O Número Fi e a Seqüência de Fibonacci

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4 Física na Escola, v. 5, n. 2, 2004 Alguns números possuem características que parecem aproximá-los mais da magia do que da Ciência. Neste artigo de estréia, Dona Fifi (ou ΦΦ, se preferirem...) mostra-nos a face mais saborosa. Φ e a Seqüência de Fibonacci I ncentivada pelo editor desta sim- pática revista, meu conterrâ- neo e, ele próprio, um fibonacci, animei-me a escrever esse texto que deveria tratar de uma tese que defen- do há muito tempo, onde argumento que o cérebro feminino é mais adap- tado que o masculino para entender as sutilezas da Física Quântica. O edi- tor, porém, insistiu que eu escolhesse outro tema, considerando este muito polêmico. Acabou me convencendo com o argumento de que tal assunto não seria de interesse imediato para meus ex-colegas, professores de ciências do curso ginasial. Tudo bem. Falarei, então, de as- sunto ameno e inofensivo, mas creio que capaz de sustentar a atenção de meus leitores até o final do artigo. Tra- tarei de um número famoso desde os tempos de Euclides de Alexandria, patriarca da geometria que viveu por volta do ano 300 antes de Cristo. Este número, chamado de Φ, foi definido por Euclides como resultado de uma operação geométrica muito simples. Tome um segmento de reta AB e encontre um ponto intermediário, C, tal que AC/CB = AB/AC. Pois bem, essa razão é o número Φ que vale: Definido assim, o número Φ costuma ser chamado de “proporção áurea”, um número de ouro que sur- ge, como veremos, onde menos se es- pera, na Matemática, na Física, na Biologia, nas artes e até nas conspi- rações esotéricas. Vamos, para começar, examinar algumas propriedades do número Φ e mostrar como obtê-lo por operações algébricas simples. Observe que, se considerarmos que o segmento CB é igual a 1 e que o segmento AC vale x, temos, por construção: . Isto é, x 2 x – 1 = 0. Como toda equação de segundo grau, esta tem duas soluções que são: . É claro que a solução positiva, x 1 , é justamente o número Φ, a “propor- ção áurea”. O negativo da outra so- lução será chamado de φ. Portanto: e Como já disse e vou contar logo mais, o número Φ aparece em inú- meras e inesperadas situações, na Ciência, nas artes e nas coisas natu- rais e sobrenaturais. Mas, antes, vou falar de algo que foi descoberto sécu- los após Euclides por um matemático chamado Leonardo que, sendo mora- dor de Pisa, a cidade onde existe a famosa torre inclinada, era conhecido como Leonardo de Pisa. E, como nas- Maria Efigênia Gomes de Alencar (Dona Fifi) Hoje aposentada, foi professora de Ciências em escolas de Sobral, Ceará. Dentre outras aventuras, teve o privilégio de presenciar o famoso eclipse que comprovou a relatividade geral de Einstein. Suas apostilas podem ser lidas em: www.seara.ufc.br A definição de Φ é feita a partir do segmento de reta AB onde marca-se um ponto C tal que AC/CB = AB/AC.

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4 Física na Escola, v. 5, n. 2, 2004

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Alguns números possuem características queparecem aproximá-los mais da magia do queda Ciência. Neste artigo de estréia, Dona Fifi(ou ΦΦ, se preferirem...) mostra-nos a face maissaborosa.

Φ e a Seqüência de Fibonacci

Incentivada pelo editor desta sim-pática revista, meu conterrâ-neo e, ele próprio, um fibonacci,

animei-me a escrever esse texto quedeveria tratar de uma tese que defen-do há muito tempo, onde argumentoque o cérebro feminino é mais adap-tado que o masculino para entenderas sutilezas da Física Quântica. O edi-tor, porém, insistiu que eu escolhesseoutro tema, considerando este muitopolêmico. Acabou me convencendocom o argumento de que tal assuntonão seria de interesse imediato parameus ex-colegas, professores deciências do curso ginasial.

