Vladimir Safatle – Aula 1_30 – ‘Fenomenologia Do Espirito’, De Hegel « Φρόνησις

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φρόνησις "Filosofar é aprender a morrer". Montaigne Vladimir Safatle – Aula 1/30 – ‘Fenomenologia do Espirito’, de Hegel r Paulo Abe Introdução a Fenomenologia do Espírito Primeira Aula “Vivemos aliás numa época em que a universalidade do espírito está fortemente consolidada, e a singularidade, como convém, tornou‑se tanto mais insignificante; época em que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e as reivindica para si. A parte que cabe à atividade do indivíduo na obra total do espírito só pode ser mínima. Assim, ele deve esquecer‑se, como já o implica a natureza da ciência. Na verdade, o indivíduo deve vir‑a‑ser, e também deve fazer o que lhe for possível; mas não se deve exigir muito dele, que tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo”[1] (/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20‑ %20aula%2001.doc#_ftn1) . A fim de introduzir algumas questões e métodos que nos guiarão neste curso, convém partirmos destas afirmações. Convém partirmos destas afirmações porque elas parecem sintetizar tudo aquilo que várias linhas hegemônicas do pensamento filosófico do século XX imputaram a Hegel. Filósofo da totalidade do Saber Absoluto, incapaz de dar conta da irredutibilidade da diferença e das aspirações de reconhecimento do individual às estratégias de síntese do conceito. Teórico de uma modernidade que se realizaria no totalitarismo de um Estado Universal que se julga a encarnação da “obra total do espírito”. Expressão mais bem acabada da crença filosófica de que só seria possível pensar através da articulação de sistemas fortemente hierárquicos e teleológicos, com o conseqüente desprezo pela dignidade ontológica do contingente, deste contingente que “tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo”. Poderíamos ainda desdobrar uma lista aparentemente infindável de acusações que o pensamento do século XX levantou contra Hegel: tentativa de ressuscitar uma metafísica pré‑crítica de forte matiz teológico, hipóstase da filosofia da consciência, crença em uma história onde o presente apresentaria uma “universalidade do espírito fortemente consolidada”, história teleológica esvaziada da capacidade em apreender um tempo no qual acontecimentos ainda fossem possíveis. A este respeito, Habermas, por exemplo, falará: “de um espírito que arrasta para dentro do sorvo da sua absoluta auto‑referência as diversas

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Hegel, Aula 1

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    "Filosofaraprenderamorrer".Montaigne

    VladimirSafatleAula1/30FenomenologiadoEspirito,deHegelrPauloAbeIntroduoaFenomenologiadoEsprito

    PrimeiraAula

    Vivemos alis numa poca em que a universalidade do esprito est fortementeconsolidada,easingularidade,comoconvm,tornousetantomaisinsignificante;pocaemque a universalidade se aferra a toda a sua extenso e riqueza acumulada e as reivindicapara si. A parte que cabe atividade do indivduo na obra total do esprito s pode sermnima.Assim,eledeveesquecerse,comojoimplicaanaturezadacincia.Naverdade,oindivduodeveviraser,etambmdevefazeroquelheforpossvel;masnosedeveexigirmuito dele, j que tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo[1](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn1).

    Afimdeintroduziralgumasquestesemtodosquenosguiaronestecurso,convmpartirmos destas afirmaes. Convm partirmos destas afirmaes porque elas parecemsintetizartudoaquiloquevriaslinhashegemnicasdopensamentofilosficodosculoXXimputaram a Hegel. Filsofo da totalidade do Saber Absoluto, incapaz de dar conta dairredutibilidadedadiferenaedasaspiraesdereconhecimentodoindividualsestratgiasdesntesedoconceito.Tericodeumamodernidadequese realizaria no totalitarismodeumEstadoUniversalquesejulgaaencarnaodaobratotaldoesprito.Expressomaisbemacabadadacrena filosficadequesseriapossvelpensaratravsdaarticulaodesistemasfortementehierrquicoseteleolgicos,comoconseqentedesprezopeladignidadeontolgicadocontingente,destecontingentequetampoucopodeesperardesiereclamarparasimesmo.

    Poderamosaindadesdobrarumalistaaparentementeinfindveldeacusaesqueopensamentodo sculoXX levantou contraHegel: tentativade ressuscitar umametafsicaprcrtica de forte matiz teolgico, hipstase da filosofia da conscincia, crena em umahistria onde o presente apresentaria uma universalidade do esprito fortementeconsolidada,histriateleolgicaesvaziadadacapacidadeemapreenderumtemponoqualacontecimentosaindafossempossveis.Aesterespeito,Habermas,porexemplo,falar:deum esprito que arrasta para dentro do sorvo da sua absoluta autoreferncia as diversas

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    contradiesatuaisapenasparafazelasperderoseucarterderealidade,paratransformalasnomodusdatransparnciafantasmagricadeumpassadorecordadoeparalhestirartoda a seriedade[2](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn2).

    Mesmoastradiesfilosficasquesereclamamdohegelianismonuncaaceitaramoquepoderamos chamar de um hegelianismo sem reservas. Se a tradio marxista, porexemplo, encontrou em Hegel uma antropologia filosfica capaz de expor o processohistricode formaodaconscinciaemsuasexpectativascognitivoinstrumental,prticomoral e estticoexpressiva, ela logo procurou claramente tomar distncia do que seriaholismoestticodametafsica especulativa resultantedo sistema.Por suavez, o chamadohegelianismo de direita (que vai desde Rozenkranz at Joachim Ritter) faz, de uma certaforma, a operao inversa e insiste na substancialidade de laos comunitriosmetafisicamente fundamentados contra a centralidade da temporalidade histrica nopensamentodialtico..Comose,mesmoentreosneohegelianos,aimagemdeHegelfosseadeumpensamentoimpossveldechegarpertodemais.

