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EFEITOS DA COMPOSIÇÃO QUÍMICA SOBRE A RESISTÊNCIA MECÂNICA DE AÇOS MICROLIGADOS COMERCIAIS

PROCESSADOS EM LAMINADOR PARA TIRAS A QUENTE

S.S. Campos1, J. Gallego2, E.V. Morales3 e H.-J. Kestenbach1

1Departamento de Engenharia de Materiais, Universidade Federal de São Carlos, 13565-905 São Carlos, SP

2Departamento de Engenharia Mecânica, UNESP – Ilha Solteira 3Departamento de Física, Universidad Central de Las Villas, Santa Clara, Cuba

Resumo - Resistência mecânica e microestrutura de cinco aços comerciais foram investigadas após laminação industrial para tiras a quente, em função da sua composição química. Microscopia ótica e eletrônica de transmissão foram utilizadas para revelar a estrutura dos grãos ferríticos, a precipitação de carbonitretos e a subestrutura de discordâncias, com o objetivo de justificar limites de escoamento que variaram entre 310 a 638 MPa. Efeitos de endurecimento por solução sólida e tamanho de grão podiam justificar uma parte apenas da resistência mecânica encontrada. Endurecimento adicional foi atribuido à precipitação de carbonitretos nucleados na austenita durante a laminação, à precipitação de carbonitretos durante a transformação γ→α (precipitação interfásica), e à formação de discordâncias que parece ocorrer mesmo durante a transformação para ferrita poligonal. A composição química básica do aço afetou a microestrutura através do seu efeito sobre a temperatura de transformação. Por outro lado, mostrou-se que o endurecimento por precipitação foi controlado principalmente pela soma das adições dos elementos de microliga. Palavras-chave: Aços microligados, Tiras a quente, Endurecimento por precipitação, Carbonitretos. Abstract – Microstructures of five commercial microalloyed steels were investigated as a function of chemical compostion after industrial rolling on a hot strip mill. Optical and transmission electron microscopy were used to reveal the ferrite grain structure, fine carbonitride precipitation and dislocation substructures, in an effort to explain yield strength values which varied between 310 and 638 MPa. It was found that the effects of solid solution and grain size hardening were not sufficient to justify the results of tensile testing. Additional strengthening was attributed to carbonitride precipitation in austenite, interphase precipitation during transformation, and the formation of dislocations which appeared to be significant even in a polygonal ferrite + pearlite microstructure. The base steel composition influenced the microstructure through its effect on the austenite-to-ferrite transformation temperature. Precipitation hardening, on the other hand, appeared to be mainly controlled by the total amount of microalloy additions.

Keywords: Microalloyed steels, Hot strip rolling, Precipitation hardening, Carbonitrides.

INTRODUÇÃO

Tiras a quente são produtos muito comuns de laminados planos, fabricados a partir de aços de baixo teor de carbono e geralmente fornecidos em forma de chapa bobinada. Quando observada por microscopia ótica, a sua microestrutura costuma ser de grãos de ferrita

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poligonal com pequenas quantidades de perlita. Conforme equações empíricas estabelecidas na década de 60 [1], mecanismos como o endurecimento por solução sólida e o refino de grão ferrítico podem ser utilizados para aumentar a resistência mecânica desta estrutura. Para temperaturas mais baixas de transformação, aumenta a densidade de discordâncias na ferrita que pode contribuir ao limite de escoamento do aço através do mecanismo de endurecimento por deformação [2]. Quantificação deste efeito precisa do microscópio eletrônico de transmissão. No caso de aços microligados, junta-se aos endurecimentos por solução sólida, refino de grão e discordâncias o endurecimento por precipitação, provocado pela formação de carbonitretos durante o processamento termomecânico que, no caso de tiras a quente, inclui laminação a quente na fase austenítica, resfriamento acelerado antes e resfriamento lento depois do bobinamento. Para gerar o efeito desejado de endurecimento por precipitação, os carbonitretos devem ser finos e, como no caso das discordâncias, precisam do microscópio eletrônico de transmissão para serem vistos e quantificados.