Tudo bem. Falarei, então, de as-sunto ameno e inofensivo, mas creioque capaz de sustentar a atenção demeus leitores até o final do artigo. Tra-tarei de um número famoso desde ostempos de Euclides de Alexandria,patriarca da geometria que viveu porvolta do ano 300 antes de Cristo. Estenúmero, chamado de Φ, foi definidopor Euclides como resultado de umaoperação geométrica muito simples.

Tome um segmento de reta AB eencontre um ponto intermediário, C,tal que AC/CB = AB/AC.

Pois bem, essa razão é o númeroΦ que vale:

Definido assim, o número Φcostuma ser chamado de “proporçãoáurea”, um número de ouro que sur-ge, como veremos, onde menos se es-

pera, na Matemática, na Física, naBiologia, nas artes e até nas conspi-rações esotéricas.

Vamos, para começar, examinaralgumas propriedades do número Φe mostrar como obtê-lo por operaçõesalgébricas simples. Observe que, seconsiderarmos que o segmento CB éigual a 1 e que o segmento AC vale x,temos, por construção:

. Isto é, x2 – x – 1 = 0.

Como toda equação de segundograu, esta tem duas soluções que são:

.

É claro que a solução positiva, x1,é justamente o número Φ, a “propor-ção áurea”. O negativo da outra so-lução será chamado de φ. Portanto:

e

Como já disse e vou contar logomais, o número Φ aparece em inú-meras e inesperadas situações, naCiência, nas artes e nas coisas natu-rais e sobrenaturais. Mas, antes, voufalar de algo que foi descoberto sécu-los após Euclides por um matemáticochamado Leonardo que, sendo mora-dor de Pisa, a cidade onde existe afamosa torre inclinada, era conhecidocomo Leonardo de Pisa. E, como nas-

Maria Efigênia Gomes de Alencar(Dona Fifi)Hoje aposentada, foi professora deCiências em escolas de Sobral, Ceará.Dentre outras aventuras, teve oprivilégio de presenciar o famosoeclipse que comprovou a relatividadegeral de Einstein. Suas apostilaspodem ser lidas em: www.seara.ufc.br

A definição de Φ é feita a partir do segmento de reta AB onde marca-se um ponto C talque AC/CB = AB/AC.

5Física na Escola, v. 5, n. 2, 2004 Φ e a Seqüência de Fibonacci

cera de família de boa estirpe, ficoutambém conhecido como Fibonacci,que significa, literalmente, “filho deboa gente”.

Pois esse Fibonacci publicou, em1202, um livro chamado “Livro dosÁbacos” onde tratava de vários temasmatemáticos que considerava comoimportantes. Um deles, provavelmen-te inventado por ele próprio, tratavado problema de calcular quantoscoelhos poderiam ser produzidos emum ano, a partir de um único casal.Da forma como enunciado por Fi-bonacci, o problema é muito artifi-cial. Supõe que cada casal leva ummês, após nascer, para ficar fértil, gerasempre outro casal, a cada mês, enenhum coelho morre durante o ano.Mas o que interessa é o resultado.

O mês inicial (0) é usado para queo primeiro casal atinja a fertilidade.No mês seguinte o casal está fértil eum novo casal é gerado. Portanto, du-rante o segundo mês, teremos doiscasais, o original (o X na figura in-dica um casal fértil) e o novo (repre-sentado por uma cruz), ainda infértil.No terceiro mês, o casal original geramais um casal e o segundo casal ficafértil. Portanto, nesse terceiro mêsteremos três casais. Agora, os dois pri-meiros casais estão férteis e cada umgera um novo casal. Dessa forma, onúmero de casais no quarto mês será5. E assim por diante.

O resultado é uma seqüência denúmeros em que cada um deles é obti-do pela soma dos dois números ime-diatamente anteriores:

1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34,55, 89, 144, 233, 377, ...

Esta é a “seqüência de Fibonacci”.A expressão que dá o número de

Fibonacci de ordem n é, simplesmente:

F (n) = F (n - 1) + F (n - 2).

Pulando mais alguns séculoschegamos a Johannes Kepler, o célebre

astrônomo das três leis planetárias.Kepler notou, em 1611, que a divisãoentre um número de Fibonacci e seuprecedente leva ao número Φ quandose avança para valores cada vez maio-res na seqüência. Em termos ma-temáticos, isto quer dizer que F(n) /F(n - 1) tende para Φ quando n tendepara infinito. Pegue uma calculadorae verifique isso.

