URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica
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URBANISMO DO APOCALIPSE favelacariocacomoum ilmede icçãocientí ica:territórios
dasegregaçãoecontrolenocinemaenavidareal
Liebert Bernardo Rodrigues Ferreira Pinto
Orientação | Cristina NacifSupervisão | Vinicius Netto
Consultoras | Sonia Ferraz e Adriana Caúla UFF | EAU | Trabalho Final de Graduação | 2014.1
SUMÁRIO
I. APONTAMENTOS INICIAIS
II. AS FAVELAS CARIOCAS E DISTRITO 9: UMA VISÃO PANORÂMICA
III. MURO NA FAVELA SANTA MARTA E FUGA DE NOVA YORK
IV. UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA NO COMPLEXO DA MARÉ E BRAZIL
V. CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NA ROCINHA E 1984
VI. REMOÇÃO DA FAVELA DA TELERJ E ROBOCOP III
VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
FONTES FILMOGRÁFICAS
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Ai!Agrandecidade!Babilônia,cidadepoderosa!Emapenasumahorachegouasuacondenação!
Apocalipse,18:10
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IAPONTAMENTOS INICIAIS
Emqualquercomeçodeconversa,articularnamesmasentençaostermosfavelae icçãocientí icaseriamotivodeestranhamentoeinquietação.IssoseagravaquandoestamostratandodeumtrabalhoacadêmicodeArquiteturaeUrbanismo.Adescon iançainicialpodeinviabilizarodiálogo,desquali icandoprecocementeumtrabalhoquecertamentenãoéóbvio.
Portanto, o primeiro passo será esclarecer as questões que pairam no ar, e assimpavimentar com mais propriedade uma análise sobre as favelas na cidade do Riode Janeiro e os con litos que surgem das políticas públicas contemporâneas em seuterritório.
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Inicialmentecolocaremosaseguintepergunta:
Porqueos ilmesde icçãocientí ica?
Aimaginaçãoéamaiscientí icadasfaculdades,porquesóelacompreendeaanalogiauniversal.
CharlesBaudelaire,1858
NascidanoséculoXIXnocontextodaRevoluçãoIndustrial,a icçãocientí icainaugurouo imaginário cienti icista de uma humanidade que experimentava um processo dedesenvolvimento tecnológico até então sem par na História, que proporcionava aomesmotempoprogressoecaosemmeioàformaçãodasgrandesmetrópolesdaIdadeContemporânea. Povoada por robôs, máquinas avançadas, cidades utópicas, viagensespaciais e seres de planetas extraterrestres, esta forma de icção narra a interaçãohumana em cenários futurísticos hipotéticos, aonde a Ciência é levada a níveistecnológicosirrealizáveisparaasuaépoca.
Aosimularoporvir,amaioriadosautoresdo inaldoséculoXIXeiníciodoXXexaltavaasconquistascientí icasdahumanidade.Noentanto,oshorroresvividosnoscamposdebatalhanasduas grandesguerrasmundiais reveloua facemaisdesumanadaaltatecnologia, empregadanas formas colossaisdedestruição emmassa ede genocídiosprogramados, culminando com o uso da bomba atômica. A partir de então, opessimismo comrelação àCiênciadirecionao gêneroda icção cientí ica àprojeçõespredominantemente catastró icas sobre o futuro. Portanto, o contexto histórico noqualaobrade icçãocientí icaéproduzidaéabasedasespeculaçõesfuturísticas,emum caráter crítico ao seu próprio tempo, e, comoa irma Isaac Asimov (1984:13), “aimaginaçãodosautores(de icçãocientí ica)estápresaaotempoeàsociedadeemqueelesvivem.”
NoseulivroSaudadesdofuturo: icçãocientí icanocinemaeoimagináriosocialsobreodevir,AliceFátimaMartinssintetizacomoasvisõesdofuturonanarrativacientífco-iccionalestãocalcadasnocontextodoespaçoetempopresentes,especialmentenoqueconcerneàrepresentaçãocinematográ icadestegênero:
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Asmetáforas cientí ico- iccionais das narrativas ílmicas são vistas comotestemunhosdoscontextossociaisehistóricosnosquaissãoproduzidas,esuaanálisepartedoselementosinternosdanarrativa,buscandoestabelecerrelaçõescomosambientesnosquaisestãoinscritas.(MARTINS,2013:4)
A icçãocientí icapodeserconsideradaentãopioneiraemdemonstrarvisõesdeutopiastecnológicaseassuasimplicaçõeséticas,emumarepresentaçãodofuturocomocríticaaopresente. Àmedidaqueaobrade icçãocientí icaestáempenhadaemutilizaraspossibilidadesreaisdocontextodesuaépocaaoimaginaro futuro,asanalogiascoma realidade construídas a partir de narrativas cientí ico- iccionais podem expressarqualidadespremonitóriasnaprojeçãododevir.
AcitaçãodeJorgeLuizBarbosanoseulivroPaisagensCrepuscularesdaFicçãoCientí ica;aelegiadasutopiasurbanasdomodernismoapontaaintimidadeentrea icçãocientí icaeocinemanarepresentaçãodevisõesdofuturo:
Nacondiçãoamalgamadadeoráculoefantasmacópio,poisenunciaprofeciasao criar ilusões fantasmáticas, determinados ilmes de icção cientí icaconstituíram uma linhagem criadora de elegias da cidade traduzindo, narelaçãoespaço/representação,umadasmaisvigorosascríticasaosrumosda metrópole e, por extensão, aos modelos urbanos que a originaram.(BARBOSA,2013:17)
Destemodo,podemosjusti icaraescolhadocinemade icçãocientí icacomodispositivode análise, em detrimento da Literatura, HQs e outras mídias do mesmo gênero. Apoderosaexperiênciavisualdocinemaparecereforçarocaráterproféticodasnarrativascientí ico- iccionais,principalmentenoqueserefereàumacríticaaomodelodascidadesreais.
Sendoentãoos ilmesde icçãocientí icametáforassobreascidadescontemporâneasglobalizadas eos seus con litos, contextonoqual oRiode Janeiro se insere, pode-sedestacarapresençadooutrocomoumaameaçadenaturezadesconhecida:
Sobre as cidades cientí ico- iccionais pairam sempreas ameaças trazidaspelapresençadooutro,seresalienígenas,deorigemenaturezaestranhos,estrangeiros,predadores,macacosquasehumanosviolentoseautoritários,máquinas inteligentes que suplantam ahumanidade, viajantesno tempo.(MARTINS,2013:4)
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A própria palavra alienígena signi ica estrangeiro ou forasteiro, a despeito do sensocomumquetendeaassociarapenasaosseresdeoutrosplanetas.Ooutrotemumpapelcrucial na construçãodas analogias entreos ilmesde icção cientí ica e a realidade,sendoumadasbasesdasanálisesquepermearãoestetrabalho;assimcomonarealidade,ooutrona icçãocientí icaéoraavítimadasegregação,oradadominação.Oódioeaperseguiçãoaesteoutroélatente,emummeiosocialquebuscaeliminá-loouexpulsá-lodoconvívioedavistadaspessoas‘debem’.
Diantedoobjetocentraldasanálisesdotrabalho–asfavelascariocas–podemosusarestametáforadooutropararepresentaroseuterritório.Ora,seafavelapodeserentendidacomooterritóriodaexclusãoedocontrole,e,portanto,dooutronavidareal,temosque,demaneiraanáloga,afavelapoderepresentaroterritóriodosrenegadoscomona icçãocientí ica.Nodiscursodas autoridades edamídiadominante, reproduzidoporpartedasclassesmédiaealta,afavelaéretratadacomooterritórioprópriodacriminalidade,gerandoinsegurançaaosmoradoresdoseuentorno.
Por de inição, a favela é apenas um “conjunto de habitações populares que utilizammateriais improvisados em sua construção tosca, e onde residem pessoas de baixarenda”1.Noentanto,osmoradoresdasfavelascarregamoestigmade“classeperigosa”,queprecisaservigiada,controlada,cercada,expulsa,en im,combatidaeeliminadaemseuterritórioparaqueapazdos“cidadãosdebem”sejaassegurada.
Dentrodos tópicossobreoscon litosparaaspolíticaspúblicascontemporâneasparaas favelasdacidadedoRiode Janeiro,asanalogiascomos ilmesde icçãocientí icapodemsertrabalhadasnosentidodaconstruçãodediferentesmetáforas.Porexemplo,seotemaforvigilância:ateletela,queeramosolhoseletrônicosdoGrandeIrmãoem1984(famosolivrodeGeorgeOrwell,transformadoem ilmeporduasvezes),podesercomparadaàscâmerasinstaladasnafaveladaRocinha.Podemosentãoconsiderarqueos ilmesde icçãocientí icasão“fontesdemetáforasquere letemoideário,oimagináriosocialsobrepassado,presenteefuturo”(MARTINS,2013:29).
AHistóriaoferecesubsídiosparaquepossamosolharparaopassadoeconstruirumacrítica ao presente. Já a icção cientí ica tem a possibilidade de proporcionar visõesfuturológicasbaseadasnaépocaatual,oquepermitereconheceranossarealidadenasprojeçõesdodevir,eassimtambémproduzirumacríticaaopresente.
1DicionárioHouaiss.
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Porqueocinemacomoferramentadeestudosurbanos?
Ocinemaentãocoloca-seaoladodomundo,parecendoexatamenteomundo.
J.DudleyAndrew,1989
Acomplexidadedourbano, especialmentenoque toca aos valoresque extrapolamasuaexistência ísica,podeestimularabuscapormodosdeapreensãodacidadequevãoalémdosmapasetextos.Ocinema,dentreasformasderepresentaçãovisualexistentes,foiescolhidonopresentetrabalhocomoferramentadeestudosurbanosdevidoàsuaforteimpressãoderealidade,registrandoaespacialidadedosobjetoseoespaçoporelesocupado.Nocasoda icçãocientí ica,mesmooirrealpodeseapresentaraosolhosdoespectadorcomaaparênciadeumacontecimento.
Aimpressãoderealidadeéfundamentalnacomposiçãodocaráterproféticodos ilmesde icçãocientí ica,sendoessecaráterumelemento-chavenoexercíciodecomparaçãocrítica das cidades reais com as iccionais. Essa qualidade premonitória ganhacredibilidadeapartirdomomentoqueoespectador“con ianasimagenstécnicastantoquantocon iaemseusprópriosolhos”.(FLUSSER,2002:8)
De essência cosmopolita, o cinema soube manifestar a inquietação da sociedadeocidental ao longo do século XX. Uma nova forma de ver o mundo foi inauguradaquandoem1895osirmãosLumiéreapresentaramocinematógrafoemParis,causandoespantoefascinaçãocom“Achegadadotremnaestação”.Muitomaisdoqueaprojeçãode fotogra iasde formarápidaesucessiva,areproduçãodas imagensemmovimentosuperouasensaçãoderealidadequeaprópriafotogra iahaviaalcançado.OteóricodecinemaChristianMetzdiscorresobreotema:
Antesdocinema,haviaafotogra ia.Entretodasasespéciesdeimagens,afotogra iaeraamaisricaemíndicesderealidade,(...)jáqueasuarepresentaçãoforaalcançadaatravésdeumprocessomecânicodeduplicação;eraassim,decertomodo,opróprioobjetoqueseimprimiraasimesmonapelículavirgem.Masessematerialtãosemelhanteaindanãooerasu icientemente;faltava-lheumatransposiçãoaceitáveldovolume,faltava-lheasensaçãodomovimento,comumentesentidacomosinônimodevida.Ocinematrouxetudo istodeumavezsó,e– suplemento inesperado–nãoéapenasuma
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reproduçãoqualquer,plausível,domovimento,quevimosaparecer,masoprópriomovimentocomtodaasuarealidade.(METZ,2012:28)
A narrativa nascia a partir dos quadros em sequência dentro de uma determinadaduraçãodetempo,oque,juntamentecomoadventodos ilmessonoros,ampliavaaindamaisessailusãodeparecerrealqueomovimentodaprojeçãocinematográ icajásugeria.
Sobreotempo,ocineastaAndreiTarkovskide inequeele,“registradoemsuasformasemanifestações reais”, é a própria concepção do cinema enquanto arte (1998:72). Oespaço, enquanto dimensão da realidade, pode ser vivido através da representaçãocinematográ icacomoumaexperiênciamultissensorialque transitano limiarentreoabstratoeoreal:
Ocinemaé,sim,umamediaçãoentreoespaçocomoconceito–apartirderecortes e representaçõesmoldados pela sétima arte – e o espaço comoexperiência–namedidaemqueosdeslocamentosdacâmeraedosobjetosilmadoseaimpressãoderealidadeprópriosàsétimaartepossibilitamumavivênciapróximaàempírica.(NAME,2013:67)
Essapercepçãodoparecerreal,naconcepçãodeTarkovski(1998:220),vaiaindamaislonge:paraele,ocinemaproporcionaaoespectadorasensaçãodequeaprópriavidaestásendoprojetadanatela,emumarelaçãodeintercâmbioíntimocomarealidade,naqualoespectadortem“aoportunidadedevivenciaroqueestáocorrendonatelacomosefossesuaprópriavida,edeapropriar-se,comoelasefosseasuaexperiênciaimpressanotempoemostradanatela,relacionandosuaprópriavidacomoqueestásendoprojetado.”
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Porqueafavela?
Umpedaçodoinfernoaquiéondeeuestou/AtéoIBGEpassouaquienuncamaisvoltou.
RacionaisMc’s,1993
Apósaexplanaçãodaspremissasteóricasrelativasaousodos ilmesde icçãocientí ica,se faz necessário introduzir o porque do objeto principal do trabalho – a favela. Ainquietaçãoseoriginaapartirdoseguintequestionamento:qualseráolugardestinadoàfavelacariocanasintervençõesurbanascontemporâneas?
Fuiinseridonotemaapartirdaminhaparticipaçãocomobolsistadeiniciaçãocientí ica,nosanosde2010e2011,nogrupodepesquisaArquiteturadaViolência,coordenadopelaProfªDrªSôniaMariaTaddeiFerraz.Otextoaseguircondensaasre lexõessobreafavelapresentesnaspublicaçõesdoperíodoqueatueinogrupo2.
Asanálisesseiniciamapartirde2009,mesmoanodaeleiçãodacidadedoRiode JaneirocomosededasOlimpíadasde2016.Aeuforianãopoderiasermaior: em 2007, o Brasil já havia sido escolhido para sediar a Copado Mundo de 2014. A “Cidade Maravilhosa” evidentemente não poderiaicardefora,sendoescolhidacomoumadascidades-sededoevento.Eraocomeçodeumanovaerade intervençõesurbanasprofundas, justi icadasemnomedospreparativosparaosdoisgrandeseventosecapitaneadaspeloprefeitoEduardoPaesepelogovernadorSérgioCabral.Tudohaveriadeserfeitoemnomedeum idealde “CidadeOlímpica”,e asesferasde governomunicipal,estadualefederalsecomprometeramatrabalharemsincronia
2 Fui co-autor dos trabalhos Arquitetura da Violência: cidade limpa e segura para turista verapresentadonoIIISeminarioInternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010);ArquiteturadaViolência-MuroseUPPs:aspolíticaspúblicasparaas favelas cariocas - Direito à cidade para quem? Apresentado no II Congresso InternacionaldoNúcleodeEstudosdasAméricas-SistemasdePoder,PluriculturalidadeeIntegração(RiodeJaneiro,20-24desetembrode2010);ArquiteturadaViolência-Regulaçõesdeumasociabilidadeurbana excludente: (b)ecos de uma reordenação olímpica da Cidade Maravilhosa apresentadonoXXSemináriodeIniciaçãoCientí icaePrêmioUFFVasconcellosTorresdeCiênciaeTecnologia(Niterói,novembrode2010)eArquiteturadaViolência-Asfavelascomoolugardaespetacularguerradapaci icaçãoXIVapresentadonoEncontroNacionaldaANPUR-AssociaçãoNacionaldePós-GraduaçãoePesquisaemPlanejamentoUrbanoeRegional(RiodeJaneiro,23-27demaiode2011)
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paraviabilizartaisesforços.
ArotinadepreparaçãodoRiodeJaneiroparaosmegaeventosesportivosinclui a construção demuros (ou barreiras) e instalação deUnidades dePolíciaPaci icadoranas favelas situadas em locais estratégicosda cidade,alémdaremoçãodemoradiasfavelizadas.Essaspolíticasrevelamaintençãodegarantiraosturistas,aoComitêOlímpicoInternacional(COI)eàFederaçãoInternacionaldeFutebol(FIFA)quetodasasmedidasestãosendotomadasparaasegurançadoevento,vistoqueafavelasegueestigmatizadacomooterritóriodainsegurança.
Além de despertar o temor da violência, para o senso comum a simplesvisãodeuma favelainsinuasujidade;uma interferênciacaótica, imundaeinconvenientenapaisagemurbana, quedeveser varrida ecombatidaemnomedoembelezamentoedahigienedaCidadeMaravilhosa:
A aproximaçãodaCopadoMundode 2014e dasOlimpíadasde2016parece se apresentar como umaocasião excepcionalparaalegitimaçãonecessáriadoritmoaceleradodesta‘limpezahumana’deáreasurbanasque,comoa irmaDavis3,‘nomundointeiro é o último estágio alcançado pelo inveterado con litoentre ricos e pobres pelo direito à cidade’. A perspectiva darealizaçãodessesgrandeseventosrecolocaemcena,commaiorênfase,aquestãoda favelização.AsanálisesdasrepercussõesdosJogosPan-Americanosde20074eda CopadoMundode2010,decertaformacorroboramestahipótese,namedidaemquejárevelaramqueosinvestimentosmaciçosparaviabilizaçãodessesacontecimentosnãoforamcapazesdeminoraraexclusãoeconômica, mas, acentuaram a invisibilidade da pobreza aosolhosdomundo.(FERRAZ,CARDOSOeRODRIGUES,2010:1)
3(DAVIS,Mike,2005apudFERRAZ,CARDOSOeRODRIGUES,2010:1)4SegundoSánchezeBienenstein(2009,pg.14),osjogospan-americanostêmcontribuídoparaacirrarasdesigualdadessócio-espaciaisnasmetrópolesondeocorremeadesproporçãoentreos investimentos em infra-estrutura esportiva permanente e os gastos em infra-estrutura deconsumo coletivo contribuiu para o acirramento das disparidades sócio-espaciais, à medidaque privilegiaram, em grande medida, equipamentos esportivos que posteriormente seriamtransferidosparaainiciativaprivada.
JornalOGlobo-OpiniãoPágina17-24/08/2010
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De tal forma, a produção do espaço urbano do Rio de Janeiro se pautana busca pela segurança: por um lado, a iniciativa privada constróiempreendimentos imobiliários que prometem “exclusividade” aos seusmoradores–entenda-seporexclusividadealiteralexclusãodapresençadooutrodentrodocondomíniofechado;poroutro,opoderpúblicoasseguraapaci icação dos territórios favelados,mantendosobcontroledoEstadoa contenção das classes “perigosas”, responsabilizadas pela violência dacidade. A gueti icação dosmais pobres garante a tranquilidade dosmaisabastados,umavezque“aliberdadesacri icadaemnomedasegurançatendeaseraliberdadedosoutros.”(BAUMAN,2003:24)
A“paci icação”dafavela–pormeiosnadapací icos–serevelafortementenecessáriaàvalorizaçãodosimóveis“doasfalto”,enquantoqueasempresasprivadas ajudam a inanciar a manutenção do programa das UPPs. Se aintençãodosempresáriosfoi ilantrópicaouporpurointeresse inanceiro,ofatoéqueapaci icaçãosemostrouuminvestimentoaltamenterentávelaomercadoimobiliário.
Portanto, qual será o lugar destinado à favela carioca nas intervençõesurbanas contemporâneas? O horizonte não parece promissor: as atuaispolíticas públicas para as favelas (muros e barreiras, UPPs, câmeras devigilânciaeremoções)sãomedidasqueacentuamasegregaçãoeaexclusãosocialeespacial,eaaproximaçãodosmegaeventosrevelaquenadafoifeitoparaqueasclassesmaisbaixasquehabitamosterritóriosfavelizadossejamcontempladas pelo legado de melhorias prometido pelo discurso o icial.Maisumavezospobresvão icardeforadafesta.
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JornalOGlobo-Página23-25/08/2010
JornalFolhadeSãoPaulo-16/03/2011
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Oqueéourbanismodoapocalipse?
Dadoqueposeemoselpoderdeponemos inunosaotros,somoslosseñoresdelapocalipsis.
GüntherAnders,1956
Conceituocomourbanismodoapocalipseoexercíciodereconhecimentodepráticascomdesdobramentosemterritóriosreaisquerevelamsemelhançascomcidadesdecenáriosapocalípticosda icçãocientí ica.Oapocalipseéaquientendidocomoumquadroextremodedegradaçãodahumanidadequeconduzaoseupróprioextermínio.Parao ilósofoalemão Günther Anders (1902-1992), o apocalipse da raça humana decorreria emgrandemedidanaimpotênciaeincompetênciaperanteodesenvolvimentotécnico,na padronização domundo e no comportamento passivo diante dos veículos decomunicação.Sobreainconsequênciadosatosdoshomens,Andersconsideravaqueépossível“planejarerealizarhoje,semproblemas,adestruiçãodeumagrandecidadecomaajudademeiosdedestruiçãopornósfabricados.Masimaginaresteefeito,avaliá-lo,sóopodemosinsatisfatoriamente.”(ANDERS,1994:267)
Oapocalipsepodeserhoje;oapocalipsepodeserexatamenteagora.Noentanto,apossívelaproximação dele não necessariamente nos faz percebê-lo. Portanto, ourbanismo doapocalipsenãosepropõeaumafuturologiabanaloualgumtipodedenúnciacataclísmica,massimaumexercíciore lexivosobreagravidadedeintervençõescontemporâneasseassemelharemcomtantaintimidadeàeventosretratadosna icçãocomoapocalípticos.Nesse sentido, a própria condição humana contemporânea pode ser questionada, apartirdomomentoquearuínadooutroedoseuterritórionavidarealébanalizada,naturalizada,incentivadaecomemorada.Ocataclismaestápróximo?Averdade:nãoépossíveldizernãoousim,masépossívelquestionaraçõesreaisquenopassadoa icçãocientí icaimaginoucomocatastró icas.