    Tudoistonoslevaacolocarumaquestocentralparaaorientaodestecurso:Oquesignifica ler Hegel hoje?. Devemos aqui nos restringir economia interna dos textos eignorar como a autocompreenso filosfica da contemporaneidade afirmouseinsistentementecomoantihegeliana?Comosenossotempoexigissenosereconhecernodiagnstico de poca e no permitisse deixarse ler atravs das categorias fornecidas porHegel.Ouseja,possvellerHegelhojesemlevaremcontacomonossomomentofilosficoorganizouse, entre outras estratgias, atravs dos mltiplos regimes de contraposio filosofia hegeliana? No estaramos assim perdendo a oportunidade de entender como a autocompreensodeumtempodepende,emlargaescala,damaneiracomquesedecideodestinodetextosfilosficos de geraes anteriores? Compreender como um tempo se define, entre outrasoperaes,atravsdamaneiracomqueosfilsofoslemosfilsofos:provamaiordequeahistriadafilosofia,emlargamedida,figuradareflexofilosficasobreopresente?

    Sim,lerHegelsemlevaremcontaopesoqueopresenteimpeseriaperdermuitacoisa.EaquinopoderamosdeixardefazerressoaraconstataodeFoucault:Todanossapoca,quesejapelalgicaoupelaepistemologia,quesejaatravsdeMarxouatravsdeNietzsche,tentaescapardeHegel()MasrealmenteescapardeHegelsupeapreciardemaneiraexataquanto custa se desvincular dele; isto supe saber at onde Hegel, talvez de maneirainsidiosa, aproximouse de ns; supe saber o que ainda hegeliano naquilo que nospermite de pensar contraHegel e demedir em que nosso recuso contra ele ainda umaastcia que ele mesmo nos ope e ao final da qual ele mesmo nos espera, imvel[3](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn3).Neste curso,no faremosoutra coisaque levar estaspalavras asrio.

    Geografiadoantihegelianismocontemporneo

    Chamarnossapocadeantihegeliananomepareceumasimplesconcessoretrica

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    Chamarnossapocadeantihegeliananomepareceumasimplesconcessoretricaparadramatizarumpoucoo inciodeumcurso sobreum texto reconhecidamente rduo.Nestesentido,nosemvalorlembrarcomoastrsgrandestradiesdafilosofiaocidentaiscontempornea(francesa,alem,anglosax)tmemcomumadistncia,svezesambgua,svezestaxativa,emrelaoaHegel.

    Sequisermosoferecerumacertageografiadoantihegelianismo,omelhorpasacomear, sem dvida, a Frana. Pois a histria da recepo de Hegel na Frana a histriaespetaculardeumareviravolta.EmseuRelatriosobreoestadodosestudoshegelianosnaFrana,de1930,AlexandreKoyrcomeaemtomdesolador:Temoumpoucoqueapsosrelatrios, to ricosemfatoseemnomes,dosmeuscolegasalemes, inglesese intalianos,meu prprio relatrio sobre o estado dos estudos hegelianos na Frana lhes parearelativamente muito magro e muito pobre[4](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn4).Amagrezaepobrezadohegelianismofrancssecontrapunhaarobustez de uma filosofia universitria marcadamente neokantiana. No entanto, aoreimprimir seu texto na dcada de sessenta, Koyr foi obrigado a acrescentar um postscriptumquecomeavada seguintemaneira:Desdeapublicaodeste relatrio (1930), asituao de Hegel no mundo da filosofia europia, e particularmente francesa, mudoucompletamente: a filosofia hegeliana conheceu um verdadeiro renascimento, ou melhor,ressurreio,esperdeparaoexistencialismoaoqual,alis,elasvezesprocuraseunir.

    De fato, a partir demeados dos anos trinta e at o incio dos anos sessenta, a Frana foihegeliana. Um hegelianismo absolutamente particular pois baseado na Fenomenologia doEsprito, livro que at ento era visto como texto menor da bibliografia hegeliana poisdesprovido do esforo sistemtico presente na Cincia da lgica e, principalmente, naEnciclopdia.AoinsistirnacentralidadedaFenomenologia,emespecialna figuras figurasdaconscinciadesi, comooSenhoreoescravoea conscincia infeliz,opensamento francspodia transformar Hegel no terico da intersubjetividade e da crtica ao solipsismo.Intersubjetividadedeumdesejoedeumtrabalhoquesomanifestaesdanegatividadedesujeitos no mais determinados por atributos substanciais. A negatividade do sujeito emsuas operaes de desejo e trabalho, assim como a constituio de estruturas sociaisuniversaiscapazesdesuportaroreconhecimentointersubjetivodestedesejoedestetrabalho,apareciam como a grande contribuio deHegel compreenso das estruturas sociais damodernidade,deseusprocessosdeconstituioedesuaspromessasdereconciliao.

    Foi Alexandre Kojve com seu curso sobre a Fenomenologia do Esprito que marcou opensamentofrancscomestatemticaemgrandepartederivadadeumaimprovvelleituraheideggeromarxista deHegel. Para termos uma idia do tamanho desta influncia, bastalembrarmos de alguns freqentadores destes seminrios:MauriceMerleauPonty, JacquesLacan,GeorgesBataille,PierreKlossowski,RaymondAron,EricWeil,RaymondQueneau,JeanHyppolite,AndrBreton e, de umamaneira espordica, JeanPaul Sartre. Todos elestero seus projetos intelectuais marcados de maneira profunda por este contato com afenomenologia hegeliana. Raramente, um comentrio de texto foi to decisivo naestruturaodaexperinciaintelectualdeumagerao.

