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29 de março de 2007

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Um Velho RomanceBrasileiro1

Memórias de um Sargento de Milícias

porManoel Antônio de Almeida

Um dos meus projetos mais queridos — e qual é o escritor1 [ 1 ]

que os não faz? — fora escrever um livro sobre o romancee os romancistas brasileiros. Eu não quisera, porém, fazersimplesmente a apreciação biográfica e literária do artista ede sua obra, não: meu desejo, e é assim que me sorri a idéia2

desse livro que talvez não faça nunca, seria surpreender naobra dos nossos novelistas como que a palpitação da vida

1In Veríssimo, José, Estudos Brasileiros, segunda série (1889–1893),Laemert, 1894, p. 107–124

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brasileira; tirar dela um tipo nacional e, se para tanto menão escasseasse o engenho, deduzir a lei estética do nossoromance.

Um cientista inglês, o Sr. Galton, creio, inventou a fo-3 [ 2 ]

tografia composta, mediante a qual, superpondo na mesmachapa vários sujeitos, chegou a este resultado verdadeira-mente maravilhoso: obter um tipo representativo de certasclasses ou castas sociais, fundindo, graças a um processo fo-4

tográfico aperfeiçoadíssimo, os diversos tipos retratados emum só. Com esta descoberta, veio o sábio inglês provar querazão tinha o vulgo quando atribuía a determinadas profis-sões e classes uma fisionomia especial.

Era o que, até certo ponto, eu quisera fazer para o ro-5 [ 3 ]

mance brasileiro: determinar-lhe pela comparação o tipoclássico — permitam-me dizer assim — e na galeria dosseus personagens apanhar e relevar, para servir-me das ex-pressões técnicas da arte do fotógrafo, os vários exemplares6

desse produto histórico, etnológico e social que se chama oBrasileiro. Quisera, em suma, estudar e descobrir a vida bra-sileira no nosso romance, deduzindo e mostrando do mesmopasso o maior ou menor grau de sentimento e de intuiçãonacional dos seus autores, procurando finalmente achar, se7

existe, alguma correlação entre aquele sentimento e o valorliterário da obra.

Não quero encarecer um livro que porventura nunca fa-8 [ 4 ]

rei, mas que finura de análise literária, que penetrante in-dagação psicológica não careceria ele para não sair falho edesinteressante? Uma e outra coisa me falecem; prefiro, por-

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tanto, ideá-lo a escrevê-lo, o que, relevem-me o vitupério, é,ao menos, sensato.

Um dos romances que mais concorreriam para acentuar9 [ 5 ]

o tipo procurado, um dos que dariam uma mais forte im-pressão de nacionalismo, em uma palavra, um dos melhoresdocumentos no meu inquérito, seriam se me não iludo, asMemórias de um Sargento de Milícias, de Manoel Antoniode Almeida.

Eu não sei se esses artistas, nome que preferem ao de es-10 [ 6 ]

critores por melhor se destacarem na preocupação da formae no trabalho atormentado de fazer novo e de fazer belo —que procuram no romance não a distração de uma ingênuanarrativa com que o homem, eterna criança, se diverte ouconsola, mas a história psicológica da sociedade, a represen-tação da vida nos traços mais verdadeiros, mais vivos e ao11

mesmo tempo mais conformes ao tipo que da perfeição plás-tica se fazem, lerão este livro com simpatia. Quer-me parecerque não, e que o livro simples, verdadeiro, extremamentecurioso mesmo, do esquecido, se não desconhecido Manueld’Almeida, não lhes merecerá o nome de obra de arte — se-gundo o conceito que da arte ou, melhor direi, da sua artetêm.

A incorreção e a imprecisão desse estilo, a banalidade,12 [ 7 ]

não do assunto que nunca lhes parece assaz trivial, mas danarração, o descolorido da frase, a insciência do vocabulárioe da fraseologia, a simplicidade da análise, tudo lhes pare-cerá talvez insuportável.