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Entreimagens,discursoseestratégiasdedominaçãosimilaresna icçãoenavidareal,emqualpontoseidenti icaumurbanismodoapocalipse?Nãoésimplesemenosaindaóbvio,masapertinênciadametáforaentreasnarrativascientí ico- iccionaisearealidadepodeserconstruídaapartirdaclarezadasaproximaçõesentreosdoiscenáriosedacoerênciadaanálisecrítica.Ourbanismodoapocalipse,portanto,éobservadoàpartirdacomparaçãoentredoisobjetosquesãoavaliadosemumconstanteexercíciodialético.Oconceitodeurbanismodoapocalipseserádesenvolvidoemcincopartes,sendocadaumarelacionadaaum ilmeespecí icoaotema.Otrabalhosedesenvolvenaseguinteordem:
A FAVELA CARIOCA E DISTRITO 9uma visão panorâmica
MURO NA FAVELA SANTA MARTA E FUGA DE NOVA YORK materialização espacial da segregação
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UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA NO COMPLEXO DA MARÉ E BRAZILpacifi cação ou militarização?
CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NA ROCINHA E 1984‘Big Brother’ na favela
REMOÇÃO DA FAVELA DA TELERJ E ROBOCOP III‘juízo fi nal’ em forma de limpeza humana-urbana
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Sim,a favelarealpoderevelar traçosdoapocalipsedescritona icção.Naperspectivadessasintervençõesurbanasquenegamàpartesocialmentemaisfrágildapopulaçãoo acessodemocrático à cidade, o objetivodo trabalhoédemonstraropontonoquala favela carioca contemporânea revela semelhanças com os cenários apocalípticosdescritosnos ilmesde icçãocientí ica,partindodaanálisedaspolíticaspúblicasparaasáreasfavelizadasedosdesdobramentosurbanísticosemseuterritório.Realidadeeicçãocolidemeseconfundememumainfelizcoincidênciadeestratégias,discursoseutopias,sinalizandooreordenamentourbanoautoritárioqueincidesobreacidadedoRiodeJaneiro,calcadonaexclusãoenasegregação.
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PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS
Otrabalhoéumolharcríticosobreafavelaeaspolíticaspúblicasqueincidememseuterritórioapartirdopontodevistadosseusmoradores.Emvistaàproblematizaçãoe ao objetivo colocado, o método cientí ico dialético se mostrou apropriado para arealizaçãodasanálisesespaciais,jáque,segundoHenriLefebvre(2006:453),“somenteumaanálisedialéticapermitedescobrirasrelaçõesexatasentreascontradiçõesnoespaçoeascontradiçõesdoespaço:aquelasseatenuam,aquelasseacentuam.”Alémdapesquisabibliográ ica,foramrealizadasvisitasacampopontuaisnasfavelasDonaMarta,RocinhaeMaré.
UtilizandocomobaseoacervodapesquisaArquiteturadaViolência,iniciou-seapartirde novembro de 2013 a coleta diária das notícias de jornais impressos e virtuais,especialmentedojornalOGlobo.Nesteponto,abroumparêntesesparaoimportantepapeldoreferidojornaledaOrganizaçõesGlobonaconstruçãodeumdiscursolegitimadordas ações violentasdoEstadona favela, discurso este assumidopor grandepartedaopiniãopúblicacarioca(jáque,alémdeseroveículoimpressodemaiorcirculação,amaioriadapopulaçãobrasileira “fala” o idiomaglobês5).Comoefeitode comparação,contraponhoodiscursoconsensualentreoEstadoeojornalOGloboaopontodevistado favelado.O apoio irrestritodeste jornalà “retomada”do territórioda favelapelasautoridades,distantedaimparcialidadeedaveracidadedosacontecimentos,sugerequeestamostratandodeuma“agênciadepropagandamaldisfarçadadejornalismo.”6
Paralelamente,foramescolhidossete ilmes,deumalistainicialde44obras,reconhecidoscomodogênerode icçãocientí ica.Forameleitosos ilmesqueofereciammaissubsídiosàsdiscussõessobreo tema,noquedizrespeitoà identi icaçãodesemelhançasentreo cenário da icção e o real, além de narrativas que favorecessem a construção demetáforasedeumrepertórioimagéticoquepudesseserassociadocomafavela.Sãoeles(emordemalfabética):1984(1956),1984(1984),BladeRunner(1982),Brazil(1985),Distrito9(2009),FugadeNovaYork(1981)eRobocopIII(1993).
5OBrasilfalaglobês.Publicadoin:CanaldaImprensa-23demarçode2006,55ªedição.EscritoporRizzadeMatos.6AcrisenasUPPs.Publicadoin:ObservatóriodaImprensa-13demarçode2014,789ªedição.EscritoporSylviaDebossanMoretzsohn.www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_crise_nas_upps.
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BREVEHISTÓRICODAFICÇÃOCIENTÍFICA
Ashistóriasfantásticassemprepovoaramaimaginaçãodoshomensdesdeosprimórdiosdacivilização.A icçãocientí icaseapresentacomoumaadaptaçãodessaemoçãoaomododevidanasociedadeindustrial,manifestandoasquimerasdaspossibilidadestecnológicas.
Deve ter existido alguma coisa anterior a ela, algo que não seria icçãocientí ica, mas satisfazia àsmesmas necessidades no campo das emoções.Hãodeteraparecidoestóriasestranhasediferentesarespeitodavidacomoa conhecemos, e acerca de poderes que transcendem os nossos poderes.(ASIMOV,1984:22)
Oimpactodosurgimentoda icçãocientí icanoimagináriodosindivíduosdoséculoXIXcorrespondeuàdemandaporumdevaneiofuturológicoquecorrespondesseaosavançoscientí icosdeumasociedadequeseindustrializavaemumritmoestonteante.Ocontextodaépocanosfazacreditarque“aRevoluçãoIndustrialacelerouasmudançasnasociedadedeformanuncaantesvista,gerandocuriosidadeemrelaçãoaessasmudançasatravésdeumaextrapolaçãodopresente.”(AMARAL,2004:2)
HugoGernsbackfoioinventordotermo icçãocientí ica(science iction),quandolançounos Estados Unidos da América a revista ScienceWonder Stories, em 1929. OmesmoGernsbackhaviadesignadoanteriormenteogênerocomoscienti iction, ao sereferirarevistaAmazingStories,em1926.
Ao propor o termo scienti iction, Gernsback de inia aqueles romancesentremeados de fato cientí ico e visão profética. O enorme sucessode suarevistatemsidoatribuídoaduasrazões.Emprimeirolugar,oavançocientí icoetecnológicoocorridodesdeoiníciodoséculoXX,impulsionadopeladisputaentreasnaçõesindustriais, levouàde lagraçãodasduasGuerrasMundiais,cujas terríveis isionomias superaram em muito a maioria de fantasiasimagináveisnosséculosanteriores,servindodefonteinspiradoraparatodauma nova geração de escritores do gênero cientí ico- iccional. A segundarazãoestárelacionadaàinstalação,àépoca,daindústriacultural,daliteraturademassaque,posteriormente,encontrou,naindústriacinematográ ica,umveículo imbatível para veicular e vender a públicos de todo omundo suas
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metáforasefantasias.(MARTINS,2013:34)
OhistoriadorCiroFlamarionCardoso,umadasmaioresreferênciasbrasileirassobreaicçãocientí ica,reforçaaimportânciadogêneronoimagináriopopularnoséculoXX:
Ogêneroquenosocupa,desdesobretudoadécadade1950,tambémestevepresente e ocupou um lugar considerável no cinema, na televisão e nashistórias emquadrinhos. Se isto for levadoem conta emconjunto comaliteratura, pode-sedizerque a icção cientí ica constituiuumdosvetorescentraisdeexpressãoparaoimagináriodoséculoXX,notocanteàchamadacultura popular ou cultura demassa. Suas temáticas, por extraterrestresquepossampareceràsvezes,têmmuitoavercomangústiaseesperançasreais,projetadasemmetáforaseimagensvariadas:variadasnointeriordecadaperíodomas,também,no tempo,conformemudemaspreocupaçõespresentesnasociedade, taiscomoas capta a culturapopular. (CARDOSO,2003:86)
A icção cientí ica, em quase dois séculos de existência, se desdobrou de diferentesformasemdiferentesperíodos,ancorandosempreasuanarrativanocontextohistóricodesuaépoca.
OPERÍODOCLÁSSICO(1818-1938)
NoséculoXIX,asbasesfundamentaisda icçãocientí icaforamlançadaspelosromancesgóticos.A fantasiadas históriasde terror foi transportadaparao ponto de vistadasprofeciassobreosavançostecnológicosdaépoca.SegundoohistoriadorCiroFlamarionCardoso(2003:9),“(...)a icçãocientí icaseriaumramonovosuscitadonatradiçãodahistóriadehorrorpelaRevoluçãoIndustrialepelosavançoscientí icos,desdeoiníciodoséculoXIX.”Considera-seque“Frankenstein”(1818),deMaryShelley(1797-1851),foiaprimeiraobraacaminharnafronteiraentreogóticoea icçãocientí ica,aindaquenãopossaserconsideradaumcontocientí ico- iccionalporexcelência.
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Julio Verne (1828 - 1905) foi o escritor que reconhecidamente inaugurou o gênerode icçãocientí ica.Ocontextonoqualassuasobrasforamproduzidaseradegrandeeuforiacomrelaçãoaofuturo,eosnovosavançostecnológicospareciamserachaveparaaresoluçãodoscon litosdahumanidade.Osseuslivrosmaisfamososforam“Viagemaocentrodaterra”(1864),“Vintemilléguassubmarinas”(1870)e“Avoltaaomundoemoitentadias”(1872).
H. G. Wells (1866 - 1946), também considerado como um dos patronos da icçãocientí ica,escreveusobreviagensnotempo(“AMáquinadoTempo”de1895)ebatalhasintergaláticas (“A Guerra dos Mundos”, de 1898). As capacidades premonitórias deseusromancesforamcapazesdeanteverasexperimentaçõesgenéticas(“AIlhadoDr.Moreau”,de1896)eosbombardeiosatômicos(“TheShapeofThingstoCome”,de1933).
ApósaruínadaEuropanaPrimeiraGuerraMundial(1914-1918),osEstadosUnidosdaAméricadespontavacomoagrandepotênciamundial,apresentandoumespantosoavançoindustrial:opólodaproduçãoda icçãocientí icasemudadoVelhoMundoparao país norte-americano, local no qual a se popularizou consideravelmente o gênero.Nomesmo sentido, o escritor inglês Aldous Huxley (1894 - 1963)migrou para LosAngelesapósosucessodoclássico“AdmirávelMundoNovo”(1932),obramarcadapelopessimismocomrelaçãoàciênciaeaprópriasociedadehumanademaneirageral,emumcenáriocontemporâneoaosdesdobramentosdaGrandeDepressãode1929edoavançodoFascismonaEuropa.Apartirdessanegativadadecomrelaçãoaosrumosdogênerohumanoquesurge inalmenteavisãodeapocalipsedascidadescientí ico- iccionais.
GOLDENAGE(1938-1960)
DuranteosanosseguintesatéaSegundaGuerraMundial(1939-1945),oamadurecimentodasteoriassobreaFísicaeaQuímica,quederamorigemàexperiênciascomoa issãodourânioparaaconstruçãodabombanuclear,incentivouosescritoresde icçãocientí icaadetalharcommaiorriquezaerequintetécnicoasnarrativas.Apartirdeentão,ocontextodaépocademandavaummaiorrigornocumprimentodaspossibilidadescientí icasreaisdaépoca,paraqueanarrativacientí ico- iccionalfossepalatáveleparaqueosexercíciosfuturológicosganhassemmaiscredibilidade.
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Ainda que o pessimismo pautasse as obras de icção cientí ica, o entusiamo pelosprogressoscientí icossemanifestavaapartirdosavançosdaspesquisadeexploraçãoespacial,queseexpressaramnacorridaentreaUniãoSoviéticaeosEstadosUnidospelasdescobertasno espaço,no contextodaGuerraFria.Os autoresdemaior importânciadestaépoca,cujasobrasreverberamatéosdiasatuais,foramIsaacAsimov(1920-1992),autorde“Eu,Robô”(1950),RayBradbury(1920-2012),autorde“Fahrenheit451”(1953)eGeorgeOrwell(1903-1950),autorde“1984”(1949).
As experiências totalitárias vivídas até então na Europa povoam irremediavelmenteofuturoapocalípticoquesedesenhavanoimagináriodosautoresde icçãocientí ica:robôsesupercomputadoresaserviçode formasdecontrolesocialecomportamentalextremasconvivemcomsereshumanosbiônicos,colôniasespaciais,viagensnotempo.
NEWWAVE(ANOS60-ANOS80)
Enquantoomundoerasacudidonosanos60pelasubversãoculturaldorockn’roll,daliberaçãosexualedaexperimentaçãodedrogasalucinógenas,pelasmanifestaçõesemfavordosdireitosdasminoriaseportodososdemaisdireitoscivis,aestabilidadedasnaçõesocidentaisnopós-guerraeraabaladamomentaneamente.Emmeioàrevoluçõescomportamentaisprofundas,a icçãocientí icaabsorviaessaatmosferalibertáriafazendonovasexperimentações,extrapolandoocampodasciênciasexatas:asciênciassociaisentravamemcenanasnarrativasdogênero.Asangústiaseparanóiasdos indivíduossemanifestam nas sociedades dos cenários futuristas, colocando em primeiro planoquestõesexistenciais.
Opessimismo,maisdoquenunca,sublinhavaasnarrativascientí ico- iccionais.AobraquemelhorrepresentaaNewWaveda icçãocientí icafoi“LaranjaMecânica”(1962),deAnthony Burgess (1917-1993): os embates éticos sobreviolência, sexo, liberdadee poder se inserem nos avanços tecnológicos, que se manifestam como expressõesfantasmagóricasdassociedadesapocalípticasdofuturo.
Oromance“DoAndroidsDreamofElectricSheep?”(1968),dePhilipK.Dick(1928-1982),foialémdoselementosdaNewWave,e icounotórioporseroprecursordoestiloqueseseguiria–oCyberpunk.Asuaadaptaçãocinematográ ica,BladeRunner(1982),talvezsejaaobrade icçãocientí icamaisin luentedetodosostempos(delafalaremosmaisàfrente).
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CYBERPUNK(DÉCADADE80EMDIANTE)
Maisdoquearepresentaçãodeumfuturoultracibernético,oCyberpunksenotabilizouporassociarintimamenteaciênciaavançadaaumcenáriopolíticoesocialapocalíptico,no qual metrópoles globalizadas, caóticas, poluídas, escuras e degradadas abrigamindivíduosmarginalizadosquelutampelasuasobrevivênciaemumaimpiedosaeaéticaselva urbana. Neste cenário se desenham adventos tecnológicos espantosos, onde aevolução natural do homem é suplantada por manipulações genéticas e implantescibernéticos.Aomesmotempo,osíndicesdecriminalidadesãoaltíssimos,assimcomoadesigualdadesocial.Anarrativa respondeàdualidadeentrealta tecnologia ebaixoníveldevida, eexpressaaculturademassadosanos80,quemarcaodeclínodaeraindustrialeoiníciodaeradainformação,afundaçãodeempresascomoaIBMeaApple,apopularizaçãodovídeo-game,doCD,damúsicaeletrônica aexpansãodasgrandescorporaçõesglobalizadas.OestiloCyberpunkrepresentaoaugedasvisãoapocalípticasdo espaço urbano das cidades da icção cientí ica. Certamente é o estilo que maiscontribuiunarepresentação iccionaldoqueconceituocomourbanismodoapocalipse.
O termo Cyberpunk deriva da união dos conceitos da cibernética e dopunk : amaisavançada tecnologia se articula à contracultura, ao underground, ao descontrole, àsubversão e à atitude do “faça você mesmo” que deriva do movimento punk inglêsdos anos 70. O subgênero teve como seumaior expoente William Gibson, autor de“Neuromancer”(1984).ÉpatentenoCyberpunkasátiraaocapitalismoeàsociedade;umcenáriobastantecomuméodomíniodeempresasmultinacionais,quesubstituemosgovernosenações,sendoatacadasporgruposquedesa iamoseupoder.
OsprotagonistasdasnarrativasCyberpunkcostumamserrenegadosdetribosurbanas,queprocurammeiosdesubverteras ferramentas tecnológicas criadaspelo “sistema”paraprejudicá-lo,lembrandoaestratégiadohacker– iguradomestreeminformáticaqueroubaemanipuladados,surgidanosanos80.Érecorrenteousodearti ícioscomoimplantes mentais, próteses robóticas, viagens no ciberespaço, clonagem e outrasexperiências genéticas. A ideologia anarquista e a desobediência civil domovimentopunkinspiraramoquestionamentodasrelaçõesdepoderdasociedadehiper-globalizadada icçãocientí ica.
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BLADERUNNER:UMCASOÀPARTE
Por suas qualidades estéticas e pelo poder das suas metáforas sobre a sociedadecontemporânea,o ilmeBladeRunner(1982),deRidleyScott,foiummarconahistóriado cinema de icção cientí ica e do gênero Cyberpunk, merecendo destaque nestaintrodução.DiversosestudiososrespeitadosnaáreadoUrbanismo–DavidHarvey eMikeDavis,porexemplo–sedebruçaramsobreestaobraemre lexõessobreacidade.
NaLosAngelesde2019,oapocalipsesemanifestanapublicidadeinvasivaepoluidora,noabismosocial,napoluição,nadegradaçãourbana,nadescartabillidadehumanaenosavançostecnológicosquedesa iamasquestõeséticas.Àmedidaquenosaproximamosdo ano de 2019, as profecias enunciadas na película se assemelham à realidade,aumentando a reputaçãodeBladeRunner comouma dasmaispertinentes críticas àcidadecapitalistapós-moderna.O ilmenarraaperseguiçãoaumgrupoamotinadodereplicantes,robôsmaisforteseágeisqueossereshumanoseiguaiseminteligência,criadospelamegacorporaçãoTyrellpara serem utilizados como escravos na perigosa exploração interplanetária. Eles serebelamefogemparaaTerra,aondesãodeclaradosilegaissobpenademorte.Elessãocaçadosporbladerunners,policiaisespeciaisque,segundootextointrodutóriodo ilme,“tinhamordensdeatirarparamatarqualquerreplicante.Istonãoerachamadoexecução,massim‘aposentadoria’.”Deckard(HarrisonFord),umex-bladerunner,éencarregadode“aposentar”osrobôs.AcenainicialéumapanorâmicadaLosAngelesdofuturo:umametrópolededimensõescolossais,cujasluzesseperdemnohorizonte;veículosvoadorestrafegamentrearranha-céus, fumaça e labaredas; poluição sonora e visual traduzem a confusa paisagem,enquantoqueachuvaácidaprecipitaintermitentemente;grandesoutdoorseletrônicosanunciam“umanovavidanascolôniasinterplanetárias”;umapropagandadaCoca-Colaéexibidaemtelõesvoadorescujasluzesinvademruas,lojasehabitações,iluminandoaescuridãoreinante.Naescaladarua,ocenáriodeBladeRunnerdesvela,segundoDavidHarvey(1992:281),as“péssimascondiçõesdafrenéticamassahumanaquehabitaasruascriminosasdeummundopós-modernodecrépito,desindustrializadoedecadente.”Emumestratourbano e socialmais elevado, a imponência do edi ício da Corporação Tyrellabrigaariquezaeasmaravilhasdaaltatecnologia,sendooúnicolugardo ilmedeondesepodeveroSol.
