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Cap´ ıtulo 4 Integrais 4.1 Introdu¸ ao A no¸ ao de integral ´ e f´acil de descrever geometricamente, porque est´ a di- rectamente relacionada com a de ´ area de figuras planas. Por exemplo, se f (x)= x 2 ent˜ ao o integral de f de x = 0 at´ e x = 1 pode ser designado 1 0 x 2 dx, ea´ area da regi˜ ao do plano definida por 0 x 1e0 <y<x 2 . Ω 1 y = x 2 Figura 4.1.1: 1 0 x 2 dx = ´ Area(Ω) Dada uma qualquer fun¸ ao real f definida pelo menos no intervalo I =[a, b], o conjunto limitado pelo gr´ afico de f , o eixo dos xx e as rectas verticais x = a e x = b ´ ea regi˜ ao de ordenadas de f (em I ). Designando aqui essa regi˜ ao por Ω, e supondo que f (x) 0 para qualquer x I , temos ent˜ ao Ω= {(x, y): a x b e0 <y<f (x)} e 145

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Capıtulo 4

Integrais

4.1 Introducao

A nocao de integral e facil de descrever geometricamente, porque esta di-rectamente relacionada com a de area de figuras planas. Por exemplo, sef(x) = x2 entao o integral de f de x = 0 ate x = 1 pode ser designado

1

0

x2dx,

e e a area da regiao do plano definida por 0 ≤ x ≤ 1 e 0 < y < x2.

Ω

1

y = x2

Figura 4.1.1:

1

0

x2dx = Area(Ω)

Dada uma qualquer funcao real f definida pelo menos no intervalo I = [a, b],o conjunto limitado pelo grafico de f , o eixo dos xx e as rectas verticais x = ae x = b e a regiao de ordenadas de f (em I). Designando aqui essa regiaopor Ω, e supondo que f(x) ≥ 0 para qualquer x ∈ I, temos entao

Ω = (x, y) : a ≤ x ≤ b e 0 < y < f(x) e

145

146 CAPITULO 4. INTEGRAIS

∫ b

a

f(x)dx = Area(Ω)

Se a funcao integranda muda de sinal no intervalo I, entao a respectivaregiao de ordenadas tem componentes acima e abaixo do eixo dos xx, quedesignamos respectivamente por Ω+ e Ω−, ou seja,

• Ω+ = (x, y) : a ≤ x ≤ b e 0 < y < f(x) e

• Ω− = (x, y) : a ≤ x ≤ b e 0 > y > f(x).

Neste caso, o respectivo integral e a diferenca das areas de Ω+ e Ω−, i.e.,

∫ b

a

f(x)dx = Area(Ω+)− Area(Ω−)

Por exemplo, com f(x) = senx, a = π/4 e b = 3π/2 e geometricamenteevidente que (figura 4.1.2)

∫ 3π

2

π

4

senxdx = Area(Ω+)− Area(Ω−) =

∫ π

2

π

4

senxdx

Ω+

Ω−

π4

π2

3π2

y = senx

Figura 4.1.2: Area(Ω+)− Area(Ω−) =

∫ 3π

2

π

4

senxdx =

∫ π

2

π

4

senxdx

E claro que as observacoes acima nao sao uma definicao aceitavel paraa nocao de “integral”, em particular porque tambem nao dispomos de umadefinicao suficientemente precisa para o conceito de “area” de uma figuraplana. Mas antes de nos ocuparmos de questoes mais teoricas sobre a de-finicao do integral, apresentamos alguns exemplos elementares, antecipandoo resultado do calculo de diversos integrais, e ilustrando a sua aplicacao adeterminacao de grandezas fısicas que normalmente nao imaginamos como

4.1. INTRODUCAO 147

“areas”. Registamos tambem diversas convencoes de terminologia que usa-remos no que segue, e respeitantes ao sımbolo:

∫ b

a

f(x)dx

Dizemos que f e a funcao integranda, o intervalo I = [a, b] e a regiao deintegracao, e x e a variavel de integracao. A variavel de integracao e muda,porque pode ser substituıda por qualquer outro sımbolo sem alterar o valordo integral, e por vezes e omitida, i.e.,

∫ b

a

f(x)dx =

∫ b

a

f(t)dt =

∫ b

a

f(s)ds =

∫ b

a

f

Se I = [a, b], escrevemos tambem∫

If em vez de

∫ b

af .

Exemplos 4.1.1.

(1) Se f e constante e igual a c no intervalo [a, b], entao a sua regiao de ordenadase um rectangulo de base b− a e altura |c|, e portanto temos

b

a

cdx = c(b− a).

O sinal algebrico deste integral e o sinal de c, de acordo com a convencaoilustrada na figura 4.1.2.

(2) Se f(x) = x e I = [0, b] entao a regiao de ordenadas de f em I e um triangulode base e altura b, com area b2/2. Concluımos que

∫ b

0

xdx =b2

2.

(3) Em geral, se o grafico de f e uma recta, i.e., se f(x) = mx + p, entaoa sua regiao de ordenadas e um trapezio, e a sua area pode ser calculadamultiplicando a sua largura, que e b− a, pela sua altura media, que e

f(a) + f(b)

2=

(ma+ p) + (mb + p)

2= m

a+ b

2+ p.

Concluımos que

b

a

(mx+ p)dx = [ma+ b

2+ p](b− a) =

m

2(b2 − a2) + p(b− a).

(4) Se f(x) =√1− x2 para 0 ≤ x ≤ 1 entao a regiao de ordenadas de f e um

quarto de cırculo de raio 1, e devemos ter

∫ 1

0

1− x2dx =π

4.

148 CAPITULO 4. INTEGRAIS

a

a

b

bb

c(1) y = c (2) y = x

(3) y = mx+ p (4) y =√1− x2

Figura 4.1.3: Exemplos 4.1.1, (1) a (4).

(5) A identidade no exemplo (3) continua valida, mesmo que a funcao f mudede sinal na regiao de integracao, apesar do resultado deixar de representardirectamente uma area. Em qualquer caso, e sempre possıvel interpretar esteresultado de multiplas maneiras:

• Se f representa a velocidade (em funcao do tempo) de um ponto materialem movimento rectilıneo, e natural usar v em lugar de f , e representara variavel independente por t. Neste caso, m = dv

dt= a e a aceleracao,

e p = v(0) = v0 e a velocidade inicial. Temos entao v(t) = at + v0, eo movimento e uniformemente acelerado. A formula acima, escrita coma = t1 e b = t2, da o deslocamento1 do ponto em causa no intervalo[t1, t2], que e:

t2

t1

(at+ v0)dt =a

2(t22 − t21) + v0(t2 − t1).

O caso particular em que a = g, t1 = v0 = 0 e t2 = t, da para odeslocamento o valor de 1

2gt2, que e a famosa formula da “queda dos

graves” descoberta por Galileu.