    Noentanto,apartirdocomeodosanossessenta,aconfiguraodopensamentofilosficofrancsirnovamentemodificarsedemaneiraradicaleopontodeviragemsernovamenteHegel. O advento do estruturalismo j colocava em questo a herana hegeliano

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    fenomenolgicaaorelativizaracentralidadedossujeitosagentesedesejantesnavidasocial.Althusser,porexemplo,colocaraemcirculaoummarxismodesprovidodetodaequalquerraizhegelianaaoinsistirqueMarxtrouxera,nOcapital,anoodesistemasquefuncionam revelia dos sujeitos e que, na verdade, mostrara como sujeito com suas crenas deautonomiadaaoeraacategoriaideolgicaporexcelncia.

    Mas a hegemonia do que posteriormente foi chamado de psestruturalismo seloudefinitivamente o segundo ostracismo de Hegel em solo francs. Para Deleuze, Lyotard,DerridaeFoucault(emmenorgrau),Hegeleadialticaeram,emlargamedida,asfigurasmaiores do imprio doUniversal, das totalizaes e dopensamentoda identidade.Hegelcomooconstrutordosonhodeumametanarrativaabsolutaanimadapelacrenainabalvelna unidade da razo. Para os psestruturalistas, a negatividade do sujeito hegeliano eraapenas a ltima estratgia para submeter as singularidades ao imprio do Universal, damesma forma como a ltima palavra da dialtica seria sempre a sntese que reconciliariacontradies.Poisestanegatividadeestavafadadaaserrecuperadapelasestruturassociaisdamodernidadecomsuasaspiraesuniversalizantes.Contraisto,opsestruturalismonocansoudecontraporopensamentodadiferenapura(Derrida),dosensvel (Lyotard),dosfluxosnoestruturadosdeintensidade(Deleuze)edaimbricaoaparentementeirredutvelentre razo e poder (Foucault). Se levarmos em conta a importncia crucial que o psestruturalismoaindatemnaautocompreensodonossotempo,podemosimaginaropesodestasconfrontaesnadeterminaododestinocontemporneodainflunciadeHegel.

    verdade,nuncadevemosesquecerdeumjulgamentotardiodeFoucaultaoreconhecerqueHegel estaria na raiz de um outro modo de interrogao crtica que nasce com amodernidadeequepoderiaserresumidoatravsdasquestes:oquenossaatualidade?Qual o campo atual de experincias possveis?.Algodistinto da analtica da verdadedeinspiraokantiana.Umaontologiadopresente,projetonointeriordoqual,finalmente,oprprio Foucault se ver[5](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn5).MastalreconhecimentonoimplicouemretornoaHegeleasuacompreensodamodernidadeeseusdesafios.

    Por outro lado, se voltarmos os olhos tradio alem, o cenrio de recusa aHegel nodeixar de se fazer sentir. Heidegger, responsvel em larga medida pela recuperao daimportnciadaFenomenologiadoEsprito,livroaoqualelededicouumcursonoanoletivode19301931,verHegelcomoopicedametafsicadosujeitoedoesquecimentodoser.Nestesentido, a sada do quadro epocal da metafsica ocidental deveria ser feita em ummovimento,emlargamedidacontraHegelesuanoodesujeito.

    AEscoladeFrankfurt,porsuavez,nodeixardeterumaposturaambguaedilaceradaemrelaoheranadohegelianismo.Nestesentido,oexemplomaisforteAdorno.OmesmoAdornoquetentarsalvaradialticadeseusdispositivosdesntesetotalizante,insistindonairredutibilidadedasnegaesequenuncadeixardeterpalavrasdurasemrelaoaHegel.Pois, tal como na tradio psestruturalista (mas por outras vias), Adorno compreendeHegelcomoaqueleque,deumacertaforma,trairseuprpriomtodoafimderetornaraumpensamentodaidentidade.Bastalembrarmosaquidestaafirmaoescritapensandonotrecho que abriu nossa aula: Se Hegel tivesse levado a doutrina da identidade entre ouniversaleoparticularatumadialticanointeriordoprprioparticular,oparticularteriarecebidotantosdireitosquantoouniversal.Queestedireitotalcomoumpairepreendendo

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    seu filho: Voc se cr um ser particular , ele o abaixe ao nvel de simples paixo epsicologizeodireitodahumanidadecomosefossenarcisismo,istonoapenasumpecadooriginal individual do filsofo[6](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn6).Istonoumpecadoindividualdofilsofoporqueumpecadode todo seu sistema. Se os psestruturalista contrapuseramHegel a um pensamento dassingularidadespuras,nicopensamentoqueseriacapazdedarcontadasaspiraesdeumtempoqueprocurairparaalmdoprojetodamodernidade,AdornocontrapeHegelaumpensamentodanoidentidadecomsuasexignciasdeirredutibilidadedosingular.

    Se o diagnstico adorniano deHegel parece, pelomenos a primeira vista, alinharse comaquele sugerido pelos psestruturalistas, o diagnstico de Habermas e seus seguidores,procuravam (sem nunca ter realmente problematizado esta articulao) desqualificar aleitura proposta pela primeira gerao dos hegelianos franceses. Pois, contrariamente aHyppoliteeKojve,HabermasnocansardeverHegelcomoumaespciedeMoissquena sua juventude vira a terra prometida da intersubjetividade comunicacional capaz defundamentar as aspiraes universalistas da modernidade, mas que, a partir, daFenomenologia, teria retornado a uma filosofia centrada no sujeito e a um conceitomentalistadoSimesmoedeautoreflexoque restringea compreensoda razoemsuasaspiraes cognitivoinstrumentais dimenso das confrontaes entre sujeitoobjeto. Ouseja,mesmoentreosdefensoresdamodernidade,aviahegeliananopareciamaiscapazdefornecerestruturassegurasdeorientao.

