Formas diferenciais - Cálculo III

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Formas Diferenciais

Seja a ∈ Rn. O espaco tangente a Rn em a e definido como

Rna = {(a,v) : v ∈ Rn} .

Cada um desses conjuntos e um espaco vetorial se definimos

(a,v) + (a,w) = (a,v + w);

α(a,v) = (a, αv),

para todo (a,v), (a,w) ∈ Rna e α ∈ R.

As propriedades de Rn tem analogos em Rna. A base canonica de Rn

a e {(a, e1), . . . , (a, en)}e cada um desses espacos tem um produto interno definido da maneira obvia

(a,v) · (a,w) = (a,v ·w).

Um campo de vetores em A ⊂ Rn e uma funcao F que associa para cada a ∈ A umvetor F (a) ∈ Rn

a. Fixado o ponto a se escrevemos F (a) na base canonica de Rna temos

F (a) = F1(a)(a, e1) + · · ·+ Fn(a)(a, en).

As funcoes Fi : Rn → R sao chamadas de funcoes coordenadas. Dizemos que o campoF e de classe Ck se as funcoes coordenadas sao de classe Ck. Podemos fazer operacoes emcampos de vetores ponto a ponto. Por exemplo, se G e um segundo campo de vetores e f euma funcao de Rn em R temos(

F + G)(a) = F (a) + G(a);(

F ·G)(a) = F (a) ·G(a);(

fF)(a) = f(a)F (a).

Definimos o divergente de F como

divF (a) =∂F1

∂x1(a) + · · ·+ ∂Fn

∂xn(a).

e, quando n = 3, o rotacional de F como o campo

rotF (a) =

(∂F3

∂y− ∂F2

∂z

)(a, e1) +

(∂F1

∂z− ∂F3

∂x

)(a, e2) +

(∂F2

∂x− ∂F1

∂y

)(a, e3).

As definicoes acima tem origens na Fısica. Se F e o campo de velocidades de um fluidoincompressıvel, entao divF tem relacao com o fluxo de F , ou seja, sera a uma medida dasua divergencia ou convergencia (divergencia negativa), enquanto rotF esta relacionado coma rotacao de um fluido em uma determinada regiao. Veremos tais interpretacoes fısicas nomomento apropriado. Em alguns livros divF e rotF sao denotados por ∇ · F e ∇ × F ,respectivamente.

Quando estiver claro pelo contexto, indicaremos o elemento (a,v) ∈ Rna simplesmente

como v. Isto simplificara consideravelmente a notacao.O conjunto de todas as aplicacoes lineares de Rn

a em R, isto e, o conjunto de todas asfuncoes λ : Rn

a → R tais que

λ(αv + w) = αλ(v) + λ(w),

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onde v,w ∈ Rna e α ∈ R, sera denotado por (Rn

a)∗. Para definir precisamente as 1-formasdiferenciais precisamos entender um pouco melhor os espacos

(Rn

a

)∗Considere as projecoes πi : Rn → R, 1 ≤ i ≤ n, definidas por

πi(v) = πi(v1, . . . , vn) = vi.

Como cada projecao πi e uma aplicacao linear temos que dπi(a) = πi. Daı, se denotamosdπi = dxi, obtemos

dxi(a)(v) = dπi(a)(v) = πi(v) = vi. (∗)

Portanto, podemos dizer que dxi(a) ∈ (Rna)∗. Nao e difıcil verificar que (Rn

a)∗ e umespaco vetorial e que o conjunto B = {dx1(a), . . . , dxn(a)} e uma base deste espaco. Istosignfica que todo elemento de (Rn

a)∗ pode ser escrito como uma combinacao linear doselementos de B

Vejamos, por exemplo, o caso de uma funcao derivavel f : A→ R definida em A ∈ Rn.A diferencial de f no ponto a ∈ A calculada no vetor v ∈ Rn e dada por

df(a)(v) = f ′(a) · v

=

(∂f

∂x1(a) · · · ∂f

∂xn(a)

v1...vn

=

∂f

∂x1(a)v1 + · · ·+ ∂f

∂xn(a)vn

Usando a equacao (∗) reescrevemos a expressao acima como

df(a)(v) =∂f

∂x1(a)dx1(a)(v) + · · ·+ ∂f

∂xn(a)dxn(a)(v),

ou de forma mais resumida como

df =∂f

∂x1dx1 + · · ·+ ∂f

∂xndxn.