Os raros que deste romance se têm ocupado, não duvi-13 [ 8 ]

darão entretanto quase inculcá-lo de obra-prima. Não sei se

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não será exagero o apelido. A crítica não possui ainda um es-talão seguro com que avaliar definitivamente as obras de li-teratura ou de arte. Será possível que para julgá-las segundoum certo critério especial, em relação ao tempo, ao meio, às14

escolas, à sua influência ou ao modo por que é influenciado,a determinados caracteres, tenha a crítica métodos e recur-sos que dêem aos seus conceitos precisão e justeza. Nem éisso de admirar porque nesses casos, começa por estabelecermoldes e formular preceiros em que vaza os seus juízos e se-gundo os quais analisa e julga. Respeito ao belo, creio anteslhe falece o critério de um julgamento positivo. Eu por mim15

acredito — e eis-me aqui a merecer àqueles artistas o omi-noso epíteto de burguês — creio, digo, que o povo é, bempesadas as coisas, um grande crítico. É ele quem diz que so-bre gostos se disputa, e, creio, neste ponto, a psicologia estácom ele.

Os homens de estudo e os homens de letras, os espíritos16 [ 9 ]

de uma certa civilização, têm, mais ou menos, os mesmosgostos artísticos, afeiçoados que são eles pela mesma cul-tura literária e pelo mesmo grau de adiantamento. É estauniformidade justamente, que tão rara e difícil faz hoje aoriginalidade ou pelo menos a novidade.

A arte futura será talvez de uma monotonia, de uma17 [ 10 ]

uniformidade desesperadora. A mesma educação dada a to-dos os homens, a mesma civilização sendo a de todos ospovos, destruídas por essa utopia da paz universal as fron-teiras e as guerras, todas as nacionalidades penetrando-seumas às outras e umas nas outras se confundindo, cairá tal-vez o mundo nessa harmonia beata e párvoa, nessa unani-18

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midade de crença, de pensamento e de sensações, o ideal detodas as religiões que têm pretendido resolver o formidávelproblema do mundo, sem exclusão do positivismo ortodoxo.Enquanto, porém, nós não chegarmos a esse estado de beati-tude e o mundo por conseguinte não se tornar insuportável,a ponto de gerar na gente a alegria de morrer antes dele,19

o gosto variará quase de indivíduo a indivíduo, de povo apovo e o critério do belo ficará, portanto, à mercê do modoporque cada qual for por ele impressionado. Essa mesma im-possibilidade em que já agora estamos de julgar com inteiraisenção e independência uma obra de arte, encerrando sem-20

pre o nosso juízo, malgrado nosso, dentro de uma porçãode fórmulas, idéias e sensações consagradas, é já um resul-tado dessa horrível uniformidade, para onde, parece, vamoscaminhando. Já há hoje bastantes sensações que não expe-rimentamos ou que começamos a não compreender, se não21

por um diletantismo inteiramente artístico; uma delas é adessa fé religiosa que fazia os estáticos, os mártires e ostaumaturgos. Santa Tereza e S. Francisco de Assis se vol-tassem correriam o risco de ser internados em um hospíciode alienados ou em uma prisão, por uma ciência céptica ou22

por uma política prosaica e suspeitosa. Ainda bem que esta-mos longe e muito longe, se não me engano, do tempo emque tendo desaparecido a “anarquia mental” pensemos to-dos da mesma maneira e tenhamos todos a mesma fé. Até láo mundo terá ao menos este atrativo de cada um ter o seugosto e sentir, tanto quanto possível, à sua maneira.

Não sei, pois, se podendo os gostos variar sobre o belo23 [ 11 ]

em uma obra de arte, não haverá petulância nesse nosso

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zelo de apelidar de obra-prima esta ou aquela. Tal denomi-nação só pode ser legítima, significando apenas a opiniãoindividual de quem a dá ou, aceitos todos os elementos derelatividade, é possível admitir um conceito para essa clas-24

sificação? É talvez o caso de adotar o sábio conselho teoló-gico, e abstermo-nos. Como quer que seja, têm os críticos e acrítica prodigamente usado dela, e sem embargo das tantasvezes em que tem o seu acórdão sido revisto e condenado,reincidem diariamente com imperturbável fidúcia em sen-25

tenciar com a mesma impertinente segurança. Mas, não valea pena discutir, o melhor é, aceirando a coisas quais são, nãoembaraçar-nos com reflexões porventura descabidas em es-tudos modestos e efêmeros. Melhor é talvez aceitar tal e qualo sistema corrente, sem inquirir-lhe a legitimidade. Isto, en-26

tretanto, veio justificar porque não acho que seja lícito falarem obra-prima a respeito das Memórias de um Sargento deMilícias.

