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Gases Reais

1. Colisões Moleculares

A distância média que uma molécula percorre entre duas colisões sucessivas é

chamada de livre percurso médio (λ).

Como num líquido uma molécula encontra uma molécula vizinha mesmo que ela

percorra somente uma fração de um diâmetro molecular, o livre percurso médio num

líquido é menor do que o diâmetro das moléculas. Ao contrário, nos gases, o livre

percurso médio das moléculas pode ser de várias centenas de diâmetros moleculares.

A freqüência de colisão (z) é a velocidade média de colisões feitas por uma

molécula. Segue-se que o inverso da freqüência de colisão, 1/z, é o tempo de vôo, ou

seja, o tempo médio que uma molécula passa se deslocando entre duas colisões

sucessivas. Veremos que esse tempo médio de vôo é normalmente de aproximadamente

1 ns a 1 atm e temperatura ambiente.

Assim como a velocidade é à distância percorrida dividida pelo tempo de vôo, a

velocidade média quadrática, c, que de forma não muito precisa pode ser aproximada

como sendo a velocidade média pode ser calculada da seguinte forma:

zvôodetempo

médiopercursolivrec

z

λλ ===1..

.. (12)

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O modelo cinético básico supõe que as moléculas são efetivamente pontuais, no

entanto, para que ocorram colisões moleculares é necessário assumir que dois pontos se

chocam sempre que eles se aproximam um do outro, de uma certa distância d, onde d é o

diâmetro das moléculas:

A seção eficaz de colisão, σ, é a área de colisão que uma molécula apresenta para

outra, é então a área de um círculo de raio r, ou seja: σ = πr2. Quando introduzimos isso

no modelo cinético temos:

pN

RT

Aσλ

21

2= e

RT

cpNz Aσ2

1

2= (13)

Observando as equações acima, podemos fazer as seguintes interpretações:

1. Como p

1∝λ tem-se que: o livre percurso médio diminui quando a pressão

aumenta; (isso é resultado do aumento do número de moléculas em um

determinado volume quando a pressão aumenta)

2. Como σ

λ 1∝ tem-se que: o livre percurso médio é menor para moléculas que

têm seções eficazes de colisão grandes.

r r r r

d

r r r r

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3. Como pz ∝ tem-se que: a freqüência de colisão aumenta com a pressão do gás.

(essa dependência segue-se do fato de que, uma vez que a temperatura é a mesma,

então quanto mais denso for o gás, cada molécula levará menos tempo para colidir

com a molécula vizinha.)

4. Como na equação (13) temos que cz ∝ e como sabemos que 2

1

1

Mc ∝ , podemos

considerar, desde que as seções eficazes de colisão (σ) sejam as mesmas, que

moléculas pesadas têm freqüências de colisão menores do que moléculas leves.

(na mesma temperatura moléculas pesadas se deslocam mais lentamente, em

média, que moléculas leves, assim elas colidem com outras moléculas menos

freqüentemente.)

A tabela abaixo apresenta a seção eficaz de colisão de alguns átomos e moléculas

comuns:

Espécies σ (nm2)

Ar 0,36 C2H4 0,64 C6H6 0,88 CH4 0,46 Cl2 0,93 CO2 0,52 H2 0,27 He 0,21 N2 0,43 O2 0,40

SO2 0,58

Tudo o que foi discutido até o momento, se aplica apenas aos gases perfeitos, ou

seja, aos gases em que a separação média entre as moléculas é suficientemente grande

para que elas se movam independentes umas das outras (sistemas com pressão muito

próxima à zero).

1 nm2 = 10-18 m2

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Em termos das grandezas introduzidas nos itens anteriores, um gás perfeito é um

gás em que o livre percurso médio, λ, das moléculas na amostra é muito maior que d, a

distância em que duas moléculas entram em contato uma com a outra (λ>>d). Assim,

devido a essa separação média se grande, um gás perfeito é aquele em que a única

contribuição para a energia total vem da energia cinética das moléculas, não havendo

nenhuma contribuição da energia potencial.