• Para uma outra possıvel interpretacao do mesmo resultado, imagine-seuma mola, com comprimento “natural” x0, colocada segundo o eixo dosxx, com uma extremidade fixa na origem x = 0. A forca f com que a molaresiste a sua deformacao e dada em primeira aproximacao por f(x) =

1O deslocamento e a distancia que separa a posicao final da posicao inicial, afectadapor um sinal algebrico negativo, se a posicao final esta a esquerda da posicao inicial.

4.1. INTRODUCAO 149

−k(x−x0), onde k > 0 e a constante de Hooke, que depende do materialque constitui a mola, e da sua forma, e x e a posicao da extremidade livreda mola. Se a mola for deformada lentamente do comprimento x0 parax1 entao o trabalho exigido por essa deformacao e

−∫ x1

x0

f(x)dx =

∫ x1

x0

k(x− x0)dx =

k

2(x2

1 − x20)− kx0(x1 − x0) =

k

2(x1 − x0)

2

A funcao U(x) = k

2(x− x0)

2 e a energia (potencial) elastica armazenadana mola, quando o seu comprimento e x.

A questao do calculo de integrais/areas e estudada literalmente ha mi-lhares de anos, e em particular a solucao do problema referido na figura4.1.1 e usualmente atribuıda ao famoso Arquimedes(2). Ainda hoje usamosa expressao “quadratura do cırculo” para indicar um problema particular-mente difıcil de resolver, talvez desconhecendo que essa expressao e um ecolongınquo de trabalhos na Antiguidade Classica sobre a definicao e calculode areas. A “quadratura do cırculo” era simplesmente a construcao de umquadrado com area igual a de um dado cırculo, ou seja, era o problema decalcular a area de um cırculo por metodos geometricos(3).

Note-se desde ja que, tal como so e possıvel calcular a derivada defuncoes diferenciaveis, tambem so e possıvel calcular o integral de funcoesintegraveis. Veremos mais adiante como a tecnica utilizada por Arquimedesha 24 seculos para calcular a area de um sector parabolico e efectivamentea base da definicao rigorosa do que chamamos integral de Riemann, quepermite dar uma primeira resposta a questao de saber exactamente o que euma “funcao integravel”, mas por enquanto limitamo-nos a apresentar umconjunto de resultados elementares que ainda nao podemos demonstrar, masque em qualquer caso sao “naturais” a luz da interpretacao geometrica quedemos para o integral.

Teorema 4.1.2. Se f e integravel no intervalo [a, b] e c ∈ [a, b] entao f eintegravel em qualquer intervalo [c, d] ⊆ [a, b] e temos

∫ c

a

f(x)dx+

∫ b

c

f(x)dx =

∫ b

a

f(x)dx, para qualquer c ∈ [a, b].

E por vezes conveniente considerar integrais da forma∫ b

af(x)dx com

b < a. Utilizamos neste caso a definicao∫ b

a

f(x)dx = −∫ a

b

f(x)dx

2Arquimedes, matematico e engenheiro, foi um dos maiores cientistas da Historia.Viveu em Siracusa, no seculo III AC.

3A “construcao” em causa era suposta usar apenas um compasso e uma regua (semmarcas!), e so nos finais do seculo XIX se veio a mostrar ser ımpossıvel com essas limitacoes.

150 CAPITULO 4. INTEGRAIS

a c

b

y = f(x)

Figura 4.1.4:

∫ c

a

f(x)dx+

∫ b

c

f(x)dx =

∫ b

a

f(x)dx

Com esta convencao, e facil obter o seguinte

Corolario 4.1.3. Se f e integravel no intervalo I entao∫ c

a

f(x)dx+

∫ b

c

f(x)dx =

∫ b

a

f(x)dx, para quaisquer a, b, c ∈ I.

O teorema seguinte tem uma interpretacao geometrica imediata (figura 4.1.5):

Teorema 4.1.4. Se f e integravel em I = [a, b] entao

α ≤ f(x) ≤ β para qualquer x ∈ I =⇒ α · (b− a) ≤∫ b

a

f(x) ≤ β · (b− a).

a b

α

βy = f(x)

Figura 4.1.5: α · (b− a) ≤∫ b

a

f(x) ≤ β · (b− a)

O proximo resultado e, como veremos, um pouco mais difıcil do pontode vista da sua demonstracao.

4.2. OS TEOREMAS FUNDAMENTAIS DO CALCULO 151

Teorema 4.1.5. Se f e contınua no intervalo [a, b] entao f e integravel nomesmo intervalo.

A ideia mais essencial a resolucao “pratica” do problema do calculo deintegrais/areas foi descoberta apenas no seculo XVII, quando Newton e Leib-niz criaram o Calculo Diferencial e Integral na forma em que actualmenteo conhecemos. O ponto mais basico dessa ideia e o de considerar a questaoda integracao nao como a determinacao de um numero, mas como a deter-minacao de uma funcao. Mais especificamente, dizemos que um integral

indefinido e uma funcao da forma

F (t) =

∫ t

a

f(x) dx, onde a ∈ R esta fixo e t e a variavel de A.

Notamos do teorema 4.1.2 que, se f e integravel no intervalo I e se fixarmosa ∈ I, entao a funcao A esta definida para qualquer t ∈ I. Um integraldefinido e da forma

∫ c

b

f(x) dx, onde b, c ∈ R estao fixos.

A relacao entre integrais definidos e indefinidos e muito simples, e resultado corolario 4.1.3 que, para quaisquer b, c ∈ I, temos

∫ b

a

f(x) dx+

∫ c

b

f(x) dx =

∫ c

a

f(x) dx, ou seja,

∫ c

b

f(x) dx = F (c)−F (b)

4.2 Os Teoremas Fundamentais do Calculo

A descoberta verdadeiramente crucial feita no seculo XVII e a de que, sendoo calculo de um integral indefinido aparentemente muito difıcil, a deter-minacao da respectiva derivada e trivial. Exploramos esta observacao nosexemplos seguintes, onde regressamos a parabola de Arquimedes.

Exemplos 4.2.1.

(1) Consideramos o integral indefinido dado por (do exemplo de Arquimedes):

(1) A(t) =

∫ t

0

x2dx, t ∈ R

A tıtulo de ilustracao, temos tambem

∫ 2

1

x2dx = A(2)−A(1),

−3

5

x2dx = A(−3)−A(5), etc.

