Psicologia Hospitalar

download Psicologia Hospitalar

of 48

Transcript of Psicologia Hospitalar

psicpio

PSICPIOREVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SADEEditor Susana Alamy

Ano 1 - Volume 1 - Nmero 1 - Janeiro a Junho-2005 Edio Semestral - Distribuio Gratuita

PSICPIO REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SADERevista Semestral Distribuio Gratuita Ano I, Volume 1, Nmero 1, Janeiro a Junho-2005 Editor: Susana Alamy Idealizao e Realizao; Capa , Editorao, Diagramao e Arte Final: Susana Alamy Reviso: Glenda Rose Gonalves-Chaves WebMaster: Carlos Alexandre de Melo Pantaleo Conselho Editorial: Susana Alamy psicoteraputa, psicloga clnica e hospitalar, professora de psicologia hospitalar e supervisora de estgios. CRPMG 6956 Elisngela Lins psicoteraputa, psicloga clnica e hospitalar, professora de psicologia do CESUR Centro de Ensino Superior de Rondonpolis. CRPMT 1281-2 Direitos Autorais Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem ao Editor de Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade, Susana Alamy. Copyright Susana Alamy. Todos os direitos reservados. Esta revista protegida por leis de Direitos Autorais (copyright) e Tratados Internacionais. permitida a sua duplicao ou a reproduo deste volume, em qualquer meio de comunicao, eletrnico, mecnico, gravao, fotocpia ou impresso, desde que integralmente. A reproduo parcial poder ser feita somente mediante a autorizao expressa dos autores dos artigos e do editor da revista. Para citao da revista na bibliografia: ALAMY, Susana (Ed.). Psicpio Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade, Belo Horizonte, a.1, v.1, n.1, jan.-jul. 2005. Disponvel em: < http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em: (dia em nmeros) (ms abreviado em letras minsculas) (ano). Para citao de artigos da revista na bibliografia - modelo: (Sobrenome do autor em letras maisculas), (nome do autor com a 1. letra maiscula e as demais minsculas). (Nome do artigo em letras comuns). Psicpio Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade, Belo Horizonte, a.1, v.1, n.1, jan.-jul. 2005. Disponvel em: . Acesso em: (dia em nmeros) (ms abreviado em letras minsculas) (ano). Fale com o Editor E-mail: [email protected] ou [email protected] Correios: Av. Prudente de Morais, 290 sl. 810 Bairro Cidade Jardim 30380-000 Belo Horizonte / MG Telefone: (31) 9141-9106

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

i

PSICPIO REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SADERevista Semestral Distribuio Gratuita Ano I, Volume 1, Nmero 1, Janeiro a Junho-2005 SUMRIO Editorial .............................................................................................................................................. iii Nota Introdutria ................................................................................................................................. iv Histria do Psic pio ............................................................................................................................. v O sujeito, o desamparo e o analista ....................................................................................................... 06 Lucinda Moreira dos Santos Mendona (Belo Horizonte/MG) Reflexes sobre a dor do paciente infantil oncolgico ............................................................................ 10 Lauren Beltro Gomes (Florianpolis/SC) Diferenas entre o atendimento psicolgico em meio hospitalar e em consultrio ..................................... 14 Vanina Ribeiro (Angola/frica) A prtica hospitalar como a atuao do psiclogo? ........................................................................... 17 Susana Alamy (Belo Horizonte/MG) Uma experincia malograda de atendimento infantil .............................................................................. 18 Priscila Said Saleme (Belo Horizonte/MG) Sentir na pele ....................................................................................................................................... 22 Michele Costa e Silva (So Paulo/SP) A importncia da psicologia para a humanizao hospitalar .................................................................... 25 Leida Mirian Hercolano Pinheiro (Cachoeiro do Itapemirim/ES) Psiclogo hospitalar: um espelho de reflexo ......................................................................................... 36 Andria Santiago Sobreira Santos (Cuiab/MT) Estudo de caso Acompanhamento da me de um paciente de dois anos de idade com diagnstico de asma ....................... 37 Andria Santiago Sobreira Santos (Cuiab/MT) Depoimento de paciente Lugar de igualdade .............................................................................................................................. 39 Gabriela Lima (Belo Horizonte/MG) Modelo de anamnese / protocolo Protocolo doenas respiratrias / anamnese infantil .............................................................................. 40 Susana Alamy (Belo Horizonte/MG) Links Bibliotecas virtuais .................................................................................................................. 44 Eventos ............................................................................................................................................... 45 Normas para envio de artigos ................................................................................................................ 46

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

ii

EDITORIALPretendemos com este espao ampliar o dilogo entre professores e alunos, profissionais e leigos, no mbito da psicologia hospitalar e da sade. Temos a pretenso de alcanar um nmero significativo de contribuies atravs das produes cientficas e dos relatos pessoais de pacientes e familiares, pois objetivamos que tambm seja um lugar de incentivo escrita. Constitui-se nossa base editorial a comunicao tica e moral, hoje to disvirtuada em sua conduo, e o respeito s opinies, mesmo que divergentes das nossas. Sejam bem-vindos!!! Susana Alamy Vero 2005

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

iii

NOTA INTRODUTRIAFalar de psicologia hospitalar remete-me originariamente a pacientes e familiares e por isso no posso absterme de citar Tolstoi, in: Ana Karenina 1 :Todas as famlias felizes se parecem entre si; as infelizes so infelizes cada uma sua maneira.

E dentro desse contexto que se posicionaro os psiclogos hospitalares, quando essa maneira prpria de cada um lidar com o adoecimento e a internao hospitalar se interpuser sua felicidade, sem caber ao psiclogo julgamentos de valores e escalas de gravidade da doena. Ao paciente cabe a avaliao do seu sofrimento e da significao da sua patologia e como os sentem merece o respeito e a solidariedade de todos. Entendo que a psicologia hospitalar vem funcionar como um catalizador do p aciente consigo mesmo, no contexto especfico do adoecimento, quando permite que o paciente e seus familiares encontrem uma maneira satisfatria de continuar a vida, mesmo diante do enfrentamento de percalos e encausos to exaustivamente sofridos. Traz sua contribuio tambm aos profissionais de sade, vializando o espao das emoes to condicionadamente racionalizadas, permitindo assim um atuar mais autntico e menos estressante. A razo de existir da Psicologia Hospitalar? Podemos responder simploria mente com Lo Buscaglia, in: A Histria de Uma Folha 2 :- Uma razo para existir respondeu Daniel. Tornar as coisas mais agradveis para os outros uma razo para existir. (...)

E no me tomem to simplista, pois imperioso o estudo da psicopatologia, da sociologia, da antropologia e de tantas outras cincias, para que nos situemos e tenhamos o cabedal necessrio e indispensvel para o pleno exerccio da nossa profisso, pois- Tudo depende da habilidade e da prudncia com que se fazem as coisas... (Tolstoi, p. 84).

O Editor

1 2

Tolstoi, Leo. Ana Karenina, p. 13. Obra Completa. Jos Aguilar, Rio de Janeiro, 1961. Buscaglia, Lo. A Histria de Uma Folha. Record, Rio de Janeiro So Paulo, 2003.Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

iv

HISTRIA DO PSICPIOPsicpio o nome da presente revista que vem, na realidade, mais uma vez, representar, por meio de um smbolo (e tambm de um significante), o que Susana Alamy buscou ao pensar no significado da psicologia hospitalar, constituindo em um logotipo que acompanha seus trabalhos e, agora, d nome tambm a esta revista, cujo objetivo difundir conhecimento e experincias profissionais no mbito da psicologia hospitalar e da sade. E por detrs deste smbolo est um uma histria que demonstra a fuso de significantes, num almlgama

que capaz de espelhar o smbolo e fazer ressaltar o significado. O smbolo primeiramente foi criado por 1 Susana Alamy e da inspirao de Maria Beatriz Machado Alamy surgiu o nome, proveniente da letra grega psi ( ), que representa a psicologia e do estestocpio (aparelho com o qual se faz a ausculta dos pulmes, coraes), smbolo vinculado medicina. Essa juno conduziu a pensar justamente em psicologia, medicina, pacientes, doena, sade, comportamentos e sentimentos, levando pois a esta unidade que representa a psicologia hospitalar. Afinal: psi mais (estetos)cpio:Psicpio. Instrumento do psiclogo capaz de ascultar a alma. Dessa maneira, que o Psicpio, a partir do seu nascimento, j se figura como um logotipo capaz de exprimir a grandeza desse trabalho, que vem sendo executado ao longo de anos, com a mesma dedicao e afinco. Hoje , o mesmo torna-se nome tambm desta revista e, no esteio de sua trajetria, j se pode vislumbrar um caminho aberto para debates e crescimento profissional. Glenda Rose Gonalves-Chaves E-mail: [email protected]

1

Bacharel em Letras Clssicas, musicista e folclorista.Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

v

O SUJEITO, O DESAMPARO E O ANALISTA* Lucinda Moreira dos Santos Mendona**A LAGOSTA No somos diferentes de um crustceo particularmente duro. A lagosta cresce formando e largando uma srie de cascas duras, protetoras. Cada vez que ela se expande, de dentro para fora, a casca confinante tem de ser mudada. A lagosta fica exposta e vulnervel at que, com o tempo, um novo revestimento vem substituir o antigo. A cada passagem de um estgio de crescimento humano para outro, tambm temos de mudar uma estrutura de proteo. Ficamos expostos e vulnerveis, mas tambm efervescentes e embrinicos novamente, capazes de nos estendermos de modo antes ignorado. Essas mudanas de pele podem durar vrios anos; entretanto, se sairmos, de cada uma dessas passagens, entramos num perodo mais prolongado e mais estvel, no qual podemos esperar relativa tranqilidade e uma sensao de reconquista de equilbrio. Fonte: Passagens de Gail Sheehy Contribuio: Ceclia Caram

melhor, ser escutado e se escutar, sobre algo relacionado a sua vida antes de sua hospitalizao. E de novo ele se sente desamparado, pois no h quem lhe d ouvidos, quem o repare, dando-lhe, assim, amparo. A pessoa internada ou o seu acompanhante no apenas um nmero de leito, uma doena (um CID) ou um mau prognstico, ser humano que deve ser escutado e amparado, ou seja, que necessita da interveno de um terceiro. O analista pode e deve colocar-se no lugar deste Outro. Ele ser capaz de escutar e, principalmente, de fazer com que o sujeito se escute e consiga refletir sobre seu desamparo radical, e, a partir da, fortalecer-se para enfrentar seus problemas e suas angstias, dando-lhes reais significados. Aprendendo assim sobre si mesmo e conseguindo lidar melhor com situaes que podem lhe causar angstias. O DESAMPARO RADICAL NA CONSTITUIO DO SER HUMANO O sujeito, ao nascer, necessita do amparo do outro, ele precisa que o outro cuide dele e quando isto no ocorre, no h como sobreviver. Por isso, pode-se dizer que o indivduo um ser faltante. O desamparo radical faz com que o sujeito busque incessantemente sua satisfao. Atravs desta busca, o sujeito conquistar pequenas satisfaes que o constituir como tal. Inic ialmente o objeto de satisfao do sujeito oferecido pelo Outro, que interpretar, a seu modo, os sinais que o sujeito enviar-lhe. Ser atravs deste terceiro que o sujeito comear a tornar-se humano, reconhecendo suas necessidades, seus desejos e suas demandas, deixando de ser objeto de satisfao do outro.... A incapacidade em que a criana se encontra de satisfazer por si mesma a essas exigncias orgnicas requer e justifica a presena de um outro. Como se d esse cuidado da criana pelo outro? Uma primeira coisa que se deve observar que essas manifestaes corporais tomam imediatamente valor de signos para esse outro, uma vez que ele que alivia e decide compreender que a criana est em estado de necessidade. Dito de outra forma, estas manifestaes corporais s fazem sentido na medida em que o outro lhes atribui um sentido... no existe nenhuma intencionalidade da criana no sentido de mobilizar o estado de seu corpo em manifestaes que teriam valor 6