De modo inverso, os números deFibonacci podem ser gerados a partirde potências de Φ segundo a expressão:

.

O interessante nessa expressão éque os números de Fibonacci, que sãoracionais, podem ser gerados de po-tências de Φ, que é irracional. Tecnica-mente, diz-se que os números de Fi-bonacci seguem uma “lei de potên-cia”. Números com essa propriedadenão são completamente aleatórios.

O número Φ, por si mesmo, já temalgumas propriedades curiosas. Comovimos, ele é irracional, como seucolega mais famoso, o número π. Istosignifica que esses números nãopodem ser obtidos pela divisão de doisinteiros. Só que o número Φ é menosredondinho, mas mais sofisticado eimprevisível. Ele pode surgir deexpressões matemáticas bastantecuriosas. Por exemplo, considere aexpressão abaixo:

.

Parece muito complicado, mas, naverdade, é bem fácil mostrar que essenúmero x é justamente nosso Φ. Tomeo quadrado de ambos os lados dessaexpressão:

Ora, como o número de raízes éinfinito, o segundo termo do lado di-reito da equação acima é justamentex. Logo, temos

x2 = 1 + x.

Portanto, como vimos anterior-mente, resulta que x = Φ.

Outra expressão curiosa que levaa Φ é essa:

.

Deixo a vocês a tarefa simples demostrar que esse x também é nossoquerido Φ. Mas, quero aproveitar essafração que não acaba nunca paracomentar que o número Φ talvez sejao mais irracional dos números irra-cionais. Pois essa fração converge tãovagarosamente para Φ que parece nosmostrar a relutância de Φ em se asso-ciar a uma fração, mesmo que a fra-ção não seja de inteiros.

O quadrado de Φ, isto é, ΦΦ, vale2,6180339887...

Como vemos, o número ΦΦ é opróprio número Φ acrescido de 1.Além disso, o inverso de Φ, isto é, 1 /Φ é igual a 0,6180339887..., que é Φ-1 e, como vemos, é o outro φ, defini-do anteriormente. Portanto, o núme-ro Φφ é igual a 1.

Podemos construir uma seqüên-cia que chamarei de “seqüência deFifibonacci”, formada pelos quadra-dos dos números de Fibonacci. Ela é:

1, 1, 4, 9, 25, 64, 169, 441, 1156, 3025, 7921,...

É claro que a fração entre dois nú-meros consecutivos dessa seqüênciaconverge para o número ΦΦ =2,6180339887... Deixo para vocês atarefa de encontrar uma regra deformação para essa seqüência.

A Fig. 1 mostra um tijolo de Fi-bonacci que é um paralelepípedo delados 1, Φ e φ. Ele tem volume unitárioe a área total de suas faces é 4Φ. Essetijolo pode ser inscrito em uma esferade raio 1. Portanto, a razão entre as

Figura 1. Tijolo de Fibonacci com lados 1,Φ e φ.

6 Física na Escola, v. 5, n. 2, 2004Φ e a Seqüência de Fibonacci

áreas da esfera e do tijolo inscrito é π/Φ, curioso encontro entre dois pres-tigiosos números irracionais.

Podemos, também, construir otijolo de Fifibonacci, com lados 1, ΦΦe φφ. Esse tijolo também tem volumeunitário mas sua área total é igual a8, um saudável retorno à raciona-lidade.

A letra Φ é a 21a letra do alfabetogrego. 21, é claro, é um dos númerosde Fibonacci. Os esotéricos adoramessas coincidências e ficam imaginan-do códigos secretos relacionados comesses números. Meu nome, por sinal,tem 5 e 8 letras, dois números conse-cutivos na seqüência de Fibonacci, oque, presumivelmente, me conferepoderes mágicos, mesmo sem ter degritar Shazam!