http://www.nappertime.com/wp-content/uploads/2013/09/bladerunner-full.jpg
http://i120.photobucket.com/albums/o165/cinquevolte/Blade%20Run-ner/0701801_Tyrell_Deckard_Rachael.jpg
NaLosAngelesde2019,oapocalipsesemanifestanapublicidadeinvasivaepoluidora,
estratourbano e socialmais elevado, a imponência do edi ício da Corporação Tyrell
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O contexto do capitalismo pós-moderno, terreno das metáforas de Blade Runner, éumarealidadeglobalizadanaqualacidadedoRiodeJaneiroseinsere.AsdualidadesdocenárioCyberpunksemostrampertinentesàrepresentaçãocríticadascontradiçõesdosistemacapitalista.O ilmeapresentaos“replicantes”comoumsímbolodaforçadetrabalhocontemporânea:
Eles(replicantes)foramprojetadoscomoaformaidealdaforçadetrabalhode curto prazo, altamente quali icada e lexível (um perfeito exemplo detrabalhadordotadodetodasasqualidadesnecessáriasparaseadequaràscondiçõesdeacumulação lexível).(HARVEY,1992:278)
Ogrupo rebeldede replicantes da geraçãoNexus6, lideradospor Roy Batty (RudgerHauer),voltaaTerrabuscandoprolongaroseutempodevida,deapenas4anos,eaomesmotempo fugirdaescravidãonas colônias interplanetárias.Maisdoqueromperosgrilhões,ogrupobuscavauma identidade,um lugarnomundo;algodesconhecidoqueseassemelhasseàvidaequelhesaplacasseaangústia.Acondiçãodosreplicantesna icçãocientí icaéumametáforaadequadapararepresentara“robotização”daforçade trabalho humana explorada nomodelo econômico capitalista industrial (ou pós-industrial):
Já no século XIX era claro o temor das conseqüências de tais processos.Dostoievsky,porexemplo,viaem1864ohomemcomoserprogramado(sequisermosusarumtermoatual)pelosavançosnoconhecimentodasleisdanatureza,tornando-sealgoanálogoaumatecladepianoouaotubodeumórgão.(...)NoséculoXX,taistemoressó izeramacentuar-se.Foramprimeiroas aplicações do taylorismo e do fordismo, a maximização da e iciência(pre igurandoamoderna ergonomia) e a linha demontagem, emqueosoperáriosindividuaissepareciamaengrenagenslimitadasealienadas.Foiaseguiradescobertadasprogramaçõessociaisdoscomportamentoseomedodadesumanizaçãoedaperdadeautonomiapelogênerodevida -aquiloqueos franceseschamamdemétro/boulot/dodo, isto é,metrôououtrostransportescoletivos/trabalho/sonocomoresumodavidadamaioriadaspessoas,anãosernasférias,queocupamsomenteumapequenapartedoano-,peloconsumismo,pelapublicidade,pelosmeiosdecomunicaçãodemassa.Numcontextoassim,umrobôpodesermetáfora iccionalemmaisde um sentido: os homens se parecem crescentemente amáquinas; e asmáquinaspodemvoltar-secontraosseuscriadoresou,simplesmente,comomáquinasquesão,osrobôspodemsermalignos.(CARDOSO,2003:65)
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NacidadedoRiodeJaneiro,afavelaéoterritóriodotrabalhadorcujamão-de-obraéamaisexploradaemenosremunerada,secaracterizandosocialmente,economicamenteeespacialmenteporser“umaforçadetrabalhobarata,segregadaeexcluídadacidadelegal.”(MARICATO,2013:21)
Aestrati icaçãosocialnaLosAngelesde2019seespacializaporcamadasverticalizadas,naqualoníveldaruaédestinadoaosexcluídos,quevivemnaescuridão.Acimadeles,aelitesocialdaTerrahabitafaustososedi íciosemformatopiramidalquemonopolizamoacessoaosraiossolares.Notopo,asclassesmaisabastadasmoramemoutrosplanetas,uma ”terra dourada de oportunidades e aventuras”, segundo o slogan do “paraíso”interplanetário:
ApropagandaempresarialconvocaoshabitantesdeLosAngeles2019ADàcolonizaçãodeumoutromundo.Apenasosfracos,doenteseosdesajustadosdetodaordempermaneceramnametrópoledofuturo.(BARBOSA,2013:138)
Maisdoqueo“alteregodistópicodeLosAngeles”,comosugeriuMikeDavis(2001:341),BladeRunneréumexercícioímpardecríticaàssociedadespós-modernasbaseadasnomodelocapitalista.Está(quase)tudolá.Enquantoisso,oanode2019seaproxima...
http://4.bp.blogspot.com/-jmJFIjJXPZw/Uh6PJBzRXWI/AAAAAAAABZA/WlDFu3-ROaU/s1600/268708_417461418299749_841879384_n.jpg
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AFICÇÃOCIENTÍFICANOCINEMA
Apartirdosanos50a icçãocientí icaseconsolidacomogênerocinematográ ico,paraalém do gênero literário. O cinema possibilitou que a utopia urbana, antes narradanoslivros,sematerializasseaosolhosdoespectadorcomocidadesreais, fazendodasrepresentaçõescinematográ icasumcampoimportantedepossibilidadesurbanas:
Odesenvolvimentodascidadespropiciouoambienteespaço-temporalnoqualocinemafoiinventado.Os ilmesde icçãocientí ica,decorrênciadiretadesseprocesso,abriramcomplexosespaço-temporaisdere(a)presentações,paradentrodosquaisasprópriascidadesmigraram.(MARTINS,2013:48)
AViagemàLua,deGeorgeMeliès(1902)
Metropolis,deFritzLang(1927) Godzilla,deIshiroHonda(1954) 2001:UmaOdisséianoEspaço,deStanleyKubrick(1968)
http://3.bp.blogspot.com/-QMIMvtAi1fY/Up4NxBeCBtI/AAAAAAAAN8I/pwB2V0FZulc/s1600/Viagem-%C3%A0-Lua.jpg
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http://en.wikipedia.org/wiki/File:Gojira_1954_Japanese_poster.jpg
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1984(1956)
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LaranjaMecânica,deStanleyKubrick(1971)
Solaris,deAndreiTarkovski(1972)
Akira,deKatsuhiroOtomo(1988) Matrix,deAndyWachowskieLanaWachowski(1999)
http://images.fanpop.com/images/image_uploads/A-Clockwork-Orange-poster-cult-ilms-424739_1116_1612.jpg
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/5/54/Solyaris_ussr_poster.jpg
http://2.bp.blogspot.com/-ff_8hMtkh6s/T7opYHjHHNI/AAAAAAAAE7k/dG7gk1ttzX0/s1600/Akira+%281988%29+Japan+2.jpg
http://fc06.deviantart.net/fs51/f/2009/258/2/f/2fca1bc9ddcc147ef674d2eebb14ee3a.jpg
1984(1984)
BladeRunner(1982)
Brazil(1985)
Distrito9(2009)
FugadeNovaYork(1981)
RobocopIII(1993)
FILMES ESCOLHIDOS PARA O EXERCÍCIO DO URBANISMO DO APOCALIPSE
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ASSISTA O VÍDEO 1 EM:https://www.youtube.com/watch?v=W8NwTYtEYkI&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA
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IIASFAVELASCARIOCASEDISTRITO9:UMAVISÃOPANORÂMICA
IniciamosaanálisecomDistrito9,umcasopeculiarnogênerode icçãocientí ica,noqualafavelaéocenáriodanarrativa.Arepercussãodo ilmenamídiabrasileira7revelaqueacríticacinematográ icaassocioudiretamenteDistrito9aos ilmesnacionaisquetêmas favelascomocenárioprincipal(alémdoconteúdoviolento,no“melhor”estilofaroeste),vulgarmentechamadosdefavelamovie.
VistoqueocenáriodafavelaemDistrito9écercadopormuros,militarizado,vigiadopor câmeras e assombrado pela remoção, é possível introduzirmos o contextocontemporâneo demaneira panorâmica, contandoqueo ilmeapresentademaneiraamplaaçõessimilaresàspolíticaspúblicasparaoterritóriodasfavelasdoRiodeJaneiro.Inicia-setambémoexercíciocomparativoapartirdourbanismodoapocalipse.
7Publicadoin:http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2009/09/626184-distrito-9-mistura-iccao-cienti ica-com-favela-movie-na-africa-do-sul.shtml.FolhadeSãoPaulo,20desetembrode2009.
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DISTRITO9(2009)
Títulooriginal:District9Direção:NeillBlomkampPaís:ÁfricadoSul,Canadá,EstadosUnidoseNovaZelândiaProdução:PeterJacksoneCarolynneCunninghamDuração:112minutosCor:coloridoRoteiro:TerriTatchell
Distrito 9 narra o con lito de um grupo de seres extraterrestres que, porummotivomisterioso, procura refúgio na Terra, especi icamente em Johanesburgo. O ilme ébaseado no trabalho anterior do diretor Neill Blomkamp, o curta-metragemAlive inJoburg(2006),noqualomesmocon litoérepresentado.Emseisminutos,Blomkampdirecionoudepoimentospreconceituososreaisaosaliensda icção,emumaespéciededocumentário-sátirasobreaintolerânciaàdiferençapelapopulação local.SeguindoamesmafórmulaemDistrito9,depoimentosreaisdapopulaçãoarespeitodosimigrantesrefugiadosnaÁfricadoSulforamtransformadosem icção,comoseosentrevistadossereferissemaosseresextraterrestresdoDistrito9:
- Estão gastando muito dinheiro para mantê-los aqui, quando podiam estargastandoemoutrascoisas.Mas,pelomenos,estãomantendoelesseparadosdagente...
-Elestêmqueirembora!Eunãoseipraonde,maselestêmqueirembora!Otítulodo ilmefoiinspiradonoDistrictSix,naCidadedoCabo,bairroproletárioquefoideclaradoem1966comoáreaexclusivaparabrancos,duranteoregimedeapartheid.Osquase60milhabitantesdoDistrictSixtiveramsuascasasdemolidaseforamexpulsosparaaperiferia,25quilômetrosdistantedocentrodacidade.Portanto,Distrito9éumametáfora à segregação ainda existente nas cidades sul-africanas, herança direta doapartheid,substituindoossereshumanosnegrosefaveladosdeJohanesburgoporseresextraterrestres.
http://www.comingsoon.net/gallery/39046/District_9_7.jpg
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O ilme tem o seu início em 1982, quando a nave-mãe originária de um planetadesconhecidopairasobreJohanesburgo,umadasmaioresmetrópolesdaÁfricadoSul,naçãoque foi durantequase50anosopalcodapolíticadoapartheid.Mesmoapósaquedadoregimeracista,em1994,oscon litossegregacionistasperduraram.Ogrupode extraterrestresdesembarca e encontra um ambiente hostil a suapresença, sendodirecionadoàumgrandecampoderefugiados,quecomopassardosanossetransformaemumafaveladegrandesproporções.
Deposde27anosdachegadadosalienígenasnaTerra,ogovernodecideremovê-losdoDistrito9paraumcampoderefugiadosmaisdistantedacidade.Aoperaçãodedespejodosseresextraterrestreséche iadaporWikusvandeMerwe(SharltoCopley),quesofreumestranhoacidenteduranteaincursãonafavela. ApenasChristopher,umalienqueplanejafugirdevoltaparaoseuplaneta,poderáajudá-lo.
OprimeiroaspectoquesobressainaanálisedeDistrito9éapresençaameaçadoradooutro, semprerecorrentenasnarrativasde icçãocientí icadesdeaprimeirapelículado gênero: o ilme Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès. Neste ilme, os outrossão representados pelos selenitas, seres grotescos que são vencidos facilmente pelosdesbravadoreseuropeus.Esteembateentrenóseosoutrosexplicítaametáforadeumalutadobemcontraomal,dacivilizaçãocontraabarbárie.EmViagemàLua,éatribuídaaos selenitas aparência bizarra e trejeitos primitivos, enquanto que os astrônomoseuropeussãoapresentadoscomodestemidosedotadosdeforçaeinteligênciasuperior,capazde subjugaros seresalienígenas.O ilme,deorigem francesa, foi produzidonoiníciodoséculoXX,nocontextohistóricodoNeocolonialismo.Pode-seentãoconstruirumametáforanaqualaFrança,umadasgrandespotênciasimperialistasdessaépoca,serepresentananarrativa ílmicacomodetentoradeumamissãocivilizatóriaque,emnomedoprogressodahumanidade, legitimaa invasãode territóriosestrangeiros.Naicção,aLuaeraoalvo;narealidade,aÁfricaeaÁsia.
Enquantoqueno ilmeViagemàLuaooutrotemoseuterritórioinvadido,emDistrito9 são os alienígenas que acidentalmente invadem o espaço terrestre. Independentedo território, o outro é dominado nesses espaços pelos que se autodenominamrepresentantesdacivilizaçãohumana.Noentanto,éimportanteressaltarqueodiscursoideológicodeViagemàLuaé claramente imperialista, aopassoqueDistrito9éumacríticaàintolerânciaàsdiferenças.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/12/ApartheidSignEnglishAfrikaans.jpg
http://inagorillacostume.com/wp-content/uploads/2011/06/District-9-Guerrilla-Marketing-Movie-Bus-Stop-Poster.jpg
COMPARE A IMAGEM ACIMA O POSTER PROMOCIONAL DE LANÇAMENTO DO FILME AO AVISO ABAIXO, DA ÉPOCA DO APARTHEID: “PARA USO DE PESSOAS BRANCAS”.
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Conecta-seooutroda icçãocientí icaaodarealidadedasfavelascariocas;ofaveladoquehistoricamentetemoseuterritórioassediadopordiversasformasdedominação,segregaçãoeerradicaçãopeloEstadoaolongodemaisde100anos,desdeosurgimentodaprimeirafavelanoRiodeJaneiro:
Assim, a despeito de diferentes roupagens, sempre de acordo com umcontexto histórico especí ico, o favelado foi um fantasma, um outroconstruídodeacordocomotipodeidentidadedecidadãourbanoqueestavasendo elaborada, presidida pelo higienismo, pelo desenvolvimentismoou,mais recentemente, pelas relações auto-reguláveisdomercadoepelaglobalização.(ALVITOeZALUAR,1998:15)
***
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Assim,sórestaafavelacomosoluçãototalmentefranqueadaaoproblemadearmazenaroexcedentedehumanidadedoséculoXXI.
MikeDavis,2006
Asemelhança entreo cenáriodas favelasde Johanesburgoeodas favelas cariocas éevidente,revelandoatendênciadosurgimentodasfavelasnospaísessubdesenvolvidos,cujoshabitantes já representamum terço dapopulaçãourbanaglobal (DAVIS, 2006:198).Apesardosigni icadodefavela,um“conjuntodehabitaçõespopularesqueutilizammateriaisimprovisadosemsuaconstruçãotosca,eonderesidempessoasdebaixarenda”8,muitosurbanistasavêemcomoummodeloparaascidadesdofuturo.EmentrevistaaojornalOGlobo(“Modelourbano–Novavisãosobreafavela”,publicadanodia08/04/2014;capaepágina2),ourbanistaalemãoRanierHehldizque“hámuitooqueaprendercomomodelodofuturo”,aosereferiràsfavelascariocas.
Naentrevista,Hehlapontaafavelacomoumaopçãodemoradiademenorcustoparaa classemédia, argumentando que a favelização é “um fenômeno do desenvolvimentourbano no contexto da economia neoliberal, que acontece no mundo inteiro.(...) Naseconomiasneoliberais,écadavezmaisdi ícilacharumamoradiabarata.”Segundoele,afavelacariocapoderiaserummodelodehabitaçãoaserreproduzidoemBerlimeoutrascapitaiseuropéias.Existemduasopçõesparajusti icaro“modelo”expostopelourbanista:oueleconta comoaumentodapobreza,emumaperspectivadeaprofundamentodocapitalismo neoliberal e do crescimento da porcentagem de pessoas pobres, sendonecessáriamaisdoquenuncaaproduçãodesigualdoespaço;oueleconsideraafaltade infraestrutura urbana, o estigma da pobreza, a segregação espacial, a vigilânciapermanenteeasfrequentesameaçasdeexpulsãocomoalgonaturalaoshabitantesdascidadesnessehorizonteneoliberal.Nãoimporta:emqualquerumdessesdoiscenáriosparaofuturo,afavelacariocaseapresentacomoomaisbaratoceleirodereproduçãodaforçadetrabalho.
Afavelacarioca,quecresceunoiníciodoséculoXXcomaexpulsãodapopulaçãopobredoscortiçosdaáreacentraldacidade,despertouasanhadasautoridadesdesdeoseunascimento,desejosasdasuaerradicaçãoparaoêxitodasreformasurbanashigienistas.Contratodasasperseguições,estigmaseinsalubridades,ofaveladoresisteaolongodosanosnadefesadoseuterritório:
8DicionárioHouaiss.http://www.jb.com.br/media/fotos/2012/11/27/900x510both/PICOdonaMarta4471.JPG
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Falar de favela é falar da história do Brasil desde a virada do séculopassado.ÉfalarparticularmentedacidadedoRiodeJaneironaRepública,entrecortadaporinteressesecon litosregionaisprofundos.Pode-sedizerqueas favelas tornaram-seumamarcada capital federal,emdecorrência(não intencional) das tentativas dos republicanos radicais e dos teóricosdoembranquecimento–incluindo-seaíosmembrosdeváriasoligarquiasregionais – para torná-la uma cidade européia. Cidade desde o iníciomarcadapeloparadoxo,aderrubadadoscortiçosresultounocrescimentodapopulaçãopobrenosmorros, charcos edemaisáreas vazias em tornodacapital.Mas isso tambémsedeveu àcriatividadeculturalepolítica,àcapacidadedelutaedeorganizaçãodemonstradaspelosfaveladosnos100anosdesuahistória.Eacapitalfederalnuncasetornoueuropéia,graçasàforçaquecontinuaramaternelaacapoeira(oupernadaoubatucada),asfestaspopularesqueaindareuniampessoasdediferentesclassessociaiseraças,asdiversasformasegênerosmusicaisqueuniamoeruditoeopopular,especialmenteosamba.(ALVITOeZALUAR,1998:7)
Entrecon litoseresistências,asgrandesreformasurbanasnoRiodeJaneirodoiníciodoséculoXXaprofundaramasegregaçãoespacial,vistoqueospobresnãomaishabitavamaoníveldaruanaáreacentraldacapitaldaRepública.Excluídosdoprogressoprometidopelos planos de modernização da cidade nos moldes europeus, coube à populaçãodos cortiços demolidos reproduzir a sua força de trabalho nas encostasdosmorros.Nasceria assim o território da favela, marginalizado socialmente e espacialmente, jáque “as relações sociais deprodução têmumaexistência social àmedidaquepossuemumaexistênciaespacial,elasseprojetamnoespaço,inscrevendo-senele,produzindo,nesseprocesso, o próprio espaço.” (LEFEBVRE, 2006:186). Portanto, a favela é a expressãoespacialdapobreza,vistoqueosmodelosespaciaissãoproduzidosdeacordocomasrelaçõessociaisdoseutempo.ParaMiltonSantos(1993:10),“apobrezanãoéapenasofatodomodelosocioeconômicovigente,mas,também,domodeloespacial.”Pode-seentãoentenderqueaproduçãoespacialdapobrezaéumciclovicioso,noqualapobrezajáexistenteseacentuaapartirdascaracterísticasespaciaisexcludentesquecontinuamaserproduzidas:
O enclausuramento do pobre, espacialmente próximo das condições davidamodernaurbanaesocialmente tão longedela, frutodo inacesso, oudaperiferização, queo tornaduplamentedistante, di iculta amobilidadesocial. Cria-se uma barreira espacial que reproduz a pobreza, como umfatoramais.Apobrezasegregada icamaispobre,tornandomaisdi ícilamobilidadesocial.(FERREIRAePENNA,2005:158)
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Asrelaçõessociaisprópriasdocapitalismo,queincidemsobreacidadedoRiodeJaneiro,produziramespacialmenteasfavelas,sendoasuaformaumarespostamaterialdasuafunçãonacidadecapitalista.Oprocessoespacialdesegregaçãoformataasáreassociais(CORRÊA, 2003), distribuindo e organizando desigualmente no espaço as diferentesclassessócio-econômicas.Destemodonasceoprocessodesegregaçãoresidencial,que“signi icanãoapenasummeiodeprivilégiosparaaclassedominante,mastambémummeiodecontroleedereproduçãosocialparaofuturo.”(CORRÊA,2003:66)
Controlarareproduçãosocialnafavelavaialémdasegregaçãoespacial,passandopelodomíniodoseuterritórioedosseushabitantesparagarantirentãoacontinuidadedapobrezaedaexclusão.Poroutro lado,asclassesmais favorecidas têmoseuacessoàcidadeasseguradodaformaquelhesforconveniente:
Háumaverticalizaçãoondeaelitedesfrutadasoportunidadesdemercadoeospobresouexcluídosocupamespaçosabandonadosedesmembrados.Neles residem os de “cidadãos da última ila”, condenados a permanecernesse lugar, cuja esperança é permanecer na cidade afundando-se namiséria.Mesmoilhadosesegregados,essesdiferentesdespertamomedoemoutros.(MARTINSeCARVALHO,2010:208)
Nesteponto,aomesmotempoqueoespaçodapobrezaéproduzidoerealimentadoacadanovafragmentação,a“temível” iguradooutro–ofavelado–seapresentacomoo“inimigopúblico”asermantidosobcontroleemseupróprioterritório,emnomedocombateàviolênciadaqualeleéresponsabilizado.OEstadoutilizaaprópriaviolêncianessa “cruzada” contra a favela, seja nas ações policias e nas formas eletrônicas devigilânciaquantonasbarreiras ísicasenasremoções.Portanto,aaçãoviolentadopoderpúblico tende a aprofundar aindamais a segregação espacial das áreas socialmentefrágeisdacidadedoRiodeJaneiro,dadoque“asformasdeselidarcomela(aviolência)simbolicamenteematerialmenteassumemseparações,fragmentaçõeseexclusõesespaciaisnoespaçourbano.”(MARTINSeCARVALHO,2010:215).
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MUROSEBARREIRASNAFAVELA
AinstalaçãodosmurosnasfavelasdoRiodeJaneirocomeçounoanode2009,poucosmesesantesdaeleiçãodacidadecomosededosJogosOlímpicosde2016.Onoticiárioanunciavaa construçãodemurosde3metrosde alturanasmaiores favelasdaZonaSul, sob a justi icativade impediro avançodosbarracos sobre áreasdepreservaçãoambiental.AONUviucommausolhosaideia,assimcomooescritorJoséSaramago,queseposicionouvêementementecontraamedida,comparando-acomoMurodeBerlimedaPalestina. Poroutro lado, o governador SérgioCabral e oprefeitoEduardoPaesa irmaramquefalarmaldosmurosédemagogia.