INTRODUO A internao hospitalar pode levar o sujeito a deparar-se com angstias que antes no eram percebidas e ele se v incapacitado de administrlas. Este encontro com algo que o machuca, que o faz sofrer, na verdade uma conseqncia do desamparo radical, ou seja, algo que vem com o sujeito desde o seu nascimento, mas que s se d conta dele quando algo lhe falta. O desamparo trs consigo vrios sentimentos como os de: solido, invalidez, raiva, tristeza etc. e com isso o paciente se v n ecessitado do acolhimento e da ajuda do outro. comum que estes sentimentos apaream aps uma reflexo sobre vivncias passadas, ainda no cicatrizadas ou no re-experimentadas. E com o aparecimento destes que a necessidade de um acompanhamento profissional do paciente, e, muitas vezes tambm do seu acompanhante, tornase de extrema importncia. preciso que o paciente seja escutado, pois, normalmente, este calado e quieto e, muitas vezes, a equipe que o atende no percebe o seu sofrimento e o v como um timo paciente, pois no reclama das intervenes a submeter-se, dos exames que tem que fazer, enfim, no interroga sobre seu cotidiano no hospital ou at mesmo sobre sua doena. Mas para que fazer estas interrogaes, se, na verdade, o que ele realmente precisa falar, ou

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

de mensagem destinada ao outro.... 1

Esta incompletude do homem que faz com que ele busque, sempre, objetos que possam realizar seus desejos. Mas, sabe-se que esta realizao impossvel de ocorrer, pois, no h objetos reais que o satisfaa. Portanto, a primeira experincia de satisfao do sujeito, nunca mais ser alcanada ou repetida.... graas primeira associao produzida no psiquismo que o reinvestimento da imagem mnsica pela moo pulsional torna-se possvel. O reinvestimento de uma tal imagem um processo dinmico, visto que, por outro lado, pode antecipar a satisfao de um modo alucinatrio. Assim tambm, a essncia do desejo deve ser procurada neste dinamismo. Ele tem por modelo a primeira experincia de satisfao e, para alm desta experincia, permite orientar dinamicamente o sujeito na busca de um objeto suscetvel de proporcionar esta satisfao.2

O desamparo radical est presente durante toda a vida do sujeito, mas pelo fato de este estar sempre procurando objetos que o satisfaa e de contentar-se quando h uma pequena satisfao, faz com que o indivduo trabalhe bem com suas faltas. Mas, quando o sujeito vive alguma experincia que o coloca em estado de choque, como por exemplo, a perda de um amor ou a perda da sade, a presena do desamparo sentida na forma de angstia, com a qual ele, provavelmente, no conseguir lidar, e, mais uma vez ele se v necessitado do auxilio do Outro. , exatamente, neste momento em que o desamparo radical aparece, nesta forma to visvel, que a presena do analista se faz indispensvel. O PAPEL DO ANALISTA FRENTE AO DESAMPARO Como j foi visto, quando o sujeito se v frente a alguma sit uao que o desagrade profundamente, necessariamente, ele precisar de um Outro que ele julga ser capaz de resolver esta situao. E por isso o analista chamado, pois visto como algum que detm a resoluo imediata para angstia vivida neste momento. Quando o sujeito chega at ao analista, ele est atrs de um Outro que seja completo e, por causa disso, que seja capaz de lhe dar todas as respostas que procura, ou seja, que seja colocado no lugar do sujeito suposto saber. Inicialmente o analista deve aceitar este lugar para que ocorra a anlise, pois de extrema importncia que o paciente esteja integrado com o seu tratamento e com o analista. A anlise uma construo que deve ser feita conjuntamente pelo paciente e pelo analista. O primeiro passo desta construo, , exatamente, a transferncia.No comeo da psicanlise a transferncia, nos diz Lacan, e seu piv o sujeito suposto saber. O surgimento do sujeito sob transferncia o que d sinal de entrada em anlise, e esse sujeito vinculado ao saber... A resoluo de se buscar um analista est vinculada hiptese de que h um saber em jogo no sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar.4

Sabe-se que o objeto do desejo, ou objeto a, segundo Lacan, eternamente faltante, sendo este suscetvel de ser preenchido por qualquer outro objeto durante a existncia do sujeito. Por isso, os objetos a serem alcanados variam durante toda a vida e cada pessoa procurar um objeto diferente do da outra, o que prova a particularidade de cada um. Sabe-se que estes objetos no permitem a satisfao plena, pois so objetos d pulso, mas a eles j permitem uma pequena satisfao, fazendo com que o sujeito se contente com este pouco para garantir a sua sobrevivncia. No quer dizer que, ao se contentar com isto, o sujeito pare de procurar outros objetos, pelo contrrio, ele inic iar mais uma busca, novamente. A falta em que o homem est inserido a grande responsvel pela insero deste na linguagem. Esta aparecer quando o outro j no for mais capaz de nomear as necessidades, as demandas e os desejos do sujeito. Mas, mesmo com a introduo da linguagem o sujeito no conseguir nomear precisamente seus desejos e, por causa dessa falha da linguagem, o sujeito continuar sendo um ser da falta.O surgimento do desejo fica, pois, suspenso busca, ao re-encontro da primeira experincia de gozo. Mas j a partir da segunda experincia de satisfao, a criana, tomada no assujeitamento do sentido, intimidada a demandar para fazer ouvir seu desejo. , portanto, conduzida a tentar significar o que deseja.31 2

DOR, 1992. cap. 20, p.144. DOR, 1992. cap. 20, p.141. 3 DOR, 1992. cap. 20, p. 146.

O analista deve ter o enorme cuidado de no tomar para si esta posio de saber, pois ele nada sabe de seu paciente, e, ao colocar-se nesta posio, ele no deixar espao para a falta, pois, estar respondendo s demandas do sujeito.4

QUINET, 1991. cap. I, p. 30

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

7

Se o analista empresta sua pessoa para encarnar esse sujeito suposto saber, ele no deve de maneira alguma identificar-se com essa posio de saber que um erro, uma equivocao... Sua posio, muito mais do que a posio de saber, uma posio de ignorncia, no a simples ignorncia, mas a ignorncia douta. Esse um termo de Nicolau di Cusa (sculo XV) que definido como um saber mais elevado e que consiste em conhecer seus limites. A ignorncia douta um convite no apenas prudncia, mas tambm a humildade; um convite a se precaver contra o que seria a posio de um saber absoluto: contra a posio do analista de aceitar a imputao de saber que o analisante lhe faz. O saber , no entanto, pressuposto funo do analista.5

radical. Durante a minha experincia no Hospital da Baleia tive a oportunidade de presenciar este sofrimento em uma me que acompanhava seu filho de dois anos e que estava com cncer generalizado. Ela estava no hospital h mais ou menos um ms, e seu filho tinha um prognstico muito sombrio. Atendi-a algumas vezes e ela sempre se mostrou aberta aos atendimentos, mas, normalmente, estes giravam em torno da doena e do prognstico de seu filho. Atendimento feito no dia 02/09/2002 - Estava atendendo a uma outra paciente, quando pr. se aproximou e disse que queria muito conversar comigo. Disse-lhe que, assim que acabasse aquele atendimento, eu iria atend-la. - Terminei o atendimento e logo depois me aproximei do leito do filho de pr. e antes mesmo de perguntar-lhe algo ela me disse: - Ontem briguei por sua causa l na oncologia. - Ento lhe perguntei por qu? E ela me respondeu: - Estava com o meu filho l na quimioterapia e tinha uma outra me tambm, ento, chegou uma estagiria da psicologia oferecendo atendimento para esta me e ela no aceitou e falou que psiclogo s quer saber da vida da gente e que por isso no presta. Ento eu lhe falei que no era nada disso, que eles no queriam saber da nossa vida, mas sim nos ajudar a resolver os nossos problemas. Antes mesmo de eu falar qualquer coisa pr. me perguntou: - Lu (era assim que ela me chamava) voc vem aqui para escutar s os problemas relacionados ao hospital ou eu posso lhe contar outros problemas que eu estou passando? Disse-lhe que eu estava ali para escutar aquilo que ela quisesse me falar. Ento ela comeou: - Lu, estou pensando em me separar do meu marido. Ele no ajuda em nada com o nosso filho. No quer saber de pagar as contas l de casa e eu estou pensando em me separar dele, o que voc acha? - Como a relao de vocs? - Ela boa, mas eu no sei se gosto dele, alis, eu sei que eu gosto, mas no sei se eu amo. Alis, eu acho que eu... - Voc acha que voc... - Eu acho que eu no sei amar (alguns segundos de silncio). L em casa eu no aprendi isso. Fui abandonada pelo meu pai quando eu era m uito nova, e, por causa disso, minha me teve que ficar muito tempo ausente trabalhando para nos8

A demanda que o sujeito traz para a anlise no deve ser pega exatamente como ele a coloca. O analista tem o dever de question-la para descobrir o que est por detrs dela. Inicialmente o sujeito quer desvencilhar-se do seu sintoma, mas, o coloca como algo externo a si mesmo e s com o tempo que este conseguir ver que ele o prprio causador de seu sintoma. E isto s ocorrer quando o sujeito perceber que o analista no detm todo o saber e que quem o detm ele mesmo. A frustrao algo que deve estar presente na anlise, pois, ser atravs dela que o sujeito comear a lidar com o no ao seu gozo, e assim passar a conviver com as faltas, suas e dos outros, de uma melhor maneira. Frente ao desamparo radical, o analista deve ser capaz de acolher o sujeito, com toda a sua angstia e fazer com que este consiga falar livremente sobre aquilo que o incomoda, permitindo que o sujei o t elabore seu sofrimento, mas que, mesmo sabendo trabalhar com aquele sofrimento, ele continuar sendo um ser da falta. O DESAMPARO, O ANALISTA E O PACIENTE NO HOSPITAL... No hospital, a questo do desamparo radical est muito presente, pois um lugar onde o sujeito se v freqentemente em situaes que o colocam em xeque. um lugar em que o sofrimento iminente e a angstia aparece a todo instante. A presena do analista no hospital de extrema importncia por causa deste carter de sofrimento que o hospital por si causa. No hospital, o sujeito se volta totalmente para si e esta retrao pode lev-lo a re-experimentar vivncias que lhe causem um certo incmodo, pois o colocar frente a sua falta, frente ao desamparo5