    Sevoltarmos,por fim,osolhos tradioanglosaxocenrioera,atbempouco tempo,praticamente desolador. No entanto, antes da I Guerra Mundial, Hegel foi um filsofocentralemOxfordeCambridge(Bradley,McTaggart,Green)porfornecerumaalternativaaoempirismo e ao individualismo. Por sua vez, o pragmatismo norteamericano tambm foireceptivo a Hegel e John Dewey encontrou no conceito hegeliano de eticidade a idia,central para o desenvolvimento de seu pensamento, de que as prticas substancialmentearraigadas na comunidade (e mo exatamente no Estado) expressam as normasdeterminantesparaaformaodaidentidadedosindivduos.

    EstasleiturasdeHegelforamsoterradaspelaguinadaanalticadafilosofiaanglosax.Paraumatradioque,emlargamedida,compreendiaosproblemasfilosficoscomoproblemasgramaticais,Hegel parecia simplesmente indicar um retorno prcrtico metafsica comfortes matizes teolgicas, isto quando a dialtica no era simplesmente vista como umequvoco lgico (Russell). E mesmo autores comoWittgenstein iro imputar a Hegel umpensamentoda identidade edoMesmo, imputao idnticaquela queparece animar ascrticasdesetoresrelevantesdopensamentofrancsealemocontemporneos.Lembremos,por exemplo,daseguinteafirmaodeWittgenstein:No,noacreditoque tenhaalgoavercomHegel.Paramim,Hegelparecesempredizerquecoisasqueparecemdiferentesso,narealidade,idnticas.Meuinteresseestemmostraquecoisasqueparecemidnticassodiferentes[7] (/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn7). O autor da noo de jogos de linguagem v, na estratgiahegeliana que conservao das aspiraes universalizantes da razo, apenas uma figuratotalitriadaunidade.NoquedizrespeitoaHegel,autorestodistantesentesietocentraispara a constituio dos esquemas de autocompreenso da contemporaneidade quantoWittgenstein,osfrankfurtianoseospsestruturalistasparecemestardeacordo.

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    Ler

    Depois desta longa digresso, podemos voltar a nossa questo inicial a fim de tentarrespondela:oquesignificaecomolerHegelemumapocaprofundamenteantihegeliana?Pois,secertoquenosomoscontemporneosdeHegel,impossveldeixardelevaremconta esta estratgia de determinar as aspiraes do presente atravs de sua recusa emsubmeterse quilo que foi trazido atravs da experincia intelectual hegeliana em suaintegralidade.

    Esta questo nos levar, necessariamente, a um problema de mtodo que toca a prpriacompreenso do que uma leitura de textos da tradio filosfica, aindamais textos queprocuram fundar uma ontologia do presente, tal como o caso da Fenomenologia doEsprito.

    Creioque esta umaquestode suma importnciaporquevocs estono interiordeumprocessodeaprendizagemdeleitura.Vocsaprenderotcnicasfundamentaisparatodoequalquerprocessofilosficodeleituradetextosdatradio:saberidentificarotempolgicoque nos ensina a reconstituir a ordemdas razes internas a um sistema filosfico, pensarduas vezes antes de separar as teses de uma obra dos movimentos internos que asproduziram, compreender como o mtodo se encontra em ato no prprio movimentoestruturaldopensamentofilosfico,entreoutros.Tratasedeumensinamentofundamentalpara a constituio daquilo que chamamos de rigor interpretativo que respeita aautonomiadotextofilosficoenquantosistemadeproposiesenoseapressaemimporotempodoleitoraoautor.Rigorquenoslembracomooatodecompreenderestsempresubordinado ao exerccio de explicar. Mas ele no define o campo geral dos modosfilosficosdeleitura.Eledefine,istosim,procedimentosconstitutivosdaformaodetodoequalquerpesquisadoremfilosofia.Eleoincioirredutveldetodofazerfilosficomas,pormaisqueistopossaparecerbvio,ofazerfilosficovaialmdoseuincio.

    Lembremos, por exemplo, do que diz Kant a respeito de seumodo de leitura dos textosfilosficos:Noraroacontece,tantonaconversacorrentecomoemescritos,compreenderseumautor,peloconfrontodospensamentosqueexpressousobreseuobjeto,melhordoqueelemesmoseentendeu,istoporquenodeterminousuficientementeoseuconceitoe,assim,por vezes, falou ou at pensou contra sua prpria inteno[8](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn8). Este comentrio aparentemente inocente a exposio de todoumprogramadeleituraque,aparentemente,noesttotalmentedeacordocomasregrasdorigor interpretativo. Afinal, Kant reconhece que sua leitura , digamos, sintomal. Ele irprocuraraquelespontosdasuperfciedotextonosquaisaletranocondizcomoesprito,nos quais o autor estranhamente pensou contra sua prpria inteno. Mas o que significaadmitir um pensamento que se descola de sua prpria inteno e que deixa traos destedescolamento nos textos que produz? Podemos dizer que significa, principalmente, estaratento s regies textuais nas quais o projeto do sistema filosfico trado peloencadeamentoimplacveldoconceitoqueinsisteemabrirnovasdirees.Aomenosnesteponto,difcilestardeacordocomGoldsmith,paraquem:asasseresdeumsistemanopodem ter por causas, tanto prximas quanto imaginrias, seno conhecidas do filsofo ealegadas por ele[9](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20

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    %20aula%2001.doc#_ftn9). A histria da filosofia, ao contrrio,mostra que sim possvelpensar a partir daquilo que o autor produz sem o saber, ou sem o reconhecer. Pensardeslocandoconscientementeaordemdasrazesdeumfilsofoparaquearadicalidadedecertasconquistaspossaaparecercommaisfora.

