Senhora das Águas Santas. A Igreja e a Vila de Santa Eulália, de ...

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HVMANITAS- Vol. LI (1999) 185-230 JOSé EDUARDO REIS COUTINHO Diocese de Coimbra SENHORA DAS AGUAS SANTAS A IGREJA Ε A VILA DE SANTA EULÁLIA, DE RIO COVO, NO SÉC. X Ao procurar estudar a temática cujos vectores direccionais dão corpo material às formulações explanadas nas páginas seguintes, a falta de sólidas investigações monográficas incidentes na contextura portuguesa medieval, nos parâmetros aqui pretendidos, fez aplicar aos distintos recursos documentais disponíveis diversos métodos de trabalho histórico. Consoante sejam as fontes, assim o tipo conceptualizante, quantitativo, meramente descritivo - para referir os principais - usados em sintonia com os respectivos capítulos e subjacente circunstancialismo que, mesmo num âmbito sectorial, concorrem no sentido de complementarem uma panorâmica culminada na síntese final. Porque se partiu das ocorrências vividas em plena medievalidade pré- nacional, as quais são responsáveis pela redacção do DC XIII, que funda- mentam as inferências propostas e viabilizam os domínios informativos que podem ser captados mediante tais eventos nele consignados, as incursões na vida rural autorizam a posse de valiosas notícias acerca desses momentos e reclamam, com justiça ,que na comunhão da Fé seja lícito lembrar quantos ali são mencionados e seus sucessores ou descendentes, a quem esta realização tudo deve. Na precisa data de ser apresentado, também por eles, de modo particular, tem lugar uma celebração litúrgica, como memorial salvífico, pascal e de profunda gratidão no nome do Senhor Jesus.

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HVMANITAS- Vol. LI (1999) 185-230

JOSé EDUARDO REIS COUTINHO

Diocese de Coimbra

SENHORA DAS AGUAS SANTAS

A IGREJA Ε A VILA DE SANTA EULÁLIA, DE RIO COVO, NO SÉC. X

Ao procurar estudar a temática cujos vectores direccionais dão corpo material às formulações explanadas nas páginas seguintes, a falta de sólidas investigações monográficas incidentes na contextura portuguesa medieval, nos parâmetros aqui pretendidos, fez aplicar aos distintos recursos documentais disponíveis diversos métodos de trabalho histórico.

Consoante sejam as fontes, assim o tipo conceptualizante, quantitativo, meramente descritivo - para referir os principais - usados em sintonia com os respectivos capítulos e subjacente circunstancialismo que, mesmo num âmbito sectorial, concorrem no sentido de complementarem uma panorâmica culminada na síntese final.

Porque se partiu das ocorrências vividas em plena medievalidade pré-nacional, as quais são responsáveis pela redacção do DC XIII, que funda­mentam as inferências propostas e viabilizam os domínios informativos que podem ser captados mediante tais eventos nele consignados, as incursões na vida rural autorizam a posse de valiosas notícias acerca desses momentos e reclamam, com justiça ,que na comunhão da Fé seja lícito lembrar quantos ali são mencionados e seus sucessores ou descendentes, a quem esta realização tudo deve.

Na precisa data de ser apresentado, também por eles, de modo particular, tem lugar uma celebração litúrgica, como memorial salvífico, pascal e de profunda gratidão no nome do Senhor Jesus.

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Nel quadro pacificato e durevole deli"impero romano, il desegno razionale rifluisce dalle città ai território, e colloca nel paessaggio le forme regolari delle lottizzazioni agricole, delle strade, dei ponti, degli acquedotti, delle linee difrontiera ,dei canali, dei porti: supporto funzionale e imagine omnipresente di una civiltà omogenea, diffusa in un grande spazio geográfico.

LEONARDO BENÉVOLO, La città nella storia d'Europa, 12.

A presúria ou apreensão de terras fazia-se no deserto ou na terra árida, no bosque ou matagal, que se criara pelo abandono secular, e nos pardieiros ou casas em ruínas, a que, segundo parece, chamavam de fogo morto.

(...) Também ainda eram conhe­cidas antigas igrejas, e os novos possuidores, muitas vezes descen­dentes dos que, em tempos passados, as tinham possuído, cuidadosamente lhe conservavam as invocações. Pardieiros, ou casas de fogo morto, capazes ainda de ser reparadas, para habitação do homem, ou para encer­res de animais ou depósito de frutos, havia muitas. As presúrias logo se legalizavam por meio de escrituras confirmadas pelo rei, ou, ao menos, pelos condes que as dirigiam; desse modo ficavam garantidas aos presores e seus herdeiros as respectivas pro­priedades.

LUIZ GONZAGA DE AZE­VEDO, História de Portugal, II, 88 a 89.

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Estava longe de qualquer intuito fazer um estudo sobre questões ine­rentes ao DC XIII' que, todavia, já merecera ser analisado na cadeira de Latim Medieval, em aulas teórico-práticas, filologicamente muito proveitosas e da melhor oportunidade para, no presente, se poder avançar nas pesquisas pretendidas.

Dado com meticulosa probidade, tornou-se, pois, através dos extensos comentários professados, um objecto de considerações interessantíssimas, tão fecundas quanto vantajosas a diferentes níveis, principalmente porque, de modo providencial, estavam a facultar inestimáveis conhecimentos que, de futuro, seriam notável auxílio na panorâmica das investigações encetadas.

Um tanto por todos estes motivos, foi fácil aceitar a proposta de partir dele para realizar algumas averiguações pertinentes, porém, ainda parcelares no quadro da problemática que poderá visualizar o processo pelo qual a villa romana se transformou - pelo menos, em certos casos - no lugar assim igualmente chamado nos diplomas medievais.

Ante delineamentos promissores - embora sabendo haver pessoas melhor habilitadas e dotadas de superiores capacidades para concretizarem o que se pede - leva-se por diante, com bastantes limitações, um conjunto de singelos empreendimentos tendentes ao contributo necessário para clarificar alguns aspectos pouco divulgados.

Realçando particularidades geomorfológicas colhidas no próprio documento, perscrutando numerosas explicitações toponímicas lá consignadas (a confrontar com as actuais) e procurando, nas batidas de campo, detectar os eventuais vestígios arqueológicos inerentes àqueles tempos históricos, cujo momento central está marcado no começo do séc. X, pôde resultar uma série de vectores que permitem aceder aos horizontes dessas recuadas idades e perceber as coordenadas subjacentes.

Devidamente ponderados, adequados e cartografados, os elementos recolhidos são constituintes dos enunciados que consolidam o produto de tantos contactos efectuados e de muito mais reflexões articuladas no sentido de, convenientemente, direccionar equacionamentos aceitáveis em Arqueo­logia Medieval, fundamentados nas acentuações possibilitadas pela concatenação de referências atinentes ao texto de 906.

Organização territorial e povoamento humano sintetizam o binómio que traduz, por conseguinte, dois conceitos operatórios reciprocamente responsáveis pela dinâmica verificada nos meios rurais da plena medie-validade, porém, ao contrário dos precedentes, aparecem aglutinados pelas convicções religiosas cristãs, materializadas na deveras imprescindível igreja dessa subunidade, com determinada geografia histórica, mantida nas velhas estremas, quase sempre chegadas até nós.

1 Tencionava prosseguir as investigações em Ansião, para complementar os levantamentos arqueológicos contidos no trabalho de Técnicas, terminado com os materiais visigóticos.

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TEOR DIPLOMÁTICO

Assim, há gerações que, suces­sivamente, a escrita, de forma silenciosa vai provocando os homens, por este ou aquele factor, a lê-la e transcrevê-la.

Resultado disso, falemos das gran­des empresas de cópias e cartas avulsas reunidas posteriormente em códice que desde os séc. VHl-ΓΧ tiveram lugar em várias partes do Ocidente e em Portugal desde o séc. ΧΓΠ. Particulares, catedrais, mosteiros, instituições de ensino, como a universidade, mandavam elaborar os seus cartulários, cujo valor histórico, paleográfico e diplomático é desneces­sário realçar.

MARIA JOSÉ AZEVEDO SAN­TOS, Uma Ciência em Portugal e na Europa: a Paleografia, 551.

LI Considerações Gerais

O DC ΧΠΙ2 data de 11 de Janeiro de 9063 e trata da solução de um grave litígio que existiu entre o Bispo de Iria Flávia4, Dom Sesnando, e o de Coimbra, Dom Nausto (Doe. 1).

Em discussão estava a controversa posse da igreja e villa de Santa Eulália, situadas no lugar onde chamam Águas Santas, na zona de Silva Escura, então - como hoje - território da diocese de Braga.

2 Esta designação provém de ter sido, primeiramente, publicado nos PORTUGALIAE MONUMENTA HISTÓRICA, Diplomata et Chartae, Olisipone MDCCCLXVII, n.° XIII, 8 a 9.

3 Cf. ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO, Sé de Coimbra, maço 1, doe. 2; e idem, Livro Preto da Sé de Coimbra, fl. 151 v.° a 152 v.°. Encontra-se, também, publicado em ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, Livro Preta da Sé de Coimbra, II, Coimbra 1978, 261 a 265, edição critica de Leontina Ventura e M. Teresa Veloso.

4 Bispado cuja sede passaria para Santiago de Compostela, em 1095.

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Acordaram, por fim, dividir entre os dois os bens em questão, e cada qual nomeou o seu representante para, in loco, delimitar a parte pertencente a cada um.

Enquanto na redacção do dito texto sobressaem aspectos excelentes -abundância de topónimos, menção de nomes pessoais e referencias aos prédios a dividir, confinantes e alodiais - outros ficaram omissos a todos os títulos, principalmente no que diz respeito às prerrogativas da posse, evocadas pelos prelados em contenda, bem assim as fundamentações jurídicas daquela pertença, como a obtiveram, quais os motivos justificadores e quando tal aconteceu, além dos anteriores pressupostos sobre a preferência do sítio de Águas Santas5.

1.2 Análise Interna

Formalmente, o documento secciona-se do seguinte modo: - A primeira parte foi redigida sem protocolo, pois, tem ausentes,

por completo, a invocado, a intitulatio, a expeditio e a salutatio. Do ponto de vista diplomático, a exposição inicial ou preambulum vai da linha 1 a 9; na linha 1 está a notificatio e, até à 9, aparece a expositio ou narração do litígio.

- A segunda parte ocupa o auto de partilhas, propriamente dito, ou dispositio, das linhas 10 a 40 e subdivide-se: na parte que coube a Dom Sesnando (linhas 10 a 24),tendo a invocatio na Unha 10, e a narrativa da divisão, nas linhas 10 a 24; e na parte que compete a Dom Nausto (linhas 25 a 40), com a narrativa da divisão das respectivas terras, nas linhas 25 a 39,e a garantia ou sanctio, nas linhas 39 a 40. Ε o conjunto do texto.

- A terceira parte constitui: o escatocolo, com a data cronológica (linhas 40 a 41); a validatio, composta pelos outorgantes e procuradores (linhas 42 a 43); e as testemunhas em subescrição (Unhas 44 a 47). Finalmente, nem tem indicação, nem assinatura do notário.

5 Os motivos de tudo isto podem interpretar-se mediante a conjuntura política da prática das presúrias, muito vulgar no reinado de Afonso IH das Astúrias, como adiante se induz com argumentos satisfatórios.

