117
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
O BINMIO PROFESSOR-ALUNO: REFLEXES SOBRE
PAPEIS E INTERAES SOCIAIS ENTRE OS ATORES DESTA
RELAO
Pedro Colombaroli Zoppi - bacharel em Letras (latim-portugus) pela UNESP Araraquara,
Acadmico do Curso de Direito do Centro Universitrio Estcio Uniseb de Ribeiro Preto.
Elizabete David Novaes doutora em Sociologia pela Unesp Araraquara; docente do Centro
Universitrio Estcio Uniseb de Ribeiro Preto.
A lua, o luar: vejo esses vaqueiros que viajam a boiada, mediante o madrugar,
com lua no cu, dia depois de dia. [...] Mestre no quem sempre ensina, mas
quem de repente aprende. Por que que todos no se renem, para sofrer e
vencer juntos, de uma vez? Grande Serto: Veredas
Resumo
O presente trabalho intenta situar a relao professor-aluno como relao essencialmente
humana. Para tanto, parte de uma compreenso sociolgica a respeito da educao, e
subsequentemente volta-se para uma reflexo de esteio psicanaltico, buscando entender a
relao professor-aluno a partir de uma teia de reflexes que enriqueam a prtica docente.
Palavras-chave: Educao. Relaes humanas. Docncia. Aprendizado. Psicanlise.
Sociologia.
Abstract
The present work intends to situate the relationship between teacher and student in the human
sphere through a psychoanalytical basis. Moreover, sociological concepts will be used in order
to make an epistemic counterpoint. As a result, very important reflexions and statements on the
problem are expected to be made, therefore enriching the teaching practice.
Keywords: Human relationships. Education. Teaching. Learning. Psychoanalisis. Sociology.
Introduo
Existe uma gama de constantes e padres no ser humano e em sua interao com o
outro, assim, no sem razo que Terncio celebrizou a frase sou humano: nada do que
humano me alheio.
Como conjecturou Freud, o cerne da psique humana perpetrado pelo incessante
conflito entre (ros) e (Thnatos), o amor (enquanto vida, criao, preservao)
e a morte (destrutividade, tendncia de retorno ao inanimado), as duas vertentes de nosso
universo pulsional (FREUD, 2004a). Na formao anmica do homem, h processos vivenciais
e condies existenciais que transcendem s culturas e teia do tempo, ainda que por eles sejam
118
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
esculpidos e caracterizados. Trata-se do que Guimares Rosa, em Grande Serto: Veredas,
to belamente chamou de [...] homem humano... Travessia (2006, p. 608).
No bojo do humano, o pensador destaca a presena marcante de fenmenos
edificadores e norteadores do indivduo, como as pulses, o Complexo de dipo, as intrincadas
relaes objetais, a transferncia, a contratransferncia, o recalque, a sublimao, o
deslocamento, entre outros mecanismos de lida e interao com a prpria psique e com o meio
externo.
No meio externo, o sujeito se defronta com um duro e constante desafio: o outro;
que constitui o cerne do paradoxo ontolgico to caracterstico sua natureza. Como bem
definiu W. Bion: O ser humano s e dependente. Tal condio ambgua, dplice, deixou
lastros e marcas particulares em uma dimenso imemorial de nosso passado originrio ecoando
no presente, a saber: a forja de nossa memria filogentica, o registro mais atemporal da
evoluo humana, em cujo imo encontra-se uma das relaes intersubjetivas mais universais; e
que figura como objeto do presente estudo: a relao entre mestre e aprendiz, professor e aluno.
luz deste breve panorama introdutrio, apresenta-se a seguir uma reflexo acerca
da construo da identidade, da dinmica intersubjetiva e do soerguimento de conhecimento na
relao educativa, o que se faz, a princpio, por meio de uma abordagem sociolgica, que se
desdobra posteriormente numa abordagem psicanaltica a respeito da relao professor-aluno.
1. A Escola e a Socializao do Indivduo
A sociologia da educao vem se dedicando, desde as contribuies clssicas de
Emile Durkheim, tentativa de entender a escola e seus agentes, dentro de um contexto mais
amplo, qual seja, a sociedade da qual participa e se insere.
Como cincia social, a sociologia estuda essencialmente as formas de
relacionamento entre os grupos, assim como as consequncias dessa relao, voltando seu
objeto para as diferentes formas de interao social (SIMMEL, 2006). Desta forma, tendo como
principal alvo o estudo da sociedade, a sociologia percebe a educao como uma forma valorosa
de relacionamento entre as pessoas, buscando compreender melhor o comportamento dos
grupos sociais e, por conseguinte, as relaes entre agentes escolares.
Como mencionado, Emile Durkheim apresenta-se classicamente como um dos
principais socilogos a se preocupar com tal temtica, especialmente voltado para a questo da
socializao do indivduo, enfatizando o papel que a escola possui neste processo. Em obras
como Educao e Sociologia (1978), A Evoluo Pedaggica na Frana (1995) e Educao,
119
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
Moral e Sociologia (2001), considera o autor que a escola se coloca como uma instituio
fundamental para formao do indivduo, medida que a escola e a sociedade interagem e se
completam.
Vendo a sociedade como um organismo em funcionamento, em que diversas partes
trabalham conjuntamente para um objetivo final, a escola aparece como uma instituio que
reflete as condies sociais da realidade em que se insere. Assim, cabe escola socializar o
indivduo, transmitindo-lhe e inculcando-lhe as regras sociais atravs da reproduo dos hbitos
e valores.
