URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

130
1

description

Autor: Liebert Rodrigues. Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo. EAU - UFF. Caderno final. Orientação: Cristina Nacif

Transcript of URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

Page 1: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

1

Page 2: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

URBANISMO DO APOCALIPSE favelacariocacomoum ilmede icçãocientí ica:territórios

dasegregaçãoecontrolenocinemaenavidareal

Liebert Bernardo Rodrigues Ferreira Pinto

Orientação | Cristina NacifSupervisão | Vinicius Netto

Consultoras | Sonia Ferraz e Adriana Caúla UFF | EAU | Trabalho Final de Graduação | 2014.1

Page 3: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

SUMÁRIO

I. APONTAMENTOS INICIAIS

II. AS FAVELAS CARIOCAS E DISTRITO 9: UMA VISÃO PANORÂMICA

III. MURO NA FAVELA SANTA MARTA E FUGA DE NOVA YORK

IV. UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA NO COMPLEXO DA MARÉ E BRAZIL

V. CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NA ROCINHA E 1984

VI. REMOÇÃO DA FAVELA DA TELERJ E ROBOCOP III

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

FONTES FILMOGRÁFICAS

9

37

79

91

107

119

139

144

147

Page 4: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

Ai!Agrandecidade!Babilônia,cidadepoderosa!Emapenasumahorachegouasuacondenação!

Apocalipse,18:10

Page 5: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

9

IAPONTAMENTOS INICIAIS

Emqualquercomeçodeconversa,articularnamesmasentençaostermosfavelae icçãocientí icaseriamotivodeestranhamentoeinquietação.IssoseagravaquandoestamostratandodeumtrabalhoacadêmicodeArquiteturaeUrbanismo.Adescon iançainicialpodeinviabilizarodiálogo,desquali icandoprecocementeumtrabalhoquecertamentenãoéóbvio.

Portanto, o primeiro passo será esclarecer as questões que pairam no ar, e assimpavimentar com mais propriedade uma análise sobre as favelas na cidade do Riode Janeiro e os con litos que surgem das políticas públicas contemporâneas em seuterritório.

Page 6: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

11

Inicialmentecolocaremosaseguintepergunta:

Porqueos ilmesde icçãocientí ica?

Aimaginaçãoéamaiscientí icadasfaculdades,porquesóelacompreendeaanalogiauniversal.

CharlesBaudelaire,1858

NascidanoséculoXIXnocontextodaRevoluçãoIndustrial,a icçãocientí icainaugurouo imaginário cienti icista de uma humanidade que experimentava um processo dedesenvolvimento tecnológico até então sem par na História, que proporcionava aomesmotempoprogressoecaosemmeioàformaçãodasgrandesmetrópolesdaIdadeContemporânea. Povoada por robôs, máquinas avançadas, cidades utópicas, viagensespaciais e seres de planetas extraterrestres, esta forma de icção narra a interaçãohumana em cenários futurísticos hipotéticos, aonde a Ciência é levada a níveistecnológicosirrealizáveisparaasuaépoca.

Aosimularoporvir,amaioriadosautoresdo inaldoséculoXIXeiníciodoXXexaltavaasconquistascientí icasdahumanidade.Noentanto,oshorroresvividosnoscamposdebatalhanasduas grandesguerrasmundiais reveloua facemaisdesumanadaaltatecnologia, empregadanas formas colossaisdedestruição emmassa ede genocídiosprogramados, culminando com o uso da bomba atômica. A partir de então, opessimismo comrelação àCiênciadirecionao gêneroda icção cientí ica àprojeçõespredominantemente catastró icas sobre o futuro. Portanto, o contexto histórico noqualaobrade icçãocientí icaéproduzidaéabasedasespeculaçõesfuturísticas,emum caráter crítico ao seu próprio tempo, e, comoa irma Isaac Asimov (1984:13), “aimaginaçãodosautores(de icçãocientí ica)estápresaaotempoeàsociedadeemqueelesvivem.”

NoseulivroSaudadesdofuturo: icçãocientí icanocinemaeoimagináriosocialsobreodevir,AliceFátimaMartinssintetizacomoasvisõesdofuturonanarrativacientífco-iccionalestãocalcadasnocontextodoespaçoetempopresentes,especialmentenoqueconcerneàrepresentaçãocinematográ icadestegênero:

Page 7: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

12

Asmetáforas cientí ico- iccionais das narrativas ílmicas são vistas comotestemunhosdoscontextossociaisehistóricosnosquaissãoproduzidas,esuaanálisepartedoselementosinternosdanarrativa,buscandoestabelecerrelaçõescomosambientesnosquaisestãoinscritas.(MARTINS,2013:4)

A icçãocientí icapodeserconsideradaentãopioneiraemdemonstrarvisõesdeutopiastecnológicaseassuasimplicaçõeséticas,emumarepresentaçãodofuturocomocríticaaopresente. Àmedidaqueaobrade icçãocientí icaestáempenhadaemutilizaraspossibilidadesreaisdocontextodesuaépocaaoimaginaro futuro,asanalogiascoma realidade construídas a partir de narrativas cientí ico- iccionais podem expressarqualidadespremonitóriasnaprojeçãododevir.

AcitaçãodeJorgeLuizBarbosanoseulivroPaisagensCrepuscularesdaFicçãoCientí ica;aelegiadasutopiasurbanasdomodernismoapontaaintimidadeentrea icçãocientí icaeocinemanarepresentaçãodevisõesdofuturo:

Nacondiçãoamalgamadadeoráculoefantasmacópio,poisenunciaprofeciasao criar ilusões fantasmáticas, determinados ilmes de icção cientí icaconstituíram uma linhagem criadora de elegias da cidade traduzindo, narelaçãoespaço/representação,umadasmaisvigorosascríticasaosrumosda metrópole e, por extensão, aos modelos urbanos que a originaram.(BARBOSA,2013:17)

Destemodo,podemosjusti icaraescolhadocinemade icçãocientí icacomodispositivode análise, em detrimento da Literatura, HQs e outras mídias do mesmo gênero. Apoderosaexperiênciavisualdocinemaparecereforçarocaráterproféticodasnarrativascientí ico- iccionais,principalmentenoqueserefereàumacríticaaomodelodascidadesreais.

Sendoentãoos ilmesde icçãocientí icametáforassobreascidadescontemporâneasglobalizadas eos seus con litos, contextonoqual oRiode Janeiro se insere, pode-sedestacarapresençadooutrocomoumaameaçadenaturezadesconhecida:

Sobre as cidades cientí ico- iccionais pairam sempreas ameaças trazidaspelapresençadooutro,seresalienígenas,deorigemenaturezaestranhos,estrangeiros,predadores,macacosquasehumanosviolentoseautoritários,máquinas inteligentes que suplantam ahumanidade, viajantesno tempo.(MARTINS,2013:4)

Page 8: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

13

A própria palavra alienígena signi ica estrangeiro ou forasteiro, a despeito do sensocomumquetendeaassociarapenasaosseresdeoutrosplanetas.Ooutrotemumpapelcrucial na construçãodas analogias entreos ilmesde icção cientí ica e a realidade,sendoumadasbasesdasanálisesquepermearãoestetrabalho;assimcomonarealidade,ooutrona icçãocientí icaéoraavítimadasegregação,oradadominação.Oódioeaperseguiçãoaesteoutroélatente,emummeiosocialquebuscaeliminá-loouexpulsá-lodoconvívioedavistadaspessoas‘debem’.

Diantedoobjetocentraldasanálisesdotrabalho–asfavelascariocas–podemosusarestametáforadooutropararepresentaroseuterritório.Ora,seafavelapodeserentendidacomooterritóriodaexclusãoedocontrole,e,portanto,dooutronavidareal,temosque,demaneiraanáloga,afavelapoderepresentaroterritóriodosrenegadoscomona icçãocientí ica.Nodiscursodas autoridades edamídiadominante, reproduzidoporpartedasclassesmédiaealta,afavelaéretratadacomooterritórioprópriodacriminalidade,gerandoinsegurançaaosmoradoresdoseuentorno.

Por de inição, a favela é apenas um “conjunto de habitações populares que utilizammateriais improvisados em sua construção tosca, e onde residem pessoas de baixarenda”1.Noentanto,osmoradoresdasfavelascarregamoestigmade“classeperigosa”,queprecisaservigiada,controlada,cercada,expulsa,en im,combatidaeeliminadaemseuterritórioparaqueapazdos“cidadãosdebem”sejaassegurada.

Dentrodos tópicossobreoscon litosparaaspolíticaspúblicascontemporâneasparaas favelasdacidadedoRiode Janeiro,asanalogiascomos ilmesde icçãocientí icapodemsertrabalhadasnosentidodaconstruçãodediferentesmetáforas.Porexemplo,seotemaforvigilância:ateletela,queeramosolhoseletrônicosdoGrandeIrmãoem1984(famosolivrodeGeorgeOrwell,transformadoem ilmeporduasvezes),podesercomparadaàscâmerasinstaladasnafaveladaRocinha.Podemosentãoconsiderarqueos ilmesde icçãocientí icasão“fontesdemetáforasquere letemoideário,oimagináriosocialsobrepassado,presenteefuturo”(MARTINS,2013:29).

AHistóriaoferecesubsídiosparaquepossamosolharparaopassadoeconstruirumacrítica ao presente. Já a icção cientí ica tem a possibilidade de proporcionar visõesfuturológicasbaseadasnaépocaatual,oquepermitereconheceranossarealidadenasprojeçõesdodevir,eassimtambémproduzirumacríticaaopresente.

1DicionárioHouaiss.

Page 9: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

14

Porqueocinemacomoferramentadeestudosurbanos?

Ocinemaentãocoloca-seaoladodomundo,parecendoexatamenteomundo.

J.DudleyAndrew,1989

Acomplexidadedourbano, especialmentenoque toca aos valoresque extrapolamasuaexistência ísica,podeestimularabuscapormodosdeapreensãodacidadequevãoalémdosmapasetextos.Ocinema,dentreasformasderepresentaçãovisualexistentes,foiescolhidonopresentetrabalhocomoferramentadeestudosurbanosdevidoàsuaforteimpressãoderealidade,registrandoaespacialidadedosobjetoseoespaçoporelesocupado.Nocasoda icçãocientí ica,mesmooirrealpodeseapresentaraosolhosdoespectadorcomaaparênciadeumacontecimento.

Aimpressãoderealidadeéfundamentalnacomposiçãodocaráterproféticodos ilmesde icçãocientí ica,sendoessecaráterumelemento-chavenoexercíciodecomparaçãocrítica das cidades reais com as iccionais. Essa qualidade premonitória ganhacredibilidadeapartirdomomentoqueoespectador“con ianasimagenstécnicastantoquantocon iaemseusprópriosolhos”.(FLUSSER,2002:8)

De essência cosmopolita, o cinema soube manifestar a inquietação da sociedadeocidental ao longo do século XX. Uma nova forma de ver o mundo foi inauguradaquandoem1895osirmãosLumiéreapresentaramocinematógrafoemParis,causandoespantoefascinaçãocom“Achegadadotremnaestação”.Muitomaisdoqueaprojeçãode fotogra iasde formarápidaesucessiva,areproduçãodas imagensemmovimentosuperouasensaçãoderealidadequeaprópriafotogra iahaviaalcançado.OteóricodecinemaChristianMetzdiscorresobreotema:

Antesdocinema,haviaafotogra ia.Entretodasasespéciesdeimagens,afotogra iaeraamaisricaemíndicesderealidade,(...)jáqueasuarepresentaçãoforaalcançadaatravésdeumprocessomecânicodeduplicação;eraassim,decertomodo,opróprioobjetoqueseimprimiraasimesmonapelículavirgem.Masessematerialtãosemelhanteaindanãooerasu icientemente;faltava-lheumatransposiçãoaceitáveldovolume,faltava-lheasensaçãodomovimento,comumentesentidacomosinônimodevida.Ocinematrouxetudo istodeumavezsó,e– suplemento inesperado–nãoéapenasuma

Page 10: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

15

reproduçãoqualquer,plausível,domovimento,quevimosaparecer,masoprópriomovimentocomtodaasuarealidade.(METZ,2012:28)

A narrativa nascia a partir dos quadros em sequência dentro de uma determinadaduraçãodetempo,oque,juntamentecomoadventodos ilmessonoros,ampliavaaindamaisessailusãodeparecerrealqueomovimentodaprojeçãocinematográ icajásugeria.

Sobreotempo,ocineastaAndreiTarkovskide inequeele,“registradoemsuasformasemanifestações reais”, é a própria concepção do cinema enquanto arte (1998:72). Oespaço, enquanto dimensão da realidade, pode ser vivido através da representaçãocinematográ icacomoumaexperiênciamultissensorialque transitano limiarentreoabstratoeoreal:

Ocinemaé,sim,umamediaçãoentreoespaçocomoconceito–apartirderecortes e representaçõesmoldados pela sétima arte – e o espaço comoexperiência–namedidaemqueosdeslocamentosdacâmeraedosobjetosilmadoseaimpressãoderealidadeprópriosàsétimaartepossibilitamumavivênciapróximaàempírica.(NAME,2013:67)

Essapercepçãodoparecerreal,naconcepçãodeTarkovski(1998:220),vaiaindamaislonge:paraele,ocinemaproporcionaaoespectadorasensaçãodequeaprópriavidaestásendoprojetadanatela,emumarelaçãodeintercâmbioíntimocomarealidade,naqualoespectadortem“aoportunidadedevivenciaroqueestáocorrendonatelacomosefossesuaprópriavida,edeapropriar-se,comoelasefosseasuaexperiênciaimpressanotempoemostradanatela,relacionandosuaprópriavidacomoqueestásendoprojetado.”

***

Page 11: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

16

Porqueafavela?

Umpedaçodoinfernoaquiéondeeuestou/AtéoIBGEpassouaquienuncamaisvoltou.

RacionaisMc’s,1993

Apósaexplanaçãodaspremissasteóricasrelativasaousodos ilmesde icçãocientí ica,se faz necessário introduzir o porque do objeto principal do trabalho – a favela. Ainquietaçãoseoriginaapartirdoseguintequestionamento:qualseráolugardestinadoàfavelacariocanasintervençõesurbanascontemporâneas?

Fuiinseridonotemaapartirdaminhaparticipaçãocomobolsistadeiniciaçãocientí ica,nosanosde2010e2011,nogrupodepesquisaArquiteturadaViolência,coordenadopelaProfªDrªSôniaMariaTaddeiFerraz.Otextoaseguircondensaasre lexõessobreafavelapresentesnaspublicaçõesdoperíodoqueatueinogrupo2.

Asanálisesseiniciamapartirde2009,mesmoanodaeleiçãodacidadedoRiode JaneirocomosededasOlimpíadasde2016.Aeuforianãopoderiasermaior: em 2007, o Brasil já havia sido escolhido para sediar a Copado Mundo de 2014. A “Cidade Maravilhosa” evidentemente não poderiaicardefora,sendoescolhidacomoumadascidades-sededoevento.Eraocomeçodeumanovaerade intervençõesurbanasprofundas, justi icadasemnomedospreparativosparaosdoisgrandeseventosecapitaneadaspeloprefeitoEduardoPaesepelogovernadorSérgioCabral.Tudohaveriadeserfeitoemnomedeum idealde “CidadeOlímpica”,e asesferasde governomunicipal,estadualefederalsecomprometeramatrabalharemsincronia

2 Fui co-autor dos trabalhos Arquitetura da Violência: cidade limpa e segura para turista verapresentadonoIIISeminarioInternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010);ArquiteturadaViolência-MuroseUPPs:aspolíticaspúblicasparaas favelas cariocas - Direito à cidade para quem? Apresentado no II Congresso InternacionaldoNúcleodeEstudosdasAméricas-SistemasdePoder,PluriculturalidadeeIntegração(RiodeJaneiro,20-24desetembrode2010);ArquiteturadaViolência-Regulaçõesdeumasociabilidadeurbana excludente: (b)ecos de uma reordenação olímpica da Cidade Maravilhosa apresentadonoXXSemináriodeIniciaçãoCientí icaePrêmioUFFVasconcellosTorresdeCiênciaeTecnologia(Niterói,novembrode2010)eArquiteturadaViolência-Asfavelascomoolugardaespetacularguerradapaci icaçãoXIVapresentadonoEncontroNacionaldaANPUR-AssociaçãoNacionaldePós-GraduaçãoePesquisaemPlanejamentoUrbanoeRegional(RiodeJaneiro,23-27demaiode2011)

Page 12: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

17

paraviabilizartaisesforços.

ArotinadepreparaçãodoRiodeJaneiroparaosmegaeventosesportivosinclui a construção demuros (ou barreiras) e instalação deUnidades dePolíciaPaci icadoranas favelas situadas em locais estratégicosda cidade,alémdaremoçãodemoradiasfavelizadas.Essaspolíticasrevelamaintençãodegarantiraosturistas,aoComitêOlímpicoInternacional(COI)eàFederaçãoInternacionaldeFutebol(FIFA)quetodasasmedidasestãosendotomadasparaasegurançadoevento,vistoqueafavelasegueestigmatizadacomooterritóriodainsegurança.

Além de despertar o temor da violência, para o senso comum a simplesvisãodeuma favelainsinuasujidade;uma interferênciacaótica, imundaeinconvenientenapaisagemurbana, quedeveser varrida ecombatidaemnomedoembelezamentoedahigienedaCidadeMaravilhosa:

A aproximaçãodaCopadoMundode 2014e dasOlimpíadasde2016parece se apresentar como umaocasião excepcionalparaalegitimaçãonecessáriadoritmoaceleradodesta‘limpezahumana’deáreasurbanasque,comoa irmaDavis3,‘nomundointeiro é o último estágio alcançado pelo inveterado con litoentre ricos e pobres pelo direito à cidade’. A perspectiva darealizaçãodessesgrandeseventosrecolocaemcena,commaiorênfase,aquestãoda favelização.AsanálisesdasrepercussõesdosJogosPan-Americanosde20074eda CopadoMundode2010,decertaformacorroboramestahipótese,namedidaemquejárevelaramqueosinvestimentosmaciçosparaviabilizaçãodessesacontecimentosnãoforamcapazesdeminoraraexclusãoeconômica, mas, acentuaram a invisibilidade da pobreza aosolhosdomundo.(FERRAZ,CARDOSOeRODRIGUES,2010:1)

3(DAVIS,Mike,2005apudFERRAZ,CARDOSOeRODRIGUES,2010:1)4SegundoSánchezeBienenstein(2009,pg.14),osjogospan-americanostêmcontribuídoparaacirrarasdesigualdadessócio-espaciaisnasmetrópolesondeocorremeadesproporçãoentreos investimentos em infra-estrutura esportiva permanente e os gastos em infra-estrutura deconsumo coletivo contribuiu para o acirramento das disparidades sócio-espaciais, à medidaque privilegiaram, em grande medida, equipamentos esportivos que posteriormente seriamtransferidosparaainiciativaprivada.

JornalOGlobo-OpiniãoPágina17-24/08/2010

Page 13: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

18

De tal forma, a produção do espaço urbano do Rio de Janeiro se pautana busca pela segurança: por um lado, a iniciativa privada constróiempreendimentos imobiliários que prometem “exclusividade” aos seusmoradores–entenda-seporexclusividadealiteralexclusãodapresençadooutrodentrodocondomíniofechado;poroutro,opoderpúblicoasseguraapaci icação dos territórios favelados,mantendosobcontroledoEstadoa contenção das classes “perigosas”, responsabilizadas pela violência dacidade. A gueti icação dosmais pobres garante a tranquilidade dosmaisabastados,umavezque“aliberdadesacri icadaemnomedasegurançatendeaseraliberdadedosoutros.”(BAUMAN,2003:24)

A“paci icação”dafavela–pormeiosnadapací icos–serevelafortementenecessáriaàvalorizaçãodosimóveis“doasfalto”,enquantoqueasempresasprivadas ajudam a inanciar a manutenção do programa das UPPs. Se aintençãodosempresáriosfoi ilantrópicaouporpurointeresse inanceiro,ofatoéqueapaci icaçãosemostrouuminvestimentoaltamenterentávelaomercadoimobiliário.

Portanto, qual será o lugar destinado à favela carioca nas intervençõesurbanas contemporâneas? O horizonte não parece promissor: as atuaispolíticas públicas para as favelas (muros e barreiras, UPPs, câmeras devigilânciaeremoções)sãomedidasqueacentuamasegregaçãoeaexclusãosocialeespacial,eaaproximaçãodosmegaeventosrevelaquenadafoifeitoparaqueasclassesmaisbaixasquehabitamosterritóriosfavelizadossejamcontempladas pelo legado de melhorias prometido pelo discurso o icial.Maisumavezospobresvão icardeforadafesta.

***

JornalOGlobo-Página23-25/08/2010

JornalFolhadeSãoPaulo-16/03/2011

Page 14: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

19

Oqueéourbanismodoapocalipse?

Dadoqueposeemoselpoderdeponemos inunosaotros,somoslosseñoresdelapocalipsis.

GüntherAnders,1956

Conceituocomourbanismodoapocalipseoexercíciodereconhecimentodepráticascomdesdobramentosemterritóriosreaisquerevelamsemelhançascomcidadesdecenáriosapocalípticosda icçãocientí ica.Oapocalipseéaquientendidocomoumquadroextremodedegradaçãodahumanidadequeconduzaoseupróprioextermínio.Parao ilósofoalemão Günther Anders (1902-1992), o apocalipse da raça humana decorreria emgrandemedidanaimpotênciaeincompetênciaperanteodesenvolvimentotécnico,na padronização domundo e no comportamento passivo diante dos veículos decomunicação.Sobreainconsequênciadosatosdoshomens,Andersconsideravaqueépossível“planejarerealizarhoje,semproblemas,adestruiçãodeumagrandecidadecomaajudademeiosdedestruiçãopornósfabricados.Masimaginaresteefeito,avaliá-lo,sóopodemosinsatisfatoriamente.”(ANDERS,1994:267)

Oapocalipsepodeserhoje;oapocalipsepodeserexatamenteagora.Noentanto,apossívelaproximação dele não necessariamente nos faz percebê-lo. Portanto, ourbanismo doapocalipsenãosepropõeaumafuturologiabanaloualgumtipodedenúnciacataclísmica,massimaumexercíciore lexivosobreagravidadedeintervençõescontemporâneasseassemelharemcomtantaintimidadeàeventosretratadosna icçãocomoapocalípticos.Nesse sentido, a própria condição humana contemporânea pode ser questionada, apartirdomomentoquearuínadooutroedoseuterritórionavidarealébanalizada,naturalizada,incentivadaecomemorada.Ocataclismaestápróximo?Averdade:nãoépossíveldizernãoousim,masépossívelquestionaraçõesreaisquenopassadoa icçãocientí icaimaginoucomocatastró icas.

Page 15: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

20

Entreimagens,discursoseestratégiasdedominaçãosimilaresna icçãoenavidareal,emqualpontoseidenti icaumurbanismodoapocalipse?Nãoésimplesemenosaindaóbvio,masapertinênciadametáforaentreasnarrativascientí ico- iccionaisearealidadepodeserconstruídaapartirdaclarezadasaproximaçõesentreosdoiscenáriosedacoerênciadaanálisecrítica.Ourbanismodoapocalipse,portanto,éobservadoàpartirdacomparaçãoentredoisobjetosquesãoavaliadosemumconstanteexercíciodialético.Oconceitodeurbanismodoapocalipseserádesenvolvidoemcincopartes,sendocadaumarelacionadaaum ilmeespecí icoaotema.Otrabalhosedesenvolvenaseguinteordem:

A FAVELA CARIOCA E DISTRITO 9uma visão panorâmica

MURO NA FAVELA SANTA MARTA E FUGA DE NOVA YORK materialização espacial da segregação

Page 16: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

21

UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA NO COMPLEXO DA MARÉ E BRAZILpacifi cação ou militarização?

CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NA ROCINHA E 1984‘Big Brother’ na favela

REMOÇÃO DA FAVELA DA TELERJ E ROBOCOP III‘juízo fi nal’ em forma de limpeza humana-urbana

Page 17: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

22

Sim,a favelarealpoderevelar traçosdoapocalipsedescritona icção.Naperspectivadessasintervençõesurbanasquenegamàpartesocialmentemaisfrágildapopulaçãoo acessodemocrático à cidade, o objetivodo trabalhoédemonstraropontonoquala favela carioca contemporânea revela semelhanças com os cenários apocalípticosdescritosnos ilmesde icçãocientí ica,partindodaanálisedaspolíticaspúblicasparaasáreasfavelizadasedosdesdobramentosurbanísticosemseuterritório.Realidadeeicçãocolidemeseconfundememumainfelizcoincidênciadeestratégias,discursoseutopias,sinalizandooreordenamentourbanoautoritárioqueincidesobreacidadedoRiodeJaneiro,calcadonaexclusãoenasegregação.

***

Page 18: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

23

PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS

Otrabalhoéumolharcríticosobreafavelaeaspolíticaspúblicasqueincidememseuterritórioapartirdopontodevistadosseusmoradores.Emvistaàproblematizaçãoe ao objetivo colocado, o método cientí ico dialético se mostrou apropriado para arealizaçãodasanálisesespaciais,jáque,segundoHenriLefebvre(2006:453),“somenteumaanálisedialéticapermitedescobrirasrelaçõesexatasentreascontradiçõesnoespaçoeascontradiçõesdoespaço:aquelasseatenuam,aquelasseacentuam.”Alémdapesquisabibliográ ica,foramrealizadasvisitasacampopontuaisnasfavelasDonaMarta,RocinhaeMaré.

UtilizandocomobaseoacervodapesquisaArquiteturadaViolência,iniciou-seapartirde novembro de 2013 a coleta diária das notícias de jornais impressos e virtuais,especialmentedojornalOGlobo.Nesteponto,abroumparêntesesparaoimportantepapeldoreferidojornaledaOrganizaçõesGlobonaconstruçãodeumdiscursolegitimadordas ações violentasdoEstadona favela, discurso este assumidopor grandepartedaopiniãopúblicacarioca(jáque,alémdeseroveículoimpressodemaiorcirculação,amaioriadapopulaçãobrasileira “fala” o idiomaglobês5).Comoefeitode comparação,contraponhoodiscursoconsensualentreoEstadoeojornalOGloboaopontodevistado favelado.O apoio irrestritodeste jornalà “retomada”do territórioda favelapelasautoridades,distantedaimparcialidadeedaveracidadedosacontecimentos,sugerequeestamostratandodeuma“agênciadepropagandamaldisfarçadadejornalismo.”6

Paralelamente,foramescolhidossete ilmes,deumalistainicialde44obras,reconhecidoscomodogênerode icçãocientí ica.Forameleitosos ilmesqueofereciammaissubsídiosàsdiscussõessobreo tema,noquedizrespeitoà identi icaçãodesemelhançasentreo cenário da icção e o real, além de narrativas que favorecessem a construção demetáforasedeumrepertórioimagéticoquepudesseserassociadocomafavela.Sãoeles(emordemalfabética):1984(1956),1984(1984),BladeRunner(1982),Brazil(1985),Distrito9(2009),FugadeNovaYork(1981)eRobocopIII(1993).

5OBrasilfalaglobês.Publicadoin:CanaldaImprensa-23demarçode2006,55ªedição.EscritoporRizzadeMatos.6AcrisenasUPPs.Publicadoin:ObservatóriodaImprensa-13demarçode2014,789ªedição.EscritoporSylviaDebossanMoretzsohn.www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_crise_nas_upps.

h tt p: / /pon todepaut a . i l e s .wordpre ss .com/2013/06/globo-nao-penso-nao-existo-so-assisto.jpg

Page 19: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

24

BREVEHISTÓRICODAFICÇÃOCIENTÍFICA

Ashistóriasfantásticassemprepovoaramaimaginaçãodoshomensdesdeosprimórdiosdacivilização.A icçãocientí icaseapresentacomoumaadaptaçãodessaemoçãoaomododevidanasociedadeindustrial,manifestandoasquimerasdaspossibilidadestecnológicas.

Deve ter existido alguma coisa anterior a ela, algo que não seria icçãocientí ica, mas satisfazia àsmesmas necessidades no campo das emoções.Hãodeteraparecidoestóriasestranhasediferentesarespeitodavidacomoa conhecemos, e acerca de poderes que transcendem os nossos poderes.(ASIMOV,1984:22)

Oimpactodosurgimentoda icçãocientí icanoimagináriodosindivíduosdoséculoXIXcorrespondeuàdemandaporumdevaneiofuturológicoquecorrespondesseaosavançoscientí icosdeumasociedadequeseindustrializavaemumritmoestonteante.Ocontextodaépocanosfazacreditarque“aRevoluçãoIndustrialacelerouasmudançasnasociedadedeformanuncaantesvista,gerandocuriosidadeemrelaçãoaessasmudançasatravésdeumaextrapolaçãodopresente.”(AMARAL,2004:2)

HugoGernsbackfoioinventordotermo icçãocientí ica(science iction),quandolançounos Estados Unidos da América a revista ScienceWonder Stories, em 1929. OmesmoGernsbackhaviadesignadoanteriormenteogênerocomoscienti iction, ao sereferirarevistaAmazingStories,em1926.

Ao propor o termo scienti iction, Gernsback de inia aqueles romancesentremeados de fato cientí ico e visão profética. O enorme sucessode suarevistatemsidoatribuídoaduasrazões.Emprimeirolugar,oavançocientí icoetecnológicoocorridodesdeoiníciodoséculoXX,impulsionadopeladisputaentreasnaçõesindustriais, levouàde lagraçãodasduasGuerrasMundiais,cujas terríveis isionomias superaram em muito a maioria de fantasiasimagináveisnosséculosanteriores,servindodefonteinspiradoraparatodauma nova geração de escritores do gênero cientí ico- iccional. A segundarazãoestárelacionadaàinstalação,àépoca,daindústriacultural,daliteraturademassaque,posteriormente,encontrou,naindústriacinematográ ica,umveículo imbatível para veicular e vender a públicos de todo omundo suas

Page 20: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

25

metáforasefantasias.(MARTINS,2013:34)

OhistoriadorCiroFlamarionCardoso,umadasmaioresreferênciasbrasileirassobreaicçãocientí ica,reforçaaimportânciadogêneronoimagináriopopularnoséculoXX:

Ogêneroquenosocupa,desdesobretudoadécadade1950,tambémestevepresente e ocupou um lugar considerável no cinema, na televisão e nashistórias emquadrinhos. Se isto for levadoem conta emconjunto comaliteratura, pode-sedizerque a icção cientí ica constituiuumdosvetorescentraisdeexpressãoparaoimagináriodoséculoXX,notocanteàchamadacultura popular ou cultura demassa. Suas temáticas, por extraterrestresquepossampareceràsvezes,têmmuitoavercomangústiaseesperançasreais,projetadasemmetáforaseimagensvariadas:variadasnointeriordecadaperíodomas,também,no tempo,conformemudemaspreocupaçõespresentesnasociedade, taiscomoas capta a culturapopular. (CARDOSO,2003:86)

A icção cientí ica, em quase dois séculos de existência, se desdobrou de diferentesformasemdiferentesperíodos,ancorandosempreasuanarrativanocontextohistóricodesuaépoca.

OPERÍODOCLÁSSICO(1818-1938)

NoséculoXIX,asbasesfundamentaisda icçãocientí icaforamlançadaspelosromancesgóticos.A fantasiadas históriasde terror foi transportadaparao ponto de vistadasprofeciassobreosavançostecnológicosdaépoca.SegundoohistoriadorCiroFlamarionCardoso(2003:9),“(...)a icçãocientí icaseriaumramonovosuscitadonatradiçãodahistóriadehorrorpelaRevoluçãoIndustrialepelosavançoscientí icos,desdeoiníciodoséculoXIX.”Considera-seque“Frankenstein”(1818),deMaryShelley(1797-1851),foiaprimeiraobraacaminharnafronteiraentreogóticoea icçãocientí ica,aindaquenãopossaserconsideradaumcontocientí ico- iccionalporexcelência.

Page 21: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

26

Julio Verne (1828 - 1905) foi o escritor que reconhecidamente inaugurou o gênerode icçãocientí ica.Ocontextonoqualassuasobrasforamproduzidaseradegrandeeuforiacomrelaçãoaofuturo,eosnovosavançostecnológicospareciamserachaveparaaresoluçãodoscon litosdahumanidade.Osseuslivrosmaisfamososforam“Viagemaocentrodaterra”(1864),“Vintemilléguassubmarinas”(1870)e“Avoltaaomundoemoitentadias”(1872).

H. G. Wells (1866 - 1946), também considerado como um dos patronos da icçãocientí ica,escreveusobreviagensnotempo(“AMáquinadoTempo”de1895)ebatalhasintergaláticas (“A Guerra dos Mundos”, de 1898). As capacidades premonitórias deseusromancesforamcapazesdeanteverasexperimentaçõesgenéticas(“AIlhadoDr.Moreau”,de1896)eosbombardeiosatômicos(“TheShapeofThingstoCome”,de1933).

ApósaruínadaEuropanaPrimeiraGuerraMundial(1914-1918),osEstadosUnidosdaAméricadespontavacomoagrandepotênciamundial,apresentandoumespantosoavançoindustrial:opólodaproduçãoda icçãocientí icasemudadoVelhoMundoparao país norte-americano, local no qual a se popularizou consideravelmente o gênero.Nomesmo sentido, o escritor inglês Aldous Huxley (1894 - 1963)migrou para LosAngelesapósosucessodoclássico“AdmirávelMundoNovo”(1932),obramarcadapelopessimismocomrelaçãoàciênciaeaprópriasociedadehumanademaneirageral,emumcenáriocontemporâneoaosdesdobramentosdaGrandeDepressãode1929edoavançodoFascismonaEuropa.Apartirdessanegativadadecomrelaçãoaosrumosdogênerohumanoquesurge inalmenteavisãodeapocalipsedascidadescientí ico- iccionais.

GOLDENAGE(1938-1960)

DuranteosanosseguintesatéaSegundaGuerraMundial(1939-1945),oamadurecimentodasteoriassobreaFísicaeaQuímica,quederamorigemàexperiênciascomoa issãodourânioparaaconstruçãodabombanuclear,incentivouosescritoresde icçãocientí icaadetalharcommaiorriquezaerequintetécnicoasnarrativas.Apartirdeentão,ocontextodaépocademandavaummaiorrigornocumprimentodaspossibilidadescientí icasreaisdaépoca,paraqueanarrativacientí ico- iccionalfossepalatáveleparaqueosexercíciosfuturológicosganhassemmaiscredibilidade.

Page 22: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

27

Ainda que o pessimismo pautasse as obras de icção cientí ica, o entusiamo pelosprogressoscientí icossemanifestavaapartirdosavançosdaspesquisadeexploraçãoespacial,queseexpressaramnacorridaentreaUniãoSoviéticaeosEstadosUnidospelasdescobertasno espaço,no contextodaGuerraFria.Os autoresdemaior importânciadestaépoca,cujasobrasreverberamatéosdiasatuais,foramIsaacAsimov(1920-1992),autorde“Eu,Robô”(1950),RayBradbury(1920-2012),autorde“Fahrenheit451”(1953)eGeorgeOrwell(1903-1950),autorde“1984”(1949).

As experiências totalitárias vivídas até então na Europa povoam irremediavelmenteofuturoapocalípticoquesedesenhavanoimagináriodosautoresde icçãocientí ica:robôsesupercomputadoresaserviçode formasdecontrolesocialecomportamentalextremasconvivemcomsereshumanosbiônicos,colôniasespaciais,viagensnotempo.

NEWWAVE(ANOS60-ANOS80)

Enquantoomundoerasacudidonosanos60pelasubversãoculturaldorockn’roll,daliberaçãosexualedaexperimentaçãodedrogasalucinógenas,pelasmanifestaçõesemfavordosdireitosdasminoriaseportodososdemaisdireitoscivis,aestabilidadedasnaçõesocidentaisnopós-guerraeraabaladamomentaneamente.Emmeioàrevoluçõescomportamentaisprofundas,a icçãocientí icaabsorviaessaatmosferalibertáriafazendonovasexperimentações,extrapolandoocampodasciênciasexatas:asciênciassociaisentravamemcenanasnarrativasdogênero.Asangústiaseparanóiasdos indivíduossemanifestam nas sociedades dos cenários futuristas, colocando em primeiro planoquestõesexistenciais.

Opessimismo,maisdoquenunca,sublinhavaasnarrativascientí ico- iccionais.AobraquemelhorrepresentaaNewWaveda icçãocientí icafoi“LaranjaMecânica”(1962),deAnthony Burgess (1917-1993): os embates éticos sobreviolência, sexo, liberdadee poder se inserem nos avanços tecnológicos, que se manifestam como expressõesfantasmagóricasdassociedadesapocalípticasdofuturo.

Oromance“DoAndroidsDreamofElectricSheep?”(1968),dePhilipK.Dick(1928-1982),foialémdoselementosdaNewWave,e icounotórioporseroprecursordoestiloqueseseguiria–oCyberpunk.Asuaadaptaçãocinematográ ica,BladeRunner(1982),talvezsejaaobrade icçãocientí icamaisin luentedetodosostempos(delafalaremosmaisàfrente).

Page 23: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

28

CYBERPUNK(DÉCADADE80EMDIANTE)

Maisdoquearepresentaçãodeumfuturoultracibernético,oCyberpunksenotabilizouporassociarintimamenteaciênciaavançadaaumcenáriopolíticoesocialapocalíptico,no qual metrópoles globalizadas, caóticas, poluídas, escuras e degradadas abrigamindivíduosmarginalizadosquelutampelasuasobrevivênciaemumaimpiedosaeaéticaselva urbana. Neste cenário se desenham adventos tecnológicos espantosos, onde aevolução natural do homem é suplantada por manipulações genéticas e implantescibernéticos.Aomesmotempo,osíndicesdecriminalidadesãoaltíssimos,assimcomoadesigualdadesocial.Anarrativa respondeàdualidadeentrealta tecnologia ebaixoníveldevida, eexpressaaculturademassadosanos80,quemarcaodeclínodaeraindustrialeoiníciodaeradainformação,afundaçãodeempresascomoaIBMeaApple,apopularizaçãodovídeo-game,doCD,damúsicaeletrônica aexpansãodasgrandescorporaçõesglobalizadas.OestiloCyberpunkrepresentaoaugedasvisãoapocalípticasdo espaço urbano das cidades da icção cientí ica. Certamente é o estilo que maiscontribuiunarepresentação iccionaldoqueconceituocomourbanismodoapocalipse.

O termo Cyberpunk deriva da união dos conceitos da cibernética e dopunk : amaisavançada tecnologia se articula à contracultura, ao underground, ao descontrole, àsubversão e à atitude do “faça você mesmo” que deriva do movimento punk inglêsdos anos 70. O subgênero teve como seumaior expoente William Gibson, autor de“Neuromancer”(1984).ÉpatentenoCyberpunkasátiraaocapitalismoeàsociedade;umcenáriobastantecomuméodomíniodeempresasmultinacionais,quesubstituemosgovernosenações,sendoatacadasporgruposquedesa iamoseupoder.

OsprotagonistasdasnarrativasCyberpunkcostumamserrenegadosdetribosurbanas,queprocurammeiosdesubverteras ferramentas tecnológicas criadaspelo “sistema”paraprejudicá-lo,lembrandoaestratégiadohacker– iguradomestreeminformáticaqueroubaemanipuladados,surgidanosanos80.Érecorrenteousodearti ícioscomoimplantes mentais, próteses robóticas, viagens no ciberespaço, clonagem e outrasexperiências genéticas. A ideologia anarquista e a desobediência civil domovimentopunkinspiraramoquestionamentodasrelaçõesdepoderdasociedadehiper-globalizadada icçãocientí ica.

Page 24: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

29

BLADERUNNER:UMCASOÀPARTE

Por suas qualidades estéticas e pelo poder das suas metáforas sobre a sociedadecontemporânea,o ilmeBladeRunner(1982),deRidleyScott,foiummarconahistóriado cinema de icção cientí ica e do gênero Cyberpunk, merecendo destaque nestaintrodução.DiversosestudiososrespeitadosnaáreadoUrbanismo–DavidHarvey eMikeDavis,porexemplo–sedebruçaramsobreestaobraemre lexõessobreacidade.

NaLosAngelesde2019,oapocalipsesemanifestanapublicidadeinvasivaepoluidora,noabismosocial,napoluição,nadegradaçãourbana,nadescartabillidadehumanaenosavançostecnológicosquedesa iamasquestõeséticas.Àmedidaquenosaproximamosdo ano de 2019, as profecias enunciadas na película se assemelham à realidade,aumentando a reputaçãodeBladeRunner comouma dasmaispertinentes críticas àcidadecapitalistapós-moderna.O ilmenarraaperseguiçãoaumgrupoamotinadodereplicantes,robôsmaisforteseágeisqueossereshumanoseiguaiseminteligência,criadospelamegacorporaçãoTyrellpara serem utilizados como escravos na perigosa exploração interplanetária. Eles serebelamefogemparaaTerra,aondesãodeclaradosilegaissobpenademorte.Elessãocaçadosporbladerunners,policiaisespeciaisque,segundootextointrodutóriodo ilme,“tinhamordensdeatirarparamatarqualquerreplicante.Istonãoerachamadoexecução,massim‘aposentadoria’.”Deckard(HarrisonFord),umex-bladerunner,éencarregadode“aposentar”osrobôs.AcenainicialéumapanorâmicadaLosAngelesdofuturo:umametrópolededimensõescolossais,cujasluzesseperdemnohorizonte;veículosvoadorestrafegamentrearranha-céus, fumaça e labaredas; poluição sonora e visual traduzem a confusa paisagem,enquantoqueachuvaácidaprecipitaintermitentemente;grandesoutdoorseletrônicosanunciam“umanovavidanascolôniasinterplanetárias”;umapropagandadaCoca-Colaéexibidaemtelõesvoadorescujasluzesinvademruas,lojasehabitações,iluminandoaescuridãoreinante.Naescaladarua,ocenáriodeBladeRunnerdesvela,segundoDavidHarvey(1992:281),as“péssimascondiçõesdafrenéticamassahumanaquehabitaasruascriminosasdeummundopós-modernodecrépito,desindustrializadoedecadente.”Emumestratourbano e socialmais elevado, a imponência do edi ício da Corporação Tyrellabrigaariquezaeasmaravilhasdaaltatecnologia,sendooúnicolugardo ilmedeondesepodeveroSol.

http://www.nappertime.com/wp-content/uploads/2013/09/bladerunner-full.jpg

http://i120.photobucket.com/albums/o165/cinquevolte/Blade%20Run-ner/0701801_Tyrell_Deckard_Rachael.jpg

NaLosAngelesde2019,oapocalipsesemanifestanapublicidadeinvasivaepoluidora,

estratourbano e socialmais elevado, a imponência do edi ício da Corporação Tyrell

Page 25: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

30

O contexto do capitalismo pós-moderno, terreno das metáforas de Blade Runner, éumarealidadeglobalizadanaqualacidadedoRiodeJaneiroseinsere.AsdualidadesdocenárioCyberpunksemostrampertinentesàrepresentaçãocríticadascontradiçõesdosistemacapitalista.O ilmeapresentaos“replicantes”comoumsímbolodaforçadetrabalhocontemporânea:

Eles(replicantes)foramprojetadoscomoaformaidealdaforçadetrabalhode curto prazo, altamente quali icada e lexível (um perfeito exemplo detrabalhadordotadodetodasasqualidadesnecessáriasparaseadequaràscondiçõesdeacumulação lexível).(HARVEY,1992:278)

Ogrupo rebeldede replicantes da geraçãoNexus6, lideradospor Roy Batty (RudgerHauer),voltaaTerrabuscandoprolongaroseutempodevida,deapenas4anos,eaomesmotempo fugirdaescravidãonas colônias interplanetárias.Maisdoqueromperosgrilhões,ogrupobuscavauma identidade,um lugarnomundo;algodesconhecidoqueseassemelhasseàvidaequelhesaplacasseaangústia.Acondiçãodosreplicantesna icçãocientí icaéumametáforaadequadapararepresentara“robotização”daforçade trabalho humana explorada nomodelo econômico capitalista industrial (ou pós-industrial):

Já no século XIX era claro o temor das conseqüências de tais processos.Dostoievsky,porexemplo,viaem1864ohomemcomoserprogramado(sequisermosusarumtermoatual)pelosavançosnoconhecimentodasleisdanatureza,tornando-sealgoanálogoaumatecladepianoouaotubodeumórgão.(...)NoséculoXX,taistemoressó izeramacentuar-se.Foramprimeiroas aplicações do taylorismo e do fordismo, a maximização da e iciência(pre igurandoamoderna ergonomia) e a linha demontagem, emqueosoperáriosindividuaissepareciamaengrenagenslimitadasealienadas.Foiaseguiradescobertadasprogramaçõessociaisdoscomportamentoseomedodadesumanizaçãoedaperdadeautonomiapelogênerodevida -aquiloqueos franceseschamamdemétro/boulot/dodo, isto é,metrôououtrostransportescoletivos/trabalho/sonocomoresumodavidadamaioriadaspessoas,anãosernasférias,queocupamsomenteumapequenapartedoano-,peloconsumismo,pelapublicidade,pelosmeiosdecomunicaçãodemassa.Numcontextoassim,umrobôpodesermetáfora iccionalemmaisde um sentido: os homens se parecem crescentemente amáquinas; e asmáquinaspodemvoltar-secontraosseuscriadoresou,simplesmente,comomáquinasquesão,osrobôspodemsermalignos.(CARDOSO,2003:65)

Page 26: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

31

NacidadedoRiodeJaneiro,afavelaéoterritóriodotrabalhadorcujamão-de-obraéamaisexploradaemenosremunerada,secaracterizandosocialmente,economicamenteeespacialmenteporser“umaforçadetrabalhobarata,segregadaeexcluídadacidadelegal.”(MARICATO,2013:21)

Aestrati icaçãosocialnaLosAngelesde2019seespacializaporcamadasverticalizadas,naqualoníveldaruaédestinadoaosexcluídos,quevivemnaescuridão.Acimadeles,aelitesocialdaTerrahabitafaustososedi íciosemformatopiramidalquemonopolizamoacessoaosraiossolares.Notopo,asclassesmaisabastadasmoramemoutrosplanetas,uma ”terra dourada de oportunidades e aventuras”, segundo o slogan do “paraíso”interplanetário:

ApropagandaempresarialconvocaoshabitantesdeLosAngeles2019ADàcolonizaçãodeumoutromundo.Apenasosfracos,doenteseosdesajustadosdetodaordempermaneceramnametrópoledofuturo.(BARBOSA,2013:138)

Maisdoqueo“alteregodistópicodeLosAngeles”,comosugeriuMikeDavis(2001:341),BladeRunneréumexercícioímpardecríticaàssociedadespós-modernasbaseadasnomodelocapitalista.Está(quase)tudolá.Enquantoisso,oanode2019seaproxima...

http://4.bp.blogspot.com/-jmJFIjJXPZw/Uh6PJBzRXWI/AAAAAAAABZA/WlDFu3-ROaU/s1600/268708_417461418299749_841879384_n.jpg

Page 27: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

32

AFICÇÃOCIENTÍFICANOCINEMA

Apartirdosanos50a icçãocientí icaseconsolidacomogênerocinematográ ico,paraalém do gênero literário. O cinema possibilitou que a utopia urbana, antes narradanoslivros,sematerializasseaosolhosdoespectadorcomocidadesreais, fazendodasrepresentaçõescinematográ icasumcampoimportantedepossibilidadesurbanas:

Odesenvolvimentodascidadespropiciouoambienteespaço-temporalnoqualocinemafoiinventado.Os ilmesde icçãocientí ica,decorrênciadiretadesseprocesso,abriramcomplexosespaço-temporaisdere(a)presentações,paradentrodosquaisasprópriascidadesmigraram.(MARTINS,2013:48)

AViagemàLua,deGeorgeMeliès(1902)

Metropolis,deFritzLang(1927) Godzilla,deIshiroHonda(1954) 2001:UmaOdisséianoEspaço,deStanleyKubrick(1968)

http://3.bp.blogspot.com/-QMIMvtAi1fY/Up4NxBeCBtI/AAAAAAAAN8I/pwB2V0FZulc/s1600/Viagem-%C3%A0-Lua.jpg

http://operamundi.uol.com.br/media/images/metropolis-poster.jpg

http://en.wikipedia.org/wiki/File:Gojira_1954_Japanese_poster.jpg

http://4.bp.blogspot.com/-0GguOzQtbN0/USOpuQPofwI/AAAAAAAATsg/xvIDu2WRbeY/s1600/1968_2001+Space+Odyssey_11.jpg

1984(1956)

Page 28: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

33

LaranjaMecânica,deStanleyKubrick(1971)

Solaris,deAndreiTarkovski(1972)

Akira,deKatsuhiroOtomo(1988) Matrix,deAndyWachowskieLanaWachowski(1999)

http://images.fanpop.com/images/image_uploads/A-Clockwork-Orange-poster-cult-ilms-424739_1116_1612.jpg

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/5/54/Solyaris_ussr_poster.jpg

http://2.bp.blogspot.com/-ff_8hMtkh6s/T7opYHjHHNI/AAAAAAAAE7k/dG7gk1ttzX0/s1600/Akira+%281988%29+Japan+2.jpg

http://fc06.deviantart.net/fs51/f/2009/258/2/f/2fca1bc9ddcc147ef674d2eebb14ee3a.jpg

1984(1984)

BladeRunner(1982)

Brazil(1985)

Distrito9(2009)

FugadeNovaYork(1981)

RobocopIII(1993)

FILMES ESCOLHIDOS PARA O EXERCÍCIO DO URBANISMO DO APOCALIPSE

Page 29: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

35

ASSISTA O VÍDEO 1 EM:https://www.youtube.com/watch?v=W8NwTYtEYkI&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA

Page 30: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

37

IIASFAVELASCARIOCASEDISTRITO9:UMAVISÃOPANORÂMICA

IniciamosaanálisecomDistrito9,umcasopeculiarnogênerode icçãocientí ica,noqualafavelaéocenáriodanarrativa.Arepercussãodo ilmenamídiabrasileira7revelaqueacríticacinematográ icaassocioudiretamenteDistrito9aos ilmesnacionaisquetêmas favelascomocenárioprincipal(alémdoconteúdoviolento,no“melhor”estilofaroeste),vulgarmentechamadosdefavelamovie.