QUINET, 1991. cap. I, p. 31

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

-

-

sustentar, ento eu no aprendi o que amar. Eu amo minha me e meus irmos, mas eu no fao nada para estar com eles, para conviver com eles. Para mim tanto faz se eu os encontro ou no. E foi assim tambm com o meu primeiro marido, eu no o amava, e no fiz nada para que o nosso relacionamento desse certo. E, para falar a verdade, eu no sei nem se eu deixo... Voc no sabe se voc deixa... Na verdade, eu acho que eu no deixo ningum me amar, eu no sei deixar as pessoas me amarem. Sabe Lu, eu tenho medo de comear a amar algum e depois ser abandonada de novo e por isso eu acabo no deixando ningum me amar tambm, pois, assim, eu no sentirei que estou abandonando-as, quando deix-las... Eu estou pensando numa coisa: eu acho que, muitas vezes, sou eu quem abandono as pessoas e no elas que me abandonam. Nossa, como eu falei hoje... voc me fez pensar muita coisa. J que voc pensou muita coisa, eu vou deixar voc pensando mais um pouco e volto aqui quarta-feira. Tudo bem? Tudo. Eu realmente tenho muita coisa para pensar e tomar alguma atitude. At quarta ento!

Esta experincia foi muito rica, pois foi a minha primeira oportunidade de escrever sobre a psicanlise, conseguindo condensar a teoria e a prtica no hospital. Conheci novos conceitos e aperfeioei-me em outros. Consegui alia r uma entrevista com o conceito de desamparo radical, que no conhecia e tive o maior prazer em estud-lo, pois o ser humano s consegue constituir-se como tal sob a presena deste. Atravs deste trabalho cheguei a concluso que o ser humano um ser da falta e que esta, muitas vezes, no percebida por ele, mas quando h algo que o coloque frente ao desamparo radical, alm de o sujeito sentir-se angustiado, ele no consegue lidar com isso, e, necessariamente, precisar do auxlio de uma outra pessoa, de preferncia um profissional da rea psi. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 1. CARAM, Ceclia Andrs. Caderno de Contos. Belo Horizonte: projeto convivendo com arte. 2. DOR, Joel. Introduo leitura de Lacan. 3.ed. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1992. 203p. 3. FRANA, Jnia Lessa. Manual para normalizao de publicaes tcnico-cintificas. 5.ed. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 211p. 4. FREUD, Sigmund. Publicaes prpsicanalticas e esboos indtitos. 2.ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. 441p. 5. QUINET, Antnio. As 4+1 Condies da Anlise. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. 125p. 6. TENDLARZ, Silvia Elena. De que sofrem as crianas? Rio de Janeiro: Sete Letras, 1997. _________________________________________

Aps este atendimento, seu filho teve alta. Encontrei-a um dia, no estacionamento do hospital, e disse-lhe que estaria a sua disposio para atendla, para isso bastava me procurar. Ela no me procurou. Depois de um ms da alta o paciente teve que retornar ao hospital para tomar alguns medicamentos e pr. veio acompanhando-o. Aproximei-me dela e ela mostrou-se receptiva, mas, quando perguntei como estava, ela disse-me que no era para eu ficar brava, mas no queria mais ser atendida. Disse que no estava preparada para se conhecer melhor e que, se ela voltasse outra vez, ento ela me chamaria. A falta na vida dessa paciente algo constante e visvel, o ser abandonada e o abandonar est sempre cercando-a, assim, com a apresentao desta entrevista tive como objetivo mostrar o desamparo radical desta acompanhante frente situao de internao de seu f ilho, que fez com que ela refletisse sobre si mesma e sobre esse sofrimento que carrega desde sua infncia. CONCLUSO Com a realizao deste trabalho tive a oportunidade de aprofundar meus conhecimentos sobre a psicanlise e fazer uma juno desta com a minha prtica no hospital.

* Trabalho apresentado no curso A IntervenoPsicanaltica no Hospital Geral como requisito para a finalizao deste. Orientadora: Maria Helena Librio B. Melo. ** Estagiria de Psicologia no Hospital da Baleia, Fundao Benjamim Guimares Belo Horizonte/MG, 2002. E-mail: [email protected]

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

9

REFLEXES SOBRE A DOR DO PACIENTE INFANTIL ONCOLGICO* Lauren Beltro Gomes**Inerente condio humana, a dor vem acompanhando todo o existir do homem. Tradicionalmente, foi apenas considerada em sua dimenso sensorial sendo os aspectos psicolgicos estudados apenas no sculo XX. Em 1979, a Associao Internacional para o Estudo da Dor (IASP) props uma conceituao para dor que usada at os dias de hoje:A dor uma experincia desagradvel, sensitiva e emocional, associada com leso real ou potencial dos tecidos ou descrita em termos dessa leso. (MERSKEY, apud LOBATO, 1992, p.165)

Mesmo que a dor esteja ancorada em uma experincia sensorial real, a percepo desta sensao e a forma de expresso da dor variam conforme a cultura e conforme a personalidade do indivduo. Sendo assim, possui um carter subjetivo. Os fatores emocionais podem aumentar ou diminuir a experincia da dor. O medo, por exemplo, causa uma contrao, tanto fsica quanto psquic a, que aumenta a sensao dolorosa. O sentir-se abandonado, isolado, ou no compreendido, tambm so fatores que aguam a dor. Quando a dor se torna intolervel, desorganiza o aparelho psquico, afetando a capacidade de desejar e atividade do pensamento. A dor entendida como uma sensao de causas mltiplas, o que dificulta a preciso de sua origem. Segundo GUIMARES (1999), a dor possui determinadas caractersticas que contribuem para a sua particularidade: a localizao, a qualidade, a intensidade, a freqncia, a natureza orgnica ou psicognica (associada ao funcionamento ou momento psicolgico da pessoa), etiologia e durao. No existem medidas objetivas para mensurar a dor, que nos afirmem que uma dor deva doer mais do que a outra e no h relao d ireta entre o tamanho da leso e a intensidade da dor. A funo da dor no organismo a de alert-lo sobre algo que est sendo danoso a ele. Assim, a dor cumpre a funo protetora sendo essencial para a sobrevivncia. Sem ela, o ser humano no tomaria conhecimento dos processos patolgicos aos quais o organismo est suscetvel. No entanto, algumas dores so persistentes, tornando-se crnicas. Assim, a dor torna-se a prpria patologia, um problema a resolver.

As dores podem ser classificadas e categorizadas. A classificao mais amplamente usada a que utiliza a durao da dor como referencial. Segundo GUIMARES (1999), essa classificao considera a dor ao longo de um continuum de durao e inclui dor aguda, crnica e recorrente. A aguda tem durao relativamente curta, de minutos a algumas semanas e decorre de leses teciduais, processos inflamatrios ou molstias. A dor crnica tem uma longa durao, podendo estender-se por meses ou anos. Geralmente acompanhada de alguma doena ou est assoc iada a alguma leso j tratada. A dor recorrente tem caractersticas dos dois tipos citados anteriormente. aguda, por ocorrer em episdios de curta durao, mas tambm crnica, pois se repete ao longo de muito tempo. Ao se pensar no que a dor expressa, SZASZ (apud LOBATO, 1992) coloca que a simbolizao da dor se d em trs nveis:No primeiro ela constitui um sinal registrado pelo ego de que se acha em curso uma ameaa integridade estrutural ou funcional do organismo. Num segundo nvel, ao verificar-se que a experincia pode ser repartida, isto , comunicada a outra pessoa, faz da dor um meio bsico de pedir ajuda. Num terceiro e ltimo plano, a dor no mais denota uma referencia ao corpo, mas pode, isso sim, expressar queixa, ataque, aviso de perda iminente do objeto. Neste ltimo nvel de simbolizao, a dor pode ser utilizada como forma de manipular os outros, ganhar o controle sobre eles, ou ento, j um outro plano, como forma de aliviar a culpa por alguma falta real ou imaginria cometida anteriormente. (Lobato, 1992, p.166)

A criana passa por experincias dolorosas desde o nascimento. Suas vivncias, bem como a observao de pessoas em seu cotidiano, fazem com que ela aprenda a julgar a intensidade da sensao dolorosa. Assim, a percepo da dor pela criana envolve aprendizagem e discriminao e depende do seu nvel de desenvolvimento. Alm disso, o estado emocional da criana constitui-se um relevante influenciador quanto percepo da dor (GUIMARES, 1999). MCGRAFTH (apud GUIMARES, 1999) relata que o recm nascido chora e movimenta-se bastante ao sentir dor. Aos dez meses, a criana, alm de movimentar-se intensamente, passa a tocar no local dolorido e procura o acolhimento materno.

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

10

De dois a seis anos, as crianas definem a dor em termos perceptivos, pois j percebem o mundo de forma concreta, embora dificilmente relacione a dor com sua possvel enfermidade. Com quatro anos, busca fugir e evitar situaes dolorosas e j possui a capacidade de verbalizar a rejeio pelas mesmas. na faixa etria dos sete aos nove que a necessidade de alguns procedimentos dolorosos comea a ser compreendida, quando o conceito de dor pode ser entendido conforme seu estado emocional. O entendimento relacionado aos mecanismos fisiolgicos da dor e da patologia s inic ia-se na adolescncia. Alguns autores propem a incluso da dor do cncer como uma categoria diferente na classificao das dores com vista s especificidades desta doena. Dentre as dores advindas da neoplasia encontram-se a dor da puno lombar, da puno venosa, do mielograma, do desconforto durante e depois da quimioterapia, de ficar sem cabelos ou longe de casa e da famlia. LORDELLO (1999) fala da origem da dor no cncer: D ? or associada ao tumor, provocada por compresso nervosa, infiltrao ou metstase; D ? or decorrente dos procedimentos teraputicos antineoplsicos, como quimioterapia ou radioterapia e dor ps-cirurgia; D ? ores no relacionadas ao cncer ou terapia anticncer, mas coincidentes com a patologia, como dor de cabea ou ferimentos. Sobre as especificidades do cncer infantil, TORRES (1999) comenta:O cncer peditrico requer um tratamento prolongado no tempo, que exige a utilizao de procedimentos mdicos altamente aversivos, os quais, em muitos casos, provocam sensaes dolorosas mais perturbadoras do que a prpria doena. Portanto, ao se falar de dor em oncologia peditrica, necessrio distinguir entre a dor ocasionada pela enfermidade - originria da invaso do tumor - e aquela gerada pelo diagnstico e tratamento dor ps-cirrgica, dor posterior radioterapia, etc. (p.132).

ansiedade e a lidar com a dor. Este processo acontece freqentemente com crianas p ortadoras de doenas crnicas como o caso do cncer, que precisam submeter-se sistematicamente a procedimentos teraputicos invasivos e dolorosos. Segundo GUIMARES (1999),...uma sesso de coleta de sangue para exames, por exemplo, provoca dor aguda de curta durao e tem pouca probabilidade de se tornar um evento estressor. Mas este mesmo procedimento repetido diariamente ou mais de uma vez ao dia, sem treino especial, pode se tornar muito traumtico e estressante para a criana. (p.252).