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1.3 Crítica Textual

Como pode verificar-se, estas duas copias - uma, do séc. XI, outra, do séc. XIII - de modo algum estão inteiramente conformes entre si: a de que se serviu Alexandre Herculano carece de inteira correspondência com a do Livro Preto; por isso, é de urgente necessidade procurar restabelecer e expor o texto original segundo o pensamento do autor e seguindo as normas da crítica textual6.

Linha 6 - episcopi Η episcopi Ρ uiliulfus presbiter ut coniungerent se. Esta expressão

encontra-se repetida na linha 7, precisamente, também, depois da palavra episcopi. Como ficou traduzido7, o sentido original tem de ser: a fim de assinarem um pacto por parte do Bispo Dom Nausto em representação da sua pessoa Dom Froarengo, ao passo que P, ao copiar, saltou da linha 6 pare a 7, onde, depois de referir o Bispo Dom Sesnando, se encontra com perfeito sentido o Presbítero Viliulfo, para se reunirem na vila acima mencionada. Pelo exposto, o Livro Preto apresenta duas vezes a expressão uiliulfus presbiter ut coniungerent se. Como o representante de Dom Nausto era o Bispo Dom Froarengo e Viliulfo o de Dom Sesnando, deve suprimir-se aquela repetição8.

Linha 15 - Falta em Η uma frase que está em P: agro miri sepe integram, salto sua sepe placidii usque et leouigildi. O copista de Η fez um salto do primeiro integrum para um segundo integrum,e tem bem o que dá melhor sentido, pelo que é o texto preferível, pela recensio 9.

Linha 28 - Tanto Η como Ρ têm: ribulo et de illa parte rippo usque in estrata de uereda et sepe. São um erro pela repetição, pelo que fica [et de illa parte rippo] e [et sepe],significando que estão no texto, mas devem ser retiradas, permanecendo a variante 10.

1.4 Procedência Directa

Num caso, Η é melhor do que P; depois, Ρ é melhor do que H; seguidamente, Ρ nunca poderia ter copiado de H, pelo que teve outro modelo; finalmente, há um erro comum em ambos. Por isso, pode ser estabelecido

6 Para tal, Η = Herculano; e Ρ = Livro Preto. 7 Cf. Versão Portuguesa, nos Anexos. 8 episcopi] uiliulfus presbiter ut coniungerent se, addit Ρ (repetens extra locum). 9 sepe integrum. salto sua sepe placidii usque et leouigildi, ommitit H.

10 ribulo] et de illa parte rippo, addunt Η et Ρ (repetens indebite).

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este stemma codicum ou representação esquemática, sob a forma de árvore genealógica, dos diversos exemplares do texto:

X

,oc Η

906

Séc. X

Séc. XI

Séc. XI

Séc. XI

Por conseguinte, os dois textos divulgados em publicações, quer o que parte da cópia do séc. XI, quer o que passou ao códice do séc. XIII, provêm de um protótipo do séc. X, designado, que se perdeu, mas que continha a redacção original, acabada de restabelecer (Doe. 1)n .

11 Ao Rev.mo Senhor Cón. Prof. Doutor José Geraldes Freire, os renovados agradeci­mentos pelas lições ministradas e pelos ensinamentos que permitiram fundamentar os enunciados que asseguram a plena compreensão do documento na lógica do Latim Medieval, imprescindível neste trabalho.

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II

DETERMINAÇÃO GEOGRÁFICA

Este marco, apto a estruturar as orientações metodológicas, é a região. É-o para os geógrafos, é-o para os econo­mistas e, levados por estes, é-o agora também para os políticos. Representa a unidade inteligível rnínima, base regional a partir da qual o historiador, no nosso caso o medievalista, pode partir para a sua análise.

JOSÉ ANGEL GARCIA DE CORTAZAR, História Rural Medieval, 13.

II. 1 Etapas Percorridas

Bastante vagas, arbitrárias e discordantes, as tentativas de localização de Águas Santas desrespeitaram a salutar imparcialidade que costuma persistir nas exactas identificações toponímicas, porque deram como seguras as fáceis suposições aventadas.

Quando foi publicado pela primeira vez n, os editores passaram em aberto a respectiva localização que, mais tarde, vem apontada como sendo na freguesia epónima do concelho de Póvoa de Lanhoso 13.

Posteriormente, foi recusada, para se considerar no da MaiaI4, opinião logo defendida I5 e partilhada I6.

12 PORUGALIAE MONUMENTA HISTÓRICA, Diplomata et Chartae, n.° XIII, 8. 13 Cf. HENRIQUE DA GAMA BARROS, História da Administração Pública em Portugal

nos Séculos XII a XV, Π, Lisboa 1896, 315. 14 Cf. ALBERTO SAMPAIO, Estudos Históricos e Económicos. As Vilas do Norte de

Portugal, I, Porto 1923,152. 15 Cf. AVELINO DE JESUS DA COSTA, O Bispo D. Pedro e a Organização da Diocese de

Braga, I, Coimbra 1959,112 (nota 4), 193 (nota 4) e 234, e nota 4. 16 Cf. CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA, O Documento N.° 13 dos Diplomata et

Chartae. Duas Considerações, Porto 1966, 5 a 8.

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Visto que a toponímia nem por isso minimamente coincidia, surgem novas hipóteses I7, até se comprovar que era referente a Santa Eulália de Rio Covo, no concelho de Barcelos 18.

Nada disto teria acontecido se qualquer um dos medievalistas que lhe dedicaram alguma atenção tivessem reparado num pequeno aditamento aposto no pergaminho avulso da Sé, sem margem para dúvidas, pois, em letra carolina do séc. XII, diz Saneia Eolalia de Ribulo Covo 19.

Efectivamente, a sede desta freguesia situa-se numa parte antiga, chamada Águas Santas, em cujo perímetro está a igreja paroquial.

II. 2 Identificação Precisa

Na verdade, a região e o local já tiveram ocupação remota, com abundantes vestígios da romanização e, perto da igreja - a meio do pendor oriental da colina, numa parcela em que abranda a inclinação do terreno, formando um socalco natural - brota uma fonte, com capela quase em frente, do outro lado da rua, intitulada Santa Maria de Águas Santas (Fot. 1 e2) .

A Sul desta construção, muito descaracterizada pelas frequentes remo­delações, fica contíguo o cemitério, ah instalado em 1889, no qual é fácil perceber o predomínio de cerâmicas grosseiras, vetustas, possivelmente pedaços de tijolos, tegulae e imbreces.

De facto, corre fama que as águas lá nascidas possuem virtudes curativas, são medicinais e referidas com notória reputação, geralmente relacionadas com as das termas de Eirôgo, em Santa Maria de Galegos, na margem direita do Cávado, porém, tudo faz supor que tenha sido a remota invocação de Santa Eulália que viesse cristianizar um santuário aquático pagão20, que os Romanos mantiveram ou que resulte de um nymphaeum da eventual villa adjacente, à qual pertenceriam os sobreditos materiais arqueo­lógicos, com especial destaque da coluna de mármore do tipo de Vimioso e dos fragmentos de sigillata clara D, das formas 97 e 104 A de Hayes21.

17 Cf. Idem, Ainda o Documento XIII dos «Diplomatae et Chartae»,VoAo 1970, 7, possivelmente na Galiza, por sugestão de Miguel de Oliveira.

18 Cf. Ibidem, 7 a 8. 19 Cf. ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO, Sé de Coimbra, maço 1,

doe. 2. 20 Cf. CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA, op. cit., 8 e 9, com paralelos apontados

no Noroeste peninsular, principalmente em Lugo. 21 Cf. Idem, Notas Sobre a Alta Idade Média no Nordeste de Portugal. Época Paleocristã,

Porto 1972, 126; e MARIA MANUELA DOS REIS MARTINS, O Povoamento Proto-Histórico e a

Romanização da Bacia do Curso Médio do Cávado, I, Braga 1987, 135.

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Aquando da última visita realizada nestas paragens, surgiu a recon­fortante oportunidade de encontrar um grande silhar romano, bem faceado e com almofadado (Fot. 3) e, também, uma mó dormente, entre outros elementos arquitectónicos (Fot. 4), de período incerto, recolhidos na anterior casa paroquial22.

II. 3 Balneário Público

Nada impede considerar-se que, do futuro reaproveitamento dos banhos privados da domus, tenha sobrevivido uma estação termal, julgada romana, cujo funcionamento terá perdurado durante a Idade Média23, sustentado pela crença popular, arreigada por influência de certa superstição, mas, também, em respeito aos testemunhos deveras afiançadores dos hábitos de limpeza, bem como da higiene da pele, mantidos pela prática de banhos em água fria24; tal costume, nunca perdido, tinha momentos altos nos estabele­cimentos públicos, observando rituais irrefragáveis durante certas ocasiões especiais, além do asseio diário, com uso frequente mesmo nas zonas rurais.

Ora, as águas termais - correntes, límpidas e revigorantes - incutem esperança curativa, tonificam o corpo dos doentes e propiciam aos vizinhos uma relacionação maior, aberta, feliz e de regalo sereno, pelo considerável usufruto desse bem a que muitos acorrem, vindos de longe, trazidos por inúmeras motivações, sempre justificadas.

Essas influências, psicológicas ou reais, contribuem, a seu modo, para firmar uma tradição social e perpetuar memórias que ninguém sabe conservar como a mentalidade própria de uma cultura oral, escrupulosamente trans­mitida, observada com rigor e preservada de qualquer novidade atentatória, pelo que só preferem manter o que já conhecem e cumprem, em vez de acatarem as inovações destituídas de resultados experiencial e pessoalmente comprovados.

Simplesmente, em Águas Santas nenhum indício se levanta com ligação a características termais, mas sim à fonte que rebenta sem especificidades minerais e tem enquadramento num recinto diminuto, com ricos estratos de cerâmicas castrejas, arrastadas até ao adro da igreja2S.

22 Ao Senhor Fortunato da Costa Dias, um renovado agradecimento pelas informações prestadas e pela autorização para fotografar aqueles materiais.

23 Cf. CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA, op.cit, 126. 24 Cf. MANUEL GONçALVES CEREJEIRA, A Idade Media, Coimbra 1936, 92 a 101. 25 Informação gentilmente prestada pelo Senhor Prof. Doutor Carlos Alberto Brochado

de Almeida, responsável pelo acompanhamento científico da intervenção de emergência realizada junto da igreja paroquial, que ali situa um povoado proto-histórico, mas que é admissível a cota mais elevada.

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A falta de particularidades rituais que dariam seguro conhecimento26, perante circunstâncias assim explicitadas da Idade do Ferro parece lícito admitir outra interpretação, mais adequada e de melhor fundamentação.

Já no conjunto arquitectónico dos monumentos castrejos, patentes em registo arqueológico, sabressaem os edifícios dos banhos públicos, de tipo sauna. Na qualidade de construções hipogeias, com pisos lageados, câmaras de grandes monólitos, por vezes com ornamentação semelhante à da Pedra Formosa, de Briteiros - elemento integrante de um deles - aparecem situados nas zonas baixas dos povoados27, em utilização associada à de fontes perenes ou junto dessas linhas de água, envolvidas de simbologia religiosa, precisa­mente comprovada pela escavação de supremo paralelo de Santa Maria de Galegos, no mesmo concelho de Barcelos28.

A implantação soterrada - para melhor captação da água, conservação do calor em estufa e fruição do vapor - , a ante-câmera de bancos corridos, a grande pia no átrio, as canalizações e os esgotos ajustam-se, inequi­vocamente, à notícia clássica29 e fundamentam as ulteriores pervivências da religiosidade indígena, mantida e conservada nas indeclináveis manifestações frequentemente chegadas à actualidade.