Namatéria “Riodescartoumuromaisbaixopara favelas”9,publicadanaFolhadeSãoPaulo do dia 04/03/2009, opresidenteda Associação deMoradores da FavelaDonaMarta,AntônioFerreiradeMeloa irma,sobreosmuros:“Afavelajáviveumavidasobcerco.Comomuro,passaráaterumsímbolodepreconceitoediscriminação”.
O estado e as autoridades ofereceram o seu discurso como uma resposta à agendaambiental,deproteçãodeáreasprotegidasdaMataAtlântica,edecontrolenaexpansãode territóriosurbanos.Porém, anotícia “Rio farámuroem11 favelasdeáreanobre”,veiculadapelaFolhadeSãoPaulododia02/04/2009,indicouqueoslocaisescolhidosparaaconstruçãodosmuros–todosnaZonaSul–cresceramabaixodamédiadacidade.Então,qualseriaomotivoquejusti icasseaconstruçãodosmurosparaasfavelas?
9Acessadaem13/06/2014.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0404200929.htm
http://4.bp.blogspot.com/-AFdSMNomS6k/T7qypaxsJYI/AAAAAAAAAUs/bp2QECZ3R74/s1600/27_MHG_muro.jpg
Mancheteextraídado trabalhoArquiteturada Violência -Regulações de umasociabilidadeurbanaexcludente:(b)ecosdeumareordenaçãoolímpicadaCidadeMaravilhosa(verFERRAZ,2010emFontesBibliográ icas).
h t t p : / / m e d i a . t u m b l r. c o m / t u m b l r _luhwotAMAz1qba011.jpg
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Umapausanosmuros: vamosanalisar agorao discurso sobre asbarreiras acústicas,instaladasnaLinhaVermelhaapenasnotrechoadjacenteàFaveladaMaré,emmarçode2010.Aprópriamanchete“Maissilêncioesegurança”(JornalOGlobo,06/03/2010)járevelaaintençãodasbarreiras:conteraviolênciaquesupostamentevemdafavela,principalmenteporserumaviade“localizaçãoestratégicaemtermosdesegurança.(...)narotadepassagemdovisitantequechegapeloaeroportointernacionaldoGaleão.”10
Maissilêncio...?SeriaingenuidadeacreditarqueoEstadoestápreocupadoempromovera diminuição do ruído em uma área com parcos investimentos públicos e péssimascondiçõesbásicasdeinfraestruturaurbana?Ousinaldeparanóiaacreditarqueosilêncioésómaisumdiscurso legitimadorda instalaçãodasbarreiras,assumidopeloEstadoesublinhadopelamanchetedojornalOGlobo?AsimagensaseguirmostramosladosdiferentesseparadospelosPainéisdeAnimaçãoCulturaleProteção,nomeescolhidopelaconsessionáriaqueadministraaLinhaVermelhaparabatizaromuro.Vamosemfrente...
10In“MaiorconjuntodefavelasérotaparaoGaleão”,matériapublicadanaFolhadeSãoPaulo,25/03/2014.
https://lh5.ggpht.com/NQ9Sdh_OwoCUTXFNl9GmZGgSBYnGxLojPTnB6ydpQ0du5gWmBet2RkxwmNZq87d7v0xE1Q=s140
http://vivafavela.com.br/sites/default/ iles/reportagens/2014_03_27_Paulo_Barros_012.jpg
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Por suascaracterísticas ísicas,qualquermurooubarreira–salvose construídocommaterialtranslúcido–garanteaimpermeabilidadevisualentreosdoisladosqueestãoseparados.Especularqueosmuros tambémseprestamagarantira invisibilidadedafavela aos olhos dosmoradores “do asfalto” e dos visitantes seria outro absurdo? OdeputadoestadualMarceloFreixoargumentaqueabarreiraacústica“éumaconstruçãoparatornar invisívelumapartedacidadequenãoétãomaravilhosa.” 11 OcoletivoSebenzequedá,compostopormoradoresdaFaveladaMaré,emnota12,questiona:
Se pensarmos... Pra que servem os muros? Para proteger os “cidadãos debem” (oudebens), quepassamnas vias expressas, dos perigosos faveladosque estariam do outro lado. Separar; esconder e cercar. Nenhuma dessasmotivaçõeséboa
Apesquisa“Osmurosdoinvisível”13revelouque73%dosmoradoresdaFaveladaMaréacreditamqueomurofoiconstruídoparaesconderafavela.Segundooestudo,amaioriadosmoradoresacreditamqueainstalaçãodasbarreirasseriapartedeumprocessode“maquiagem”dacidadeparareceberosturistasestrangeiros,tendoemvistaaCopadoMundoem2014easOlimpíadasem2016.
Portrásdodiscursodeproteçãoambientaleacústicapropagadopelopoderpúblico,ocercamentodasfavelascariocaspelosmurosacumulaoutrasfunções,dentreasquais:acontençãodaexpansãoterritorialdapobreza,asegurançadosqueestãodoladodeforadomuroeagarantiadainvisibilidadedosbarracos.Independentedasnovasformasinventadas (ecolimites, becos ou monotrilhos), o resultado dessas fronteiras ísicassempreserálimitarafavela.
11InRiopõebarreirasacústicasnafrentedefavelas,publicadoemGazetaOnline,12/03/2010.Acessadoem10/06/2014.http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/03/611932-rio+poe+barreiras+acusticas+na+frente+de+favelas.html12InMurodadiscórdia,publicadoemVivaFavela,02/04/2014.Acessadoem05/06/2014.http://www.vivafavela.com.br/reportagens/501-o-muro-da-discordia13Pesquisarealizadadefevereiroaagostode2011peloNúcleodeEstudosePesquisassobreFavelaseEspaçosPopularesdaREDESdeDesenvolvimentodaMaré,emparceriacomObservatóriodeFavelaseActionAid.http://www.redesdamare.org.br/wp-content/uploads/2012/03/release_resultados_pesquisamuro_-2011.pdf
http://vivafavela.com.br/sites/default/ iles/reportagens/Francisco%20Valdean.jpg
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Entre discursos e intenções, o poder simbólico demurar um determinado territóriosemprerevelaafacedaseparação,contençãoedivisão.OmuromaterializanoespaçourbanodoRiodeJaneiroasegregaçãoquesempreincidiusobreafavela.Maisdoqueisso, esconde aos olhos dos moradores do asfalto e dos visitantes a inconvenientepobrezaquedestoadasbelezasdapaisagemdaCidadeMaravilhosa.
RetomandoDistrito9:osmurosnasfavelascariocassãoumamanifestaçãodourbanismodoapocalipse,secomparadoao ilme? NaJohanesburgoda icçãocientí ica,aideiadeguetoextraterrestreéreforçadapelapresençadosmuros,quedemarcavamclaramenteo espaço aonde os aliens poderiam permanecer. Sobre os guetos, Zygmunt Bauman(2003:109)conceituaque“asprisõessãoguetoscommuros,eosguetossãoprisõessemmuros.”Tendoemvistaestacolocação,podemosespecularqueapartirdaconstruçãode ummuro, o gueto também pode ser analisado como um local de con inamento,dominaçãoeexclusãosocialeespacial.
Omuroquecercavaafavelaformadaapartirdoacampamentodosseresextraterrestrestinhaoseuperímetrocoroadoporaramesfarpados,alémdeguaritaseumabateriadefoguetesadjacentes,contandoaindacomumgrandeportãodeaçoqueimpediaasaídadosdedentro,osoutros.Ficatambémexplícito,portanto,asensibilidadedaquestãodasegurançadosdefora.
Angeli-FolhadeSãoPaulo,12/04/09
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No ilme, omuro é a expressão de um cenário de guerra, extrapolação da realidadedosguetosefavelas,mascolocaempautaaquestãodaconstruçãodeumabarreiranaperspectivadedefesamilitarcontrauminimigointerno,enãoapenascomoumlimiteespacial.Navidareal,paraosmoradoresdasfavelascariocas,omurorepresentaumcerco,umaarmadilha,assimcomoparaoEstadoeleéumaparatodesegurança.
FICÇÃO? REALIDADE?
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UNIDADESDEPOLÍCIAPACIFICADORA
QuandoaprimeiraUnidadedePolíciaPaci icadorafoiinstaladanaFavelaDonaMarta,em2008,ocorreramprofundasmudançasnadinâmicadasaçõesdopoderpúbliconasfavelascariocas,comose aCaixadePandora subitamenteseabrisse comaocupaçãomilitardosmorros.Mas,oqueéaUPP?Paci icação?Militarização?Umaguerradobemcontraomal?En im,emquaispontosodomíniodoterritóriodafavelapeloEstadosetornouestratégiconoplanejamentourbanodoRiodeJaneiro?
NocontextodoreaquecimentodaeconomiadoRiodeJaneiroapósanosdedecadência,aatuaçãodoEstadonafavela,antesdasUPPsrestringidaaaçõesextremamentepontuaisedepoucaduração, deumahoraparaaoutra se estabeleceno território favelizado.Emumacidadecomaltosinvestimentosàespreita,emgrandepartepelaaproximaçãodosmega-eventos,tomaroterritóriosigni icaaaberturadesteaocapital.Sendoassim,nuncaomomentofoitãooportunoparaexploraromanancialhumanoeterritorialqueafavelaofereceàcidadecapitalista.Nessaperspectiva,aPolíciaPaci icadoraseapresentacomo“ummecanismodecontrolesocialquevemacrescentaràviolênciaeàespoliaçãohistóricasexistentesnas favelasnovas formasdecontrole econsentimento inseparáveisdelas, fornecendo, assim, as condições para o avanço do capitalismo na metrópoleluminense.”(TEIXEIRA,2011)
http://noticias.uol.com.br/album/2014/03/26/exercito-busca-armas-enterradas-por-tra icantes-do-rio-de-janeiro.htm#fotoNav=10
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Há cerca de ummês, representantes da Philips estiveram com integrantesdasecretariadeSegurançaparafazerumaconsulta.Segundoumafontedogovernodoestado,elesqueriamsaberseseriainstaladaumaUPPnoMorrodoDendê,naIlhadoGovernador.Aempresateriainteressedemontarumafábrica na região. As autoridades estaduais con irmaram a paci icação nolocalaté2014.14
O território da favela é então conquistado, em nome da segurança pública, edisponibilizadoparaquemquiserinvestir.Aomesmotempo,acidadeaoredordafavelasevalorizacomareduçãodaviolência,aquecendoprincipalmenteomercadoimobiliárioeoturismo.Pareceumplanoperfeito?Arealidadeéqueosmoradoresdasfavelasestãoassistindoaum“desenvolvimento”peloqualnãopodempagar,jáquedeumahoraparaaoutraforaminseridosemumcontextourbanodecustosinviáveisparaoseupadrãodevida.Amesmaviela,omesmobarraco,omesmoestigma,novasdespesasparaarcareumapromessade“paci icação”:
Policiamento comunitário marcado pelo diálogo entre os policiais e osmoradores das favelas ‘paci icadas’, voluntariado da parte dos policiais,redução drástica dos índices de violência, ‘invasão de serviços’, combateà informalidade e incentivo ao micro(nano?)-empreendedorismo. Eis oquadro pintado pelos veículos o iciais de comunicação do Governo doEstadoedaPolíciaMilitaredagrandemídiaentusiasta.Mas,seouvirmosostestemunhosdealgunsdosmoradoresdasfavelasocupadaspelasUPPs,as análises de observadores críticos emesmo algumasnotíciasde relevona grande mídia, pode-se contrastar a imagem de sucesso acachapantepropagandeadaatéaqui,demonstrandoalgunsimportantesatritosentreascomunidadeseospoliciais,e contestando, igualmente,o imdaviolêncianestasáreas.(TEIXEIRA,2010:1)
14PublicadoemOGlobonodia14/12/2010.Acessadonodia15/05/2014.http://oglobo.globo.com/rio/apos-anos-de-esvaziamento-paci icacao-atrai-empresas-para-areas-proximas-favelas-2911516
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O imdaviolêncianomorro icouapenasnodiscurso,ea “reconquista”do territóriosigni icou que o Estado, a partir de então, era o detentor do monopólio das açõesviolentasnasáreasfavelizadas.Troca-seatiraniadosnarco-tra icantespelatiraniadasforçaspoliciais,eapartirdoterrorimpostoaosmoradorespelaUPPépossívela irmarque“Nasregiõesbeligerantesdascidades,políciaeexércitoatuamcomosefossemmaisumaquadrilhaentreoutras.”(ENZENSBERGER,1993:42)Seispormeia-dúzia?Ofatoéque,noexercíciodopodernafavela,ofuzilcontinuafalandomaisalto.A“paci icação”seassumecomomilitarizaçãonosdepoimentosdomoradorHenriqueSouza15,daRocinha,edaespecialistaMariaHelenaMoreiraAlves16,respectivamente:
‘Hamuitosrelatosdeagressõescometidasporpoliciaisduranterevistasembecos.Amaioriadosjovenssãoacusadosdeterenvolvimentocomotrá icopelomododesevestiroupelocomportamento’,fala.Paraele,pelopontodevistadomorador,ascoisaspioraram.Alémdasmortes,dosdesaparecimentosedastrocasdetiros,‘onúmeroderoubosdentrodacomunidadeaumentou.estupros,desordempúblicaeosconstantestiroteioscolocaramemchequeoprocessodepaci icação’,concluiuHenrique.
Existeumestadodeexceçãodeclarado.Issonãoéinterpretação,éfato.Váriosdireitos civis são suspensos.As pessoas são revistadas, a polícia entra e saidascasascomoquer.Sesuspeitamdealguém,levamembora,comofoiocasodoAmarildo.Nãoexistedireitoaadvogado.Apolícia fazcoisasque jamaisfaria em Ipanema, Copacabana e Leblon. Imagine o Bope chegando numapartamentonoLeblon,arrombandoaportaeentrandocommetralhadora!Éinimaginávelnazonasul,masacontecetodosodiasnasregiõesqueestãosobasUPPs,queestãodebaixodeumcercomilitar.Eégravequeessemodeloestejasendoconsideradoparaopaísinteiro:aleidaFifavaideclararestadodeexceçãotemporárioemtodasascidadesondevaihaverjogo.Oestadodeexceçãoquerdizersuspensãododireitoconstitucional.Issofoioquefoifeitonaditaduramilitar.
15InUPPpraquem?.JornalBrasildeFato-RiodeJaneiro,20a26/02/2014.Ano11,edição40.16InFavelacomUPPviveestadodeexceção.FolhadeSãoPaulo,25/08/2013.
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http://imguol.com/2012/10/14/14out2012---policial-faz-revista-em-morador-durante-ocupacao-nas-favelas-do-complexo-de-manguinhos-na-zona-norte-do-rio-de-janeiro-1350231638955_956x500.jpg
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Aaçãomilitarnosmorrosénaturalizadaporgrandepartedaopiniãopúblicaapartirdeumimagináriodafavelacomoterritóriodacriminalidadeedofaveladocomocriminoso.EstediscursofoihistoricamenteconstruídonoRiodeJaneiropelasautoridadesepelosveículosdecomunicação,lembrandoque“jánoiníciodesteséculoosmorrosdacidadeeramvistospelapolíciaealgunssetoresdapopulaçãocomolocaisperigososerefúgiosdecriminosos.”(ALVITOeZALUAR,1998:10).NocenárioapocalípticodaJohanesburgodeDistrito9,osseresextraterrestressãoconsideradosa“classeperigosa”,eoseuterritórioumabrigodebandidos.No ilme,comoemumareportagemparaumjornaltelevisivo,especialistas comentam a questão dos con litos sociais entre humanos e alienígenas,deixandoclaroqueaaversãoaosextraterrestreseàexistênciadoDistrito9eraaopiniãodamaioria.Afaladeumasociólogachamaaatençãopelasuaideiapré-concebidasobreafavela:
-Ondeexistirfavela,existirácrime.EoDistrito9nãoeraumaexceção.
A criminalidade como um dos principais traços da imagem da favela, na construçãodoseurepertóriodesigni icados,extrapolaa fronteiraentrearealidadeea icção.Aocorrênciadafavelizaçãodocampodosrefugiadosextraterrestres justi ica,peranteasociedadede Johanesburgo,as açõesviolentasdas forçaspoliciais.Paragrandepartedaopiniãopública,aaçãoviolentadasautoridadesésemprelegítimaquandoocorrenafavela.Ficçãoourealidade?Enquantoisso,osassassinatosdosalienígenaspelapolíciasãomerascasualidades,emumterritórioaondeasvidassãobanalizadas.AocupaçãomilitardoDistrito9cria,maisdoqueumestadodeexceção,umcativeiroparaalienígenasnaTerra.
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http://f.i.uol.com.br/fotogra ia/2013/10/17/327751-970x600-1.jpeg
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Disfarçadade“paci icação”,aocupaçãomilitardafavelainstauraumestadodeexceçãonosterritóriosfavelados.Arotinadeabusosdepoderdasforçaspoliciaisdesrespeitaosdireitoshumanoseconstitucionais,transformandoosmorroscariocasemumazonaurbanasitiada.Portanto,paci icaçãodoquêeparaquem?Ouosigni icadodepazestádeformado,ouapaznãoéparaafavela.MariluceSouza,moradoradaFaveladoAlemão,questionaasUPPsecolocanadiscussãoooutro, faveladoepor isso“perigoso”:“Quepaci icaçãoéessa?Sãotreinadosparaacharquetodosdafavelasãoameaças.”17Maisdoquealvosdaintolerância,osmoradoresdafavelasãoosinimigospúblicos,talqualosseresextraterrestresdeDistrito9,alvosprediletosdasaçõesmilitaresurbanas.
Apartirdeumaanálisesemióticadonoticiáriosobrea“paci icação”,podemosentenderque as imagens da ocupação das favelas, um verdadeiro show de rituais bélicos, sãoincongruentes ao signi icado de paz – relação tranquila entre cidadãos; ausência deproblemas,deviolência 18.Então,seapaznãoéno localdoacontecimentodanotícia,a favela, o signi icadodepazoupaci icaçãodasmanchetesnão sereferem,portanto,aosterritóriosapresentadosnasimagenspublicadas,masparecemsereferirmaisaosterritóriosdosleitoresdojornalOGlobo–osespectadoresda“guerra-espetáculopelapaz”.
17InMaisde200entidadesapoiammanifestodoAlemãoquestionandoUPPs.BrasildeFato-RiodeJaneiro,27/03/2014a02/04/2014.Ano11.Edição4418DicionárioHouaiss
JornalExtra,24/04/2014.CapaePágina3
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JornalOGlobo-25/03/2014-Página8
JornalOGlobo-31/03/2014-Capa
APREENSÃO E MEDO? UÉ, E A PACIFICAÇÃO?
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Alémdaquestãodamilitarizaçãoda favela, a “invasãodeserviços”prometidacomainstalaçãodasUPPsnãoproporcionoumelhoriasprofundasna infraestruturaurbanadasáreasocupadas.Narealidade,aprincipalaçãodatal“invasão”foiaformalizaçãodacobrançadofornecimentodeágua,luzegás,oquerepresentoumaisgastosnoorçamentodosmoradores.Enquantoasobrasdeurbanizaçãonãoacontecem,opoderpúblicogastapordia1,7milhãodereaiscomaocupaçãodoComplexodaMaré19.Outraformadeusarodinheirodoscofrespúblicos?210milhõesdereaisforamempregadosnaconstruçãodo polêmico teleférico do Complexo do Alemão, em 2011. Inversão de prioridades?QuandoapropostadeinstalaromesmotelefériconaRocinhaveioapúblico,oarquiteto-urbanistaLuizCarlosToledorechaçouaideia,a irmandoque“asprioridadesnaRocinhasãosaneamento,educação,saúdeemoradiadigna,aliás,omesmoqueoBrasilprecisa,segundooIBGE.”20Portanto,mesmocomodomíniodoterritóriodafavelapeloEstadoecomgrandesrecursosdisponíveisparainvestimentoseminfraestrutura,nãohouverammudançasconcretasnascondiçõesdehabitaçãodapopulaçãofavelada.
E no sobe e desce do morro em que esta semana foram mortos odançarinoDouglasRafaeldaSilvaPereiraeEdilsonSilvadosSantos,osmoradoressãoquaseunânimesaoa irmarquepoucacoisamudouna infraestrutura do local com a chegada da Unidade de PolíciaPaci icadora(UPP).Ocenáriocon irmaatesedeespecialistasdequea paci icação sozinha não é capaz de resolver todas asmazelas dasfavelasdoestado.
19InPresençademilitaresnaMarécustaR$1,7milhãopordia,publicadonojornalOGlobo,26/05/2014.Capaepágina7.20InOpinião:Oteleféricoeataldavontadepolítica.JornalFolhadeSãoPaulo,21/11/2011.Acessadoem17/06/2014.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/10193-o-teleferico-e-a-tal-da-vontade-politica.shtml
JornalOGlobo-12/05/2014-PrimeiroCaderno-Página12
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Entrediscursoseações,podemosacreditarqueafunçãoprincipaldasUPPségarantirasegurançadosgrandesnegócioseeventosnacidadedoRiodeJaneiroapartirdodomínioda favela, aomesmo tempoque se faz a aberturado seu territórioao capital.Assim,seproduznomorrooespaçodapobrezadomada;oespaçodareproduçãocontroladada forçade trabalhobarata;oespaçoondesemantêmaclassebaixadócil,enquantopaci icamente sua “reciclagem” acontece, no desenvolvimento da cidade capitalistaneoliberal.Ea inal,dequeméoRiodeJaneirodasUPPs?