Ao que se refere a dor advinda da doena, sabese que a invaso direta da medula ssea pelo tumor, por depsitos metastticos ou por clulas leucmicas a causa mais comum de dor em crianas com cncer. Da mesma forma, alguns tumores podem ser inicialmente indolores, passando a doer com a progresso da doena. importante ressaltar, todavia, que, diante da dor e de eventos estressantes, bastante comum a regresso a nveis de desenvolvimento anteriores, fazendo com que a criana utilize mecanismos de defesa que possam auxili -la a controlar a

Segundo MCGRAFTH (apud GUIMARES, 1999), durante procedimentos mdicos desagradveis como a aspiraes de medula ssea, o receio do que est ocorrendo, gerado pelo fato de no se ter controle algum sobre a situao, pode exacerbar a percepo da dor. Utilizando os recursos ldicos, a preparao psicolgica para essas ocasies procura desmistificar as fantasias dos pacientes acerca dos procedimentos, garantindo-lhes, alm de conforto e segurana, um certo controle da situao que os possibilita assumirem uma postura mai ativa frente dor s lidando com ela de forma menos traumtica. A utilizao adequada da orientao antecipatria tem como efeitos principais reduzir a insegurana e a ansiedade derivadas do medo do desconhecido e facilitar a ativao de mecanismos adaptativos da personalidade. Compreender a criana para obter sua colaborao nos procedimentos fundamental. Para tanto, preciso que se mostre criana, utilizando uma linguagem que seja entendida por ela, o que vai de fato acontecer respeitando-a e entendendo seus sentimentos. Portanto, faz-se importante que em todo processo de tratamento, a Psicologia possa atuar no sentido de acolher os sentimentos da criana que sente dor, respeitando-a em sua fase de desenvolvimento. Visto isso, percebe-se a relevncia em se preparar o paciente infantil diante dos procedimentos dolorosos aos quais ser submetido.A familiaridade com a situao potencialmente dolorosa pela compreenso do procedimento, previso dos acontecimentos e relativo controle da situao so facilitadores que reduzem a ansiedade com que a criana antecipa a experincia e minimiza sua percepo de dor. (GUIMARES, 1999, p.256).

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

11

importante que os familiares estejam suficientemente preparados para enfrentar a dor do filho. Os sentimentos demonstrados por eles em relao doena e ao tratamento so sentidos pela criana e exercero grande influncia na maneira como ela vai lidar com a realidade da sua doena. Segundo BERGMANN e ANNA FREUD (1978), havia uma crena de que no se devia falar s crianas dos procedimentos dolorosos ou cirrgicos a que seriam submetidas, pois isto iria excitar suas expectativas receosas, assim como tambm no falar depois de acontecido para que a criana esquecesse mais facilmente. Entretanto, hoje se sabe que este tipo de atitude pode ser profundamente prejudicial e traumtico para o desenvolvimento da criana, pois esta no tem ainda bem estabelecidos os limites entre realidade/fantasia e os seus medos arcaicos e suas ansiedades primitivas juntam-se com os perigos reais e ocultam os verdadeiros fatos, onde os procedimentos so vistos como ataques, castigos e ameaa de castrao. natural e at mesmo esperado a vivncia conflituosa desta situao vivida pela criana. Mas tal conflito pode ser amenizado por informaes dadas dentro de um ambiente que permita o continente de todas as ansiedades e medos decorrentes da dor/tratamento. A criana sente-se reconfortada, segura, menos confusa e mais saudvel enquanto vivncia do seu desenvolvimento emocional e cognitivo quando lhe fornecido um quadro de realidade dos acontecimentos que vive, to honesto e completo conforme ela possa compreender. Suas fantasias, ansiedades e medos no so negados, mas sim acolhidos e aproximados da realidade. REDD ( apud LORDELLO, 1999) coloca q ue, atualmente, o tratamento da dor do cncer tem sido feito segundo uma abordagem biopsicossocial, onde os programas desenvolvidos nos hospitais sugerem intervenes multifacetadas para o controle e manejo da dor. A Organizao Mundial de Sade tem estabelecido, como prioridade no atendimento a pacientes oncolgicos, o alvio da dor. Os pacientes oncolgicos devem ser tratados com frmacos analgsicos e orientao psicolgica para o manejo adequado da dor, objetivando capacitar a criana e a famlia para entender o que est acontecendo e minimizar a dor. A criana costuma ser vista pelo adulto com um ser frgil, que desperta comportamentos protetores e agressivos. Tentado fugir das prprias emoes, o adulto busca meios de diminuir ou de manter sob controle as manifestaes emocionais intensas das crianas, por meio da minimizao ou da negao

dos fatores e/ou dos efeitos desencadeantes da reao de forma a conduz-la para o ideal adulto, principalmente o masculino: o de uma pessoa capaz de controlar os afetos e as manifestaes dolorosas. Pode-se exemplificar esta conduta por afirmaes to corriqueiras do adulto frente s reclamaes da criana como no vai doer nada ou voc j um homenzinho, no pode ter medo. Tais dificuldades em lidar com as manifestaes infantis da dor so sentidas pelos profissionais da rea da sade em geral. O cotidiano de tais profissionais permeado pela preocupao com possveis danos orgnicos secundrios sedao e analgesia e pela concepo de que as crianas no percebem nem registram os estmulos dolorosos na mesma intensidade que os adultos. A experincia da dor, alm de possuir carter nico, complexo e subjetivo sempre expressa, comunicada. As dificuldades do adulto de interpretar sinais infantis so ampliadas se a fluncia verbal da criana for muito pequena. O profissional de sade se v obrigado a deduzir a presena, a durao e a intensidade da dor na criana sendo pertinente aqui nos referirmos ao perigo da dessensibilizao desses profissionais diante do sofrimento do paciente. Entendendo dessa forma, a dor passa a ser assunto para diversos profissionais. Portanto, o atendimento a pacientes que sentem dor deve ser feito por uma equipe multiprofissional. Da mesma forma, inmeras tcnicas vm sendo desenvolvidas para minimizar a dor, incluindo aqui no apenas recursos analgsicos. Assim,...h dores de origem psicolgica para as quais os medicamentos no surtem efeito; a dor pode tornar-se refratria a medicao, ou o organismo pode desenvolver tolerncia e requerer doses gradualmente maiores e mais fortes de analgsicos agressivos como morfina ou codena; o organismo pode apresentar reaes clnicas adversas decorrentes de efeitos secundrios da droga; ou a medicao pode ser ineficaz para aliviar certos tipos de dor como dor fantasma em membros amputados. (GUIMARES, 1999, P.28).

Entretanto, cabe lembrar que grande parte dos profissionais da sade no est preparada para lidar com a dor de seus pacientes. Dessa forma, ocorrem avaliaes inadequadas dos quadros de dor e de suas conseqncias. Pode-se subestimar o sofrimento das crianas, acreditar que a dor necessria para elucidar alguns diagnsticos ou submedicar o paciente infantil com analgsicos, temendo vici -lo. assim que, inmeras vezes, no h um controle satisfatrio da dor.

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

12

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BERGMANN, T.; FREUD, A. A criana, a doena e o hospital. Lisboa Portugal: Moraes, 1978. GUIMARES, S. S. Introduo ao Estudo da Dor. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. So Paulo: Summus, 1999. LOBATO, O. O problema da dor. In: MELLO FILHO, J. Psicossomtica hoje. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1992. LORDELLO, S. R. M. O Profissional de Sade e a Percepo do Cncer Infantil. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. So Paulo: Summus, 1999. TORRES, W. da C. A Criana diante da Morte: desafios. So Paulo: Casa do Psiclogo, 1999. LORDELLO, S. R. M. O Profissional de Sade e a Percepo do Cncer Infantil. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. So Paulo: Summus, 1999. _________________________________________

* Parte do trabalho de concluso de curso (estgio empsicologia clnica). Orientadora: Jadete Rodrigues Gonalves ** Psicloga. CRPSC 04747 E-mail: [email protected]

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

13

DIFERENAS ENTRE O ATENDIMENTO PSICOLGICO EM MEIO HOSPITALAR E EM CONSULTRIO* Vanina Ribeiro**

Nas duas situaes, em meio hospitalar e em consultrio, o psiclogo tem como objectivo escutar os sentimentos, as emoes, isto , o estado interior do sujeito que est diante de si e que desta forma busca alvio para o seu sofrimento. O que as caracteriza, portanto, no o seu objectivo, mas o objecto, ou seja, aquilo que as leva a actuar. Isto, partin do do reducionismo de que, em consultrio no so abordadas, pelo menos, com frequncia, as questes relativas ao processo de adoecer. Desta forma, a psicologia hospitalar intervm na forma do paciente conceber e vivenciar os problemas gerados pela patolo gia orgnica, pela hospitalizao, pelos tratamentos e pela reabilitao. (Alamy, p.15) Poderemos, ento, concluir que o que as diferencia a forma como actuam, uma vez que agem em contextos diferenciados. Assim, relativamente, as diferenas na actuao do psiclogo num contexto hospitalar e num contexto de consultrio basear-nos-emos em trs eixos, por ns definidos: o do sujeito, o do setting e o da iminncia da morte. PRIMEIRO EIXO Neste eixo, abordaremos aqueles que nos parecem ser os principais aspectos que caracterizam os sujeitos e, desta forma, os assuntos abordados nos diferentes contextos. No meio hospitalar estamos diante de um indivduo que se encontra despojado do seu meio familiar, que tem que se adaptar a uma nova rotina diria que lhe imposta (horrio de refeies, de estar com os familiares...); que passa, muitas vezes, a ser um nmero de cama ou um indivduo com tal rgo comprometido; e, ao qual no dada alternativa face as intervenes a que sujeito (at porque estas so, supostamente, para o seu bem). Estamos, deste modo, perante um sujeito que para alm de ter que lidar com as alteraes fsicas da doena, tambm, tem que lidar com as que resultam da insero num meio diferente e, em que a sua identidade pessoal parece ser anulada, ignorando-se os seus direitos e as suas necessidades. Assim, o internamento provoca uma ruptura na trajectria do indivduo (impede-o de trabalhar, de se divertir, tira-o do convvio familiar e dos amigos, isola-o) e, cabe ao psiclogo trabalhar as fantasias,