É que, se por um lado, o espaço mal dá para a passagem da estrada e das bermas estreitas - descontando a plataforma artificial da capela de Nossa Senhora de Águas Santas - , por outro, torna-se descabido posicionar os balneários romanos na colina sobranceira à villa que, por certo, existiu logo abaixo, numa planura ligeiramente dominante da vasta planície longitudinal, sulcada pelo alto Covo (Fot. 5).

Fica por esclarecer a dimensão e configuração dos tanques30 aparecidos em 1700 e das estruturas então trazidas à luz do dia, porém, há-de ter subsistido algum vestígio nas imediações, para dilucidar essas origens.

A reforçar esta convicção, convém adiantar que, todos os anos, no segundo Domingo de Agosto, há romarias e se celebram, simultaneamente, festividades litúrgicas em honra de Santa Eulália e Senhora das Águas Santas 31.

26 Cf. J. LEITE DE VASCONCELOS, Religiões da Lusitânia, 3, Lisboa 1981, 260. 27 Como será o caso concreto, apenas garantido por escavações locais. 28 Cf. ARMANDO COELHO FERREIRA DA SILVA, Proto-História de Portugal, Lisboa 1992,

53 e 223. 29 Cf. ESTRABãO, Geografia, ΙΠ, 3, 6. 3 0 Cf. LAURINDA FERNANDES DE CARVALHO ARAúJO, Monografia de Santa Eulália de

Rio Covo - Barcelos, Ponte de Lima 1984, 6 a 7. 31 Cf. AA. VV., Dicionário Enciclopédico das Freguesias, 1, Matosinhos 1997, 34.

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Um acontecimento desta dimensão tem, a propósito, demasiada coincidência com os paralelos que, comemorados naquele mês, até ao dia 15 - da solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria - ascendem a religiosidades pagãs, na maioria provenientes de cultos pré-romanos32.

Π. 4 Quadro Regional

Conforme ficara sublinhado, tudo isto decorreu no fertilíssimo vale, salpicado de ressurgências que afloram suaves, percorrido por veios de água de diferentes caudais e delimitado por elevações periféricas, os aci­dentes geográficos dominantes, dos quais se destacam, em arcatura e no sentido horário, os relevos de 88, 114, 188, 223 e 283 metros de altitude, este pertencente ao marco geodésico de Vaia33, a Poente (Fot. 6).

As condições naturais favoreciam a grande produtividade e, se tal fertilidade, mesmo para os séculos passados, é peremptória, os entraves adensam-se quando surge imperioso abordar a organização agrária das explorações efectuadas.

O auto de partilhas mostra-o completamente retalhado em minucioso parcelamento, de relativa extensão, e englobando potencialidades aprovei­táveis, até chegar aos lugares do termo.

Esta porção de terra teria atraído os grupos humanos desde muito cedo, inicialmente refugiados nos redutos das alturas sobranceiras e descendo, gradualmente, para as áreas baixas, de melhores condições, estabelecendo certos modos de ocupação.

Depois, também os Romanos deixaram memória: fundaram uma villa, cujos restos arquitectónicos e correspondentes materiais arqueológicos da longa permanência as lavras e demais trabalhos agrícolas de remeximento do solo põem a descoberto.

Assim, as intervenções de emergência, levadas a cabo no passado mês de Agosto, na parte Sul do adro da igreja - para se poder avaliar o impacto das obras a realizar com uma cave e alargamento do espaço da capela lateral da matriz - , deram abundante testemunho relacionado com a presença romana no local.

Além das apontadas sigillatae claras, com cronologia dos inícios ou meados do séc. VI, apareceram várias outras de tempos anteriores, como

32 Cf. J. LEITE DE VASCONCELOS, Etnografia Portuguesa, V, Lisboa 1982, 127 a 134. 33 Como diante se dirá, o topónimo regista a forma mais corrompida de Eulália. Desig­

nando a principal altitude das redondezas, acentua a longínqua presença do hagiotopónimo na região e certifica vivências medievais.

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sejam as hispânicas e sudgálicas, entre cerâmicas comuns coevas, o que prova, pela primeira vez, a certeza de uma casa de campo romana, presidindo numa exploração agrária.

Depois, os aludidos lagedos aproveitados numa eira, os alicerces, condutas e tubos de barro34, sempre acompanhados de pedaços de tegula e imbrex, em larga dispersão, atestam uma construção habitacional, bem implantada, protegida, fora do circuito viário que passaria pela cumeada de Nascente e com boa exposição solar. (Fot. 7).

Outros achados destacam-se relacionados com os ulteriores habitantes medievais, nada repugnando supor a divisão agrária a ser afectada pelas cíclicas mudanças operadas na gestação das novas fases atinentes às inter­ferências germânicas e muçulmanas.

Logo, parece verosímil admitir alterações, embora seja difícil averiguar, no estado das prospecções actuais, de que maneira isso se deu no concreto, em cada um dos casos.

As aglomerações da Antiguidade ir-se-iam fragmentando ou modi­ficando os seus limites, acompanhando a mudança dos povos, com a devida densidade ou escassez, aparecendo, sem duvida, villae incluídas dentro de outras, que lembram, por certo, divisões mais recuadas.

Os respectivos povoadores são conhecidos através da documentação, que vem elucidar, igualmente, acerca dos haveres e das actividades exercidas, porquanto nesta profusão de valiosas informações permanecem os testemu­nhos da riqueza dos campos que, desde tempos remotos, veio permitir a vantajosa promoção do povoamento e colonização das terras conquistadas pelas vitórias alcançadas com a força das armas.

Um milénio quase volvido, contam-se, hoje, duas dúzias de lugares: - Água Levada, Águas Santas, Agra, Agro, *Boa Vista, *Barroco,

Casal, *Cabo, Coutada, *Cachadinha, *Engenho, Guarda, Levandeira, *Lamas, Monte de Real, *Mógo, *Outeiro, Pagãos, *Paços, Soutulho, *Trás da Fonte, *Vigia e Vilar35, além de Mance ou Contença.

34 Cf. CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA, Ainda o Documento XIII dos «Diplomata

et Chartae», 9. 35 Cf. AA.VV., Dicionário Enciclopédico das Freguesias, I, 34.

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III

LEVANTAMENTO TOPONÍMICO

Até aqui referimo-nos apenas a nomes de pessoas, quando é certo existir também um enorme número de nomes de lugar, antigos e modernos, de origem visigoda. Há, porém, entre uns e outros uma interdependência directa. Todos estes topónimos têm a sua origem em nomes de indivíduos que fundaram, ocuparam ou herdaram as terras respecti­vas. São os nomes dos primitivos pro­prietários medievais que ficaram presos à terra.

JOSEPH M. PIEL, O Património Visigodo da Língua Portuguesa, 27.

HL 1 Dados Altomedievais

A toponímia, como voz privilegiada da paisagem, exprime reflexos da intervenção diária que o passado modelou para, na qualidade de memória preservada por sucessivas gerações e no conjunto dos elencos que pode salientar, desvelar situações despercebidas, actividades deixadas de praticar e factores preponderantes em épocas passadas, porém, perpetuados neste venerando repositório de preciosas informações locais.

Como, por diversas ocasiões, já ficou aludido, no DC ΧΠΙ está contido um considerável enunciado de microtopónimos verdadeiramente interessantes para visualizar a notável organização campesina de Águas Santas, acerca da repartição agrária, dos proprietários ali estabelecidos, rendeiros ou simples trabalhadores, e das explicitudes em destaque.

Basta, para tanto, realçar aquilo que traduz esse conteúdo, dispondo, alfabeticamente, os termos a salientar e revendo-lhes a grafia36.

Agra. Terra lavradia, plana, frutífera e de superior capacidade produtiva, pela boa aptidão intrínseca.

Sendo de fácil compreensão vocabular, dispensam-se-lhes as remissões bibliográficas.

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Agrelo. Campo de reduzidas dimensões, mas igualado aos semelhantes. Agro. Campo cultivado, com terrenos também de semeadura e gados

de uma herdade37. Aguas Santas. Nome devido às propriedades das águas que nascem

em locais assim chamados. Bustelo. Área de pastagens: tapada, bouça ou fazenda; ferragial. Carrária. Caminho melhor, estrada antiga. Casal. Pequena extensão cultural com casa, no sentido de cabana38. Contença. Possessor ou rendeiro cujo nome pessoal acabou por desig­

nar o próprio lugar a que, primitivamente, se referia. Decórias. Marcos divisórios de propriedade, de tradição visigótica,

possivelmente colocados nos limites, com sinalefas esculpidas nessas pedras fixas e relativamente grandes39.

Felgária. Provém de felga, torrão; diz o terreno já lavrado. Fontanelo. Nascente artesiana que corre pouco abundante, em bica. Fonte Coberta. Local com água de exsurgência, protegido por qualquer

dispositivo de construção simples. Ficaria. Arvore originária do ficus, significando campo de figueiras. Kuruianes. Contração do aumentativo de corujães, de coruja. Linharelo. Pequeno terreno cultivado de linho. Mance. Possessor ou rendeiro cujo nome pessoal acabou por designar

o primitivo lugar a que se referia. Pomar. Cultivo extensivo de árvores frutíferas, tipo macieiras. Porto. Depressão e passagem fluvial de barco ou ponte, entre duas

ligeiras elevações opostas. Ribolo. Curso de águas correntes, em baixo caudal. Salto. Terrenos montanhosos que nunca receberam amanho, mas

cobertos de arvoredos silvestres, como carvalhais e castanheirais espontâneos. Sicaríolo. Diminutivo de seco, no sentido de sequinho. *Sequeiró é

nome ainda mantido na memória local, todavia, sem registo nas matrizes prediais.

Silva Escura. Floresta densa, bosque com vários aglomerados vegetais impenetráveis, como se fosse silvedo.

37 Com os anteriores, forma subunidades acompanhadas das denominações dos possessores, rendeiros ou operários a eles adscritos. Cf. ALBERTO SAMPAIO, op. cit, 75. São glebas para cultura arvense.

38 Cf. ALBERTO SAMPAIO, op. cit, 71. 39 Cf. ÁLVARO D'ORS, El Código de Eurico ,Madrid 1960, 196; e JOAQUIM DE SANTA

ROSA DE VITERBO, Elucidário, II, Porto 1966, 177: Decúria. Isto é tanto mais viável quanto aparece a par das chamadas "pedras nativas".

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Várzea. Terreno baixo, de bastante humidade, fértil e notório. Vila. Quinta, mencionada em referência a uma importante instituição

local, de onde tirou o nome. Vilar. Fracção da villa, concedida pelo proprietário a cultivadores,

para exploração agrícola; subunidade de produção.

HL 2 Relação Actual

Com o firme propósito de facultar e medir o horizonte que traduz a memória popular dos sítios integrados em Santa Eulália de Rio Covo, compete às espécimes toponímicas contidas no repositório das matrizes prediais rústicas da Secção de Finanças do concelho de Barcelos40 dilucidar a denominação dos prédios, segundo aquilo que os proprietários tinham como nome individuante.

Este repertório oficial documenta, pois, uma realidade e transcreve--se com os mesmos erros ortográficos e variantes com que foi escrito41, e sucessivas vezes acrescentado42.

Água Levada, 1 Monte, 16 Vilar, 24 Coutada, 36 Vilar, 41 Trofe Mar, 78 Contença, 98 Cergueda, 104 Casal, 127 Barroco, 152 Casal, 160 Capela, 182

40 Ao Senhor Júlio Rodrigues da Silva Azevedo, da referida Secção de Finanças, e demais funcionários que atenderam e colaboraram neste trabalho, um renovado agradecimento de plena consideração.