VistoqueocenáriodafavelaemDistrito9écercadopormuros,militarizado,vigiadopor câmeras e assombrado pela remoção, é possível introduzirmos o contextocontemporâneo demaneira panorâmica, contandoqueo ilmeapresentademaneiraamplaaçõessimilaresàspolíticaspúblicasparaoterritóriodasfavelasdoRiodeJaneiro.Inicia-setambémoexercíciocomparativoapartirdourbanismodoapocalipse.

7Publicadoin:http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2009/09/626184-distrito-9-mistura-iccao-cienti ica-com-favela-movie-na-africa-do-sul.shtml.FolhadeSãoPaulo,20desetembrode2009.

Page 31: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

38

DISTRITO9(2009)

Títulooriginal:District9Direção:NeillBlomkampPaís:ÁfricadoSul,Canadá,EstadosUnidoseNovaZelândiaProdução:PeterJacksoneCarolynneCunninghamDuração:112minutosCor:coloridoRoteiro:TerriTatchell

Distrito 9 narra o con lito de um grupo de seres extraterrestres que, porummotivomisterioso, procura refúgio na Terra, especi icamente em Johanesburgo. O ilme ébaseado no trabalho anterior do diretor Neill Blomkamp, o curta-metragemAlive inJoburg(2006),noqualomesmocon litoérepresentado.Emseisminutos,Blomkampdirecionoudepoimentospreconceituososreaisaosaliensda icção,emumaespéciededocumentário-sátirasobreaintolerânciaàdiferençapelapopulação local.SeguindoamesmafórmulaemDistrito9,depoimentosreaisdapopulaçãoarespeitodosimigrantesrefugiadosnaÁfricadoSulforamtransformadosem icção,comoseosentrevistadossereferissemaosseresextraterrestresdoDistrito9:

- Estão gastando muito dinheiro para mantê-los aqui, quando podiam estargastandoemoutrascoisas.Mas,pelomenos,estãomantendoelesseparadosdagente...

-Elestêmqueirembora!Eunãoseipraonde,maselestêmqueirembora!Otítulodo ilmefoiinspiradonoDistrictSix,naCidadedoCabo,bairroproletárioquefoideclaradoem1966comoáreaexclusivaparabrancos,duranteoregimedeapartheid.Osquase60milhabitantesdoDistrictSixtiveramsuascasasdemolidaseforamexpulsosparaaperiferia,25quilômetrosdistantedocentrodacidade.Portanto,Distrito9éumametáfora à segregação ainda existente nas cidades sul-africanas, herança direta doapartheid,substituindoossereshumanosnegrosefaveladosdeJohanesburgoporseresextraterrestres.

http://www.comingsoon.net/gallery/39046/District_9_7.jpg

Page 32: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

39

O ilme tem o seu início em 1982, quando a nave-mãe originária de um planetadesconhecidopairasobreJohanesburgo,umadasmaioresmetrópolesdaÁfricadoSul,naçãoque foi durantequase50anosopalcodapolíticadoapartheid.Mesmoapósaquedadoregimeracista,em1994,oscon litossegregacionistasperduraram.Ogrupode extraterrestresdesembarca e encontra um ambiente hostil a suapresença, sendodirecionadoàumgrandecampoderefugiados,quecomopassardosanossetransformaemumafaveladegrandesproporções.

Deposde27anosdachegadadosalienígenasnaTerra,ogovernodecideremovê-losdoDistrito9paraumcampoderefugiadosmaisdistantedacidade.Aoperaçãodedespejodosseresextraterrestreséche iadaporWikusvandeMerwe(SharltoCopley),quesofreumestranhoacidenteduranteaincursãonafavela. ApenasChristopher,umalienqueplanejafugirdevoltaparaoseuplaneta,poderáajudá-lo.

OprimeiroaspectoquesobressainaanálisedeDistrito9éapresençaameaçadoradooutro, semprerecorrentenasnarrativasde icçãocientí icadesdeaprimeirapelículado gênero: o ilme Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès. Neste ilme, os outrossão representados pelos selenitas, seres grotescos que são vencidos facilmente pelosdesbravadoreseuropeus.Esteembateentrenóseosoutrosexplicítaametáforadeumalutadobemcontraomal,dacivilizaçãocontraabarbárie.EmViagemàLua,éatribuídaaos selenitas aparência bizarra e trejeitos primitivos, enquanto que os astrônomoseuropeussãoapresentadoscomodestemidosedotadosdeforçaeinteligênciasuperior,capazde subjugaros seresalienígenas.O ilme,deorigem francesa, foi produzidonoiníciodoséculoXX,nocontextohistóricodoNeocolonialismo.Pode-seentãoconstruirumametáforanaqualaFrança,umadasgrandespotênciasimperialistasdessaépoca,serepresentananarrativa ílmicacomodetentoradeumamissãocivilizatóriaque,emnomedoprogressodahumanidade, legitimaa invasãode territóriosestrangeiros.Naicção,aLuaeraoalvo;narealidade,aÁfricaeaÁsia.

Enquantoqueno ilmeViagemàLuaooutrotemoseuterritórioinvadido,emDistrito9 são os alienígenas que acidentalmente invadem o espaço terrestre. Independentedo território, o outro é dominado nesses espaços pelos que se autodenominamrepresentantesdacivilizaçãohumana.Noentanto,éimportanteressaltarqueodiscursoideológicodeViagemàLuaé claramente imperialista, aopassoqueDistrito9éumacríticaàintolerânciaàsdiferenças.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/12/ApartheidSignEnglishAfrikaans.jpg

http://inagorillacostume.com/wp-content/uploads/2011/06/District-9-Guerrilla-Marketing-Movie-Bus-Stop-Poster.jpg

COMPARE A IMAGEM ACIMA O POSTER PROMOCIONAL DE LANÇAMENTO DO FILME AO AVISO ABAIXO, DA ÉPOCA DO APARTHEID: “PARA USO DE PESSOAS BRANCAS”.

Page 33: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

40

Conecta-seooutroda icçãocientí icaaodarealidadedasfavelascariocas;ofaveladoquehistoricamentetemoseuterritórioassediadopordiversasformasdedominação,segregaçãoeerradicaçãopeloEstadoaolongodemaisde100anos,desdeosurgimentodaprimeirafavelanoRiodeJaneiro:

Assim, a despeito de diferentes roupagens, sempre de acordo com umcontexto histórico especí ico, o favelado foi um fantasma, um outroconstruídodeacordocomotipodeidentidadedecidadãourbanoqueestavasendo elaborada, presidida pelo higienismo, pelo desenvolvimentismoou,mais recentemente, pelas relações auto-reguláveisdomercadoepelaglobalização.(ALVITOeZALUAR,1998:15)

***

Page 34: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

41

Assim,sórestaafavelacomosoluçãototalmentefranqueadaaoproblemadearmazenaroexcedentedehumanidadedoséculoXXI.

MikeDavis,2006

Asemelhança entreo cenáriodas favelasde Johanesburgoeodas favelas cariocas éevidente,revelandoatendênciadosurgimentodasfavelasnospaísessubdesenvolvidos,cujoshabitantes já representamum terço dapopulaçãourbanaglobal (DAVIS, 2006:198).Apesardosigni icadodefavela,um“conjuntodehabitaçõespopularesqueutilizammateriaisimprovisadosemsuaconstruçãotosca,eonderesidempessoasdebaixarenda”8,muitosurbanistasavêemcomoummodeloparaascidadesdofuturo.EmentrevistaaojornalOGlobo(“Modelourbano–Novavisãosobreafavela”,publicadanodia08/04/2014;capaepágina2),ourbanistaalemãoRanierHehldizque“hámuitooqueaprendercomomodelodofuturo”,aosereferiràsfavelascariocas.

Naentrevista,Hehlapontaafavelacomoumaopçãodemoradiademenorcustoparaa classemédia, argumentando que a favelização é “um fenômeno do desenvolvimentourbano no contexto da economia neoliberal, que acontece no mundo inteiro.(...) Naseconomiasneoliberais,écadavezmaisdi ícilacharumamoradiabarata.”Segundoele,afavelacariocapoderiaserummodelodehabitaçãoaserreproduzidoemBerlimeoutrascapitaiseuropéias.Existemduasopçõesparajusti icaro“modelo”expostopelourbanista:oueleconta comoaumentodapobreza,emumaperspectivadeaprofundamentodocapitalismo neoliberal e do crescimento da porcentagem de pessoas pobres, sendonecessáriamaisdoquenuncaaproduçãodesigualdoespaço;oueleconsideraafaltade infraestrutura urbana, o estigma da pobreza, a segregação espacial, a vigilânciapermanenteeasfrequentesameaçasdeexpulsãocomoalgonaturalaoshabitantesdascidadesnessehorizonteneoliberal.Nãoimporta:emqualquerumdessesdoiscenáriosparaofuturo,afavelacariocaseapresentacomoomaisbaratoceleirodereproduçãodaforçadetrabalho.

Afavelacarioca,quecresceunoiníciodoséculoXXcomaexpulsãodapopulaçãopobredoscortiçosdaáreacentraldacidade,despertouasanhadasautoridadesdesdeoseunascimento,desejosasdasuaerradicaçãoparaoêxitodasreformasurbanashigienistas.Contratodasasperseguições,estigmaseinsalubridades,ofaveladoresisteaolongodosanosnadefesadoseuterritório:

8DicionárioHouaiss.http://www.jb.com.br/media/fotos/2012/11/27/900x510both/PICOdonaMarta4471.JPG

Page 35: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

42

Falar de favela é falar da história do Brasil desde a virada do séculopassado.ÉfalarparticularmentedacidadedoRiodeJaneironaRepública,entrecortadaporinteressesecon litosregionaisprofundos.Pode-sedizerqueas favelas tornaram-seumamarcada capital federal,emdecorrência(não intencional) das tentativas dos republicanos radicais e dos teóricosdoembranquecimento–incluindo-seaíosmembrosdeváriasoligarquiasregionais – para torná-la uma cidade européia. Cidade desde o iníciomarcadapeloparadoxo,aderrubadadoscortiçosresultounocrescimentodapopulaçãopobrenosmorros, charcos edemaisáreas vazias em tornodacapital.Mas isso tambémsedeveu àcriatividadeculturalepolítica,àcapacidadedelutaedeorganizaçãodemonstradaspelosfaveladosnos100anosdesuahistória.Eacapitalfederalnuncasetornoueuropéia,graçasàforçaquecontinuaramaternelaacapoeira(oupernadaoubatucada),asfestaspopularesqueaindareuniampessoasdediferentesclassessociaiseraças,asdiversasformasegênerosmusicaisqueuniamoeruditoeopopular,especialmenteosamba.(ALVITOeZALUAR,1998:7)

Entrecon litoseresistências,asgrandesreformasurbanasnoRiodeJaneirodoiníciodoséculoXXaprofundaramasegregaçãoespacial,vistoqueospobresnãomaishabitavamaoníveldaruanaáreacentraldacapitaldaRepública.Excluídosdoprogressoprometidopelos planos de modernização da cidade nos moldes europeus, coube à populaçãodos cortiços demolidos reproduzir a sua força de trabalho nas encostasdosmorros.Nasceria assim o território da favela, marginalizado socialmente e espacialmente, jáque “as relações sociais deprodução têmumaexistência social àmedidaquepossuemumaexistênciaespacial,elasseprojetamnoespaço,inscrevendo-senele,produzindo,nesseprocesso, o próprio espaço.” (LEFEBVRE, 2006:186). Portanto, a favela é a expressãoespacialdapobreza,vistoqueosmodelosespaciaissãoproduzidosdeacordocomasrelaçõessociaisdoseutempo.ParaMiltonSantos(1993:10),“apobrezanãoéapenasofatodomodelosocioeconômicovigente,mas,também,domodeloespacial.”Pode-seentãoentenderqueaproduçãoespacialdapobrezaéumciclovicioso,noqualapobrezajáexistenteseacentuaapartirdascaracterísticasespaciaisexcludentesquecontinuamaserproduzidas:

O enclausuramento do pobre, espacialmente próximo das condições davidamodernaurbanaesocialmente tão longedela, frutodo inacesso, oudaperiferização, queo tornaduplamentedistante, di iculta amobilidadesocial. Cria-se uma barreira espacial que reproduz a pobreza, como umfatoramais.Apobrezasegregada icamaispobre,tornandomaisdi ícilamobilidadesocial.(FERREIRAePENNA,2005:158)

Page 36: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

43

Asrelaçõessociaisprópriasdocapitalismo,queincidemsobreacidadedoRiodeJaneiro,produziramespacialmenteasfavelas,sendoasuaformaumarespostamaterialdasuafunçãonacidadecapitalista.Oprocessoespacialdesegregaçãoformataasáreassociais(CORRÊA, 2003), distribuindo e organizando desigualmente no espaço as diferentesclassessócio-econômicas.Destemodonasceoprocessodesegregaçãoresidencial,que“signi icanãoapenasummeiodeprivilégiosparaaclassedominante,mastambémummeiodecontroleedereproduçãosocialparaofuturo.”(CORRÊA,2003:66)

Controlarareproduçãosocialnafavelavaialémdasegregaçãoespacial,passandopelodomíniodoseuterritórioedosseushabitantesparagarantirentãoacontinuidadedapobrezaedaexclusão.Poroutro lado,asclassesmais favorecidas têmoseuacessoàcidadeasseguradodaformaquelhesforconveniente:

Háumaverticalizaçãoondeaelitedesfrutadasoportunidadesdemercadoeospobresouexcluídosocupamespaçosabandonadosedesmembrados.Neles residem os de “cidadãos da última ila”, condenados a permanecernesse lugar, cuja esperança é permanecer na cidade afundando-se namiséria.Mesmoilhadosesegregados,essesdiferentesdespertamomedoemoutros.(MARTINSeCARVALHO,2010:208)

Nesteponto,aomesmotempoqueoespaçodapobrezaéproduzidoerealimentadoacadanovafragmentação,a“temível” iguradooutro–ofavelado–seapresentacomoo“inimigopúblico”asermantidosobcontroleemseupróprioterritório,emnomedocombateàviolênciadaqualeleéresponsabilizado.OEstadoutilizaaprópriaviolêncianessa “cruzada” contra a favela, seja nas ações policias e nas formas eletrônicas devigilânciaquantonasbarreiras ísicasenasremoções.Portanto,aaçãoviolentadopoderpúblico tende a aprofundar aindamais a segregação espacial das áreas socialmentefrágeisdacidadedoRiodeJaneiro,dadoque“asformasdeselidarcomela(aviolência)simbolicamenteematerialmenteassumemseparações,fragmentaçõeseexclusõesespaciaisnoespaçourbano.”(MARTINSeCARVALHO,2010:215).

***

Page 37: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

44

MUROSEBARREIRASNAFAVELA

AinstalaçãodosmurosnasfavelasdoRiodeJaneirocomeçounoanode2009,poucosmesesantesdaeleiçãodacidadecomosededosJogosOlímpicosde2016.Onoticiárioanunciavaa construçãodemurosde3metrosde alturanasmaiores favelasdaZonaSul, sob a justi icativade impediro avançodosbarracos sobre áreasdepreservaçãoambiental.AONUviucommausolhosaideia,assimcomooescritorJoséSaramago,queseposicionouvêementementecontraamedida,comparando-acomoMurodeBerlimedaPalestina. Poroutro lado, o governador SérgioCabral e oprefeitoEduardoPaesa irmaramquefalarmaldosmurosédemagogia.

Namatéria “Riodescartoumuromaisbaixopara favelas”9,publicadanaFolhadeSãoPaulo do dia 04/03/2009, opresidenteda Associação deMoradores da FavelaDonaMarta,AntônioFerreiradeMeloa irma,sobreosmuros:“Afavelajáviveumavidasobcerco.Comomuro,passaráaterumsímbolodepreconceitoediscriminação”.

O estado e as autoridades ofereceram o seu discurso como uma resposta à agendaambiental,deproteçãodeáreasprotegidasdaMataAtlântica,edecontrolenaexpansãode territóriosurbanos.Porém, anotícia “Rio farámuroem11 favelasdeáreanobre”,veiculadapelaFolhadeSãoPaulododia02/04/2009,indicouqueoslocaisescolhidosparaaconstruçãodosmuros–todosnaZonaSul–cresceramabaixodamédiadacidade.Então,qualseriaomotivoquejusti icasseaconstruçãodosmurosparaasfavelas?

9Acessadaem13/06/2014.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0404200929.htm

http://4.bp.blogspot.com/-AFdSMNomS6k/T7qypaxsJYI/AAAAAAAAAUs/bp2QECZ3R74/s1600/27_MHG_muro.jpg

Mancheteextraídado trabalhoArquiteturada Violência -Regulações de umasociabilidadeurbanaexcludente:(b)ecosdeumareordenaçãoolímpicadaCidadeMaravilhosa(verFERRAZ,2010emFontesBibliográ icas).

h t t p : / / m e d i a . t u m b l r. c o m / t u m b l r _luhwotAMAz1qba011.jpg

Page 38: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

45

Umapausanosmuros: vamosanalisar agorao discurso sobre asbarreiras acústicas,instaladasnaLinhaVermelhaapenasnotrechoadjacenteàFaveladaMaré,emmarçode2010.Aprópriamanchete“Maissilêncioesegurança”(JornalOGlobo,06/03/2010)járevelaaintençãodasbarreiras:conteraviolênciaquesupostamentevemdafavela,principalmenteporserumaviade“localizaçãoestratégicaemtermosdesegurança.(...)narotadepassagemdovisitantequechegapeloaeroportointernacionaldoGaleão.”10

Maissilêncio...?SeriaingenuidadeacreditarqueoEstadoestápreocupadoempromovera diminuição do ruído em uma área com parcos investimentos públicos e péssimascondiçõesbásicasdeinfraestruturaurbana?Ousinaldeparanóiaacreditarqueosilêncioésómaisumdiscurso legitimadorda instalaçãodasbarreiras,assumidopeloEstadoesublinhadopelamanchetedojornalOGlobo?AsimagensaseguirmostramosladosdiferentesseparadospelosPainéisdeAnimaçãoCulturaleProteção,nomeescolhidopelaconsessionáriaqueadministraaLinhaVermelhaparabatizaromuro.Vamosemfrente...

10In“MaiorconjuntodefavelasérotaparaoGaleão”,matériapublicadanaFolhadeSãoPaulo,25/03/2014.

https://lh5.ggpht.com/NQ9Sdh_OwoCUTXFNl9GmZGgSBYnGxLojPTnB6ydpQ0du5gWmBet2RkxwmNZq87d7v0xE1Q=s140

http://vivafavela.com.br/sites/default/ iles/reportagens/2014_03_27_Paulo_Barros_012.jpg

x

Page 39: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

46

Por suascaracterísticas ísicas,qualquermurooubarreira–salvose construídocommaterialtranslúcido–garanteaimpermeabilidadevisualentreosdoisladosqueestãoseparados.Especularqueosmuros tambémseprestamagarantira invisibilidadedafavela aos olhos dosmoradores “do asfalto” e dos visitantes seria outro absurdo? OdeputadoestadualMarceloFreixoargumentaqueabarreiraacústica“éumaconstruçãoparatornar invisívelumapartedacidadequenãoétãomaravilhosa.” 11 OcoletivoSebenzequedá,compostopormoradoresdaFaveladaMaré,emnota12,questiona:

Se pensarmos... Pra que servem os muros? Para proteger os “cidadãos debem” (oudebens), quepassamnas vias expressas, dos perigosos faveladosque estariam do outro lado. Separar; esconder e cercar. Nenhuma dessasmotivaçõeséboa

Apesquisa“Osmurosdoinvisível”13revelouque73%dosmoradoresdaFaveladaMaréacreditamqueomurofoiconstruídoparaesconderafavela.Segundooestudo,amaioriadosmoradoresacreditamqueainstalaçãodasbarreirasseriapartedeumprocessode“maquiagem”dacidadeparareceberosturistasestrangeiros,tendoemvistaaCopadoMundoem2014easOlimpíadasem2016.

Portrásdodiscursodeproteçãoambientaleacústicapropagadopelopoderpúblico,ocercamentodasfavelascariocaspelosmurosacumulaoutrasfunções,dentreasquais:acontençãodaexpansãoterritorialdapobreza,asegurançadosqueestãodoladodeforadomuroeagarantiadainvisibilidadedosbarracos.Independentedasnovasformasinventadas (ecolimites, becos ou monotrilhos), o resultado dessas fronteiras ísicassempreserálimitarafavela.