Imagem extraída da apresentação do trabalhoArquitetura da Violência: cidade limpa e segura paraturista verapresentado no III Seminario InternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010).
JornalOGlobo-30/11/10-Página17
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CÂMERASDEVIGILÂNCIANAFAVELA
Osespaçoscontemporâneosmonitoradosporcâmerasdevigilânciaesistemasinternosdevídeo,dosquaisapenasumoperadorpodecontrolardezenasdepontos,fazemopan-óptico,talqualidealizadopelo ilósofoinglêsJeremyBentham(1748-1832),parecerumesboçodeespaçodisciplinar.Sobreopanoptismo,MichelFoucault(1997:88)de inedaseguinteforma:
No Panopticon vai se produzir algo totalmente diferente; não há maisinquérito, mas vigilância, exame. Não se trata de reconstituir umacontecimento,mas de algo, ou antes, de alguémque sedevevigiar seminterrupção e totalmente. Vigilância permanente sobre os indivíduos poralguémqueexercesobre elesumpoder -mestre-escola,chefedeo icina,médico,psiquiatra,diretordeprisão-eque,enquantoexerceessepoder,temapossibilidadetantodevigiarquantodeconstituir,sobreaquelesquevigia,arespeitodeles,umsaber.Umsaberquetemagoraporcaracterísticanãomais determinar se alguma coisa se passou ou não,masdeterminarseumindivíduoseconduzounãocomodeve,conformeounãoàregra,seprogrideounão,etc.Essenovosabernãoseorganizamaisemtornodasquestões‘istofoifeito?quemofez?’;nãoseordenaemtermosdepresençaou ausência, de existência ou não existência. Ele se ordena em torno danorma,emtermosdoqueénormalounão,corretoounão,doquesedeveounãofazer.
Opan-óptico,expressãoarquitetônicadavigilância, icoumaisrobustoeabrangentecomosadventostecnológicosdasegurança,jáqueestá“armadodemúsculos(eletronicamentereforçados, “ciborguizados”) tão poderosos que Bentham, ou mesmo Foucault, nãoconseguirianemtentariaimagina-lo(...)”(BAUMAN,2013:58)
As câmeras intimidam as ações e doutrinam os corpos e mentes para o estado devigilância total. A sociedade contemporânea celebra o atode “ver sem ser visto”nasruas,lojas,elevadores,condomínios,shoppingcenters,estaçõesdemetrôeprogramasdetelevisão.Ascidadesatuaisvivemplenamenteopan-óptico,queé“autopiadeumasociedadeedeumtipodepoderqueé,nofundo,asociedadequeatualmenteconhecemos- utopiaque efetivamente se realizou.Este tipodepoderpodeperfeitamente receber o
http://www.eggnostics.com.br/wp-content/uploads/2013/05/Big-Brother-penitenci%C3%A1ria-e-controle-da-sociedade.-O-que-eles-t%C3%AAm-em-comum2.jpg
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nomedepanoptismo.Vivemosemumasociedadeondereinaopanoptismo.”(FOUCAULT,1997:87)
A instalação das câmeras nas favelas cariocas reforça a vigilância já exercida pelasUPPs, oferecendoolhos eletrônicos onipresentes aomonitoramento da área. Asduaspolíticaspúblicastrabalhamemsinergiaparaconsolidaroespaçodisciplinarnasáreasfaveladas, considerandoqueestas sãovistas como territóriosda criminalidadeedas“classesperigosas”,naqualtodososseusmoradoressãoavaliadoscomopericulososempotencial:
TodaapenalidadedoséculoXIXpassaaserumcontrole,nãotantosobreseoquefIzeramosindivíduosestáemconformidadeounãocomalei,masaoníveldoquepodemfazer,doquesãocapazesdefazer,doqueestãosujeitosafazer,doqueestãonaiminênciadefazer.(FOUCAULT,1997:85)
O programa de videomonitoramento para as favelas é um dos projetos incluídos noConvênio de Cooperação na Área de Segurança Pública 21, o que supõe o seu uso napromoçãodasegurança.Mas,segurançadequem?NaRocinha,omajorEdsonSantos,criadordosistemadecâmerasecomandantedaUPP local,nãoescondea“ortopediasocial”(FOUCAULT,1997)portrásdomonitoramento:“Comelas,aumentamosavigilância.Quemestáenvolvidocomcoisaserradasmudadecomportamento.Porisso,asocorrênciasdiminuíram.” 22NaFavelaDonaMarta(ouSantaMarta),ainsatisfaçãodosmoradorescomainstalaçãodascâmerasdevigilância foi imediata:segundoanotíciaMoradoresdoSantaMartareclamamdecâmera‘bigbrother’,publicadanoEstadãoOnlinenodia29/09/200923,oshabitantesdomorro“nãoforamconsultadossobreoposicionamentodos equipamentos”e “não têm informações sobrequem temacessos às imagensnemodestinodadoaelas.”Namesmamatéria,orapperFiel,umadasliderançascomunitáriasdolocal,a irmaqueafavela“nãoécondomínio,nãoérua.Láembaixoacâmeraéparaprotegeromorador.Aquiéparatratá-locomosuspeito”.Portanto,segurançaparaquem,seos“criminososempotencial”sãoosprópriosfavelados?21InCidadedeDeusterácâmerasdemonitoramento,publicadonoportalR7nodia18/12/2009.Acessadonodia06/06/2014.http://noticias.r7.com/cidades/noticias/cidade-de-deus-tera-cameras-de-monitoramento-20091218.html22InBBBdafaveladaRocinha,noRio,monitoramoradores24horas,publicadoemFolhaOnlinenodia11/05/2013.Acessadoem11/06/2014.http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/05/1277131-bbb-da-favela-da-rocinha-monitora-moradores-24-horas.shtml23Acessadoem11/06/2014.http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,moradores-do-santa-marta-reclamam-de-camera-big-brother,442993
http://visaodafavelabrasil. iles.wordpress.com/2009/10/cartazcamera0k.jpg
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Em Distrito 9, as câmeras de segurança monitoram as atividades dos refugiadosextraterrestres,ooutrona icção,emtomadasinvasivasqueexpõemaintimidadedessesseres. Como em uma experiência de laboratório, os movimentos e comportamentosdosalienígenassãoavaliadosinloco.SunTzuensinaria,emseusmanuscritossobreastáticasdeguerra,algoparecidocomconheçabemoseuinimigoparapodertriunfaremumcombate.
OquenemmesmoocenárioapocalípticodeDistrito9concebeufoioadventodosdronesna vigilância dos seres extraterrestres. Sobre esta nova tecnologia bélica, Bauman(2013:27) a irmaque “nãohaveráabrigo impossível de espionar – paraninguém.”Aocusto de 80 milhões de reais, o governo brasileiro adquiriu este avançado aparelhomilitar voador de espionagem, equipado com câmera eletro-óptica e infravermelhoquefocalizaalvosa10kmdedistância.EstredronefoiutilizadonaFaveladaMarénaoperaçãodebuscaaonarcotra icanteMarceloSantosdasDores,oMenorP24.
Oterritóriodafavela,talqualascavernasafegãsouoscamposderefugiadospalestinos,éoalvodasaçõesmilitaresdaaeronaveespiã.AúnicadiferençaéqueodroneutilizadonoRiode Janeiro ainda não carrega armamentos que efetuamdisparos por controleremoto,talqualnasguerrasdoOrienteMédio.Ainda...
24InPresocomajudadoscéus,publicadonojornalOGlobonodia28/03/2014.CapaePágina13.
http://s2.glbimg.com/nlkZbcoWf8PFPAn80thw2NHOvGDqJ7IVlNZg38e3sKlIoz-HdGixxa_8qOZvMp3w/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2013/01/10/cameras_rocinha.jpg
Fonte:JornalOGlobo-28/03/2014-Capa
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Ocasode Amarildo,moradorda Rocinhaque foi sequestradoem 2013 porpoliciaisdaUPP (eque até agora continuadesaparecido), revela a “seletividade”das imagenscapturadasnafavela:nenhumadas84câmerasdevigilânciainstaladasnolocalfoicapazdeproduzirpistasconcretassobreocrimepois,comorevelaodepoimentodopolicialAlanJardim,publicadonoportaldenotíciasdojornalOEstadodeSãoPaulo25,“todasascâmerasnoentornodaUPPdaRocinhaestavamdesligadasnodiada ‘averiguação’doajudantedepedreiro.”Portanto,sorria:vocêestásendo ilmado–issoseoequipamentonãofalharduranteaoperaçãopolicial.
25Extraídodanotícia“TesoureirodaUPPdaRocinhaéouvidosobrecasoAmarildo”,publicadanodia12/03/2014às19h31noendereçowww.estadao.com.br/noticias/cidades,tesoureiro-da-upp-da-rocinha-e-ouvido-sobre-caso-amarildo,1140082,0.htm,acessadanodia18/05/2014.
http://veja0.abrilm.com.br/assets/images/2013/8/167986/Camera-de-vigilancia-na-Rocinha-mostra-Amarildo-em-destaque-sendo-levado-de-casa-por-policiais-da-UPP-size-598.jpg?1376525578
FICÇÃO? REALIDADE?
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REMOÇÕES
Já em seu primeiro mandato (2009-2012), Eduardo Paes ressuscitou a política daremoçãodefavelas,notóriaduranteosgovernosdePereiraPassos(1902-1906)eCarlosLacerda(1961-1965).Foramremovidasmaisde37.000pessoasdesuascasas,sendoPaesoprefeitocampeãoderemoções,contra31.000deLacerdae20.000dePassos26.FênomenorecorrenteemdiferentesmomentosdoprocessodeurbanizaçãodoRiodeJaneiro,asremoçõessãoretomadasnestaatualgestão“paraumasupostavalorizaçãodacidade”(FAULHABER,2012:37),revelandoafaceda“limpezaurbana-humana”dasáreasdeinteresse imobiliário.No ilmeDistrito9, aoperaçãoderemoçãoéocon litoprincipal;aerradicaçãodafavelaalienígenaéa“solução inal”doprocessodeexclusãoterritorialdooutro.
Ao longo do século XX, diversas medidas higienistas foram executadas a partir dapremissadafavelacomosujeiradapaisagemcarioca,legitimandoasaçõesdeexpulsãodosmoradoresedemoliçãodosbarracoscomosoluçõesurbanísticaseambientais.Nodia12/04/2009ojornalOGlobopublicouamatéria“RemoçõessalvaramapaisagemdaLagoa–CartãopostaldoRiopoderiatersidotransformadoemcomplexodefavelascompelomenos96milmoradores”,naqualincitaodiscursodafavelatalqualumtumorquefoiextirpadodobairrodaLagoagraçasàremoção.
26Segundoosdadosdográ icoNúmerodepessoasremovidasporgestãomunicipal,elaboradoporLucasFaulhaber,comdadoscoletadosdaSMH;ROCHA,1995,p.69;LEEDS,1978,p.220apudFAULHABER,2012:38
http://www.canalibase.org.br/wp-content/uploads/2014/01/mangueira.jpg
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https://lh3.ggpht.com/-4aOIycy1o8xPJPzoqsXGz1ImEQGGKYyNm_Ga1aeHrEtx0UvOzOM0IUHUnil4qd3a4tN=s120
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A simulação distorcida e o discurso jornalístico tendencioso da referida matériasugeremafavelacomoumcorpoestranhoasereliminadodapaisagemcarioca,comoumelementodesagradávelqueinsisteemassediarasbelezasdaCidadeMaravilhosa.ApreocupaçãoestéticamanifestadapelojornalOGloboignoraainjustiçaeabrutalidadeacerca da remoção daFavela da Catacumba, e a subsequente realocação dos antigosmoradoresparaaCidadedeDeus.Otextoabaixo27parecedarcontadosfatoshistóricosdemaneirasintética:
“SegundoarquivosdaBibliotecaNacional,oterrenoondeexistiaaCatacumbafoiocupadoporumachácaradurantetodoséculo19.Suaantigaproprietária,a Baronesa daLagoa, transferiua posse das terraspara seus escravos.AlimontaramumQuilombo.Porvoltade1925,oEstadodividiuaChácaradasCatacumbasem32lotes.Osprimeirosbarracosdafuturafavelacomeçaramasererguidosaindanosanos30.Portanto,eramlegítimosproprietários.Comotempo,oex-escravofoivirandonovopobre,easterrasdabaronesaforamvirando favela.O fato é que em 1970 o governo decidiu queos amigosdabaronesaerampobresdemaisparateremoprivilégiodavistaparaalagoa.Passouorodonaárea.Mandouopovoparacasadocasseteeenfeitouaquelecantodalagoacomprédiosdeluxoeumgrande‘playground’arborizadoetriste.”
AlinhadocomodiscursodoOGlobo,EduardoPaesseposicionoufavorávelàremoçãodefavelasdesdeosprimórdiosdoseugoverno.Nanotícia“Riovairemover119favelasdeáreasderiscoem2anos”,publicadanodia08/01/2010nojornalOGlobo,Paesdeuoseguintedepoimento:“Temqueacabarcomademagogiaeretirar.Nãovamosfazerobrasdemilhõesparaseguraralgumascasas.”Namesmamatéria,oreferidojornalexpressaa opinião editorial: “Desmisti ica-se, a inal, o termo ‘remoção’, parao bemde todos oscariocas.”
NosegundoanodomandatodeEduardoPaes,odesastredaschuvasdeabrilde2010insu lou o argumento das “áreas de risco” dentro da política de remoção de favelas,muitasdelaserradicadasà‘toquedecaixa’,semumaclaradistinçãoentreasverdadeirasáreas com risco dedeslizamento e as áreas em terrenos estáveis ou consolidadas. A
27OtextoParquedaCatacumba-CemitériodacidadaniafoiescritoporRobertoMaggessiepublicadonodiáriovirtualRetalhosdeCidadanianodia11/06/2008.Acessadonodia13/03/2014noseguinteendereçoeletrônico:http://maggessi.blogspot.com.br/2008/06/parque-da-catacumba-cemitrio-da.html
ImagemextraídadaapresentaçãodotrabalhoArquiteturadaViolência:cidadelimpae segura para turistaver apresentado no III Seminario InternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010).
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mancheteRiofazremoçãoobrigatóriaemáreaderisco28revelaocaráterurgentedadoàsoperaçõesderemoção.
Noentanto, apreocupação como riscodedeslizamentodas encostas e aquestãodapreservaçãoambientalnão semanifestouperanteodesejodoprefeitoEduardoPaesdepromoveraaberturadosmorrosparaomercadoimobiliário,comorevelaamatériaPaes quer lexibilizar ocupação de encostas29. O depoimento de Regina Chiaradia,representante da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio deJaneiro,levantaahipótesedeque,maisdoqueoriscodedesabamento,oproblemadaocupaçãodasencostaséaprópriafavela:“Asencostastemqueserpreservadascomsuavegetação,nãoabrindoespaçoparaconstruçãolegalouilegal.Mas,comoopoderpúbliconão iscalizaasocupaçõesirregulares,muitagentepassaadefenderatesequeémelhorliberarconstruçõesantesquesurjamnovasfavelas.”Áreaderiscoouáreaderico?
Ainda que muitas das casas não estivessem localizadas em verdadeira situação dedeslizamento, todas as favelas ameaçadas de remoção foram avaliadas no mesmocontextodaslocalidadesimplantadasemterrenosgeologicamenteinstáveis.Portanto,oqueodiscursoincoerentedeEduardoPaessobreasáreasderiscoécapazderevelar?QualaverdadeiraintençãodasremoçãonoRiodeJaneiro,jáquenemtodasasfavelasremovidasestavamemáreasderisco,principaljusti icativadasremoções?
Voltando àmatéria “Rio vai remover 119 favelas de áreas de risco em 2 anos”, citadaanteriormente na página 65: “Entre as favelas que vão desaparecer estão a doHorto(JardimBotânico),aIndiana(Tijuca),adaCCPL(Ben ica),adoMetrô(Maracanã),aVilaAutódromo(Barra)eaVilaTaboinhas(VargemGrande).”Trêsdestasfavelascitadasnãoselocalizamemencostasdemorros:CCPL,MetrôeVilaAutódromo.Seráquesãoáreasderisco?
28 InFolhadeSãoPaulo,12/04/2010-Cotidiano-C429 InOGlobo,25/06/2010-PrimeiroCaderno-Página21
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Aocupação de uma antiga fábrica de laticínios conhecida comoCCPL abrigou 1.273famíliasporcercade10anosnosobsoletosgalpõesfrabris.LocalizadanaAvenidaDomHélderCâmara,umdosprincipais logradourosdaZonaNorte,de initivamentenãosetratadeumterreno localizadoemáreaderisco.A remoção foiefetuadaenoanode2012as instalações industriais foram implodidasparadar lugar amaisumconjuntohabitacionaldoProjetodeAceleraçãodoCrescimento.
Como títulode “Devolvendoa vida” 30, a colunadeAncelmoGoisnoticiouo términoda construção do conjunto habitacional no local da antiga ocupação, local este queaparentemente ressuscita após uma “existência mórbida” como favela : “Lembra-sedaantigafábricadaCCPL,emBen ica?AlieraprocessadoquasetodooleitedoRio,naépocavendidoemsacosplásticos.Depoisqueonegóciomixou,olugarvirouumfavelãoassustador.Agora,estáassimbembonitinho,comomostraafoto.”Ofantasmado“favelãoassustador”nãomaisassombraráocolunistadojornalOGlobo,queporoutroladonãotemmedodotédioarquitetônicoqueseráexperimentadopelosfuturosmoradoresdolocal.Bembonitinho...
30InOGlobo,27/05/2014.Página10
http://oglobo.globo.com/in/3035508-23d-aaa/FT500A/A-COMUNIDADE-como-e-hoje-moradias-improvisadas-dentro-dos-galpoes-da-antiga-fabrica-de-laticiniosFoto-de-divulgacao.jpg Fonte:OGlobo,27/05/2014.Página10
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AFaveladoMetrôselocalizaàsmargensdaRadialOeste,emumterrenoplanoesemhistórico de movimentações geológicas recentes. Sendo assim, o seu único risco foiestar situadanasproximidades do Estádio JornalistaMárioFilho –mais comumentechamado deMaracanã – durante as obras para a Copa doMundo de 2014.As casasforamremovidasnoiníciode2014comaintençãodecederoterrenoparaasobrasde“revitalização”doentornodoestádiodefutebol,paracumprirasexigênciastécnicasdaFIFA.OsantigosmoradoresforaminstaladosemCosmos,naZonaOestedacidade,tãolongedoCentroquantoaFaveladoMetrôerapertodele.SegundoanotíciaFaveladoMetrô:ex-moradoresemadaptação31, alémdadistânciacomrelaçãoaolocaldeondeforamremovidos,“aprincipalpreocupaçãoestánascontasdeágua,luzegás,queantesnãoexistiameagoraestãoalémdoorçamentodamaioriadosmoradores.—Nafavela,ninguémpagavanada.(...)Estamosatrásdeumasolução,deumatarifasocial—contaosíndicodocondomínioeex-moradordaFaveladoMetrô,SandroAlvesdeLima.(...)Existemproblemasdeinfraestrutura,comopartesdetelhadosdani icadosnaschuvadenovembroeafaltadeáreadelazer.”Opesadelodaremoçãovaialémdomomentododespejo,jáquegeralmenteascondiçõesdehabitaçãopioramnoslocaisparaondeosmoradoressãolevados.Con igura-seentãoumaviolaçãoaosdireitoshumanos,pois,comolembraRaquel Rolnik 32, “o marco internacional dos direitos humanos do direito à moradiaestabelecequeasituaçãodosafetadosnuncapodepiorar.Eissosigni icanãoapenasapioraemrelaçãoàcasaemsi,masprincipalmenteemrelaçãoàlocalização.”
31 InOGlobo,10/05/12-Rio-Pag.1732 InjornalOGlobo,29/10/2013.Retiradadepessoas.Página12
http://img.r7.com/images/2014/01/08/63f7jq5ead_6sfrwzv641_ ile.jpg?dimensions=780x340
http://s0.ejesa.ig.com.br/portal/images/2013-04/1.572872.jpg
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OprocessoderesistênciadosmoradoresàremoçãoimpostaàVilaAutódromofoiumdos casosdemaior repercussãodas lutas pelamoradiana cidade do Rio de Janeiro.SituadapróximaaoAutódromodeJacarepaguá,asuaocupaçãoseiniciounadécadade60.Surgiaassimumacolôniadepescadoresquetiravaoseusustentoprincipalmentedas águas daLagoa de Jacarepaguá, e “se consolidouatravés dosanosprincipalmentecomseusprópriosinvestimentosderendaetrabalhoparapromoçãodecondiçõesbásicasde habitabilidade” (FAULHABER, 2012:88). Não existem históricos de deslizamentosnessaárea,mesmoporqueelanãoselocalizanaencostadeummorro.Desde1992aVilaAutódromosofrecomasameaçasderemoção,masesteassédioaumentoucomaproximidadedasOlimpíadasde2016,comaprevisãodeconstruçãodoParqueOlímpiconaárea.Apósumgrandeperíododeresistência,ascasasdosmoradoresquepreferiramdesocuparolocalforamdemolidasemmarçode2014.Atualmente,maisde300famíliascontinuamdeterminadasàpermaneceremseuslares.Alutacontinua...
http://jaajrj. iles.wordpress.com/2013/03/ama.jpg
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Apartirdestesexemplos,aincongruênciadodiscursodasáreasderiscocomojusti icativarevelaque, demaneira velada, a intençãodas remoções épavimentadapela vontadede erradicação das favelas. Historicamente, o atode demolir um barraco parecenãoesconderaaversãoeodesprezoaosfaveladoseaoseuterritório:umapolíticapúblicadisfarçadadeapartheidsocial?Maisdoqueisso,aexistênciadeumafavelaéassociadaautomaticamenteaoperigo33;ummedolatentepelooutro,quedevesercombatidoparaqueaameaçasedissolvaeatranquilidadevolteareinar.