41 Havendo um só livro de registos, o que prova a restrita dimensão da freguesia, após o topónimo está indicado o numero da respectiva matriz predial. O levantamento procede, apenas, à recolha de topónimos diferentes, mesmo que alternados, porque há grande repefi-tividade, e aqui basta frisá-los em amostragem sucinta. Para dados estatísticos, também é suficiente a seriação.

42 De 12 de Junho de 1909 até ser encerrada, em 30 de Setembro de 1945, recebeu doze aditamentos. Trata-se do livro mais antigo, como convém neste caso.

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Moze, 191 Moure, 192 Moze, 197 Moure, 200 Moze, 204 Bouça de Passos, 211 Coutulho, 228 Treleiteiras, 269 Pinhal de Coutulho, 288 Boca, 298 Casal, 304 Boca, 308 Pomar do Fão, 316 Águas Santas, 342 Levandeira, 368 Poças do Monte, 376 Água Levada, 379 Monte do Chão, 390 Bouça da Guarda, 423 Fontelhas, 456 Guarda, 470 Lavandeira de Baixo, 492 Guarda, 522 Monte do Castelo, 524 Pachónio, 531 Trás da Fonte, 557 Agro, 852 Outeiro, 628 Sobre a Bouça, 666 Soregos, 680 Sorego, 687 Monte Real, 695 Fontainhas, 727 Monte Real, 743 Bouças do Alcaide, 748 Bufareiro, 756 Agra de Borge, 789 Agra da Baige, 805 Pontelha e Pedaços de Baixo, 819 Agra do Salgueiral, 841 Passo, 892

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Fontainhas, 897 Perrela, 898 Lamas, 901 Bufareira, 908 Prado, 915 Silvares, 925 Rio, 957 Ponte, 968 Curros, 971 Agro, 984 Pinhal do Soutelho, 989 Monte, 990 Soutelhas de Cima, 991 Sautelha e Pedaços de Baixo, 994 Silvares, 997 Pomar do Fão, 998 Agro, 999 Casal, 1000 Agro, 1001 Monte Real, 1002 Pomar do Tão, 1003 Igreja, 1004 Pomar do Pão, 1007 Monte do Chão, 1009 Cruzeiro, 1011 Água Levada, 1012 Casal, 1017 Agra do Salgueiral, 1026 Pagões, 1028 Carriça, 1029 Monte dos Chãos, 1030 Cabo, 1031 Igreja, 1032 Monte Real, 1033 Cerquido, 1034 Casal, 1036 Capela, 1037 Treleiteiro, 1038 Igreja, 1039.

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III. 3 Síntese Comparativa

A toponímia retida, nos dois enunciados, está de acordo com as circunstâncias gerais da região do rio Minho ao Douro, nos inícios do séc. X: um povoamento muito esbatido, mas sem a menor dúvida existente, destituído do ermamento total e de inculturas completas, salvo raras excepções em planaltos inóspitos e nos bosques hircínicos.

Entre tais verificações se mostra a existência de plúrimos nomes de origem germânica que, pela densa concentração a Norte do Mondego, no Portugal atlântico, é uma consequência da presúria realizada pelos senhores nobres, clérigos ou gente simples na fase da Reconquista43.

III. 3. 1 Presúria Episcopal

Embora se tenha divulgado que, provavelmente, Dom Nausto e Dom Sesnando tivessem recebido a propriedade por doação régia"" de Afonso III das Astúrias, e nestes instantes esteja para surgir uma publicação na qual o problema é reconsiderado45, custa admitir uma dádiva feita em comum a dois prelados, sem o devido instrumento jurídico, a mínima destrinça e o âmbito subjacente, pelo que gerara violências praticadas pelos feitores de cada qual sobre os homens da parte oposta.

Esse facto indicia, sim, uma anterior avançada permitida pelo monarca - como muitas outras o foram - e sob o comando conjunto da autoridade dos dois Bispos que, domiciliados na mesma diocese de Iria Flávia (um, o residencial; outro, o que lá vivia como no exílio, porque afastado da cidade dominada por Muçulmanos "* e, quem sabe, natural da Galiza), se dispuseram a participar numa empresa de apropriação de terras longínquas, destituídas de senhorio directo, pelo que teve lugar a presúria47.

Por isso, tomaram-na sob aquela modalidade, todavia, perante conten­das eclodidas, tão graves e cometidas em nome dos insignes prelados, seria sintomático que recorressem ao supremo juízo régio: se já tinha sido o asturo-leonês a permitir-lhes a gesta causadora de tal evento, que fosse também ele a instância última de solucionamento.

43 Cf. MARIA ÂNGELA BEIRANTE, A «Reconquista» Cristã in Nova História de Portugal.

Portugal das Invasões Germânicas à "Reconquista", Π, Lisboa 1993, 290. 4 4 Cf. ALBERTO SAMPAIO, op. cit, 134. 4 5 Cf. AVELINO DE JESUS DA COSTA, op. cit, I, Braga 21997, 92. 46 Em 878, Coimbra entrara no domínio asturiano, mas, anos depois, foi perdida. 47 Cf. PIERRE DAVID, Études Historiques sur la Galice et le Portugal du VI'"" au XII""

siècle, Lisboa-Paris 1947, 178.

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Dai, terem efectuado uma primeira reunião em Oviedo, onde estava a corte, depois, uma outra em Santiago de Arcas, a futura Compostela, por ficar a meia distância entre ambos48 e ser considerado ambiente neutro.

Sem que nada decidissem - além de manifestarem o desejo de resolver o caso à boa paz, assinarem um acordo e fazerem o auto de partilhas aceitáveis - deslocaram-se os representantes ao próprio local dos desacatos a fim de dirimirem a questão, pois, era assunto que o monarca remetia para os contendores: eles deviam entender-se na busca pacífica da justiça, pelos próprios meios e de recta intenção ,até para directa tranquilidade dos povos que sofriam no terreno.

Trata-se, por conseguinte, de uma presúria privada, o que é documen­talmente raro, bem como de uma significativa colonização episcopal49 que, pelo diploma de 11 de Janeiro de 906, fez distinguir o direito de propriedade em dois: aos senhores, os Bispos de Coimbra e de Ma Flávia50, cabia o dominium directum, mais tarde qualificado de eminente; aos rendeiros e lavradores, o dominium utile51.

III. 3. 2 Paisagem Agrária

Do tempo dos Hispano-Romanos ou dos Bárbaros, as divisões fundiárias observam os assentamentos ancestrais, em parte mantidos em sobrevivência digna de singular apreço.

Primeiramente, e tal como no séc. X, também nos dias que correm existe semelhante retalhamento do fimdus (Fot. 8).

As proporções, variáveis entre silva, como espaço florestal selvagem, saltus, o espaço de bosque integrado numa economia que procura razoável equilíbrio com o ager ou terras cultivadas com vista ao adequado aprovei­tamento de recursos em gado e cereais, acentuam o ritmo de conversão permitida pelas arroteias em favor do aumento da pressão demográfica (Fot. 9).

Entretanto, por ordem de representatividade, são frequentes os geoto-pónimos (Agra, Agrelo, Agro52, Monte, Prado), os fitotónimos (Figueiral,

48 Iria Flávia dista cerca de 18 Kms de Santiago de Compostela; Santo André de Trobe, uns 12 Kms. Esta povoação é referida por ter o túmulo de Dom Nausto, do qual se conserva a tampa epigráfíca.

49 Cf. PIERKE DAVID, op. cit, 176. 50 Ainda hoje, na colina frente à igreja, se situa a chamada *Bouça dos Espanhóis, sem

que haja memória popular que a justifique, mas que está certo (Fot. 10), como se percebe. 31 Cf. GUY FOURQUIN, Senhorio e Feudalidade na Idade Média, Lisboa 1987,136. 52 Estas três palavras são muito frequentes no Norte e na Galiza.

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Linhar, Pinhal, Pomar, Salgueiral, Treleiteiras, Vinha), os hidrotopónimos (Fontelhas, Rio, Rívoló), os litotopónimos (Decórias, Pedras Nativas) e os zootopónimos (Carriça, Crujães), para referir alguns dos grupos mais pre­ponderantes, o que revela um ambiente tipicamente rural.

Esta nomenclatura é regular e pouco variada no conjunto, o que pressupõe uma situação na qual se afiguram instituições recentes, ou, então, o trajecto das divisões efectuadas nas partilhas passaram fora de qualquer sítio que tivesse denominação antiga, ou designasse ruínas de tempos distantes, possivelmente romanos, suevos, visigodos...

Seguidamente, destaca-se a sugestiva seriação de substantivos pessoais, de grande merecimento.

Assente no superstrato que se impôs ao Latim falado, pela presença dos invasores, dos quais recebera algumas designações, aludidas em Mance e Contença, a título exemplificativo, as demarcações e nomes atravessam, assim, algumas vicissitudes, e nem com as imposições ocorridas aquando da apropriação de terras, os dados fornecidos deixam de frisar heranças de outrora, o que faz recordar a estabilidade anterior.

Eis, pois, a lista alfabética dos vinte sete senhores referidos no DC XIII, com casas ou campos ali localizados:

- Agromiro, Ansemundo, Arguirizo, Arvetano, Assaiola, Astrulfo, Atanagildo, Contença, David, Gundefrelo 53, Gundissalvo, Leovigildo, Mance, Manula, Minizo, Pelágio, Placídio, Requerendo, Salomão, Sindo, Spasando, Sunimiro, Telelo, Teoderizo, Tractimiro, Troncoso e Veremudo.

Graças às narrativas de partilhas, ressalta com nitidez a certeza de que os campos sem senhores eram, igualmente, mas por paralelismo antitético, porções territoriais carenciadas de história documentada nos arquivos nobres ou eclesiásticos; a partir do momento em que exista, a fim de constituir uma memória escrita, ganha prestígio perante tudo.

Consequentemente, tal como um tipo de organização social marca tonalidades particulares nos relacionamentos humanos, também aviva, com as próprias colorações - como se de um prisma se tratasse - aquilo que recebe do passado para o transmitir às épocas seguintes, em especificidades por vezes indeléveis.

Aparece, também, Gundebredo, que tanto pode ser erro como variante.

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ΠΙ. 4 Parcelamento Verificado

O assunto pode entender-se através do modo de repartição das habi­tações pelo campo que, desde logo, se verifica disperso ou disseminado, sem directa coesão entre si, mas, em relação muito íntima com a terra cultivada.

Efectivamente, o povoamento apresentado é de formação recente, inicial e consecutivo às notáveis transformações operadas no domínio de Águas Santas, combinando-se com formas evoluídas a partir das ocupações que, nas zonas baixas, sucederam aos castros alcandorados nas colinas.

Os termos dessas dispersões consistem nos casais de lavoura (habitação e anexos), frouxamente agrupados, e nos campos, prados e arvoredos insinuados entre eles.

Cada qual abre para o seu terreno de cultura, bouça ou pinheiral, pelo que essa família explora, consoante quiser, as leiras, cortinhas e quinhões que lhe pertencem, numa desmedida intimidade da casa com o campo.

III. 4. 1 Fisionomia Campesina

Neste sentido, dadas as manifestas acentuações apontadas, a estrutura e arranjo do campo - enquanto disposição do terreno cultivado, tanto no tocante a outras modalidades de ocupação do solo arável (pastagens, cami­nhos), como nos incultos e abandonados, bem assim nos ordenamentos das culturas dentro dele - remete para considerações apreciáveis acerca da evi­dência patente.