Para mim — e peço ao leitor me perdoe esta descome-27 [ 12 ]

dida personalidade — para mim uma obra somente dessequalificativo é benemérita quando realiza, tanto quanto pos-sível à nossa obra humana, o tipo comum da perfeição. Digotipo comum porque, acima declarei, pus-me dentro do sis-28

tema corrente. Nem haveria talvez meio de fazer crítica, queserve de processos de comparação, sem estabelecer ou de-duzir dos próprios objetos comparados certas feições ou, sequiserem, regras que nos hão de servir para ajuizar de ou-tros. O fim do romance, por mais que digam não é estu-29

dar um caso, segundo a terminologia médica dos escritoresque assim pensam, mas contar-nos um fato, mediante uma

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forma e processos artísticos que nô-lo tornem interessante enos dêem essa quase indefinível impressão, que é o fim da30

arte dar-nos. As situações, os episódios, como o estudo doscaracteres dos personagens ou dos impulsos ou das paixõesque os animam, são outros tantos elementos da ação que,por mais simples que seja, é preciso exista para que haja ro-mance. Não é, pois, possível separar nessa forma da arte o31

fundo, isto é, o próprio objeto do romance, da forma, isto é,o modo por que o artista após haver concebido a sua obrarealizou-a mediante o processo que ela comporta, a escrita.

No romance de Manuel d’Almeida nem o fundo nem a32 [ 13 ]

forma são admiráveis. Como então é que eu disse me dariaesse romance a impressão de nacionalismo, que pretendiarebuscar através da novelística brasileira e como dele falei aprincípio com apreço não escondido? É o que peço licençapara dizer.

O enredo, entrecho ou fundo do romance de Manuel33 [ 14 ]

d’Almeida, é a desinteressante história de um menino tra-vesso e rapaz extravagante e quase perdido no Rio de Ja-neiro do princípio deste século.

Justamente quando esse menino, cujas travessuras ou34 [ 15 ]

maldades, como diziam as bem desenhadas velhas que comele houveram de tratar, ocupam boas terças partes do li-vro, se faz homem e é feiro sargento de milícias, o romanceacaba, deixando injustificado o título, que devia ser antes“memória de um menino que foi sargento de milícias”.

Se é pouco vulgar a vida de uma criança para objeto de35 [ 16 ]

um romance, e tão difícil da empresa sair-se bem, que me-lhor valera não tentá-lo jamais. Dificílimo é aos romancistas

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de análise animar pela respectiva psicologia os seus persona-gens adultos, homens ou mulheres; não sei se não será ainda36

mais difícil a, embora mais simples, das crianças. Como querque seja, Leonardo, o futuro sargento de milícias, nos apa-rece no romance de Manuel d’Almeida sem o destaque quenele têm outras figuras; é o vulgar menino travesso e vadio,o vulgar rapazinho maligno, o vulgar vagabundo. Um ca-37

poeira “en herbe”, se já nesse tempo os houvesse. Para queo romance banal de uma criança possa interessar-nos, pre-ciso é, creio eu, que em fazer a sua psicologia revele o autorum raro talento de observação e despreze as trivialidadesdesvaliosas de uma tal vida. É este e o primeiro defeito, e38

não só menos, do livro de Manuel d’Almeida. O seu defeitoprincipal, porém, é aquele que, a meu ver, o priva de me-recer a seu respeiro se fale em obra-prima, não é esse, nemmesmo outros que ao mesmo aspecto se filiam. O seu grande39

se não é a forma que não é nem artística nem bela, que nãotem nem as rebuscadas elegâncias do estilo, nem essa es-pontaneidade que alguns espíritos de eleição sabem dar, poruma inspiração que é o dom do gênio, à forma de que re-vestem a sua criação. Nem há como desculpemos essa falta40

de bem escrever que tornará este livro talvez antipático aosescritores de hoje, que do estilo e da arte de escrever fazemtanto caso. Ao seu tempo escrevia-se muito bem, e entre osseus contemporâneos contam-se esses primorosos escritoresde grande época romântica: Magalhães, gostava demais das41

letras, para para não apreciá-las sob qualquer forma. O pro-blema de uma literatura conscientemente brasileira, de quefosse cultor ou criador, quiçá não o ocupou jamais. Com al-

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gus estudos, gosto pelas letras, essa indispensável e infalí-vel ambição de glória que aquele gosto acompanha, entroupara o jornalismo e pôs-se a escrever naturalmente, simples-mente, sem programa traçado, sem estética preconcebida. É42

um espontâneo, como os primitivos. Faltam-lhe, porém, osdons desse estilo ingênuo e dessa linguagem tão original nasua novidade que eles tiveram, e essa falha não puderamresgatar o real talento de observação e o íntimo e naturalnacionalismo da sua obra. É assim que me aparece o autordas Memórias de um sargento de milícias, sem que eu possaverificar até que ponto é realmente exata a impressão queescassos dados biográficos e a sua mesma obra dele me dão.