    Masumfilsofopodeestaratentoquiloqueoutrofilsofoproduziusemosaberporque,para almdo tempo lgico, ele admiteumaespciede tempo transversal atravsdoqualopresente pode colocar questes e rever as respostas do passado. A transversalidadefundamental do tempo filosfico indica que o presente pode, sem deixar de reconhecer atenso inerente a tal operao, aproximar os textos da tradio e procurar traos deconstrues potenciais que foramdeixadas pelo caminho.Ou seja, podemos ler um texto datradio filosfica tendo em vista seu destino. Encontraremos nele, em um movimentoretrospectivo,asmarcasdedebatesposteriores.Mapearemosamaneiracomqueo textoemsuavidaautnoma foi inserindoseemdebatesque lhepareceriam,aprimeiravista,estranhos. Isto implica em compreender como programas filosficos que lhe sucederamforamconstrudosatravsdeumembatesobreosentidodaletradestetextoqueteimaemnoquererpertenceraopassado.Compreenderqueahistriadarecepodeumtextofilosficonoexternaconstituiodosentidodestetexto.Poisostextosfilosficostmumapeculiaridademaior:seusprocessosdenegociaonosedoapenascomosatoresquecompemacenadasuaescrita;elessedotambmcomatoresquesseconstituironofuturo.Estsegundaorientaometodolgicafornecerasbalizasparaonossocurso.

    Seguirtalorientaometodolgicasignifica,naverdade,levarasrioaafirmaodeAdornoarespeitodaartedelerHegel:AartedelerHegeldeveriaestaratentaaomomentonoqualintervmonovo,osubstancialedistinguilodomomentonoqualcontinuaafuncionarumamquinaquenosevcomoumaequenodeveriacontinuarfuncionando.necessrioatodo momento tomar em considerao duas mximas aparentemente incompatveis : aimerso minuciosa e a distncia livre[10](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn10).Nadamais difcil em filosofia do que compatibilizar o esforominucioso e disciplinado de leitura com a certeza daqueles que sabem que s se enxergaumaobradistncia.Mas,comoveremosnestecurso,assim,nestacoreografiafundadaemsequnciasdedistnciaeproximidade,queosfilsofoslemosfilsofos.

    Por outro lado, esta perspectiva que pode impor tanto uma imersominuciosa capaz deseguir, se forocaso,o trajetodaescritaemtodososseusmeandrosquantoumadistncialivrequeprocuraestabelecer,notexto,pontosdestacveisnosquaisseancorar,perspectivaqueescava,nointeriordotexto,onovoeoseparadomaqunicospodevirdeumarecusada atemporalidade da escrita filosfica pensada como sistema de proposies. Volto ainsistir,otempodafilosofiatransversalepermitequeopresentereordeneasrespostasdopassado. s a partir desta transversalidade do tempo que possvel ao leitor ocupar opapeldedoisatores:aquelesquefazempartedacenadaescritaeaquelesqueseconstituemapenasaposteriori.

    No que diz respeito leitura da Fenomenologia do Esprito, tal abordagem metodolgicaimplicar em anlises que obedecero a um movimento duplo. Algumas figuras seroprivilegiadas e, nestes pontos, o comentrio de texto ser articulado horizontalmente everticalmente.Horizontalmente,nosentidodereconstruirocampodequestesqueHegel

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    tinhaemmenteaosintetizartaisfiguras.Verticalmente,nosentidodetranscenderocontextolocaltendoemvistaareconstituiodealgunsmomentosmaioresnahistriadarecepodetaisfigurasedaconstelaodeproblemasqueelasfoamcapazesdeencarnar.

    No entanto, este trabalhodedupla articulaodos dispositivos de leitura exigir,.por suavez,queacosturaquesustentaaFenomenologiadoEspritosejaapreendidaemmovimentosamplosde identificaode eixos gerais.Neste sentido, tratase apenasde servirsedeummovimento de distenso e de contrao presente na economia interna da prpriaFenomenologia.Economiamarcadapela sucesso entredistensesde figuras abordadas emriquezasdedetalhesecontraesqueprocuramdarcontadarememoraodatrajetriadaconscincia.

    Estruturadocurso

    Afimdelevaracabotaisobjetivos,estecursoserdivididoemcincomdulos.Cadamduloter,emmdia,duraode3aulasexpositivas.Estecursonoprevarealizaodeseminrioseosistemadeavaliaoresumesemonografiadefinaldecurso.Cadamdulofoi organizado a partir de uma questo central, uma oumais figuras privilegiadas e umconjuntodetextosdeintroduoededesdobramentodosdebatespropostos.

    NoprimeiromdulotrabalharemosalgumasquestesapresentadasnoPrefcioenaIntroduo relativas a autocompreenso hegeliana da peculiaridade de seu projetofilosfico.LevaremosasrioaafirmaodeGerardLebrun,paraquemafilosofiahegelianae seu mtodo dialtico propunha, fundamentalmente, uma certa mudana de gramticafilosficacapazdedissolverasdicotomiasdoentendimentoedopensarrepresentativo:Talanicasurpresaqueapassagemaoespeculativoreserva:esta lentaalteraoqueparecemetamorfosear as palavras que usvamos inicialmente, sem que, no entanto, devamosrenunciar a elas ou inventar outras[11](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn11).Istonoslevaraelegercomoquestocentraldestemdulo:Oque significa mudar de gramtica filosfica?. Trs textos serviro de apoio a nossadiscusso, sendo que eles esto dispostos em ordemde complexidade. So eles: Notas arespeitoda lnguaeda terminologiahegeliana,deAlexandreKoyr;Skoteinosoucomoler,deAdornoeHegeleseuconceitodeexperincia,deHeidegger.