Os ritmos próprios da vida rural são, talvez, os mais lentos da história, atravessando, quase imóveis, largas periodizações de tempo: composições ajustadas ao ambiente, por demorada selecção, originadas ou transformadas em épocas diferentes, coexistem com elementos coevos, embora a sociedade e a economia tivessem conhecido profundas alterações.

A agricultura, mesmo separada da configuração geral do campo, deixa perceber quanto a terra cultivada se dispõe na directa gravitação dos lugarejos, onde vivem os detentores e os homens que a trabalham: a distinção vincula realidades inconfundíveis ao mencionar como comuns os agros, traduzidos por campos cultivados, e consignando poucas agras, as terras lavradias, enxutas, da encosta, de melhor qualidade, caracterizadas pela maior capa­cidade produtiva de cereais, reservadas por singular escolha para alguns possessores, como a de Argirizo e a de Telelo.

Subjacente a todos estes tipos estão as especificidades da agricultura primitiva que desempenharam, também noutras épocas e lugares, principal destaque na subsistência das populações e simultâneo surto demográfico.

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Águas Santas formava, com o respectivo âmbito cultivado, uma unidade indissolúvel, em que o esquema tradicional da utilização do solo comportava, à roda do singelo casario, uma cintura de culturas regadas (pequenas hortas de excepcionais condições agronómicas e linhares), mimosas, olival - certamente - , pomares de frutíferas, retalhos de vinhedos incrementados nas encostas soalheiras e prados naturais, permanentes, ao longo dos ribeiros, tudo isto murado, sem estar sujeito a servidões colectivas.

Depois, as depressões interiores do vale longitudinal eram semeadas de cereais panificáveis, de leguminosas (favas, ervilhas ,chicharros e grão), em extensões desdobradas pela clareira livre no meio dos bosques densos e matagais periféricos, parcialmente tosados por gado miúdo (ovelhas e cabras), criado em rebanhos, igualmente pastoreados nas pastagens e pousios; além, colhia-se lenha e mato, cujas flores serviam às abelhas na preparação do mel.

Os muros de pedra seca, nas vedações e socalcos; as sebes e árvores em renques, com interposição dos espaços cultivados, nas estremas e margem dos riachos; os moroiços da despedrega, sistematizam individuações que os nomes pessoais atestam e determinam.

ΙΠ. 4. 2 Terreno Cultivado

Recortando, irregularmente, a verdura, os caminhos pedestres — que se entrecruzam em todas as direcções - conduzem às franjas onde se vão alargando as anteriores áreas de produção, mediante esforços empreendidos pelos que deixam o núcleo familiar e querem instalar-se na orla do mato, do pinheiral, dos carvalhais e soutos, ou do bosque, na base do barranco ou no ermo de um monte maninho.

Em breve, uma tenaz arroteia circunda novas e precárias instalações; em poucos anos, tudo se multiplica para, repetindo ciclos imparáveis, as gerações vindouras se dedicarem, algures, à mesma faina de romper mais um trato de bravio, acrescentar outros aconchegos ao agregado primitivo, levantar casa junto da courela que detêm e manifestar alguma relativa auto­nomia.

Dominante nestas paragens, a disseminação do povoamento é um fenómeno constante: a primeira vaga beneficiou dos progressos gerais da agricultura, na romanização, enquanto a segunda irrompeu com as campanhas cristãs da reconquista e, pela crescente demografia que a sustentara, viu tal alastramento ganhar, também, os maciços rochosos, onde a proliferação de várias árvores de fruto fornece complementos alimentares aos homens e aos gados, proporcionando castanhas, bolotas e medronhos.

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Com efeito, há castanheiros ancestrais e grandes soutos nos declives, o que parece indicar, pela restrição do sentido, a importância desta árvore durante meses de penúria, vindos a seguir ao tempo da fruta e à fartura das colheitas. Então, numa ocasião de insuficiências, é deveras admissível que, durante fossados e algaras, os soutos providenciassem refugio e sustento às pessoas e animais, que logo voltavam às procedências depois de passarem as hordas avassaladoras. A presença dos castanheiros impedia, pois, o ermamento, no verdadeiro e primeiro sentido da palavra.

As águas subterrâneas brotam abundantes à superfície: o volume desses mananciais provenientes de veios livres faz que sejam aproveitadas à bica, bem como, levadas em condutas pitorescas, numa rede que assegura a satisfação de uma das necessidades essenciais à vida; embora corra des­perdiçada pelos riachos divagantes, os poços são inexistentes nesta localidade, porque substituídos por tanques em grande quantidade, como bem regista a carta militar.

Esta grande fase de apropriação de terras provém, inequivocamente, das reconquistas alcançadas nas vitoriosas expedições efectuadas sob a égide dos reis asturianos e reafirmam, a par da organização administrativa dos lugares desertos e incultos - formulados como estando sem senhor, tomados de presúria e detidos pelos titulares - a permanência dos quadros da pro­priedade, já muito loteada no parcelamento, todavia, cada vez mais e sempre valorizada pelas circunstâncias favoráveis.

Águas Santas é, pois, um, campo denso, dividido, encravado e apertado, que formiga de gente e de trabalho intenso, estreitamente ligado à lavoura, utilizando os largos fundos abaulados dos vales interiores, aproveitando o começo das vertentes rentáveis e detendo-se nos descampados dos montes altaneios. Ε um reduto incólume onde se conservam os restos da civilização agrária dominante no Nordeste minhoto, que comporta pluriculturas asso­ciadas a lugarejos de casas esparças. Já assim foi quando o casal e o vilar, as pequenas propriedades de então, nos inícios do séc. X, eram parcelas dispersas ou leiras de semeadura tidas como génese do progressivo adensamento populacional.

Contando, somente, como subunidades testemunhadas, as parcelas designadas agra, agrelo, agro, casal e vilar, e deduzindo a duplicação, pode concluir-se que no território havia 24/25 lavouras (Quad. 1), além das indicadas por domo, Kasa e do moinho antigo, deixado à parte, e das cinco metades comuns.

Estava, por isso, coberta de pequenas lavouras implantadas, quer pelo nome das subunidades e glebas, quer pelas diferentes situações dos lavradores referidos, a serem origem próxima do diminuto aldeamento de povoadores que talharam parcelas discretas numa paisagem anteriormente contínua de revestimento vegetal.

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Depara-se que nenhum motivo se realça contra eventuais rendimentos económicos e, também por isso, os Bispos em nada estariam interessados em espoliar os homens da sua terra, pois, o solo sem braços e dedicação pouco valia. Sobretudo, eram as condições que neste fértil e ameno vale nunca seriam de menosprezar.

Finalmente, o maior regato que atravessa longitudinalmente estas extensões, do mesmo modo que no DC XIII vem apenas mencionado por ribulo, por ser tão pequeno (Fot. 10) - com menos de um metro de largura, na passagem da estrada de Carreira de São Miguel para Águas Santas -nasce nos Poços da Maia, em São Martinho das Carvalhas54 e vai suces­sivamente tomando o nome dos lugares que atravessa, como Ribeira de Mance, Ribeira da Pereira, Ribeira da Retorta e Ribeira da Lagoa, só sendo chamado Rio Covo55 em Santa Eugenia, no primeiro Km que o separa do Cávado, de que é afluente pela margem esquerda.

54 Cf. LAURINDA FERNANDES DE CARVALHO ARAúJO, op. cit., 8. 55 Com sentido de fundo. Cf. ERNESTO DE AMORIM MAGALHãES, Barcelos, Barcelos

1958, 303.

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IV

VALOR ARQUEOLÓGICO

As dominações eclesiásticas, inalienáveis, em princípio, e preservadas, pela sua própria natureza, do perigo eter­no das partilhas sucessórias, tinham sido, desde a origem, num mundo em movi­mento, um elemento notavelmente está­vel. Elas iriam constituir um elemento mais precioso nas mãos dos grandes poderes, aquando do reagrupamento geral das forças.

MARC BLOCH, A Sociedade Feudal, 446.

IV. 1 Memórias Documentais

Alongada a villa em várias direcções, o crescimento fez-se tanto pelo núcleo central, como pelos que se formaram em torno dele, tendo como polo de atracção social a ecclesia Sancte Eulalie, com um adro ou largo espaçoso, deixado indiviso, por ser jurisdição da diocese de Braga, ao tempo governada pelo Bispo Dom Recaredo de Lugo (875-922)56.

O progresso das arroteias, a segurança no isolamento e o individualismo agrário tem nela o agente aglutinador da população que vivia dispersa, ganhando qualquer espaço intercalar que a separava. Por isso, dá-se notável e feliz distensão da área de acção ao abranger, num corpo orgânico, as famílias daquele enquadramento natural.

Além da génese, fez o desenvolvimento e a persistência de uma unidade que implica a continuidade das ocupações vindas de longa data, pela tenacidade com que os povos se apegaram ao chão do seu sustento.

Conforme permitem os enunciados documentais entender, dentro das certezas registadas e que lhes respeitam, evitando divagações, há duas entidades que nestes parâmetros, merecem atentas reflexões.

56 Cf. J. AUGUSTO FERREIRA, Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Braga, I, Braga 1928, 147.

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Antes de tudo, a villa do começo do séc. X diz uma grande propriedade que se espraia matizada nas explicitações anteriormente tratadas, todavia, por ser díspar e polivalente na significação, traduz, agora, a circunscrição incipientemente administrativa, a considerável herdade englobante daquela vasta paisagem agrária, plenamente rural.

Assim, integra e aglotina vários lugarejos e casais dispersos, que polariza em torno do foco cultual cristão, depois que se percebe ter sido a presúria que constituiu esta célula eclesiástica em radiosa projecção, pois, foi a igreja o elemento gerador da vila, no sentido medieval.

Reunindo os fiéis da própria circunscrição religiosa, separou-os das outras, também demarcadas e fronteiriças, que confinavam pelas cumeadas dos montes, e facultou-lhes uma identidade, indelevelmente consubstanciada na invocação de Santa Eulália como titular e padroeira implantada.

Em consequência, o novo território de Águas Santas torna-se solidário e vizinho, como terra destas gentes honradas e precisa referência de naturalidade ou residência de quantos ali vivem. Além disso, dinamiza várias actividades pastorais e sustem os empreendimentos futuros.

Outra vez está soerguida a importância daquele evento frontal da reconquista, pelo qual obteve sólida formação territorial que, em última instância, congregara todos aqueles a quem prestava serviços espirituais, a cura animarum, pelo ministério sacerdotal do Presbítero responsável por esta comunidade crente, reunida na celebração dos mistérios da fé e da salvação, com dias festivos estabelecidos, eleitos e unanimemente respeitados.

IV. 2 Gradação Histórica

Como resultado dos progressos alcançados com a evangelização dos meios rurais e com o cultivo das terras, a pequena igreja fixa-se no sítio das Águas Santas.

A peça fundamental, que reclama as demais, era, pois, o próprio templo, modesto, construído com pedras e, talvez, fortificado para servir de refúgio, no caso de invasão.

Em plena medievalidade, servia, também, ao desenrolar da vida civil, visto nenhum outro instituto existir onde se pudessem efectuar doações, vendas ou redigir actos escritos.

Era um lugar sagrado, a que os fiéis afluíam para orar e receber os sacramentos. Ali, todos os Domingos ouviam Missa; noutras ocasiões, acorriam a fim de o sacerdote dar a benção matrimonial aos esposos ou administrar o baptismo: a sede paroquial tinha fonte baptismal.