Portanto, dada uma funcao f : A→ R, para cada a ∈ A podemos associar uma aplicacaolinear df(a) : Rn

a → R. Usamos este exemplo como paradigma.

Definicao 1. Uma 1-forma diferencial em A ⊂ Rn e uma funcao ω que para cada a ∈ Aassocia uma aplicacao linear ω(a) ∈ (Rn

a)∗.

Podemos escrever ω(a) como uma combinacao linear dos elementos de B, ou seja, dadov ∈ Rn

a temosω(a)(v) = a1(a)dx1(a)(v) + · · ·+ an(a)dxn(a)(v).

E mais comum escrever simplesmente

ω = a1dx1 + · · ·+ andxn,

desde que saibamos do que se trata e o que essa expressao significa. Dizemos que a 1-formaω e de classe Ck se as funcoes a1, . . . an : A→ R sao de classe Ck.

Por exemplo, considere a 1-forma

ω = − y

x2 + y2dx+

x

x2 + y2dy, em R2 − {(0, 0)}.

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Dado a = (a1, a2) ∈ R2 − {(0, 0)} e v = (v1, v2) ∈ R2a temos que

ω(a)(v) = − a2a21 + a22

dx(a)(v) +a1

a21 + a22dy(a)(v)

= − a2a21 + a22

v1 +a1

a21 + a22v2,

Alem disso, ω e de classe C∞ pois as funcoes −y/(x2 + y2) e x/(x2 + y2) sao de classeC∞ em R2 − {(0, 0)}.

Neste exemplo usamos dx1 = dx e dx2 = dy. De fato, e mais comum encontrarmos noslivros de calculo a notacao dx1 = dx, dx2 = dy e dx3 = dz. Para dimensoes maiores do quetres esse tipo de notacao torna-se incoveniente por motivos obvios.

Passamos agora as 2-formas. Como prototipo consideramos o determinante em R2a que

denotaremos por det(a). Neste caso, dados v,w ∈ R2a temos

det(a)(v,w) = det

(v1 v2w1 w2

)= v1w2 − v2w1

= dx(a)(v)dy(a)(w)− dy(a)(v)dx(a)(w)

=(dx ∧ dy

)(a)(v,w),

onde definimos(dx ∧ dy

)(a)(v,w) = dx(a)(v)dy(a)(w)− dy(a)(v)dx(a)(w),

ou laconicamentedx ∧ dy = dxdy − dydx.

O produto de formas definido acima e chamado de produto exterior. Le-se “dx exterior dy”.Recebe este nome pois o produto de duas 1-formas (dx e dy) fornece uma 2-forma (det), ouseja, “sai”do espaco das 1-formas

N.B. 1. E mais formal escrever

dx ∧ dy = dx⊗ dy − dy ⊗ dx,

onde dx⊗ dy e o produto tensorial de dx e dy definido como(dx⊗ dy

)(a)(v,w) = dx(a)(v)dy(a)(w).

Observe quedx ∧ dy = −dy ∧ dx

edx ∧ dx = dy ∧ dy = 0.

Essas propriedades refletem-se no fato que o determinante e uma funcao alternada, istoe, muda de sinal se trocamos as linhas de posicao

det(v,w) = − det(w,v).

Alem disso, o determinante e bilinear, ou seja, linear em cada uma das suas duas entradas

det(α v + w,u) = α det(v,u) + det(w,u);

det(v, αw + u) = α det(v,w) + det(v,u).

E facil checar que essas duas propriedade tambem se verificam em relacao a dx ∧ dy(exercıcio!). Resumimos todas as propriedades acima dizendo que o determinante e umaaplicacao bilinear e alternada em R2

a ×R2a.

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Definicao 2. Uma 2-forma em A ⊂ Rn e uma funcao que associa para cada a ∈ A umaforma bilinear alternada em Rn

a ×Rna.

Uma questao que se apresenta naturalmente neste momento e a seguinte: sera que po-demos encontrar uma base para as aplicacoes bilineares alternadas de Rn

a ×Rna? Ocorre

que o produto exterior e bastante apropriado para este fim. Em geral uma 2-forma de Rn

se escreve comoω =

∑1≤i<j≤n

aijdxi ∧ dxj,

onde aij sao funcoes de A em R.Por exemplo, qualquer 2-forma em R2 se escreve como

ω = p dx ∧ dy, p : R2 → R

e uma 2-forma de R3 se escreve como

ω = p dy ∧ dz + q dx ∧ dz + r dx ∧ dy, p, q, r : R3 → R.