No ilmeDistrito9,apolêmicasobreocrescimentodafavelaextraterrestrenosarredoresdeJohanesburgochegaaopontodadecisãoporremoverascasasemoradoresparaoutrocampoderefugiadosmaisdistante.WilkusvanderMerwe,oresponsávelpelaremoçãodosalienígenas,concedeumaentrevistanaqualinicialmenterevelapreocupaçãocomobemestardosalienígenas,paradepoismostraroseupreconceitoedemagogia:
-Vamosremover1milhãoe800milalienígenasdesuaresidênciaatualnoDistrito9paraumlocalmaisseguroemelhorà200kmdeJohanesburgo.Construímosumaboaenovainstalaçãoondeosalienígenasvãopoderterconfortoepermanecerlá.OpovodaÁfricadoSulvaiviverfelizecomsegurançasabendoqueosalienígenasestãobemlonge.
Emummomentoposterior,odiálogoentreWilkusedoisseresextraterrestresrevelaaverdadeiracaracterísticadolocal“maisseguroemelhor”noqualelesseriamrealocados:
-Vocêsnão vãoquerer ir pras barracas. Sãomenores e piores queos barracos,parecemumcampodeconcentração.
33ConsultaramatériaOperigoquemoraaoladodoLiceudeArteseO ícios,inJornalOGlobo,11/06/2013.PrimeiroCaderno,Página13
FAVELA? AI, QUE SUSTO!
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O plano de remoção na icção revela semelhanças desconcertantes com a vida real,seja a realidade de Johanesburgo ou doRiode Janeiro, possibilitando o exercício dourbanismodoapocalipse.Porexemplo:segundoamatériaAÁfricaexperimentaaCopa34,“Osmoradoresdizemqueforamremovidosdasáreascentraisdacidadeejogadosnoquechamamde“depósitodegente”,ou“campodeconcentração”.Oassentamentoparecefeitosobmedidaparanãoservistopelosmilharesdetorcedores,duranteaCopadoMundo”.Talqualosassentamentoscontruídospelogovernosul-africanoparaabrigaraspessoasqueforamremovidasdesuascasaparaaconstruçãodeestádiosdaCopadoMundode2010,olocaldedestinodosmoradoresdoDistrito9estavalongedesermelhordoqueasuacondiçãoatual.
34InFolhadeSãoPaulo,08/06/2010-Esporte
AideiadecampodeconcentraçãoemDistrito9...
Mancheteextraída da apresentaçãodo trabalho Arquitetura daViolência:cidade limpa e segura para turista ver apresentado no III SeminarioInternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza (Montevideo,24-26denovembrode2010).
...enaCidadedoCabodavidareal.
https://c1.static lickr.com/5/4056/4685758973_93562e483b_z.jpg
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AherançamalditadoregimeracistanaÁfricadoSulserevelanoabismosocialqueaindaseparaosbrancosdosnegros,eisso icouclarodurantearealizaçãoCopadoMundode2010nopaís:ogovernosul-africanoàtodoocustotentouesconderapobrezaaosolhosdos turistas, sejapela instalaçãodemuros,que tambémfuncionavamcomobarreirasparacobriravisãodafavela,sejapelaexpulsãodosmoradoresparaacampamentosquese assemelhavamà camposde concentração.NoBrasil, foi possível observaro ritmode remoções de favelas com a aproximação da Copa doMundo de 2014. AmatériaJornalistadinamarquêsdesistedecobriraCopadoMundonoBrasil35,ojornalistaMikkelJensenacusaogovernodepromoverumalimpezasocialemnomedaCopadoMundo:“Osonhosetransformouemumpesadelo.Durantecincomeses, iqueidocumentandoasconsequênciasdaCopa.Existemvárias:remoções,forçasarmadasePMsnascomunidades,corrupção,projetossociaisfechando.Eudescobriquetodososprojetosemudançassãoporcausadepessoascomoeu–umgringoetambémumapartedaimprensainternacional.Eusouumcarausadoparaimpressionar.”Aoprepararacasaparareceberosvisitantes,opoderpúbliconãohesitouem“varrer”afavelaparabemlongedosestádiosedosdemaisequipamentosparaograndeevento:
As remoções forçadasde 200a250mil pessoas nas cidades an itriãs daCopaviolamodireitoàmoradiaeàcidade.Aspopulaçõesmaispobresseveemconfrontadas aumagigantescaondade limpezaétnica e social dasáreasquerecebeminvestimentos,equipamentoseprojetosdemobilidade.Os indesejáveis são mandados para as periferias distantes, a duas, trêsou quatro horas dos locais de trabalho, a custosmonetários absurdos econdiçõesdetransporteprecaríssimas.(VAINER,2013:39)
NoRiode Janeiro,oexemplodaFaveladoMetrô(ouFavelaMetrô-Mangueira,citadaanteriormente na página 68) revela a disposição do poder público de promoverremoçõesemnomedaCopadoMundo.NamatériaPrefeituraretomaderrubadadecasasnaMangueira36,asliderançaslocaisa irmaramque“aprefeituraquercriaruma‘fachada’paraaCopadoMundo,retirandomoradorescomraiznacomunidade.”
35InjornalExtra,15/04/2014.Acessadoem25/05/2014.http://extra.globo.com/esporte/copa-2014/jornalista-dinamarques-desiste-de-cobrir-copa-do-mundo-no-brasil-sonho-se-transformou-em-um-pesadelo-12206451.html36InOGlobo,14/04/2014.Acessadoem21/04/2014.oglobo.globo.com/rio/prefeitura-retoma-derrubada-de-casas-na-favela-metro-mangueira-11262269
http://oglobo.globo.com/in/11262264-8d7-c75/FT500A/demolicao-favela-mangueira.jpg
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O jornal O Globo, comprometido com a construção de um discurso legitimador dasremoções, promove a matéria Remoção pode, sim, ter um inal feliz 37 com grandedestaque.Talvezamancheteestejadizendoum–eapenasum– inalfeliz,talvezparaalgum morador com sorte melhor que Jorge Santos: o seu barraco foi demolido naoperaçãoderemoçãodafavelaVilaRecreioII,noRecreio,ZonaOestedoRiodeJaneiro.Obairroconcentraatualmenteinvestimentosimobiliáriosdegrandemonta,alémdepartedasobrasparaasvilasdosJogosOlímpicosde2016.Ajusti icativaparaaremoção:oterrenodafavelaestavanocaminhodocorredorrodoviárioconhecidocomoTransoeste.Talvezporumerrode cálculo, talvezporumagrande coincidência,avia acabounãopassandoporali.Hojeoterrenoestávazioelimpo,emumaáreadealtíssimavalorizaçãoimobiliária.VoltemosaoJorgeSantos,agoraex-moradordaextintaVilaRecreioII.Ele,testemunhadodesaparecimentototaldasuavizinhança,descreveosentimentodeserremovidoaovisitaroseuantigoterreno:“Eusintocomosetivessemorridoalguém.Ébemparecidocomisso.(...)Euchegoaqui, icovendotudoerecordoacovardia.Nãoéraivanão,masvemumacoisaruimquandovocêvêqueseusdireitosforamvioladosbrutalmente.”38
Não,nãoépossívelacreditarem inalfeliz.DentrodocontextodeviolênciadaspolíticaspúblicasparaosterritóriosfavelizadosnoRiodeJaneiro,émaisprovávelacreditarnaremoçãocomooarti ício inalquematerializaaerradicaçãodefavelas.
***
37Matériapublicadanodia27/04/2014;PrimeiroCaderno,página2138InRemoçõespornada,matériapublicadanojornalBrasildeFato-RiodeJaneiro,de5a11/09/2013.Ano11,edição19
Fonte:BrasildeFato-RiodeJaneiro,de5a11/09/2013
???
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NOVAFAVELA?
Quenovafavelaéessa?Oquemudou?Dopontodevistadainfraestruturaurbana,nada.Ascondiçõesprecáriasdesaneamento,iluminaçãoetodososserviçosbásicosdesaúdeeeducaçãonãosubiramomorronomesmoritmodasforçaspoliciaisemilitares.Então,oque é anova favela?Anova favela éumamisturadevelhas enovas estratégiasdesegregação,vigilânciaeexpulsão,semprereatualizadaconformeavariaçãododiscursoeasnovastecnologiasdesegurança.
JornalOGlobo-07/10/10-Página18
Imagem extraída da apresentação do trabalhoArquitetura da Violência: cidade limpa e segura paraturista ver apresentado no III Seminario InternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010).
FICÇÃO?
75
REALIDADE?
77
ASSISTA O VÍDEO 2 EM:https://www.youtube.com/watch?v=UpiSsC_9368&index=4&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA
79
IIIMURONAFAVELASANTAMARTAEFUGADENOVAYORK
Quemnãofogeprocuraseproteger.Emnívelmundialtrabalha-senofortalecimentodefronteirascontraosbárbaros.
HansMagnusEnzensberger,1993
ConsideradapelogovernodoEstadodoRiode Janeirocomoafavela-modelo –títulorejeitadopelosmoradoresdevidoàscarênciasdacomunidade39–,afavelaSantaMartafoiopalcodaconstruçãodemurosparafavelascariocaspelopoderpúblico,em2009.Apósapolêmicaacercadesteprojeto,aideiadeconstruiroutrosdezmurosdeconcretofoiabandonada,sendosubstituídapelasbarreirasacústicas,eco-limitesea ins.Variaçõesdeformaparaainalienávelfunçãodequalquerbarreira,sejanaChinaAntigadaGrandeMuralhaounaIlhadeManhattando ilmeFugadeNovaYork,muradaetransformadaemumacidade-prisão.Oexercíciodecomparaçãodacidadeapocalípticada icçãocientí icacomacidadereal–aquichamadodeurbanismodoapocalipse–buscaráaproximaçõesentreafavelacariocaeaprisãoacéuaberto iccional.
39InSantaMartarejeitaotítulodefavelamodelo,noPortalVivaFavela,08/07/2013.Acessadoem29/06/2014.http://www.vivafavela.com.br/reportagens/380-santa-marta-rejeita-titulo-de-favela-modelo
80
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5e/Favela_santa_marta.jpg
FAVELA SANTA MARTA
22°56’55.39”S 43°11’37.78”O
RIO DE JANEIRO
ÁREA 53.706 m²POPULAÇÃO 4.688 hab.RENDA PER CAPITA R$ 481,50
O MURO
http://observers.france24.com/ iles/images/muro_santamarta2_0.jpg
CUSTO INICIAL:APROXIMADAMENTE
R$ 1 MILHÃO
81
Para aqueles que vivem num gueto voluntário,os outros guetos são espaços ”nos quais nãoentrarãojamais”.Paraaquelesqueestãonosguetos“involuntários”, a área a que estão con inados(excluídosdequalqueroutrolugar)éumespaço“doqualnãolhesépermitidosair”.(BAUMAN,2009:40)
PORTANTO, FAVELA MURADA E CONDOMÍNIO FECHADO NÃO SÃO A MESMA COISA!
http://4.bp.blogspot.com/_uf1zSh2zaMs/Suyx0hMHyZI/AAAAAAAAAuI/04m3MYZlfvo/s400/ecomurosantamarta.jpg
GUETO REAL GUETO VOLUNTÁRIO
http://dafseguranca. iles.wordpress.com/2012/07/condominio.jpg
MancheteextraídadotrabalhoArquiteturadaViolência:cidadelimpaesegurapara turista ver apresentado no III Seminario Internacional de DerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010).
Condomínio ou prisão? Longe de parecer um condomínio fechado, osigni icadoda favelamuradapodeestarmaispróximoaodopresídio?A sensação de con inamento experimentada no SantaMarta pós-murofoidestaquenacoberturajornalísticadojornalElPaíssobreocaso,quedescreveuoaspectopenitenciário40dosparedõesnafavela.Maisdoqueparecerumaprisão,ocercoao faveladoemseu territórioseapresentacomoumsinaldeque“aspessoascon inadasnoverdadeiroguetovivememprisões.”(BAUMAN,2003:107)
40 In Uma polêmica em versão espanhola, publicada no jornal O Globo no dia 21/04/2009. Página 11.
???
X
82
FUGADENOVAYORK(1981)
Títulooriginal:EscapefromNewYorkDireção:JohnCarpenterPaís:EstadosUnidosProdução:LarryJ.FrancoeDebraHillDuração:99minutosCor:coloridoRoteiro:JohnCarpentereNickCastle
Eisoque foiimaginadoemFugadeNovaYork comoumcenário futurísticoparaoanode1988:oíndicedecriminalidadeaumentou400%nosEstadosUnidosdaAmérica,fazendocomqueacidadedeNovaYorkfossetransformadaemumaprisãodesegurançamáxima,quereuniriaospresosdetodoopaís.Umamuralhaéerguida,cercandoatotalidadedoperímetrodaIlhadeManhattan:umavezládentro,éimpossívelsair.Alémdabarreira ísica,camposminadosforamplantadosnaspontesenasviasmarítimas,enquantoqueaforçapolicialpatrulhaapenasoladoexternodomuro–nãoháguardasnoladodedentro.Posteriormente,em1997,umgrupoparamilitarsequestraoaviãonoqualviajavaopresidentedosEstadosUnidosdaAmérica(DonaldPleasence),comaintençãodeexplodiraaeronavesobreNovaYork.Opresidenteconsegueescapardamortenoatentado,mascaidentrodaprisão.BobHauk(LeeVanCleef),diretordaprisão,tentaresgatá-lo,masdescobrequeeleestáempoderdeDuke(IsaacHayes),ohomemmaisperigosodeManhattan.Esgotadaachancedenegociação,HaukfazumapropostaaoprisioneiroSnakePlissken(KurtRussel),umex-tenentedasforçasespeciais:emtrocadaliberdade,eledevetrazerdevoltaopresidenteem24horas.Semalternativas,Plisskenentranaprisãoparaempreenderoperigosoresgate,quelhecustaráavidaemcasodefalha. http://www.badazzmofo.com/wp-content/uploads/2012/05/
escape-from-new-york.jpg
O MURO E A MANHATTAN APOCALÍPTICA
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OsdadosdoIPPreforçamoqueatéopolicialdaUPPdoDonaMartasabe.Ementrevista(...),eleexplicaparaqueserveummurodeconcretodetrêsmetrosdealturae650metrosdeextensão:“Omurosetornaaténecessáriopravocêmanterocontroledaquiloquevocêtemdentrodele”.Afaladopolicialésimpleseclara:serveparacontrolarosmoradoresdafavela.PauloSérgioRosa,moradordoDonaMartaepedreirodaconstruçãodomuro,sintetiza:“Pravirarumpresídioagorasófaltamesmooportão.Sófaltaoportãoporqueacâmerapra ilmaragentejátem,nossaliberdadeagentenãotemmais.Polícianaáreatodajátem.”41
41InOdestinodosroyalties:murosou“ecolimites”,publicadonoblogCidadesPossíveisnodia11/11/2009.Acessadoem01/07/2014.http://cidadespossiveis.tumblr.com/post/12640073658/o-destino-dos-royalties-muros-ou-ecolimites
PRISÃO DA ILHA DE MANHATTAN
MURO DE CONTENÇÃO
CENTRO DE CONTROLE DE SEGURANÇA DA ESTÁTUA DA LIBERDADE
O MURO...
MURO
MURO
UPP
FAVELA SANTA MARTA
CENA INICIAL DO FILME FUGA DE NOVA YORK: O MAPA DA CIDADE-PRISÃO
DIVIDEESCONDE DEFENDE
DELIMITA
... O QUE? PARA QUEM? planoverticalcomduasfacesvisíveis, que divide o espaçoemdois: internoeexterno;oladodeláeoladodecá.
CERCARESTRINGE
emqualterritórioseconstróiomuro?quemsebene icia:osqueestãoforaouosqueestãodentro?
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As fronteiras visíveis (por exemplo,osmuros, as cercas emgeral) fazemnasceraaparênciadeumaseparaçãoentre espaços ao mesmo tempo emambigüidade e em continuidade.O espaço de um “cômodo”, de umquarto, de uma casa, de um jardim,separado do espaço social porbarreirasemuros,portodosossignosdapropriedadeprivada,nãoémenosespaçosocial.(LEFEBVRE,2006:130)
Aarquiteturamilitar,as forti icaçõesemuralhas,os trabalhosdediquesede irrigação, mostram numerosos ebelosexemplosdeespaçodominado.(...)Oespaçodominadoégeralmentefechado, esterilizado, vazio. Seuconceito só toma seu sentido aose opor ao conceito inseparável daapropriação.(LEFEBVRE,2006:231)
A VISTA DE DENTRO DO MURO...
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... E O SEU REBATIMENTO: A FAVELA.
(Os muros) servem para dividir e manterseparadosseushabitantes:paradefenderunsdosoutros,ouseja,daquelesaquemseatribuiuostatusdeadversários.(BAUMAN,2009:42)
Osmuros,osfossos,aspaliçadasassinalavamo limiar entre “nós” e “eles”, entre ordem ecaos,pazeguerra:osinimigoserammantidosdo outro lado e não podiam se aproximar.(BAUMAN,2009:61)
86
Seráqueafavelamuradaéumpresídioàcéuaberto,talqualaManhattanapocalíptica da icção cientí ica? Que tipo de urbanização é essa, quereforçaa fragmentaçãourbanados territórios favelizadosdacidadedoRiodeJaneiro?Paraalémdossigni icadossimbólicoseconsequênciasdeordemprática,omuroéamaterializaçãoespacialdasegregaçãodasfavelascariocas.Omuroconcretiza isicamenteabarreirapsicológicaquedivideoasfaltodomorro.
87
http://www.caiman.de/05_09/art_1/Mauerbau-Favela-Santa-Marta.jpg
89
ASSISTA O VÍDEO 3 EM:https://www.youtube.com/watch?v=JnLaa9aJdqM&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA&index=3
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IVUNIDADEDEPOLÍCIAPACIFICADORANOCOMPLEXODAMARÉEBRAZIL
Seaessênciadopoderéefetividadedocomando,entãonãohámaiorpoderdoqueaqueleemergentedocanodeumaarma,eseriadi ícildizeremquemedidaaordemdadaporumpolicialédiferentedaqueladadaporumpistoleiro.
HannahArendt,1969
Nodia31/03/2014,àsvésperasdaCopadoMundonoBrasil,oComplexodaMaréfoiocupadopor forçasmilitaresdoExércitoedaPolícia. ParaoEstadoeparaagrandemídia,éapenasoiníciodoprocessode“paci icação”desteterritório,pontapéincialdainstalaçãodaUnidadedePolíciaPaci icadoranolocal.Paraomorador,estadodesítio.Paci icaçãooumilitarização?NaperspectivadosmoradoresdaMaré,oclimaédetensão:comachegadadastropas,ocotidianofoimilitarizado.Revistasabusivaseinvasõesdedomicíliofazempartedarotina.Dentrodoslimitesdocomplexodefavelas,vive-seumestadodeexceção,talqualnocenárioapocalípticodo ilmeBrazil:
Muitaspessoassãocéticasouincrédulascomrelaçãoaoaumentodavigilânciaedamilitarizaçãonassociedadesmodernas,comsuaalarmantediminuiçãodasliberdadesindividuais.Masum ilmecomoBrazil,deTerryGillian,instauraa experiência de viver em uma sociedade completamente militarizada,fazendo sentir, patica(patetica)mente, de forma quase insuportável paranossossentidos,ohorrordatotalprivaçãodaliberdadeedaindividualidade.(CABRERA,2006:38)
Enquanto isso, do outro lado da barreira acústica que esconde a favela, os turistaschegamaosmilharespelaLinhaVermelha...
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http://exame1.abrilm.com.br/assets/images/2013/6/229168/size_590_Favela_da_Mar%C3%A9.jpg
COMPLEXO DA MARÉ
22°51’21.01”S 43°14’32.60”O
RIO DE JANEIRO
ÁREA 4.268.800 m²POPULAÇÃO 129.770 hab.RENDA PER CAPITA R$ 187,25
A OCUPAÇÃO MILITAR
http://www.ucsgrtv.com/radio/media/k2/items/cache/fc22a1b66ed-7e8dc368c09f8c417e025_XL.jpg
CUSTO:
R$ 1,7 MILHÃOPOR DIA
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Emmeioaumclimadetensãoeexpectativa,osmoradoresdoComplexodaMaré,conjuntodefavelasqueéocupadopeloExércitonestesábadonoRiodeJaneiro,queremevitaroqueclassi icamcomo“erroseexcessos”cometidosemoperaçõessemelhantesnopassado.Alémdedenunciarabusos,elessemostramcontráriosàmilitarizaçãodocotidianonaregião,que icarásobcontroledasForçasArmadaspornomínimoquatromeses.(...)”Saiaforçadotrá icoechegaaforçadoEstado,ecomovamosregularizarafavela?NãocabeaoExércitoouàUPPdizersevaiterbailefunkounão,invadirascasasdaspessoascomosenãotivessemdireitos,mudarasregrasdosmototáxis.Elesnãopoderãodecidiressascoisassozinhos,decimaparabaixo”,complementa.42
GARANTIADELEIEDAORDEM(GLO):ESTADODEEXCEÇÃOPARAAFAVELA
No aniversário de 50 anos do Golpe Militar no Brasil, o Exército vai novamente àsruascontraapopulação:aGarantiadeLeiedaOrdem(GLO),baixadaporumdecretopresidencial, confere ao Exércitoo poderde efetuarprisões e invadir residências naocupaçãodoComplexodaMaré.Assiméinstauradoumestadodeexceçãoquevigoraapenasnoterritóriodafavela;umapequena‘ditaduramilitar,’aondeoEstadoMaiordoExércitointerferediretamentenocotidianodosmoradoresdaMaré.