11InRiopõebarreirasacústicasnafrentedefavelas,publicadoemGazetaOnline,12/03/2010.Acessadoem10/06/2014.http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/03/611932-rio+poe+barreiras+acusticas+na+frente+de+favelas.html12InMurodadiscórdia,publicadoemVivaFavela,02/04/2014.Acessadoem05/06/2014.http://www.vivafavela.com.br/reportagens/501-o-muro-da-discordia13Pesquisarealizadadefevereiroaagostode2011peloNúcleodeEstudosePesquisassobreFavelaseEspaçosPopularesdaREDESdeDesenvolvimentodaMaré,emparceriacomObservatóriodeFavelaseActionAid.http://www.redesdamare.org.br/wp-content/uploads/2012/03/release_resultados_pesquisamuro_-2011.pdf

http://vivafavela.com.br/sites/default/ iles/reportagens/Francisco%20Valdean.jpg

Page 40: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

47

Entre discursos e intenções, o poder simbólico demurar um determinado territóriosemprerevelaafacedaseparação,contençãoedivisão.OmuromaterializanoespaçourbanodoRiodeJaneiroasegregaçãoquesempreincidiusobreafavela.Maisdoqueisso, esconde aos olhos dos moradores do asfalto e dos visitantes a inconvenientepobrezaquedestoadasbelezasdapaisagemdaCidadeMaravilhosa.

RetomandoDistrito9:osmurosnasfavelascariocassãoumamanifestaçãodourbanismodoapocalipse,secomparadoao ilme? NaJohanesburgoda icçãocientí ica,aideiadeguetoextraterrestreéreforçadapelapresençadosmuros,quedemarcavamclaramenteo espaço aonde os aliens poderiam permanecer. Sobre os guetos, Zygmunt Bauman(2003:109)conceituaque“asprisõessãoguetoscommuros,eosguetossãoprisõessemmuros.”Tendoemvistaestacolocação,podemosespecularqueapartirdaconstruçãode ummuro, o gueto também pode ser analisado como um local de con inamento,dominaçãoeexclusãosocialeespacial.

Omuroquecercavaafavelaformadaapartirdoacampamentodosseresextraterrestrestinhaoseuperímetrocoroadoporaramesfarpados,alémdeguaritaseumabateriadefoguetesadjacentes,contandoaindacomumgrandeportãodeaçoqueimpediaasaídadosdedentro,osoutros.Ficatambémexplícito,portanto,asensibilidadedaquestãodasegurançadosdefora.

Angeli-FolhadeSãoPaulo,12/04/09

Page 41: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

48

No ilme, omuro é a expressão de um cenário de guerra, extrapolação da realidadedosguetosefavelas,mascolocaempautaaquestãodaconstruçãodeumabarreiranaperspectivadedefesamilitarcontrauminimigointerno,enãoapenascomoumlimiteespacial.Navidareal,paraosmoradoresdasfavelascariocas,omurorepresentaumcerco,umaarmadilha,assimcomoparaoEstadoeleéumaparatodesegurança.

FICÇÃO? REALIDADE?

Page 42: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

49

UNIDADESDEPOLÍCIAPACIFICADORA

QuandoaprimeiraUnidadedePolíciaPaci icadorafoiinstaladanaFavelaDonaMarta,em2008,ocorreramprofundasmudançasnadinâmicadasaçõesdopoderpúbliconasfavelascariocas,comose aCaixadePandora subitamenteseabrisse comaocupaçãomilitardosmorros.Mas,oqueéaUPP?Paci icação?Militarização?Umaguerradobemcontraomal?En im,emquaispontosodomíniodoterritóriodafavelapeloEstadosetornouestratégiconoplanejamentourbanodoRiodeJaneiro?

NocontextodoreaquecimentodaeconomiadoRiodeJaneiroapósanosdedecadência,aatuaçãodoEstadonafavela,antesdasUPPsrestringidaaaçõesextremamentepontuaisedepoucaduração, deumahoraparaaoutra se estabeleceno território favelizado.Emumacidadecomaltosinvestimentosàespreita,emgrandepartepelaaproximaçãodosmega-eventos,tomaroterritóriosigni icaaaberturadesteaocapital.Sendoassim,nuncaomomentofoitãooportunoparaexploraromanancialhumanoeterritorialqueafavelaofereceàcidadecapitalista.Nessaperspectiva,aPolíciaPaci icadoraseapresentacomo“ummecanismodecontrolesocialquevemacrescentaràviolênciaeàespoliaçãohistóricasexistentesnas favelasnovas formasdecontrole econsentimento inseparáveisdelas, fornecendo, assim, as condições para o avanço do capitalismo na metrópoleluminense.”(TEIXEIRA,2011)

http://noticias.uol.com.br/album/2014/03/26/exercito-busca-armas-enterradas-por-tra icantes-do-rio-de-janeiro.htm#fotoNav=10

Page 43: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

50

Há cerca de ummês, representantes da Philips estiveram com integrantesdasecretariadeSegurançaparafazerumaconsulta.Segundoumafontedogovernodoestado,elesqueriamsaberseseriainstaladaumaUPPnoMorrodoDendê,naIlhadoGovernador.Aempresateriainteressedemontarumafábrica na região. As autoridades estaduais con irmaram a paci icação nolocalaté2014.14

O território da favela é então conquistado, em nome da segurança pública, edisponibilizadoparaquemquiserinvestir.Aomesmotempo,acidadeaoredordafavelasevalorizacomareduçãodaviolência,aquecendoprincipalmenteomercadoimobiliárioeoturismo.Pareceumplanoperfeito?Arealidadeéqueosmoradoresdasfavelasestãoassistindoaum“desenvolvimento”peloqualnãopodempagar,jáquedeumahoraparaaoutraforaminseridosemumcontextourbanodecustosinviáveisparaoseupadrãodevida.Amesmaviela,omesmobarraco,omesmoestigma,novasdespesasparaarcareumapromessade“paci icação”:

Policiamento comunitário marcado pelo diálogo entre os policiais e osmoradores das favelas ‘paci icadas’, voluntariado da parte dos policiais,redução drástica dos índices de violência, ‘invasão de serviços’, combateà informalidade e incentivo ao micro(nano?)-empreendedorismo. Eis oquadro pintado pelos veículos o iciais de comunicação do Governo doEstadoedaPolíciaMilitaredagrandemídiaentusiasta.Mas,seouvirmosostestemunhosdealgunsdosmoradoresdasfavelasocupadaspelasUPPs,as análises de observadores críticos emesmo algumasnotíciasde relevona grande mídia, pode-se contrastar a imagem de sucesso acachapantepropagandeadaatéaqui,demonstrandoalgunsimportantesatritosentreascomunidadeseospoliciais,e contestando, igualmente,o imdaviolêncianestasáreas.(TEIXEIRA,2010:1)

14PublicadoemOGlobonodia14/12/2010.Acessadonodia15/05/2014.http://oglobo.globo.com/rio/apos-anos-de-esvaziamento-paci icacao-atrai-empresas-para-areas-proximas-favelas-2911516

Page 44: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

51

O imdaviolêncianomorro icouapenasnodiscurso,ea “reconquista”do territóriosigni icou que o Estado, a partir de então, era o detentor do monopólio das açõesviolentasnasáreasfavelizadas.Troca-seatiraniadosnarco-tra icantespelatiraniadasforçaspoliciais,eapartirdoterrorimpostoaosmoradorespelaUPPépossívela irmarque“Nasregiõesbeligerantesdascidades,políciaeexércitoatuamcomosefossemmaisumaquadrilhaentreoutras.”(ENZENSBERGER,1993:42)Seispormeia-dúzia?Ofatoéque,noexercíciodopodernafavela,ofuzilcontinuafalandomaisalto.A“paci icação”seassumecomomilitarizaçãonosdepoimentosdomoradorHenriqueSouza15,daRocinha,edaespecialistaMariaHelenaMoreiraAlves16,respectivamente:

‘Hamuitosrelatosdeagressõescometidasporpoliciaisduranterevistasembecos.Amaioriadosjovenssãoacusadosdeterenvolvimentocomotrá icopelomododesevestiroupelocomportamento’,fala.Paraele,pelopontodevistadomorador,ascoisaspioraram.Alémdasmortes,dosdesaparecimentosedastrocasdetiros,‘onúmeroderoubosdentrodacomunidadeaumentou.estupros,desordempúblicaeosconstantestiroteioscolocaramemchequeoprocessodepaci icação’,concluiuHenrique.

Existeumestadodeexceçãodeclarado.Issonãoéinterpretação,éfato.Váriosdireitos civis são suspensos.As pessoas são revistadas, a polícia entra e saidascasascomoquer.Sesuspeitamdealguém,levamembora,comofoiocasodoAmarildo.Nãoexistedireitoaadvogado.Apolícia fazcoisasque jamaisfaria em Ipanema, Copacabana e Leblon. Imagine o Bope chegando numapartamentonoLeblon,arrombandoaportaeentrandocommetralhadora!Éinimaginávelnazonasul,masacontecetodosodiasnasregiõesqueestãosobasUPPs,queestãodebaixodeumcercomilitar.Eégravequeessemodeloestejasendoconsideradoparaopaísinteiro:aleidaFifavaideclararestadodeexceçãotemporárioemtodasascidadesondevaihaverjogo.Oestadodeexceçãoquerdizersuspensãododireitoconstitucional.Issofoioquefoifeitonaditaduramilitar.

15InUPPpraquem?.JornalBrasildeFato-RiodeJaneiro,20a26/02/2014.Ano11,edição40.16InFavelacomUPPviveestadodeexceção.FolhadeSãoPaulo,25/08/2013.

Page 45: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

52

http://imguol.com/2012/10/14/14out2012---policial-faz-revista-em-morador-durante-ocupacao-nas-favelas-do-complexo-de-manguinhos-na-zona-norte-do-rio-de-janeiro-1350231638955_956x500.jpg

Page 46: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

53

Aaçãomilitarnosmorrosénaturalizadaporgrandepartedaopiniãopúblicaapartirdeumimagináriodafavelacomoterritóriodacriminalidadeedofaveladocomocriminoso.EstediscursofoihistoricamenteconstruídonoRiodeJaneiropelasautoridadesepelosveículosdecomunicação,lembrandoque“jánoiníciodesteséculoosmorrosdacidadeeramvistospelapolíciaealgunssetoresdapopulaçãocomolocaisperigososerefúgiosdecriminosos.”(ALVITOeZALUAR,1998:10).NocenárioapocalípticodaJohanesburgodeDistrito9,osseresextraterrestressãoconsideradosa“classeperigosa”,eoseuterritórioumabrigodebandidos.No ilme,comoemumareportagemparaumjornaltelevisivo,especialistas comentam a questão dos con litos sociais entre humanos e alienígenas,deixandoclaroqueaaversãoaosextraterrestreseàexistênciadoDistrito9eraaopiniãodamaioria.Afaladeumasociólogachamaaatençãopelasuaideiapré-concebidasobreafavela:

-Ondeexistirfavela,existirácrime.EoDistrito9nãoeraumaexceção.

A criminalidade como um dos principais traços da imagem da favela, na construçãodoseurepertóriodesigni icados,extrapolaa fronteiraentrearealidadeea icção.Aocorrênciadafavelizaçãodocampodosrefugiadosextraterrestres justi ica,peranteasociedadede Johanesburgo,as açõesviolentasdas forçaspoliciais.Paragrandepartedaopiniãopública,aaçãoviolentadasautoridadesésemprelegítimaquandoocorrenafavela.Ficçãoourealidade?Enquantoisso,osassassinatosdosalienígenaspelapolíciasãomerascasualidades,emumterritórioaondeasvidassãobanalizadas.AocupaçãomilitardoDistrito9cria,maisdoqueumestadodeexceção,umcativeiroparaalienígenasnaTerra.

Page 47: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

54

http://f.i.uol.com.br/fotogra ia/2013/10/17/327751-970x600-1.jpeg

Page 48: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

55

Disfarçadade“paci icação”,aocupaçãomilitardafavelainstauraumestadodeexceçãonosterritóriosfavelados.Arotinadeabusosdepoderdasforçaspoliciaisdesrespeitaosdireitoshumanoseconstitucionais,transformandoosmorroscariocasemumazonaurbanasitiada.Portanto,paci icaçãodoquêeparaquem?Ouosigni icadodepazestádeformado,ouapaznãoéparaafavela.MariluceSouza,moradoradaFaveladoAlemão,questionaasUPPsecolocanadiscussãoooutro, faveladoepor isso“perigoso”:“Quepaci icaçãoéessa?Sãotreinadosparaacharquetodosdafavelasãoameaças.”17Maisdoquealvosdaintolerância,osmoradoresdafavelasãoosinimigospúblicos,talqualosseresextraterrestresdeDistrito9,alvosprediletosdasaçõesmilitaresurbanas.

Apartirdeumaanálisesemióticadonoticiáriosobrea“paci icação”,podemosentenderque as imagens da ocupação das favelas, um verdadeiro show de rituais bélicos, sãoincongruentes ao signi icado de paz – relação tranquila entre cidadãos; ausência deproblemas,deviolência 18.Então,seapaznãoéno localdoacontecimentodanotícia,a favela, o signi icadodepazoupaci icaçãodasmanchetesnão sereferem,portanto,aosterritóriosapresentadosnasimagenspublicadas,masparecemsereferirmaisaosterritóriosdosleitoresdojornalOGlobo–osespectadoresda“guerra-espetáculopelapaz”.

17InMaisde200entidadesapoiammanifestodoAlemãoquestionandoUPPs.BrasildeFato-RiodeJaneiro,27/03/2014a02/04/2014.Ano11.Edição4418DicionárioHouaiss

JornalExtra,24/04/2014.CapaePágina3

Page 49: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

56

JornalOGlobo-25/03/2014-Página8

JornalOGlobo-31/03/2014-Capa

APREENSÃO E MEDO? UÉ, E A PACIFICAÇÃO?

Page 50: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

57

Alémdaquestãodamilitarizaçãoda favela, a “invasãodeserviços”prometidacomainstalaçãodasUPPsnãoproporcionoumelhoriasprofundasna infraestruturaurbanadasáreasocupadas.Narealidade,aprincipalaçãodatal“invasão”foiaformalizaçãodacobrançadofornecimentodeágua,luzegás,oquerepresentoumaisgastosnoorçamentodosmoradores.Enquantoasobrasdeurbanizaçãonãoacontecem,opoderpúblicogastapordia1,7milhãodereaiscomaocupaçãodoComplexodaMaré19.Outraformadeusarodinheirodoscofrespúblicos?210milhõesdereaisforamempregadosnaconstruçãodo polêmico teleférico do Complexo do Alemão, em 2011. Inversão de prioridades?QuandoapropostadeinstalaromesmotelefériconaRocinhaveioapúblico,oarquiteto-urbanistaLuizCarlosToledorechaçouaideia,a irmandoque“asprioridadesnaRocinhasãosaneamento,educação,saúdeemoradiadigna,aliás,omesmoqueoBrasilprecisa,segundooIBGE.”20Portanto,mesmocomodomíniodoterritóriodafavelapeloEstadoecomgrandesrecursosdisponíveisparainvestimentoseminfraestrutura,nãohouverammudançasconcretasnascondiçõesdehabitaçãodapopulaçãofavelada.

E no sobe e desce do morro em que esta semana foram mortos odançarinoDouglasRafaeldaSilvaPereiraeEdilsonSilvadosSantos,osmoradoressãoquaseunânimesaoa irmarquepoucacoisamudouna infraestrutura do local com a chegada da Unidade de PolíciaPaci icadora(UPP).Ocenáriocon irmaatesedeespecialistasdequea paci icação sozinha não é capaz de resolver todas asmazelas dasfavelasdoestado.

19InPresençademilitaresnaMarécustaR$1,7milhãopordia,publicadonojornalOGlobo,26/05/2014.Capaepágina7.20InOpinião:Oteleféricoeataldavontadepolítica.JornalFolhadeSãoPaulo,21/11/2011.Acessadoem17/06/2014.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/10193-o-teleferico-e-a-tal-da-vontade-politica.shtml

JornalOGlobo-12/05/2014-PrimeiroCaderno-Página12

Page 51: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

58

Entrediscursoseações,podemosacreditarqueafunçãoprincipaldasUPPségarantirasegurançadosgrandesnegócioseeventosnacidadedoRiodeJaneiroapartirdodomínioda favela, aomesmo tempoque se faz a aberturado seu territórioao capital.Assim,seproduznomorrooespaçodapobrezadomada;oespaçodareproduçãocontroladada forçade trabalhobarata;oespaçoondesemantêmaclassebaixadócil,enquantopaci icamente sua “reciclagem” acontece, no desenvolvimento da cidade capitalistaneoliberal.Ea inal,dequeméoRiodeJaneirodasUPPs?

Imagem extraída da apresentação do trabalhoArquitetura da Violência: cidade limpa e segura paraturista verapresentado no III Seminario InternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010).

JornalOGlobo-30/11/10-Página17

Page 52: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

59

CÂMERASDEVIGILÂNCIANAFAVELA

Osespaçoscontemporâneosmonitoradosporcâmerasdevigilânciaesistemasinternosdevídeo,dosquaisapenasumoperadorpodecontrolardezenasdepontos,fazemopan-óptico,talqualidealizadopelo ilósofoinglêsJeremyBentham(1748-1832),parecerumesboçodeespaçodisciplinar.Sobreopanoptismo,MichelFoucault(1997:88)de inedaseguinteforma:

No Panopticon vai se produzir algo totalmente diferente; não há maisinquérito, mas vigilância, exame. Não se trata de reconstituir umacontecimento,mas de algo, ou antes, de alguémque sedevevigiar seminterrupção e totalmente. Vigilância permanente sobre os indivíduos poralguémqueexercesobre elesumpoder -mestre-escola,chefedeo icina,médico,psiquiatra,diretordeprisão-eque,enquantoexerceessepoder,temapossibilidadetantodevigiarquantodeconstituir,sobreaquelesquevigia,arespeitodeles,umsaber.Umsaberquetemagoraporcaracterísticanãomais determinar se alguma coisa se passou ou não,masdeterminarseumindivíduoseconduzounãocomodeve,conformeounãoàregra,seprogrideounão,etc.Essenovosabernãoseorganizamaisemtornodasquestões‘istofoifeito?quemofez?’;nãoseordenaemtermosdepresençaou ausência, de existência ou não existência. Ele se ordena em torno danorma,emtermosdoqueénormalounão,corretoounão,doquesedeveounãofazer.

Opan-óptico,expressãoarquitetônicadavigilância, icoumaisrobustoeabrangentecomosadventostecnológicosdasegurança,jáqueestá“armadodemúsculos(eletronicamentereforçados, “ciborguizados”) tão poderosos que Bentham, ou mesmo Foucault, nãoconseguirianemtentariaimagina-lo(...)”(BAUMAN,2013:58)

As câmeras intimidam as ações e doutrinam os corpos e mentes para o estado devigilância total. A sociedade contemporânea celebra o atode “ver sem ser visto”nasruas,lojas,elevadores,condomínios,shoppingcenters,estaçõesdemetrôeprogramasdetelevisão.Ascidadesatuaisvivemplenamenteopan-óptico,queé“autopiadeumasociedadeedeumtipodepoderqueé,nofundo,asociedadequeatualmenteconhecemos- utopiaque efetivamente se realizou.Este tipodepoderpodeperfeitamente receber o

http://www.eggnostics.com.br/wp-content/uploads/2013/05/Big-Brother-penitenci%C3%A1ria-e-controle-da-sociedade.-O-que-eles-t%C3%AAm-em-comum2.jpg

Page 53: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

60

nomedepanoptismo.Vivemosemumasociedadeondereinaopanoptismo.”(FOUCAULT,1997:87)

A instalação das câmeras nas favelas cariocas reforça a vigilância já exercida pelasUPPs, oferecendoolhos eletrônicos onipresentes aomonitoramento da área. Asduaspolíticaspúblicastrabalhamemsinergiaparaconsolidaroespaçodisciplinarnasáreasfaveladas, considerandoqueestas sãovistas como territóriosda criminalidadeedas“classesperigosas”,naqualtodososseusmoradoressãoavaliadoscomopericulososempotencial:

TodaapenalidadedoséculoXIXpassaaserumcontrole,nãotantosobreseoquefIzeramosindivíduosestáemconformidadeounãocomalei,masaoníveldoquepodemfazer,doquesãocapazesdefazer,doqueestãosujeitosafazer,doqueestãonaiminênciadefazer.(FOUCAULT,1997:85)

O programa de videomonitoramento para as favelas é um dos projetos incluídos noConvênio de Cooperação na Área de Segurança Pública 21, o que supõe o seu uso napromoçãodasegurança.Mas,segurançadequem?NaRocinha,omajorEdsonSantos,criadordosistemadecâmerasecomandantedaUPP local,nãoescondea“ortopediasocial”(FOUCAULT,1997)portrásdomonitoramento:“Comelas,aumentamosavigilância.Quemestáenvolvidocomcoisaserradasmudadecomportamento.Porisso,asocorrênciasdiminuíram.” 22NaFavelaDonaMarta(ouSantaMarta),ainsatisfaçãodosmoradorescomainstalaçãodascâmerasdevigilância foi imediata:segundoanotíciaMoradoresdoSantaMartareclamamdecâmera‘bigbrother’,publicadanoEstadãoOnlinenodia29/09/200923,oshabitantesdomorro“nãoforamconsultadossobreoposicionamentodos equipamentos”e “não têm informações sobrequem temacessos às imagensnemodestinodadoaelas.”Namesmamatéria,orapperFiel,umadasliderançascomunitáriasdolocal,a irmaqueafavela“nãoécondomínio,nãoérua.Láembaixoacâmeraéparaprotegeromorador.Aquiéparatratá-locomosuspeito”.Portanto,segurançaparaquem,seos“criminososempotencial”sãoosprópriosfavelados?21InCidadedeDeusterácâmerasdemonitoramento,publicadonoportalR7nodia18/12/2009.Acessadonodia06/06/2014.http://noticias.r7.com/cidades/noticias/cidade-de-deus-tera-cameras-de-monitoramento-20091218.html22InBBBdafaveladaRocinha,noRio,monitoramoradores24horas,publicadoemFolhaOnlinenodia11/05/2013.Acessadoem11/06/2014.http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/05/1277131-bbb-da-favela-da-rocinha-monitora-moradores-24-horas.shtml23Acessadoem11/06/2014.http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,moradores-do-santa-marta-reclamam-de-camera-big-brother,442993

http://visaodafavelabrasil. iles.wordpress.com/2009/10/cartazcamera0k.jpg

Page 54: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

61

Em Distrito 9, as câmeras de segurança monitoram as atividades dos refugiadosextraterrestres,ooutrona icção,emtomadasinvasivasqueexpõemaintimidadedessesseres. Como em uma experiência de laboratório, os movimentos e comportamentosdosalienígenassãoavaliadosinloco.SunTzuensinaria,emseusmanuscritossobreastáticasdeguerra,algoparecidocomconheçabemoseuinimigoparapodertriunfaremumcombate.

OquenemmesmoocenárioapocalípticodeDistrito9concebeufoioadventodosdronesna vigilância dos seres extraterrestres. Sobre esta nova tecnologia bélica, Bauman(2013:27) a irmaque “nãohaveráabrigo impossível de espionar – paraninguém.”Aocusto de 80 milhões de reais, o governo brasileiro adquiriu este avançado aparelhomilitar voador de espionagem, equipado com câmera eletro-óptica e infravermelhoquefocalizaalvosa10kmdedistância.EstredronefoiutilizadonaFaveladaMarénaoperaçãodebuscaaonarcotra icanteMarceloSantosdasDores,oMenorP24.

Oterritóriodafavela,talqualascavernasafegãsouoscamposderefugiadospalestinos,éoalvodasaçõesmilitaresdaaeronaveespiã.AúnicadiferençaéqueodroneutilizadonoRiode Janeiro ainda não carrega armamentos que efetuamdisparos por controleremoto,talqualnasguerrasdoOrienteMédio.Ainda...