Numa viso semelhante, Talcott Parsons, especialmente na obra A Estrutura da
Ao Social (1937), trouxe a percepo de que processo de socializao do indivduo permite
que este aprenda a desempenhar determinados papis sociais, possibilitando que este
aprendizado leve formao de uma determinada personalidade. Isto ocorre porque a educao
leva o indivduo a internalizar as normas sociais, permitindo que seja formada uma determinada
identidade social.
Percebe-se como resultado, evidenciado tanto por Durkheim quanto por Parsons,
que a educao, como processo de socializao, capaz de moldar os seres sociais, favorecendo
a manuteno da vida social, exercendo assim uma funo dentro de uma sociedade, que se
tornou historicamente mais complexa, especialmente por decorrncia da diviso do trabalho.
Vale resgatar, para efeitos desta reflexo que aqui se faz, algumas linhas de
pensamento que se voltaram a entender os processos de socializao a partir de uma perspectiva
microssociolgica, enfatizando o cotidiano dos indivduos e suas aes sociais, colocando como
objeto especial nesta perspectiva, as interaes sociais e o estudo dos grupos sociais. Tal
abordagem, embora prpria da psicologia social, possibilita que a anlise das relaes entre
mente e sociedade tambm faa parte dos estudos sociolgicos acerca do meio familiar, do meio
escolar, dentre outros.
Vrios autores permitem diferentes ensaios sobre a aproximao entre indivduo e
sociedade, evidenciando que ao tratar de questes sociais, no se pode limitar ao estudo do
indivduo, dado que existe algo que se sobressai a ele, resultado das diferentes formas de
interao social. Como expressa Simmel (2006), trata-se da sociao, conceito que, para
Simmel, demonstra que a sociedade no uma realidade em si mesma, ela , de fato, resultado
da interao entre os dois polos (indivduo e sociedade).
Numa perspectiva microssociolgica encontra-se George Herbert Mead, que,
especialmente por meio da obra Mind, Self, and Society (1932) aborda os processos de formao
file:///C:/wiki/Talcott_Parsonsfile:///C:/wiki/Papel_socialfile:///C:/wiki/Aprendizadofile:///C:/wiki/Personalidadefile:///C:/wiki/Identidade_socialfile:///C:/wiki/Microssociologiafile:///C:/wiki/A%25C3%25A7%25C3%25A3o_socialfile:///C:/wiki/Intera%25C3%25A7%25C3%25A3o_socialfile:///C:/wiki/Grupo_socialfile:///C:/wiki/Psicologia_socialfile:///C:/wiki/George_Herbert_Mead120
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
da subjetividade (Self) a partir da capacidade dos indivduos de se representarem no lugar do
outro (o Outro generalizado).
Representando a microssociologia americana, encontra-se uma importante
contribuio em Erving Goffman, notadamente na obra A Representao do Eu na vida
Cotidiana (2009), em que o autor aborda as interaes sociais entre indivduos, segundo a
perspectiva da micro-interao, ou seja, aquela que se expressa entre um pequeno grupo, num
momento e num espao especficos. De acordo com esta perspectiva, os indivduos emergem
como atores sociais, que desempenham papeis sociais decorrentes das interaes face-a-face.
Segundo esta perspectiva, pode-se considerar a interao professor-aluno como um
encontro de interao, em que as partes procuram obter informao a respeito do outro,
buscando antecipar ou estabelecer as expectativas em relao ao outro. Cada parte, em meio a
interao que se estabelece, busca definir (consciente ou inconscientemente), qual a maneira de
agir ser eleita. Em outros termos, os sujeitos definem qual o personagem que iro incorporar
ao longo da interao que estabelecem.
Na interao professor-aluno, observa-se um encontro, no qual se estabelece um
contato face-a-face das partes envolvidas, que se ajustam aos papeis a serem desempenhados.
Observa-se, assim, que embora exista um processo de socializao promovido pela escola, que
inculca valores e padres nos alunos, a interao social expressa um processo ativo, em que as
partes constroem modelos de conduta, de pertencimento e de expresso social.
Resta evidente que as relaes entre agentes escolares, mais especificamente entre
professor-aluno, por serem relaes humanas, so, sem dvida, relaes complexas. Tais
relaes envolvem conflitos, interesses, intenes, nem sempre claras para nenhuma das partes
envolvidas em tal interao.
Como se observa, isoladamente, a sociologia no d conta de compreender tais
relaes, o que na realidade, no se pode fazer por meio de nenhuma cincia isolada, seno
recorrendo s contribuies dos dilogos interdisciplinares. o que se busca fazer a seguir,
resgatando as reflexes decorrentes da psicanlise.
2. A relao Professor-Aluno sob a tica Psicanaltica
Intenta-se neste tpico compreender teoricamente a dinmica da sala de aula, sob a
tica psicanaltica dando foco especial aos conceitos freudianos, no alijando, contudo, os
desenvolvimentos posteriores das sendas desbravadas por Freud; isto , no seria possvel
excluir as contribuies seminais de psicanalistas como Anna Freud, M. Klein e Bion de nossa
file:///C:/wiki/Self121
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
base terica uma vez que, aps pesquisa preliminar, constatou-se ser enriquecedora no
mergulho descritivo da alma humana.
Buscando uma leitura mais penetrante da obra freudiana, sempre positivo
trabalhar com os textos originais1, uma vez que, como assinalou Bruno Bettelheim em seu s
de percucincia e sensibilidade, Freud e a alma humana, as tradues sobretudo a inglesa
so seriamente defeituosas em importantes aspectos e tm levado formulao de concluses
errneas, no s a respeito do homem Freud, mas tambm no que diz respeito psicanlise
(1982, p. 7).