os medos, as dvidas que da emergem, bem como dar assistncia aos familiares do paciente, que participam do seu adoecer e do seu restabelecimento. Uma vez que, as reaces psicolgicas podem interferir directamente na recuperao do sujeito. Em consultrio, atendemos compreenso dos conflitos (com o mundo, com os outros, consigo prprio) de cada sujeito, que de acordo com a escola psicanaltica resultam de traumas ocorridos ao longo do seu desenvolvimento. No temos, deste modo, presentes, questes orgnicas e uma ameaa clara continuidade da existncia, tal como acontece na psicologia hospitalar. SEGUNDO EIXO Faremos referncia s diferenas existentes ao nvel do setting, entre as duas situaes de atendimento psicolgico. Em consultrio, temos um espao fsico constitudo por uma sala estruturada de modo singular e neutro onde decorrero as sesses entre o sujeito e o psiclogo. H dias, horrios, bem como um tempo de durao definidos, para as sesses. No se prevendo, desta maneira, quaisquer interrupes. O tempo durante o qual durar o tratamento est dependente das situaes em si, sendo definido pela resoluo da problemtica. E, outro aspecto a realar o facto de ser o sujeito a ir ao encontro do psiclogo. ele que, de alguma forma, reconhece a sua necessidade e procura ajuda. No hospital, o sujeito encaminhado pelo mdico e/ou o psiclogo que se dirige s enfermarias e aborda os pacientes detectando, deste modo, aqueles que precisam de apoio psicolgico. Assim, na grande maioria das vezes, o atendimento ocorre na enfermaria (por falta de um espao mais privado), onde esto outros doentes (que com frequncia se mostram curiosos), e onde as interrupes, pelos mais variados motivos, como por exemplo, por parte do pessoal de enfermagem, dos mdicos e at dos familiares, so frequentes. Outra particularidade decorrente da internao em enfermaria que sempre h a presena de enfermeiros, auxiliares de enfermagem, faxineiras, visitas, mdicos, fisioteraputas e outros; sendo que alguns so discretos e no interferem no

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

14

atendimento. No entanto, existe uma curiosidade a respeito do que o psiclogo faz e, muitas vezes, podemos perceber que funcionrios, ou mesmo visitas, ficam rondando o leito do paciente que est sendo atendido, gerando constrangimento e fazendo-o se calar. Neste caso o que podemos fazer pedir que se retirem ou esperar que terminem o trabalho que no pode ser deixado para depois ou que esto executando nossa volta (Alamy, p.62). No devemos esquecer a prpria condio fsica do sujeito, por exemplo, pode estar com dores, sonolento devido medicao, entubado, nas crianas, o soro pode estar colocado na mo direita e, sendo elas destras, no conseguem fazer desenhos, etc. So todos estes aspectos que vo ditar os dias, os horrios e o tempo de durao de cada atendimento. O processo de tratamento est, ainda, condicionado ao tempo de internamento. O que levanta em ns outro cuidado, o de fechar o assunto na respectiva sesso no deixando emergir angstia a ser trabalhada no prximo encontro. Ou seja, ao contrrio do que acontece em consultrio, aqui procuramos resolver na sesso o aspecto que est a ser abordado, pois no h certeza quanto ao tempo que teremos para trabalhar com o paciente as suas questes e, na maioria das vezes, no sabemos se o encontraremos no dia do nosso retorno (Alamy, 2003). Tambm, em meio hospitalar, a nossa abordagem dever ser mais diversificada, pois deparamo-nos com doentes diversificados, quanto s limitaes que lhes so impostas pela doena. E, importante fazermo-nos valer dos mais variados mtodos (por exemplo, cartes com figuras), para comunicarmos com pacientes que esto impossibilitados de faz-lo verbalmente. O conhecimento de tcnicas de relaxamento, tambm ocupa um l gar particular, pois , mais uma forma u de ajudar-mos a minimizar o sofrimento do paciente. TERCEIRO EIXO Neste ltimo eixo, abordaremos a diferena nos atendimentos, quanto presena da morte. Em consultrio, a questo da morte no to iminente como o em contexto hospitalar. Toda a doena uma ameaa vida e, com isso, um aceno para a morte, ou at um primeiro ou um ltimo passo em direco morte (Boss apud Campos, 1995, p.42). Sendo a morte a mais certa de todas possibilidades do ser humano (Boss apud Campos, 1995, p.42). Nascemos com a certeza de que vamos morrer um dia, mas a morte temida e

vista como um tabu, como algo que nem deve ser comentado (Campos, p.64). Para alm disso, tambm existe em ns o sentimentos de que ela s existe para os outros e nas outras famlias, sendo ns e a nossa famlia salvaguardados dessa realidade. S com a morte do meu pai que a morte passou a ser real para mim e tomei clara conscincia da minha finitude e daqueles que amo. Na morte, o que nos assusta, no simplesmente a perda, mas a irreversibilidade de tal perda (Alamy, p.153). No nosso inconsciente, a morte nunca possvel quando de trata de ns mesmo. inconcebvel para o inconsciente imaginar um fim real para a nossa vida na terra e, se a vida tiver um fim, este ser sempre atribudo a uma interveno maligna fora do nosso alcance. Portanto, a morte em si est ligada a um acontecimento medonho, a algo que em si clama por recompensa ou castigo (Kbler-Ross, p.6). Desta forma, acabamos, todos, por sentir necessidade de fugir a essa situao; at que, sem escolha, tenhamos que encar-la. Kbler-Ross (2002), considera que deveramos criar o hbito de pensar na morte e no morrer, de vez em quando, antes que tenhamos de nos defrontar com eles na vida. (p.33) Pois, s encarando a morte com serenidade que poderemos ajudar os nossos pacientes e os seus familiares a lidarem com esse facto. (Kbler-Ross, 2002) Aqueles que tiverem a fora e o amor para ficar ao lado de um paciente moribundo, com o silncio que vai alm das palavra, sabero que tal momento no assustador nem doloroso, mas um cessar em paz do funcionamento do corpo (Kbler-Ross, p.282). Trata -se de um momento em que a nossa presena fsica, emocional e espiritual valem s por si (Kbler-Ross, 2002). CONCLUSO O psiclogo tem uma atuao dentro do hospital, como um profissional da sade, envolvendo o indivduo e as reas social e da sade pblica, buscando sempre o bem estar individual e social, utilizando tambm informaes das reas de Medicina, Enfermagem, Servio Social, Nutrio e outras reas afins (Campos, p.14). Criando, deste modo, condies para que o paciente consiga reflectir sobre o significado do seu adoecer (Campos, p.60). Como elemento integrante de uma equipa multidisciplinar, deve intervir nas situaes relacionadas complexidade dos fatores psquicos que emergem durante o processo de tratamento da

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

15

doena e da internao hospitalar (Alamy, p.19). Dando oportunidade para que o paciente expresse as suas emoes, quer atravs da palavra, da dramatizao, do desenho ou da mmica (Alamy, 2003). Assim, torna-se indispensvel ouvir o apelo e sentir a angstia, para ento poder responder com a ao adequada. (Campos, p.61). E, deste modo, contribuir efectivamente no processo de sua plena reintegrao fsica, psicolgica e socia . (Campos, p.61). Portanto, no meio hospitalar, o psiclogo, acaba por ter um papel muito mais activo, que vai, muitas vezes, alm do apoio psicolgico que prestado em consultr io. Somos, muitas vezes um dos poucos que de entre o corpo clnico, olha para o sujeito como um todo, como uma pessoa e no como uma doena, que fazemos companhia e, que estamos humana e espiritualmente presentes. Pois, h momentos em que no s as palavras so importantes, mas sim a presena real e participativa. A exemplo relatarei uma experincia com um paciente em fase terminal de sua doena, que estando dispenico e com o corpo de enfermagem sua volta, estendia a mo, procurando quem o confortasse naquele momento angustiante : - Dei-lhe a minha mo e assim ermanecemos por longo tempo. Muitas vezes me perguntou se j estava de sada. S me retirei quando chegaram as filhas, que foram chamadas a seu pedido. Mais tarde regressei enfermaria e verifiquei que o Sr. tinha recuperado da crise e se encontrava mais tranquilo. Tambm, foi dada assistncia psicolgica s filhas. Desta forma, o psiclogo, contribui em grande medida para o processo de humanizao do hospital e da sade, permitindo que se veja o paciente como um todo, como uma unidade integrada, nos seus aspectos fsic o, psquico e scio-econmico. Tornase, assim, indispensvel a familiarizao com os fundamentos da sociologia e da antropologia cultural, do uso e significado de estatsticas mdicas e da investigao cientfica de problemas mdicos. Deve entender o significado dos princpios e tcnicas de administrao aplicados sade, ao bem estar da comunidade, havendo necessidade de conhecer a patologia, inclusive (Campos p.65). Portanto, o psiclogo, atuando no hospital, busca a promoo, a preveno, a recuperao do bem-estar do paciente, no seu todo, o que implica que os aspectos fsicos e sociais so considerados em interao contnua na composio do psiquismo desse mesmo paciente (Campos, p.83).

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Alamy, S. (2003). Ensaios de Psicologia: a ausculta da alma. Ed. Autor: Belo Horizonte. Campos, T. C. P. (1995). Psicologia Hospitalar: a actuao do psiclogo em hospitais. EPU: So Paulo. Kbler-Ross, E. (2002). Sobre a Morte e o Morrer: o que os doentes terminais tm para ensinar a mdicos, enfermeiros, religiosos e aos seus prprios parentes. Martins Fontes: So Paulo. _________________________________________

* Este texto, resulta de um processo de reflexo, acercadas diferenas que envolvem o atendimento psicolgico em meio hospitalar e em consultrio, por mim exercidos. ** Psicloga Clnica Angola/frica - Formada em Portugal/Lisboa, pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). Professora de Psicologia no Instituto Superior Privado de Angola. E-mail: [email protected]