A origem de Φ, como vimos, foigeométrica. A proporção áurea foimuito utilizada por artistas da pós-renascença na composição de seusquadros. Uma construção geométricaque leva a um resultado interessantecomeça com um retângulo onde arazão entre a largura L e a altura Hseja justamente Φ. Esse é um retân-gulo áureo. Rebatendo um lado dealtura H, obtemos um quadrado eoutro retângulo áureo, este de ladosL1 e H1. Pois L1/H1 = Φ, novamente.

Se o processo for repetido no se-gundo retângulo áureo, obtemos ou-tro quadrado e outro retângulo, tam-bém áureo, sendo L2/H2 = Φ. E aí vocêtoma gosto e vai repetindo a brinca-deira até enjoar, obtendo retângulosáureos cada vez menores que conver-gem para um ponto que chamamosde pólo da construção. É fácil ver queesse pólo é o encontro de todas as dia-gonais maiores de todos os retângulosáureos da construção (Fig. 2)

Os matemáticos adoram dar no-mes grandiosos a seus objetos. O pró-prio nome da proporção áurea já édesse tipo. Pois esse pólo é chamado,por eles, de “olho de Deus”. Descon-tando a pretensão, vale a pena men-cionar que a curva que leva ao póloaproxima-se de uma espiral logarít-mica que René Descartes chamava de“espiral equiangular”, pois traçandoqualquer reta a partir do pólo ela cortaa curva sempre com o mesmo ângulo.Esse pode ser o mote para que eu co-

mece a mostrar a vocês como o nú-mero Φ e a seqüência de Fibonacci sur-gem em coisas da natureza.

Dizem que as aves predadoras, co-mo águias, falcões e gaviões, descemsobre suas presas seguindo umaespiral como essa, com a presa nopólo. Como os olhos das aves são la-terais, fazendo isso, a ave mantém apresa sempre na mesma linha de vi-são sem que precise girar a cabeça, oque prejudicaria a aerodinâmica dovôo.

No mundo vegetal o número Φ ea seqüência de Fibonacci surgem emmuitas situações. O arranjo dos ga-lhos nos troncos das árvores e das fo-lhas nos galhos costuma seguir uma

seqüência de Fibonacci (Fig. 3).Partindo de uma folha baixa, conta-mos o número de voltas em torno dogalho até chegar a outra folha exata-mente acima da inicial. Na figura,partindo da folha (1), precisamos de3 rotações no sentido horário parachegarmos à folha (6) que está direta-mente sobre a primeira. Nessas 3 vol-tas, passamos por 5 folhas. No senti-do anti-horário, bastam 2 voltas. No-te que 2, 3 e 5 são números de Fi-bonacci.

Correndo o risco de ser prematu-ramente classificada como caduca,comprovei essa tendência dos vegetaisem vários exemplares de plantas,como esse singelo arbusto fotogra-fado por meu neto Antônio no quin-tal de nosso sítio na Meruoca. Nessecaso, precisei de 5 voltas no sentidohorário para encontrar um galho exa-tamente sobre o mais baixo, passando

Figura 2. Representação geométrica dasproporções áureas.

Figura 3. A seqüência de Fibonacci nasfolhas de uma planta.

Figura 4. A seqüência de Fibonacci nosgalhos de uma planta. Botânicos acredi-tam que essa disposição permita melhoraproveitamento da luz solar e maior expo-sição às gotas da chuva.

7Física na Escola, v. 5, n. 2, 2004 Φ e a Seqüência de Fibonacci

por 8 galhos no processo (Fig. 4).Os botânicos acham que essa for-

ma de dispor folhas e galhos tem umarazão prática, aproveitada pela sele-ção natural. Ela torna mais eficientea utilização da luzsolar e a exposiçãoàs gotas da chuva.Faz sentido, mas aseqüência de Fibo-nacci e sua espiralcaracterística tam-bém aparecem em situações vegetaisonde a explicação não é tão evidente.

Um bom exemplo é o abacaxi, es-sa deliciosa fruta que, dizem as máslinguas, é o símbolo do nosso cinema.Nessa fotografia de um belo abacaxi(Antônio, novamente), podemos veras espirais formadas pelos gomos dacasca (Fig. 5). Cada gomo tem a formaaproximada de um hexágono e par-ticipa de três espirais que se cruzam.