Para o presente trabalho, pois, fundamental levar em conta a dimenso
humanstica, filosfica - e no exclusivamente cientfica - dos escritos freudianos2, mesmo no
sendo os autores deste artigo especialistas da rea.
2.1 A construo da identidade
Freud coloca a frustrao provocada pela falta do objeto materno que M. Klein
(1959) posteriormente reviu e aprofundou como a dicotomia infante/seio materno como a
ausncia primria, gerativa de perambulaes subsequentes e consequncias permanentes na
vida psquica do indivduo. A falta do objeto em questo mobiliza e estrutura no sujeito
processos compensatrios e substitutivos, ensejando o processo de individuao (a
diferenciao primordial entre o Eu e o Outro), de simbolizao e, por fim, de pensamento na
mente da criana (BION, 1994).
Portanto, na esfera da frustrao e da ausncia que surge a primeira necessidade
de busca de conhecimento e, mais que isso, se desenvolve o Instinto Epistemoflico; e a partir
da distino primeva entre o Eu e o Outro que se principia a linha reflexiva acerca da questo
proposta3.
Contudo, no de todo vlido tentar prolongar esta etapa singularista de nossa
proposta terica. Sobretudo quando se estuda a relao mestre-aprendiz, a contemplao isolada
de um Eu e um hipottico alijamento do Tu so infrutferos, estrdios. Fundamental na anlise
que ora se apresenta o esmiuamento dos meandros da intersubjetividade. Figurativamente:
seria possvel pensar isoladamente em Dom Quixote e Sancho Pana? Sim. Mas apenas
1 A Fischer Verlag, atualmente, detm os direitos de publicao em alemo da obra do pensador. 2 No se trata apenas dos clssicos empecilhos de traduo, como Unbehagen, Trieb, Seele, entre outros que
exigem extensas notas de rodap, mas de ter compreenso lmpida de um corpus extremamente denso.
3 Klein, no captulo Sobre Identificao (1975, p.74), prope que na emergncia da ansiedade depressiva no
beb, em consequncia de uma maior capacidade de integrao de ambivalncias vivenciadas nas relaes objetais,
que se estrutura o processo de simbolizao e se originam as primeiras instigaes epistemoflicas.
122
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
superficialissimamente uma distino tal concebvel. Quanto mais nos afastamos de Sancho
Pana e perdemos o fio do dualismo, menos conhecemos sobre seu mestre. Em suma: trata-se
de um problema que, em sua plenitude, apenas ganha vigor e luminosidade sob o prisma
dialtico. O dilogo entre bacia do carbeiro e o elmo de mambrino (SAAVEDRA, 2004, p.
463-473) revela a essncia interacional de nossa identidade e a inevitabilidade de se voltar o
olhar relao humana como via summa de acesso a um suposto Eu.
Apesar disso, ao passo que se versa sobre a identidade dos elementos humanos
envolvidos na trama educacional, acrescenta-se simultaneamente um parecer crtico sobre o
conceito psicanaltico envolvido, valendo-nos, para tanto, indicao de especialistas
consultados, do Dicionrio de Psicanlise de Roudinesco e Plon (1998), alm da prpria obra
de Freud e de alguns ps-freudianos, que perambulam pelas citaes literais e pelas entrelinhas
deste artigo. Destarte, objetiva-se maior coerncia e sustentao para o gradeado de
pensamentos aqui colacionados.
O encargo de professor dos mais rduos que h. Contudo, precedendo prxis
educativa, h consideraes de natureza idiossincrtica, ontolgica (numa acepo mais livre),
a se tecer questionamentos que identifiquem constantes de identidade, trazendo luz
posteriormente perscrutao da vivncia da subjetividade e da intersubjetividade, a saber: o
que ou, antes, quem o professor? O que caracteriza sua condio (qui, essncia) de
mestre? E, fundamentalmente: quais seriam as condies de existncia, num sentido identitrio,
do mestre? Em suma, como situar o docente, em sua plenitude, na esfera do humano?
O dilema da individualidade frente coletividade onipresente na literatura
universal e foi, talvez, Shakespeare quem melhor o sintetizou, quando atribui a Rei Lear a
indagao quem que pode me dizer que rei sou eu?. No original, a pergunta composta s
por monosslabos, o que salienta o sentimento de solido de quem busca o prprio eu: Who is
this that can tell me who I am?.
A princpio, h que se ressaltar que, sob a tica psicanaltica, o professor , antes
de tudo, um ser humano cujas circunvolues inconscientes o motivaram ao ofcio em questo4.
Ora, isso representa um investimento alto de afeto em dois objetos, a saber o aluno (figurando
no papel do Outro) e o conhecimento (a ponte ou via conectiva). a catexia ou investimento
que todo mestre perfaz; sendo em absoluto cabvel aqui mencionar a definio de um conceito
4 Segundo Boholavsky (apud SILVA, 1994, p.13), a escolha profissional est relacionada com as primeiras
figuras de identificao, identificaes estas no distorcidas, dependendo de uma boa integrao dos objetos
internalizados, da elaborao dos conflitos. Anlise e sntese, frutos da integrao das identificaes, permitem
que o ego confronte fantasia e realidade. [...] Portanto, quem escolhe no est escolhendo somente uma carreira,
[...] est pensando num sentido para a vida.
123
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
to psicanaliticamente essencial: [...] mobilizao da energia pulsional que tem por
conseqncia ligar esta ltima a uma representao, a um grupo de representaes, a um objeto
ou a partes do corpo. No Brasil, usa-se tambm [o termo] catexia (ROUDINESCO; PLON,
1998, p.398).