É evidente que escrevendo-a, teve em vista um fim: o43 [ 17 ]

de pintar a vida e a sociedade brasileira em uma determi-nada época, há cinqüenta anos passada, mas ainda por mui-tos aspectos viva no seu tempo. Então, menos rápidas eramas transformações dos costumes e hábitos populares e dasfeições das cousas, e escrevendo ao cabo da primeira metade44

do século, Manuel d’Almeida tinha ainda presentes, para es-tudar, e copiar, tipos e costumes, homens e cousas, da épocaem que pôs a ação do seu romance, “no tempo do rei”.

Tanto quanto é possível julgar, essa cópia lhe saiu de uma45 [ 18 ]

fidelidade palpável, e se toda a vida burguesa e popular nãoressalta desse quadro de gênero, alguns de seus aspectos aomenos vivem com todo esse relevo da verdade. Eu ficariaembaraçado se houvesse de classificar este romance em umadas escolas em que se dividem as concepções e as maneiras46

literárias. Se o realismo não tivesse em arte uma significa-ção definida, eu o chamaria realista; se o naturalismo não

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pretendesse possuir uma estética própria e processos distin-tos, eu o taxaria de naturalista. Desprezadas as definições e47

as pretensões das escolas, este romance é, em todo o rigordo termo, realista e naturalista, e, se os nossos naturalis-tas de hoje quisessem justificar-se por uma filiação históricanão precisavam ir às margens do Sena; o minúsculo cariocalhes ofereceria um pai. Ele é realista, porque nos conta fatos48

reais e nos fala de coisas, “res”, verdadeiras, com verdade;é naturalista, porque na representação dessas coisas cinge-se estreitamente ao natural, sem exagerar ou deturpar, porprocessos de estilo ou singularidade de concepção, a chatarealidade das coisas.

Eu podia ainda, se quisesse acompanhar a crítica hostil49 [ 19 ]

ao naturalismo, dizer que ele é também naturalista pela tri-vialidade do assunto, pobreza do enredo e banalidade dospersonagens.

Leonardo, o herói, segundo o termo consagrado, deste50 [ 20 ]

romance, era filho de Leonardo Pataca, português, de pro-fissão meirinho, com uma certa Maria da Hortaliça, “quitan-deira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonita”.

Pai e mãe eram, cada um no seu gênero, dois irregulares,51 [ 21 ]

e estudando-lhes a vida de extravagâncias populares, o tem-peramento irrequieto, luxurioso e imoral de ambos, Manueld’Almeida teve como a previsão dos modernos processos deexplicação dos caracteres pela análise das hereditariedadespsicológicas. Desavindos os pais, por motivo de mútua infi-52

delidade de ambos que em amor não gostavam, como Ca-mões:

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“. . . de arder em uma só chama”53

recolheu-o seu padrinho, um barbeiro, bom tipo em um ro-mance em que os bons tipos abundam. Através das vadia-ções e travessuras de uma escola desse bom tempo em que54

a palmatória era não a “última” mas a “prima ratio”, de umavida de mais ou menos intermitente vagabundagem de sa-cristias, procissões e ajuntamentos, de lutas e diabruras demau-gosto com a vizinhança, Leonardo faz-se homem, coma nativa e herdada corrupção, acrescida pela bonacheirona55

criação do fraco e condescendente padrinho e medrada navadiagem em que vivera. Leonardo, entretanto, não é pro-priamente um perverso, é antes um vadio a quem falta, coma educação, o senso moral. A sua maldade é passiva e tempe-rada por uma indolência invencível. É uma espécie de “laz-56

zarone”. Quando chega-lhe a vez de amar, ama com o amorda primeira impressão, forte mas passageira. Neste pontohá um grave desfalecimento na psicologia do autor. A mim,ao menos, Leonardo se me afigura um mestiço e de mes-tiço luxurioso, indolente e inconsciente, filho do português57

com a brasileira de raça negra, parece-me o seu tempera-mento, qual o consigo descobrir do conjunto da sua vida.Não quero contar o seu romance, cujo enredo entretanto ésimples. Basta-me dizer sobre ele a minha singela opinião,deixando ao leitor, se achar que vale a pena, verificar por simesmo da sua discrição.