2. Interações intermoleculares

Há dois tipos de contribuição para a interação entre as moléculas. Interações

intermoleculares – as atrações e repulsões entre moléculas – dão origem a uma energia

potencial que contribui para a energia total de um gás. As atrações correspondem a uma

diminuição da energia total, pois as moléculas ao ficarem mais próximas fazem uma

contribuição negativa à energia potencial. Por outro lado, repulsões fazem uma

contribuição positiva à energia total quando as moléculas ficam próximas demais.

A figura abaixo ilustra de forma geral a variação de energia potencial

intermolecular. Em grandes distâncias de separação, as interações que diminuem a

energia são dominantes, mas em distâncias curtas quem domina são as repulsões, que

fazem a energia aumentar.

Figura 1. Variação da energia potencial de duas moléculas em função da distância

de separação entre elas.

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As interações intermoleculares afetam as propriedades dos gases. Por exemplo, as

isotermas dos gases reais têm formas diferentes das indicadas pela lei de Boyle,

particularmente em pressões altas e temperaturas baixas.

Relembrando a Lei de Boyle

Lei de Boyle: À temperatura constante, a pressão de uma determinada

quantidade de gás é inversamente proporcional ao seu volume.

Vp

1∝ (1)

Cada uma das curvas observadas no gráfico acima é denominada de

isoterma, pois mostra a variação de uma propriedade (neste caso a

pressão) numa temperatura constante.

Temperatura crescente

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A figura abaixo mostra um conjunto de isotermas experimentais para o dióxido de

carbono, se compararmos essas isotermas com as isotermas do gás perfeito vamos

observar que embora se pareçam em temperaturas altas (e em baixas pressões, fora da

escala na direita do gráfico) existem diferenças notáveis entre os dois conjuntos de

isotermas para temperaturas abaixo de aproximadamente 50 ºC e a pressões de

aproximadamente 1 bar.

Figura 2. Isotermas experimentais de dióxido de carbono em várias temperaturas.

3. Temperatura Crítica

Para entender o significado das isotermas na figura acima, vamos começar com a

isoterma a 20 oC. No ponto “A” a amostra é um gás. Quando a amostra é comprimida

até B a pressão aumenta essencialmente em acordo com a lei de Boyle e esse aumento

prossegue até chegar ao ponto C. Além desse ponto, passando por D e indo até E,

verificamos que o pistão pode ser empurrado sem qualquer aumento adicional de

pressão. A redução do volume de E até F se dá às custas de um aumento muito grande

de pressão. Essa variação de pressão com o volume é exatamente o que se espera caso

o gás em C condense formando um líquido compacto em E.

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De fato, se pendêssemos observar a amostra iríamos verificar que ela

começa a condensar no ponto C e a condensação está completa no ponto E. A

redução subseqüente do volume, de E para F, corresponde a uma pressão muito

alta, que é necessária para comprimir um líquido a um volume menor. Nessas

circunstâncias, procura-se vencer as interações repulsivas fortes entre as

moléculas do líquido.

Se fosse possível observar dentro do recipiente no ponto D, iríamos

verificar que nessa temperatura, a parcela líquida está separada da superfície

gasosa por uma superfície bem definida. Numa temperatura ligeiramente mais alta

(30 oC, por exemplo) forma-se também o líquido, mas uma pressão mais alta é

necessária para que isso aconteça. Na temperatura especial de 31,04 ºC (304.19

K) o estado gasoso parece se transformar continuamente no estado condensado e

em nenhum estágio existe uma superfície visível entre os dois estados da matéria.

A

B

C D E

F

p/bar

Vm / L.mol-1

20 30 31,04

40

Nessa temperatura, que é chamada de temperatura crítica, Tc, e em todas

as temperaturas mais altas, uma única forma da matéria preenche todo o

recipiente em todos os estágios da compressão e não há nenhuma separação de

um líquido do gás.

Pode-se então concluir que: um gás não pode ser condensado num líquido

por um aumento de pressão a menos que a temperatura esteja abaixo da

temperatura crítica.

O fluído obtido pela compressão de um gás, quando sua temperatura é

mais alta que sua temperatura crítica, é denominado de fluído supercrítico.

Tabela 1. Temperaturas críticas dos gases.