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Dos tempos seguintes ao II concílio bracarense, de 1 de Junho de 572, vem o cumprimento do can. V57, que confia à competente autoridade ecle­siástica do Bispo diocesano a vigilância sobre o progressivo crescimento do património arquitectónico com fins litúrgicos e a sagração do mesmo.

Tal presença e o sinal visível mostrado pela casa colectiva materia­lizavam os vínculos religiosos que traziam consigo as bênçãos divinas à população crente, como se percebe dos abundantes vestígios e das implícitas informações transmitidas desde as origens: o indicador de maior eloquência é o pilar central do altar paleocristão, do séc. VI, em mármore, de 37 cm de diâmetro e com loculus de relíquias, em 25 cm de fundo, encontrado junto da capela de Nossa Senhora de Águas Santas 58. Nada repugna ter contido algumas da mártir de Mérida, supliciada durante a perseguição de 304, mencionada no martirológio romano - que lhe regista a memória a 10 de Dezembro - e de culto muito difundido na Península.

Igual ubicação coube ao primitivo de Santa Eulália, depois deslocado ao receber a traça românica que, segundo declarara o seu grande benfeitor, Pedro Peres, chantre de Braga, estaria a construir-se em 1215 59.

Na verdade, são dos inícios do séc. ΧΠΙ diversos elementos visíveis no aparelho das paredes da matriz actual. Além da cachorrada da cabeceira (Fot. 11) e dos silhares siglados, os pedaços ornados (Fot. 12 e 13), parte de um portal (Fot. 14) e as pedras com a cruz de sagração (Fot. 15), todas na fachada Norte, certificam a reutilização de peças arquitectónicas dispostas noutros arranjos posteriores, exigidos por eventuais derrocadas aquando de cataclismos, ou na sequência de profundas readaptações através dos tempos, forçadas pelo crescimento demográfico.

Mas, daquela primordial igreja são, também, vários outros achados, recentemente postos a descoberto, no decurso das intervenções de emergência realizadas no passado mês de Agosto, como seja o bloco recortado, aparecido na fundura de uma quadrícula (Fot. 16) e o tambor de coluna, patente numa estrutura, quase à superfície (Fot. 17).

Com efeito, pela realização daquelas sondagens, objectivadas na averi­guação do que pudesse ser danificado pelas obras de alargamento dos espaços eclesiais a dotar para serviços pastorais - exíguos e insuficientes - as áreas prospectadas (Fot. 18 e 19), no adro Sul, desvelaram diminutas ocorrências

57 Cf. J. VIVES, Concílios Visigóticos e Hispano-Romanos, Barcelona-Madrid 1963, 83; e M. JUSTINO MACIEL, Antiguidade Tardia e Paleocristianismo em Portugal, Lisboa 1996, 80.

58 Cf. CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA, A Propósito da «Galicia Sueva» de

Casimiro Torres, in Gallaecia, 5, Santiago de Compostela 1980, 312; e AVELINO DE JESUS DA COSTA, op. cit., I, Braga 1997, 93.

59 Cf. AVELINO DE JESUS DA COSTA, op .cit., I, 93.

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arqueológicas e o que resta do cemitério medieval, datado do séc. XI ao XIV, com sepulturas antropomórficas de pedra solta (Fot. 20), implantadas na periferia da igreja e orientadas conforme o costume cristão, com os pés para Oriente. Apesar de tudo, são só elementos dispersos.

Estas nesgas de terreno dispostas em redor, denominadas dextros no DC XHI, reportam-se ao recinto no qual estavam situados os bens adstritos à igreja, como sejam as casas, árvores de fruto, horto, celeiros e dependências necessárias ao regime da vivência rural - adiante referidos - e o cemitério que, etimologicamente, diz o dormitório onde os defuntos aguardam a ressurreição.

É, por isso, considerado um anexo do templo: aqui, o homem nasce para Deus mediante o Baptismo; ah, repousava na paz do Senhor Jesus, até à chegada da Páscoa eterna. A proximidade de ambos era significativa, pela breve distância entre a vida e a morte, o berço e o túmulo, pois, a comunidade dos vivos, unida pelos laços da graça sacramental, coexistia com os ascen­dentes falecidos, reunidos pela cadeia da esperança gloriosa, num evidente cunho mistérico: regresso do barro modelado dos filhos ao leito terreno da poeira dos pais. Assim, este lugar tornava-se o refúgio inviolado dos mortos, protegidos pelas bênçãos divinas e prolongamento dos espaços sagrados.

A villa desta granja, que facultava o sustento às famílias de cultivadores nela estabelecidos, tinha formada uma paróquia. Depois de lenta gestação, lançava-se nos caminhos do mundo, restando-lhe, desde então, percorrê-los com segurança, enraizar-se na terra e nas almas, até poder abranger, com solícita protecção, cada recanto do território, todos os aglomerados humanos e neles inculcar o ideal cristão, fazendo-os florir e frutificar.

Ao conseguir irmanar entre si quantos frequentavam a mesma ecclesia, suscita foros de natural autonomia pelas valências já firmadas e, com a sagração que directamente a coloca dependente do múnus episcopal do respectivo bispo diocesano, a que fica inseparavelmente afecta, bem assim com um serviço pastoral de baptismo e sepultura sobre determinada zona geográfica, a paroquia surge numa simultaneidade que a molda erecta e torna capaz de cumprir a sua missão, porque definitivamente organizada, embora juridicamente só a partir da recepção do direito canónico romano, no decorrer do séc. XI e ΧΠ, em seguimento da reforma gregoriana60.

60 Cf. ANTóNIO GONçALVES MATOSO, A Paróquia. Sua Evolução Histórica e Influência

Civilizadora, in Lúmen, XXVII, Lisboa 1963, 542.

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IV. 3 Testemunho Cerâmico

Estes difentes restos arquitectónicos, que provam a existência de uma antiga igreja edificada com materiais resistentes, de granito, trazidos e reaproveitados em futuras construções religiosas, estão acompanhados de vários pedaços de vasos cerâmicos exumados lias quadrículas interven­cionadas e que complementam a visualização interpretativa do sítio arqueo­lógico.

Pelos motivos sobejamente repetidos em oportunas ocasiões atrás apresentadas, esses incisivos documentos estão depositados no Museu de Olaria de Barcelos, aguardando que sejam submetidos a lavagem, seleccio-namento, possíveis ajustes, desenho, procura de paralelos, interpretação e, como será de desejar, rapidamente publicados.

Os fragmentos aqui referidos, em amostragem, são provenientes das terras retiradas das quadrículas escavadas, depositadas junto do muro há meses construído com pedra solta (Fot. 21) e desvelados pelas últimas chuvadas, pelo que nem se relacionam com estratigrafias definidas, nem fornecem exactas cronologias absolutas.

Apesar disso, caracterizam os fabricos locais ou regionais e permitem ilustrar a produção difundida, servindo de precisos indicadores às tipologias e classificação de peças evidentemente do Ferro, romanas e medievais.

Nas primeiras, contam-se pedaços de pasta cinzenta, brunida, do ombro ou bojo de vasos indeterminados, mas similares aos encontrados em Santa Olaia, Conímbriga e Monte Figueiró, para citar, apenas, algumas das mais representativas à volta de Coimbra, das quais se dispensam as estampas.

Quanto às segundas, em parte colhidas nas lavras da fazenda contígua à capela de Nossa Senhora das Águas Santas61, têm notável área de dispersão, abrangendo largos espaços, vindo dali aos limites da estrada do passal da paróquia, com cerâmicas comuns e tegulae de finos perfis (Quad. 2).

Por fim, as altomedievais, que manifestam amplos arcos cronológicos e definem épocas nitidamente distintas: as paleocristãs, do séc. VI a VII, macroscopicamente muito próximas das da Idade do Ferro, de pasta cinzenta, espessas e de boas argilas, bastante homogéneas, com ligeiro alisamento superficial, na face externa, porém, reduzidas a pequenos pedaços, sem bordos ou decoração que permitam representações gráficas; e as de qualidade inferior, dos séc. IX a XI, particularmente sugeridas pelos bordos ou sectores

61 Ao Senhor Ricardo Manuel Dias da Silva, pela gentileza das informações e pela cedência de várias cerâmicas romanas, os renovados agradecimentos por todas as atenções prestadas.

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de asas (Quad. 3), que merecem atenção destacada, se bem que com algumas reservas, pela falta dos respectivos enquadramentos estratigráficos.

Com efeito, provêm da parte Sul do adro da igreja matriz (Fot. 22) que se toma como núcleo e fica situado à cota de 90 metros de altitude média, cujo ponto central está referenciado na grandeza 162,85 de longitude e 502,25 de latitude, a partir das coordenadas hectométricas de Gauss, registadas na folha 69 dos Serviços Cartográficos do Exército, à escala de 1/25.000, de 1948.

Os desenhos inventariados sublinham formas abertas, a que pertencem todos os fragmentos, de cerâmica negra ou de cor escura, de paredes delgadas (3 a 6 mm), e 100% pertencentes ao conjunto dos utensílios de cozinha: panelas ou púcaras, jarros e um prato62 na maioria com elevada quantidade de foligem entranhada.

As asas são de fita, no geral, e levam alguma decoração: soerguidas em rebordo (Quad. 3 - Continuação - n.° 1); faixa central com pirâmides quadrangulares abatidas (n.° 3); e ligeiros brunidos petaliformes, pelo que este se distancia das originárias da região conimbricense, de pastas mais cuidadas, menos largas e de várias incisões ou golpeados longitudinalmente dispostos, típicos das fases da Reconquista - (n.° 6).

Feitas a torno baixo, mas com laboração cuidada, bastante regular, a pasta tem mesclada diversas partículas micáceas e desengordurantes granulares, de pequeno calibre, e cozedura processada na modalidade de forno redutor ou soenga, como fenómeno bem comprovado.

A técnica decorativa denota singelas Unhas horizontais, pouco pro­fundas e marcadas, no colo ou abaixo do bordo. Este pode aparecer saliente, adelgaçante, boleado e plano, como seria comum naqueles tempos alto-medievais 63.

Assim, a restrita percentagem das peças estabelecidas - os n.° 6, 7 e 8 do Quad. 3, por serem de curvaturas diminutas são ambíguas na deter­minação das dimensões da boca - diz predominantes as de uso peremp­toriamente doméstico, sem a presença das de grande qualidade, concebidas com finalidades sumptuárias, o que se justifica pelo contexto medieval pleno, tal como pelo meio rural em que serviam humildes famílias de cam­poneses.

62 Cf. JORGE DE ALARCãO, Cerâmica Comum Local e Regional de Conimbriga, Coimbra 1974, 33 a 35, que procura uniformizar estas tipologias e muito bem as define.

63 Cf. JAVIER FERNANDEZ CONDE, Secuencias de Producción de la Cerâmica en Astúrias Durante la Edad Media, in La Cerâmica Medieval en el Norte y Noroeste de la Península Ibérica, Leon 1989, 173 e seguintes; e HELENA CATARINO, Cerâmicas Islâmicas do Castelo de Salir, Loulé 1997, 7 e seguintes, que apresentam algumas semelhanças com as descritas neste trabalho.

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Só com dados estratigráficos, e na visão conjunta dos materiais recolhidos, será viável formular seguras conclusões, o que se espera vir a acontecer em breve.