(2) Sempre considerando o integral indefinido indicado em (1), comecamos pornotar que a a diferenca A(t + h) − A(t) e a area sob a curva y = x2 no

152 CAPITULO 4. INTEGRAIS

t

t2

(t+ h)2

t+ h

y = x2

Figura 4.2.1: A(t+ h)−A(t) =

∫ t+h

t

x2dx

intervalo [t, t + h] quando h > 0 (ver figura 4.2.1)(4). Mais precisamente, eindependentemente do sinal algebrico de h, temos do corolario 4.1.3 que

A(t+ h)−A(t) =

∫ t+h

t

x2dx

Retomando a suposicao h > 0, a diferenca A(t + h)− A(t) =∫ t+h

tx2dx pode

ser estimada muito facilmente, por comparacao com os rectangulos R1 e R2

indicados na figura 4.2.2, que sao dados por

• O rectangulo R1 = (x, y) : t ≤ x ≤ t + h e 0 < y < t2, com base h ealtura t2, e Area(R1) = h · t2, e

• O rectangulo R2 = (x, y) : t ≤ x ≤ t+ h e 0 < y < (t + h)2, com baseh e altura (t+ h)2, donde Area(R2) = h · (t+ h)2.

Temos Area(R1) ≤Area(Ω) ≤Area(R1), porque t2 ≤ x2 ≤ (t+ h)2 quandot ≤ x ≤ t+ h, ou seja, e agora de acordo com o teorema 4.1.4,

h · t2 ≤ A(t+ h)−A(t) ≤ h · (t+ h)2

Dividindo estas desigualdades por h obtemos entao

(1) t2 ≤ A(t+ h)−A(t)

h≤ (t+ h)2.

Quando h < 0, a aplicacao de 4.1.4 conduz a

−h · (t+ h)2 ≤ A(t)−A(t+ h) ≤ −h · t2,4A interpretacao geometrica e mais simples para h > 0, mas e facil ver que esta restricao

e superflua para o resultado em causa.

4.2. OS TEOREMAS FUNDAMENTAIS DO CALCULO 153

t

t2

R1 R2Ωt,h

(t+ h)2

t+ h

y = x2

Figura 4.2.2: A(t+ h)−A(t) =

∫ t+h

t

x2dx

e a divisao por −h conduz a

(2) (t+ h)2 ≤ A(t+ h)−A(t)

h≤ t2.

Fazendo h → 0, e usando a definicao de derivada, concluımos que

t2 ≤ A′(t) ≤ t2, ou seja, A′(t) = t2.

No caso presente, e muito facil obter uma funcao com derivada igual a deA, porque qualquer funcao da forma G(t) = t3/3 + C satisfaz G′(t) = t2.Como A′(t) = G′(t), temos de acordo com o corolario 3.4.7 que A(t) −G(t) econstante em R, ou seja, A(t) = G(t) +K. Temos para quaisquer a, b ∈ R queA(b)−A(a) = G(b)−G(a), e portanto

b

a

x2dx = A(b)−A(a) = G(b)−G(a) =b3

3− a3

3.

Como A(0) = 0, temos em particular que

∫ 1

0

x2dx = G(1)−G(0) =1

3.

que e o resultado descoberto por Arquimedes ha quase 2.000 anos.

As observacoes que fizemos a proposito da diferenciacao e calculo deA(t) =

∫ t

0x2dx sao muito gerais, e passamos a enunciar e provar uma pri-

meira versao dos chamados Teoremas Fundamentais do Calculo, quesistematizam essas observacoes.

154 CAPITULO 4. INTEGRAIS

Teorema 4.2.2 (1o Teorema Fundamental, Versao 1). Se f e contınua nointervalo I e a ∈ I entao

A(x) =

∫ x

a

f para x ∈ I =⇒ A′(x) = f(x) para qualquer x ∈ I.

Demonstracao. Consideramos apenas o caso em que x ∈ I nao e o extremodireito do intervalo I e h > 0. Como f e contınua em [x, x+h], tem maximoMh e mınimo mh no referido intervalo, e existem xh, x

h ∈ [x, x+h] tais quemh = f(xh) e Mh = f(x′h). Notamos do teorema 4.1.4 que

f(xh) = mh ≤ A(x+ h)−A(x)

h≤ Mh = f(x′h)

Como f e contınua em x, e claro que f(xh) → f(x) e f(x′h) → f(x) quando

h → 0, e concluımos que A′

d(x) = f(x). E facil completar este argumentopara verificar que A′(x) = f(x) para qualquer x ∈ I.

Teorema 4.2.3 (2o Teorema Fundamental/Regra de Barrow, Versao 1). Sef e contınua em I e G′(x) = f(x) para qualquer x ∈ I, entao temos paraquaisquer a, b ∈ I que

∫ b

a

f(x)dx =

∫ b

a

G′(x)dx = G(b)−G(a).

Demonstracao. De acordo com 4.2.2, se A(x) =∫ x

af entao A′(x) = f(x), e

portanto a diferenca A(x)−G(x) e constante no intervalo I. Temos portanto

∫ b

a

f(x)dx = A(b)−A(a) = G(b)−G(a)

Observacoes 4.2.4.

(1) O 1o Teorema Fundamental descreve a diferenciacao de um integral, en-quanto que o 2o Teorema Fundamental descreve a integracao de uma derivada.A figura seguinte ilustra esta ideia para o caso dos resultados enunciados acima,mas existem a este respeito teoremas muito mais gerais, que largamente ultra-passam o ambito deste texto.

(2) O 2o Teorema Fundamental, tambem conhecido por “Regra de Barrow”, eefectivamente um potente algoritmo de calculo de integrais. Mostra que, pelomenos quando a funcao integranda f e contınua, o calculo do seu integral seresume essencialmente a determinar uma funcao G tal que G′ = f na regiao deintegracao. As diferencas da forma G(b)−G(a) que aparecem no seu enunciadosao alias normalmente abreviadas como se segue:

G(b)−G(a) = G(x)|x=b

x=a= G(x)|b

a

4.2. OS TEOREMAS FUNDAMENTAIS DO CALCULO 155

Diferenciacao

Integracao

C(I)C1(I)

Figura 4.2.3: Os Teoremas Fundamentais do Calculo (4.2.2 e 4.2.3)

(3) QuandoG′(x) = f(x) para qualquer x ∈ D, dizemos queG e uma primitivade f (no conjunto D), e que f e primitivavel em D. O processo de calculode G a partir de f e o inverso da usual operacao de diferenciacao, e diz-seprimitivacao. Para dizer que G e uma primitiva de f podemos escreverapenas que G′(x) = f(x), mas e uma pratica comum que seguiremos comfrequencia escrever

G(x) =

f(x)dx

(4) A Regra de Barrow mostra que a integracao de uma funcao contınua sereduz a sua primitivacao, mas nao se pode concluir daqui que qualquer funcaof primitivavel e tambem integravel. Nao e simples verificar ja este facto, mas afuncao f(x) = g′(x), onde g e o exemplo 3.1.12.3, e evidentemente primitivavelem R, porque g e uma sua primitiva, e nao e integravel em qualquer intervaloque contenha a origem(5). O 2o Teorema Fundamental nao e aplicavel a fporque o respectivo integral simplesmente nao existe.