Formando o menor ângulo com o eixodo abacaxi, 8 espirais paralelas circu-lam a fruta. Com um ângulo maior,são 13 espirais paralelas e com ângulomaior ainda, são 21 espirais. Não pre-

ciso nem lembrarque 8, 13 e 21sãonúmeros sucessivosna seqüência de Fi-bonacci.

Coisa parecida,e até mais evidente,

acontece com os girassóis, onde onúmero de espirais formadas pelas se-mentes da flor é bem grande. Infeliz-mente, não encontrei girassóis emnosso jardim para fotografar. Reco-mendo que procurem em outros jar-dins.

Mas essa é uma revista paraestudantes e professores de Física e atéagora ainda não falei de situações fí-sicas onde o número Φ e os númerosde Fibonacci aparecem. Pois, vou falar.

Existem áreas da Física onde osnúmeros de Fibonacci surgem porconstrução proposital e dão resulta-dos interessantes. Veja, inicialmente,um exemplo muito simples: duas pla-cas de vidro, com índices de refraçãodiferentes, justapostas uma sobre aoutra (Fig. 6). Um raio de luz que inci-da sobre esse conjunto pode sofrer re-flexões e desvios. Vamos contar onúmero de caminhos possíveis de umraio de luz aumentando, gradualmen-te, o número de reflexões nesses cami-nhos.

Olhando a figura, podemos verque o número de caminhos segue aseqüência de Fibonacci. Representan-do o número de reflexões, chamado

de “geração”, pela letra n, o númerode caminhos será F(n), um númerode Fibonacci. Por exemplo, a geraçãon = 4 leva a F(4) = 8 caminhos.

O físico nordestino EudenilsonLins de Albuquerque é um especialistano estudo das propriedades físicas decamadas de materiais empilhadas se-gundo seqüências de Fibonacci. Dostrabalhos que ele já publicou pinceium exemplo relativamente simples.

Formam-se pilhas com camadasde dois materiais transparentes comíndices de refração diferentes. A Fig. 7mostra como montar essas pilhassegundo um esquema tipo Fibonacci.Cada pilha é formada colocando-se asduas pilhas anteriores uma sob aoutra.

Um problema físico interessanteconsiste em saber quanta luz conse-gue atravessar uma dessas pilhas. Istoé, procura-se saber qual é a “trans-mitância” T da luz através da pilha,sendo T definido como T = I/I0, ondeI0 é a intensidade da luz incidente e I éa intensidade da luz que sai do outrolado da pilha (Fig. 8).

As espessuras das camadas sãofeitas de modo a serem “oticamenteequivalentes”. Isto significa que a luzleva um tempo igual para atravessarqualquer um dos dois tipos de camadaou, o que é o mesmo, que o númerode ondas da luz é igual em camadasde tipos diferentes. Com esse arranjo,surgem interessantes casos de

Figura 5. O abacaxi de Fibonacci, ou me-lhor, a seqüência de Fibonacci no aba-caxi…

Figura 6. Número de caminhos possíveis,aumentando o número de reflexões, deum raio de luz que passa entre duas placasde vidro com índices de refração diferentes:a seqüência de Fibonacci em Óptica.

Figura 7. Pilhas com camadas de dois ma-teriais transparentes com índices de refra-ção diferentes segundo um esquema tipoFibonacci.

Figura 8. Medida da transmitância da luzatravés de uma pilha de Fibonaccimontada conforme a Fig. 7.

Existem áreas da Física ondeos números de Fibonaccisurgem por construção

proposital e dão resultadosinteressantes, como por

exemplo em óptica

8 Física na Escola, v. 5, n. 2, 2004Φ e a Seqüência de Fibonacci

interferência entre os feixes de luz quese refletem nas interfaces entre ca-madas vizinhas. Por exemplo, se aespessura ótica das camadas forexatamente igual a meio comprimen-to de onda da luz, isto é, d = λ / 2, osfeixes refletidos nas faces sucessivasinterferem destrutivamente e se ani-quilam mutuamente. Nesse caso, por-tanto, a transmissão de luz pelas ca-madas é completa,T = 1. Se a espes-sura das camadasfor igual a umquarto de umcomprimento deonda da luz, isto é,d = λ / 4, os feixesrefletidos se refor-çam mutuamente ea transmissão é incompleta, T < 1.Para outros comprimentos de onda daluz, T varia entre esses dois valoresextremos. Quando o número decamadas cresce segundo as geraçõesde Fibonacci, a transmissão de luzvaria entre 0 e 1 de uma forma quedepende da ordem na seqüência(Fig. 9).

