῖ Ν π α Ν π αῖ Ν ὰ ὲ α Ν

α ὰ ὸ Ν Ν αΝ π Ν Ν Ν πα ὶ υ ῖ Ν Ν Ν αῖ Ν α α Ν

π Ν Ν Ν α ὰ Ν αὶ π Ν α ὰ Ν φ α Ν Ν αὶ φ α Ν Ν Ν

αὶ [131] φυ Ν Ν ῖ Ν α ΥΝ α Ν ὰ ὲ Ν αῖ Ν Νπ Ν Να α Ν α Ν5

Ν αὶ υ π α Ν ὰ ΥΝ Ν Ν υ Ν α α Ν Ν Ν αὶ

α έΝ Ν ὴ αὶ Ν αὶ αὶ π Ν αὶ αὶ π υ Ν

α Ν αὶ π Ν α Ν ὴ α ὰ ὰ Νπ α Να α Ν α Ν ὴ Ν πα α Ν Ν

Ν α Ν π α έΝ Ν ὰ Ν α ΥΝ Ν Ν υ Ν ὲ Ν Ν αὶ

Ὅ Ν π υΝ ὲ Ν Ν φ Ν [ Ν ἂἆἆ]Ν ῖ α Ν ΥΝ Ν φ Ν π φυ Ν α Ν10

Ν π υΝ Ν [ Ν ἁἁἄ]Ν ὴ αὶ πὲ Ν ῖ α Ν ΝἌ Ν αφ α Ν Ν π Ν

α π αΝ υ ῖ ὰ έΝ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν φ Ν[ Νἁ]Νπ ὰ Ν ΥΝ φ υ Ν

υ ὰ Ν Ἄ Ν π α Ν Ν Ν υΝ Ν Ἀ α Ν φ Ν ὰ ὴ Ν ὴ Ν

Ἀ Ν α Ν Ν ὲ Ὀ υ ᾳ [αΝἆὅὃέ]Ν π Ν α ὰ ΝὙπ Ν

Ν Να ὰ Ν ῖ Ν φ Ν Ν α Ν Ν ὴ Ν α α Ν Ν15

Ν Ν α Να Ν α Ν έΝ ὰ αὶ φ ὶ ὴ Ν Ν

α Ν φα Ν ὴ Ν π αΝ ὴ Ν Ν Ν α α α Ν αὶ π Ν Ν α ῖ α Ν

Ν ὴ Ν ΥΝ ὴ Ν αὶ π Ν φ Ν Νφα Ν Ν ὴ Ν ὲ Ν

Ν α α α Ν ὰ πὲ Ν Ν π Ν αὶ α φ α Ν ὴ Ν ΥΝ φ Ν αὶ

Ν ὰ πὶ Ν αὶ ὰ ὲ Ν 20

128

passiacuteveis de mudanccedila345

Assim tudo quanto ao existir contribui para a conservaccedilatildeo e a

ordenaccedilatildeo do universo tais satildeo coisas necessaacuterias Jaacute aquilo que ao existir natildeo aproveita agrave

economia coacutesmica [132]

nem ao natildeo existir lhe abala as estruturas tais satildeo coisas ambiacuteguas no

seu desenrolar346

Um antigo oraacuteculo das triacutepodes piacuteticas347

testemunha igualmente que isto eacute 25

assim Pronunciando-se acerca das tropas persas que em Plateia avanccedilavam contra os gregos

disseμ ldquoχntes de δaacuteques e do destino muitos arqueiros persas padeceratildeo quando chegar o dia

fatalrdquo348 Estaacute claro que na primeira oraccedilatildeo diz que os persas morreratildeo antes do que lhes fora

destinadoέ Jaacute na segunda se tomarmos ldquofatal349rdquo na acepccedilatildeo de algo destinado a acontecer

(como disse o poeta noutra passagemμ ldquoera fatal fosse a cidade destruiacuteda quando abrigasse o 30

colossal cavalo de madeira350rdquo) fica por si mesmo evidente a contradiccedilatildeo entre as oraccedilotildeesέ