Gases Temperatura crítica / ºC He -268 Ne -229 Ar -123 Cl2 144 H2 -240 O2 -118 H2O 374 N2 -147 CO2 31

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4. O Fator de compressibilidade

O Fator de compressibilidade, Z, é a razão entre o volume molar real de um gás e

o volume molar de um gás perfeito, nas mesmas condições de pressão e temperatura:

RT

pVZ

p

RTV

Z

Assim

p

RTV

setemn

VV

e

nRTpV

como

V

VZ

m

m

perfeitom

m

perfeitom

m

=

=

=

=

=

=

:

(2)

onde Vm é o volume molar do gás que está sendo estudado.

Para um gás perfeito Z=1, assim os desvios de Z em relação a 1 são uma média de

quanto um gás real se afasta do comportamento perfeito.

5. A Equação de Estado do Virial

Pode-se usar os desvios de Z do seu valor perfeito que como vimos anteriormente

é 1 para obter uma equação empírica (baseada na observação). Para isso admitamos

que para gases reais a relação Z = 1 é somente o primeiro termo de uma expressão

mais longa, assim:

...12

+++=mm V

C

V

BZ (3)

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Os coeficiente B, C, ..., são chamados de coeficientes do virial: B é o segundo, C

é o terceiro e assim por diante; o número 1 é o primeiro coeficiente (A = 1). Esses

coeficientes variam a depender do gás e dependem também da temperatura. Para muitos

gases os valores dos coeficientes do virial são conhecidos. Normalmente esses

coeficientes são determinados a partir de medidas de Z num intervalo de pressões e pelo

ajuste desses dados pela equação (3), variando-se os coeficientes até que um pequeno

erro seja alcançado.

Para converter a equação (3) numa equação de estado, basta combinarmos ela

com a equação (2). Temos então o seguinte:

...1(

:....

...1

2

2

2

+++=

+++==

V

Cn

V

nB

V

nRTp

temosV

RTporladososndomultiplica

V

C

V

B

RT

pVZ

m

mm

m

Esta equação é conhecida como: equação de estado do virial.

6. A Equação de Estado de Van der Waals.

Embora seja a equação de estado mais confiável, a equação do virial não nos

permite uma compreensão imediata do comportamento dos gases e da sua condensação

em líquidos. Embora a equação de Van der Waals seja uma equação de estado

aproximada, mas tem a vantagem de mostrar como as interações intermoleculares

contribuem para os desvios de um gás em relação a um gás perfeito.

A interação repulsiva entre duas moléculas indica que elas não podem se

aproximar mais do que uma certa distância. Então em vez de ser livre para se deslocar

para qualquer lugar num volume V, o volume real no qual as moléculas podem se

deslocar é reduzido a um valor que depende do número de moléculas presentes e do

(4)

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volume que cada uma delas exclui. Podemos então modelar o efeito repulsivo, ou seja, as

forças que excluem volume, mudando V na equação do gás perfeito para V – nb, onde b é

a constante de proporcionalidade entre a redução do volume e os moles de moléculas

presentes no recipiente. Com esta modificação a equação do gás perfeito assume a

seguinte forma:

.nbV

nRTp

−= (5)

Essa equação de estado, que ainda não é a equação de Van der Waals, descreve

um gás em que as repulsões são importantes. Podemos notar que quando a pressão for

baixa, o volume é grande comparado com o volume excluído pelas moléculas

(ou seja, V >> nb), o termo nb pode então ser ignorado do denominador da equação (5) e

ela se reduz a equação de estado do gás perfeito.

No entanto, para chegarmos a equação de Van der Waals, devemos considerar

também as forças atrativas entre as moléculas. Podemos modelar esse efeito supondo que

a atração sentida por uma determinada molécula é proporcional a concentração, n/V, de

moléculas no recipiente. Como as forças atrativas reduzem as velocidades das moléculas

então estas atingem as paredes do recipiente menos frequentemente e as colisões ocorrem

com menos força. Podemos portanto esperar que a redução na pressão seja proporcional

ao quadrado da concentração molar, ou seja, um fator n/V refletindo a redução na

freqüência de colisões e outro fator n/V refletindo a redução na força do seu impacto. Se

a constante de proporcionalidade é escrita como “a”, podemos escrever:

2

..Re

×=V

napressãonadução

Então a equação de estado, considerando atrações e repulsões têm a seguinte forma:

2

⋅−−

=V

na

nbV

nRTp (6)

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Essa sim é a equação de estado de Van der Waals. Para mostrar sua semelhança com a

equação de estado do gás perfeito ela pode ser reescrita da seguinte forma:

nRTnbVV

anp =−⋅

+

2

2

(7)

Obtivemos a equação de Van der Waals usando argumentos físicos a respeito do

volume das moléculas e dos efeitos das forças entre elas. Entretanto, essa equação pode

ser deduzida de outros modos. O método utilizado tem a vantagem de mostrar como

deduzir a forma de uma equação a partir de idéias gerais. Os parâmetros empíricos

(ajustados a partir de dados experimentais) de Van der Waals, a e b, dependem do gás,

mas são considerados independentes da temperatura.