24InPresocomajudadoscéus,publicadonojornalOGlobonodia28/03/2014.CapaePágina13.

http://s2.glbimg.com/nlkZbcoWf8PFPAn80thw2NHOvGDqJ7IVlNZg38e3sKlIoz-HdGixxa_8qOZvMp3w/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2013/01/10/cameras_rocinha.jpg

Fonte:JornalOGlobo-28/03/2014-Capa

Page 55: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

62

Ocasode Amarildo,moradorda Rocinhaque foi sequestradoem 2013 porpoliciaisdaUPP (eque até agora continuadesaparecido), revela a “seletividade”das imagenscapturadasnafavela:nenhumadas84câmerasdevigilânciainstaladasnolocalfoicapazdeproduzirpistasconcretassobreocrimepois,comorevelaodepoimentodopolicialAlanJardim,publicadonoportaldenotíciasdojornalOEstadodeSãoPaulo25,“todasascâmerasnoentornodaUPPdaRocinhaestavamdesligadasnodiada ‘averiguação’doajudantedepedreiro.”Portanto,sorria:vocêestásendo ilmado–issoseoequipamentonãofalharduranteaoperaçãopolicial.

25Extraídodanotícia“TesoureirodaUPPdaRocinhaéouvidosobrecasoAmarildo”,publicadanodia12/03/2014às19h31noendereçowww.estadao.com.br/noticias/cidades,tesoureiro-da-upp-da-rocinha-e-ouvido-sobre-caso-amarildo,1140082,0.htm,acessadanodia18/05/2014.

http://veja0.abrilm.com.br/assets/images/2013/8/167986/Camera-de-vigilancia-na-Rocinha-mostra-Amarildo-em-destaque-sendo-levado-de-casa-por-policiais-da-UPP-size-598.jpg?1376525578

FICÇÃO? REALIDADE?

Page 56: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

63

REMOÇÕES

Já em seu primeiro mandato (2009-2012), Eduardo Paes ressuscitou a política daremoçãodefavelas,notóriaduranteosgovernosdePereiraPassos(1902-1906)eCarlosLacerda(1961-1965).Foramremovidasmaisde37.000pessoasdesuascasas,sendoPaesoprefeitocampeãoderemoções,contra31.000deLacerdae20.000dePassos26.FênomenorecorrenteemdiferentesmomentosdoprocessodeurbanizaçãodoRiodeJaneiro,asremoçõessãoretomadasnestaatualgestão“paraumasupostavalorizaçãodacidade”(FAULHABER,2012:37),revelandoafaceda“limpezaurbana-humana”dasáreasdeinteresse imobiliário.No ilmeDistrito9, aoperaçãoderemoçãoéocon litoprincipal;aerradicaçãodafavelaalienígenaéa“solução inal”doprocessodeexclusãoterritorialdooutro.

Ao longo do século XX, diversas medidas higienistas foram executadas a partir dapremissadafavelacomosujeiradapaisagemcarioca,legitimandoasaçõesdeexpulsãodosmoradoresedemoliçãodosbarracoscomosoluçõesurbanísticaseambientais.Nodia12/04/2009ojornalOGlobopublicouamatéria“RemoçõessalvaramapaisagemdaLagoa–CartãopostaldoRiopoderiatersidotransformadoemcomplexodefavelascompelomenos96milmoradores”,naqualincitaodiscursodafavelatalqualumtumorquefoiextirpadodobairrodaLagoagraçasàremoção.

26Segundoosdadosdográ icoNúmerodepessoasremovidasporgestãomunicipal,elaboradoporLucasFaulhaber,comdadoscoletadosdaSMH;ROCHA,1995,p.69;LEEDS,1978,p.220apudFAULHABER,2012:38

http://www.canalibase.org.br/wp-content/uploads/2014/01/mangueira.jpg

Page 57: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

64

https://lh3.ggpht.com/-4aOIycy1o8xPJPzoqsXGz1ImEQGGKYyNm_Ga1aeHrEtx0UvOzOM0IUHUnil4qd3a4tN=s120

Page 58: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

65

A simulação distorcida e o discurso jornalístico tendencioso da referida matériasugeremafavelacomoumcorpoestranhoasereliminadodapaisagemcarioca,comoumelementodesagradávelqueinsisteemassediarasbelezasdaCidadeMaravilhosa.ApreocupaçãoestéticamanifestadapelojornalOGloboignoraainjustiçaeabrutalidadeacerca da remoção daFavela da Catacumba, e a subsequente realocação dos antigosmoradoresparaaCidadedeDeus.Otextoabaixo27parecedarcontadosfatoshistóricosdemaneirasintética:

“SegundoarquivosdaBibliotecaNacional,oterrenoondeexistiaaCatacumbafoiocupadoporumachácaradurantetodoséculo19.Suaantigaproprietária,a Baronesa daLagoa, transferiua posse das terraspara seus escravos.AlimontaramumQuilombo.Porvoltade1925,oEstadodividiuaChácaradasCatacumbasem32lotes.Osprimeirosbarracosdafuturafavelacomeçaramasererguidosaindanosanos30.Portanto,eramlegítimosproprietários.Comotempo,oex-escravofoivirandonovopobre,easterrasdabaronesaforamvirando favela.O fato é que em 1970 o governo decidiu queos amigosdabaronesaerampobresdemaisparateremoprivilégiodavistaparaalagoa.Passouorodonaárea.Mandouopovoparacasadocasseteeenfeitouaquelecantodalagoacomprédiosdeluxoeumgrande‘playground’arborizadoetriste.”

AlinhadocomodiscursodoOGlobo,EduardoPaesseposicionoufavorávelàremoçãodefavelasdesdeosprimórdiosdoseugoverno.Nanotícia“Riovairemover119favelasdeáreasderiscoem2anos”,publicadanodia08/01/2010nojornalOGlobo,Paesdeuoseguintedepoimento:“Temqueacabarcomademagogiaeretirar.Nãovamosfazerobrasdemilhõesparaseguraralgumascasas.”Namesmamatéria,oreferidojornalexpressaa opinião editorial: “Desmisti ica-se, a inal, o termo ‘remoção’, parao bemde todos oscariocas.”

NosegundoanodomandatodeEduardoPaes,odesastredaschuvasdeabrilde2010insu lou o argumento das “áreas de risco” dentro da política de remoção de favelas,muitasdelaserradicadasà‘toquedecaixa’,semumaclaradistinçãoentreasverdadeirasáreas com risco dedeslizamento e as áreas em terrenos estáveis ou consolidadas. A

27OtextoParquedaCatacumba-CemitériodacidadaniafoiescritoporRobertoMaggessiepublicadonodiáriovirtualRetalhosdeCidadanianodia11/06/2008.Acessadonodia13/03/2014noseguinteendereçoeletrônico:http://maggessi.blogspot.com.br/2008/06/parque-da-catacumba-cemitrio-da.html

ImagemextraídadaapresentaçãodotrabalhoArquiteturadaViolência:cidadelimpae segura para turistaver apresentado no III Seminario InternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010).

Page 59: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

66

mancheteRiofazremoçãoobrigatóriaemáreaderisco28revelaocaráterurgentedadoàsoperaçõesderemoção.

Noentanto, apreocupação como riscodedeslizamentodas encostas e aquestãodapreservaçãoambientalnão semanifestouperanteodesejodoprefeitoEduardoPaesdepromoveraaberturadosmorrosparaomercadoimobiliário,comorevelaamatériaPaes quer lexibilizar ocupação de encostas29. O depoimento de Regina Chiaradia,representante da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio deJaneiro,levantaahipótesedeque,maisdoqueoriscodedesabamento,oproblemadaocupaçãodasencostaséaprópriafavela:“Asencostastemqueserpreservadascomsuavegetação,nãoabrindoespaçoparaconstruçãolegalouilegal.Mas,comoopoderpúbliconão iscalizaasocupaçõesirregulares,muitagentepassaadefenderatesequeémelhorliberarconstruçõesantesquesurjamnovasfavelas.”Áreaderiscoouáreaderico?

Ainda que muitas das casas não estivessem localizadas em verdadeira situação dedeslizamento, todas as favelas ameaçadas de remoção foram avaliadas no mesmocontextodaslocalidadesimplantadasemterrenosgeologicamenteinstáveis.Portanto,oqueodiscursoincoerentedeEduardoPaessobreasáreasderiscoécapazderevelar?QualaverdadeiraintençãodasremoçãonoRiodeJaneiro,jáquenemtodasasfavelasremovidasestavamemáreasderisco,principaljusti icativadasremoções?

Voltando àmatéria “Rio vai remover 119 favelas de áreas de risco em 2 anos”, citadaanteriormente na página 65: “Entre as favelas que vão desaparecer estão a doHorto(JardimBotânico),aIndiana(Tijuca),adaCCPL(Ben ica),adoMetrô(Maracanã),aVilaAutódromo(Barra)eaVilaTaboinhas(VargemGrande).”Trêsdestasfavelascitadasnãoselocalizamemencostasdemorros:CCPL,MetrôeVilaAutódromo.Seráquesãoáreasderisco?

28 InFolhadeSãoPaulo,12/04/2010-Cotidiano-C429 InOGlobo,25/06/2010-PrimeiroCaderno-Página21

Page 60: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

67

Aocupação de uma antiga fábrica de laticínios conhecida comoCCPL abrigou 1.273famíliasporcercade10anosnosobsoletosgalpõesfrabris.LocalizadanaAvenidaDomHélderCâmara,umdosprincipais logradourosdaZonaNorte,de initivamentenãosetratadeumterreno localizadoemáreaderisco.A remoção foiefetuadaenoanode2012as instalações industriais foram implodidasparadar lugar amaisumconjuntohabitacionaldoProjetodeAceleraçãodoCrescimento.

Como títulode “Devolvendoa vida” 30, a colunadeAncelmoGoisnoticiouo términoda construção do conjunto habitacional no local da antiga ocupação, local este queaparentemente ressuscita após uma “existência mórbida” como favela : “Lembra-sedaantigafábricadaCCPL,emBen ica?AlieraprocessadoquasetodooleitedoRio,naépocavendidoemsacosplásticos.Depoisqueonegóciomixou,olugarvirouumfavelãoassustador.Agora,estáassimbembonitinho,comomostraafoto.”Ofantasmado“favelãoassustador”nãomaisassombraráocolunistadojornalOGlobo,queporoutroladonãotemmedodotédioarquitetônicoqueseráexperimentadopelosfuturosmoradoresdolocal.Bembonitinho...

30InOGlobo,27/05/2014.Página10

http://oglobo.globo.com/in/3035508-23d-aaa/FT500A/A-COMUNIDADE-como-e-hoje-moradias-improvisadas-dentro-dos-galpoes-da-antiga-fabrica-de-laticiniosFoto-de-divulgacao.jpg Fonte:OGlobo,27/05/2014.Página10

Page 61: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

68

AFaveladoMetrôselocalizaàsmargensdaRadialOeste,emumterrenoplanoesemhistórico de movimentações geológicas recentes. Sendo assim, o seu único risco foiestar situadanasproximidades do Estádio JornalistaMárioFilho –mais comumentechamado deMaracanã – durante as obras para a Copa doMundo de 2014.As casasforamremovidasnoiníciode2014comaintençãodecederoterrenoparaasobrasde“revitalização”doentornodoestádiodefutebol,paracumprirasexigênciastécnicasdaFIFA.OsantigosmoradoresforaminstaladosemCosmos,naZonaOestedacidade,tãolongedoCentroquantoaFaveladoMetrôerapertodele.SegundoanotíciaFaveladoMetrô:ex-moradoresemadaptação31, alémdadistânciacomrelaçãoaolocaldeondeforamremovidos,“aprincipalpreocupaçãoestánascontasdeágua,luzegás,queantesnãoexistiameagoraestãoalémdoorçamentodamaioriadosmoradores.—Nafavela,ninguémpagavanada.(...)Estamosatrásdeumasolução,deumatarifasocial—contaosíndicodocondomínioeex-moradordaFaveladoMetrô,SandroAlvesdeLima.(...)Existemproblemasdeinfraestrutura,comopartesdetelhadosdani icadosnaschuvadenovembroeafaltadeáreadelazer.”Opesadelodaremoçãovaialémdomomentododespejo,jáquegeralmenteascondiçõesdehabitaçãopioramnoslocaisparaondeosmoradoressãolevados.Con igura-seentãoumaviolaçãoaosdireitoshumanos,pois,comolembraRaquel Rolnik 32, “o marco internacional dos direitos humanos do direito à moradiaestabelecequeasituaçãodosafetadosnuncapodepiorar.Eissosigni icanãoapenasapioraemrelaçãoàcasaemsi,masprincipalmenteemrelaçãoàlocalização.”

31 InOGlobo,10/05/12-Rio-Pag.1732 InjornalOGlobo,29/10/2013.Retiradadepessoas.Página12

http://img.r7.com/images/2014/01/08/63f7jq5ead_6sfrwzv641_ ile.jpg?dimensions=780x340

http://s0.ejesa.ig.com.br/portal/images/2013-04/1.572872.jpg

Page 62: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

69

OprocessoderesistênciadosmoradoresàremoçãoimpostaàVilaAutódromofoiumdos casosdemaior repercussãodas lutas pelamoradiana cidade do Rio de Janeiro.SituadapróximaaoAutódromodeJacarepaguá,asuaocupaçãoseiniciounadécadade60.Surgiaassimumacolôniadepescadoresquetiravaoseusustentoprincipalmentedas águas daLagoa de Jacarepaguá, e “se consolidouatravés dosanosprincipalmentecomseusprópriosinvestimentosderendaetrabalhoparapromoçãodecondiçõesbásicasde habitabilidade” (FAULHABER, 2012:88). Não existem históricos de deslizamentosnessaárea,mesmoporqueelanãoselocalizanaencostadeummorro.Desde1992aVilaAutódromosofrecomasameaçasderemoção,masesteassédioaumentoucomaproximidadedasOlimpíadasde2016,comaprevisãodeconstruçãodoParqueOlímpiconaárea.Apósumgrandeperíododeresistência,ascasasdosmoradoresquepreferiramdesocuparolocalforamdemolidasemmarçode2014.Atualmente,maisde300famíliascontinuamdeterminadasàpermaneceremseuslares.Alutacontinua...

http://jaajrj. iles.wordpress.com/2013/03/ama.jpg

Page 63: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

70

Apartirdestesexemplos,aincongruênciadodiscursodasáreasderiscocomojusti icativarevelaque, demaneira velada, a intençãodas remoções épavimentadapela vontadede erradicação das favelas. Historicamente, o atode demolir um barraco parecenãoesconderaaversãoeodesprezoaosfaveladoseaoseuterritório:umapolíticapúblicadisfarçadadeapartheidsocial?Maisdoqueisso,aexistênciadeumafavelaéassociadaautomaticamenteaoperigo33;ummedolatentepelooutro,quedevesercombatidoparaqueaameaçasedissolvaeatranquilidadevolteareinar.

No ilmeDistrito9,apolêmicasobreocrescimentodafavelaextraterrestrenosarredoresdeJohanesburgochegaaopontodadecisãoporremoverascasasemoradoresparaoutrocampoderefugiadosmaisdistante.WilkusvanderMerwe,oresponsávelpelaremoçãodosalienígenas,concedeumaentrevistanaqualinicialmenterevelapreocupaçãocomobemestardosalienígenas,paradepoismostraroseupreconceitoedemagogia:

-Vamosremover1milhãoe800milalienígenasdesuaresidênciaatualnoDistrito9paraumlocalmaisseguroemelhorà200kmdeJohanesburgo.Construímosumaboaenovainstalaçãoondeosalienígenasvãopoderterconfortoepermanecerlá.OpovodaÁfricadoSulvaiviverfelizecomsegurançasabendoqueosalienígenasestãobemlonge.

Emummomentoposterior,odiálogoentreWilkusedoisseresextraterrestresrevelaaverdadeiracaracterísticadolocal“maisseguroemelhor”noqualelesseriamrealocados:

-Vocêsnão vãoquerer ir pras barracas. Sãomenores e piores queos barracos,parecemumcampodeconcentração.

33ConsultaramatériaOperigoquemoraaoladodoLiceudeArteseO ícios,inJornalOGlobo,11/06/2013.PrimeiroCaderno,Página13

FAVELA? AI, QUE SUSTO!

Page 64: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

71

O plano de remoção na icção revela semelhanças desconcertantes com a vida real,seja a realidade de Johanesburgo ou doRiode Janeiro, possibilitando o exercício dourbanismodoapocalipse.Porexemplo:segundoamatériaAÁfricaexperimentaaCopa34,“Osmoradoresdizemqueforamremovidosdasáreascentraisdacidadeejogadosnoquechamamde“depósitodegente”,ou“campodeconcentração”.Oassentamentoparecefeitosobmedidaparanãoservistopelosmilharesdetorcedores,duranteaCopadoMundo”.Talqualosassentamentoscontruídospelogovernosul-africanoparaabrigaraspessoasqueforamremovidasdesuascasaparaaconstruçãodeestádiosdaCopadoMundode2010,olocaldedestinodosmoradoresdoDistrito9estavalongedesermelhordoqueasuacondiçãoatual.

34InFolhadeSãoPaulo,08/06/2010-Esporte

AideiadecampodeconcentraçãoemDistrito9...

Mancheteextraída da apresentaçãodo trabalho Arquitetura daViolência:cidade limpa e segura para turista ver apresentado no III SeminarioInternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza (Montevideo,24-26denovembrode2010).

...enaCidadedoCabodavidareal.

https://c1.static lickr.com/5/4056/4685758973_93562e483b_z.jpg

Page 65: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

72

AherançamalditadoregimeracistanaÁfricadoSulserevelanoabismosocialqueaindaseparaosbrancosdosnegros,eisso icouclarodurantearealizaçãoCopadoMundode2010nopaís:ogovernosul-africanoàtodoocustotentouesconderapobrezaaosolhosdos turistas, sejapela instalaçãodemuros,que tambémfuncionavamcomobarreirasparacobriravisãodafavela,sejapelaexpulsãodosmoradoresparaacampamentosquese assemelhavamà camposde concentração.NoBrasil, foi possível observaro ritmode remoções de favelas com a aproximação da Copa doMundo de 2014. AmatériaJornalistadinamarquêsdesistedecobriraCopadoMundonoBrasil35,ojornalistaMikkelJensenacusaogovernodepromoverumalimpezasocialemnomedaCopadoMundo:“Osonhosetransformouemumpesadelo.Durantecincomeses, iqueidocumentandoasconsequênciasdaCopa.Existemvárias:remoções,forçasarmadasePMsnascomunidades,corrupção,projetossociaisfechando.Eudescobriquetodososprojetosemudançassãoporcausadepessoascomoeu–umgringoetambémumapartedaimprensainternacional.Eusouumcarausadoparaimpressionar.”Aoprepararacasaparareceberosvisitantes,opoderpúbliconãohesitouem“varrer”afavelaparabemlongedosestádiosedosdemaisequipamentosparaograndeevento:

As remoções forçadasde 200a250mil pessoas nas cidades an itriãs daCopaviolamodireitoàmoradiaeàcidade.Aspopulaçõesmaispobresseveemconfrontadas aumagigantescaondade limpezaétnica e social dasáreasquerecebeminvestimentos,equipamentoseprojetosdemobilidade.Os indesejáveis são mandados para as periferias distantes, a duas, trêsou quatro horas dos locais de trabalho, a custosmonetários absurdos econdiçõesdetransporteprecaríssimas.(VAINER,2013:39)

NoRiode Janeiro,oexemplodaFaveladoMetrô(ouFavelaMetrô-Mangueira,citadaanteriormente na página 68) revela a disposição do poder público de promoverremoçõesemnomedaCopadoMundo.NamatériaPrefeituraretomaderrubadadecasasnaMangueira36,asliderançaslocaisa irmaramque“aprefeituraquercriaruma‘fachada’paraaCopadoMundo,retirandomoradorescomraiznacomunidade.”

35InjornalExtra,15/04/2014.Acessadoem25/05/2014.http://extra.globo.com/esporte/copa-2014/jornalista-dinamarques-desiste-de-cobrir-copa-do-mundo-no-brasil-sonho-se-transformou-em-um-pesadelo-12206451.html36InOGlobo,14/04/2014.Acessadoem21/04/2014.oglobo.globo.com/rio/prefeitura-retoma-derrubada-de-casas-na-favela-metro-mangueira-11262269

http://oglobo.globo.com/in/11262264-8d7-c75/FT500A/demolicao-favela-mangueira.jpg

Page 66: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

73

O jornal O Globo, comprometido com a construção de um discurso legitimador dasremoções, promove a matéria Remoção pode, sim, ter um inal feliz 37 com grandedestaque.Talvezamancheteestejadizendoum–eapenasum– inalfeliz,talvezparaalgum morador com sorte melhor que Jorge Santos: o seu barraco foi demolido naoperaçãoderemoçãodafavelaVilaRecreioII,noRecreio,ZonaOestedoRiodeJaneiro.Obairroconcentraatualmenteinvestimentosimobiliáriosdegrandemonta,alémdepartedasobrasparaasvilasdosJogosOlímpicosde2016.Ajusti icativaparaaremoção:oterrenodafavelaestavanocaminhodocorredorrodoviárioconhecidocomoTransoeste.Talvezporumerrode cálculo, talvezporumagrande coincidência,avia acabounãopassandoporali.Hojeoterrenoestávazioelimpo,emumaáreadealtíssimavalorizaçãoimobiliária.VoltemosaoJorgeSantos,agoraex-moradordaextintaVilaRecreioII.Ele,testemunhadodesaparecimentototaldasuavizinhança,descreveosentimentodeserremovidoaovisitaroseuantigoterreno:“Eusintocomosetivessemorridoalguém.Ébemparecidocomisso.(...)Euchegoaqui, icovendotudoerecordoacovardia.Nãoéraivanão,masvemumacoisaruimquandovocêvêqueseusdireitosforamvioladosbrutalmente.”38

Não,nãoépossívelacreditarem inalfeliz.DentrodocontextodeviolênciadaspolíticaspúblicasparaosterritóriosfavelizadosnoRiodeJaneiro,émaisprovávelacreditarnaremoçãocomooarti ício inalquematerializaaerradicaçãodefavelas.

***

37Matériapublicadanodia27/04/2014;PrimeiroCaderno,página2138InRemoçõespornada,matériapublicadanojornalBrasildeFato-RiodeJaneiro,de5a11/09/2013.Ano11,edição19

Fonte:BrasildeFato-RiodeJaneiro,de5a11/09/2013

???

Page 67: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

74

NOVAFAVELA?

Quenovafavelaéessa?Oquemudou?Dopontodevistadainfraestruturaurbana,nada.Ascondiçõesprecáriasdesaneamento,iluminaçãoetodososserviçosbásicosdesaúdeeeducaçãonãosubiramomorronomesmoritmodasforçaspoliciaisemilitares.Então,oque é anova favela?Anova favela éumamisturadevelhas enovas estratégiasdesegregação,vigilânciaeexpulsão,semprereatualizadaconformeavariaçãododiscursoeasnovastecnologiasdesegurança.

JornalOGlobo-07/10/10-Página18

Imagem extraída da apresentação do trabalhoArquitetura da Violência: cidade limpa e segura paraturista ver apresentado no III Seminario InternacionaldeDerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010).

FICÇÃO?

Page 68: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

75

REALIDADE?

Page 69: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

77

ASSISTA O VÍDEO 2 EM:https://www.youtube.com/watch?v=UpiSsC_9368&index=4&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA

Page 70: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

79

IIIMURONAFAVELASANTAMARTAEFUGADENOVAYORK

Quemnãofogeprocuraseproteger.Emnívelmundialtrabalha-senofortalecimentodefronteirascontraosbárbaros.