Mas se tomarmos a palavra no sentido de algo adequado (a exemplo da passagem em que diz

ldquoEacute com razatildeo Heitor que me censurasrdquo351) levando em conta as concordacircncias que haacute entre

os dois sentidos chegaremos ao mesmo resultado Aquilo que se provou correto ao juiacutezo

divino foi por lei fixado como algo consequente e essa consequecircncia sancionada pelos deuses 35

eacute necessaacuteria decretada desde sempre Uma vez mais vecirc-se que semelhantemente o mesmo

oraacuteculo prognosticou o sofrimento dos persas tanto em conformidade quanto contrariamente

ao que fora determinado Seraacute que de forma tatildeo flagrante e em tatildeo curto lapso de tempo o

profeta do universo352

teraacute emitido palavras autocontraditoacuterias Bem longe disso o discurso

parece-nos antes insinuar a dualidade presente no que estaacute determinadoέ χssim o ldquoantes de 40

δaacuteques e do destinordquo quer dizer ldquocontrariamente ao princiacutepio causal do nascimento de cada

indiviacuteduordquo enquanto o ldquoquando chegar o dia fatalrdquo significa ldquosegundo o decreto que

naturalmente decorre de uma accedilatildeo anteriorrdquoέ

345

Neste ponto Barker (p 533 n 232) nos remete a Arist De Gen et Corr II 2 mas sem mencionar o

paralelo entre os termos empregados por A Q ( e ) e aqueles empregados por Aristoacuteteles ( ὸ α e ὸ ) em 337b1-5

346 As fontes platocircnicas dessa doutrina segundo Barker (op cit loc cit n 233) Rep 507a ss Timeu 27d-29d

Mathiesen (p 203 n 479) interpreta essa passagem no contexto da controveacutersia acerca do ser do natildeo ser e do

devir remetendo-nos a Plot En V 1-3 Platatildeo em Parmecircnides e Timeu (27c-29d) e Parmecircnides Fragmenta

Veterum Stoicorum B7-8 347

Triacutepode era uma espeacutecie de cadeira alta e com trecircs peacutes desde a qual a pitonisa de Delfos pronunciava seus

oraacuteculos 348

Heroacutedoto IX 43 7-8 349

αἴ rdquoμ adjetivo αἴ que significa ldquodestinadordquo ldquopredeterminadordquo ldquofatalrdquo mas tambeacutem ldquojustordquo ldquoadequadordquo ldquodevidordquo ldquoapropriadordquoέ Explorando essa ambiguidade χέ Qέ explicaraacute de que modo todo evento particular e concreto resulta de uma mescla (necessaacuteria) composta em proporccedilotildees diversas de necessidade e