‘OCUPARAMARÉNÃOSERÁDIFÍCIL’
PelaGLO(GarantiadaLeieOrdem),podemospatrulhar,fazerrevistaseefetuarprisões.Na épocadoAlemão, conseguimosummandadodebusca coletivo, o quepermitiuqueentrássemosemqualquercasa.(...)Naminhaépoca,não icouummetroquadradosemserrevistado.43(GeneralFernandoJoséSardenberg)
42InMoradoresqueremevitarmilitarizaçãodocotidianonaMaré,emBBCBrasil.Publi-cadoem05/04/2014.Acessadoem30/05/2014:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140405_militarizacao_mare_jp.shtml?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter43InOcuparaMarénãoserádi ícil,publicadanodia25/03/2014nojornalOGlobo.Página11.
h p://wscdn.bbc.co.uk/worldservice/assets/images/2014/04/05/140405130218_ocupacao_mare_exercito_624x351_ap.jpg
h p://wscdn.bbc.co.uk/worldservice/assets/images/2014/04/06/140406121025_ocupacao_da_mare_624x351_reuters.jpg
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BRAZIL OFILME(1985)
Títulooriginal:BrazilDireção:TerriGilliamPaís:ReinoUnidoProdução:ArnonMilchanDuração:132minutosCor:coloridoRoteiro:TerriGilliam,TomStoppardeCharlesMcKeownEm um país extremamente autoritário e burocrático, um funcionário público deascendênciaabastadachamadoSamLowry(JonathanPryce)sevêobcecadoporumamulhermisteriosaqueapareceemseussonhos.Apartirdessaquimera,elecomeçaaquestionarasuaexistênciaalienadaedesinteressante,sevoltandocontraostatusquototalitário no qual ele sempre fora privilegiado.Mais do que escapismo, o delírio deSamcomeçaafazersentidoquandoeledescobrequeapessoaquevêemseussonhosé,narealidade,umamilitanteforagida:JillLayton(KimGreist),acusadadeterrorismo,viveclandestinamentenaáreamaispobredacidade.Anada fácil lutadeJill contraosistemaocorreemumasociedadeamplamentemilitarizada,naqualapolíciaeoexércitotêmpoderesdescomunaiseumaltograudesadismo.Nestecenárioaviolênciaéalgobanal,queexplodeoranoterritóriodapobreza,oranossalõesdahighsociety.Nosmegaconjuntos habitacionais da periferia, o braço armado do Estado invade residências,sequestra, torturaemata;enquanto isso,bombassãodetonadasemshoppingcenterserestaurantesde luxo,habitatpreferidodeumaclassesocialviciadaembanqueteseoperaçõesplásticas.
Descrentescomoprocessodepaci icaçãonoRiodeJaneiro,osmoradoresdoComplexodaMaré,ocupadopelasForçasArmadasdesdeosábado,pressionamopoderpúblicopeloquechamamdeum“novomodelodeUPP”,comajustesdeconduta,de iniçãoderesponsabilidadesemaiorparticipaçãopopularnasdecisõesdacomunidade.
http://soucinemaniaco2. iles.wordpress.com/2011/07/b00008wq62_02_lzzzzzzz.jpg
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Frenteaosexcessosdastropasmilitares,asliderançasdas16favelasqueformamoComplexodaMaré,capitaneadaspelaRedesdeDesenvolvimentodaMaré, emitiram ummanifesto em repúdio à ação do Exército e daPolícia no processo de ocupação das favelas. Além disto, uma cartilhafoidistribuídaparamoradoresemilitares,comorientaçõesparaqueacondutadentrodafavelarespeiteosdireitoshumanoseconstitucionaisdapopulação.*
Trechodo“ManifestocontraainvasãomilitarnasfavelasdaMaré”
Expressamospublicamenteonossototalrepúdioà“ocupação”militarnasfavelasdaMaré.(...)
É visível que quem usa tanques de guerra contra a sua própriapopulação não busca diálogo, aindamenos participação e tampoucoestápreocupadocomosnossosdireitos.O tanqueapontadoparanósé uma violação mais do que somente de direitos, é uma violação aqualquer ideia deEstado democrático de direito. A ocupaçãomilitarnem começou e o projeto já faliu pelo que é:mais umataque brutalmilitarcontraterritóriospopularesurbanos.(...)
Que partidos são esses que declaram a guerra contra nós cidadãos?QueEstadoéessequepreferesearmarcadavezmais,atacarcommaisviolênciaosseuscidadãos?(...)
Há 50 anos do golpemilitar émais do que preocupante a promoçãomidiáticadousodoexércitoparaoprimir.Emvezdemelhoraroquenasfavelas já construímos, continuamvindo para destruir,para remover,paratorturareparamatar.
NãodeixemosdelutarporumaMaréeumRiosemopressãoeviolência.Chegadeapontaremsuasarmasparanós!
Nãoà“ocupação”militardaMaréedequalquerterritóriopopular!
Nãoàstorturaseàsmortesnasfavelas!
RiodeJaneiro,05deabril2014(Conteúdocompletoemmarevive.wordpress.com)
*MaterialgentilmentecedidoporPatriciaVianna,daRedesdeDesenvolvimentodaMaré.Acesseositehttp://redesdamare.org.br/
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JOGO DA MEMÓRIA COPIE, RECORTE E FORME OS PARES COM AS IMAGENS DA PÁGINA AO LADO!
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JOGO DA MEMÓRIA COPIE, RECORTE E FORME OS PARES COM AS IMAGENS DA PÁGINA AO LADO!
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A MARÉ E OS MAPASO ESTADO
http://img.estadao.com.br/fotos/E2/FF/DB/XE2FFDBF3F84649F985073FA614DE054D.jpg (JornalOGlobo-31/03/2014-PrimeiroCaderno-Pág.10)
Não há conhecimento que não seja poder. Ralph Waldo Emerson, 1803-1882
(JornalOGlobo-26/03/2014-PrimeiroCaderno-Pág.13)
MAPA É CONHECIMENTO; FERRAMENTA DE DOMINAÇÃO MILITAR DE UM TERRITÓRIO INIMIGO EM UMA ZONA DE GUERRA
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Jamais se viu antes, nos grandes jornais (em especial n’OGlobo e na Folha de São Paulo), tamanha profusão demapas: alguns apenas com a localização dos “territóriosa serem reconquistados” pelo Estado, outros com umacompanhamento da geogra ia do avanço das “forças daordem”,eassimsegue.(InQualseriaosignificadodasUPPs,nocontextodageopolíticaurbanaemcurso,equeenvolvediferentesaspectos?,porMarceloLopesdeSouza.Publicadonodia03/12/2010noblogPassaPalavra.Acessadonodia28/06/2014.http://passapalavra.info/2010/12/32598)
Forças Armadas ocupam a Maré amanhã com 2.700 militares de tropas de eliteCONHEÇA OS DETALHES DA OPERAÇÃO
A MARÉ E OS MAPASA MÍDIA HEGEMÔNICA
(Jornal O Globo - 04/04/2014 - Primeiro Caderno - Pág. 10)
ESPETACULARIZAÇÃO DAS AÇÕES MILITARES NA FAVELA
APRESENTAÇÃO DOS TERRITÓRIOS CONQUISTADOS AOS ESPECTADORES
E O PONTO DE VISTA DO MORADOR NESTAS REPRESENTAÇÕES CARTOGRÁFICAS?
100
ENTRE OS PRINCIPAIS RELATOS ESTÃO ABORDAGENS REPETIDAS, MANDADOS COLETIVOS DE APREENSÃO, ARROMBAMENTOS DE CARROS E ASSÉDIO SEXUAL. A MAIORIA DAS VIOLAÇÕES, RELATAM OS MORADORES, OCORRE À NOITE, QUANDO HÁ POUCA GENTE NA RUA. HÁ CASOS, TAMBÉM, DE TAPAS NA CARA, INTIMIDAÇÕES E ENTRADAS NOS DOMICÍLIOS NA AUSÊNCIA DOS MORADORES, POR MEIO DA ‘CHAVE MESTRA’.
“DEPOIS DAS 22 HORAS A SITUAÇÃO PIORA E AS PESSOAS COMEÇAM A SE RECOLHER. SE A GENTE APARECE NA JANELA, XINGAM: ‘SAI DAÍ FILHA DA PUTA, ENTRA!’ HÁ VIOLAÇÕES DE DOMICÍLIOS, PEGAM DINHEIRO, PEGAM DROGAS”, DENUNCIA GILMAR CUNHA, MORADOR DA MARÉ. **
**(InTatianaMerlino:FantasmadoinimigointernoassombraaMaréemViomun-do.Publicadoem22/05/2014.Acessadoem01/07/2014.http://www.viomundo.com.br/denuncias/tatiana-merlino-fantasma-do-inimigo-interno-assombra-a--ocupacao-da-mare-a-terra-de-marlboro.html)
*(In Moradores da Maré denunciam abusos durante abordagens policiais. Portal Agência Brasil EBC. Publicado em 26/03/2014. Acessado em 05/06/2014.http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-03/moradores-da-mare-denunciam-truculencia-policial-durante-abordagens)
“LEVARAM UMA TELEVISÃO DE 32 POLEGADAS DE UMA SENHORA. ESTRAGARAM A FECHADURA DA MINHA PORTA.” (...) CONTOU UM MORADOR QUE SE IDENTIFICOU COMO JOÃO E DISSE TRABALHAR COMO PEDREIRO. *
MAPA DE CONFLITOS MILITARES x MORADORES
Observação: este mapa foi construído a partir do material jornalístico coletado e das ocorrências relatadas por moradores na página Maré Vive, na rede social Facebook. https://www.facebook.com/Marevive?fref=ts
6
10
2
7
9
1112
1
16 8
12
1010
1010
10
4 17
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1414
1313 3
5519
18
101
JornalOGlobo-PrimeiroCaderno-Página8-07/04/2014
http://og.infg.com.br/in/12178845-de7-37d/FT1086A/mare.jpg
JornalFolhadeSãoPaulo-Cotidiano-06/04/2014
JornalFolhadeSãoPaulo-Cotidiano-12/04/2014
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/06/09/moradores-entram-em-confronto-com-militares-na-mare-no-rio-durante-festa.htm
PortalUOL-09/06/2014
JornalODia-26/05/2014
1.Revistaeagressãoamoradores.04/03/2014
2.Homemde81anos,quetevesuacasainvadida,épreso.30/03/2014
3.Agressãoamoradoresmenoresdeidade.31/03/2014
4.Policialameaçaatiraremmorador.06/04/2014
5.Protestoecon litopelaomissãodasforçasmilitaresnoespancamentodeCláudioBrumdosReis,22anos,poroutrosmoradores.OExércitodisparou3tirosparaoaltoelançouspraydepimentanosmoradores.06/04/2014
6.Jovemdetidosemmandatoou lagrante.06/04/2014
7.Agressãoeprisãodemoradorconsiderado“suspeito”.10/04/2014
8.Bombasdegáslacrimogênioetirosdisparadosduranteaprisãodeummorador.10/04/2014
9.JeffersonRodriguesdaSilva,de18anos.12/04/2014
10.Protesto econ litopelamortedeJeffersonRodriguesdaSilva,de18anos.2pessoasdetidas.12/04/2014
11.TeresinhaJustinodaSilva,de67anos.14/04/2014
12.Extorsãoamoto-taxistas.21/05/2014
13.Protestoecon litocomoExércitoporrevistatruculentaaummoradorqueestavaemumbardolocal.Foramdisparadostirosparaoaltoespraydepimentasobreosmoradores.26/05/2014
14.Protestoecon litocomoExércitopeloencerramentoarbitráriodeumafestanolocal.Foramdisparadostirosparaoaltoespraydepimentasobreosmoradores.09/06/2014
15.Exércitoatacapopulaçãoapós jogodoBrasil: foramdisparados tirosparaoalto,alémdetirosdebaladeborracha,gáslacrimogênioespraydepimentasobreosmoradores.13/06/2014
16.Protestocontraaviolênciadaocupaçãomilitar-policial.28/06/2014
17.Invasãodomiciliar.30/06/2014
18.Agressãoamoradores.09/07/2014
19.Revistatruculenta.12/07/2014.
102
O que signi ica a militarização do Complexo da Maré para a questãourbanadoRiodeJaneiro?Quaisserãoosdesdobramentosfuturosparaacidade,naperspectivadafavelacomooterritórioinimigoaserdominadode forma violenta pelo Estado? A semelhança da operação militar nafavela como cenário apocalípticodeBrazil permitequestionar se estetipode“paci icação”,naqualosfuzisfalammaisaltoqueasaçõessociaiseurbanasestruturantes,vaipermitiraemancipaçãodosmoradoresdasáreasfavelizadascomocidadãosplenosemseudireitoàcidade.
103
http://noticias.uol.com.br/album/2014/03/26/exercito-busca-ar-mas-enterradas-por-tra icantes-do-rio-de-janeiro.htm#fotoNav=146
105
ASSISTA O VÍDEO 4 EM:https://www.youtube.com/watch?v=CuEOcGAY7Ag&index=2&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA
107
VCÂMERASDEVIGILÂNCIANAROCINHAE1984
Meudestino,dizomestredoPanóptico,estáligadoaodeles(aodosdetentos)portodososlaçosquepudeinventar.
JeremyBentham,1802
Nolivro1984,escritoem1948porGeorgeOrwell,asiglaB.B.serefereaoBigBrother,oGrandeIrmão,ditadordaOceania–umEstadototalitárioquevigiava24horaspordiaosseusoprimidoscidadãos.UmgrandeclássicoliteráriodoséculoXX,estelivroéumaalegoriaàperdadaliberdadedohomemmoderno,coroandooBigBrothercomouma“metáfora-chaveparaavigilância,pelomenosnomundoocidental”(BAUMAN,2013:17).Nestesentido,opróprioautoréumícone, jáque“otermo ‘orwelliano’ tornou-sesinônimode iscalização,controlee invasãodeprivacidadenavidadosindivíduospeloEstado”(SILVA,2013:11).Seacrescentarmosum“B”àmesmasiglaB.B.,estamosagoranosreferindoaoBigBrotherBrasil,umprogramadetelevisãonoqual,aocontráriodolivro,“aspessoasquerementrarnacasaparaseremvigiadas”44.Incentivadapelosrealityshowsdatelevisão,abuscapelaexposiçãonomundocontemporâneopodenaturalizara existência de câmeras no espaço público e privado? Pode facilitar a aceitação destas pelapopulação?OfatoéqueosistemadecâmerasdevigilânciainstaladonaFaveladaRocinhatemsidoassociadoàideiadoBBB.Querdarumaespiadinha?
Ninguém entra hoje na Rocinha sem passar pelos vigias. As 80 câmeras foraminstaladas em todos os acessos e nos principais pontos da comunidade.(...) É umreforçocomumavisãoprivilegiada.Algumasdascâmerasgiram360grausepodemregistrar,emdetalhes,oqueacontecea300metrosdedistância.Atémesmoànoite,comoinfravermelho.TodasasimagenssãomonitoradasemtemporealnocentrodecontrolemontadodentrodaRocinha.Quandoumaatitudesuspeitaéidenti icada,acentralmandaopolicialqueestámaispróximochecar.45
44 In Modelo panóptico prega o poder por meio da vigilância total do homem, publicado em Globo Ciência no dia 10/03/2012. Acessado em 13/04/2014. http://redeglobo.globo.com/globociencia/noticia/2012/03/modelo-panoptico-prega-o-poder-por-meio-da-vigilancia-total-do-homem.html45 In Câmeras de segurança começam a monitorar a Rocinha (RJ), publicado em 08/01/2013 no Portal G1. Acessado em 20/06/2014. http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/01/cameras-de-seguranca-comecam-monitorar-favela-da-rocinha-rj.html
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FAVELA DA ROCINHA
22°59’30.92”S 43°15’02.32”O
RIO DE JANEIRO
ÁREA 887.587 m²POPULAÇÃO 71.085 hab.RENDA PER CAPITA R$ 220,00
AS CÂMERAS
h p://4.bp.blogspot.com/_BV-VczVbTuI/SsNxYb5pCtI/AAAAAAAAO5g/y5mK0hS-0T0/s1600/favela-rj-m-29092009.jpg
CUSTO:
R$ 98 MILPOR MÊS
http://i.ytimg.com/vi/EeP3ErTjc9U/0.jpg
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AinstalaçãodascâmerasdevigilânciaedocentrodecontrolenaRocinhaocorreuemmaiode2013,algunsmesesapósainstalaçãodaUPPnafavela.Oquedifereestesistemade vídeo dos outros é que, enquanto amaioria das câmeras instaladas pelo EstadonosespaçospúblicosdoRiodeJaneiroestáatreladaaomonitoramentodotrânsito,ascâmerasparaafavelaseprestamexclusivamenteàpolíticadesegurançapública,jáquesãocontroladasporpoliciaismilitareseestãoconectadasdiretamentecomasededaUPP.Nessaperspectiva,ascâmerasseapresentamcomomaisumarti ícionacontençãoda criminalidade atribuída ao território da favela. O criador do “BBB da Rocinha”,majorEdsonSantos–comandantedaUPPlocal–deixaclaraaintençãode“ortopediasocial” (FOUCAULT, 1997) aplicada à população favelada: “Com elas, aumentamos avigilância. Quem está envolvido comcoisas erradasmuda de comportamento. Por isso,as ocorrências diminuíram.” 46A vigilânciadas câmeras na favela considera todos osindíviduosmonitoradoscomoinfratoresempotencial,formatandoseuscorposementesaumestadodedisciplinaque tragaconfortoà sociedade insegura.O favelado, “bodeexpiatório”daviolênciaurbana,éodealtapericulosidade, aquemsedevemonitorarparaprevenirqueopotencialcriminososemanifestenaformadedelito:
Daíoefeitomaisimportantedopan-óptico:induzirnodetentoumestadoconsciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamentoautomático do poder.(...) pois o essencial é que ele se saiba vigiado.(...)Visível:semcessarodetentoterádiantedosolhosaaltasilhuetadatorrecentraldeondeéespionado. Inveri icável:odetentonuncadevesaberseestá sendo observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo.(FOUCAULT,1999:166)
Antesdaexistênciadossistemasinternosdevídeo,aideiadepan-ópticoseexpressavainteiramente no ambiente construído. Com o advento das câmeras de vigilância, osespaços disciplinadores icaram mais lexíveis e abrangentes, não se limitando àsprisões,hospíciosouconventos,reforçandoaideiadeque“opan-ópticoestávivoebemdesaúde,naverdade,armadodemúsculos(eletronicamentereforçados,‘ciborguizados’)tãopoderososqueBentham,oumesmoFoucault,nãoconseguirianemtentariaimagina-lo”(BAUMAN,2013:58).Assimseconstróinavidarealummodelodevigilânciasocialmuitosemelhanteaoquefoidescritona icçãocientí icacomoumcenárioapocalípticodecidade–“umaespéciedeciberpanopticismoqueprogramaedirigeocotidianosocial,apartirdenovascentralidadescriadaspelastecnologiasdevigilânciaecontrole.”(BARBOSA,2013:198)46 In BBB da favela da Rocinha, no Rio, monitora moradores 24 horas. Publicado na Folha de São Paulo, 11/05/2013. Acessado em 20/03/2014. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/05/1277131-bbb-da-favela-da-rocinha-monitora-moradores-24-horas.shtml
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1984(1956)
Títulooriginal:1984Direção:MichaelAndersonPaís:ReinoUnidoProdução:N.PeterRathvonDuração:90minutosCor:pretoebrancoRoteiro:RalphGilbertBettisoneWilliamTempleton
O livro 1984 ganhou duas versões cinematográ icas – uma em 1956 eoutraem1984.Aabordagementreasduasdifereconformeocontextonaqualforamproduzidas,jáque“comomesmoconteúdonarrativo,cadaversãoexpressao“espíritodeépoca”.Nosanosde1950enosde1980,opoderdecontroledoEstadoeasubmersãodoindivíduonumasociedadecontrolada.”(SILVA,2013:9)
Independentedaversão ílmica,ocenárioapocalípticodescritono1984dastelasnãodiferedolivronaconstruçãodeumametáforacrueldasforçasqueameaçamaliberdadehumana,principalmentenoquedizrespeitoàvigilância,em“ummundoempobrecido,totalitárioesadísticodoqualnãohá comoescapar.” (CARDOSO,2003:56)A supressão totalda liberdadee da privacidade pautava um país chamado Oceania, lugar no qual opróprioatodepensareraumcrimegravíssimo.EmumEstadototalitáriocontroladopelopartidoIngSoc,aOceaniaviviaemguerraconstantecomasoutrasduaspotênciasmundias:EurásiaeLestásia. OlídersupremoeraoGrande Irmão(do inglêsBigBrother),aquemapopulaçãodeviaobediênciaeadoraçãosemmedida.OsolhoseouvidosdoGrandeIrmãoeram onipresentes no cotidiano: os cidadãos eram vigiados em suascasas, no trabalho, nas ruas, fábricas e refeitórios pela Teletela. Alémdafunçãodeumtelevisorcomum,aTeletelapermitiaqueoespectadorpudesse ser visto e ouvidopelosdirigentesdopartido.OprotagonistadatramaéWinstonSmith,ummembrodebaixoescalãodoIngSoc,quetrabalhavanafalsi icaçãodejornais,livrosedocumentos.Destaforma,ainformaçãoera“atualizada”,a imdequeelafossesemprefavorávelaoregime,apagandoqualquervestígioprejudicialaosdesígniosdoEstado.Cadavezmaisdeprimidocomamisériadasuaexistência,Smithresolvebuscarsecretamentemeiosdeburlarosistema,mesmosendovigiadoemsuaprópriacasa.ApartirdeentãoeleconheceJulia,tambémmembrodopartido,queofazdescobrirnovasideiassubversivas.
h p://4.bp.blogspot.com/_2UG5K6oTroQ/TN4VmDjGukI/AAAAAAAAG44/KQjs85aTRX4/s1600/1984_movie_poster.jpg
h p://www.impawards.com/1956/posters/nineteen_eighty_four_xlg.jpg
1984 (1984)
Título original: 1984Direção: Michael RadfordPaís: Reino UnidoProdução: Simon PerryDuração: 110 minutosCor: coloridoRoteiro: Michael Radford
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OLOCALMAISVIGIADODOMUNDO?