Observe que a condicao i < j garante que dxi ∧ dxj 6= 0 e, alem disso, garante que naoaparecerao temos onde dxi e dxj estao apenas permutados, pois neste caso poderıamos usardxi ∧ dxj = −dxj ∧ dxi para coloca-los sob o mesmo elemento da base.

Dizemos que uma aplicacao k-linear (linear em cada uma das suas k entradas) λ : Rna×

· · · ×Rna → R e alternada se

λ(v1, . . . , vi, . . . , vj, . . . , vk) = −λ(v1, . . . , vj, . . . , vi, . . . , vk),

ou seja, se ela troca de sinal sempre que dois de seus elementos sao permutados.O conjunto das aplicacoes k- lineares alternadas de Rn

a sera denotado por∧k(Rn

a

).

Voce ja conhce um exemplo de aplicacao n-linear alternada de Rn. Qual? O determi-nante! Nao e facil representar de uma maneira simples e precisa o determinante, por issonao devemos nos surpreender com os proximos paragrafos que mostrarao como representarde maneira sistematica qualquer aplicacao k-linear alternada de Rn

a.Pode-se definir (mas nao faremos aqui) o produto exterior

dxi1(a) ∧ dxi2(a) ∧ · · · ∧ dxik(a).

A expressao acima sera um elemento de∧k(Rn

a

)e tem as seguintes propriedades

(i) dxi ∧ dxj = −dxj ∧ dxi;

(ii) dxi ∧ dxi = 0;

(iii) dxi ∧(dxj ∧ dxk

)=(dxi ∧ dxj

)∧ dxk;

(iv) dxi ∧(p dxj + dxk

)= α dxi ∧ dxj + dxi ∧ dxk, onde p e uma funcao.

Pode-se mostrar ainda que∧k(Rn

a

)e um espaco vetorial e que uma base deste espaco e

Bk = {dxi1(a) ∧ dxi2(a) ∧ · · · ∧ dxik(a) : 1 ≤ i1 < i2 < · · · < ik ≤ n} .

Nao e difıcil ver que∧k(Rn

a

)tem dimensao(

n

k

)=

n!

k!(n− k)!.

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De fato, podemos escolher k elementos (sem repeticao) no conjunto {dx1, . . . , dxn} den(n − 1) . . . (n − k + 1) maneiras diferentes. Excluindo-se todas as possıveis permutacoesdestes elementos que gerariam o mesmo elemento da base temos

n(n− 1) . . . (n− k + 1)

k!=

(n

k

)elementos distintos em Bk.

Definicao 3. Definimos uma k-forma diferencial em A ⊂ Rn como uma funcao ω queassocia para cada a ∈ A uma aplicacao k-linear alternada ω(a) ∈

∧k(Rna

), ou seja,

ω =∑I

ai1i2···ik dxi1 ∧ dxi2 ∧ · · · ∧ dxik ,

ondeI =

{i1, . . . ik : 1 ≤ i1 < i2 < · · · < ik ≤ n

}e ai1i2···ik sao funcoes de A em R.

O espaco das k-formas diferenciais em Rn sera denotado por∧k(Rn)

Em R3, por exemplo, o espaco das 3-formas tem dimensao 3!/(3!1!) = 1. Qualquerelemento ω ∈

∧3(R3)

pode ser escrito como

ω = p dx ∧ dy ∧ dz, p : R3 → R.

Observe que em Rn o espaco∧n+1(Rn

)e nulo, pois um elemento da sua base deve conter

n+ 1 fatores escolhidos entre dx1(a), . . . , dxn(a). Logo,

dxi1(a) ∧ dxi2(a) ∧ · · · ∧ dxin(a) ∧ dxin+1(a) = 0,

pois necessariamente havera repeticao.

Definicao 4. Dada a k-forma

ω =∑I

ai1···ikdxi1 ∧ · · · ∧ dxik ,

definimos a diferencial exterior de ω como a k + 1-forma

dω =∑I

dai1···ik ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik

=∑I

n∑i=1

∂ai1···ik∂xi

dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik ,

A partir de agora diremos que uma funcao f : A ⊂ Rn → R e uma 0-forma a suadiferencial usual sera a diferencial exterior de f .