Existe uma literatura muito ampla a respeito das relações estrutura / propriedade em aços microligados, devido à grande importância tecnológica destes materiais. Porém, a maioria dos trabalhos científicos investigaram amostras processadas em escala de laboratório. No caso das tiras a quente, fica particularmente difícil a simulação das condições de processamento industrial no laboratório, por causa da sequência muito rápida de passes durante a laminação final de acabamento. Portanto, nossas pesquisas na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) se dedicam ao estudo de aços comerciais, processados em linhas industriais das grandes empresas siderúrgicas brasileiras.

Em investigações recentes de cinco destes aços microligados comerciais, processados nos laminadores para tiras a quente da Cosipa e da Usiminas, condições semelhantes de processamento geraram propriedades mecânicas muito diferentes. Como as diferenças principais entre os aços ficaram por conta das suas composições químicas, resolvemos investigar a microestrutura dos produtos finais em forma de bobinas a quente, numa tentativa de correlacionar os níveis dos mais importantes elementos de liga (C, Mn e Si) e de microliga (Nb, Ti e V) com os diversos mecanismos de endurecimento.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram recebidos cinco aços comerciais, incluindo um aço microligado apenas ao nióbio (denominado aço Nb), tres aços utilizando nióbio e titânio (denominados aços NbTi- 1, 2 e 3, respectivamente), e um aço contendo nióbio, titânio e vanádio (denominado aço NbTiV). Composições químicas, condições de processamento termomecânico e propriedades mecânicas foram gentilmente fornecidas pelas empresas e aparecem nas Tabelas 1, 2 e 3. Como mostra claramente a Tabela 3, as propriedades mecânicas poderiam servir para dividir os cinco aços em dois grupos bem distintos: No primeiro grupo, os aços Nb e NbTi-1 apresentaram baixos limites de escoamento e de resistência e uma ductilidade maior. No segundo grupo, os aços NbTi-2, NbTi-3 e NbTiV se destacaram pelo forte aumento da sua resistência mecânica acompanhado por alguma redução na ductilidade.

Tabela 1: Composição Química dos Aços Comerciais em Porcentagem por Peso

Aço C Mn Si P S Al Nb Ti V N Nb 0.07 0.68 0.01 0.012 0.009 0.04 0.04 - - 0.009

NbTi-1 0.05 0.55 0.02 n.d. n.d. 0.02 0.02 0.06 - 0.006 NbTi-2 0.12 1.20 0.33 0.023 0.008 0.05 0.06 0.05 - 0.008 NbTi-3 0.11 1.54 0.28 0.026 0.007 0.01 0.04 0.11 - n.d. NbTiV 0.14 1.38 0.25 0.018 0.007 0.07 0.04 0.04 0.03 0.008

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Tabela 2: Processamento dos Aços Comerciais

Aço Treaquecimento Tdesbaste Tacabamento Resfriamento Bobinamento Espessura

Nb 1150°C ≥1080°C 890°C 10°C/min 650°C 10 mm NbTi-1 1230°C ≥1100°C 870°C 20°C/min 630°C 8 mm NbTi-2 1150°C ≥1070°C 870°C 10°C/min 650°C 7 mm NbTi-3 1225°C ≥1100°C 895°C 10°C/min 650°C 8 mm NbTiV 1225°C ≥1100°C 895°C 10°C/min 670°C 3 mm

Tabela 3: Propriedades Mecânicas dos Aços Comerciais

Aço LE [MPa] LR [MPa] Alongamento [%] Nb 310 395 39

NbTi-1 332 423 NbTi-2 534 644 24 NbTi-3 638 733 22 NbTiV 599 704 22

Os nossos estudos microestruturais utilizaram microscopia ótica para determinar o

tamanho médio dos grãos ferríticos, e microscopia eletrônica de transmissão para investigar as contribuições das discordâncias e dos carbonitretos ao endurecimento. Em algumas amostras, medidas quantitativas foram realizadas para determinar tamanho e fração volumétrica de precipitados e a densidade de discordâncias. Nestes casos, a espessura local da amostra foi medida contando o número de franjas geradas em contornos de grão sob condições controladas de contraste [3].

Equações bem estabelecidas da literatura foram utilizadas para avaliar as contribuições dos diversos mecanismos de endurecimento. Assim, a equação de Pickering [1] foi utilizada para determinar os efeitos diretos dos elementos em solução sólida (em % por peso) e do tamanho de grão d (em mm) da ferrita:

σ [MPa] = 15.4 ( 3.5 + 2.1Mn + 5.4Si + 23Nf + 1.13d-1/2 ) (1) onde Nf é o teor de nitrogénio livre em solução sólida na ferrita. Devido à presença dos elementos de microliga e a sua preferência de formar nitretos e carbonitretos, Nf foi considerado igual a zero.