Assim sendo, consoante o modelo at aqui elaborado, a natureza humana do
professor e de sua escolha e vivncias enquanto tal fatalmente o leva a defrontar-se com
seus desejos, convices e aspiraes; de modo que seja absolutamente inevitvel que, permeio
o contato com o Outro e sob as obrigatoriedades regenciais do sistema escolar, ele no vivencie
o sentimento de quebra de expectativa e frustrao, em algum grau. Essa, supe-se, a segunda
tnica identitria do mestre.
Evidentemente, tudo isso faceia seu receptor: o aluno; uma vez que todo seu labor
e aspiraes e convices e nsias sero postos frente ao e s vezes em coliso com o
aprendiz. No caso tentador de imp-los em vez de prop-los, elimina-se a individualidade do
aluno e a reciprocidade constitutiva da relao saudvel e transforma-se o processo educativo
em martrio silente5.
Como situar, nesse nterim, o aluno? Sem dvida, h uma comunho identitria com
o professor no sentido de ambos terem voz e aspiraes e desejos. So humanos. No entanto,
pela prpria origem e desenvolvimento do instinto epistemoflico (KLEIN, 1959), a busca pelo
conhecimento , por natureza, tendente ao caos, desregrada, anrquica, provida de imensa carga
libidinal. Diante disto, pode-se concluir que a catexia intrnseca condio de aluno dirigida
ao conhecimento, que o enleia ao mestre.
Nessas circunstncias, constata-se que h uma via transferencial de mo dupla em
ao no decorrer do processo educativo. Por transferncia, designa-se
... um processo constitutivo do tratamento psicanaltico mediante o qual os desejos
inconscientes do analisando concernentes a objetos externos passam a se repetir, no
mbito da relao analtica, na pessoa do analista, colocado na posio desses diversos
objetos [...] O termo transferncia no prprio do vocabulrio psicanaltico.
Utilizado em inmeros campos, implica sempre uma ideia de deslocamento, de
transporte, de substituio de um lugar por outro, sem que essa operao afete a
integridade do objeto (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 766-767)
Freud, nas Cinco lies de Psicanlise, publicadas em 1910, prope que a
transferncia no advm do trabalho realizado em setting psicanaltico. O fenmeno emerge
naturalmente na interao humana, evocando vivncias da esfera inconsciente, trazidas ao palco
5 Silva (1994, p.12) de igual parecer: Na dinmica da transferncia, que se estabelece na relao professor-
aluno, tanto pode emergir uma relao construtiva que possibilite o desenvolvimento do ato educativo quanto
possvel que se estabelea uma relao de poder, negativa, por parte do professor, um mau uso do lugar que ocupa.
124
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
do dilogo e projetadas no interlocutor. Couto (2003) argui de maneira categrica a importncia
de se pensar a fundo um fenmeno to recorrente no processo dialtico do aprendizado:
'Necessidade inevitvel, a transferncia surge espontaneamente em todas as
relaes humanas, reinstalando os equivalentes simblicos do desejo sexual infantil
inconsciente que transitou pelo circuito sedutor me-filho, e invocando, nas
subjetividades que se encontram, algo que falta. Esses fenmenos vividos e
teorizados por Freud parecem ser o ncleo de uma questo que circula entre
educadores e psicanalistas: o fenmeno transferencial na relao professor-aluno
(p.75-76; nossos grifos)
O mestre, por conseguinte, representa simbolicamente a figura materna e
paterna ao aluno. Da me, toma o afeto e os cuidados; do pai, a autoridade que garanta a ordem
e o bom andamento da educao remetendo conformao do superego (FREUD, 1992a).
Portanto, uma vez que a busca discente anrquica, cabe ao mestre, enquanto representativo
do pai, conter os mpetos caticos do aprendiz; sem deixar, figurando no papel materno, de
respeitar, valorizar e canalizar a fora inerente ao caos, no af de construir o conhecimento.
Mas, j mencionada a reciprocidade transferencial, o que representaria o aluno ao
mestre? O aluno personifica a criana em busca de conhecimento que o mestre traz em si: no
mbito da relao, h um mergulho, uma tentativa inconsciente de resgate duma parte de si
mesmo. Silva (1994, p.31) observa que o professor tenta despertar nos alunos a mesma
curiosidade epistemoflica que produziu nele o desejo de aprender. E o processo de reparao
dos objetos primitivos perdidos na infncia repete-se, sendo recriado no incio de cada ano, a
cada turma de novos alunos. Couto (2003, p. 81-82) leva adiante a perscrutao do lao:
Professor e aluno esbarram um no outro como mulher-me. Essa relao tambm
veicula significantes enigmticos que envolvem o aprendiz e o mestre no significante
da dvida o outro, que quer de mim? [...] O ato de ensinar marca a fogo essa mesma
pergunta, reinstalando-a. O desejo, eco da natureza no conclusiva dessa pergunta,
deve continuar em aberto, diz Lajonquire.
Trata-se, portanto, da conjuno ideal para que se perfaa a dialtica educacional;
conjuno esta que introduz um dilema: havendo o imbrglio transferencial j mencionado
(que, na prtica, no se desenrola la perfection, como se mostrar a seguir), o inconsciente
presente na vida do indivduo e o aluno diante do mestre, ser possvel que as partes entrem
num acordo, abrindo mo de seus mais ardentes desejos ss em prol do dilogo na relao? Em
outras palavras, levando em considerao a problemtica desfiada, possvel que o professor
abra mo de suas utopias e o aluno, de seu caos-curiosidade em nome dalgo maior, qual seja:
a dialtica do saber?