IV. 4 Jurisdição Territorial

Interessa, também, equacionar a questão da superfície ocupada como circunscrição sobre a qual a igreja exercia certas prerrogativas e que, por isso mesmo, constituíam uma área de acção directa, de provável influência e de zona composta por distintos parcelamentos unitariamente referenciados sob igual identidade.

A paisagem é, pois, o primeiro grande critério a ter em consideração: foi graças a ela que já se estabeleceram, em 906, as confinações espontanea­mente traçadas pelo costume, conhecidas e visíveis aquando daquele auto de partilhas e, de modo incipiente, respeitadas desde tempos anteriores.

Com apoio da cartografia militar e realizando observações, análises e comprovações no terreno envolvente da eclesia et uilla de Santa Eulália, as incipientes delimitações do DC ΧΙΠ deixam entender a passagem da linha divisória periférica pelas cumeadas, visos e supostas extensões vertentes das circunvizinhanças para o vale de Águas Santas.

Admitindo a validade do pressuposto das velhas estremas - zelosis-simamente defendidas e mantidas desde remotas épocas imemoriais pelos autóctones de qualquer paragem - e partindo do princípio de que, talvez, as confrontações actualmente definidas assentem no circuito outrora existente, deve-se ao enunciado dos registos consignados no Tombo da Comenda de Santa Eulália de Rio Covo a explicitação deste domínio territorial.

Tendo sido pertença dos Templários, foi ordenado por Frei Luís Xavier de Castro de Rio Mendonça, em 1718 M e extractado em pública forma para uso presente da Junta da Freguesia65.

Lá se retém um elenco precioso dos limites geográficos, através do qual é viável uma incursão pelas trajectórias iniciais, sobreviventes à voragem dos séculos e das mutações civilizacionais, tantas vezes verificadas.

Essa feliz averiguação setecentista, por certo sintonizada com outras que a antecederam, procedeu à colocação de marcos, com a cruz templária, e teve por ponto de partida o lugar de Contença (Fot. 23).

64 Cf. LAURINDA FERNANDES DE CARVALHO ARAúJO, op. cit., 13. 65 Estas importantes informações, respectiva cartografia e visita a alguns marcos foram

pacientemente prestadas pelo Presidente da Junta de Freguesia, Senhor Manuel da Costa Dias, a quem se expressam os renovados agradecimentos pela atenção.

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Com efeito, são vinte e um os que compõem tal relação: 1. Contença 2. Cachada de São João 3. Agra do Couto 4. Bouça Grande de São João 5. Canto da Bouça 6. Monte Real 7. Bouças da Balforeira 8. Campo de Lamas 9. Santa Comba de Crujães 10. Bouças dos Curros 11. Crujães 12. Devesa de Longas 13. Penedo da Cruz 14. Monte Redondo 15. Fonte da Pedra 16. Água Levada 17. Perdigão 18. Picoto da Mamôa 19. Fonte de Barbeito 20. Portelo dos Campinos 21. São João de Silveiras, que une ao primeiramente referido, em

Contença.O perímetro assim definido coincide, pode dizer-se, com o do começo do séc. X, a que nem falta o termo Norte de Crujães, assinalado pelo marco n.° 11.

Para que seja maior a percepção do conjunto, todos eles estão cartografados na reprodução do mapa introdutório ao desenvolvimento do tema e permitem tecer algumas considerações pertinentes. Assim, é de realçar o facto de um figurar no Penedo da Cruz, o n.° 13, cuja designação se deve ao afloramento granítico natural que recebeu a cruz da Ordem do Templo66; o da Fonte da Pedra, n.° 15, ter a mesma cruz gravada na pedra da fonte, posicionada entre dois outros penedos ali salientes; e o do Picoto da Mamôa, n.° 18, (Fot. 24) também corresponder à rocha que desponta nesse sítio, escavaçado pela procura de tesouros, o que faz aludir ao eventual monumento megalítico do local67.

Nada repugna admitir as ditas petras natiuas ou decorias a perma­necerem, ainda, com veneranda reputação nas coordenadas actuais e, sendo

Estava danificada, mas é semelhante às da sagração da igreja. A pronúncia popular diz Mâmoa, porém, parece melhor corrigi-la, pelo sentido.

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verdade, como tudo leva a crer, indicando referências longínquas, porém, de superior envergadura na compreensão das confrontações então apontadas e, desde logo, intemporalmente observadas, o que constitui um incomparável dado na demarcação altomedieval, pois, só na centúria seguinte as paróquias aparecem tão bem definidas 68.

Simultaneamente, o conteúdo do DC XHI revela, singularmente, uma confinação que é, exacta e precisamente, a mesma da actualidade, que perpetua o cunho recebido durante os períodos da Reconquista.

Os espaços aqui englobados somam uma área total de 876,450 hecta­res 69, o que configura um território demasiado amplo para que a uilla de 906 seja directa evolução da romana. Sem dúvida, quaisquer dos cômputos averiguados para o domínio romano no território presentemente português, apesar das ligeiras variações, incidem nos 200 hectares para os dependentes da administração de Beja. Isto que é sistemático no conventus pacense, noutras regiões podia subir a 400-600, e descer a 75-100 no Centro e Norte70.

Por conseguinte, uma grandeza de tal modo multiplicada, de nítida fuga aos parâmetros comuns e habituais, nunca pode manifestar a conti­nuidade daquela unidade agrária romana, mas, embora permanecendo o seu núcleo nas imediações dos edifícios daquela civilização, e, até, parcialmente reaproveitados, é verosímil concluir que a uilla medieval é uma entidade autónoma, distinta e sui generis. Após a Reconquista, com a tendência para os territórios se alargarem, coesos e organizados por um centro religioso, apenas se mantém a designação clássica, todavia, com significado diferente daquele que detinha na conjuntura política de Roma.

Durante a Idade Média, traduz um conceito abrangente, caracterizado por valências díspares, aplicadas à nova circunscrição que aparecia no mundo rural e que, de algum modo, reflectia colorações próprias dos tempos impe­riais, só que já difusos, esbatidos e pouco adequados, de onde viria a surgir uma modalidade de cariz tipicamente medieval, cujo estudo e distinção se torna verdadeiramente conveniente para que haja clareza no âmbito de aplicação deste termo polissémico. A mudança patente no significado asse­gura o despertar de tempos diferenciados, em que novas realidades passaram a ser designadas, por analogia, através dos termos herdados da tradição romana.

6S Cf. CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA, O Documento XIII dos Diplomata,

nota 14. 69 Informação oficial, prestada pelo Senhor Presidente da Junta de Freguesia. 70 Cf. JORGE DE ALARCãO, A Paisagem Rural Romana e Altomedieval em Portugal, in

Conimbriga XXXVII, Coimbra 1997, 2, 9, 10, 18 e 29.

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A profundidade de tratamento que se preste a estudos neste sector vislumbra-se como único caminho a prosseguir, a fim de colmatar lacunas demasiadamente arrastadas e cada vez a requerem condigno solucionamento.

Ao tomar contacto com o documento do auto de partilhas celebrado em 11 de Janeiro de 906 e ao percorrer, diversas vezes, os espaços geográficos a que se refere, surgiu a oportunidade de reflectir os muitos e variados problemas colocados à volta do conceito de vilL• na plena medievalidade pré-nacional portuguesa, há tantos anos a reclamar o interesse pelo seu conhecimento, nada inferior ao dos restantes países da Europa.

Essas distintas motivações implicaram uma abordagem que se pretendeu séria, profunda e segura, na medida do possível, conduzida por critérios científicos e capazes, por isso mesmo, de facultarem uma visão mais nítida e fundamentada das inerência relativas à temática em análise, tentando atingir a realidade do tempo e percebendo como, no mundo rural, sucedeu, depois da queda do Império Romano, um período de transformações e houve a gestação de uma nova realidade sócio-política moldada a partir da acção directa da evangelização dos campos, mediante a entidade logo implantada e consubstanciada na pequena igreja local, o polo organizador das estruturas então afirmadas.

Isso torna-se possível devido ao carácter religioso que os agentes pastorais impuseram aos territórios conservados ou conquistados e, também, porque coube à Igreja equilibrar as mudanças operadas, mantendo o que seria viável e incrementando as eventuais potencialidades que daí adviessem e bem servissem as expectativas criadas pela mentalidade ou pelas necessidades tipicamente medievais a que convinha dar uma resposta adequada.

O geral das acentuações verificadas ao longo das páginas antecedentes autentificam as vicissitudes dessas remotas idades e, pelas modalidades em questão, fica realçado um pouco do que teria sido o conjunto dos factos, todos eles determinantes para se compreender bastantes das individuações chegadas até nós e, simultaneamente, para delinearem identidades locais, definirem circunscrições do território e frisar a perpetuidade das velhas estremas, exactamente mantidas ao longo de séculos a fio.

Uma certeza tão peremptória vem garantida pelo que se releva do estudo interpretativo do DC ΧΠΙ, tido como expoente nesta contextura e como documento ímpar na história da génese e evolução do território no séc. X.

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APÊNDICE DOCUMENTAL

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Doc.l

(Texto Latino)

DIPLOMATA ET CHARTAE

XIII

Compositio inter episcopos Conimbricensem et Iriensem super Ecclesiam de Aguas Sanctas in diocesi Bracharensi sitam. Ex autographo ab sedis Conimbricensis in Publicum Archivum delato.

906

JNon est dubium sed plerisque cognitum eo quod orta fuit contemptio inter partem domni nausti 2colimbriensis sedis episcopi et domni sisnandi hiriensis sedis episcopi pro eclesia et uilla uocabulo sancta eulalia 3que seita est in silua scura in território brakalensis sedis ubi dicent aquas sanctas quot prehendiderunt homines "domni nausti episcopi. id est. minizus cum suos filios et sua kasata. et de parte domni sisnandi episcopi adulfus 5abba, et pro id coniuncti fuimus in oueto et postea in sancto iacobo ad archis. conuenit inter eos boné pacis 6uoluntas ut roborarent placitum de parte domni nausti episcopi. ad uicem persone eius domnus fraurengus 7episcopus. et ad uicem persone domni sisnandi episcopi uiliulfus presbiter ut coniungerent se in ipsa uilla prenominata 8et facerent inter se colmellos diuisionis quomodo in placitum quod inferius est resonat sicut et fecerunt extra 9dextros ecclesie.

10In nomine domini. colmellvs diuisionis qui factus est inter partem domni nausti episcopi et suos homines et ndomni sisnandi episcopi et suos homines de ipsa uilla iam supra dicta sancte eulalie. euenit in porcionem domni 12sisnandi episcopi et de suos homines nominibus adulfus abba et suos gasallianes. id est. uarzena que est de 13uazena telleli usque in sua sepe in omnique circuita integra, siccariolo médio, agro de pélago integro, pomare

1 Este e todos os números que se seguem indicam o início das linhas, inscritos para melhor situarem os comentários inicialmente realizados.

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14teoderizi integram, agro gundisalui medio. pomare gundisalui et leougildi et uinea integra, kasale salomonis cum suo 15portum integram, linare médium agromiri integram, kasale gundefreli medio. bustello medio. uillare spasandi 16medio. kasale placidii per sua sepe integram, salto de sua sepe placidii usque in agro argirizi medio. agro de 17contensa medio. agro de manula integram, et inde per ribulo usque in foui. et inde per kasa tractemiri. et inde per 18sepe qui est de agro manzi. et inde per ribulo usque in karraria. et inde per ipsa carraria usque in dextros I9eclesie. et per kaput de ipsos dextros usque in carraria que est inter agra argirizi et agro ubi ansemundus habitat 20integro extra portionem de rraptores. agro de dauid integro cum suos linarelios duos. agro astralfi per ribolo 2Iusque per suas sepes in omnique circuitu integro, salto de fontano in fontanello medio. et de ipso fontano usque 22in domo araetani. et per ipsa karraria usque in petras natiuas et per ipsas decorias usque astrulfi medio. 23et tam saltu quam et rapto de sepe de agra astrulfi usque in agra tellili medio extra raptores, agro suniemiri 24medio. mulinos antiquos qui sunt in uilla médios.