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

16

A PRTICA HOSPITALAR COMO A ATUAO DO PSICLOGO?* Susana Alamy**Para falarmos da atuao do psiclogo hospitalar necessrio conhecermos alguns conceitos de psicologia hospitalar. Ento podemos conceitu-la como o ramo da psicologia destinado ao atendimento de pacientes portadores de alguma alterao orgnica/fsica, que seja responsvel pelo desequilbrio em uma das instnci s bio-psicoa social (Alamy, 1991) 1 , bem como uma psicologia dirigida a pacientes internados em hospitais gerais, sem deixar de se estender aos ambulatrios e consultrios, com sua ateno voltada para as questes emergenciais advindas da doena e/ou hospitalizao, do processo do adoecer e do sofrimento causado por estas, visando o minimizar da dor emocional do paciente e da sua famlia (Alamy, 1998) 2 . Temos, ento, a atuao do psiclogo no hospital considerando o ambiente psicolgico, onde o mesmo deve observar os doentes, seus familiares, a atuao das pessoas naquele lugar, informando-se do diagnstico mdico, do prognstico e propedutica, grau de risco de vida, previso do tempo de internao e cuidados especiais requeridos naquele caso, para, ento, planejar seu atendimento psicolgico e suas tcnicas auxiliares, pois, na maioria das vezes, no ser o paciente a chegar no psiclogo, mas o inverso. Para exemplificar podemos imaginar o atendimento de um paciente com insuficincia renal crnica e compar-lo com o atendimento de um paciente oncolgico. Seria possvel atend-los da mesma maneira? Claro que no, pois so patologias diferentes, com estigmas diferentes e conseqncias diferentes na vida do paciente. Cada patologia leva a uma repercusso nica em cada paciente e em cada famlia considerando suas peculiaridades anteriormente existentes. A atuao do psiclogo hospitalar inclui, alm dos seus atendimentos dos pacientes, a burocracia da feitura dos relatrios dos atendimentos, uma vez que somente a partir dos mesmos possvel que se obtenha um feed-back do seu trabalho. Os relatrios devem obedecer tica, sendo absolutamente sigilosos, tcnicos e diferentes do que se poderia escrever em um pronturio mdico. Sua atuao dirigida para os problemas psicoafetivos oriundos da doena e/ou da1

hospitalizao, compreendendo a natureza do sujeito doente, seus desejos, esperanas, medos, aptides, dificuldades e limitaes, seja atravs da observao ou da linguagem verbal e no-verbal. A prtica hospitalar impe-nos alguns cuidados que so fundamentais para um bom atendimento, sendo importante que no confundamos a psicologia hospitalar com a psicologia clnica; portanto, no podemos fazer clnica dentro do hospital. Na psicologia hospitalar estaremos lidando com o tempo de internao do paciente, bem como com sua patologia orgnica e seus efeitos iatrognicos, com questes de ordem prtica, como dificuldades do paciente e da famlia em relao ao sustento da casa, ausncia do trabalho e outros, fatores que no podero ser desconsiderados na prtica hospitalar. A atuao do psic logo hospitalar objetiva dar oportunidade para que o doente expresse suas emoes, descubra a melhor maneira de lidar com as limitaes impostas pela doena/hospitalizao, d significado sua doena dentro do seu contexto de vida e trabalhe suas questes emergenciais, onde os objetivos principais so o reconhecimento do paciente enquanto um todo provido de emoes e sentimentos que interferem em seu comportamento, ajudando-o a tratar/minimizar, o sofrimento provocado pela doena e/ou hospitalizao. _________________________________________* Resumo da aula ministrada no I Encontro de Psicologia da UFSJ (Universidade Federal de So Joo Del Rei), 28/11/2003. ** Psicoterapeuta, psicloga habilitada em psicologia clnica, especialista em psicologia hospitalar, professora de psicologia hospitalar e supervisora de estgios, autora do livro Ensaios de Psicologia Hospitalar (2003). CRPMG 6956. Home page: http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar E-mail da autora: [email protected]

ALAMY, Susana. Ensaios de Psicologia Hospitalar - a ausculta da alma. Belo Horizonte: [s.n.], 2003. p. 18. 2 Ibidem. p. 19. Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

17

UMA EXPERINCIA MALOGRADA DE ATENDIMENTO INFANTIL Priscila Said Saleme*I - INTRODUO Tendo em vista as inmeras publicaes de casos de atendimentos bem-sucedidos, gostaria de, por meio deste, registrar a existncia daqueles que se encontram em seu extremo oposto. Estes deslizes so pouco relatados na literatura, apesar de sua grande importncia, pois tais experincias mal sucedidas no apenas antecedem as demais, como servem de condio fundamental para a sua ocorrncia j que, inevitavelmente, os erros consistem de partes do acerto. Se o erro faz parte do processo, se pode ser analisado de diferentes ngulos, ento no se trata de neg-lo ou justific-lo de maneira complacente, nem de evit-lo por meio de punies, mas de problematiz-lo (grifo meu), transformando-o em uma situao de aprendizagem. O importante sabermos a servio do que est a correo e qual o seu sentido... (Macedo, 1994, p.75). Nesse sentido, gostaria de aproveitar o registro de meus dois primeiros casos de atendimento infantil e transform-los num breve artigo no qual pretendo expor minhas angstias e frustraes sentidas diante de contextos nos quais teoricamente verificaramos a presena de erros. No entanto, se pudermos avaliar tal contedo sob uma perspectiva construtivista, verificaremos a importncia de tais publicaes enquanto registros da construo de um processo pessoal do terapeuta. Afinal, Amatuzzi (2000, p.122) bem esclareceu a importncia do processo pessoal do terapeuta , O que faz um terapeuta? Ele proporciona oportunidade para que restabeleamos o contato perdido com nosso centro pessoal. Mas ele s pode fazer isso a partir de seu prprio centro pessoal. O que nos abre profundamente uma relao verdadeira, de centro a centro, de corao aberto a corao que vai se abrindo (...). O verdadeiro terapeuta uma pessoa treinada para isso, mesmo em situaes onde essa relao, assim to pessoal, fica difcil. A dificuldade em aceitar nossos erros ou incapacidades de escuta torna-se uma justificativa plausvel para compreendermos tamanha escassez de seus relatos, sobretudo por profissionais. Falar da importncia da verdadeira escuta do paciente, sob o mbito terico, algo extremamente distinto de sua execuo, j que, na prtica, o processo de aprendizado parece sofrer um retrocesso. Tudo o que fora aprendido formalmente aparentemente esquecido. E nesse momento de encontro com a realidade sob uma nova ptica, que o psiclogo depara-se com seus limites humanos. Ciente dessa inevitabilidade de dificuldades que perduraro ao longo da prtica de todos os profissionais psiclogos, portanto, que me proponho a registrar minhas dificuldades iniciais, ou melhor, o momento inicial da construo de minha identidade prof issional. Digo dificuldades iniciais por estar ciente de que a cada contato com um paciente, novos desafios havero de surgir. Com essa finalidade, pois, sero relatados dois atendimentos realizados por mim durante um estgio feito em um hospital infantil quando eu ainda cursava o sexto perodo de psicologia. Ambos consistem de bons exemplos em que a escuta tornase impossvel quando a ansiedade encontra-se presente. Fato comum, sobretudo, em atendimentos infantis. Nestes, alm das prprias dificuldades que toda situao de escuta em si oferece, exigido do psiclogo uma habilidade de decodificao de vrias outras linguagens alm da fala. Dentre elas podemos citar os desenhos, brincadeiras, gestos, olhares, alm de uma, em especial, o silncio. Diferentemente dos demais atendimentos, na clnica infantil necessria uma postura mais ativa do profissional. Por meio dessa, possvel que haja uma maior interao com o paciente de modo a facilitar sua expresso. Assim, dificuldades de interao com crianas podem inviabilizar a escuta do que dito por nossos pequenos pacientes. Esse talvez tenha sido o meu caso. 2 - REGISTROS CASO 1 O seguinte caso trata-se de meu primeiro atendimento. Alm da alta ansiedade, foi meu primeiro contato com um paciente. Minha grande inibio diante de crianas consistiu no principal elemento da trama que ser brevemente relatada. Devo frisar que o relatrio original foi conservado. Dessa forma, poderemos observar equvocos no apenas em minha atuao, como tambm em minha prpria avaliao dos fatos naquele momento. Segundo o relatrio da enfermeira, a paciente de quatro anos e oito meses de idade, chegou s 21 horas do dia 29 de janeiro de 2003 em companhia

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

18

da me e da tia. No entanto, por motivos desconhecidos, apenas a segunda permaneceria com a criana. Dois dados foram considerados relevantes na papeleta mdica alm do diagnstico: o fato de a garota encontrar-se chorosa e em soroterapia. Quanto patologia apresentada, assim como a maioria das crianas daquele andar, aquela tinha pneumonia. Minutos depois de chegar enfermaria, observei que uma garota chorava desesperadamente. Tratava-se do momento em que a enfermeira deveria aplicar a injeo no cateter. Logo, nada doeria. A menina, no entanto, gritava e esperneava muito. Apesar de meu receio em atender crianas pequenas, diante da situao de urgncia, vi-me obrigada a fazer alguma coisa. Apresentei-me ao pai da criana e ofereci meu caderno e caneta pequena. Esta logo se prontificou a desenhar. A princpio Joaquina comeou a desenhar um retngulo com uma bola. Nesta, esboou um rosto feliz. Pensei que se tratava do desejo de ir embora do hospital, no entanto, uma interveno do pai desviou o assunto. Indaguei-lhe acerca do desenho e ela respondeu-me que se tratava de uma porta. Questionei a localizao da porta e o pai interviu: da escolinha, filha?. Ela pensou um pouco e concordou. Depois desenhou um X sobre a porta. No momento no pensei na possibilidade de a garota estar discordando do pai e somente perguntei se ela no queria mais voltar l. Respondeu-me negativamente. A partir da, o pai enfatizou algumas vezes que a tiraria da escola j que a garota demonstrava no gostar de l. A menina no respondia. Desenhou quatro bolinhas e afirmou que no era mais uma porta, mas uma janela. Posteriormente, algumas alas foram acrescentadas. Indaguei-lhe sobre o que o desenho havia se transformado. Sacolas, respondeu. Aps pedir-lhe para cont-las e refor-la por t-lo feito corretamente, questionei sua finalidade. Para i r trabalhar (sic). O pai demonstrou-se surpreso e somente nesse momento percebi que ele estava me atrapalhando; induzia constantemente as respostas da garota. Aps alguns instantes, sugeri que ele passeasse um pouco enquanto eu ficava com Joaquina. Esta afirmou que trabalhava na escolinha. Custava a desenvolver o assunto e, com muita dificuldade, me olhava nos olhos. Por instantes suspeitei que havia algo de errado por l. Circulou seu desenho e desenhou uma bolinha na parte inferior do papel. Em seguida, fez o mesmo na superior. O sol faz xixi e coc (sic). Igual a quem?, indaguei. Igual ao sol, uai (sic). Depois fez um X em cada buraco. Aps a sada do pai, acomodei-me na cadeira