Essa figura, que foi adaptada deum dos trabalhos de Eudenilson,mostra como a transmissão de luz (T)varia com o comprimento de onda daluz incidente para uma pilha corres-pondente à geração S7, com 13 ca-madas. Um resultado interessante éque a forma dessas curvas de trans-missão se reproduz a cada 6 geraçõesde Fibonacci. Isto é, essa figura tam-bém está mostrando T para uma pilhacorrespondente à geração S13, com233 camadas. Basta ajustar a escalados comprimentos de onda de forma

adequada.Sempre que surge uma reprodu-

ção de formas desse tipo diz-se que acurva estudada tem “propriedade deescala”. Os físicos adoram encontraressas “leis de escala” em seus modelose experimentos. Esse comportamentoque acabamos de relatar talvez sejamais uma manifestação da não-alea-toriedade dos números de Fibonacci,

mencionada ante-riormente.

Vamos agorafalar do problema depreencher um planocom mosaicos deformas arbitrárias.É um problema geo-métrico com impli-cações na Física dos

Sólidos, como veremos. Se os mo-saicos tiverem a forma de polígonosregulares, com lados e ângulos iguais,topamos logo com uma limitação.Triângulos, quadrados e hexágonosregulares podem ser usados paracobrir um plano, mas, pentágonosnão servem para isso. Quando ten-tamos cobrir um piso com mosaicospentagonais logo constatamos quesobram espaços vazios. Essa obser-vação levou os cristalógrafos àconclusão de que não poderiam existircristais onde os átomos e moléculasse ajustassem formando uma sime-tria pentagonal, também chamada de“simetria de ordem-5”.

Mas o plano pode ser preenchidocom mosaicos não-regulares. Ou,com mais de um tipo de mosaico, comformas diferentes. O incrível pintorholandês Mauritius Escher, que umavez me presenteou com uma de suas

belas gravuras, era um mestre nessaarte de preencher planos com figurasde todo tipo. Sem a sofisticação dosquadros de Escher, podemos ver queum piso pode facilmente ser coberto,sem deixar vazios, por mosaicos he-xagonais e pentagonais, em um pa-drão semelhante ao que vemos nasbolas de futebol.

O físico inglês Roger Penrose, quefoi orientador do famoso StephenHawking, inventou um tipo de mo-saico de duas formas com caracterís-ticas aparentemente contraditórias:tem simetria de ordem-5, preenche oplano e não é periódico. Os mosaicosde Penrose são formados a partir de umtriângulo isósceles de lados iguais a Φ(Fig. 10). Esse triângulo converte-se emdois, mostrados com cores diferentesna figura, dividindo-se um dos ladosem uma parte que mede 1 e outra quemede Φ - 1. Combinando esses novostriângulos, Penrose montou dois tiposde mosaico, uma seta e uma arraia (queos sulistas chamam de pipa). Usandoesses dois “mosaicos de Penrose” oplano pode ser preenchido. Mais umavez, não preciso nem dizer como essemosaico está repleto de proporçõesáureas (Fig. 11).

É surpreendente que, se dividimoso número de arraias pelo número desetas em uma dada área do mosaicode Penrose, essa fração tende para Φquando a área examinada é cada vezmaior.

Os mosaicos de Penrose cobremuma superfície plana bi-dimensional,

Figura 9. Variação da transmitância com o comprimento de onda da luz indicindo emuma pilha de Fibonacci com 13 camadas.

Figura 10. Triângulo isósceles de ladosiguais a Φ.