contingecircncia 350

Odisseia VIII vv511-512 351

Iliacuteada III v59 352

Apolo

CXXVIII

α υΝ υ α αΝ π Ν Ν α Ν αὶ α αῖαΝ ὰ ΥΝ πὶ υ Ν αΝ ὰ

πα Ν αὶ ὴ Ν αΝ αΝ ὲ Ν πα ὸ Ν υ ῖ ᾳ Ν αὶ Ν ὴ

αΝ ὲ π Ν α αΝ υ Ν α αῖαΝ αΝ ὲ Ν αΝ Ν Ν

Ν υ [132] α Ν Ν ὴ αΝ π Ν ὴ Ν α Ν α αΝ ὲ

πα φ Ν α ὰ ὴ Ν α έΝ α υ ῖ Ν Ν α ΥΝ Ν Ν αὶ Ν25

πα α ὸ Ν υ Ν π Ν φ α Νπ ὶ Ν Ν α α Ν πὶ ὺ Ν α Ν

α Νφ ὶ Ν[ἵἸέΝἘἷὄὁἶὁtumΝἙXΝἂἁ]Ν π ὶ π α Ν πὲ Ν Ν Ν Ν

Ν φ Ν Ν α Να Ν α Ν π ῃέΝ Ν ὲ Ν Ν Ν ὰ π υΝ

Ν π Νπ ὸ α Ν π α Νφ ὶ ὺ Ν υ Ν Ν ὲ υ ὲ Να Ν

πα ὰ ὴ Ν Ν α Ν ῖ α Ν αΝ ( Ν π Ν φ Ν αὶ π Ν [ Ν30

ἃ11ὅὃέ]Ν α αΝ ὰ Ν Ν π α Ν πὴ Ν π Ν φ α ῃ υ Ν α Ν ππ )Ν

α Ν φα ὸ Ν ὸ Ν Ν φ Ν ΥΝ πὶ π Ν Ν ( Ν

α φ Ν[ΓΝἃλ]Ν Ν π Ν Ν α ΥΝα α Ν α )Ν αῖ Ν Ν α Ν

π Ν υ φ α Ν Ν α ὸ Ν α α Ν ὸ ὲ Ν ὰ Ν ᾳ φ π Ν

π φα ὲ Ν Ν υ Ν α Ν ὸ ΥΝ υ Ν Ν π υ Ν35

α αῖ Ν Ν ΥΝ Ν πα Ν α Ν Ν Ν π Ν α Νξ ὸρΝ Ν

α ὸ Νπα ὰ ὴ Ν α Ν αὶ α ΥΝ α Ν π Ν ῖ Ν Ν π α α έΝ

ΥΝ Ν Ν π φα Ν Ν α ῖ υΝ υ Ν α υ Ν α ῖ Ν πα ὸ Ν

ῖ α Ν π φ νΝ π Ν αὶ ῖ ὰ ὰ Ν Ν ῖ Ν π Ν ὴ Ν

υ αΝ Νπ π ὸ ὲ Ν ὰ Νξ πὲ Ν Ν Ν Ν ρΝπα ὰ ὴ Νπ Ν40

υΝ φ ὶ Ν Ν α α Ν ὸ ΥΝ ξ α Ν α Ν α Ν π ῃρΝ α ὰ ὴ Ν

Ν π ῃ π Ν υ υ α α Ν α έ

129

352 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVI

Tal como satildeo dois os tipos de movimento meloacutedico (ou riacutetmico) tambeacutem dois satildeo

os tipos de futuro o necessaacuterio e o contingente ldquoo-que-seraacuterdquo e ldquoo-que-pode-serrdquoέ χ

necessidade impera no campo principial nas esferas supralunares enquanto a contingecircncia

impera no mundo sensiacutevel e sublunar Haacute todavia um poreacutem que Quintiliano natildeo menciona

explicitamente mas que estaacute subentendido na explicaccedilatildeo que daacute a seguir Eacute que esses dois

campos natildeo estatildeo separados mas articulados numa hierarquia na qual toda mudanccedila estaacute

tambeacutem submetida aos princiacutepios Essa mescla exemplifica pode ser observada nos longos

ciclos coacutesmicos cuja regularidade eacute agraves vezes abalada por eventos imprevistos E tambeacutem na

vida humana sempre que determinada accedilatildeo interrompe momentaneamente uma cadeia de

acontecimentos ao preccedilo de inaugurar poreacutem nova sucessatildeo de causas e consequecircncias A

trama compoacutesita de necessidade e contigecircncia na qual estaacute enredada a vida humana torna

difiacutecil discernir numa dada accedilatildeo qualquer as partes devidas ao destino e as partes devidas agrave

liberdade Os comentaacuterios que tece em torno dos exemplos mostram ateacute que ponto A Q estaacute

ciente dessa dificuldade Nos exemplos aqui abordados a dificuldade faz sempre a balanccedila

pender em favor da fatalidade o que a princiacutepio poderiacuteamos pensar estaacute perfeitamente de

acordo com as convicccedilotildees astroloacutegicas de A Q Natildeo eacute esse poreacutem o caso O que A Q

pretende dizer e penso ficaraacute mais claro no uacuteltimo capiacutetulo eacute que a liberdade natildeo implica

ruptura com a ordem divina do mundo Natildeo eacute ela como um territoacuterio tomado agrave fatalidade mas

antes uma possibilidade inscrita na ordem das coisas um poder em suma que se nutre da

participaccedilatildeo nos princiacutepios Como vimos acima eacute precisamente essa participaccedilatildeo na

sabedoria (ou possessatildeo pelo divino) que a muacutesica comunica agrave alma Atraveacutes dela a alma se

distancia do corpoacutereo e assimila-se aos princiacutepios Eis entatildeo que a equaccedilatildeo se inverte e (como

veremos a seguir) a esfera dos princiacutepios se transforma num campo propiacutecio agrave liberdade

enquanto no mundo sensiacutevel impera a fatalidade A questatildeo agora eacute saber como passar de um

acircmbito a outro Disso trataraacute A Q a seguir

130

353 Capiacutetulo XXVII

Neste ponto do discurso algo se me torna claro que haacute um meacutetodo de escapar a

essas coisas e de desatar a fatiacutedica e natural sucessatildeo dos acontecimentos mediante outros

sucessos Tal como na muacutesica toda a harmonia eacute modificada com a breve apariccedilatildeo de uma

nota tambeacutem no domiacutenio das accedilotildees toda a vida eacute transformada a partir de um moderado

esforccedilo Mas natildeo se deve ter tais meios por seguros nem honrados pois sequer chegam a 5

escapar por completo agrave desordem da geraccedilatildeo aqueles que maquinam fugir das dores para fins