    Nosegundomdulo,trabalharemosaseoConscinciaprivilegiandoumaanlisedetalhadadafiguradaconscinciasensvel.Meuobjetivodemonstrarquedevemoslevaremcontacomootrajetofenomenolgicodaconscinciaemdireoaosaberabsolutocomeaatravsdaexperinciadodescompassoirredutvelentredesignaoesignificaonosatosde fala. Isto demonstra a centralidade do problema da linguagem no interior da reflexohegeliana.Estsernossaquestocentral.VeremosqualateoriadalinguagemquesustentaamaneiracomoHegelpensaaconfrontaocognitivaentreconscinciaeobjetoparaalmde todo e qualquer inferencialismo, assim como a importncia de tal descompasso entredesignao e significao enquanto motor do processo dialtico na Fenomenologia.Novamente, teremos trs textos de apoio: Entre o nome e a frase, de Paulo Arantes;Dialtica, index, referncia, de JeanFranois Lyotard e Holismo e idealismo naFenomenologiadeHegel,deRobertBrandom..

    No terceiromdulo, trabalharemos a seo Conscinciadesi privilegiandouma

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    No terceiromdulo, trabalharemos a seo Conscinciadesi privilegiandoumaanlisedetalhadadafiguradaDialticadoSenhoredoEscravo.TratasedeummomentoprivilegiadodaFenomenologiaportematizaroinciodasubmissodaestruturacongnitivoinstrumentaldaconscinciaaumaestrutura intersubjetivade reconhecimentoengendradapelo conflito. Conflito articulado a partir das categorias do trabalho e do desejo. NossaquestocentralirgiraremtornodoproblemadereconhecimentodotrabalhoedodesejonaFenomenologia.Veremoscomoalgicadoreconhecimentodotrabalhoedodesejoobedece,porsuavez,aestruturalgicapostanasreflexeshegelianassobrealinguagem.Novamente,teremostrstextosdeapoio:Aguisadeintroduo,deAlexandreKojve;Caminhosdadestranscendentalizao,deHabermaseCrticadadialticaeda filosofiahegelianasemgeral, captulo dosManuscritos econmicofilosficos deMarx. Um texto que servir comoguia de leitura ser Os primeiros combates do reconhecimento, de PierreJean Labarrire eGwendolineJarczyk:textoquesepropeafazerumcomentriolinhaalinhadotrechoqueestudaremos.

    No quartomdulo trabalharemos a seo Razo. Se, na seo Conscincia, questodaanlisedarelaocognitivoinstrumentaldaconscinciacomoobjeto,e,naseoConscinciadesi, questo da relao de reconhecimento entre conscincias comocondioprviaparao conhecimentodeobjetos, a seo Razopode ser compreendidacomoaanlisedasoperaesdarazoemseusprocessosdecategorizao.Nestesentido,tratasedeummomentoprivilegiadodo textoparaanalisarmosacomplexarelaocrticaentreKanteHegelnoquedizrespeitoestruturacategorialdoentendimentoenquantobaseparaosabercognitivoinstrumental.Aquestocentralquenosnortearnaanlisedadestaseo ser as distines que Hegel opera entre o transcendental e o especulativo. Nestesentido,analisaremos,enquantofiguraprivilegiada,omodusoperandidacrticahegelianaaduascinciasbastanteemvogaemsuapoca:afrenologiaeafisiognomia.EscolhaquesejustificadevidomaneiracomqueHegeltransformaacrticalinguagemrepresentativaemelementocentraldecrticaaospressupostosdeumacinciaempricadeterminada.Teremos,como textos de apoio, o captulo dedicado aKant nasLies sobre a histria da filosofia,doprprio Hegel, Crtica de Kant por Hegel, captulo de Conhecimento e interesse, deHabermas

    Porfim,oquintomduloserdedicadoseoEsprito.Estalongaseonaqualvemosoprocesso de rememorao histrica como fundamento para a formao das estruturas deorientaodojulgamentotrazumasriedequestesarticuladasdemaneiracerrada.Aqui,vemos mais claramente a razo na histria, ou seja, a metanarrativa hegeliana deformao agora a partir do Esprito conscientedesi que analisa suas figuras no tempohistrico.Dasvriasquestesqueapeculiaridadedaabordagemhegelianasuscita,gostariade me ater a uma em especial. Tratase de mostrar como toda a seo Esprito estruturada a partir da exigncia em pensar o sensvel e a contingncia em suairredutibilidade, e no, como se tende a ver, enquanto uma tentativa de esgotar toda equalquer dignidade ontolgica do sensvel e do contingente em prol de um conceitototalizantedehistriaracional.Paratanto,deveremoscentrarnossaleituraemduasfigurascentraisdaFenomenologiahegelianaqueseencontramnoincioenofinaldanossaseo:arupturadaeticidadedapolisgregaatravsdeAntgonaeacrticaaoformalismodamoralkantiana atravs das consideraes sobre a Gewissen. Como textos de apoio, proponho,primeiramente, um exerccio de leitura comparativa. Tratase de comparar a leiturahegelianadeAntgonaaumaleituracontemporneapropostaporJacquesLacanearticuladacomocontraposioleiturahegeliana.Teremoscomotextodeapoio,pois,duasseesdo

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    seminrio sobre A tica da psicanlise, dedicados a Antgona. Teremos ainda algunspargrafosescolhidosdeEspritodomundoehistriadanatureza:digressosobreHegel,capitulodaDialticaNegativa,deAdorno

    AFenomenologiadoEspritoeseuestilo

    Masgostariaaindadeaproveitarestaprimeiraaulaparaexplicararazopelaqualaintroduo ao pensamento de Hegel deve ser feita preferencialmente atravs daFenomenologiadoEsprito.Poisestaescolhanoporsi sevidente.Durante todoosculoXIX, boa parte dos leitores de Hegel portavam sua ateno principalmente aos textos dematuridade, comoA cincia da Lgica e aEnciclopdia.AFenomenologiaera vista como umtexto onde questes centrais da filosofia hegeliana, como o papel do Estado enquantorealizao do EspritoObjetivo, no eram suficientemente abordadas. Escrito em 1806 emcondiesextremamenteprecrias,otextonoforneciademaneiraclaraosistemaholistadacinciaemsuaquietudehierarquizada,comovemos,porexemplo,naEnciclopdia.