Exemplos 4.2.5.

(1) Como (− cosx)′ = senx, que e contınua, temos

π

0

senx dx = − cosx|π0= − cosπ + cos 0 = 2

(2) O integral que referimos a proposito da figura 4.1.2 e

∫ 3π

2

π

4

senx dx = − cosx|3π

4

= − cos3π

2+ cos

π

4= cos

π

4=

√2

2

(3) O resultado de Arquimedes para a area do sector da parabola pode sergeneralizado para

∫ 1

0

xn dx =xn+1

n+ 1

1

0

=1

n+ 1

5O grafico da funcao f esta esbocado na figura 3.3.1

156 CAPITULO 4. INTEGRAIS

(4) Para calcular a derivada de

A(x) =

ex

x2

1

2 + sen tdt

nao e necessario determinar uma primitiva de f(t) = 1

2+sen t. Basta notar que,

se G e uma qualquer primitiva de f , ou seja, se G′ = f , temos

A(x) = G(ex)−G(x2) donde A′(x) = G′(ex)ex −G′(x2)2x, i.e.,

A′(x) =ex

2 + sen(ex)− 2x

2 + sen(x2)

4.3 Tecnicas de Primitivacao

Como vimos na seccao anterior, o calculo de integrais esta directamenterelacionado com o calculo de primitivas e convencionamos que

F (x) =

f(x) dx em I ⇐⇒ F ′(x) = f(x), para qualquer x ∈ I.

Recordamos que se I e um intervalo e F e uma dada primitiva de f em Ientao qualquer outra primitiva G de f em I difere de F por uma constante,ou seja,

G(x) =

f(x) dx em I ⇐⇒ G(x) = F (x) + C, para qualquer x ∈ I.

Deve ser claro que todas as regras de diferenciacao que estudamos ate aquisao tambem regras de primitivacao. Os exemplos seguintes, de primitivasimediatas, ilustram isto mesmo.

Exemplos 4.3.1.

(1) F (x) =

ex dx em R ⇐⇒ F (x) = ex + C

(2) F (x) =

senx dx em R ⇐⇒ F (x) = − cosx+ C

(3) F (x) =

cosx dx em R ⇐⇒ F (x) = senx+ C

(4) F (x) =

xn dx em R ⇐⇒ F (x) =xn+1

n+ 1+ C

(5) F (x) =

1

1 + x2em R ⇐⇒ F (x) = arctanx+ C

Quando o domınio em causa nao e a recta real, pode ser restrito a um inter-valo, como no exemplo seguinte, mas pode ser mais complexo. Repare-se queno exemplo (7) existem duas constantes arbitrarias, uma para cada um dosintervalos disjuntos em que se decompoe o domınio, e no exemplo (8) existeuma infinidade de constantes arbitrarias.

4.3. TECNICAS DE PRIMITIVACAO 157

(6) Quando I =]− π/2, π/2[,

F (x) =

sec2 x dx em I ⇐⇒ F (x) = tanx+ C em I .

(7) F (x) =

1/x dx em R \ 0 ⇐⇒

F (x) =

log |x|+ C1, para x > 0 elog |x|+ C2, para x < 0.

(8) Retomando o exemplo (6), o domınio da funcao sec2 x e D = x ∈ R :cosx 6= 0. Como cosx = 0 se e so se x = π/2 + nπ, com n ∈ Z, segue-seque D = R\E, onde E = π/2 + nπ, n ∈ Z. Em cada intervalo da formaIn =]nπ + π/2, nπ − π/2[, qualquer primitiva de sec2 x e da forma F (x) =tanx+Cn, como vimos em (6). Segue-se que as primitivas de sec2 x em D saoda forma

F (x) = tanx+ Cn, para x ∈ In.

A identificacao de uma primitiva especıfica envolve assim a seleccao das cons-tante Cn, obviamente em numero infinito.

Deve reconhecer-se que, em geral, o problema da primitivacao podeser tecnicamente muito difıcil. Por exemplo, e apesar de nao demonstrar-mos aqui esse facto, existem funcoes “elementares”, como f(x) = e−x2

oug(x) = (senx)/x, cujas primitivas nao podem ser expressas como com-binacoes algebricas simples de outras funcoes conhecidas, e sao por issosimplesmente novas funcoes, a juntar as que ja referimos.

Exemplos 4.3.2.

(1) O seguinte integral indefinido diz-se a funcao de erro e designa-se erf. Temum papel fundamental na Estatıstica, pela sua relacao com a famosa distri-buicao “em sino” de Gauss

erf(x) =2√π

x

0

e−t2

dt

(2) O seguinte integral indefinido diz-se o Seno Integral e designa-se por Si

Si(x) =

x

0

sen t

tdt

Veremos no proximo capıtulo como calcular estas funcoes com precisao arbi-trariamente grande. Os graficos destas funcoes estao na figura 4.3.1.

Existem no entanto multiplas tecnicas auxiliares de calculo de primiti-vas, que passamos a estudar, e que nos permitem primitivar, por processosrelativamente simples, uma grande variedade de funcoes.

158 CAPITULO 4. INTEGRAIS

−1

1

(1)

−π2

π2

(2)

Figura 4.3.1: Graficos de y = erf(x) (1) e de y = Si(x) (2).

4.3.1 Primitivacao e Integracao por Partes

Comecamos por um metodo de primitivacao que e uma aplicacao directa daregra de diferenciacao do produto.

Teorema 4.3.3 (Primitivacao por partes). Sejam f, g funcoes diferenciaveisem I = [a, b]. Entao:

f(x)g′(x) dx = f(x)g(x)−∫

f ′(x)g(x) dx.

Demonstracao. Para a demonstracao basta observar que a regra de de-rivacao do produto se escreve:

(fg)′ = f ′g + fg′ ⇔ fg′ = (fg)′ − f ′g.

Portanto, temos que:∫

fg′ =

(fg)′ −∫

f ′g = fg −∫

f ′g.

Exemplos 4.3.4.

(1) Para calcular uma primitiva de x log x, tomamos

f(x) = log x e g′(x) = x donde f ′(x) = 1/x e g(x) = x2/2

A regra de primitivacao por partes conduz a:∫

x log x dx =x2

2log x−

x

2dx =

x2

2log x− x2

4.

(2) E por vezes util tomar g′(x) = 1. Por exemplo, para calcular uma primitivade log x, tomamos

f(x) = log x e g′(x) = 1 donde f ′(x) = 1/x e g(x) = x

A regra de primitivacao por partes conduz a:∫

log x dx = x log x−∫

x

xdx = x log x− x.

4.3. TECNICAS DE PRIMITIVACAO 159

(3) Pode ser necessario aplicar repetidamente o metodo de primitivacao porpartes ate atingir a primitiva pretendida. Para calcular uma primitiva dex2ex, tomamos

f(x) = x2 e g′(x) = ex donde f ′(x) = 2x e g(x) = ex

A regra de primitivacao por partes conduz a:

(i)

x2ex dx = x2ex − 2

xex dx.