Considere por exemplo a 1-forma ω = p dx+ q dy + r dz. Entao

dω = dp ∧ dx+ dq ∧ dy + dr ∧ dz= (pxdx+ pydy + pzdz) ∧ dx+ (qxdx+ qydy + qzdz) ∧ dy + (rxdx+ rydy + rzdz) ∧ dz= pydy ∧ dx+ pzdz ∧ dx+ qxdx ∧ dy + qzdz ∧ dy + rxdx ∧ dz + rydy ∧ dz= (ry − qz)dy ∧ dz + (rx − pz)dx ∧ dz + (qx − py)dx ∧ dy.

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Observe que os coeficientes de dω sao iguais aos coeficientes de rotF , onde

F = (p, q, r).

No caso da 2-forma de R3, ω = p dy ∧ dz + q dz ∧ dx+ r dx ∧ dy temos

dω = (px + qy + rz)dx ∧ dy ∧ dz = divF dx ∧ dy ∧ dz.

Agora comece com uma 0-forma f : R2 → R de classe C2. Neste caso

df = fx dx+ fy dy.

Derivando mais uma vez obtemos

d2f = d(df) = (dfx) ∧ dx+ (dfy) ∧ dy=(fxx dx+ fxy dy

)∧ dx+

(fyx dx+ fyy dy

)∧ dy

=(fyx − fxy

)dx ∧ dy

= 0,

pelo teorema de Schwarz.O teorema abaixo mostra que isto nao e uma coincidencia.

Teorema 1. Seja ω uma k-forma em Rn de classe C2. Entao d2ω = d(dω) = 0.

O teorema acima implica algumas formulas classicas do calculo vetorial em R3

rot(grad f

)= 0,

div(rotF

)= 0.

Dizemos que uma k-forma ω e fechada se dω = 0 e exata se ω = dη para alguma(k−1)-forma η. O teorema acima nos diz que toda forma exata e fechada (dω = d(dη) = 0).A recıproca nao e verdadeira.

Considere mais uma vez a 1-forma

ω = − y

x2 + y2dx+

x

x2 + y2dy, em R2 − {(0, 0)}.

Temos que

dω =

[∂

∂x

(x

x2 + y2

)+

∂y

(y

x2 + y2

)]dx ∧ dy = 0,

logo ω e fechada.Agora suponha que ω e exata, isto e, suponha que existe uma 0-forma diferenciavel

f : R2 − {(0, 0)} → R tal que df = ω. Por outro lado, lembre da funcao argumento θ(x, y)(lista 1) definida em A = R2 − {(x, y) : x ≥ 0, y = 0}. Vimos que em A vale dθ = ω. Nesteconjunto temos fx − θx = fy − θy = 0, de onde concluımos que f = θ + C, onde C e umaconstante. Sabemos, entretanto, que θ nao admite extensao contınua para R2 − {(0, 0)}, oque prova que a funcao f nao existe.

Podemos provar o mesmo resultado recorrendo a nocao de campos conservativos. Dizemosque um campo F e conservativo se a integral de linha de F ao longo de qualquer curvafechada e igual a zero.

Se ω = df entao o campo F =(−y/(x2 + y2), x/(x2 + y2)

)e tal que ∇f = F , logo, e

conservativo. Entretanto, se C = {(x, y) : x2 + y2 = 1} temos que∫C

F = ±2π 6= 0.

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O raciocınio acima mostra que uma 1-forma ω = a1dx1 + · · · + andxn e exata se, esomente se, o campo F = (a1, . . . , an) e conservativo. Uma condicao para que uma formaseja exata e dada pelo teorema a seguir. Surpreendentemente, o domınio de definicao daforma desempenha um papel preponderante neste caso.

Dizemos que um aberto A ⊂ Rn e um conjunto estrelado se existe O ∈ A tal que paratodo a ∈ A o segmento de reta Oa esta inteiramente contido em A. Por exemplo, todoconjunto que tem “buracos”nao sera estrelado.

Teorema 2 (Lema de Poincare). Se ω e uma forma fechada definida em um conjuntoestrelado, entao existe η tal que dη = ω.

Como aplicacao do lema de Poincare, vejamos uma condicao para que um campo F =(p, q, r) definido em A ⊂ R3 seja conservativo. Para isso considere a 1-forma ω = p dx +q dy + q dz. Calculando sua diferencial exterior obtemos

dω = (ry − qz)dy ∧ dz + (rx − pz)dx ∧ dz + (qx − py)dx ∧ dy.

Portanto, pelo lema de Poicare, ω sera exata se A for um conjunto estrelado e dω = 0,ou seja, ry = qz, rx = pz, qx = py. Concluımos que F sera conservativo se, e somente se,A ⊂ R3 for um domınio estrelado e rotF = 0.

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