HansMagnusEnzensberger,1993

ConsideradapelogovernodoEstadodoRiode Janeirocomoafavela-modelo –títulorejeitadopelosmoradoresdevidoàscarênciasdacomunidade39–,afavelaSantaMartafoiopalcodaconstruçãodemurosparafavelascariocaspelopoderpúblico,em2009.Apósapolêmicaacercadesteprojeto,aideiadeconstruiroutrosdezmurosdeconcretofoiabandonada,sendosubstituídapelasbarreirasacústicas,eco-limitesea ins.Variaçõesdeformaparaainalienávelfunçãodequalquerbarreira,sejanaChinaAntigadaGrandeMuralhaounaIlhadeManhattando ilmeFugadeNovaYork,muradaetransformadaemumacidade-prisão.Oexercíciodecomparaçãodacidadeapocalípticada icçãocientí icacomacidadereal–aquichamadodeurbanismodoapocalipse–buscaráaproximaçõesentreafavelacariocaeaprisãoacéuaberto iccional.

39InSantaMartarejeitaotítulodefavelamodelo,noPortalVivaFavela,08/07/2013.Acessadoem29/06/2014.http://www.vivafavela.com.br/reportagens/380-santa-marta-rejeita-titulo-de-favela-modelo

Page 71: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

80

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5e/Favela_santa_marta.jpg

FAVELA SANTA MARTA

22°56’55.39”S 43°11’37.78”O

RIO DE JANEIRO

ÁREA 53.706 m²POPULAÇÃO 4.688 hab.RENDA PER CAPITA R$ 481,50

O MURO

http://observers.france24.com/ iles/images/muro_santamarta2_0.jpg

CUSTO INICIAL:APROXIMADAMENTE

R$ 1 MILHÃO

Page 72: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

81

Para aqueles que vivem num gueto voluntário,os outros guetos são espaços ”nos quais nãoentrarãojamais”.Paraaquelesqueestãonosguetos“involuntários”, a área a que estão con inados(excluídosdequalqueroutrolugar)éumespaço“doqualnãolhesépermitidosair”.(BAUMAN,2009:40)

PORTANTO, FAVELA MURADA E CONDOMÍNIO FECHADO NÃO SÃO A MESMA COISA!

http://4.bp.blogspot.com/_uf1zSh2zaMs/Suyx0hMHyZI/AAAAAAAAAuI/04m3MYZlfvo/s400/ecomurosantamarta.jpg

GUETO REAL GUETO VOLUNTÁRIO

http://dafseguranca. iles.wordpress.com/2012/07/condominio.jpg

MancheteextraídadotrabalhoArquiteturadaViolência:cidadelimpaesegurapara turista ver apresentado no III Seminario Internacional de DerechosHumanos,ViolenciayPobreza(Montevideo,24-26denovembrode2010).

Condomínio ou prisão? Longe de parecer um condomínio fechado, osigni icadoda favelamuradapodeestarmaispróximoaodopresídio?A sensação de con inamento experimentada no SantaMarta pós-murofoidestaquenacoberturajornalísticadojornalElPaíssobreocaso,quedescreveuoaspectopenitenciário40dosparedõesnafavela.Maisdoqueparecerumaprisão,ocercoao faveladoemseu territórioseapresentacomoumsinaldeque“aspessoascon inadasnoverdadeiroguetovivememprisões.”(BAUMAN,2003:107)

40 In Uma polêmica em versão espanhola, publicada no jornal O Globo no dia 21/04/2009. Página 11.

???

X

Page 73: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

82

FUGADENOVAYORK(1981)

Títulooriginal:EscapefromNewYorkDireção:JohnCarpenterPaís:EstadosUnidosProdução:LarryJ.FrancoeDebraHillDuração:99minutosCor:coloridoRoteiro:JohnCarpentereNickCastle

Eisoque foiimaginadoemFugadeNovaYork comoumcenário futurísticoparaoanode1988:oíndicedecriminalidadeaumentou400%nosEstadosUnidosdaAmérica,fazendocomqueacidadedeNovaYorkfossetransformadaemumaprisãodesegurançamáxima,quereuniriaospresosdetodoopaís.Umamuralhaéerguida,cercandoatotalidadedoperímetrodaIlhadeManhattan:umavezládentro,éimpossívelsair.Alémdabarreira ísica,camposminadosforamplantadosnaspontesenasviasmarítimas,enquantoqueaforçapolicialpatrulhaapenasoladoexternodomuro–nãoháguardasnoladodedentro.Posteriormente,em1997,umgrupoparamilitarsequestraoaviãonoqualviajavaopresidentedosEstadosUnidosdaAmérica(DonaldPleasence),comaintençãodeexplodiraaeronavesobreNovaYork.Opresidenteconsegueescapardamortenoatentado,mascaidentrodaprisão.BobHauk(LeeVanCleef),diretordaprisão,tentaresgatá-lo,masdescobrequeeleestáempoderdeDuke(IsaacHayes),ohomemmaisperigosodeManhattan.Esgotadaachancedenegociação,HaukfazumapropostaaoprisioneiroSnakePlissken(KurtRussel),umex-tenentedasforçasespeciais:emtrocadaliberdade,eledevetrazerdevoltaopresidenteem24horas.Semalternativas,Plisskenentranaprisãoparaempreenderoperigosoresgate,quelhecustaráavidaemcasodefalha. http://www.badazzmofo.com/wp-content/uploads/2012/05/

escape-from-new-york.jpg

O MURO E A MANHATTAN APOCALÍPTICA

Page 74: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

83

OsdadosdoIPPreforçamoqueatéopolicialdaUPPdoDonaMartasabe.Ementrevista(...),eleexplicaparaqueserveummurodeconcretodetrêsmetrosdealturae650metrosdeextensão:“Omurosetornaaténecessáriopravocêmanterocontroledaquiloquevocêtemdentrodele”.Afaladopolicialésimpleseclara:serveparacontrolarosmoradoresdafavela.PauloSérgioRosa,moradordoDonaMartaepedreirodaconstruçãodomuro,sintetiza:“Pravirarumpresídioagorasófaltamesmooportão.Sófaltaoportãoporqueacâmerapra ilmaragentejátem,nossaliberdadeagentenãotemmais.Polícianaáreatodajátem.”41

41InOdestinodosroyalties:murosou“ecolimites”,publicadonoblogCidadesPossíveisnodia11/11/2009.Acessadoem01/07/2014.http://cidadespossiveis.tumblr.com/post/12640073658/o-destino-dos-royalties-muros-ou-ecolimites

PRISÃO DA ILHA DE MANHATTAN

MURO DE CONTENÇÃO

CENTRO DE CONTROLE DE SEGURANÇA DA ESTÁTUA DA LIBERDADE

O MURO...

MURO

MURO

UPP

FAVELA SANTA MARTA

CENA INICIAL DO FILME FUGA DE NOVA YORK: O MAPA DA CIDADE-PRISÃO

DIVIDEESCONDE DEFENDE

DELIMITA

... O QUE? PARA QUEM? planoverticalcomduasfacesvisíveis, que divide o espaçoemdois: internoeexterno;oladodeláeoladodecá.

CERCARESTRINGE

emqualterritórioseconstróiomuro?quemsebene icia:osqueestãoforaouosqueestãodentro?

Page 75: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

84

As fronteiras visíveis (por exemplo,osmuros, as cercas emgeral) fazemnasceraaparênciadeumaseparaçãoentre espaços ao mesmo tempo emambigüidade e em continuidade.O espaço de um “cômodo”, de umquarto, de uma casa, de um jardim,separado do espaço social porbarreirasemuros,portodosossignosdapropriedadeprivada,nãoémenosespaçosocial.(LEFEBVRE,2006:130)

Aarquiteturamilitar,as forti icaçõesemuralhas,os trabalhosdediquesede irrigação, mostram numerosos ebelosexemplosdeespaçodominado.(...)Oespaçodominadoégeralmentefechado, esterilizado, vazio. Seuconceito só toma seu sentido aose opor ao conceito inseparável daapropriação.(LEFEBVRE,2006:231)

A VISTA DE DENTRO DO MURO...

Page 76: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

85

... E O SEU REBATIMENTO: A FAVELA.

(Os muros) servem para dividir e manterseparadosseushabitantes:paradefenderunsdosoutros,ouseja,daquelesaquemseatribuiuostatusdeadversários.(BAUMAN,2009:42)

Osmuros,osfossos,aspaliçadasassinalavamo limiar entre “nós” e “eles”, entre ordem ecaos,pazeguerra:osinimigoserammantidosdo outro lado e não podiam se aproximar.(BAUMAN,2009:61)

Page 77: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

86

Seráqueafavelamuradaéumpresídioàcéuaberto,talqualaManhattanapocalíptica da icção cientí ica? Que tipo de urbanização é essa, quereforçaa fragmentaçãourbanados territórios favelizadosdacidadedoRiodeJaneiro?Paraalémdossigni icadossimbólicoseconsequênciasdeordemprática,omuroéamaterializaçãoespacialdasegregaçãodasfavelascariocas.Omuroconcretiza isicamenteabarreirapsicológicaquedivideoasfaltodomorro.

Page 78: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

87

http://www.caiman.de/05_09/art_1/Mauerbau-Favela-Santa-Marta.jpg

Page 79: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

89

ASSISTA O VÍDEO 3 EM:https://www.youtube.com/watch?v=JnLaa9aJdqM&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA&index=3

Page 80: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

91

IVUNIDADEDEPOLÍCIAPACIFICADORANOCOMPLEXODAMARÉEBRAZIL

Seaessênciadopoderéefetividadedocomando,entãonãohámaiorpoderdoqueaqueleemergentedocanodeumaarma,eseriadi ícildizeremquemedidaaordemdadaporumpolicialédiferentedaqueladadaporumpistoleiro.

HannahArendt,1969

Nodia31/03/2014,àsvésperasdaCopadoMundonoBrasil,oComplexodaMaréfoiocupadopor forçasmilitaresdoExércitoedaPolícia. ParaoEstadoeparaagrandemídia,éapenasoiníciodoprocessode“paci icação”desteterritório,pontapéincialdainstalaçãodaUnidadedePolíciaPaci icadoranolocal.Paraomorador,estadodesítio.Paci icaçãooumilitarização?NaperspectivadosmoradoresdaMaré,oclimaédetensão:comachegadadastropas,ocotidianofoimilitarizado.Revistasabusivaseinvasõesdedomicíliofazempartedarotina.Dentrodoslimitesdocomplexodefavelas,vive-seumestadodeexceção,talqualnocenárioapocalípticodo ilmeBrazil:

Muitaspessoassãocéticasouincrédulascomrelaçãoaoaumentodavigilânciaedamilitarizaçãonassociedadesmodernas,comsuaalarmantediminuiçãodasliberdadesindividuais.Masum ilmecomoBrazil,deTerryGillian,instauraa experiência de viver em uma sociedade completamente militarizada,fazendo sentir, patica(patetica)mente, de forma quase insuportável paranossossentidos,ohorrordatotalprivaçãodaliberdadeedaindividualidade.(CABRERA,2006:38)

Enquanto isso, do outro lado da barreira acústica que esconde a favela, os turistaschegamaosmilharespelaLinhaVermelha...

Page 81: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

92

http://exame1.abrilm.com.br/assets/images/2013/6/229168/size_590_Favela_da_Mar%C3%A9.jpg

COMPLEXO DA MARÉ

22°51’21.01”S 43°14’32.60”O

RIO DE JANEIRO

ÁREA 4.268.800 m²POPULAÇÃO 129.770 hab.RENDA PER CAPITA R$ 187,25

A OCUPAÇÃO MILITAR

http://www.ucsgrtv.com/radio/media/k2/items/cache/fc22a1b66ed-7e8dc368c09f8c417e025_XL.jpg

CUSTO:

R$ 1,7 MILHÃOPOR DIA

Page 82: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

93

Emmeioaumclimadetensãoeexpectativa,osmoradoresdoComplexodaMaré,conjuntodefavelasqueéocupadopeloExércitonestesábadonoRiodeJaneiro,queremevitaroqueclassi icamcomo“erroseexcessos”cometidosemoperaçõessemelhantesnopassado.Alémdedenunciarabusos,elessemostramcontráriosàmilitarizaçãodocotidianonaregião,que icarásobcontroledasForçasArmadaspornomínimoquatromeses.(...)”Saiaforçadotrá icoechegaaforçadoEstado,ecomovamosregularizarafavela?NãocabeaoExércitoouàUPPdizersevaiterbailefunkounão,invadirascasasdaspessoascomosenãotivessemdireitos,mudarasregrasdosmototáxis.Elesnãopoderãodecidiressascoisassozinhos,decimaparabaixo”,complementa.42

GARANTIADELEIEDAORDEM(GLO):ESTADODEEXCEÇÃOPARAAFAVELA

No aniversário de 50 anos do Golpe Militar no Brasil, o Exército vai novamente àsruascontraapopulação:aGarantiadeLeiedaOrdem(GLO),baixadaporumdecretopresidencial, confere ao Exércitoo poderde efetuarprisões e invadir residências naocupaçãodoComplexodaMaré.Assiméinstauradoumestadodeexceçãoquevigoraapenasnoterritóriodafavela;umapequena‘ditaduramilitar,’aondeoEstadoMaiordoExércitointerferediretamentenocotidianodosmoradoresdaMaré.

‘OCUPARAMARÉNÃOSERÁDIFÍCIL’

PelaGLO(GarantiadaLeieOrdem),podemospatrulhar,fazerrevistaseefetuarprisões.Na épocadoAlemão, conseguimosummandadodebusca coletivo, o quepermitiuqueentrássemosemqualquercasa.(...)Naminhaépoca,não icouummetroquadradosemserrevistado.43(GeneralFernandoJoséSardenberg)

42InMoradoresqueremevitarmilitarizaçãodocotidianonaMaré,emBBCBrasil.Publi-cadoem05/04/2014.Acessadoem30/05/2014:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140405_militarizacao_mare_jp.shtml?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter43InOcuparaMarénãoserádi ícil,publicadanodia25/03/2014nojornalOGlobo.Página11.

h p://wscdn.bbc.co.uk/worldservice/assets/images/2014/04/05/140405130218_ocupacao_mare_exercito_624x351_ap.jpg

h p://wscdn.bbc.co.uk/worldservice/assets/images/2014/04/06/140406121025_ocupacao_da_mare_624x351_reuters.jpg

Page 83: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

94

BRAZIL OFILME(1985)

Títulooriginal:BrazilDireção:TerriGilliamPaís:ReinoUnidoProdução:ArnonMilchanDuração:132minutosCor:coloridoRoteiro:TerriGilliam,TomStoppardeCharlesMcKeownEm um país extremamente autoritário e burocrático, um funcionário público deascendênciaabastadachamadoSamLowry(JonathanPryce)sevêobcecadoporumamulhermisteriosaqueapareceemseussonhos.Apartirdessaquimera,elecomeçaaquestionarasuaexistênciaalienadaedesinteressante,sevoltandocontraostatusquototalitário no qual ele sempre fora privilegiado.Mais do que escapismo, o delírio deSamcomeçaafazersentidoquandoeledescobrequeapessoaquevêemseussonhosé,narealidade,umamilitanteforagida:JillLayton(KimGreist),acusadadeterrorismo,viveclandestinamentenaáreamaispobredacidade.Anada fácil lutadeJill contraosistemaocorreemumasociedadeamplamentemilitarizada,naqualapolíciaeoexércitotêmpoderesdescomunaiseumaltograudesadismo.Nestecenárioaviolênciaéalgobanal,queexplodeoranoterritóriodapobreza,oranossalõesdahighsociety.Nosmegaconjuntos habitacionais da periferia, o braço armado do Estado invade residências,sequestra, torturaemata;enquanto isso,bombassãodetonadasemshoppingcenterserestaurantesde luxo,habitatpreferidodeumaclassesocialviciadaembanqueteseoperaçõesplásticas.

Descrentescomoprocessodepaci icaçãonoRiodeJaneiro,osmoradoresdoComplexodaMaré,ocupadopelasForçasArmadasdesdeosábado,pressionamopoderpúblicopeloquechamamdeum“novomodelodeUPP”,comajustesdeconduta,de iniçãoderesponsabilidadesemaiorparticipaçãopopularnasdecisõesdacomunidade.

http://soucinemaniaco2. iles.wordpress.com/2011/07/b00008wq62_02_lzzzzzzz.jpg

Page 84: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

95

Frenteaosexcessosdastropasmilitares,asliderançasdas16favelasqueformamoComplexodaMaré,capitaneadaspelaRedesdeDesenvolvimentodaMaré, emitiram ummanifesto em repúdio à ação do Exército e daPolícia no processo de ocupação das favelas. Além disto, uma cartilhafoidistribuídaparamoradoresemilitares,comorientaçõesparaqueacondutadentrodafavelarespeiteosdireitoshumanoseconstitucionaisdapopulação.*

Trechodo“ManifestocontraainvasãomilitarnasfavelasdaMaré”

Expressamospublicamenteonossototalrepúdioà“ocupação”militarnasfavelasdaMaré.(...)

É visível que quem usa tanques de guerra contra a sua própriapopulação não busca diálogo, aindamenos participação e tampoucoestápreocupadocomosnossosdireitos.O tanqueapontadoparanósé uma violação mais do que somente de direitos, é uma violação aqualquer ideia deEstado democrático de direito. A ocupaçãomilitarnem começou e o projeto já faliu pelo que é:mais umataque brutalmilitarcontraterritóriospopularesurbanos.(...)

Que partidos são esses que declaram a guerra contra nós cidadãos?QueEstadoéessequepreferesearmarcadavezmais,atacarcommaisviolênciaosseuscidadãos?(...)

Há 50 anos do golpemilitar émais do que preocupante a promoçãomidiáticadousodoexércitoparaoprimir.Emvezdemelhoraroquenasfavelas já construímos, continuamvindo para destruir,para remover,paratorturareparamatar.

NãodeixemosdelutarporumaMaréeumRiosemopressãoeviolência.Chegadeapontaremsuasarmasparanós!

Nãoà“ocupação”militardaMaréedequalquerterritóriopopular!

Nãoàstorturaseàsmortesnasfavelas!

RiodeJaneiro,05deabril2014(Conteúdocompletoemmarevive.wordpress.com)

*MaterialgentilmentecedidoporPatriciaVianna,daRedesdeDesenvolvimentodaMaré.Acesseositehttp://redesdamare.org.br/

Page 85: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

96

JOGO DA MEMÓRIA COPIE, RECORTE E FORME OS PARES COM AS IMAGENS DA PÁGINA AO LADO!

Page 86: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

97

JOGO DA MEMÓRIA COPIE, RECORTE E FORME OS PARES COM AS IMAGENS DA PÁGINA AO LADO!

Page 87: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

98

A MARÉ E OS MAPASO ESTADO

http://img.estadao.com.br/fotos/E2/FF/DB/XE2FFDBF3F84649F985073FA614DE054D.jpg (JornalOGlobo-31/03/2014-PrimeiroCaderno-Pág.10)

Não há conhecimento que não seja poder. Ralph Waldo Emerson, 1803-1882

(JornalOGlobo-26/03/2014-PrimeiroCaderno-Pág.13)

MAPA É CONHECIMENTO; FERRAMENTA DE DOMINAÇÃO MILITAR DE UM TERRITÓRIO INIMIGO EM UMA ZONA DE GUERRA

Page 88: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

99

Jamais se viu antes, nos grandes jornais (em especial n’OGlobo e na Folha de São Paulo), tamanha profusão demapas: alguns apenas com a localização dos “territóriosa serem reconquistados” pelo Estado, outros com umacompanhamento da geogra ia do avanço das “forças daordem”,eassimsegue.(InQualseriaosignificadodasUPPs,nocontextodageopolíticaurbanaemcurso,equeenvolvediferentesaspectos?,porMarceloLopesdeSouza.Publicadonodia03/12/2010noblogPassaPalavra.Acessadonodia28/06/2014.http://passapalavra.info/2010/12/32598)

Forças Armadas ocupam a Maré amanhã com 2.700 militares de tropas de eliteCONHEÇA OS DETALHES DA OPERAÇÃO

A MARÉ E OS MAPASA MÍDIA HEGEMÔNICA

(Jornal O Globo - 04/04/2014 - Primeiro Caderno - Pág. 10)

ESPETACULARIZAÇÃO DAS AÇÕES MILITARES NA FAVELA

APRESENTAÇÃO DOS TERRITÓRIOS CONQUISTADOS AOS ESPECTADORES

E O PONTO DE VISTA DO MORADOR NESTAS REPRESENTAÇÕES CARTOGRÁFICAS?

Page 89: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

100

ENTRE OS PRINCIPAIS RELATOS ESTÃO ABORDAGENS REPETIDAS, MANDADOS COLETIVOS DE APREENSÃO, ARROMBAMENTOS DE CARROS E ASSÉDIO SEXUAL. A MAIORIA DAS VIOLAÇÕES, RELATAM OS MORADORES, OCORRE À NOITE, QUANDO HÁ POUCA GENTE NA RUA. HÁ CASOS, TAMBÉM, DE TAPAS NA CARA, INTIMIDAÇÕES E ENTRADAS NOS DOMICÍLIOS NA AUSÊNCIA DOS MORADORES, POR MEIO DA ‘CHAVE MESTRA’.

“DEPOIS DAS 22 HORAS A SITUAÇÃO PIORA E AS PESSOAS COMEÇAM A SE RECOLHER. SE A GENTE APARECE NA JANELA, XINGAM: ‘SAI DAÍ FILHA DA PUTA, ENTRA!’ HÁ VIOLAÇÕES DE DOMICÍLIOS, PEGAM DINHEIRO, PEGAM DROGAS”, DENUNCIA GILMAR CUNHA, MORADOR DA MARÉ. **

**(InTatianaMerlino:FantasmadoinimigointernoassombraaMaréemViomun-do.Publicadoem22/05/2014.Acessadoem01/07/2014.http://www.viomundo.com.br/denuncias/tatiana-merlino-fantasma-do-inimigo-interno-assombra-a--ocupacao-da-mare-a-terra-de-marlboro.html)

*(In Moradores da Maré denunciam abusos durante abordagens policiais. Portal Agência Brasil EBC. Publicado em 26/03/2014. Acessado em 05/06/2014.http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-03/moradores-da-mare-denunciam-truculencia-policial-durante-abordagens)

“LEVARAM UMA TELEVISÃO DE 32 POLEGADAS DE UMA SENHORA. ESTRAGARAM A FECHADURA DA MINHA PORTA.” (...) CONTOU UM MORADOR QUE SE IDENTIFICOU COMO JOÃO E DISSE TRABALHAR COMO PEDREIRO. *

MAPA DE CONFLITOS MILITARES x MORADORES

Observação: este mapa foi construído a partir do material jornalístico coletado e das ocorrências relatadas por moradores na página Maré Vive, na rede social Facebook. https://www.facebook.com/Marevive?fref=ts

6

10

2

7

9

1112

1

16 8

12

1010

1010

10

4 17

15

1414

1313 3

5519

18

Page 90: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

101

JornalOGlobo-PrimeiroCaderno-Página8-07/04/2014

http://og.infg.com.br/in/12178845-de7-37d/FT1086A/mare.jpg

JornalFolhadeSãoPaulo-Cotidiano-06/04/2014

JornalFolhadeSãoPaulo-Cotidiano-12/04/2014

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/06/09/moradores-entram-em-confronto-com-militares-na-mare-no-rio-durante-festa.htm

PortalUOL-09/06/2014

JornalODia-26/05/2014

1.Revistaeagressãoamoradores.04/03/2014

2.Homemde81anos,quetevesuacasainvadida,épreso.30/03/2014

3.Agressãoamoradoresmenoresdeidade.31/03/2014

4.Policialameaçaatiraremmorador.06/04/2014

5.Protestoecon litopelaomissãodasforçasmilitaresnoespancamentodeCláudioBrumdosReis,22anos,poroutrosmoradores.OExércitodisparou3tirosparaoaltoelançouspraydepimentanosmoradores.06/04/2014

6.Jovemdetidosemmandatoou lagrante.06/04/2014

7.Agressãoeprisãodemoradorconsiderado“suspeito”.10/04/2014

8.Bombasdegáslacrimogênioetirosdisparadosduranteaprisãodeummorador.10/04/2014

9.JeffersonRodriguesdaSilva,de18anos.12/04/2014

10.Protesto econ litopelamortedeJeffersonRodriguesdaSilva,de18anos.2pessoasdetidas.12/04/2014

11.TeresinhaJustinodaSilva,de67anos.14/04/2014

12.Extorsãoamoto-taxistas.21/05/2014

13.Protestoecon litocomoExércitoporrevistatruculentaaummoradorqueestavaemumbardolocal.Foramdisparadostirosparaoaltoespraydepimentasobreosmoradores.26/05/2014

14.Protestoecon litocomoExércitopeloencerramentoarbitráriodeumafestanolocal.Foramdisparadostirosparaoaltoespraydepimentasobreosmoradores.09/06/2014

15.Exércitoatacapopulaçãoapós jogodoBrasil: foramdisparados tirosparaoalto,alémdetirosdebaladeborracha,gáslacrimogênioespraydepimentasobreosmoradores.13/06/2014

16.Protestocontraaviolênciadaocupaçãomilitar-policial.28/06/2014

17.Invasãodomiciliar.30/06/2014

18.Agressãoamoradores.09/07/2014

19.Revistatruculenta.12/07/2014.