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Exercícios – Lista 3

1) Em que pressão o livre percurso médio do argônio, contido num recipiente esférico de 1,0 L de volume, a 25 oC, torna-se comparável ao diâmetro desse recipiente? Considere σ = 0,36 nm2.

2) Em que pressão o livre percurso médio do argônio, a 25 oC, torna-se comparável a 10 vezes o diâmetro dos próprios átomos? Considere σ = 0,36 nm2.

3) Quando estamos estudando os processos fotoquímicos que podem ocorrer na atmosfera superior, precisamos saber com que freqüência átomos e moléculas colidem. A uma altitude de 20 Km a temperatura é 217K e a pressão 0,050 atm. Qual é o livre percurso médio das moléculas de N2? Considere σ = 0,43 nm2.

4) Quantas colisões faz um único átomo de Ar em 1,0 s quando a temperatura é 25oC e a pressão é (a) 10 bar, (b) 100 kPa, (c) 1,0 Pa?

5) Quantas colisões por segundo são feitas por uma molécula de N2 numa altitude de 20 Km? (Veja os dados na questão 3)

6) A expansão dos poluentes pela atmosfera é governada em parte pelos efeitos dos ventos, mas também pela tendência natural das moléculas em se difundirem. No caso da difusão, o processo depende da distância que uma molécula pode percorrer antes de colidir com outra molécula. Calcule o livre percurso médio das moléculas diatômicas no ar considerando σ = 0,43 nm2 a 25oC e (a) 10 bar, (b) 103 kPa, (c) 1 Pa.

7) Mostre como o livre percurso médio numa amostra gasosa varia com a temperatura em um recipiente de volume constante?

8) Se 1,0 mol de um gás ideal estivesse confinado em um volume de 22,4 L a 0 ºC, exerceria uma pressão de 1,0 atm. Use a equação de van der Waals e as constantes dadas neste exercício para estimar a pressão exercida por 1,0 mol de Cl2(g) em 22,41 L a 0 ºC.

Parâmetros de van der Waals: a = 6,49 L2.atm.mol-2 e b = 5,62 x 10-2 L.mol-1

9) Calcule a pressão exercida por 1,0 mol de C2H6 que se comporta como (a) um gás perfeito, (b) um gás de van der Waals. Em cada caso, considere que o gás está nas seguintes condições: (i) a 273,15 K em 22,414 L, (ii) a 1000 K em 100 cm3.

Parâmetros de van der Waals para C2H6: a = 4,47 L2.atm.mol-2 ; b = 0,057 L.mol-1

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10) Alguns investigadores estão estudando as propriedades físicas de um gás a ser usado como refrigerante em uma unidade de ar-condicionado. Uma tabela de parâmetros de van der Waals mostra que:

a = 16,2 L2.atm.mol-2 e b = 8,4 x 10-2 L.mol-1

Estime a pressão quando 1,50 mols foram confinados em 5,00 L na temperatura de 0oC.

RESPOSTAS:

1º) 6,53 x 10-2

Pa

2º) 2,32 x 106 Pa

3º) 972 nm

4º) a) 5,33 x 1010

colisões/s; b) 5,33 x 109 colisões/s; c) 5,33 x 10

4 colisões/s

5º) 4,53 x 108 colisões/s

6º) a) 6,77 x 10-9

m; b) 6,77 x 10-8

m; c) 6,77 x 10-3

m

7º) o livre percurso médio é independente da temperatura.

8º) 0,990 atm

9º) a) (i) 101 kPa (ii) 8,31x104 kPa

b) (i) 100,31 kPa (ii) 1,47 x 105 kPa

10º) 5,44 atm