Para o endurecimento por discordâncias, foi utilizada a equação de Keh [4] que, para ligas de ferro, foi escrita quantitativamente como [5] ∆σ [MPa] = 8.9 x 10 –4 ρ 1/2 (2) onde ρ é a densidade de discordâncias em cm -1/2 . Finalmente, foi utilizado o modelo de Orowan-Ashby para calcular o endurecimento por precipitação através da equação [6] ∆σ [MPa] = (12.2 f 1/2 / D) ln (1630 D) (3) onde f é a fração volumétrica dos carbonitretos e D o seu diâmetro médio.

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RESULTADOS

Todos os aços apresentaram uma estrutura de ferrita poligonal, Fig.1, com uma presença de aproximadamente 5 a 10% de perlita. O tamanho médio do grão ferrítico já se mostrou como primeiro parâmetro microestrutural que acompanhou o nível das propriedades mecânicas: Os dois aços de menor resistência (Nb e NbTi-1) apresentaram grãos de aproximadamente 10 µm de diâmetro, enquanto os outros tres aços de resistência maior mostraram grãos numa faixa menor de 5µm. Estas e outras medidas dos parâmetros microestruturais podem ser vistas na Tabela 4.

(a) (b) (c)

(d) (e)

Figura 1: Microestrutura ótica dos aços após o bobinamento. Aço Nb em (a), aço NbTi-1 em (b), aço NbTi-2 em (c), aço NbTi-3 em (d), aço NbTiV em (e). Aumento 500X.

Exemplos da subestrutura de discordâncias são apresentadas na Fig.2. Mais uma vez, pode ser destacada uma diferença significativa entre a densidade muito baixa de discordâncias nos aços Nb e NbTi-1, e densidades bem mais elevadas de discordâncias no caso dos aços NbTi-2, NbTi-3 e NbTiV. Os valores quantitativos, baseados por enquanto em poucas medidas localizadas e mostrados na Tabela 4, revelam que a densidade de discordâncias variou de aproximadamente 108 cm-2 , valor típico para metais recozidos, até uma faixa entre 109 e 1010 cm-2 que, em ensaios de tração, já corresponde a um nível razoável de encruamento por deformação plástica.

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Tabela 4: Determinação Quantitativa dos Parâmetros Microestruturais

Precipitação na austenita Precipitação interfásica Aço d [µm]

ρ [cm-2] D [nm] f D [nm] f

fmax teórica no aço

Nb 10 1.0x108 7.5 2.0x10-4 5.0 2.0x10-4 4.9x10-4 NbTi-1 9.4 0.8x108 6.8 3.6x10-4 - - 14.0x10-4 NbTi-2 5.0 5.4x109 - - 2.2 3.5x10-4 16.0x10-4 NbTi-3 4.2 4.5x109 7.0 - 3.0 7.8x10-4 26.0x10-4 NbTiV 3.3 4.5x109 - - - - 18.4x10-4

(a) (b) (c)

Figura 2. Exemplos da distribuição de discordâncias após o bobinamento. Aço NbTi-1 com densidade em torno de 10-8 cm-2 em (a), densidades em torno de 5x109 cm-2 nos aços NbTi-2 em (b), NbTi-3 em (c). Aumento de 35.000X.

Finalmente, são apresentadas nas Figs.3 e 4 exemplos típicos dos carbonitretos. A

Fig.3 mostra carbonitretos que nasceram na austenita durante a laminação de acabamento. Esta forma de precipitação foi observada em todos os aços, e estava presente em todos os grãos investigados. Frequentemente, a própria distribuição destas partículas já revela a sua origem, uma vez que a nucleação ocorre preferencialmente nas discordâncias introduzidas pela laminação (estrutura de subgrãos). No presente trabalho, no entanto, o nascimento destes carbonitretos na austenita foi comprovado determinando-se a sua orientação cristalográfica em relação à matriz ferrítica, através da difração de eletrons [3]. O tamanho médio das partículas encontradas na Fig.3 foi de aproximadamente 5nm no caso do aço Nb na Fig.3(a), e de 7nm no caso dos aços NbTi-1 e NbTi-3 nas Figs.3(b) e (c). Frações volumétricas dos carbonitretos nucleados na austenita foram determinados para os aços Nb e NbTi-1, listadas na Tabela 4 com valores de 2.0x10-4 e 3.6x10-4, respectivamente.