    Poroutrolado,oprprioplanodaFenomenologiaserparcialmenteabsorvidoporobrasposteriores de Hegel, em especial a ltima verso da Enciclopdia. L, ela aparecerclaramente como uma parte do sistema, entre a antropologia e a psicologia. Seudesenvolvimento ser desmembrado. As sees Esprito, Religio e Saber absolutonoseromais tratadascomomomentosda fenomenologiaque,porseu lado,serapenasummomentodoEspritoSubjetivo.Agrandearticulaohistricadoprocessodeformaodaestruturadeorientaodojulgamento(Esprito)darlugaraumadescriosistmicadaestruturadodireito,dasreivindicaesmoraisdasubjetividadeedoEstado.ReligioeSaberAbsolutoterotratamentoparteenquantomanifestaesdoEspritoAbsoluto.

    Noentanto,aFenomenologiadeveservistacomoamelhorintroduoaopensamentohegelianonoapenasporqueelafoirealmenteescritacomoumaintroduoaosistemaque,aos poucos, foi ganhando autonomia. Introduo que deveria descrever o trajeto deformao da conscincia em direo a um saber onde lgica e ontologia se encontram.AFenomenologia a melhor introduo ao pensamento hegeliano porque, por um lado: AFenomenologia era para Hegel consciente ou inconscientemente, o meio de oferecer aopblico; no um sistema j pronto, mas a histria de seu prprio desenvolvimento[12](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn12).

    Masporoutrolado,eestameparecearazomaisforte,aFenomenologiaofereceummododepensarearticularproblemasfilosficosqueseramarcadaexperinciaintelectualhegeliana. Modo que pode ser inicialmente abordado atravs de algumas consideraessobreoestilodaescritafilosficadaFenomenologiaemparticularedeHegelemgeral.

    Naverdade,gostariadeterminaraauladehojecomalgumasconsideraesarespeitodoestilodeHegel.Poisumaleiturafilosficadeveestaratentanosaordemdasrazes,mastambm aos estilos da escrita. As exigncias do estilo no so consideraes externas aosobjetoscomosquaisumpensamentosedefronta.IstotalveznosesclareaporqueoestilodeHegeldesconheceumcertoregimedeclarezanaescritaconceitual.

    No se trata aqui de fazer uma apologia da obscuridade, mas valeria a pena lembrar a

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    No se trata aqui de fazer uma apologia da obscuridade, mas valeria a pena lembrar arelevnciada questo a respeitoda adequao entre clareza e objeto. Todos os objetosdaexperincia podem ser expostos atravs de uma linguagem de mxima visibilidade ? Eulembrariaque,emvriosmomentos,a respostada filosofia foinegativa.Porexemplo,nsconhecemosclaramentearecusadeHegelemdescreverosobjetosdaexperinciaatravsdaclareza de uma linguagem de inspirao matemtica, geometria retrica fundamentadaatravsde analogias comosdispositivosda geometria euclidiana.A apreenso conceitualdosobjetosdaexperinciaexigeumacompreensoespeculativadaestruturaproposicionalquenadatemavercomexignciasabstratasdeclareza.Aocontrrio,aclarezadeinspiraomatemticaqueguiaousoordinrioda linguagemdo senso comummistificadora,poisclarifica o que no objetivamente claro, procura utilizar categorizaes estanques paraapreender aquilo que s pode aparecer demaneira negativa ou atravs de significaesfluidas[13] (/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn13).Assim,oestabelecimentodeumagramticafilosficaadequadaacaba por se confundir com um movimento amplo de crtica da linguagem clara doentendimento.Daporque:nodifcildeperceberqueamaneiradeexporumprincpio,dedefendlocomargumentos,derefutartambmcomargumentosoprincpiooposto,noaformanaqualaverdadepodesemanifestar.Averdadeomovimentodelamesmanelamesma,enquantoqueestemtodooconhecimentoexteriormatria.poristoqueeleparticular matemtica e devemos deixlo matemtica[14](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn14). Neste sentido, podemos seguir Gerard Lebrun e dizer que overdadeiroobjetivodaFenomenologiaarefutaodetodaumagramticafilosficaatravsdeummovimentodeesgotamentointerno.

    Adornofoitalvezaquelequemelhorcompreendeuanecessidadedaarticulaoentreestilo e objetodopensamento emHegel. Hegel semdvida onicodentre os grandesfilsofosque,emalgunsmomentos,nosabemosenopodemosdecidirsobreoqueelefalaexatamente, o nico a respeito de quem a prpria possibilidade de tal deciso no assegurada[15] (/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn15). Proposio aparentemente paradoxal por insistir na existnciadeumaopacidadeconstitutivadoestilohegeliano,existnciaderegiesdesilnciolegveisdatexturadotexto.ParaAdorno,estamosdiantedeumaopacidadecujaestruturadeveserdeduzidadoprpriocontedoda filosofiahegeliana:Jquecadaproposiosingulardafilosofia hegeliana reconhece sua prpria inadequao a esta unidade [da totalidade], aforma exprime esta inadequao (Unangemessenheit) na medida em que ela no podeapreender nenhum contedo de maneira adequada[16](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn16).