Temosumacâmeraparacada860habitantes.Antes,Londreseraacidademaisvigiada,comumacâmeraparacada862habitantes,masagorasomosnós. 47(NeyfsonBorges,subcomandantedaUnidadedePolíciaPaci icadoradaRocinha)
47InAmaiorfaveladoRiomaisvigiadaqueLondres,15/01/2013.Acessadoem18/06/2014.http://dialogo-americas.com/pt/articles/rmisa/features/technology/2013/01/15/feature-ex-3828
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SORRIAM,MORADORES:OBIGBROTHERESTÁOBSERVANDOVOCÊS!
Outromoradorvigiado24horaspordiaéseuJoséGomes.Donodeumapequenabiroscana rua2, é avisado dequeas lentes da segurançapública estãoapontadaspara o seuestabelecimento.‘Sabiaqueestavam ilmandoaqui,maséessaacâmeramesmo?Achoqueparaeles(policiais)ébom,né’,disse.Há43anosnaRocinha,seuJosétambémestranhaomonitoramentoconstante,quechamade‘umpoucodeinvasão’.48
48InRJ:Rocinhaévigiadapor80câmeras24horaspordia,publicadoem10/01/2013noPortalTerra.Acessadoem17/06/2014.http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/rj-rocinha-e-vigiada-por-80-cameras-24-horas-por-dia,b0440d8f3952c310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html
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Separaasautoridadesafavelaéoterritóriodacriminalidade,ofaveladoésempresuspeitoaosolhoseletrônicosdoBigBrotherdaRocinha.Seestaéaperspectivadequemvigia,atéquepontoascâmerasnosespaçospúblicosdafavelaseprestamàsegurançadapopulação?EoAmarildoDiasdeSouza,ajudantedepedreiroemoradorlocal,desaparecidodesde14/07/2013?Cadê?Asinfalíveiscâmerasnãoforamcapazesderesponderaestapergunta.Eporqueseriam,seosvigilantesportrásdascâmerassãoPoliciaisMilitaresdaUPPdaRocinha,colegasdebatalhãodosprincipaissuspeitosdodesaparecimento?Comodizasabedoriapopular,àsvezesascâmerasmentem.Ouascâmerassóvêemoquequer?
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h p://download.rj.gov.br/imagens/14/00/51/1400519.jpg
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ASSISTA O VÍDEO 5 EM:https://www.youtube.com/watch?v=2KDv1vza-U4&feature=youtu.be
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VIREMOÇÃODAFAVELADATELERJEROBOCOPIII
Assimdiziaapetição/‘dentrodedezdiasqueroafavelavazia/eosbarracostodosnochão’
AdoniranBarbosa-DespejonaFavela,1980
AmeteóricaocupaçãodaFaveladaTelerj,nobairrodoEngenhoNovo,émaisumcapítulodalutapelahabitaçãopopularnacidadedoRiodeJaneiro–umadisputadesigualentreasforçasdocapitaleapopulaçãosem-tetopelosterrenosurbanos.Tãorápidaquantoa chegadadosquase5.000moradoresno terreno,nodia31demarçode2014, foiaoperaçãoderemoção,executadapormaisde1.500policiais fortemente armados, nodia11deabrilde2014.Em12diasdeexistênciadafavela,foipossívelobservarumaaçãoordeiradeassentamentonoterrenoocioso,organizadaviaredessociais:empoucotempo e commuita dedicação osbarracos já estavampraticamente depé. Enquantoisso,oEstadosefechouaodiálogoe,comoapoiodamídiahegemônica,criminalizouomovimentopopularpormoradia(segundooprefeitoEduardoPaes,“Pobrequeépobre,queprecisadecasa,não icademarcando,nãoaparececommadeiritesmarcandonúmero”49).Por im,aarbitrariedadedo judiciáriocontraa legitimidadedaocupaçãoeaaçãocovardedas forçaspoliciaisreintegrouapossedeumimóvelabandonadopelaUniãoepelaempresaOi.Alegitimidadedaocupaçãosebaseianodireitoàmoradiapopularcoletiva em um terreno de 50mil metros quadrados sem qualquer função social. OsurgimentodaFaveladaTelerjéumarespostaàdemandaporhabitaçãosocialmelhorlocalizadae integradaàmalhaurbana, jáqueosprogramasdeassistênciaàmoradia,comooMinhaCasaMinhaVida,seconcentramnaZonaOeste,distantesdaáreacentraldacidade.Porém,asoluçãodasautoridadesàquestãodahabitaçãofoiviolenta:umareintegraçãodeposseaqualquercusto,emnomedeumatallegalidadedeformadaesemperspectivadejustiçasocial.No ilmeRoboCopIII,osonhodasautoridadesdeconstruira cidade-empresaDelta City começa comas forças policiais “varrendo” ospobresdeDetroit. Neste cenário apocalíptico, o juízo inal vem em forma de limpeza urbana-humana.
49 In Favela da Telerj: Paes defende desocupação, jornal O Globo, 10/04/2014, Primeiro Caderno, pág. 10
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FAVELA DA TELERJ
22°53’53.84”S 43°15’54.61”O
RIO DE JANEIRO
ÁREA ~ 50.000 m²POPULAÇÃO ~ 5.000 hab.RENDA PER CAPITA desconhecida
A REMOÇÃO
http://www.alfavita.gr/sites/default/ iles/u47/1374802_309849909168578_2285782033302413189_n.jpg
http://og.infg.com.br/in/12116961-885-065/FT1500A/550/favela-telerj.jpg
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— Esse prédio estava há oito anos abandonado. Era umacracolândia.Limpamostudo.Precisamosdecasa.OgovernotemdinheiroparabancaraCopa,masnãotemparadarabrigoaquemprecisa.MoravanoJacarezinho,ondeteriaquepagaralugueldeR$450—disseKarolineCristieBarros,de22anos50
Com enxada nas mãos e capinando o lugar onde erguerá seufuturobarraco,adonadecasaAnaPauladeCastro,de26anos,dissequeagoratemaesperançadeerguerumacasaparacriarostrês ilhos:—Morocomminhamãeemeus ilhos.Pagoaluguelcaroeagoravouterminhacasa.51
50InAutoridadesaindatentamsaídaamigável;publicadoemOGlobo,09/04/2014.PrimeiroCaderno,página1151InAgênesedeumafavela;jornalOGlobo,04/04/2014;PrimeiroCaderno,página9
h p://fotospublicas.s3.amazonaws.com/fi les/2014/04/terreno-oi-RJ201404080011-1024x681.jpg
h p://fotospublicas.s3.amazonaws.com/fi les/2014/04/terreno-oi-RJ201404080019-1024x681.jpg
http://rioonwatch.org/wp-content/uploads/2014/04/10001333_296773910480761_1244736020906612785_n.jpg
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ROBOCOP3 1993
Títulooriginal:Robocop3Direção:FredDekkerPaís:EstadosUnidosProdução:AndrewEatonDuração:104minutosCor:coloridoRoteiro:FrankMillereFredDekker
Imagineumcenáriourbanodepuraviolência,controladoporpoderosascorporações,onde protótipos de policiais-ciborgues, bandos errantes de punks, yuppies amorais ecrimeorganizadocolidememmeioaocaos,enquantoqueos cidadãosditosnormaisse alienamconsumindoo espetáculo apelativo dos telejornais edas propagandas datelevisão. Essa é a Detroit apocalíptica da trilogiaRoboCop, cidade que, na vida real,agonizaemmeioaoabandonoapósodeclíniodaindústriaautomobilísticaamericana.O inícioda série: opolicialAlexMurphyébrutalmente assassinadoporumagangueduranteumaocorrência;osseusrestosmortaissãousadosnafabricaçãodoprotótipoRoboCop – um policial-ciborgue indestrutível e de alta e iciência, desenvolvido peloconglomerado empresarial OCP (Omni Produtos de Consumo). O ciborgue, capaz decombaterocrime24horaspordia,épropriedadedaOCP,assimcomoapolíciadeDetroit,que fora privatizada. Usando a violência urbana como desculpa, a mega-corporaçãoplanejademolirasáreasdegradadasda“velhaDetroit”paraconstruirDeltaCity,umacidade-empresa governada pela própria OCP. Emmeio aos con litos que envolvem a“requali icação”dacidade,RoboCopseguecombatendoocrime,atéomomentoqueoseuladohumanodespertaeentraemcon litocomasordensdaOCPprogramadasemseucérebroeletrônico.Nestemomento,asaçõesdociborguepassampeloarbítriodasemoçõesedapersonalidadedeMurphy,queapartirdeentãobuscaaverdadesobreoseuassassinatoesobreasintençõesdaOCP.EmRoboCop III, a OCP, à beira da falência, é vendida para o conglomerado japonêsKanemitsu Corporation, que promete inalmente iniciar a construção de Delta City.Paraisso,planejaremoverosmoradoresdeumaáreapobreconhecidacomoCadillacHeights,na“VelhaDetroit”.Paracumpriraordemdedespejo, aOCPenviauma forçamilitar denominada Reabilitadores Urbanos, sob o comando do inescrupuloso PaulMcDaggett (JohnCastle), que conduza operaçãode remoção comextremaviolência;dentremortoseferidos,partedosmoradoressobreviventessãolevadosdeônibusparalongedali,enquantoqueamaioriaseescondenossubterrâneosdeDetroit,formandouma resistência armadaàs remoções. Frente àbrutalidadeda açãodaOCP,RoboCop(RobertJohnBurke)serebela,juntando-seaoantigosmoradoresdeCadillacHeightsnabatalhacontraosReabilitadoresUrbanos.
http://www.impawards.com/1993/robocop_three_ver3_xlg.html
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“ORoboCopdogovernoéfrio/nãosentepena,sóódio/ericomoahiena”
RacionaisMC’s-Diáriodeumdetento,1997
Íconepopdesdeadécadade80,RoboCopinegavelmentefazpartedoimagináriocoletivocontemporâneo, sendo associado principalmente à metáfora da desumanização dospoliciais.Umexemplodaapropriaçãosimbólicadopersonagem foinamanchete“Rioterá ‘RoboCop’contraBlackBlocs”,capado jornalOGlobododia27/02/2014,que fazreferênciaànovaarmaduradatropadechoquecontraapopulaçãoinsurgente.Paraalémdosmanifestantes,oequipamentotambémfoiutilizadocontraapopulaçãonaremoçãodaFaveladaTelerj,jáqueamesmatropadechoqueque“executapessoassumariamentenas favelas e realiza despejos jogandobombas degás nosmoradores, entrou e saiudecenaaolongodasmanifestações,lembrandoque,nopaísprósperoefeliz,alinguagemdaviolênciaaindaéparteimportantíssimadoléxicopolítico.”(ROLNIK,2013:10)
JornalOGlobo-27/02/2014-Capa
http://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2014/04/PM-e1397300879518.jpg
‘ROBOCOP’ TA M B É M CONTRA A POPULAÇÃO SEM- TETO
124
- Quando a polícia chegou, estávamos dormindo. Todos saíramem paz, caminhando devagar rumo ao portão. Eles (os policiais)chegaramjogandobombasdegásdepimenta.Viumamulhercomduas crianças desmaiarem com a fumaça. Eu só queria uma casaparamorar.52(EduardoCaxias,26anos)
52 In Invasão como saída para ter ‘barraco próprio’, publicado em O Globo no dia 12/04/2014. Primeiro Caderno, página 18
125
-Papai,praondeelesvãonoslevar?53
53Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:04:47)
http://www.pstu.org.br/sites/default/ iles/imagens/imagem_desocupacao.jpg
http://jornalggn.com.br/sites/default/ iles/u16/favela-da-oi.jpg
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Assimquechegaram,as tropascercaramoterreno,de50milmetrosquadradosocupados por barracos de madeira, e, às 5h50m, com a ajuda de umaretroescavadeira, quebraram uma parede dos fundos. (...)— Os PMs chegaramfalandoejogandospraydepimentaemandandotodomundosair.Nóssentamosno chãoe começamosa conversar,mas não houve jeito, começoua confusão. 54
(ThaynaraSouzadosSantos,18anos)
54InInvasãocomosaídaparater‘barracopróprio’,publicadoemOGlobonodia12/04/2014.PrimeiroCaderno,página18
127
-EssalocalidadeépropriedadedaOmniConsumerProducts!55
55Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:04:02)
www.netpapers.com/capa-do-jornal/o-globo/29-03-2013
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-Nós ainda falamos: “Não empurra! Não joga spray de pimenta!Olha as crianças aí!”. Mas isso não os comoveu. Havia muitascriançasajudandoasmães,paravocêterideia.Aspessoas icaramdesesperadas, choravam. Eu mesma fui acordada com pontapés,sendotratadacomoumanimal.Nósviemosparacá,porqueoaluguelnafavela icoumuitocaro.Éamesmasituaçãodetodosaqui.Agentenãopodepagaraluguele icarsemcomidaparaalimentarnossosilhos.Sóqueríamosumtetoparavivercomumpingodedignidade,masnemaissonóstemosdireito.Minha ilhaestádesempregada.Odinheirodarecisãodela,nósusamosparacomprarmadeiraemontarnossobarraco.Essescaras[PMs]estãojogandobombasemcriançasnomeiodarua.Natelevisão,estãodizendoqueestátudotranquilo,masnãotemnadatranquilo.(CéliaRegina,63anos)56
56 In Favela da Telerj: ’Não queremos Copa, queremos casa!’, publicado em A Nova Democracia, Ano XII, nº 129, 2ª quinzena de Abril de 2014. Acessado em 15/06/2014. http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa
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-Nãoacreditemneles!Vãonos jogarnaruapramorrermoscomoratos!Nazistas ilhos-da-mãe!57
57Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:04:54)
http://arquivos.tribunadonorte.com.br/fotos/140949.jpg
http://arquivos.tribunadonorte.com.br/fotos/140949.jpg
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ApesardoataquecovardedastropasderepressãodovelhoEstado,asmassasnãoabaixaramacabeçae,durantehorasa io,sustentaramumacombativaresistênciapelasruasdobairro. Jovensdas favelaspróximas, como Jacaré, Manguinhos, Dois de Maio, Pica-Pau eRatoMolhado se juntaramaosdesabrigadosdaFaveladaTelerj eengrossaramaresistência.(...)OsPMstiveramquebateremretiradae, em seguida,manifestantes incendiaram o ônibus. Um policial apaisanadisparoutirosdemuniçãoletal.Aoladodele,umcamburãodaPMtambémfoi incendiadopelasmassas.Umhomem icoucegodepoisdeseratingidoporumtirodebaladeborracha.58
58 In Favela da Telerj: ’Não queremos Copa, queremos casa!’, publicado em A Nova Democracia, Ano XII, nº 129, 2ª quinzena de Abril de 2014. Acessado em 15/06/2014. http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa
131
-Fiquemaquielutemporsuascasas!Elessãounsladrõesquerendoroubarnossascasas!59
59Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:05:57)
h p://www.cartacapital.com.br/sociedade/para-quem-o-governo-governa-4449.html/desocupacao-do-terreno-da-oi/@@images/00d59d89-3c05-41c0-86e8-4d8feae80f36.jpeg
h p://rebaixada.org/wp-content/uploads/2014/04/10175985_245502488972534_4292961802686373236_n.jpg
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Nasegunda-feira(14),umacomissãofoirecebidaporrepresentantesdaprefeitura.Segundo um acordo irmado entre as partes, seria feito um cadastramento dasfamílias em suas favelas de origem. No entanto, muitos dos desabrigados nãotêmondemorar,muitomenos faveladeorigem.Alémdisso,algumas liderançascomunitárias não aceitaram o acordo e esvaziaram a maior parte dos ônibus.MuitosserevoltarametentarambloquearotrânsitonaAvenidaPresidenteVargas.A guarda municipal, então, começou um covarde ataque às famílias, atirandobombasdegáslacrimogêneodedentrodoprédiodaprefeitura.60
60InFaveladaTelerj:’NãoqueremosCopa,queremoscasa!’,publicadoemANovaDemocracia,AnoXII,nº129,2ªquinzenadeAbrilde2014.Acessadoem15/06/2014.http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa
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-Os policiais que vocês veem na TV são mercenários da OCP que expulsam aspessoasdesuacasa,ascolocamnarua!Vocêsprecisamacreditar!Eufaloemnomedetodosossem-tetoesem-trabalhoaquidacidadedeDetroit,edetodasascidadesgovernadaspelosporcoscapitalistasquesófazemexploraraspessoas.61
61Diálogodo ilmeRoboCopIII(01:28:23)
h p://extra.globo.com/incoming/12189869-a94-0a4/w640h360-PROP/2014041446076.jpg
134
-Nóssofremosumadasmaioresviolênciasdahistóriadessacidade.Umdosdespejosmaisviolentosdahistóriadopaís.MasnenhumdenósvaiesquecerEduardoPaes.NenhumdenósvaiesquecerPezão.Issovai icarguardadonanossamemóriaparasempre.(homemnãoidenti icado)62
62InFaveladaTelerj:’NãoqueremosCopa,queremoscasa!’,publicadoemANovaDemocracia,AnoXII,nº129,2ªquinzenadeAbrilde2014.Acessadoem15/06/2014.http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa
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-AlgunsprédiosprecisamvirabaixoparaqueDeltaCitysejaconstruída.Eunãopossonegarqueestamosprocedendoàumdespejoououtro.Eháempregosnovosàsuaespera.Sóestamosajudandoemsuatransição,sóisso.Somospolicias,nadamais.63
63Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:02:31)
h p://pavio.net/wp-content/uploads/2014/04/ponto-de-onibus.jpg
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Na icçãocientí ica,odespejodapopulaçãopobreemnomedaconstruçãodeumacidade-empresaconstituiumcenáriodefuturoapocalíptico.Navidareal,aviolentaremoçãodaFaveladaTelerjétratadapelasautoridadesemídiaentusiastacomoumasimplesdesocupaçãodeterreno;comoumaaçãocumpridoradalegalidadeedoordenamentourbano.Porém,ohistóricoderemoçõesdefavelasnacidadedoRiodeJaneirosinalizaainsensibilidadedoEstadonaquestãodahabitaçãopopular,acentuandoaexclusãosocialeurbanadosmoradores,quesevêemcadavezmaisdistantesdoscentrosurbanosedosseuspostosdetrabalho.
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VIICONSIDERAÇÕES FINAIS
Naperspectivadoavançodaspolíticaspúblicasparaasfavelascariocasqueforamexpostasnestetrabalho,teme-sepeloacirramentodadesigualdadeurbanaqueaolongodahistóriasempreseparouomorrodoasfalto.Estereordenamentourbanoexcludente, pautado por medidas que acentuam a segregação e o controle dapopulaçãopobre,émaisumobstáculoaoacessodemocráticodasclassesbaixasàcidade.
No contexto das atuais intervenções urbanísticas contemporâneas no Rio deJaneiro,oque sobrapara os favelados?Opapel demão-de-obrabarata?E para afavela,oqueresta?Sermaisumceleirobaratodereproduçãodaforçadetrabalho?ÉpreocupantequeasaçõesdoEstadoparaosterritóriosfavelizadosnãogarantamaos seusmoradores habitação de qualidade e infraestrutura urbanamínima—principalmente noque diz respeito à e iciência e custo-bene ício dos transportespúblicos,estopimdasrecentesmanifestaçõesnascapitaisbrasileiras.En im,odireitoagozardacidadaniaplenacontinuarestritoaosquepodempagarporela.
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CidadeMaravilhosa:nestegrotescocenáriodenoveladas8,vendidohistericamente aos turistas e principalmente aos cariocas menosinformados, parece que os favelados não serão contemplados nemcomo igurantes;poroutrolado,seencaixariamperfeitamentecomoprotagonistasdeum ilmede icçãocientí icaapocalíptica.Qualseráofuturodafavela,naperspectivasombriadosmuros,UPPs,câmeraseremoçõesemseuterritório?
Portanto,atenção,moradoresdas favelas:emalgum lugardofuturovocêspodemestarvivendocomoemum ilmede icçãocientí ica.Eisourbanismodoapocalipse...
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http://imguol.com/c/noticias/2014/01/10/10jan2014---menino-caminha-sobre-restos-de-casas-demolidas-na-favela-do-metro-mangueira-no-rio-nesta-sexta-feira-10-desde-terca-moradores-protestam-contra-a-desocupacao-do-local-eles-alegam-que-1389387534891_956x500.jpg
Estetrabalhoédedicadoàlutadiáriadosmoradoresdasfavelas,quecorajosamenteresistem.
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