25Euenit in porcionem domni nausti episcopi et de suos homines. id est. uarzena tellelli. agram kuruianes. agram 26ueremudi. agram de felgaria íntegros, sikariolo medio agram qui est subtus kasa gundesalui usque in karraria et 27sepe in monilo (sic) sicco medio. agram de molino sicco integro, agro de figarias integro, pumare astralfi de porto in 28porto integro, et de illa parte ribulo [et de illa parte rippo] usque in estrata de uereda et sepe: [et sepe] de agro 29telleli usque in sepe de agro astralfi medietatem. agro que disrapit uraeda integram, et agro astrulfi et requerendi 30et gundesalui integro, de sepe de agro astrulfi et per ipsas decorias usque in petras natiuas at karraria antiqua et 31inde usque in ccasa araetani et per fontano per sepe astralfi medio. de terras et salto et de ipso fontano usque in 32alio fontano et inde usque in termino de fonte cooperta medio. et de ipso fontano usque in sepe manei et usque 33in términos integro extra raptores, agro de contensa medio. uillare sparsandi medio. saltos de kasa placidii 34usque in aqua que discurrit per caput de rraptelas argirizi medio. agros ubi anssemondus habitat et de karraria 35usque in uiride medio. et agro ubi habitant filii sindi medio. bustello medio de sepe de ipso bustello et inde per 36petras maiores ipso fontano in prono usque in agra de assaiola cum suo saltu integra, et agra de arsaiola de 37fontano usque in monte et in sepe de euorum integra extra portionem de raptores, et in agrelo ubi atanagildus 38habitat agro de troncosu medio. kasale ubi gundebredo habitat medio. linare sub kasa sindi medio. agro super 39kasa sindi integro per ubi diuiso fuit. agro sanimiri medio. molinos qui sunt in ipsa uilla médios. Ita ut ex 40presenti die et tempore unusquisque quod accepit inreuocabiliter obtineat. factus colmellus diuisionis ΠΙ0 idus 41ianuarii. era DCCCCXXXXIIII.

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42sub christi nomine naustus episcopus. sub christi nomine sesnandus episcopus. sub christi nomine 43froarengus episcopus quos uidi. uiliulfus pro ad uicem persona domni sisnandi episcopi quos uidi et confirmaui.

^samuel abba testis - andiarius presbiter testis - uestremirus abba testis - ansuetus presbiter testis - 45anagildus brandiluni testis - gressonarus presbiter testis - Roderigus presbiter testis.

46cresconius presbiter test. - manualdus presbiter test. - cendas kizoiz test. - lupon presbiter test. - aloitus 47test.

Doe. 1

(Versão Portuguesa)

Não há dúvida, mas é conhecido de todos, que surgiu uma contenda entre os partidários de Dom Nausto, Bispo da Sé de Coimbra, e Dom Sesnando, Bispo da Sé de Iria, por causa da igreja e vila de Santa Eulália, que está situada em Silva Escura, no território da Sé de Braga, no local chamado Águas Santas. Pelo que foram presos os homens do Bispo Dom Nausto, isto é, Minizo com os seus filhos e empregados, e por parte do Bispo Dom Sesnando, o abade Adulfo. Ε por esta razão reunimo-nos em Oviedo e, depois, em Santiago de Arcas. Encontrou-se entre eles o desejo de resolver o caso a boa paz, de modo a assinarem um acordo em nome dos partidários do Bispo Dom Nausto, na sua pessoa o Bispo Dom Froarengo, e na representação do Bispo Dom Sesnando, o Presbítero Viliulfo, a fim de se reunirem na já mencionada vila e fazerem entre si um auto de partilhas, tal como consta do acordo que abaixo está escrito, como de facto fizeram, deixando, no entanto, de parte o adro e a propriedade da igreja.

Em nome do Senhor. Auto de partilhas que foi feito entre os partidários do Bispo Dom Nausto e os seus homens, e os do Bispo Dom Sesnando e os seus homens acerca da já sobredita vila de Santa Eulália. Coube à parte do Bispo Dom Sesnando e dos seus homens, cujos nomes são o abade Adulfo e os seus companheiros, o seguinte: uma várzea que é conhecida pelo nome de várzea de Telelo até ao seu muro, em toda a sua superfície, por inteiro; um terreno de sequeiro é dividido ao meio; todo o campo do ribeiro; o pomar de Teoderizo, na totalidade; metade do campo de Gonçalo; o pomar de Gonçalo e de Leovigildo e toda a vinha; o casal de Salomão, com a sua portagem, na totalidade; metade de um linhar; o campo de Miro até ao seu muro, por inteiro; o souto de Placídio até ao seu muro e o de Leovigildo na totalidade; metade do casal de Gundefredo; metade de uma tapada de pastagens; metade da vila de Espasando; o casal de Placídio, ao

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longo de todo o seu muro, por inteiro; o souto desde o muro de Placídio até ao campo de Argirizo, por metade; o campo de Contença, por metade; o campo de Manula, na totalidade; e daí desce pelo rio até à fovi; e daí continua pela casa de Tractemiro; e daí ao muro do campo de Mance; e daí vai pelo rio até ao caminho antigo; e continua pelo mesmo caminho antigo até à propriedade da igreja; e prossegue pela cimeira dessa propriedade até um outro caminho antigo que está entre a propriedade cultivada de Argirizo e o campo onde mora Ansemundo, na totalidade, excluída a porção dos arroteadores; o campo de David, por inteiro, com os seus dois pequenos linhares; o campo de Astralfo, por inteiro, seguindo pelo rio até aos seus muros em toda a volta; o souto de Fontano, em Fontelo, por metade; e desde o referido Fontano até à casa de Arvetano; e continua pelo caminho antigo até aos penedos naturais; e pelos mesmos marcos até ao campo de Astralfo, por metade e também metade tanto do souto como da terra arroteada, desde o marco da terra cultivada de Astralfo até ao campo de Telelo, por metade, deixando de parte o que pertence aos arroteadores; o campo de Suniemiro, por metade; e metade dos moinhos antigos, que estão na dita vila.

Coube à parte do Bispo Dom Nausto e dos seus homens, isto é: a várzea de Telelo, o campo de Crujães, o campo de Vermudo e o campo da felgária, todos na totalidade; o terreno seco, por metade; o campo que está abaixo da casa de Gonçalo até ao caminho antigo e o muro no moinho, por metade; o campo do moinho seco, na totalidade; o campo das figueiras, na totalidade; o pomar de Astralfo, de uma à outra passagem, na totalidade; e da parte do rio até à estrada da vereda e muro do campo de Telelo até ao muro do campo de Astralfo, por metade; o campo arroteado na vereda, na totalidade; o campo de Astralfo, de Requerendo e de Gonçalo, na totalidade; do muro do campo de Astralfo e pelos mesmos marcos atá às pedras naturais, ao caminho antigo e continuando até à casa de Arvetano e pelo Fontano e pelo muro de Astralfo, por metade; das terras e souto e do mesmo Fontano até ao muro de Mance e até aos limites, na totalidade, deixando de parte o que pertence aos arroteadores; o campo de Contença, por metade; o vilar de Esparsando, por metade; os soutos da casa de Placídio, por metade, até ao ribeiro que corre pelas cimeiras dos arroteamentos de Argirizo; o campo onde mora Ansemundo e da estrada antiga até à várzea, por metade; o campo onde moram os filhos de Sinde, por metade; do muro do dito pequeno campo de pastagens e prosseguindo pelas pedras maiores ao mesmo Fontano, para baixo, até ao campo de Assaiola, de Fontano até ao monte e pelo muro deles, na totalidade, deixando de parte o que pertence aos arroteadores; e continuando pelo pequeno campo onde mora Atanagildo ao campo de Troncoso, por metade; o casal onde mora Gundebredo, por metade; o Unhar

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abaixo da casa de Sindo, por metade; o campo de Sanimiro, por metade; os

moinhos que estão na vila mencionada, por metade.

E, assim, desde agora e para sempre, cada um detenha, irrevogavel­

mente, o que recebeu. Feito o auto de partilhas aos 11 dias de Janeiro do

ano de 906.

Em nome de Cristo, o Bispo Nausto; em nome de Cristo, o Bispo

Sesnando; em nome de Cristo, o Bispo Froarengo, que viu os autos de

partilhas; Viliulfo, em vez da pessoa do Bispo Sesnando, que viu e confirmou

os autos de partilhas. Samuel, abade; Andiário, Presbítero; Vestremiro, abade;

Ansueto, Presbítero ; Anagildo Brandilunes; Gressonaro, Presbítero; Rodrigo,

Presbítero; Crescónio, Presbítero; Manualdo, Presbítero; Cendas Kizois;

Lobo, Presbítero; e Aloito, testemunharam.

Quad. 1

Lavouras Documentadas

De Dom Sesnando: Varzena que est •

Siccariolo I Agro de pélago

Pomar teoderizi Agro gundisalui 4 Pomar gundisalui et leouigildi et uinea • Kasale salomonis cum suo porto ® Linare I

Agromiri • Kasale gundefreli i

Bustello i

Villare spazandi I Kasale placidii • Agro argirizi I Agro de contensa i Agro de manula • Ribulo...foui Kasa tractemiri

De Dom Nausto: • Varzena telleli, agram Kuraianes,

ueremudi, felguaria Sikariolo Agram subtus Kasa gundesalui, karraria, molino sicco

• Agro de monilo sicco • Agro de figarias • Pomar astralfi Porto in porto Ribulo, rippo, estrada de uereda, agro telleli, astralfi • Agro uereda • Agro astralfi et requerendi et

gundisalui Per decorias, petras natiuas, Karraria antiqua, ccasa... I Salto... fontano... sepe astralfi

Fontano... fonte cooperta ® Fontano... sepe manei... términos Extra raptores I Agro de contensa I Villare sparsandi I Saltos... Kasa placidii... aqua...

rruptellas argirizi

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Agro manei... ribulo... carraria... eclesie

Carraria inter agra argirizi et agro ubi...

Portionem de rruptores Agro de dauid • Linarelos duos Agro astralfi per ribolo @

I Agros ubi ansemundus habitat... karraria... uiridi

I Agro ubi habitant filii sindi I Bustello Bustello... petras maiores... fontano • Agra de assaiola cum suo salto Agra de assaiola... fontano... monte..

Salto de fontano I Domo araetani Karraria antiqua in petras natiuas (decorias)

Astrulfi i Salto... agra astrulfi in agra telleli I Ruptores Agro suniemiri I

Mulinos antiquos in illa uilla i

• Sepe de eorum Portionem de ruptores I Agrelo ubi attanagildus habitat...

agro de troncoso I Kasale ubi gundebredo habitat • Linare sub kasa sindi • Agro super kasa sindi I Agro sanimiri

I Mofinos qui sunt in ipsa uilla

Lavouras inteiras 11

Metades separadas 13

Metades comuns 5

Total 24

Lavouras inteiras 10

Metades separadas 15

Metades comuns 5

Total 25

Sinais convencionais:

β por inteiro

i I metades

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