    Masestebloqueionaapreensodocontedoumfatoinscritonalinguagemespeculativa.Asensao de evanescimento da referncia que todo leitor de Hegel conhece bem, estaimpressodequeoestilodaescritaparecedestruiradeterminaodosobjetosarespeitodosquaisfalvamoscomrelativaseguranaathpouco,,deumacertaforma,aexperinciamotor da dialtica hegeliana. A clareza e a distino tm por modelo uma conscinciareificada (dinghaftes Bewubtsein) do objeto[17](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn17), dir Adorno a respeito de Hegel. Como se houvesse certosobjetos que s podem ser apreendidos atravs de uma toro da lngua, atravs de uma

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    experincia de fracasso reiterado de posio de determinaes conceituais. Em Hegel, oconceito traz as cicatrizes do fracasso reiterado em apreender aquilo que se d comocontedodaexperincia.Eseasferidasdoespritosecuramsemdeixarcicatrizesporqueoconceito aprende que, em certosmomentos, fracassar a apreenso do contedo a nicamaneirademanifestaraquiloquedaordemdaessnciadosobjetos.Humfracassoqueanicaformadetermoumaexperinciadoobjeto.istooquelevaAdornoadizer:Seumdiafossepossveldefinirafilosofia,elaseriaoesforoparadizeraquilosobreoqualnosepode falar, esforo para levar o noidntico expresso, mesmo quando a expressoprocura identificlo. isto o que Hegel tenta fazer[18](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftn18).Algunsveronestaestratgiadoconceitoemintegraraquiloqueo negauma forma astuta de totalizao.Mas ns poderemosperguntar: se nossa poca profundamenteantihegeliana,noseriapor temer identidadesconstrudascomasmarcasdeste trabalho do negativo que parece nunca ter fim e nos exilar de nossa prpriagramtica?

    Emumcertomomento,AdornocomparaoestilodeHegelaousoqueumimigrantefazdeumalnguaestrangeira.Porimpacinciaenecessidade,eleldeixandoparatrspalavrasindeterminadasquesserorelativamentecompreendidasatravsdareconstituiolentaedemorada de contextos. Muitas palavras ficaro para sempre opacas e apenas seu usoconjugado serapreensvel.Outrasganharoumasobredeterminaoqueo falantenativonotinhamaisadistncianecessriaparadesvelar.EsteestranhamentodiantedosobjetosdopensamentoqueaposiohegelianadeimigrantenasuaprprialnguapressupetalveznosdigamuitoarespeitodasestratgiasdiscursivasquecompeaexperinciaintelectualdeHegel.Terminemoshojecomesta famosadescrio fornecidaporHothoa respeitodeseuprofessor,Hegel.Ela talveznosdigamuitoa respeitodeste fazer filosficoquesernossoobjetodeestudosduranteumsemestre:Acabeaabaixadacomoseestivessedobradasobresimesma,oarcansado;eleestavaldepe,enquantofalava,procuravacontinuamentenosseusgrandescadernospercorrendoossempararemtodosossentidos,umatosseincessanteinterrompia o desenvolvimento do discurso; a frase estava l, isolada, ela vinha comdificuldade,comosefossearrancada.Cadapalavra,cadaslabasdesoltavaacontragolpes,pronunciadaporumavozmetlica,paraemseguidarecebernoamplodialticosubioumaressonnciasurpreendentementepresente,comose,acadavez,oessencialestivesse l.OprimeiropassoparalerHegelcompreenderanecessidadedestaspalavrasqueteimamemnosesubmetersuperfcie.

    [1](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref1)HEGEL,FenomenologiaI,p.62

    [2](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref2)HABERMAS,Odiscursofilosficodamodernidade,p.60

    [3](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref3)FOUCAULT,Lordredudiscours,pp.7475

    [4](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref4)KOYR,Estudosdehistriadopensamentofilosfico,p.178

    [5](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20

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    [5](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref5)FOUCAULT,DitsetcritsII,p.1506

    [6](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref6)ADORNO,NegativeDialektik,p.323{traduomodificada]

    [7](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref7)WITTGENSTEINinDRURY,RecollectionsofWittgenstein,p.157

    [8](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref8)KANT,Crticadarazopura,A314

    [9](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref9)GOLDSMITH,Tempolgicoetempohistriconainterpretaodossistemasfilosficos,p.141

    [10](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref10)ADORNO,DreistudienberHegel,p.98

    [11](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref11)LEBRUN,Lapatienceduconcept,p.114

    [12](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref12)HYPPOLITE,GneseeestruturadaFenomenologiadoEsprito,p.68

    [13](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref13)Sobreesteponto,verFAUSTO,Ruy,Marx:lgicaepolticatomoIII

    [14](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref14)HEGEL,Fenomenologiadoespritoprefcio

    [15](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref15)ADORNO,DreiStudienberHegel,GS5,p.326

    [16](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref16)idem,p.328

    [17](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref17)idem,p.334

    [18](/DOCUME~1/Abee/CONFIG~1/Temp/Rar$DI00.578/Curso%20Hegel%20%20aula%2001.doc#_ftnref18)idem,p.337

    EstapublicaofoipostadaemCurso,FilosofiaModerna,HegelemarcadaAbsoluto,direito,Esprito,Fenomenologia,Hegel,Lgica,Razo,Safatle.

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    4comentriosemVladimirSafatleAula1/30FenomenologiadoEspirito,deHegel

    AndreiVaczidisse:maro11,2012s1:17pmMuitointeressanteessainiciativadedisponibilizarcursoscompletosaquinarede!Parabns!

    RespostaDAECABlogArchiveTextosdeApoioMinicurso2disse:setembro26,2012s3:25pm[]VladimirSafatleAula1/30FenomenologiadoEspirito,deHegel(apenasoincio,ataseo[]

    RespostaVandaRochadisse:maro18,2013s12:47amEstaaulafoisobremaneiravaliosaeesclarecedoraparaeucompreendermelhoraFenomenologiadoEsprito(antesmepareciatruncada).EaulassobreobradeAdorno?

    Respostadjalmadasilvadisse:maio2,2014s1:55amOestilodaaulaecativante.MinhaleituradeHegeleemingleseesperoestudartodasaslicoesdestecursoquedeveriasercompusorionasescolas.

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