Exemplos da precipitação interfásica aparecem na Fig.4. Esta forma de precipitação foi observada com uma frequência muito menor, indicando que ela não ocorre em todos os grãos. Uma observação importante sobre a precipitação interfáscia em aços comerciais pode ser feita na própria Fig.4, a respeito do tamanho médio das partículas. Este tamanho, de aproximadamente 5nm nas Figs.4(a) e (c), pode atingir a mesma faixa encontrada previamente para as partículas nucleadas na austenita. Por outro lado, a Fig.4(b) mostra

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carbonitretos bem menores com um tamanho médio de apenas 2.2nm, dividindo espaços com outras partículas de tamanho maior (aproximadamente 5nm, ver flecha) cuja origem foi identificada como sendo a austenita deformada. A variação no tamanho das partículas de precipitação interfásica deve estar associada à temperatura local de transformação [7] que poderia variar bastante durante o resfriamento acelerado anterior ao bobinamento.

Algumas medidas locais do tamanho médio e da fração volumétrica da precipitação interfásica foram realizadas nos aços Nb, NbTi-2 e NbTi-3 e também aparecem na Tabela 4.

(a) (b) (c)

Figura 3: Exemplos da distribuição de carbonitretos finos nucleados na austenita durante a laminação de acabamento. Aço Nb em (a), aço NbTi-1 em (b), aço NbTi-3 em (c). Aumento 55.000X.

(a) (b) (c)

Figura 4. Exemplos da precipitação interfásica. Aço Nb em (a) com morfologia considerada característica. Aço NbTi-2 em (b) com morfologia particularmente grosseira. Aço NbTi-3 em (c) com morfologia particularmente fina. Aumento de 150.000X.

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Finalmente, vamos comparar as diversas medidas de f para precipitação na austenita e precipitação interfásica com as frações volumétricas teóricas máximas, fmax. Valores de fmax aparecem na última coluna da Tabela 4, calculados sob a hipótese que todos os elementos de microliga no aço tivessem formado carbonitretos finos. Observa-se que a fração volumétrica observada chega perto de fmax apenas no caso do aço Nb (f = 4.0x10-4 para precipitação na austenita + precipitação interfásica contra fmax = 4.9x10-4). Nos outros aços, a quantidade de carbonitretos finos encontrados em cada uma das áreas analisadas correspondeu a apenas 25 a 30% do total dos elementos de microliga à disposição. Em parte, como a própria Tabela 4 mostra, esta diferência se deve a falta de um maior número de medidas. Por outro lado, não pode ser esperado que todos os átomos de microliga participam na precipitação de carbonitretos finos. No caso do aço NbTi-1 para o qual todos os possíveis destinos dos átomos de microliga tinham sido investigados quantitativamente, a metade deles foi contabililzada como “perdida” para a formação de carbonitretos eutéticos durante a solidificação e a “sobrevivência” de partículas não dissolvidas durante o encharque [8]. Sem dúvida, esta situação é favorecida pela presença de titânio que tende a formar nitretos em temperaturas altas. Além disso, enquanto uma parcela de 25% foi consumida na formação de carbonitretos finos que tinham nascido na austenita (a fração volumétrica de 3.6x10-4 apresentada na Tabela 4), uma outra parte também de 25% aparentemente tinha permanecido em solução [8].

DISCUSSÃO

As observações por microscopia eletrônica de transmissão mostraram que, além dos efeitos diretos da composição química (endurecimento por solução sólida) e do tamanho de grão (efeito Hall-Petch), endurecimento por precipitação e por discordâncias devem ter afetado a resistência mecânica dos aços. Dados relevantes das Tabelas 1, 3 e 4 foram utilizados para calcular as diversas contribuições ao limite de escoamento dos aços conforme mostrado na Tabela 5. Nesta tabela, a primeira coluna apresenta as contribuições do endurecimento por solução sólida e do refino de grão conforme a equação (1). A seguir, os valores calculados da primeira coluna foram comparados com os resultados dos ensaios de tração (Tabela 3), listando-se as diferenças numéricas como “endurecimento adicional” na segunda coluna da Tabela 5. Mais uma vez, pode ser observada claramente a diferença entre os aços Nb e NbTi-1, de endurecimento adicional baixo, e os aços NbTi-2, NbTi-3 e NbTiV, com endurecimento adicional bem mais alto.