em que ele se encontrava e a garota iniciou um novo desenho. Olhou para a televiso e comeou a copi-la. Em seguida, um armrio foi feito por baixo dela. Averigei se havia uma correspondncia com o aparelho do hospital. Indaguei acerca da origem da televiso. Respondeu-me que era de sua casa e que, abaixo dela, havia um guarda-roupa. Posteriormente, fez um retngulo com dois quadradinhos. Disse-me que eram duas televises e traou uma reta ligando-as anterior. Mais uma vez circulou o desenho e acrescentou-lhe um cho. Achei pertinente (agora ciente de que se tratava apenas de meu desejo) perguntar-lhe sobre o cho. Uma resposta mais pertinente ainda foi-me devolvida: O cho para andar, u!. Confesso que a cada desenho procurava por oportunidades para que a criana falasse algo e no me dava conta de que ela j estava me dizendo muito e eu no estava conseguindo escut-la. Ela no me pareceu incomodada com isso, ao contrrio. Acredito que sentiu que eu realmente estava interessada em seus desenhos e lhe dando ateno. Tal aspecto pode ser considerado relevante para o fortalecimento do vnculo estabelecido, o que poder ser confirmado posteriormente. O guarda-roupas e a televiso transformaramse num avio. Um avio que leva a gente at o cu (sic). A garota fez uma analogia entre este veculo e o carro que lhe trouxera ao hospital. Quando repeti o que ela me havia dito, corrigiu -me afirmando que viera de ambulncia e no de carro. Posteriormente mencionou a injeo tomada no momento de sua chegada. Doeu muito (sic). Aproveitei a oportunidade para retomar o assunto da injeo na sonda. Procurei mostrar-lhe que nada doeria espetando-lhe a pele com a unha e depois tocando o cateter. Viu? Aqui (pele) voc sente meu dedo, mas aqui (cateter), no (sic). Demonstrei com a caneta posteriormente. A garota aparentou compreender a diferena, mas continuou ansiosa. Mudou de assunto mais uma vez pedindome que desenhasse uma sombrinha sobre a T.V. para proteger da chuva, disse. Pediu -me para tambm desenhar a chuva. Na terceira folha, vrios elementos foram introduzidos. A criana comeou a falar da nuvem. Pediu -me para desenh-la novamente. Disse-me que esta nos deixa no escuro. Depois acrescentou um sol. Por cima deste, uma enorme boca. Disse ser uma boca m, do BOCUDO. Indaguei quem seria o dono da boca. Afirmou ser do sol. Contoume uma histria sobre o bicho-papo. Este viera noite, quando seu pai no estava presente e colocou uma espada em seu peito. A eu peguei a

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

19

espada dele e esfaqueei ele (sic). Falou-me de seu desejo em dar me e irm uma faca para se protegerem do bicho. Assim como ela prpria pretende adquirir uma. Quando indagada sobre onde o pai estaria, afirmou que tambm lhe daria uma faca para se proteger do bocudo (bicho de boca grande). Olhos grandes que, segundo ela, pertenciam ao bicho-papo. Acrescentou um penico abaixo do sol. Explicou-me que era para ele fazer xixi. Em seguida, desenhou um vaso e o suporte para o penico. Voltou a fazer referncia ao ser assustador por meio de olhos grandes que, segundo ela, pertenciam ao bicho-papo. Mais uma vez citou a histria das facas. Entretanto, 50 minutos j haviam se passado e eu j estava esgotada. Fechei o caderno, encerrando o atendimento. CASO 2 O segundo caso, assim como no anterior, tratase de uma paciente de quatro anos e oito meses de idade. No entanto, a garota parecia estar bem. Como procedimento de rotina, passei pelo leito de modo a averiguar a veracidade daquela boa aparncia. Visto assim, apresentei-me av da criana que logo me informou o desejo da neta. Ela quer voltar para casa agora (sic). Voltei-me, portanto, pequena procurando compreender melhor o que se passava. Esta, sorridente e comunicativa, logo comeou a conversar. Todavia, no conseguia compreend-la. Ela apresentava alguma dificuldade para pronunciar as palavras, parecia ter a lngua presa. Por vrias vezes lhe pedi que repetisse suas frases, o que me fez sentir ainda mais desconfortvel. Diante disso, sugeri que desenhssemos. Ela preferiu desenhar em seu caderno. Em vrias pginas esboou figuras diferentes. No entanto, no conseguia identificar nem as formas, tampouco suas explicaes. medida que o tempo passava, ficava mais ansiosa e escutava menos ainda a garota. Em um dado momento, a ponta de seu lpis quebrou. Era um dos poucos que ainda escrevia. Sua av perguntou-lhe do apontador e a garota disse que aquele havia sumido e ela ia levar couro. Em seguida, completou que gostava de levar couro. Muito assustada com aquela frase, procurei confirmar se havia ouvido direito. A garota indicou que sim e logo mudou de assunto. Ao longo do atendimento continuou a trazer outros contedos que no mais me recordo. No obstante a minha dificuldade em apreender o contedo que ela trazia, fixei-me no fato de ela gostar de levar couro. O que determinou o total fracasso de meu

atendimento. Num dado momento, a garota apresentou-se ansiosa pela espera do pai que lhe visitaria naquela tarde. Retomando o fato inicial do atendimento, apontei a contradio de seu discurso: Mas se voc quer tanto ver o seu pai que vai chegar daqui a pouco, p que falou que queria or tanto ir embora? A garota no respondeu. Sugeri que ela desenhasse em meu caderno. Comeou desenhando alguns crculos. Pedi que me contasse o que estava fazendo. Disse que era o bola 7. Na seqncia delineou um tronco e esboou um rosto. Deduzi que se tratava de uma pessoa gorda. Falou, ento, de um amiguinho na escola. Voltando ao desenho, rabiscou sua parte direita que correspondia ao membro direito da pessoa. Imediatamente fiz uma infeliz interveno: Voc se arranha, Carolina?. Ela olhou-me concordando. Perguntei-lhe a razo e ela me disse que gostava. Lamentavelmente, perceptvel a presena de uma resposta induzida nesse caso, dado o carter da pergunta. Continuou dizendo outras coisas que tive muita dificuldade de compreender. Pareceu-me que ela tambm arranhava as outras pessoas. Insisti em continuar o atendimento, mesmo no compreendendo quase nada. At que seu pai chegou. Quis ficar por algum tempo de modo a esclarecer o que a garota relatara. Observei que ele portava uma aliana e que se referia me da garota enquanto sua esposa. Preocupei-me em esclarecer isso de modo a compreender a dinmica familiar da paciente. Ademais, atentei-me ao comportamento de ambos que expressaram uma grande alegria naquele reencontro. Num dado momento, aps escutar o pai, perguntei se ela gostava tambm de arranhar o pai. Este se demonstrou surpreso e perguntou se ela tinha inventado aquilo. Movimentei a cabea indicando que sim. Somente naquele momento consegui admitir que o atendimento nem sequer havia comeado. Percebi que no havia lhe escutado em nenhum momento. Meu desejo estava constantemente presente, o que pode ser confirmado pela necessidade em compreender a lgica do que estava sendo relatado. 3 - CONCLUSO Um equvoco central presente em qualquer espcie de atendimento consiste na necessidade do psiclogo em compreender o paciente . Tal compreenso , essencialmente, um fator inibitrio da escuta. Durante o atendimento infantil, em que os contedos so pouco expressos por palavras, necessria uma maior ateno a diversos outros detalhes. Aps tais experincias, pude observar que

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

20

a atividade do psiclogo durante o atendimento no consiste numa conduo do contedo a ser abordado. Atentando-nos mais criana, como um todo, possvel perceber que ela livre associa ainda que no apenas por meio da linguagem verbal, o que pode parecer confuso sob um olhar leigo ou desatento. Por outro lado, quando avaliamos o que expresso sob a perspectiva do inconsciente, percebemos que a confuso necessria quando se objetiva uma eficcia no atendimento. A atuao do profissional prescinde, sobretudo, da escuta flutuante. Ao contrrio do que se costuma pensar, na clnica infantil, a agilidade em devolver as questes levantadas e a tentativa de acompanhar um raciocnio extremamente rpido consistem de habilidades dispensveis diante da inexistncia de uma escuta. Numa situao como esta, grandes equvocos acabam ocorrendo de modo a comprometer a atuao de um profissional. Tudo o que se deve buscar num momento de escuta um sentimento essencial de conforto perante aquele que pretende ser escutado, sendo a habilidade de fazer interpretaes algo que requer um grande estudo e reflexo diante daquele caso.. Por vrias vezes questionei se deveria desistir de tais tipos de pacientes concluindo que no conseguiria jamais escut-los. Pensava nisso, sobretudo, por j ter realizado bons atendimentos com adultos. No entanto, percebi que se trata de uma forma no convencional de atendimento, o que requer um intenso aprendizado. Pensando nesse aprendizado, portanto, encerro aqui a primeira etapa do registro de meu processo enquanto terapeuta, na esperana de que outras pessoas se disponham a fazer o mesmo. Digo isso por ter plena conscincia da importncia de que os psiclogos no se envergonhem de seus impasses clnicos, ao contrrio, que os vejam enquanto possibilidades de imensas contribuies e reflexes, sobretudo, quelas pessoas que estejam prestes a lanar-se em suas primeiras experincias. Afinal, a possibilidade de identificar previamente a existncia de dificuldades comuns um importante meio de se evitar uma repetio dos mesmos pelos estagirios atentos. O nico equvoco presente na postura de um psiclogo a incapacidade de compreender suas limitaes ou contra-transferncias1 enquanto possibilidades de crescimento profissional. Por1

sermos pessoas, e nosso instrumento de trabalho consistir de nossa prpria subjetividade, impossvel vislumbrar a possibilidade de padronizao de atendimentos. Ciente de todas as limitaes, no entanto, afirmo com muita alegria que, enquanto meu desejo de escutar ainda estiver presente, persistirei. Afinal, como diria algum que no entende apenas de poesia, mas daquilo que est alm dela:Para entrar em estado de rvore preciso partir de um torpor animal de lagarto s trs horas da tarde, no ms de agosto. Em dois anos a inrcia e o mato vo crescer em nossa boca. Sofreremos alguma decomposio lrica at o mato sair na voz. Hoje eu desenho o cheiro das rvores. (Manuel de Barros; O LIVRO DAS IGNORAS)

4- REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 1 - AMATUZZI, Mauro Martins. Por uma psicologia humana, Campinas: Alnea, 2000. 2 - BARROS, Manoel de. O livro das ignoras. 8.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. 3 - LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, J. B.; LAGACHE, Daniel. Vocabulrio da psicanlise. 4.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2001. 4 - MACEDO, Lino de. Ensaios construtivistas. 4.ed. So Paulo: Casa do Psicologo, 1994. _________________________________________

* Priscila Said Saleme estudante do 6o . perodo depsicologia na UFMG. Na poca em que o artigo foi redigido, ela fazia estgio num hospital infantil sob superviso de Susana Alamy. E-mail: [email protected]

Termo utilizado por Freud para apontar, segundo Laplanche, Pontalis e Lagache (2001), a existncia de Conjunto das reaes inconscientes do analista pessoa do analisando e, mais particularmente, transferncia deste.Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