2.2 As interaes entre as Individualidades
125
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
Quem abdica? Quem fala? Como conjuminar as individualidades? Trata-se do
dilema das vozes constitutivo da educao: concomitantemente fala, o indivduo v-se s
voltas com a necessidade de ouvir; isto , h um alijamento do monlogo em prol do dilogo;
h uma oscilao dialgica entre a perspectiva de receptor e emissor, que, na prtica,
dificlima.
Comungando da condio de seres humanos, relevo irregular em abismo, de que
forma professor e aluno entram em acordo, se que ele possvel? O complexo dilema das
vozes, envolvendo dois referenciais subjetivos (aprendiz e mestre) e uma via de interseco (o
conhecimento) sem entrar a fundo na ideia de inconsciente configura o que alguns usaro
como mais um argumento para afirmar que a educao, do ponto de vista da psicanlise, uma
tarefa impossvel (KUPFER, 1992, p.50).
O dilema das vozes talvez a mais primordial barreira interativa no panorama
estudado. Contudo, h inda outro. Psicanaliticamente, o mais digno de nota a
contratransferncia a rigor concebida como fenmeno intrnseco ao processo analtico, mas
que se utiliza em sentido lato , a saber:
Conjunto de manifestaes do inconsciente do analista relacionadas com as da
transferncia de seu paciente [...], que se instala na pessoa do mdico atravs da
influncia do paciente na sensibilidade inconsciente do mdico. Estava prximo o
momento, acrescentou Freud, em que seria lcito formularmos a exigncia de que o
mdico reconhea e domine obrigatoriamente em si essa contratransferncia'
(ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 133)
O intento aqui transpor esse insight obtido em espao teraputico para a relao
professor-aluno. imprescindvel, porm, pausar os pormenores de nossa reflexo psico-
educacional e inquirir: at que ponto uma dita transposio conceitual vlida, j que as
investigaes da psicanlise ocorrem em espao analtico? Ou, antes, como se deve facear, no
plano hipottico, o modelo a que se busca chegar? Em outras palavras: a trama dos conceitos
psicanalticos densa, complexa, bem elaborada, mas seu espao de concepo e aplicao,
primordialmente, concerne teoria e prtica clnicas. Como aplicar tal trama num sentido mais
amplo, no intento de ponderar sobre a dialtica educacional?
Ora, at mesmo Freud, ao publicar Zur Psychopatologie des Alltagslebens
(1992c)6, deixou claro que a psicanlise muito mais abrangente que uma simples cincia em
busca da compreenso e cura da dor humana; trata-se, antes, de um sistema de pensamento
6 Comumente traduzido por Psicopatologia da vida cotidiana. Os tradutores da edio Standard simplesmente
ignoraram o Zur contido no ttulo original, que, expressivamente, mostra como o autor deixava claro que seu
intento era refletir sobre suas teorias, no havendo, portanto, o propsito de cunhar axiomas cientficos. Freud era
um pensador da alma humana. Uma traduo mais fiel seria [Reflexes] Acerca da psicopatologia da vida
cotidiana (BETTELHEIM, 1982, p.98-100)
126
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
visando redefinio e ao aprofundamento da prpria noo de ser humano, proporcionando
assim novas ferramentas para que o homem conhea a si mesmo ou conhea a prpria
ignorncia7 , esclarecendo os conflitos e dualidades atrelados sua natureza e, portanto,
mudando o trato mais profundo que se tem consigo mesmo e com o outro. Portanto, a
psicanlise pode e deve ser considerada como novo sustentculo e amparo para outras doutrinas
e circunstncias que digam respeito ao homem. A educao, para o autor, segundo Kupfer,
uma delas: [...] as ideias freudianas sobre educao encontram-se em ntima conexo com as
ideias por ele produzidas para compor sua teoria psicanaltica (1992, p.12-13).
Desse modo, esclarece-se o intento de perscrutar o que h de humano na esfera
educativa, inserindo, no lugar do duo paciente-analista, uma noo mais genrica de Eu-Outro;
sendo de todo cabvel, pois, retomar o modelo transferencial construdo e refletir sobre seu
contraponto, ou seja, a contratransferncia. Ou ainda: constatar a incompatibilidade entre
psicanlise e educao.
Enquanto arcabouo de paixes humanas, o aluno desperta no mestre um sem-
nmero de sentimentos, tais como amor, dio, inveja, ternura, curiosidade, asco, frustrao,
realizao, entre outros componentes afetivos inerentes a toda e qualquer relao a dois. Ao
professor, cabe, pois, absorver a carga afetiva e saber trabalh-la em si; isto , metaboliz-la a
fim de que se sustente uma relao saudvel. Maria Cristina Kupfer (1992, p.62-66) chega a
argumentar que este seria um ponto positivo para a incluso da psicanlise na formao do
professor, j que apenas pela compreenso mais profunda dos prprios conflitos e, por que
no, da vida emocional como um todo, que se torna possvel lidar com a troca afetiva intrnseca
relao.
Caso no seja capaz de faz-lo, o docente por a relao merc de seus processos
inconscientes, figurando o estmulo no seio educacional como um chamariz de suas vivncias
passadas, objetos internos, conflitos mal resolvidos; de sua mundividncia inconsciente, em
suma. Com isto, a relao est fadada a percalos e duras crises.