Tabela 5: Cálculo das Contribuições ao Limite de Escoamento Conforme Diferentes Mecanismos de Endurecimento (em MPa)

Aço Solução Sólida + Refino de

Grão

Endurecimento Adicional

Endurecimento por

Discordâncias

Precipitação na Austenita

Precipitação Interfásica

Nb 252 58 8.9 57 73 NbTi-1 254 78 8.0 82 - NbTi-2 367 167 65 - 134 NbTi-3 393 245 60 - 181 NbTiV 421 178 60 - -

A seguir, aparece o endurecimento por discordâncias na terceira coluna da Tabela 5,

calculado a partir da equação (2). No caso dos aços Nb e NbTi-1, o endurecimento por discordâncias foi baixo e, em prática, deve ser desprezivel, observando-se o exemplo da Fig.2(a) e considerando-se que o valor numérico encontrado equivale à densidade de discordâncias normalmente observada em metais recozidos. Nas demais amostras, o

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endurecimento por discordâncias está na faixa de 60 MPa, limite indicado por Pickering [2] para aços de baixo carbono com estrutura de ferrita + perlita.

O endurecimento por precipitação ocupa as colunas restantes da Tabela 5 e apresenta um quadro mais complexo. No caso dos aços Nb e NbTi-1, na falta efetiva de endurecimento por deformação, o endurecimento adicional pode ser identificada de maneira perfeita com a contribuição de carbonitretos formados na austenita. É importante lembrar que a precipitação interfásica foi encontrada em poucos grãos apenas, de modo que o endurecimento por precipitação no aço Nb deveria estar mais perto dos 57 MPa gerados pela precipitação na austenita em vez dos 73 MPa provocados localmente pela precipitação interfásica.

No caso dos aços NbTi-2 e 3, a soma das contribuições da precipitação interfásica e das discordâncias parece chegar bem perto dos valores de endurecimento adicional. Mais uma vez, no entanto, deve ser lembrado que os números calculados para a precipitação interfásica correspondem a regiões localizadas e não valem para todos os grãos. Além disso, existem dúvidas a respeito da simples adição dos efeitos de precipitados e de discordâncias [9,10].

Na falta de medidas mais confiáveis das frações volumétricas (em andamento em nosso laboratório), propomos que o endurecimento por precipitação só pode ser avaliado em termos qualitativos. Mesmo assim, os poucos dados à disposição na Tabela 5 indicam alguns fatos novos e interessantes: Carbonitretos formados na austenita participavam ativamente do endurecimento por

precipitação. Para frações volumétricas quase iguais de 3.5 ou 3.6x10-4, por exemplo, as partículas mais finas da precipitação interfásica (tamanho 2.2 nm) geraram, localmente, um endurecimento de 134 MPa enquanto as partículas precipitadas na austenita (6.8 nm) chegaram a 82 MPa. Contrastando estes números com o fato experimental que os carbonitretos formados na austenita apareceram em todos os grãos enquanto a precipitação interfásica foi encontrada apenas esporadicamente, fica claro (para quem acredita no modelo de Orowan-Ashby) que a precipitação na austenita representa uma fonte importante de endurecimento em tiras a quente, contrário às previsões da literatura [11,12].

Supondo que a fração volumétrica dos carbonitretos finos (precipitados e crescidos durante o tratamento termomecânico na austenita, durante a transformação γ→α ou na ferrita) seja proporcional à presença total dos elementos de microliga no aço (última coluna na Tabela 5), a diferença no endurecimento adicional entre os aços NbTi-2, NbTi-3 e NbTiV pode ser associado com perfeição ao endurecimento por precipitação (a simples relação entre endurecimento adicional e fração volumétrica teórica màxima, em números relativos, apresenta valores de 1.04, 1.06 e 1.01 para os tres aços, respectivamente).