de indolecircncia Somente a divina conversatildeo353 operada pela filosofia354 eacute segura autecircntica e

leva agrave mudanccedila pois liberta a alma do viacutenculo passional com o corpo355 e mediante a

participaccedilatildeo na virtude torna o indiviacuteduo familiarizado com as realidades mais altas

merecedor da providecircncia por parte do divino e idecircntico a si mesmo A alma356 quando 10

verdadeiramente escapou agrave geraccedilatildeo suporta com paciecircncia e coragem o que de ruim lhe

aconteccedila nada considera mal ou vergonhoso senatildeo a perversidade e o escravizar-se ao viacutecio e

tudo a alma diz e faz habitualmente em conformidade com a virtude a qual proclama o

profeta do divino Platatildeo357 natildeo tem senhor E a muacutesica na qualidade de suprema parceira e

auxiliar dela (da filosofia digo) deve ser praticada e ensinada por completo Falando de 15

ambas tal como dos pequenos misteacuterios em relaccedilatildeo aos grandes eacute preciso assinalar a cada

uma a honra e o valor devidos unindo-as sob o jugo mais proacuteprio e natural Pois uma eacute a

perfeiccedilatildeo de todo saber e a outra uma propedecircutica uma eacute de fato uma verdadeira iniciaccedilatildeo

que atraveacutes da reminiscecircncia358 restaura nas almas o que estas perderam pela vicissitude da

geraccedilatildeo enquanto a outra eacute uma iniciaccedilatildeo aos misteacuterios359 [134] um rito preliminar e 20

propiciatoacuterio que apresenta e antecipa algo daquilo que na filosofia seraacute levado agrave perfeiccedilatildeo

A muacutesica transmite os princiacutepios e a filosofia os cumes de todo saber

353 Μ α remoccedilatildeo migraccedilatildeo partida (da vida) transferecircncia deslocamento saiacuteda de cena (do coro) mudanccedila poliacutetica Colomer e Gil vertem-na por ldquotransformacioacutenrdquo enquanto εathiesen prefere ldquotransferencerdquoέ Jaacute ἐarker emprega ldquoconversionrdquo sugestatildeo que afinal adotamosέ χ esse respeito veja-se o comentaacuterio a seguir 354 Sobre a conversatildeo filosoacutefica Cf Repuacuteblica 518c-d Carta VII 344a 355 Sobre esse tema Cf II 2 (5412) e 8 III 16 E ainda Feacutedon 64c-67e 356 αὕ ela com referecircncia agrave alma como entendemos aqui (seguindo Colomer e Gil) ou agrave filosofia como entendem Mathiesen e Barker 357 Repuacuteblica 617e 358 Sobre a platocircnica Cf Mecircnon 81a ss Feacutedon 73a ss Fedro 249c 359 Cf II 3 (55) em que Quintiliano traccedila um paralelo semelhante Barker ( p 535 n 247) aponta passagens em que tambeacutem Platatildeo se refere agrave muacutesica e agrave filosofia como misteacuterios Goacutergias 497c Eutidemo 277d-e Feacutedon 69c-d Banquete 210a Fedro 249c