Sujeitos em maior ou menor grau ao inconsciente, os professores tiveram sua
profisso, ironicamente, desacreditada por Freud (1992c, p.40): Educar, ao lado de governar e
psicanalisar, uma profisso impossvel. Ou seja, a condio humana, sob o prisma freudiano,
to sujeita a processos que transcendem esfera da conscincia (ao contrrio das ideias
7 Bettelheim (1982, p.34-45), em sua brilhante releitura do Complexo de dipo, mostra que, embora seu
movimento fosse de busca por conhecer-se e tenha decifrado o enigma da Esfinge (que propunha exatamente um
mergulho na prpria condio), dipo colocou enorme resistncia ao Conhece-te a ti mesmo do Orculo de
Delfos, sendo essa recusa irracional da prpria identidade a fora-motriz da tragdia.
127
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
defendidas por Sartre em O Ser e o Nada, As palavras etc) que no se faz possvel administrar
relaes, como o tm de fazer o governante, o psicanalista e o professor.
Mezan (1982) menciona a amplificao de horizontes conceituais de Freud, com o
desenrolar dos tempos, compreendendo mais aprofundadamente a dinmica do inconsciente:
Ao concluir A Interpretao dos Sonhos, Freud demonstrara trs pontos essenciais
para a teoria da psicanlise: a ocorrncia de processos de pensamento inconscientes
em indivduos normais, o papel preponderante do desejo na vida psquica e o imenso
alcance do fenmeno da represso. [...] Estas descobertas, e especialmente a da
eficcia do inconsciente, conduziram-no a uma nova ordem de trabalhos, voltada para
a deteco de mecanismos similares na esfera chamada normalidade' (p.99; grifos
nossos)
Ora, h que se lhe atriburem as devidas honras pelos insights a respeito de nossos
mecanismos inconscientes. Freud teve a primazia em estudar com rigor cientfico8 a psique
humana e compreender que tambm os ditos homens normais so sujeitos ao prprio
inconsciente. Mas, igualmente, no se pode concordar com a ideia pessimista do pensador
acerca da educao.
Considerando-a impossvel, chegou mesmo a ser visto como antipedagogo, embora
apenas desacreditasse da possibilidade de se fazer uma educao psicanaliticamente lcida,
coerente e efetiva. Acredita-se que os processos inconscientes em andamento empecilham a
relao; sobretudo quando no se sabe lidar com eles. Mas isso no anula a imprescindibilidade
da educao9. O professor deve, portanto, refletir criticamente sobre as situaes de afeto que
se lhe afiguram.
Entretanto, h outro bice educativo digno de meno, vinculado s vivncias do
aluno: trata-se dos processos edpicos, que configuram igualmente um dos cernes conceituais
da teoria psicanaltica, aparecendo desde os primrdios (como nA interpretao dos Sonhos)
at a fase madura do pensador (como em Moiss e o Monotesmo). Freud dedicou, pois,
exaustivos estudos ao Complexo de dipo e lhe atribuiu imenso peso no que concerne
evoluo e aos processos psquicos do indivduo (haja vista o Pequeno Hans, os casos de histeria
e os escritos da maturidade aambarcando suas ideias psico-antropolgicas acerca de
civilizao e cultura), embora no tenha feito uma incurso clara e unitria no campo
educacional, no aprofundando o duo psicanlise e educao.
8 Bettelheim (1982) mostra de uma maneira quase potica que Freud no foi um cientista, como o querem os
tradutores ingleses. Foi, antes, um intrprete de ns mesmos. Um pensador, um humanista em sentido lato. Por
isso evitamos, no presente estudo, considerar sua obra como pura, fria e simples cincia.
9 Kupfer (1992, p. 12) prope que h certa dose de ironia no parecer do psicanalista. Cremos, contudo, que seu
egrgio pessimismo, sobretudo o de seus ltimos anos, contribuiu para que o autor lanasse certa descrena sobre
a educao e o futuro dos jovens, haja vista sua cruel perseguio pelos nazistas, seu exlio em Londres e a
desiluso com a perspectiva de mudana desse panorama. O percurso histrico de Freud, por conseguinte, salienta
nosso ponto de vista.
128
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
J se aludiu figurao simblica do professor como pai mantenedor da ordem e
me acolhedora e propiciadora do desenvolvimento das potencialidades. Trata-se duma
vivncia primordial, atemporal, levada sala de aula. O que se passa no caso do dipo do aluno
no estar bem resolvido e apresentar tremores? E no caso de adolescentes, em turbulncia de
crescimento com as referidas situaes?
Antes de perquirir a problemtica proposta, cabe definir o que se entende por
Complexo de dipo, a fim de lanar mais intensa luz a respeito da teoria de que se vale no
presente trabalho. Primeiramente, evocando Roudinesco e Plon (1998, p. 166):
O complexo de dipo a representao inconsciente pela qual se exprime o desejo
sexual ou amoroso da criana pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para com
o genitor do mesmo sexo. [...] Na histria da psicanlise, a palavra dipo acabou
substituindo a expresso Complexo de dipo. Nesse sentido, o dipo designa, ao
mesmo tempo, o complexo definido por Freud e o mito fundador sobre o qual repousa
a doutrina psicanaltica como elucidao das relaes do ser humano com suas
origens e sua genealogia familiar e histrica. (nosso grifo)
Bettelheim (1992, p.34-44) aponta que, embora esses sentimentos complexos nos
sejam vetados conscincia quando adultos, por terem passado por uma slida e renitente
represso, eles permanecem vivos no plano inconsciente, atrelados culpa que se alimenta por
senti-los. O mito de dipo nos ensina que, tornadas conscientes, tais vivncias afetivas nos
fazem facear suas consequncias; mas s a partir do contato consciente com o dipo que se
pode tentar metaboliz-lo, i.e., tomar medidas para lidar com ele e suas implicaes.