Não conheço quem no romance brasileiro tenha revelado58 [ 22 ]

tão singular talento em descrever, se não criar tipos, tão na-cionais e tão vivos. Certo em todos esses de Leonardo Pataca

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e seu filho, da comadre, de D. Maria, a velha beata e rica, doVidigal, o famoso major da polícia, do mestre de reza, há se-nões e falhas, todavia revelam eles uma pouco vulgar força59

de criação em um romancista de 20 anos e em um primeiroromance. Porque preciso é não esquecer para bem avaliar-mos este livro, nem a idade do autor, nem que é propria-mente um primeiro ensaio, e, embora inúteis e dispensáveisportanto estas lástimas, tristíssimo é que a morte nos tenha60

tão cedo privado de um escritor que tanto prometia. Comoromancista é lícito, ainda à crítica menos propensa a profe-cias, augurar a este malogrado escritor não só um primeiro,mas um distinto lugar entre os seus confrades brasileiros. Ele61

tem a narração fluente e engraçada, as cenas naturais e bemtravadas e o diálogo fácil e de grande verdade. A cena dabriga de Leonardo Pataca e Maria é, como se diz hoje, apa-nhada ao vivo, quer como diálogo, quer como arranjo dra-mático. Igual reparo merece a cena da declaração de amorde Leonardo filho à Luizinha. É, no nosso estilo afrancesado,62

uma das mais bem tratadas do romance; revela grandes qua-lidades de observação e encerra a máxima dose de verdadeque pode conseguir na arte. Ponho sobre os olhos do leitoro documento em que baseio o meu juízo, e verá se é infun-dado:

Luisinha estava no vão de uma janela a espiar63 [ 23 ]

para a rua pela rótula; Leonardo aproximou-setremendo, pé ante pé, parou e ficou imóvel comouma estátua atrás dela que, entretida para fora,de nada tinha dado fé. Esteve assim por longo

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tempo calculando se devia falar em pé ou se de-via ajoelhar-se. Depois fez um movimento como64

se quisesse tocar no ombro de Luisinha, mas re-tirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por aí nãoia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e ia jálevantando a mão quando também se arrepen-deu. Durante todos estes movimentos o pobrerapaz suava a não poder mais. Enfim, um inci-dente veio tirá-lo da dificuldade. Ouvindo pas-65

sos no corredor, entendeu que alguém se aproxi-mava, e tomado de terror por se ver apanhadonaquela posição, deu repentinamente dois pas-sos para trás, e soltou um — ah! — muito engas-gado. Luisinha, voltando-se, deu com ele diantede si, e recuando espremeu-se de costas contra a66

rótula; veio-lhe também outro — ah! — porémnão lhe passou da garganta, e conseguiu apenasfazer uma careta.

A bulha dos passos cessou sem que ninguém67 [ 24 ]

chegasse à sala; os dois levaram algum temponaquela mesma posição, até que o Leonardo, porum supremo esforço, rompeu o silêncio e comvoz trêmula e em tom o mais sem graça que sepossa imaginar perguntou desenxabidamente:

— A senhora. . . sabe. . . uma cousa?68 [ 25 ]

E riu-se com uma risada forçada, pálida e69 [ 26 ]

tola.Luisinha não respondeu. Ele repetiu no70 [ 27 ]

mesmo tom:

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— Então. . . a senhora. . . sabe ou. . . não71 [ 28 ]

sabe?E tornou a rir-se do mesmo modo. Luisinha72 [ 29 ]

conservou-se muda.— A senhora bem sabe. . . é porque não quer73 [ 30 ]

dizer. . .Nada de resposta.74 [ 31 ]

— Se a senhora não ficasse zangada. . . eu di-75 [ 32 ]

zia. . .Silêncio.76 [ 33 ]

— Está bom. . . eu digo sempre. . . mas a se-77 [ 34 ]

nhora fica ou não fica zangada?Luisinha fez um gesto de quem estava impa-78 [ 35 ]

cientada.— Pois então eu digo. . . a senhora não79 [ 36 ]

sabe. . . eu. . . eu lhe quero. . . muito bem.Luisinha fez-se cor de uma cereja; e fazendo80 [ 37 ]

meia volta à direita, foi dando as costas ao Le-onardo e caminhando pelo corredor. Era tempo,pois alguém se aproximava.

Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato81 [ 38 ]

pela resposta que ela lhe dera, porém não detodo descontente: seu olhar de amante perceberaque o que se acabava de passar não tinha sido to-talmente desagradável a Luisinha.

Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um82 [ 39 ]

suspiro de desabafo e assentou-se, pois se achavatão fatigado como se tivesse acabado de lutarbraço a braço com um gigante.

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sargento demilícias

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Disse au que este romance poderia bem ser tomado83

como inconsciente precursor do naturalismo. Não quero ou-tra prova se não essa cena do parto de Chiquinha, a novaamante de Leonardo Pataca. Não se arreceie o leitor pudi-bundo; é naturalista o quadro, mas se não tem a arte consu-mada, a excelência do estilo e a artística fatura de idênticas84

pinturas do Pot Bouille e da Joe de Vivre, não tem também anudez e o descarnado delas. Para citação é talvez longa, masvale a pena citá-la porque ela dá idéia perfeita da maneira edo estilo do autor.

Leonardo-Pataca, depois de tudo arranjado,85 [ 40 ]

quando viu que a única cousa que restava era es-perar a natureza, como dizia a comadre, pôs-seem menores, quero dizer, despiu os calções e ocolete, ficou em ceroulas e chinelas, amarrou àcabeça, segundo um antigo costume, um lençoencarnado, e pôs-se a passear na sala de um ladopara outro, com uma cara de fazer dó: parecia86

que era ele e não Chiquinha quem se achava comdores de parto. De vez em quando parava à portado quarto que se achava cerrada, lançava paradentro um olhar de curiosidade e medo, e aba-nando a cabeça murmurava:

— Não sirvo para isto. . . estas cousas não se87 [ 41 ]

dão com o meu gênio. . . Estou a tremer como sefosse o negócio comigo. . .

E realmente a cada gemido forte que partia88 [ 42 ]

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do quarto o homem estremecia e fazia-se de milcores.

Dentro do quarto a comadre exortava a pade-89 [ 43 ]

cente, pouco mais ou menos nestes termos:— Não vos façais de criança, menina. . . isso90 [ 44 ]

não é nada. . . é um pau por um olho. . . Nãotarda aí um Bendito, e estais já livre. Estas cou-sas na minha mão andam depressa. Verdade sejaque é o primeiro, e isto causa seu medo, mas nãoé cousa que valha estares agora tão desanimada;é preciso também ajudar a natureza. « Faze datua parte que eu te ajudarei! » São palavras deJesus Cristo.

A padecente estava porém a morrer de susto:91 [ 45 ]

nem se moveu à exortação da comadre. Entre-tanto o tempo ia passando, e a pobre raparigaa sofrer; já lhe tinha a comadre arranjado deum modo diverso os bentinhos no peito, já tinhainclinado mais sobre a cama a palma benta, eainda nada de novo. O Leonardo-Pataca come-92

çava a impacientar-se; de vez em quando che-gava à porta do quarto, e perguntava com vozesmorecida:

— Então?. . .93 [ 46 ]

— Compadre, respondia a comadre, já lhe94 [ 47 ]

disse que não é bom a quem está neste estadoestar ouvindo voz de homem: esteja calado e es-pere lá.

Continuava o tempo a passar: a comadre saiu95 [ 48 ]

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do quarto e veio acender uma nova vela bentaa Nossa Senhora, e depois de uma breve oraçãovoltou ao seu posto. Tirou então do bolso da saiauma fita azul comprida e passou-a em roda dacintura da Chiquinha; era uma medida de NossaSenhora do Parto. Depois disse com ar de triunfo:

— Ora agora vamos a ver, porque isto já não96 [ 49 ]

vai do meu agrado. . . Mas a culpa também é sua,menina, já lhe disse que é preciso ajudar a natu-reza.

Passou-se ainda algum tempo. De repente a97 [ 50 ]

comadre gritou para fora:— Ó compadre, dê cá lá uma garrafa. . .98 [ 51 ]

O Leonardo-Pataca obedeceu prontamente.99 [ 52 ]

Ouviu-se então dentro do quarto o som que pro-duziria uma boca humana a soprar com todaa força dentro de alguma cousa. Era Chiquinhaque por ordem da comadre soprava a morrer decansaço dentro da garrafa que esta mandara vir.