CXXX

XXVII

α αΝ Ν Ν υΝ Ν Ν α αφα α Ν Ν Ν ὲ Ν

Ν Ν π φυ Ν Ν Νξ ρΝ ὸ Ν φ Ν Νφ Ν ὸ Ν α Ν

α υ Ν υ α Ν π Ν ὰ Ν αὶ α ὰ υ ὴ Ν Ν Ν Ν φ υΝ

ὴ Ν πα α Ν α Ν υ α Ν α α Ν ὶ ὲ Ν αῖ Νπ Ν Ν α Ν

π Ν πα Ν Ν α Ν Υ Ν α υ Ν ὰ Ν α α Ν π φυ ὰ Ν5

Ν υ Ν π φα Ν ὲ ὰ Ν Ν ὸ Ν Ν Ν α Νφ υ ξ Ν gt

ᾳ Ν Ν ὰ Ν Ν Ν π φυ ὰ Ν α έΝ Ν αΝ αΝ ὰ

φ φ α Ν α Ν Ν Ν αὶ α Ν Ν α Ν Ν ὲ Νπ ὸ Ν ὰ α αΝ

π πα α Ν π υ αΝ ὴ Ν υ Ν ὲ Ν Ν Ν Ν ὸ Ν Ν Ν

π αΝ Ν πα ὰ υΝ αὶ υΝ π α Ν π α Ν α Ν ὰ Ν10

απ φ υ Ν Ν Ν Ν Ν Ν π Ν υ α Ν φ υ αΝ π Ν αὶ

Ν α ὸ Ν ὲ ὲ Ν α ὸ Ν π ὴ Ν π α Ν αὶ ῃ υ Ν

Νπ αΝ ὲ Ν Ν Ν αὶ π Ν Ν Ν π Ν α Ν

αὶ υΝ Ν[ὄἷὅὂέΝXΝἄ1ἅΝἷ]Ν ῖ Ν Νπ φ έΝ α Ν Ν Ν ὲ

φ φ α Ν Ν Ν Ν αὶ πα ὸ Ν ὴ Ν υ ὴ Ν Ν Ν αὶ 15

πα υ Ν α αΝ αὶ Ν π ὶ Ν π ὸ Ν Ν υ Ν π ὶ φ ῖ Ν

υ Ν α ᾳ ὴ Ν π υ α Ν α Ν αὶ ὴ Ν π Ν αὶ ὴ Ν

υ υ α Ν Νπ π Ν αὶ Ν υ απ Ν ὲ Ν ὰ Ν Ν π Ν

υ Ν ὲ π πα αΝ υ Ν αὶ ὲ Ν ὴ Ν Ν ὴ ὸ ὰ ὴ Ν Ν

Ν υ φ ὰ Ν αῖ Ν υ αῖ Ν π ὲ Ν ΥΝ α Ν απ αΝ ὲ 20

υ α αΝ [134] Ν αὶ π Ν ὲ Ν ΥΝ αΝπ φ υ αΝ αὶ π υ αΝ

Ν Ν φ φ ᾳ υ υ Ν αὶ υ ὴ ὲ Ν π Ν α Ν ὰ Ν Ν

φ φ αΝ ὲ ὰ Ν α Νπα α έΝ

131

Ponhamos fim ao nosso discurso acerca da muacutesica Se o levamos a cabo com

perfeiccedilatildeo graccedilas sejam dadas ao deus que dirige as musas360

que nos levou a essa empreitada

e conduziu o raciociacutecio a seu termo Se algo pertinente foi por noacutes omitido nem por isso 25

como dizem foi de todo mau361

pois o caminho foi suficientemente pavimentado para os que

no futuro venham a ser capazes de expor completamente num uacutenico trabalho escrito tudo

quanto eacute relativo agrave muacutesica

360

Apolo a quem Quintiliano se dirige jaacute iniacutecio da obra (I 3) reiterando depois em vaacuterios momentos essa

invocaccedilatildeo 361

Mathiesen enxerga aqui uma referecircncia intencional a Plutarco (De tranquilitate animi 467c-d) Cf

Mathiesen p 57 n 244

CXXXI

αὶ ὴ υ ὶ Ν ῖ Ν π ὶ υ Ν Ν Ν Ν ὲ Ν Ν

π π α Νπ ὴ Ν υ ῃ Ν Ν Ν ὴ Ν ὴ Νπ α 25

αὶ Ν Ν α Ν ὴ Ν π Ν Ν Ν Ν α Ν π Ν

πα α πα Ν ΥΝ Ν φα Ν α Ν π α Ν ὰ Ν α Ν ῖ Ν Ν π Ν

υ Ν ξ ὰρΝ α ὰ υ ὴ Ν α α α Ν π α α ᾳ

132

354 Comentaacuterios ao capiacutetulo XXVII

No capiacutetulo XXVI Quintiliano traccedilou o campo da liberdade humana afirmando

seus direitos e estabelecendo seus limites mas sem esclarecer qual seja sua natureza nem

como eacute possiacutevel conquistaacute-la Eacute o que faraacute agora no cap XXVII nesta espeacutecie de exortaccedilatildeo agrave

filosofia com que encerra seu tratado

Diz Quintiliano que a liberdade natildeo eacute fuga nem trapaccedila mas esforccedilo Natildeo um

esforccedilo dirigido contra o destino ou as circunstacircncias exteriores mas um esforccedilo voltado para

dentro uma conquista de si mesmo A liberdade de que fala Quintiliano eacute interior e o bem ou

o mal de que soberanamente nos aproximamos ou nos afastamos satildeo o bem e o mal desde a

perspectiva da alma ou seja o bem e o mal morais Alcanccedilar a liberdade eacute ingressar nesse

reino do espiacuterito fora do qual impera o destino Longe de ser uma pretensatildeo autocraacutetica essa

conquista exige a submissatildeo a uma espeacutecie particular de destino o destino (ou talvez

vocaccedilatildeo) proacuteprio da alma que eacute no fundo a consumaccedilatildeo de sua proacutepria natureza A liberdade

assim exige a identificaccedilatildeo consciente com as exigecircncias faculdades e prerrogativas da

natureza da alma cujo modelo eacute a Alma do Mundo Liberdade em outras palavras eacute voltar-se

para o real Daiacute que a filosofia essa espeacutecie de oitava aguda da muacutesica corresponda na