A relao conturbada com a figura dos genitores, portanto, pode desenrolar um
intrincado processo transferencial que traz abalos relao se ao menos uma das partes a
lgica aponta para o professor, que deve evitar processos contratransferenciais no refletir,
contemporizar e lidar criticamente com a situao, sob o risco de o vnculo sofrer ataques e, em
ltima instncia, haver uma ruptura.
3. Educao e Psicanlise: epistemes inconciliveis?
At aqui, expuseram-se alguns dos principais fenmenos encontrados na relao
professor-aluno, norteadores da construo e manuteno do vnculo que os enleia e reveladores
de aspectos identitrios essenciais dos sujeitos e objetos envolvidos na trama da dialtica
educacional.
Retomando a bibliografia disponvel acerca do universo tratado, nota-se que a
posio de Kupfer (1992, p.12-13; p.50; p.62-66) referente possibilidade da prtica
educacional sob a gide da psicanlise no clara e bem definida. Ao passo que mostra o
ceticismo pessimista de Freud no s quanto educao, mas ao futuro em sentido mais amplo,
129
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
e expe uma das contradies do pensador10, que tambm estava convicto de que a psicanlise
deveria ser usada como esteio para os outros campos das humanidades, se exime de emitir
opinio prpria e versar sobre a legitimidade, procedncia e validade do duo que intitula o
presente item.
Digual maneira, nada de esclarecedor e especfico pode ser encontrado em Couto
(1994) e Silva (1993), cabendo, apesar disto, a ns indagar: consoante a teoria psicanaltica, a
educao se faz possvel? De que maneira? Quais os empecilhos esperados? Ou ainda: sendo
possvel a educao, igualmente possvel estabelecer um vnculo de parceria ou relao de
complementaridade com a psicanlise? Em caso afirmativo, como inserir a psicanlise na
prtica educacional?
Todas essas questes tm grande importncia e ainda no se refletiu
suficientemente a seu respeito, no sendo, evidentemente, pretenso deste modesto artigo fazer
uma elaborao de resposta, nem tampouco sendo aceitvel que se feche os olhos para o
problema. H que se fazerem, portanto, os apontamentos e ponderaes que diagnostiquem o
atual estado das tentativas de conciliao do binmio em questo.
O posicionamento frente a esse polmico problema, deve rumar para algo
ligeiramente alm do horizonte pura e simplesmente freudiano e avaliar como seu rebento
psicanaltico portou-se ou portar-se-ia diante do impasse que se nos afigura.
So afamadas as discusses de questes cientficas, administrativas e educacionais
entre os seguidores de Melanie Klein e Anna Freud na Sociedade Britnica de Psicanlise entre
os anos de 1941 e 194611. As tenses se acirraram aps a famlia Freud emigrar para Londres
em fuga das perseguies nazistas. Este momento marcou, provavelmente, a primeira fortssima
polmica sobre a aplicabilidade da psicanlise, entre outras coisas no cabveis de pormenor.
Anna Freud representava a escola clssica, em franca e rigorosa sucesso do criador
da psicanlise. Defendia uma aplicao geral da psicanlise como base para as outras cincias
humanas. Melanie Klein, alm das inovaes na tcnica psicanaltica, arguia que a psicanlise
se restringe a si mesma e no deve servir de prisma para estudos outros.
3.1 A psicanlise e o corolrio de cincias humanas
10 Mezan (1982, p.XVI) prope a necessidade de uma leitura diacrnica e extremamente cuidadosa, j que, em seu
percurso, Freud reviu, desenvolveu e aprofundou ininterruptamente suas concepes. Da Famlia neuroptica ao
Modelo Pulsional. A educao, contudo, um tema sobre o qual o pensador nunca se pronunciou delongadamente:
h idias esparsas, soltas, que mostram que, embora no tenha se ocupado diretamente com a problemtica
educativa, ela o acompanhou do princpio ao fim de sua obra (KUPFER, 1992, p.12-13). 11 http://www.enotes.com/psychoanalysis-encyclopedia/controversial-discussions-anna-freud-melanie-klein
Acesso: 15/06/2016
http://www.enotes.com/psychoanalysis-encyclopedia/controversial-discussions-anna-freud-melanie-klein130
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
A psicanlise, para alcanar a cura pela palavra, visa, fundamentalmente, a
propiciar o conhecimento de si mesmo por meio de livres associaes do paciente. Em outras
palavras, defende-se que o mergulho em si mesmo seja a via de construo do dito
conhecimento de si.
Entretanto, percebe-se que o mergulho na subjetividade e na individualidade
constitui o cerne no apenas da investigao psicanaltica, como tambm de sua concepo
mais ampla do humano.
Ora, o sistema escolar remonta dissoluo da individualidade no seio das prticas
disciplinares. Nem ao menos em um plano mais superficial h espao para o mergulho
consoante com a psicanlise. Para que o grupo ande, o indivduo deve abrir mo de grande
parte de si mesmo, submetendo-se a regras, a programas, imposio de silncio etc. Em
outras palavras: a diferena basilar exposta impede a possibilidade de, mais que coexistncia,
complementariedade das duas vises no processo educativo?
Aplicabilidade imediata da psicanlise em sala de aula como j se mostrou
incompatvel. O que a psicanlise tem a oferecer uma compreenso aprofundada da realidade
humana de cada indivduo, surgindo aporias epistemolgicas quando se tenta coadun-la com
uma realidade grupal.