— Com força, menina, com bem força, e100 [ 53 ]

Nossa Senhora não desampara os fiéis. Animo,ânimo; isto o mais que sucede é uma vez por ano.Desde que nossa mãe Eva comeu aquela malditafruta ficamos nós sujeitas a isto. « Eu multiplica-rei os trabalhos de teu parto. » São palavras deJesus Cristo!

Já se vê que a comadre era forte em história101 [ 54 ]

sagrada.Ao Leonardo-Pataca tremiam-lhe cá fora102 [ 55 ]

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tanto as pernas, que não pudera mais continuarno passeio, e achava-se sentado a um canto comos dedos nos ouvidos.

— Soprai, menina, continuava sempre den-103 [ 56 ]

tro a comadre, soprai com Nossa Senhora, sopraicom S. João Batista, soprai com os Apóstolos Pe-dro e Paulo, soprai com os Anjos e Serafins daCorte Celeste, com todos os Santos do paraíso,soprai com o Padre, com o Filho e com o EspíritoSanto.

Houve finalmente um instante de silêncio,104 [ 57 ]

que foi interrompido pelo choro de uma criança.— Ora lá vai o mau tempo, exclamou a co-105 [ 58 ]

madre; bem dizia eu que isto não era mais doque um pau por um olho. . . Ah! Sr. compadre,chegue, que é agora a sua vez, venha ver a suapecurrucha. . .

— É uma pecurrucha!. . . exclamou o106 [ 59 ]

Leonardo-Pataca fora de si; ora isto é de bomagouro, porque com o outro que saiu macho nãofui feliz.

Recendeu então pela casa um agradável107 [ 60 ]

cheiro de alfazema; a comadre veio à sala,apagou as velas que estavam acesas a NossaSenhora; foi depois desatar a fita da cintura daChiquinha e tirar-lhe do pescoço os bentinhos.

A recém-nascida, enfraldada, encueirada, en-108 [ 61 ]

cinteirada, entoucada e com um molho de fi-gas e meias-luas, signos de Salomão e outros

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preservativos de maus-olhados presos ao cin-teiro, passava das mãos de Chiquinha para as doLeonardo-Pataca, que não cabia em si de conten-tamento; era uma formosa criancinha, em tudoo oposto de seu irmão paterno o nosso amigo Le-onardo, mansa e risonha.

O Leonardo-Pataca recorreu imediatamente à109 [ 62 ]

folhinha para ver que nome trazia a menina; po-rém como este lhe não agradasse, travou logocom Chiquinha uma questão a respeito do nomeque se lhe devia dar.

A comadre aproveitou-se disso para dar conta110 [ 63 ]

dos últimos arranjos, e depois envergou a manti-lha e saiu para acudir a outras necessitadas.

São estas as qualidades eminentes e prometedoras do au-111

tor das Memórias de um sargento de milícias, mas não sãosomente estas ou não são tanto estas as qualidades do “mé-tier” que o destacam dentre os nossos romancistas e dão aoseu romance, apesar das fraquezas e defeitos, um lugar, senão à parte, distinto. O que a meu ver sobretudo o destaca112

é a sua feição tão profundamente brasileira, o seu naciona-lismo não artificialmente procurado, nem intencionalmenteestudado, mas natural, fácil, ingênuo. Tipos e cenas são bemnossos. Não precisa ser muito velho para tê-los conhecido ea sua realidade aliás ressalta da mesma narrativa.

As Memórias de um sargento de milícias não são, entre-113 [ 64 ]

tanto sem embargo de tantas qualidades, uma obra-prima.Para sê-lo faltam-lhe o acabado e o polido que as consagram.

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São, todavia, como tantas outras boas obras brasileiras,114 [ 65 ]

uma bela promessa, que a morte do seu autor frustrou serealizasse; infelizmente as literaturas não podem viver depromessas; para que existam e floresçam precisam de reali-dades.

* * * FIM * * *

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Créditos

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Projeto editorial e direçãoSálvio Marcelo Soares

ComposiçãoSálvio Marcelo Soares

RevisãoSálvio Marcelo Soares

FixaçãoSálvio Marcelo Soares

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