Considerando-se todas as possíveis contribuições ao endurecimento e os argumentos quantitativos e qualitativos apresentados neste trabalho, chegamos à conclusão que a composição química de cada um dos 5 aços seria suficiente para justificar as grandes diferências encontradas em relação à resistência mecânica (LE variando de 310 até 638 MPa). Em resumo, são estas as justificativas: Aço Nb: Baixo limite de escoamento (310 MPa) associado a baixos teores de C, Mn e Si

que significam que a tranformação ocorreu em temperaturas elevadas: Maior tamanho de grão e ausência de discordâncias na ferrita. Endurecimento por precipitação limitado por baixa fração volumétrica dos carbonitretos (adição de apenas 0.04% de elementos de microliga) e por distribuição mais grosseira da precipitação interfásica (transformação em altas temperaturas).

Aço NbTi-1: Baixo limite de escoamento (332 MPa) associado a baixos teores de C, Mn e Si que significam que a transformação ocorreu em temperaturas elevadas: Maior tamanho de grão e ausência de discordâncias na ferrita. Endurecimento por precipitação limitado por baixa fração volumétrica de carbonitretos finos (adição de um total de 0.08% de

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elementos de microliga, mas grande perda para a formação de carbonitretos eutéticos e não dissolvidos, devido à preponderância do Ti neste aço).

Aço NbTi-2: Bom limite de escoamento (534 MPa) associado a maiores teores de C, Mn e Si que significam que a transformação ocorreu em temperaturas baixas: Menor tamanho de grão e endurecimento por discordâncias na ferrita. Melhor aproveitamento do endurecimento por precipitação devido à maior fração volumétrica de carbonitretos (adição total de 0.11% de elementos de microliga), e devido à participação da precipitação interfásica numa escala mais fina (transformação em baixas temperaturas).

Aço NbTi-3: Melhor limite de escoamento (638 MPa). Mesmas justificativas como no caso do aço NbTi-2, mas melhores chances para o endurecimento por precipitação devido à maior fração volumétrica dos carbonitretos finos (adição total de 0.15% de elementos de microliga, com a fração volumétrica de carbonitretos aumentando ainda mais devido à participação majoritária de Ti).

Aço NbTiV: Elevado limite de escoamento (599 MPa). Mesmas justificativas como no caso do aço NbTi-2 (mesma adição total de 0.11% de elementos de microliga). Não foi localizado ainda o efeito esperado adicional sobre o endurecimento por precipitação devido à adição de V. O melhor refino de grão neste aço não deve estar associado à sua composição química mas, provavelmente, a uma deformação maior na austenita (chapa final mais fina, ver Tabela 2).

CONCLUSÕES

Grandes variações na resistência mecânica (de 310 a 638 MPa para o limite de escoamento) foram encontradas em cinco aços microligados comerciais, processados em condições semelhantes em linhas industriais para tiras a quente. Estudos microestruturais mostraram que estas variações podiam ser explicadas por efeitos da composição química. Em geral, estes efeitos são bem conhecidos, atuando através da temperatura de transformação γ→α e através da quantidade dos elementos de microliga adicionados. Alguns destes efeitos, no entanto, merecem destaque porque, geralmente, não são considerados efeitos importantes na literatura sobre tiras a quente: Carbonitretos nascidos na austenita contribuem de maneira significativa à resistência

mecânica. Além do refino de grão, uma menor temperatura de transformação provoca endurecimento

por discordâncias, mesmo numa microestrutura de ferrita poligonal. Precipitação interfásica aumento o endurecimento por precipitação, mesmo estando

presente em uma parte das regiões ferríticas apenas, com a sua contribuição à resistência mecânica aumentando para baixas temperaturas de transformação. Porém:

O efeito total do endurecimento por precipitação, provocado pela soma de carbonitretos nucleados na austenita e da precipitação interfásica, parece ser controlado muito mais pela adição total de elementos de microliga do que pela temperatura de transformação.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro recebido da Fapesp (Processos 96/5000-1 e 97/01324). Individualmente, SSC agradece à Fapesp, JG à Capes, e EVM e HJK ao CNPq pela concessão de bolsas no período de realização deste trabalho. REFERÊNCIAS 1. PICKERING, F.B. Physical Metallurgy and the Design of Steels. London: Appl. Sci.

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