Para calcular uma primitiva de xex, tomamos

f(x) = x e g′(x) = ex donde f ′(x) = 1 e g(x) = ex

A regra de primitivacao por partes conduz a:

(ii)

xex dx = xex −∫

ex dx = xex − ex.

Por simples substituicao do resultado em (ii) na identidade (i), obtemos entao

x2ex dx = x2ex − 2

xex dx = x2ex − 2(xex − ex).

(4) A aplicacao do metodo de primitivacao por partes pode conduzir a primitivainicial, mas mesmo nesse caso e possıvel terminar o calculo. Para calcular umaprimitiva de ex cosx, tomamos

f(x) = ex e g′(x) = cosx donde f ′(x) = ex e g(x) = senx

A regra de primitivacao por partes conduz a:

(i)

ex cosx dx = ex senx−∫

ex senx dx.

Para calcular uma primitiva de ex senx, tomamos

f(x) = ex e g′(x) = senx donde f ′(x) = ex e g(x) = − cosx

A regra de primitivacao por partes conduz a:

(ii)

ex senx dx = ex cosx−∫

ex cosx dx.

A substituicao do resultado em (ii) na identidade (i) conduz agora a

ex cosx dx = ex senx− (ex cosx−∫

ex cosx dx), ou

ex cosx dx =1

2ex senx− 1

2ex cosx

160 CAPITULO 4. INTEGRAIS

4.3.2 Primitivacao por Substituicao

Um outro metodo muito util no calculo de primitivas e a seguinte aplicacaodirecta da regra de diferenciacao da funcao composta:

Teorema 4.3.5 (Primitivacao por substituicao). Se f e g sao funcoes di-ferenciaveis, entao:

F (u) =

f(u)du =⇒ F (u(x)) =

f(g(x))g′(x) dx.

Este resultado escreve-se usualmente de forma mais sucinta, mas impre-cisa, porque deixa subentendida a substituicao de u por u(x), como

f(u)du =

f(g(x))g′(x) dx

Demonstracao. Para a demonstracao basta observar que se F e uma primi-tiva de f , entao, pela regra de derivacao da funcao composta:

(F g)′ = (F ′ g) g′ = (f g) g′

O metodo de primitivacao por substituicao tem portanto tres passos:∫

f ′(g(x))g′(x) dx

f ′(u) du f(u)

f(g(x))

u = g(x)

du = g′(x)dx

u = g(x)(1)

(2)

(3)

Figura 4.3.2: O metodo de substituicao.

(1) Substituir no integral original g(x) por u e g′(x) dx por du. Depoisdesta manipulacao, so a variavel u deve aparecer;

(2) Encontrar uma primitiva da funcao resultante (em que a variavel e u);

(3) Substituir de volta u por g(x).

Os proximos exemplos ilustram este metodo.

Exemplos 4.3.6.

4.3. TECNICAS DE PRIMITIVACAO 161

(1) Tomamos u = senx e du = cosxdx, para obter

sin5 x cosx dx =

u5 du =u6

6=

sin6 x

6.

(2) Tomamos u = log x e du = 1

xdx, para obter

1

x log xdx =

1

udu = log u = log(log x).

(3) Nos exemplos acima e relativamente simples identificar a substituicao ne-cessaria. Em geral, no entanto, essa e a principal dificuldade na aplicacao datecnica. Para calcular

1− x2 dx,

recordamos a identidade√

1− sin2 u = cosu, que sugere a substituicao x =sinu, com dx = cosudu. Temos entao

1− x2 dx =

cos2 u du =

1 + cos(2u)

2du =

=u

2+

sen(2u)

4=

u

2+

2 sen(u) cos(u)

4=

arcsenx

2+

x√1− x2

4

Note-se a tıtulo de curiosidade que a classica formula sobre a area do cırculo e

∫ 1

−1

1− x2 dx =arcsenx

2+

x√1− x2

4

1

−1

2

4.3.3 Primitivacao de Funcoes Racionais

Recorde-se que uma funcao racional e um quociente de polinomios, ou seja,f e racional se e so se

(1) f(x) =p(x)

q(x)=

anxn + an−1x

n−1 + · · · + a0bmxm + bm−1xm−1 + · · ·+ b0

,

A funcao diz-se propria se e so se o grau do numerador e menor do queo grau do denominador. Podemos sempre assumir an = bm = 1, e nessecaso a funcao e propria se e so se n < m. Se a funcao nao e propria, diz-seimpropria, mas existem polinomios d(x) e r(x) tais que p(x) = d(x)q(x) +r(x), onde o grau de r(x) e menor do que o de q(x), que sao calculados como usual algoritmo de divisao de polinomios. Temos entao:

f(x) =p(x)

q(x)=

d(x)q(x) + r(x)

q(x)= d(x) +

r(x)

q(x), e

r(x)

q(x)e propria.

Exemplo 4.3.7.

162 CAPITULO 4. INTEGRAIS

Consideramos a funcao racional:

f(x) =x4 − 4x2 + 3x− 4

x2 + 1

Esta funcao e impropria, porque o grau do numerador e 4 e o do denominadore 2. A divisao de x4 − 4x2 + 3x− 4 por x2 + 1 conduz a identidade

x4 − 4x2 + 3x− 4 = (x2 − 5)(x2 + 1) + 3x+ 1.

Obtemos assim

f(x) =x4 − 4x2 + 3x− 4

x2 + 1= x2 − 5 +

3x+ 1

x2 + 1.

A tecnica de primitivacao de funcoes racionais que apresentamos nestaseccao envolve a decomposicao dessas funcoes em somas de funcoes de umtipo especial, ditas fraccoes parciais, e a primitivacao dessas fraccoes,que como veremos conduz sempre a funcoes ja conhecidas. Na pratica, estatecnica envolve os seguintes passos:

(1) Se necessario, a reducao da funcao a uma soma de um polinomio comuma funcao propria, por utilizacao do algoritmo de divisao.

(2) A factorizacao do denominador da funcao propria num produto defactores irredutıveis.

(3) A determinacao e calculo das fraccoes parciais que constituem a ne-cessaria decomposicao, e que sao no maximo uma por cada factorirredutıvel do denominador.

(4) A primitivacao de cada uma das fraccoes parciais obtidas.

Todos estes passos sao sempre possıveis, com a excepcao de (2). Naverdade, nao conhecemos algoritmos que permitam a factorizacao completade polinomios arbitrarios, e portanto o metodo que apresentamos nao e deaplicacao universal, o que nao lhe reduz a importancia pratica.