Mosaicos de Penrose:formados a partir de um

triângulo isósceles de ladosiguais a F, apresentam

características contraditórias:têm simetria de ordem-5,preenchem o plano e não

são periódicos

9Física na Escola, v. 5, n. 2, 2004 Φ e a Seqüência de Fibonacci

mas os matemáticos já acharam paresde formas volumétricas que preen-chem por completo o espaço tri-di-mensional. São objetos que lembramcubos com facesrepuxadas, todasidênticas aos mo-saicos planos dePenrose. São cha-mados, por causadisso, de “romboe-dros áureos”.

O que não seesperava, porém, éque a simetria deordem-5, presente nos mosaicos dePenrose e nesses romboedros queenchem o espaço, pudesse surgir emobjetos físicos reais, como sólidos.Mas, surgiu. Na década de 80 doséculo passado foram descobertoscertos materiais que tinham simetriade ordem-5 e um arranjo não-periódico. Foram chamados de “qua-se-cristais”, pois têm simetria de rota-ção, como os cristais normais, masnão têm simetria de translação, istoé, não possuem uma “célula” que serepete periodicamente em algumadireção espacial.

Penrose, que é um especialista emburacos-negros, inventou seus mo-saicos meio de brincadeira e não ima-ginava que eles chegassem a ser úteisna descoberta e explicação dos quase-cristais. Mais recentemente, Penrosepassou a se dedicar à tarefa de pro-curar explicações para a consciência,essa propriedade espantosa que temosde pensar, fazer associações e buscarexplicações até para a própria cons-

ciência, em um processo auto-recor-rente um tanto vertiginoso. Penroseacha que a consciência pode ser o re-sultado de processos quânticos que

têm lugar no inte-rior dos microtubos,um emaranhado defilamentos que for-mam o citoesqueleto,estrutura presenteem todas as célulasdos seres vivos. Se-gundo Penrose, osmicrotubos seriamo local mais propício

para abrigar os processos quânticosque resultariam na consciência. Nãocreio que valha a pena entrar nos de-talhes desse palpite de Roger Penrosemas cabe contar como ele envolvetambém os números de Fibonacci.

A parede de um microtubo é for-mada por colunas de unidades cha-madas de tubulins. Ao todo, ummicrotubo tem 13 colunas de tubu-lins. A disposição dos tubulins formaespirais que lembram as espiraisdesenhadas pelos gomos do abacaxi.Como vemos no desenho, seguindoas espirais em torno do microtubo,encontramos padrões que se repetema cada 3, 5, 8 e 13 unidades. Todosesses números, é claro, fazem parteda seqüência de Fibonacci (Fig. 12).

Tem gente que já sugeriu que oaparecimento dos números de Fi-bonacci nos microtubos não se dá poracaso. Do mesmo modo que o arranjode Fibonacci facilita o aproveitamentoda luz do sol e da água da chuva nasfolhas e nos galhos das árvores, tam-

Figura 11. “Mosaicos de Penrose”, que preenchem exatamente uma área plana.

Figura 12. Microtubos apresentam umaseqüência de Fibonacci. Para Penrose, aconsciência pode ser o resultado de pro-cessos quânticos que têm lugar no inte-rior dessas estruturas.

ReferênciasM. Livio, The Golden Ratio (Broadway Books,

New York, 2002).R. Penrose, A Mente Nova do Rei (Editora

Campus, 1991).E.L. Albuquerque e M.G. Cottam, Physics

Reports 376, 255 (2003).

bém poderia promover o fluxo de in-formações nos microtubos. Haja espe-culação, mas, pelo menos, é umaespeculação excitante.

Muito mais há para contar sobreesses maravilhosos números masacho melhor parar por aqui. Com essaintrodução vocês já estão prontos paraadquirir a mania de encontrar a pro-porção áurea e os números de Fibo-nacci nas coisas do mundo em quevivem. Quem sabe, até descobrir no-vas associações ainda desconhecidas.Outra vez, se o editor da revista mepermitir e se, antes disso, o acendedordo big-bang não me convocar paraum tête-à-tête, voltaremos a conver-sar, talvez até sobre os assuntos polê-micos que mencionei.

Penrose dedicou-se à tarefade procurar explicações

para a consciência. Ele achaque a consciência pode sero resultado de processos

quânticos que têm lugar nointerior dos microtubos, e,

oh, nanotubos tambémenvolvem números de

Fibonacci