Page 91: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

102

O que signi ica a militarização do Complexo da Maré para a questãourbanadoRiodeJaneiro?Quaisserãoosdesdobramentosfuturosparaacidade,naperspectivadafavelacomooterritórioinimigoaserdominadode forma violenta pelo Estado? A semelhança da operação militar nafavela como cenário apocalípticodeBrazil permitequestionar se estetipode“paci icação”,naqualosfuzisfalammaisaltoqueasaçõessociaiseurbanasestruturantes,vaipermitiraemancipaçãodosmoradoresdasáreasfavelizadascomocidadãosplenosemseudireitoàcidade.

Page 92: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

103

http://noticias.uol.com.br/album/2014/03/26/exercito-busca-ar-mas-enterradas-por-tra icantes-do-rio-de-janeiro.htm#fotoNav=146

Page 93: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

105

ASSISTA O VÍDEO 4 EM:https://www.youtube.com/watch?v=CuEOcGAY7Ag&index=2&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA

Page 94: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

107

VCÂMERASDEVIGILÂNCIANAROCINHAE1984

Meudestino,dizomestredoPanóptico,estáligadoaodeles(aodosdetentos)portodososlaçosquepudeinventar.

JeremyBentham,1802

Nolivro1984,escritoem1948porGeorgeOrwell,asiglaB.B.serefereaoBigBrother,oGrandeIrmão,ditadordaOceania–umEstadototalitárioquevigiava24horaspordiaosseusoprimidoscidadãos.UmgrandeclássicoliteráriodoséculoXX,estelivroéumaalegoriaàperdadaliberdadedohomemmoderno,coroandooBigBrothercomouma“metáfora-chaveparaavigilância,pelomenosnomundoocidental”(BAUMAN,2013:17).Nestesentido,opróprioautoréumícone, jáque“otermo ‘orwelliano’ tornou-sesinônimode iscalização,controlee invasãodeprivacidadenavidadosindivíduospeloEstado”(SILVA,2013:11).Seacrescentarmosum“B”àmesmasiglaB.B.,estamosagoranosreferindoaoBigBrotherBrasil,umprogramadetelevisãonoqual,aocontráriodolivro,“aspessoasquerementrarnacasaparaseremvigiadas”44.Incentivadapelosrealityshowsdatelevisão,abuscapelaexposiçãonomundocontemporâneopodenaturalizara existência de câmeras no espaço público e privado? Pode facilitar a aceitação destas pelapopulação?OfatoéqueosistemadecâmerasdevigilânciainstaladonaFaveladaRocinhatemsidoassociadoàideiadoBBB.Querdarumaespiadinha?

Ninguém entra hoje na Rocinha sem passar pelos vigias. As 80 câmeras foraminstaladas em todos os acessos e nos principais pontos da comunidade.(...) É umreforçocomumavisãoprivilegiada.Algumasdascâmerasgiram360grausepodemregistrar,emdetalhes,oqueacontecea300metrosdedistância.Atémesmoànoite,comoinfravermelho.TodasasimagenssãomonitoradasemtemporealnocentrodecontrolemontadodentrodaRocinha.Quandoumaatitudesuspeitaéidenti icada,acentralmandaopolicialqueestámaispróximochecar.45

44 In Modelo panóptico prega o poder por meio da vigilância total do homem, publicado em Globo Ciência no dia 10/03/2012. Acessado em 13/04/2014. http://redeglobo.globo.com/globociencia/noticia/2012/03/modelo-panoptico-prega-o-poder-por-meio-da-vigilancia-total-do-homem.html45 In Câmeras de segurança começam a monitorar a Rocinha (RJ), publicado em 08/01/2013 no Portal G1. Acessado em 20/06/2014. http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/01/cameras-de-seguranca-comecam-monitorar-favela-da-rocinha-rj.html

Page 95: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

108

FAVELA DA ROCINHA

22°59’30.92”S 43°15’02.32”O

RIO DE JANEIRO

ÁREA 887.587 m²POPULAÇÃO 71.085 hab.RENDA PER CAPITA R$ 220,00

AS CÂMERAS

h p://4.bp.blogspot.com/_BV-VczVbTuI/SsNxYb5pCtI/AAAAAAAAO5g/y5mK0hS-0T0/s1600/favela-rj-m-29092009.jpg

CUSTO:

R$ 98 MILPOR MÊS

http://i.ytimg.com/vi/EeP3ErTjc9U/0.jpg

Page 96: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

109

AinstalaçãodascâmerasdevigilânciaedocentrodecontrolenaRocinhaocorreuemmaiode2013,algunsmesesapósainstalaçãodaUPPnafavela.Oquedifereestesistemade vídeo dos outros é que, enquanto amaioria das câmeras instaladas pelo EstadonosespaçospúblicosdoRiodeJaneiroestáatreladaaomonitoramentodotrânsito,ascâmerasparaafavelaseprestamexclusivamenteàpolíticadesegurançapública,jáquesãocontroladasporpoliciaismilitareseestãoconectadasdiretamentecomasededaUPP.Nessaperspectiva,ascâmerasseapresentamcomomaisumarti ícionacontençãoda criminalidade atribuída ao território da favela. O criador do “BBB da Rocinha”,majorEdsonSantos–comandantedaUPPlocal–deixaclaraaintençãode“ortopediasocial” (FOUCAULT, 1997) aplicada à população favelada: “Com elas, aumentamos avigilância. Quem está envolvido comcoisas erradasmuda de comportamento. Por isso,as ocorrências diminuíram.” 46A vigilânciadas câmeras na favela considera todos osindíviduosmonitoradoscomoinfratoresempotencial,formatandoseuscorposementesaumestadodedisciplinaque tragaconfortoà sociedade insegura.O favelado, “bodeexpiatório”daviolênciaurbana,éodealtapericulosidade, aquemsedevemonitorarparaprevenirqueopotencialcriminososemanifestenaformadedelito:

Daíoefeitomaisimportantedopan-óptico:induzirnodetentoumestadoconsciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamentoautomático do poder.(...) pois o essencial é que ele se saiba vigiado.(...)Visível:semcessarodetentoterádiantedosolhosaaltasilhuetadatorrecentraldeondeéespionado. Inveri icável:odetentonuncadevesaberseestá sendo observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo.(FOUCAULT,1999:166)

Antesdaexistênciadossistemasinternosdevídeo,aideiadepan-ópticoseexpressavainteiramente no ambiente construído. Com o advento das câmeras de vigilância, osespaços disciplinadores icaram mais lexíveis e abrangentes, não se limitando àsprisões,hospíciosouconventos,reforçandoaideiadeque“opan-ópticoestávivoebemdesaúde,naverdade,armadodemúsculos(eletronicamentereforçados,‘ciborguizados’)tãopoderososqueBentham,oumesmoFoucault,nãoconseguirianemtentariaimagina-lo”(BAUMAN,2013:58).Assimseconstróinavidarealummodelodevigilânciasocialmuitosemelhanteaoquefoidescritona icçãocientí icacomoumcenárioapocalípticodecidade–“umaespéciedeciberpanopticismoqueprogramaedirigeocotidianosocial,apartirdenovascentralidadescriadaspelastecnologiasdevigilânciaecontrole.”(BARBOSA,2013:198)46 In BBB da favela da Rocinha, no Rio, monitora moradores 24 horas. Publicado na Folha de São Paulo, 11/05/2013. Acessado em 20/03/2014. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/05/1277131-bbb-da-favela-da-rocinha-monitora-moradores-24-horas.shtml

Page 97: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

110

1984(1956)

Títulooriginal:1984Direção:MichaelAndersonPaís:ReinoUnidoProdução:N.PeterRathvonDuração:90minutosCor:pretoebrancoRoteiro:RalphGilbertBettisoneWilliamTempleton

O livro 1984 ganhou duas versões cinematográ icas – uma em 1956 eoutraem1984.Aabordagementreasduasdifereconformeocontextonaqualforamproduzidas,jáque“comomesmoconteúdonarrativo,cadaversãoexpressao“espíritodeépoca”.Nosanosde1950enosde1980,opoderdecontroledoEstadoeasubmersãodoindivíduonumasociedadecontrolada.”(SILVA,2013:9)

Independentedaversão ílmica,ocenárioapocalípticodescritono1984dastelasnãodiferedolivronaconstruçãodeumametáforacrueldasforçasqueameaçamaliberdadehumana,principalmentenoquedizrespeitoàvigilância,em“ummundoempobrecido,totalitárioesadísticodoqualnãohá comoescapar.” (CARDOSO,2003:56)A supressão totalda liberdadee da privacidade pautava um país chamado Oceania, lugar no qual opróprioatodepensareraumcrimegravíssimo.EmumEstadototalitáriocontroladopelopartidoIngSoc,aOceaniaviviaemguerraconstantecomasoutrasduaspotênciasmundias:EurásiaeLestásia. OlídersupremoeraoGrande Irmão(do inglêsBigBrother),aquemapopulaçãodeviaobediênciaeadoraçãosemmedida.OsolhoseouvidosdoGrandeIrmãoeram onipresentes no cotidiano: os cidadãos eram vigiados em suascasas, no trabalho, nas ruas, fábricas e refeitórios pela Teletela. Alémdafunçãodeumtelevisorcomum,aTeletelapermitiaqueoespectadorpudesse ser visto e ouvidopelosdirigentesdopartido.OprotagonistadatramaéWinstonSmith,ummembrodebaixoescalãodoIngSoc,quetrabalhavanafalsi icaçãodejornais,livrosedocumentos.Destaforma,ainformaçãoera“atualizada”,a imdequeelafossesemprefavorávelaoregime,apagandoqualquervestígioprejudicialaosdesígniosdoEstado.Cadavezmaisdeprimidocomamisériadasuaexistência,Smithresolvebuscarsecretamentemeiosdeburlarosistema,mesmosendovigiadoemsuaprópriacasa.ApartirdeentãoeleconheceJulia,tambémmembrodopartido,queofazdescobrirnovasideiassubversivas.

h p://4.bp.blogspot.com/_2UG5K6oTroQ/TN4VmDjGukI/AAAAAAAAG44/KQjs85aTRX4/s1600/1984_movie_poster.jpg

h p://www.impawards.com/1956/posters/nineteen_eighty_four_xlg.jpg

1984 (1984)

Título original: 1984Direção: Michael RadfordPaís: Reino UnidoProdução: Simon PerryDuração: 110 minutosCor: coloridoRoteiro: Michael Radford

Page 98: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

111

Page 99: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

112

OLOCALMAISVIGIADODOMUNDO?

Temosumacâmeraparacada860habitantes.Antes,Londreseraacidademaisvigiada,comumacâmeraparacada862habitantes,masagorasomosnós. 47(NeyfsonBorges,subcomandantedaUnidadedePolíciaPaci icadoradaRocinha)

47InAmaiorfaveladoRiomaisvigiadaqueLondres,15/01/2013.Acessadoem18/06/2014.http://dialogo-americas.com/pt/articles/rmisa/features/technology/2013/01/15/feature-ex-3828

Page 100: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

113

SORRIAM,MORADORES:OBIGBROTHERESTÁOBSERVANDOVOCÊS!

Outromoradorvigiado24horaspordiaéseuJoséGomes.Donodeumapequenabiroscana rua2, é avisado dequeas lentes da segurançapública estãoapontadaspara o seuestabelecimento.‘Sabiaqueestavam ilmandoaqui,maséessaacâmeramesmo?Achoqueparaeles(policiais)ébom,né’,disse.Há43anosnaRocinha,seuJosétambémestranhaomonitoramentoconstante,quechamade‘umpoucodeinvasão’.48

48InRJ:Rocinhaévigiadapor80câmeras24horaspordia,publicadoem10/01/2013noPortalTerra.Acessadoem17/06/2014.http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/rj-rocinha-e-vigiada-por-80-cameras-24-horas-por-dia,b0440d8f3952c310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

Page 101: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

114

Separaasautoridadesafavelaéoterritóriodacriminalidade,ofaveladoésempresuspeitoaosolhoseletrônicosdoBigBrotherdaRocinha.Seestaéaperspectivadequemvigia,atéquepontoascâmerasnosespaçospúblicosdafavelaseprestamàsegurançadapopulação?EoAmarildoDiasdeSouza,ajudantedepedreiroemoradorlocal,desaparecidodesde14/07/2013?Cadê?Asinfalíveiscâmerasnãoforamcapazesderesponderaestapergunta.Eporqueseriam,seosvigilantesportrásdascâmerassãoPoliciaisMilitaresdaUPPdaRocinha,colegasdebatalhãodosprincipaissuspeitosdodesaparecimento?Comodizasabedoriapopular,àsvezesascâmerasmentem.Ouascâmerassóvêemoquequer?

Page 102: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

115

h p://download.rj.gov.br/imagens/14/00/51/1400519.jpg

Page 103: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

117

ASSISTA O VÍDEO 5 EM:https://www.youtube.com/watch?v=2KDv1vza-U4&feature=youtu.be

Page 104: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

119

VIREMOÇÃODAFAVELADATELERJEROBOCOPIII

Assimdiziaapetição/‘dentrodedezdiasqueroafavelavazia/eosbarracostodosnochão’

AdoniranBarbosa-DespejonaFavela,1980

AmeteóricaocupaçãodaFaveladaTelerj,nobairrodoEngenhoNovo,émaisumcapítulodalutapelahabitaçãopopularnacidadedoRiodeJaneiro–umadisputadesigualentreasforçasdocapitaleapopulaçãosem-tetopelosterrenosurbanos.Tãorápidaquantoa chegadadosquase5.000moradoresno terreno,nodia31demarçode2014, foiaoperaçãoderemoção,executadapormaisde1.500policiais fortemente armados, nodia11deabrilde2014.Em12diasdeexistênciadafavela,foipossívelobservarumaaçãoordeiradeassentamentonoterrenoocioso,organizadaviaredessociais:empoucotempo e commuita dedicação osbarracos já estavampraticamente depé. Enquantoisso,oEstadosefechouaodiálogoe,comoapoiodamídiahegemônica,criminalizouomovimentopopularpormoradia(segundooprefeitoEduardoPaes,“Pobrequeépobre,queprecisadecasa,não icademarcando,nãoaparececommadeiritesmarcandonúmero”49).Por im,aarbitrariedadedo judiciáriocontraa legitimidadedaocupaçãoeaaçãocovardedas forçaspoliciaisreintegrouapossedeumimóvelabandonadopelaUniãoepelaempresaOi.Alegitimidadedaocupaçãosebaseianodireitoàmoradiapopularcoletiva em um terreno de 50mil metros quadrados sem qualquer função social. OsurgimentodaFaveladaTelerjéumarespostaàdemandaporhabitaçãosocialmelhorlocalizadae integradaàmalhaurbana, jáqueosprogramasdeassistênciaàmoradia,comooMinhaCasaMinhaVida,seconcentramnaZonaOeste,distantesdaáreacentraldacidade.Porém,asoluçãodasautoridadesàquestãodahabitaçãofoiviolenta:umareintegraçãodeposseaqualquercusto,emnomedeumatallegalidadedeformadaesemperspectivadejustiçasocial.No ilmeRoboCopIII,osonhodasautoridadesdeconstruira cidade-empresaDelta City começa comas forças policiais “varrendo” ospobresdeDetroit. Neste cenário apocalíptico, o juízo inal vem em forma de limpeza urbana-humana.

49 In Favela da Telerj: Paes defende desocupação, jornal O Globo, 10/04/2014, Primeiro Caderno, pág. 10

Page 105: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

120

FAVELA DA TELERJ

22°53’53.84”S 43°15’54.61”O

RIO DE JANEIRO

ÁREA ~ 50.000 m²POPULAÇÃO ~ 5.000 hab.RENDA PER CAPITA desconhecida

A REMOÇÃO

http://www.alfavita.gr/sites/default/ iles/u47/1374802_309849909168578_2285782033302413189_n.jpg

http://og.infg.com.br/in/12116961-885-065/FT1500A/550/favela-telerj.jpg

Page 106: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

121

— Esse prédio estava há oito anos abandonado. Era umacracolândia.Limpamostudo.Precisamosdecasa.OgovernotemdinheiroparabancaraCopa,masnãotemparadarabrigoaquemprecisa.MoravanoJacarezinho,ondeteriaquepagaralugueldeR$450—disseKarolineCristieBarros,de22anos50

Com enxada nas mãos e capinando o lugar onde erguerá seufuturobarraco,adonadecasaAnaPauladeCastro,de26anos,dissequeagoratemaesperançadeerguerumacasaparacriarostrês ilhos:—Morocomminhamãeemeus ilhos.Pagoaluguelcaroeagoravouterminhacasa.51

50InAutoridadesaindatentamsaídaamigável;publicadoemOGlobo,09/04/2014.PrimeiroCaderno,página1151InAgênesedeumafavela;jornalOGlobo,04/04/2014;PrimeiroCaderno,página9

h p://fotospublicas.s3.amazonaws.com/fi les/2014/04/terreno-oi-RJ201404080011-1024x681.jpg

h p://fotospublicas.s3.amazonaws.com/fi les/2014/04/terreno-oi-RJ201404080019-1024x681.jpg

http://rioonwatch.org/wp-content/uploads/2014/04/10001333_296773910480761_1244736020906612785_n.jpg

Page 107: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

122

ROBOCOP3 1993

Títulooriginal:Robocop3Direção:FredDekkerPaís:EstadosUnidosProdução:AndrewEatonDuração:104minutosCor:coloridoRoteiro:FrankMillereFredDekker

Imagineumcenáriourbanodepuraviolência,controladoporpoderosascorporações,onde protótipos de policiais-ciborgues, bandos errantes de punks, yuppies amorais ecrimeorganizadocolidememmeioaocaos,enquantoqueos cidadãosditosnormaisse alienamconsumindoo espetáculo apelativo dos telejornais edas propagandas datelevisão. Essa é a Detroit apocalíptica da trilogiaRoboCop, cidade que, na vida real,agonizaemmeioaoabandonoapósodeclíniodaindústriaautomobilísticaamericana.O inícioda série: opolicialAlexMurphyébrutalmente assassinadoporumagangueduranteumaocorrência;osseusrestosmortaissãousadosnafabricaçãodoprotótipoRoboCop – um policial-ciborgue indestrutível e de alta e iciência, desenvolvido peloconglomerado empresarial OCP (Omni Produtos de Consumo). O ciborgue, capaz decombaterocrime24horaspordia,épropriedadedaOCP,assimcomoapolíciadeDetroit,que fora privatizada. Usando a violência urbana como desculpa, a mega-corporaçãoplanejademolirasáreasdegradadasda“velhaDetroit”paraconstruirDeltaCity,umacidade-empresa governada pela própria OCP. Emmeio aos con litos que envolvem a“requali icação”dacidade,RoboCopseguecombatendoocrime,atéomomentoqueoseuladohumanodespertaeentraemcon litocomasordensdaOCPprogramadasemseucérebroeletrônico.Nestemomento,asaçõesdociborguepassampeloarbítriodasemoçõesedapersonalidadedeMurphy,queapartirdeentãobuscaaverdadesobreoseuassassinatoesobreasintençõesdaOCP.EmRoboCop III, a OCP, à beira da falência, é vendida para o conglomerado japonêsKanemitsu Corporation, que promete inalmente iniciar a construção de Delta City.Paraisso,planejaremoverosmoradoresdeumaáreapobreconhecidacomoCadillacHeights,na“VelhaDetroit”.Paracumpriraordemdedespejo, aOCPenviauma forçamilitar denominada Reabilitadores Urbanos, sob o comando do inescrupuloso PaulMcDaggett (JohnCastle), que conduza operaçãode remoção comextremaviolência;dentremortoseferidos,partedosmoradoressobreviventessãolevadosdeônibusparalongedali,enquantoqueamaioriaseescondenossubterrâneosdeDetroit,formandouma resistência armadaàs remoções. Frente àbrutalidadeda açãodaOCP,RoboCop(RobertJohnBurke)serebela,juntando-seaoantigosmoradoresdeCadillacHeightsnabatalhacontraosReabilitadoresUrbanos.

http://www.impawards.com/1993/robocop_three_ver3_xlg.html

Page 108: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

123

“ORoboCopdogovernoéfrio/nãosentepena,sóódio/ericomoahiena”

RacionaisMC’s-Diáriodeumdetento,1997

Íconepopdesdeadécadade80,RoboCopinegavelmentefazpartedoimagináriocoletivocontemporâneo, sendo associado principalmente à metáfora da desumanização dospoliciais.Umexemplodaapropriaçãosimbólicadopersonagem foinamanchete“Rioterá ‘RoboCop’contraBlackBlocs”,capado jornalOGlobododia27/02/2014,que fazreferênciaànovaarmaduradatropadechoquecontraapopulaçãoinsurgente.Paraalémdosmanifestantes,oequipamentotambémfoiutilizadocontraapopulaçãonaremoçãodaFaveladaTelerj,jáqueamesmatropadechoqueque“executapessoassumariamentenas favelas e realiza despejos jogandobombas degás nosmoradores, entrou e saiudecenaaolongodasmanifestações,lembrandoque,nopaísprósperoefeliz,alinguagemdaviolênciaaindaéparteimportantíssimadoléxicopolítico.”(ROLNIK,2013:10)

JornalOGlobo-27/02/2014-Capa

http://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2014/04/PM-e1397300879518.jpg

‘ROBOCOP’ TA M B É M CONTRA A POPULAÇÃO SEM- TETO

Page 109: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

124

- Quando a polícia chegou, estávamos dormindo. Todos saíramem paz, caminhando devagar rumo ao portão. Eles (os policiais)chegaramjogandobombasdegásdepimenta.Viumamulhercomduas crianças desmaiarem com a fumaça. Eu só queria uma casaparamorar.52(EduardoCaxias,26anos)

52 In Invasão como saída para ter ‘barraco próprio’, publicado em O Globo no dia 12/04/2014. Primeiro Caderno, página 18

Page 110: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

125

-Papai,praondeelesvãonoslevar?53

53Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:04:47)

http://www.pstu.org.br/sites/default/ iles/imagens/imagem_desocupacao.jpg

http://jornalggn.com.br/sites/default/ iles/u16/favela-da-oi.jpg

Page 111: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

126

Assimquechegaram,as tropascercaramoterreno,de50milmetrosquadradosocupados por barracos de madeira, e, às 5h50m, com a ajuda de umaretroescavadeira, quebraram uma parede dos fundos. (...)— Os PMs chegaramfalandoejogandospraydepimentaemandandotodomundosair.Nóssentamosno chãoe começamosa conversar,mas não houve jeito, começoua confusão. 54

(ThaynaraSouzadosSantos,18anos)