(digamos) antropologia de A Q agrave plenitude da realizaccedilatildeo humana seu ponto de maacuteximo

contato com o inteligiacutevel

Ocorre que a inteligecircncia natildeo se verte sozinha para o Ser Ela necessita para isso

da alma inteira tal como os olhos dependem do corpo (Repuacuteblica 518c) Eacute com base nessa

imagem platocircnica que A Q recomendaraacute o autecircntico e seguro meacutetodo da conversatildeo

filosoacutefica Na passagem (Rep 518d4) em que formula seu projeto pedagoacutegico Platatildeo fala em

π α ω Em outros momentos usaraacute α φ (Rep 525c5)362 ou ainda os verbos

π φ α e α φ α 363 Em nenhum desses termos parece estar ausente (e o

mesmo seja dito a respeito da α de que fala Quintiliano) o duplo aspecto cognitivo e

moral-religioso da conversatildeo tal como aponta Hadot (2014 pp 203-213) em sua anaacutelise dos

termos mais recorrentes π φ e α Nem poderia ser diferente vez que como

ensina Platatildeo (Carta VII 344a) a posse congnitiva do Bem requer uma natureza que lhe seja

proporcional e semelhante

362 Lexique de langue philosophique et religieuse de Platon Paris Belles Lettres 2003 p 339-340 363 Jaeger 2001 p 889 Sobre o tema da educaccedilatildeo como conversatildeo ou da conversatildeo agrave filosofia Cf Jaeger op cit 888-977 E tambeacutem Marrou 1966 p 323-329

133

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______________________ On Music in three books Translation introduction commentary and annotations by Thomas J Mathiesen Yale University Press 1983 ______________________ Aristidis Quintiliani de musica libri tres Reginald Pepys Winnington-Ingram (ed) Lipsiae Teubner 1963 REALE G ANTISERI D Histoacuteria da filosofia vol I Satildeo Paulo Paulus 1990 REYS Pέ Rέ ldquoEl Homero de χristides Quintilianordquoέ εinerva βγ βί1ί ppέ λλ-126 REINACH Theacuteodore A muacutesica grega Satildeo Paulo Perspectiva 2011 ROCHA R A Sobre a muacutesica In SOARES Carmen ROCHA Roosevelt Plutarco obras morais Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos 2010 p63-237 ROUGIER L A religiatildeo astral dos pitagoacutericos Trad de Aydano Arruda Satildeo Paulo Ibrasa 1990 RUEδδE ἑhέ Emέ ldquoδe musicographe χristide Quintilienrdquoέ Sammelbaumlnde der Internationalen Musikgesellschaft 11 Jahrg H 3 (Apr - Jun1910) pp 313-323 _______________ ldquoδe chant gnostico-magique des voyelle grecquesrdquoέ In Congreacutes international drsquohistoire de la musique 1λίί Parisέ Parisμ Solesmes 1λί1 ppέ 1η-27 SANTOS M F dos A sabedoria das leis eternas Satildeo Paulo Eacuterealizaccedilotildees 2001 SIMAAN A FONTAINE J A imagem do mundo dos babilocircnios a Newton Trad de Dorotheacutee de Bruchard Satildeo Paulo Companhia das Letras 2003 SMYRNE Theacuteon de Exposition des connaissances matheacutematiques utiles pour la lecture de Platon Trad de J Dupuis Paris Hachette 1892 TOMAacuteS L Ouvir o loacutegos muacutesica e filosofia Satildeo Paulo Unesp 2002 WALLIS R T Neoplatonism Indianapolis Hackett Publishing Company 2006 WEST M L Ancient greek music New York Oxford University Press 1994

ZANONCELLI L ldquoδa filosofia musicale di χristide Quintilianordquoέ Quaderni Urbinati di

Cultura Classica 24 1977 pp51-93

_______________ La manualistica musicale grega Milano Edizioni Angelo Guerini 1990

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