No obstante, h outra episteme que fornece uma compreenso da sala de aula
enquanto fato social e encara a realidade individual, grupal e as malhas do tecido social de uma
maneira completamente diversa. Diante disto, indaga-se: como se d a relao professor aluno
sob o prisma sociolgico? Em que em sntese a sociologia tem a contribuir para uma
compreenso da sala de aula? Como a realidade escolar se relaciona com a complexa rede de
fatos sociais?
Consideraes finais
No transcurso do presente artigo, clarificou-se como a noo de sujeito concebida
por Freud, por neofreudiano e elaborada por conceitos psicanalticos, analisando de modo
geral, todas as tramas e conflitos que a psicanlise perscruta projetados ao binmio professor-
aluno. Alm disto, exps-se claramente como a psicanlise refratria a anlises grupais
sistemticas e este fato, longe de apontar uma imperfeio, mostra os limites objetivos desta
cincia.
A perspectiva sociolgica evidencia, por sua vez, que a relao professor-aluno ,
ao mesmo tempo, contraditria e complementarmente, uma relao de socializao em si
mesma, bem como fruto de um processo de socializao. Contudo, tal processo se d dentro de
131
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
uma realidade social e cultural, em meio a qual se constroem perspectivas, expectativas e modos
de agir, envolvendo portanto, aspectos psquicos, mentais e emocionais. Embora no se trate de
uma relao estritamente psicanaltica, no sentido da triangulao pai-me- filho, envolve
relaes microssociais entre indivduos que vivenciam uma realidade mais ampla, assimilam
normas e modelos sociais e desempenham papeis socialmente valorizados.
Ao traar-se um paralelo entre a sociologia e a psicanlise, salta aos olhos a
importncia do dilogo entre disciplinas para que se lance distinta luz sobre o binmio
professor-aluno, permitindo inferir-se que em regime de complementariedade os diferentes
ramos do saber formam um aparato epistemolgico um pouco mais gabaritado a diagnosticar
fenmenos complexos que envolvam, a um s tempo, o indivduo enquanto infinidade psquica
e actante num contexto sociocultural.
Cada vez mais, no sculo XXI, portanto, deve-se estimular a interdisciplinariedade
e a quebra de dominao de uma episteme sobre a outra, com referida integrao inclusive
enriquecendo individualmente cada ramo do saber, o que na educao e nas reflexes que a
tomam como objeto, coloca-se como essencial.
Referncias
BETTELHEIM, B. A Viena de Freud e outros ensaios. Campinas: Editora Campus, 1991.
BION, W. Estudos psicanalticos revisados. 3 Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
COUTO, M. J. de B. D. Psicanlise e Educao: A seduo e a tarefa de educar. So Paulo:
Avercamp, 2003.
DANDREA, F. F. Desenvolvimento da personalidade. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil,
1996.
DURKHEIM, Emile. A evoluo pedaggica na Frana. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995.
______. Educao e sociologia. So Paulo: Melhoramentos, 1978.
______. Educao, moral e sociologia. Porto: Res, 2001.
FIORI, E. M. Aprenda a dizer sua palavra. In: FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 3 Ed.
Rio de Janeiro: Paz e terra, 1970.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 3 Ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1970.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessrios prtica educativa. So Paulo:
Paz e Terra, 1996.
FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1986.
132
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
FREUD, S. Das Ich und das Es. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag, 1992.
_____. Das Unbehagen in der Kultur. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag, 2004.
_____. Der Mann Moses und die monotheistische Religion. Frankfurt: Fischer Taschenbuch
Verlag, 1992.
_____. Die endliche und die unendliche Analyse. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag,
1992
_____. Die Psychoanalytische Technik: Aus der Abriss der Psychoanalyse. Frankfurt: Fischer
Taschenbuch Verlag, 1982.
_____. Die Traumdeutung. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag, 2004.
_____. Freud e a alma humana. So Paulo: Cultrix, 1982.
_____. ber Psychoanalyse: Fnf Vorlesungen. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag,
1983.
_____. Zur Psychopatologie des Alltagslebens. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag, 1992.
_____. Zur Psychotherapie der Hysterie. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag, 1982.
GAY, P. Freud: uma vida para nosso tempo. So Paulo: Cia das Letras, 1989.
GOFFMAN, Erving. A representao do eu na vida cotidiana. Petrpolis: Vozes, 2009.
GREEN, A. et al. A Pulso de morte. Trad. Cludia Berliner. So Paulo: Escuta, 1988.
KLEIN, M. La psychanalyse des enfants. Paris: PUF, 1959.
_____. Sobre Identificao. In: ____. O sentimento de solido. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
KUPFER, M. C. Freud e a Educao: mestre do impossvel. So Paulo: Scipione, 1992.
MANNONI, M. Educao Impossvel. Trad. lvaro Cabral. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1977.
MEZAN, R. Freud: a Trama dos conceitos. So Paulo: Perspectiva, 1982.
PERRENOUD, P. Ofcio de aluno e o sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora, S/d.
ROSA, J. G. Grande Serto: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionrio de psicanlise. Trad. Vera Ribeiro e Lucy
Magalhes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
SAAVEDRA, M. de C. Don Quijote de La Mancha. Madrid: Real Academia Espaola, 2004.
SILVA, M. C. P. da. A paixo de formar: da psicanlise educao. Porto Alegre: Artes
Mdicas, 1994.
133
Rev. Cientfica Eletrnica UNISEB, Ribeiro Preto, v.7, n.7, p.117-133, jan/jun. 2016.
SIMMEL, Georg. Questes Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2006.
Top Related