Recorde-se tambem que os factores irredutıveis de um polinomio comcoeficientes reais sao apenas do 1o grau, i.e., da forma x−α, ou do 2o grau,da forma ax2+ bx+ c, mas com b2− 4ac < 0, onde alias podemos supor quea = 1. Estes factores podem naturalmente ser repetidos, ou seja, apareceremna forma

(x− α)n ou (x2 + bx+ c)m

Os expoentes n e m dizem-se a multiplicidade dos correspondentes factores.A existencia de uma tal factorizacao para estes polinomios e o Teorema Fun-damental da Algebra, que nao demonstramos, e que e usualmente estudadona Analise Complexa.

4.3. TECNICAS DE PRIMITIVACAO 163

Exemplos 4.3.8.

(1) x2 − 1 = (x− 1)(x+ 1) e um produto de factores do 1o grau distintos.

(2) x3 − 1 = (x− 1)(x2 + x+1) tem dois factores irredutıveis distintos, um dosquais quadratico.

(3) x4−1 = (x2−1)(x2+1) = (x−1)(x+1)(x2+1) e um produto de 3 factoresdistintos irredutıveis, um dos quais quadratico.

(4) x4+4 = x4+4x2+4−4x2 =(

(

x2 + 2)2 − 4x2

)

= (x2+2+2x)(x2+2−2x)

e um produto de 2 factores distintos quadraticos irredutıveis.

(5) A factorizacao de(

x4 − 1)2

(x3 − 1)(x2 + 1) em factores irredutıveis e:

(

x4 − 1)2

(x3 − 1)(x2 + 1) = (x− 1)3(x+ 1)2(

x2 + 1)2

(x2 + x+ 1)

Dada uma funcao racional propria, da forma f(x) = p(x)/q(x), e co-nhecidos os factores irredutıveis do seu denominador q(x), que designa-mos aqui q1(x), · · · , qk(x), e as respectivas multiplicidades, que designamosn1, · · · , nk, ou seja, supondo que

q(x) = c · q1(x)n1 · q2(x)n2 · · · qk(x)nk ,

onde c ∈ R, os factores qi(x) sao todos distintos, e cada um e da formaqi(x) = x−αi, com αi ∈ R, ou da forma qi(x) = x2+ bix+ ci, com bi, ci ∈ R

e b2i − 4ci < 0, a decomposicao de f em fraccoes parciais e uma soma defraccoes do seguinte tipo:

• Por cada factor (x− α)n :

n∑

i=1

Ai

(x− α)i, Ai ∈ R

• Por cada factor (x2 + bx+ c)m :

m∑

i=1

Bix+Ci

(x2 + bx+ c)i, Bi, Ci ∈ R

Ilustramos a aplicacao deste resultado com base nos exemplos acima,supondo sempre que a funcao em causa e propria.

Exemplos 4.3.9.

(1)ax+ b

x2 − 1=

A

x− 1+

B

x+ 1.

(2)ax3 + bx2 + cx+ d

(x− 1)(x3 − 1)=

ax3 + bx2 + cx+ d

(x− 1)2(x2 + x+ 1)=

A

x− 1+

B

(x− 1)2+

Cx+D

x2 + x+ 1.

(3)ax3 + bx2 + cx+ d

x4 − 1=

A

x− 1+

B

x+ 1+

Cx+D

x2 + 1.

(4)ax3 + bx2 + cx+ d

x4 + 4=

Ax+B

x2 + 2 + 2x+

Cx+D

x2 + 2− 2x.

164 CAPITULO 4. INTEGRAIS

(5) Se p(x) e um qualquer polinomio de grau ≤ 13, entao

p(x)

(x4 − 1)2(x3 − 1)(x2 + 1)

=A1

x− 1+

A2

(x − 1)2+

A3

(x− 1)3+

+B1

x+ 1+

B2

(x+ 1)2+

+C1x+D1

x2 + 1+

C2x+D2

(x2 + 1)2+

+Ex+ F

x2 + x+ 1.

Subjacente as identidades acima esta a afirmacao da existencia das cons-tantes referidas no lado direito das identidades, para qualquer escolha doscoeficientes do polinomio p(x), que e o numerador da funcao racional. Essaexistencia e outro resultado algebrico que nao demonstramos, e que curio-samente e mais uma vez facilmente demonstrado com recurso a tecnicas daAnalise Complexa. Em cada caso concreto, a determinacao dessas constan-tes e sempre possıvel, mas pode ser bastante trabalhosa, e e um passo crucialna aplicacao do metodo. Limitamo-nos aqui a ilustrar diversas possibilida-des de calculo sempre baseados nos exemplos acima, e particularizando onumerador. Em cada caso, o calculo comeca pela multiplicacao pelo deno-minador da funcao racional a esquerda

Exemplos 4.3.10.

(1) Tomamos p(x) = x+ 3 e comecamos por notar que

x+ 3

x2 − 1=

A

x− 1+

B

x+ 1=⇒ x+ 3 = A(x + 1) +B(x− 1).

A identidade obtida e valida para qualquer x ∈ R, e portanto

x x+ 3 A(x+ 1) B(x− 1) A(x + 1) +B(x− 1)

1 4 2A 0 2A−1 2 0 −2B −2B

Concluımos que 2A = 4 e −2B = 2, i.e., A = 2, B = −1 e

x+ 3

x2 − 1=

2

x− 1− 1

x+ 1.

(2) Tomamos p(x) = 5x2 + 3 e observamos que

5x2 + 3

(x− 1)(x2 − 1)=

A

x− 1+

B

(x− 1)2+

C

x+ 1=⇒

=⇒ 5x2 + 3 = A(x2 − 1) +B(x+ 1) + C(x − 1)2.

4.3. TECNICAS DE PRIMITIVACAO 165

Usamos aqui uma tecnica distinta da usada no exemplo anterior, porque temosapenas duas raızes (x = 1 e x = −1) e tres constantes a determinar. Numcaso como este, pode ser mais expedito igualar os coeficientes dos polinomiosna identidade anterior. Um calculo elementar conduz a

A(x2 − 1) +B(x+ 1) + C(x − 1)2 = (A+ C)x2 + (B − 2C)x+ (B −A+ C)

Temos portanto

5x2 + 3 = (A+ C)x2 + (B − 2C)x+ (B −A+ C),

e segue-se, igualando os coeficientes, que:

5 = A+ C0 = B − 2C3 = B −A+ C

, com solucao A = 3, B = 4 e C = 2.

Temos assim5x2 + 3

(x− 1)(x2 − 1)=

3

x− 1+

4

(x − 1)2+

2

x+ 1.

(3) Tomamos p(x) = x3 + x2 − x+ 3 e observamos que

x3 + x2 − x+ 3

x4 − 1=

A

x− 1+

B

x+ 1+

Cx+D

x2 + 1=⇒

x3+x2−x+3 = A(x+1)(x2+1)+B(x− 1)(x2+1)+(Cx+D)(x− 1)(x+1).