54InInvasãocomosaídaparater‘barracopróprio’,publicadoemOGlobonodia12/04/2014.PrimeiroCaderno,página18

Page 112: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

127

-EssalocalidadeépropriedadedaOmniConsumerProducts!55

55Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:04:02)

www.netpapers.com/capa-do-jornal/o-globo/29-03-2013

Page 113: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

128

-Nós ainda falamos: “Não empurra! Não joga spray de pimenta!Olha as crianças aí!”. Mas isso não os comoveu. Havia muitascriançasajudandoasmães,paravocêterideia.Aspessoas icaramdesesperadas, choravam. Eu mesma fui acordada com pontapés,sendotratadacomoumanimal.Nósviemosparacá,porqueoaluguelnafavela icoumuitocaro.Éamesmasituaçãodetodosaqui.Agentenãopodepagaraluguele icarsemcomidaparaalimentarnossosilhos.Sóqueríamosumtetoparavivercomumpingodedignidade,masnemaissonóstemosdireito.Minha ilhaestádesempregada.Odinheirodarecisãodela,nósusamosparacomprarmadeiraemontarnossobarraco.Essescaras[PMs]estãojogandobombasemcriançasnomeiodarua.Natelevisão,estãodizendoqueestátudotranquilo,masnãotemnadatranquilo.(CéliaRegina,63anos)56

56 In Favela da Telerj: ’Não queremos Copa, queremos casa!’, publicado em A Nova Democracia, Ano XII, nº 129, 2ª quinzena de Abril de 2014. Acessado em 15/06/2014. http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa

Page 114: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

129

-Nãoacreditemneles!Vãonos jogarnaruapramorrermoscomoratos!Nazistas ilhos-da-mãe!57

57Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:04:54)

http://arquivos.tribunadonorte.com.br/fotos/140949.jpg

http://arquivos.tribunadonorte.com.br/fotos/140949.jpg

Page 115: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

130

ApesardoataquecovardedastropasderepressãodovelhoEstado,asmassasnãoabaixaramacabeçae,durantehorasa io,sustentaramumacombativaresistênciapelasruasdobairro. Jovensdas favelaspróximas, como Jacaré, Manguinhos, Dois de Maio, Pica-Pau eRatoMolhado se juntaramaosdesabrigadosdaFaveladaTelerj eengrossaramaresistência.(...)OsPMstiveramquebateremretiradae, em seguida,manifestantes incendiaram o ônibus. Um policial apaisanadisparoutirosdemuniçãoletal.Aoladodele,umcamburãodaPMtambémfoi incendiadopelasmassas.Umhomem icoucegodepoisdeseratingidoporumtirodebaladeborracha.58

58 In Favela da Telerj: ’Não queremos Copa, queremos casa!’, publicado em A Nova Democracia, Ano XII, nº 129, 2ª quinzena de Abril de 2014. Acessado em 15/06/2014. http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa

Page 116: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

131

-Fiquemaquielutemporsuascasas!Elessãounsladrõesquerendoroubarnossascasas!59

59Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:05:57)

h p://www.cartacapital.com.br/sociedade/para-quem-o-governo-governa-4449.html/desocupacao-do-terreno-da-oi/@@images/00d59d89-3c05-41c0-86e8-4d8feae80f36.jpeg

h p://rebaixada.org/wp-content/uploads/2014/04/10175985_245502488972534_4292961802686373236_n.jpg

Page 117: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

132

Nasegunda-feira(14),umacomissãofoirecebidaporrepresentantesdaprefeitura.Segundo um acordo irmado entre as partes, seria feito um cadastramento dasfamílias em suas favelas de origem. No entanto, muitos dos desabrigados nãotêmondemorar,muitomenos faveladeorigem.Alémdisso,algumas liderançascomunitárias não aceitaram o acordo e esvaziaram a maior parte dos ônibus.MuitosserevoltarametentarambloquearotrânsitonaAvenidaPresidenteVargas.A guarda municipal, então, começou um covarde ataque às famílias, atirandobombasdegáslacrimogêneodedentrodoprédiodaprefeitura.60

60InFaveladaTelerj:’NãoqueremosCopa,queremoscasa!’,publicadoemANovaDemocracia,AnoXII,nº129,2ªquinzenadeAbrilde2014.Acessadoem15/06/2014.http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa

Page 118: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

133

-Os policiais que vocês veem na TV são mercenários da OCP que expulsam aspessoasdesuacasa,ascolocamnarua!Vocêsprecisamacreditar!Eufaloemnomedetodosossem-tetoesem-trabalhoaquidacidadedeDetroit,edetodasascidadesgovernadaspelosporcoscapitalistasquesófazemexploraraspessoas.61

61Diálogodo ilmeRoboCopIII(01:28:23)

h p://extra.globo.com/incoming/12189869-a94-0a4/w640h360-PROP/2014041446076.jpg

Page 119: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

134

-Nóssofremosumadasmaioresviolênciasdahistóriadessacidade.Umdosdespejosmaisviolentosdahistóriadopaís.MasnenhumdenósvaiesquecerEduardoPaes.NenhumdenósvaiesquecerPezão.Issovai icarguardadonanossamemóriaparasempre.(homemnãoidenti icado)62

62InFaveladaTelerj:’NãoqueremosCopa,queremoscasa!’,publicadoemANovaDemocracia,AnoXII,nº129,2ªquinzenadeAbrilde2014.Acessadoem15/06/2014.http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa

Page 120: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

135

-AlgunsprédiosprecisamvirabaixoparaqueDeltaCitysejaconstruída.Eunãopossonegarqueestamosprocedendoàumdespejoououtro.Eháempregosnovosàsuaespera.Sóestamosajudandoemsuatransição,sóisso.Somospolicias,nadamais.63

63Diálogodo ilmeRoboCopIII(00:02:31)

h p://pavio.net/wp-content/uploads/2014/04/ponto-de-onibus.jpg

Page 121: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

136

Na icçãocientí ica,odespejodapopulaçãopobreemnomedaconstruçãodeumacidade-empresaconstituiumcenáriodefuturoapocalíptico.Navidareal,aviolentaremoçãodaFaveladaTelerjétratadapelasautoridadesemídiaentusiastacomoumasimplesdesocupaçãodeterreno;comoumaaçãocumpridoradalegalidadeedoordenamentourbano.Porém,ohistóricoderemoçõesdefavelasnacidadedoRiodeJaneirosinalizaainsensibilidadedoEstadonaquestãodahabitaçãopopular,acentuandoaexclusãosocialeurbanadosmoradores,quesevêemcadavezmaisdistantesdoscentrosurbanosedosseuspostosdetrabalho.

Page 122: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

137

h p://og.infg.com.br/in/12116960-268-b20/FT1260A/favela-telerj.jpg

Page 123: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

139

VIICONSIDERAÇÕES FINAIS

Naperspectivadoavançodaspolíticaspúblicasparaasfavelascariocasqueforamexpostasnestetrabalho,teme-sepeloacirramentodadesigualdadeurbanaqueaolongodahistóriasempreseparouomorrodoasfalto.Estereordenamentourbanoexcludente, pautado por medidas que acentuam a segregação e o controle dapopulaçãopobre,émaisumobstáculoaoacessodemocráticodasclassesbaixasàcidade.

No contexto das atuais intervenções urbanísticas contemporâneas no Rio deJaneiro,oque sobrapara os favelados?Opapel demão-de-obrabarata?E para afavela,oqueresta?Sermaisumceleirobaratodereproduçãodaforçadetrabalho?ÉpreocupantequeasaçõesdoEstadoparaosterritóriosfavelizadosnãogarantamaos seusmoradores habitação de qualidade e infraestrutura urbanamínima—principalmente noque diz respeito à e iciência e custo-bene ício dos transportespúblicos,estopimdasrecentesmanifestaçõesnascapitaisbrasileiras.En im,odireitoagozardacidadaniaplenacontinuarestritoaosquepodempagarporela.

Page 124: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

140

CidadeMaravilhosa:nestegrotescocenáriodenoveladas8,vendidohistericamente aos turistas e principalmente aos cariocas menosinformados, parece que os favelados não serão contemplados nemcomo igurantes;poroutrolado,seencaixariamperfeitamentecomoprotagonistasdeum ilmede icçãocientí icaapocalíptica.Qualseráofuturodafavela,naperspectivasombriadosmuros,UPPs,câmeraseremoçõesemseuterritório?

Portanto,atenção,moradoresdas favelas:emalgum lugardofuturovocêspodemestarvivendocomoemum ilmede icçãocientí ica.Eisourbanismodoapocalipse...

Page 125: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

141

Page 126: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

143

http://imguol.com/c/noticias/2014/01/10/10jan2014---menino-caminha-sobre-restos-de-casas-demolidas-na-favela-do-metro-mangueira-no-rio-nesta-sexta-feira-10-desde-terca-moradores-protestam-contra-a-desocupacao-do-local-eles-alegam-que-1389387534891_956x500.jpg

Estetrabalhoédedicadoàlutadiáriadosmoradoresdasfavelas,quecorajosamenteresistem.

Page 127: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

144

ALVITO,MarcosetZALUAR,Alba.UmSéculodeFavela,FGVed,RJ,1998.

AMARAL,A.R. .Espectrosda icção-cientí ica -aherança sobrenaturaldogóticonocyberpunk. In:XIIIEncontroAnualdaCompós,2004,SãoBernardodoCampo,2004.ANDERS, Günther. Die Antiquiertheit des Menschen. (I) Über die Seeleim Zeitalter der zweiten industriellen Revolution. [O antiqüismo do serhumano.Vol.1Aalmanaeradasegundarevoluçãoindustrial].Munique,Beck,7a.ed.,1994.[Ediçãooriginal:1956].TraduçãodeCiroMarcondesFilho.ANDERS,Günther;LaObsolescênciadelHombre(VolumenI)Sobreelalmaen laépocadelasegundarevoluciónindustrial,Ed.Pre-Textos,Valencia,2011.

ANDREW, J.Dudley.;AsPrincipais teorias do cinema. 1989, JorgeZaharEditorLtda.RiodeJaneiro

ARENDT,Hannah.Sobreaviolência.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,2009.AMIS,Kingsley.L’universdelascience- iction.Paris:Payot,1960.

ASIMOV,Isaac.Nomundo da icção cientí ica. Rio de Janeiro: FranciscoAlves,1984.

BARBOSA,J.L..PaisagensCrepuscularesdaFicçãoCientí ica;aelegiadasutopiasurbanasdomodernismo.1.ed.Niterói:EditoradaUniversidadeFederalFluminense,2013.v.1.231p.

BAUMAN,Z:COMUNIDADE:abuscaporsegurançanomundoatual,ZaharEd.RJ,2003

_________Con iançaemedonacidade,ZaharEd.,RJ,2009.

_________MedoLíquido,ZaharEd.,RJ,2008

_________VigilânciaLíquida,ZaharEd.,RJ,2013

BENJAMIN,Walter.Aobradeartenaeradesuareprodutibilidadetécnica.In:Magiaetécnica,arteepolítica(Obrasescolhidas).SãoPaulo:Brasiliense,1993,p.165–196.DEBATE.

BRITO, Felipe e OLIVEIRA, P.R.; Territórios transversais. In: Cidadesrebeldes:PasseLivreemanifestaçõesquetomaramasruasdoBrasil–1.ed–SãoPaulo:Boitempo:CartaMaior,2013,p.65-69

CABRERA,Julio-Ocinemapensa:umaintroduçãoà iloso iaatravésdosilmes–RiodeJaneiro:Rocco,2006.

CARDOSO,C.F.S..A icçãoCientí ica,Imagináriodomundocontemporâneo:Umaintroduçãoaogênero..1.ed.NIterói:VíciodeLeitura,2003.v.1.124p.

CORRÊA,R.L.OespaçoUrbano.SãoPaulo:Ática,4.5T.2003.

CARRIÈRE,Jean-Claude-Alinguagemsecretadocinema–1.ed.especial.–RiodeJaneiro:NovaFronteira,2006

DALÍ,Salvador-Libelocontraaartemoderna.L&PM,2013-PortoAlegre.

DAVIS,Mike.EcologiadoMedo:LosAngeleseaFabricaçãodeumDesastre.RiodeJaneiro:EditoraRecord,2001.

DAVIS, Mike. Planeta de favelas: a involução urbana e o proletariadoinformal.In:SADER,Emir(org.).Contragolpes.SeleçãodeartigosdaNewLeftReview.SãoPaulo:Boitempo,p.191-218,2006a.

FONTESBIBLIOGRÁFICAS

Page 128: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

145

DEBORD,Guy.Asociedadedoespetáculo.SãoPaulo.Contraponto:1992

ENGELS,Friederich-AQuestãodaHabitação,edAcadêmica,SP,1988.

ENZENSBERGER,H.M. (1993).GuerraCivil. SãoPaulo:CompanhiadasLetras.

FAULHABER, Lucas:Rio Maravilha: práticas, projetos e intervenções noterritório.UFF,2012.(Monogra ia)

FERRAZ,SôniaM.T.,A favela como lugardaOperaçãoRio(1994/1995):DiscursoJornalísticoeDispositivosdeEnunciação.TesedeDoutorado-UFRJ/ECO-UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,EscoladeComunicação,RiodeJaneiro:1999

FERRAZ, Sônia M. T., CARDOSO, Nicolle. et RODRIGUES, Liebert –ArquiteturadaViolência:Cidadelimpaeseguraparaturistaver,trabalhoapresentado no III Seminário Internacional de Derechos Humanos,ViolenciayPobreza,Montevidéu,2010.

FERRAZ,Sonia.M.T.;PINTO,L.B.R.F.;CARDOSO,N.P..ARQUITETURADA VIOLÊNCIA MUROS E Upps: AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ASFAVELASCARIOCASDIREITOÀCIDADEPARAQUEM?. In: II CongressoInternacionaldoNúcleodeEstudosdasAméricas - SistemasdePoder,Integração e Pluriculturalidade, 2010, Rio de Janeiro. CD-ROM IICongressoInternacionaldoNúcleodeEstudosdasAméricas-SistemasdePoder,IntegraçãoePluriculturalidade.RiodeJaneiro:NUCLEAS/UERJ,2010.v.1.p.1-15.

FERRAZ, Sonia.M.T. ; PINTO,L.B.R. F. ; CARDOSO,N.P. .ArquiteturadaViolência: CidadeLimpaeSeguraparaTuristaVer. In: IIISeminarioInternacional de Derechos Humanos,Violencia y Pobreza; Primer

Encuentro Nacional Interdisciiplinario Derechos Humanos y SociedadCivil, 2010, Montevideu. Anais do III Seminario Internacional deDerechos Humanos,Violencia y Pobreza; Primer Encuentro NacionalInterdisciiplinarioDerechosHumanosySociedadCivil,2010.v.1.p.1-8.

FLUSSER, V. Filoso ia da Caixa Preta: Para uma Futura Filoso ia daFotogra ia.RiodeJaneiro:RelumeDumará,2002.

FERREIRA, I.B. ; PENNA,NelbaAzevedo .TerritóriodaViolência :Umolhargeográ icosobreaviolênciaurbana.Geousp(USP),SãoPaulo,v.18,p.155-168,2005.

FOUCAULT,M.(1999[1975]).VigiarePunir.Petrópolis:Vozes.

FOUCAULT, M. (1997 [1973]). A verdade e as formas jurídicas. Rio deJaneiro:NauEditora

FREUD,Sigmund-Omal-estarnacivilização.PenguinClassics;CompanhiadasLetras,2011–SãoPaulo.

HARVEY,D.(1992)CondiçãoPós-Moderna.SãoPaulo:Loyola.

HARVEY,David:Aproduçãocapitalistadoespaço.SãoPaulo:Annablume,2005.

JAMESON,F.Pós-modernismo:alógicaculturaldocapitalismotardio.SãoPaulo:Ática,1997.

LEFEBVRE,Henri.Aprodução do espaço. Trad.Doralice Barros Pereirae SérgioMartins (do original: La production de l’espace. 4e éd. Paris:ÉditionsAnthropos,2000).2006

LOIZOS,Peter.Vídeo, ilmeefotogra iascomodocumentosdepesquisa.

Page 129: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

146

In:BAUER,MartinW.&GASKELL,George(eds.).Pesquisaqualitativacomtexto,imagemesom:ummanualprático.Petrópolis:EditoraVozes,2003,p.137-155.

MARICATO,Ermínia.;Éaquestãourbana,estúpido!.In:Cidadesrebeldes:PasseLivreemanifestaçõesque tomaramasruasdoBrasil–1.ed–SãoPaulo:Boitempo:CartaMaior,2013,p.19-26

MARICATO,Erminia.“Conhecerpararesolveracidadeilegal”.In:Castriota,L.B.(org)UrbanizaçãoBrasileira/redescobertas.BeloHorizonte,C/Arte,pp.78-96.2003

MARTINS,AliceFátima.Saudadesdofuturo: icçãocientí icanocinemaeoimagináriosocialsobreodevir.1.ed.Brasília:EditoradaUnB-EdUnB,2013.v.1.292p.

MARTINS,S.M.B. ;CARVALHO,M.S. .MedoeInsegurançanasCidades:aviolêncianousodosespaçospúblicos. In:RevistadeDireitodaCidade,vol.05,nº02.ISSN2317-7721p.206-227.2010

MÉSZÁROS, István. (2009) A crise estrutural do capital. [traduçãoFranciscoRaulCornejo...[etal.]-SãoPaulo.Ed.Boitempo.

METZ,Christian;Asigni icaçãonocinema.Perspectiva,2012–SãoPaulo.

MONTERDE,J.E.Historia,cineyenseñanza.Barcelona:Laia,1986.

NAME,Leonardo;Geogra iaPop:ocinemaeooutro.RiodeJaneiro:Ed.PUC-Rio:Ed.Apicuri,2013.

OLIVEIRA,MárcioPiñonde .Autopiadodireitoacidade:possibilidadesde superacao da dicotomia favela-bairro no Rio de Janeiro. Cidadesbrasileiras.1ªed.Manaus:EditoradaUniversidadeFederaldeAmazonas

(EDUA),2010,v.II,p.288-302.

OLIVIERI, Silvana Lamenha Lins: Quando o Cinema vira Urbanismo.Salvador,2005.XIEncontroNacionaldaANPUR.

ORWELL, George; 1984.Companhia Editora Nacional, São Paulo, 29ªedição,2005.

RIBEIRO,AnaClaraTorres.Outros territórios, outrosmapas.En: OSAL :ObservatorioSocialdeAméricaLatina.Año6no.16(jun.2005-).BuenosAires:CLACSO,2005

ROLNIK,R.;Asvozesdasruas:asrevoltasdejunhoesuasinterpretações.In:Cidadesrebeldes:PasseLivreemanifestaçõesquetomaramasruasdoBrasil–1.ed–SãoPaulo:Boitempo:CartaMaior,2013,p.7-12

SÁNCHEZetBIENENSTEIN:JogosPan-AmericanosRio2007:Umbalançomultidimensional, Congresso da LASA – Associação de Estudos Latino-Americanos,RJ,junhode2009.

SANTOS,Milton: AurbanizaçãoBrasileira.SãoPaulo:EditoraHUCITEC,1993

SILVA,A.M.C.E.;Trilogiadasutopiasurbanas:urbanismo, hq’s e cinema.Tese (Doutorado em Programa de Pós-graduação em Arquitetura eUrbanismo–UniversidadeFederaldaBahia)-2008.

_________________________:Quandoocinemaviraurbanismo:Odocumentáriocomo ferramenta de abordagem da cidade. Salvador, 2007. DissertaçãodeMestrado.ProgramadePósGraduaçãoemArquiteturaeUrbanismo,UniversidadeFederaldaBahia.

SILVA,H.P..omundoapocalipticode1984eaparanoiadevigilânciahoje.Orson -RevistadosCursosdeCinemadoCearteUFPEL,v. 05,p. 9-19,2013.

Page 130: URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

147

TARKOVSKI,Andrei.Esculpirotempo.SãoPaulo:MartinsFontes,1998.

TEIXEIRA, Eduardo Tomazine. A “doutrina da paci icação”. Textodisponibilizado no sítio PassaPalavra (http://passapalavra.info/2011/01/34214),2011.

TEIXEIRA,EduardoTomazine .UnidadesdePolíciaPaci icadora:Oquesão, a que anseios respondem e quais desa ios colocam aos ativismosurbanos? (1ª parte) (Texto disponibilizado no sítio “PassaPalavra”:http://passapalavra.info/2010/06/25554)2010.

VAINER,Carlos.;Quandoacidadevaiàsruas.In:Cidadesrebeldes:PasseLivreemanifestaçõesquetomaramasruasdoBrasil–1.ed–SãoPaulo:Boitempo:CartaMaior,2013,p.35-40

***IMAGENSDACAPA:http://www.brasil247.com/images/cache/1000x357/crop/images|cms-image-000351702.jpghttp://www.brasil247.com/images/cache/1000x357/crop_0_215_1000_572/images|cms-im-age-000351302.jpg

IMAGENSDAPÁGINA97(DECIMAPARABAIXO,DAESQUERDAPARAADIREITA):http://cdn-parismatch.ladmedia.fr/var/news/storage/images/paris-match/brouillons/operation-speciale-dans-les-favelas-557259/node_557305/5149303-1-fre-FR/image.jpghttp://noticias.uol.com.br/album/2014/03/26/exercito-busca-armas-enterradas-por-tra icantes-do-rio-de-janeiro.htm#fotoNav=146http://rioonwatch.org/wp-content/uploads/2014/02/caveirao.jpghttp://www.municipiosbaianos.com.br/painel/noticias/imagens/fotos/A%20CHARGE%20DO%20ESTADO%20DE%20EXCE%C3%87%C3%83O%20POR%20CAUSA%20DA%20COPA.jpghttp://america.aljazeera.com/content/dam/ajam/images/articles_2014/04/rio_riots_hp.jpghttp://veja2.abrilm.com.br/assets/images/2012/4/73688/MIKA280312042-size-598.JPGhttp://extra.globo.com/casos-de-policia/12178809-414-5c9/w640h360-PROP/2014041244356.jpghttp://soulbrasileiro.com.br/wp-content/uploads/2010/06/Mar%C3%A9.jpghttp://i.huffpost.com/gadgets/slideshows/343448/slide_343448_3565438_free.jpg

FONTESFILMOGRÁFICAS

1984(1956),Diretor:MichaelAnderson,Roteiristas:WilliamTempletoneRalphBettinson,Produção:ColumbiaPicturesCorporation,Duração:90min.,Formato:35mm,Cor:pretoebranco.

1984(1984),Diretor:MichaelRadford,Roteirista:MichaelRadford,Produção:Umbrella-RosenblumFilmsProduction,Duração:113min.,Formato:35mm,Cor:colorido(Eastmacolor).

BladeRunner(1982),Diretor:RidleyScott,Roteiristas:HamptonFanchere DavidPeoples, Produção:Warner Bros., The LaddCompany,TandemProductionseSirRunRunShaw,Duração:117min,Formato:35mm,Cor:colorido.

Brazil-TheMovie(1985),Diretor:TerryGilliam,Roteiristas:TerryGilliam,TomStoppardeCharlesMcKeown,Produção:ArnonMilchaneEmbassyInternationalPictures,Duração:132min,Formato:35mm,Cor:colorido.

Distrito9(2009),Diretor:NeillBlomkamp,Roteiristas:NeillBlomkampeTerriTatchell,Produção:PeterJacksoneCarolynneCunningham,Duração:112min,Formato:35mm,Cor:colorido.

Fuga de Nova York (1981) Diretor: John Carpenter, Roteiristas: JohnCarpentereNickCastle,Produção:LarryJ.FrancoeDebraHill,Duração:99min,Formato:35mm,Cor:colorido.

RoboCop3(1993)Diretor:FredDekker,Roteiristas:FrankMillereFredDekker,Produção:AndrewEaton,Duração:104min.,Formato:35mm,Cor:colorido