Podemos usar qualquer uma das tecnicas que ja ilustramos, e repetimos ometodo usado com o exemplo (1) mas agora incluindo a raız complexa x = ido polinomio x2 + 1. Para simplificar o quadro respectivo, escrevemos

• p(x) = x3 + x2 − x+ 3,

• m1(x) = A(x+ 1)(x2 + 1),

• m2(x) = B(x− 1)(x2 + 1)),

• m3(x) = (Cx+D)(x − 1)(x+ 1) = (Cx +D)(x2 − 1) e

• m(x) = A(x + 1)(x2 + 1) +B(x − 1)(x2 + 1)) + (Cx +D)(x2 − 1).

x p(x) m1(x) m2(x) m3(x) m(x)

1 4 4A 0 0 4A−1 4 0 −4B 0 −4Bi 2− 2i 0 0 −2(Ci+D) −2(Ci+D)

Temos entao 4A = 4 = −4B e −2(Ci+D) = 2− 2i, ou seja, A = 1, B = −1,C = 1 e D = −1, donde

x3 + x2 − x+ 3

x4 − 1=

1

x− 1− 1

x+ 1+

x− 1

x2 + 1

166 CAPITULO 4. INTEGRAIS

Vimos que e possıvel exprimir qualquer funcao racional propria comouma soma de fraccoes parciais dos tipos referidos, ou seja,

A

(x− α)nou

Bx+ C

(x2 + bx+ c)n, com b2 − 4c < 0.

A primitivacao de funcoes racionais reduz-se portanto ao calculo de primi-tivas dos seguintes tipos:

(1)

dx

(x− α)n, (2)

xdx

(x2 + bx+ c)ne (3)

dx

(x2 + bx+ c)n.

Mostramos a seguir que estas primitivas sao essencialmente imediatas, comexcepcao das que envolvem expressoes do tipo (3) com n > 1 que, sendoelementares, sao tambem mais trabalhosas.

Para calcular

dx

(x− α)n, tomamos u = x− α, du = dx:

(a) Para n = 1,

dx

x− α=

du

u= log |u| = log |x− α|.

(b) Para n > 1,

dx

(x− α)n=

du

un= − 1

(n− 1)un−1, i.e.,

dx

(x− α)n= − 1

(n− 1)(x − α)n−1, se n > 1

Limitamo-nos a ilustrar os calculos necessarios a primitivacao das fraccoesde tipo (2) e (3) com alguns exemplos:

Exemplos 4.3.11.

(1)

dx

x2 + 1= arctanx.

(2)

xdx

x2 + 1=

1

2

2xdx

x2 + 1=

1

2

du

u=

1

2log u =

1

2log(x2 + 1).

(3)

xdx

(x2 + 1)2=

1

2

2xdx

(x2 + 1)2=

1

2

du

u2= −1

2

1

u= − 1

2(x2 + 1).

(4) Para calcular um integral da forma∫

dx

(x2 + 1)2,

usamos primitivacao por partes para obter

1 · dxx2 + 1

=x

x2 + 1+

2x2dx

(x2 + 1)2=

x

x2 + 1+

(2x2 + 2− 2)

(x2 + 1)2

dx, ou seja,

arctanx =x

x2 + 1+ 2

(x2 + 1)

(x2 + 1)2dx− 2

dx

(x2 + 1)2, ou ainda

4.3. TECNICAS DE PRIMITIVACAO 167

2

dx

(x2 + 1)2= − arctanx+

x

x2 + 1+ 2

dx

x2 + 1= arctanx+

x

x2 + 1

Concluımos finalmente que

dx

(x2 + 1)2=

1

2arctanx+

x

2(x2 + 1)

(5) A tecnica usada em (4) permite sempre reduzir o calculo de

dx

(x2 + 1)n+1

ao calculo do correspondente integral para n:

1 · dx(x2 + 1)

n =x

(x2 + 1)n+

2nx2dx

(x2 + 1)n+1

=x

(x2 + 1)n+

(2nx2 + 2n− 2n)

(x2 + 1)n+1

dx =

=x

(x2 + 1)n+ 2n

dx

(x2 + 1)n− 2n

dx

(x2 + 1)n+1

, ou ainda

2n

dx

(x2 + 1)n+1

=x

(x2 + 1)n + (2n− 1)

dx

(x2 + 1)n

Concluımos finalmente que

dx

(x2 + 1)n+1

=x

2n (x2 + 1)n +

2n− 1

2n

dx

(x2 + 1)n

(6) Usando a tecnica em (5) e o resultado em (4) podemos calcular

dx

(x2 + 1)3=

x

4 (x2 + 1)2+

3

4

dx

(x2 + 1)2, i.e.,

dx

(x2 + 1)3=

x

4 (x2 + 1)2+

3

8arctanx+

3x

8(x2 + 1)

Os exemplos 4.3.11 recorrem todos ao polinomio quadratico irredutıvelx2 + 1. No caso mais geral em que p(x) = x2 + bx + c, e por vezes util“completar o quadrado”, ou seja, escrever p(x) = (x−α)2+β2, onde α± iβsao as raızes complexas de p(x), o que se resume a fazer

x2 + bx+ c = x2 + bx+b2

4+ c− b2

4=

(

x+b

2

)2

+

(

4c− b2

4

)

=

= (x− α)2 + β2 onde α =b

2e β =

√4c− b2

2.

A primitivacao de fraccoes parciais com denominador (x− α)2 + β2 e intei-ramente analoga a que vimos nos exemplos acima, e pode ser feita usandoas substituicoes x− α = βu ou v = x2 + bx+ c, dependendo dos casos.

168 CAPITULO 4. INTEGRAIS

Exemplos 4.3.12.

(1) Calculamos

dx

x2 + 2x+ 5=

dx

(x+ 1)2 + 4com x+ 1 = 2u, dx = 2du:

dx

(x+ 1)2 + 4=

2du

4u2 + 4=

1

2

du

u2 + 1=

1

2arctanu =

1

2arctan(

x+ 1

2)

(2) A substituicao em (1) e apropriada para qualquer primitiva do tipo

1

(x2 + 2x+ 5)n dx =

1

((x+ 1)2 + 4)n dx,

porque conduz a∫

1

(x2 + 2x+ 5)ndx =

1

((x+ 1)2 + 4)ndx =

1

2

du

(u2 + 1)n,

e esta primitiva pode ser calculada como vimos no exemplo 4.3.11.5.

(3) As primitivas do tipo

x

(x2 + 2x+ 5)n dx =

x

((x + 1)2 + 4)n dx

envolvem um passo intermedio, relacionado com a substituicao v = x2+2x+5 =(x+ 1)2 + 4. Notamos que dv = 2(x+ 1)dx, e comecamos por escrever

x

(x2 + 2x+ 5)n dx =

x+ 1− 1

(x2 + 2x+ 5)n dx =

=

x+ 1

(x2 + 2x+ 5)n dx−

1

(x2 + 2x+ 5)n dx

O integral a direita e o exemplo anterior, e o integral a esquerda e calculadofazendo

x+ 1

(x2 + 2x+ 5)ndx =

1

2

2(x+ 1)

(x2 + 2x+ 5)ndx =

1

2

dv

vn,

que tem primitivacao imediata.

(4) Retomando o exemplo 4.3.10.3, temos

x3 + x2 − x+ 3

x4 − 1dx =

dx

x− 1−∫

dx

x+ 1+

x− 1

x2 + 1dx =

= log |x− 1| − log |x+ 1|+ 1

2

2xdx

x2 + 1−∫

dx

x2 + 1dx =

= log

x− 1

x+ 1

+1

2

dv

v+ arctanx = log

x− 1

x+ 1

+1

2log |v|+ arctanx =

= log

x− 1

x+ 1

+1

2log(x2 + 1) + arctanx

4.3. TECNICAS DE PRIMITIVACAO 169

4.3.4 Primitivacao de Funcoes Trigonometricas

E possıvel primitivar funcoes trigonometricas do tipo∫

sinn x cosm x dx

usando formulas trigonometricas conhecidas, como

sin2 x+ cos2 x = 1, sin2 x =1− cos 2x

2, cos2 x =

1 + cos 2x

2.

Mais uma vez limitamo-nos a ilustrar as tecnicas necessarias com exemplos.

Exemplos 4.3.13.

(1) n ou m e ımpar: Consideramos o caso

sin4 x cos3 x dx. O expoentem = 3

e ımpar, e fazemos∫

sen4 x cos3 x dx =

sen4 x cos2 x cos x dx =

sen4 x(1− sen2 x) cos x dx

Com a substituicao u = senx, du = cosxdx, obtemos∫

sen4 x(1 − sen2 x) cos x dx =

u4(1− u2)du =

(u5 − u6)du =

(2) n ou m sao ambos pares: Para calcular

sen4 x cos2 x dx, observamos que

sen4 x cos2 x dx =

(senx cosx)2 sen2 x dx =

∫(

sen 2x

2

)21− cos 2x

2dx =

=1

8

sen2 2x dx− 1

8

sen2 2x cos 2x dx =

=1

8

1− cos 4x

2dx− 1

16

v2 dv =x

16− 1

64sen 4x− 1

48v3 =

=x

16− 1

64sen 4x− 1

48sen3 2x

onde usamos (entre outras) a substituicao v = sen 2x.

As primitivas deste tipo podem ser tambem calculadas exprimindo asfuncoes senx e cos x em termos da exponencial eix, ou seja,

eix = cos x+ i sen x, cos x =eix + e−ix

2, sen x =

eix − e−ix

2i

Temos, por exemplo, e usando o binomio de Newton,

sen4 x =

(

eix − e−ix

2i

)4

=1

16

(

e4ix − 4e2ix + 6− 4e−2ix + e−4ix)

=

170 CAPITULO 4. INTEGRAIS

=1

16(cos 4x− 4 cos 2x+ 6− 4 cos(−2x) + cos(−4x)) =

=1

16(2 cos 4x− 8 cos 2x+ 6) =

1

8cos 4x− 1

2cos 2x+

3

4.

Concluımos que, e.g.,

sen4 x dx =1

32sen 4x− 1

4sen 2x+

3x

4

4.3.5 Primitivacao de Funcoes Racionais de Senos e Cosenos

Uma funcao racional de duas variaveis e um quociente de polinomios igual-mente em duas variaveis. As seguintes funcoes sao deste tipo:

P (x, y) =x2y2 + xy − 2y5

x3 + 2xy2 − 3x4, Q(x, y) =

x5 − y + 4x7y3 + 2y8

y4 + 5xy3 + x8

Abordamos nesta seccao a primitivacao de funcoes da forma

(1)

R(sinx, cos x) dx,

onde R e uma funcao racional de duas variaveis. A primitivacao e possıvel,porque a substituicao

u = tan(x

2

)

, x = 2arctan u, dx =2

1 + u2du.

reduz o problema em (1) a primitivacao de uma funcao racional do tipo quediscutimos na seccao 4.3.3. Observamos da figura 4.3.3 que:

sen(x

2

)

=u√

1 + u2e cos

(x

2

)

=1√

1 + u2.

x2

1

u

√ 1 +u2

Figura 4.3.3: A substituicao u = tan(

x2

)

.

4.3. TECNICAS DE PRIMITIVACAO 171

Temos assim, usando as formulas do angulo duplo,

senx = 2 sen(x

2

)

cos(x

2

)

=2u

1 + u2e

cos x = cos2(x

2

)

− sen2(x

2

)

=1

1 + u2− u2

1 + u2=

1− u2

1 + u2

Assim, a substituicao x = 2arctan u fornece:

R(sinx, cos x) dx =

R

(

2u

1 + u2,1− u2

1 + u2

)

· 2

1 + u2du.

Concluımos, tal como tınhamos afirmado, que esta substituicao transformauma primitiva de uma funcao racional de senos e cosenos numa primitiva deuma funcao racional usual.

Exemplos 4.3.14.

(1)

secx dx =

1

cosxdx =

1 + u2

1− u2

2

1 + u2du =

2

1− u2du =

=

1

1− udu+

1

1 + udu = log

1 + u

1− u

= log

1 + tan(

x

2

)

1− tan(

x

2

)

=

= log

cos(

x

2

)

+ sen(

x

2

)

cos(

x

2

)

− sen(

x

2

)

= log

(

cos(

x

2

)

+ sen(

x

2

))2

(

cos(

x

2

)

− sen(

x

2

)) (

cos(

x

2

)

+ sen(

x

2

))

=

log

cos2(

x

2

)

+ sen2(

x

2

)

+ 2 cos(

x

2

)

sen(

x

2

)

cos2(

x

2

)

− sen2(

x

2

)

= log

1 + senx

cosx

, i.e.,

secx dx = log | secx+ tanx|

(2)

3 dx

4 + 5 sinx=

3

4 + 5 2u

1+u2

· 2

1 + u2du =

3

2 + 5u

1+u2

· 1

1 + u2du =

=

3

2 + 2u2 + 5udu =

2

2u+ 1du−

1

u+ 2du = log

2u+ 1

2 + u

=

= log

2 tan(

x

2

)

+ 1

2 + tan(

x

2

)

.

(3) Claro que por vezes a primitiva pode ser mais facil de calcular por outratecnica. No caso que se segue, e mais razoavel tomar u = 4 + 5 senx:

3 cosx dx

4 + 5 sinx=

3

5

du

udu =

3

5log |u| = 3

5log |4 + 5 sinx|