21

SENTIR NA PELE Michele Costa e Silva*Este artigo tem como finalidade estimular reflexes cerca da psicologia hospitalar no ambiente de CTI (Centro de Tratamento Intensivo). Vm chamar a ateno de todos os profissionais desse setor principalmente no psiclogo hospitalar e toda a equipe multidisciplinar. Fazer com que eles consigam ou no somente centralizar todo o tratamento do paciente exatamente no biolgico (sabe-se que o foco do CTI), no se esquecendo o lado psquico, afetivo e emocional do paciente pois mesmo estando sedado no morreu. Que dem ateno maior, apoio necessrio e assistncia psicolgica a este paciente mas tambm aos seus familiares que se encontram fragilizados com a doena, num cenrio mrbido e cheio de fantasias a respeito do CTI; e l do lado de fora, naquele corredor frio a espera de uma noticia, seja ela qual for, um algo que os tirem da ignorncia com relao ao seu familiar l dentro. Palavras Chave: CTI, Paciente, Famlia, Psiclogo hospitalar, Onipotncia. paciente e sua famlia so privados de afeto, de carinho, do lado psquico de tudo que essencial a um ser humano, para viver alm do lado biolgico, que est bem assistido. Local onde realmente mora a morte ou onde ela ronda. A VIVNCIA No hospital um familiar, no caso, meu pai, e o mdico chega com toda sua frieza e jactncia e me diz: - Seu pai tem que ir para o CTI daqui a alguns minutos e logo o enfermeiro vem busc-lo. E d as costas e sai. O paciente est consciente e escutando tudo o que o mdico est me falando mas no direcionou a fala instante algum a ele. Nesse momento, os familiares desesperam-se, o grau de angstia eleva de maneira sbita. E voc ali, uma profissional de psicologia, que tem como funo minimizar a angustia, a dor e dar suporte principalmente para o paciente e sua famlia. Mas como ser profissional, se na realidade, antes de tudo voc a famlia desse paciente? A famlia todinha com o nvel de stress e um sofrimento indescritvel e verbalmente expressando seus sentimentos: CTI, ele est morrendo, vai morrer. E, nesse caso, voc profissional ou familiar? Ento, eu respirei fundo, peguei a mo dele e fiz meu papel, dei a noticia fazendo com que ele compreendesse o que de fato o CTI, o porque de sua transferncia e estada l, e sem deixar transparecer o meu enorme sofrimento e desespero: Naquela hora, tive que fazer o papel do psiclogo, porque no ambulatrio do hospital no tem este servio e no tinha outro que fizesse; se no fosse eu, ele iria sem saber o que estava acontecendo e com um grau de angustia e medo altssimos. Levantei-me da poltrona sentei na beira da cama e disse-lhe: - Pai, voc vai para o CTI, porque voc no est conseguindo respirar sozinho por enquanto, por isso necessita de aparelhos, o CTI o melhor lugar para voc ter um atendimento especializado. Ento ele verbalizou com dificuldade: Ento estou morrendo. Eu disse-lhe: - CTI significa Centro de Tratamento Intensivo, ou seja, l voc ter uma enfermeira 24 horas para voc, um mdico e toda a aparelhagem necessria. Mas, infelizmente, no posso ficar l com voc. Ele balanou a cabea, estendeu a mo e disse-me com um tom, mais forte que o anterior: ento vamos

CTI CENTRO DE TRATAMENTO INTENSIVO Sabe-se muito bem o significado desta sigla CTI racionalmente temos a certeza que este o local adequado a um paciente que necessita de cuidados especiais, que o foco o paciente biolgico, tendo, 24h. por dia, enfermeira, mdicos e toda uma grande equipe multidisciplinar; atenta a qualquer movimento do paciente; esse que est naquele local e no sabe onde, e o porqu. E o lado emocional desse paciente e principalmente dos seus familiares? O medo, o desespero, as fantasias que se tm em relao ao CTI? Familiares, na maioria das vezes, verbalizam: Se est no CTI no tem mais recurso. exatamente nessa hora que verificamos um buraco, uma falha de milhares de hospitais e de vrios profissionais de psicologia que atuam em hospitais, especificamente em CTI, pois acabam centralizados no biolgico e equiparando, igualando, exatamente, aos mdicos e sua equipe e se esquecem da psicologia, do seu objetivo. CTI, lugar gela do tanto no fsico como no afetivo, ausncia de contato com o mundo, de todos estmulos, do toque, o qual, principalmente, o

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

22

filha. Nesse instante, chega o enfermeiro e diz: Vamos senhor. Sinceramente, acho que consegui fazer meu papel, dei a noticia e consegui diminuir o grau de angustia e ansiedade, mas como filha queria chorar, extravasar meus sentimentos de medo, desespero, insegurana; colocar tudo para fora, como todo ser humano, mas no podia, tinha, com muito carinho, que passar segurana para o papai, essa segurana que ningum da famlia conseguiria por tanto desespero. O enfermeiro diante do leito, eu, de mos dadas com papai, ajudei a coloc-lo na maca e disse: Vamos pai. Meu corao dilacerado, fui ao seu lado, de mos dadas, at a porto do CTI. Chegando na porta, paramos, a disse: - Vai papai, estou aqui com a certeza que estaro fazendo o melhor para voc e estarei aqui te esperando sair, seja o tempo que for. Meu DEUS, uma parte de mim entrou com ele, despedaada. Imediatamente veio a psicloga do CTI explicar-me como era tudo e disse tudo que deveria ter falado para o paciente, ou seja, fez seu papel na hora errada e com a pessoa errada. Quando terminou de falar perguntou-me se eu tinha entendido, disse que sim, ela ainda insistiu duas vezes se eu tinha entendido mesmo (por favor, nunca subestimem a sabedoria do outro). Nesse momento, disse: olha, sou sua colega e sei de tudo que voc esta falando, obrigada. Ela sorriu e disse ento: voc no precisa de mim. Nesse instante, perguntou sobre a minha famlia, eu lhe disse que estavam aguardando no ambulatrio. Ento ela disse que se caso eles precisassem dela para que a procurassem. Essa profissional no teve o tato, a sensibilidade de enxergar que eu estava ali sozinha e que era a famlia do paciente; que estava sentindo tudo e todos tipos de sentimentos misturados como qualquer outra pessoa, naquele corredor frio e impessoal. Na seqncia apareceu o mdico chefe do CTI, com todos aqueles termos tcnicos e com toda a onipotncia. Falou que no poderia dar maiores informaes e que estava fazendo v rios exames nele, que s 21h. haveria o boletim mdico, era para ligar e tomar conhecimento, e isso eram exatamente 15h.25min. A psicloga veio e entregou-me os pertences do papai e despediram-se (mdico e psicloga). Minha vontade era de entrar como uma louca naquele lugar e ver tudo o que estava acontecendo e ficar grudadinha com o papai. Peguei os pertences dele, ainda quentes com o calor do seu corpo, abracei, mas aquele corredor gelado em instantes me tirou o calor do corpo dele, ento, tive certeza que aquele o corredor do inferno.

Sabe-se que o CTI o melhor para o paciente, mas, e para os familiares? Esses, ali, sem informaes, na pura ignorncia do diagnostico do paciente l dentro. Longe, castrado do carinho, do apoio familiar, de tudo que essencial para o restabelecimento do prprio. Fomos para casa com a ignorncia dos acontecimentos. So 21h., hora do boletim mdico. Eu ligo e a telefonista atende, peo para falar no CTI, ela pergunta o nome do paciente, e ela mesma diz: o paciente est gravssimo e estvel, e logo desliga o telefone na minha cara. Deus, que noticia esta, que informao! Que informao essa!? Ao invs de acalmar a famlia, de dar um apoio, eles desesperam-nos ainda mais. Resultado: noite em claro, desesperada e vivendo na terrvel ignorncia. Horrio de visita no CTI, com todas as regras que so necessrias para preservar o paciente. O mdico vem, fala do boletim mdico do dia, mas no te prepara para a entrada no CTI coletivo. Entrei. Eu, uma pessoa que j conhecia um CTI, que tem vivncia em um hospital, mas que nunca teve um familiar l. Anteriormente, disse que o corredor do CTI era o corredor do inferno, mas quando entrei e vi todos aqueles doentes, aparelhos e principalmente o papai inconsciente, contido, amarelo, super magro, cheio de aparelhos; naquele lugar impessoal, tive a certeza que ali o prprio inferno (o inverno gelado). Mesmo que voc consiga pegar na mo do paciente (sabendo que mesmo este no se manifesta por estar sedado, ele est sentindo sua presena familiar, tenho certeza), tem-se a impresso de despedida. E para mim muito clara a enorme importncia da presena da famlia,mesmo que essa famlia sofra essencial para o paciente. E a famlia quando sai do CTI e deixa seu ente querido l? A impresso que se tem que o restante de fora e de esperana ainda existentes so sugadas por uma fora inexplicvel, no s pelo sofrimento do seu familiar, mas pelo lugar, pelo seu sofrimento, o sofrimento dos outros, pela proximidade da morte. Como fica essa famlia, ainda necessitando de um apoio psicolgico, enquanto a psicloga s serviu de dama de companhia? Acredito, respeito e sou uma admiradora amante da psicologia hospitalar, mas ela ainda, em alguns lugares, tem que dar uma ateno maior famlia, nos seus medos, na ignorncia do diagnostico, na frieza dos mdicos e da sua equipe, e, o mais importante, na falta de informao que se tem ou quando se tem incompleta e fria. E, principalmente,

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

23

fazer com que o hospital, ou qualquer outro rgo da rea de sade, reconhea o INDISPENSVEL papel do profissional de psicologia no mbito hospitalar. Temos a cada dia que conquistar efetivamente o nosso espao com a eficincia do nosso trabalho realizado com tica e profissionalismo. PROFISSIONAL/FAMILIAR O psiclogo, aquele que realmente um profissional, em uma situao delicada de CTI, age com prudncia, tranqilidade, firmeza, responsabilidade e realiza seu papel da maneira mais adequada e tica possvel. claro que, s vezes, aparecem alguns sentimentos inexplicveis como: mal-estar, impotncia, tristeza, o envolvimento com o paciente, vontade de chorar e medo da perda. S que ele tem que manter a sua postura profissional, elaborar suas questes diante dos sentimentos proibidos, para r epresentar seu papel de maneira adequada. Mas, e quando esse profissional vive, sente na pele, e do papel do profissional passa a ser o familiar do paciente? O que se espera desse profissional? Todos enxergam-no como uma rocha que consegue segurar a barra tranqilamente, no podendo se dar o luxo de ser um ser humano como outro qualquer. obvio inicialmente, para no decepcionar o outro, e at ns mesmos tentamos ser realmente uma pedra, mas como diz o ditado: gua mole em pedra dura tanto bate at que fura, ento desmoronamos. Alm do sofrimento do familiar, dos medos, da angustia, ns ainda sofremos com criticas do tipo: que profissional esse que no consegue segurar a barra? Ao invs de dar suporte para famlia, ele necessita extremamente da ajuda de um outro profissional da sua rea? Ento, deixo, aqui, uma reflexo a ser feita por ns psiclogos e principalmente hospitalar: somos preparados para proporcionarmos qualidade e dignidade de vida, dar apoio aos pacientes internados e seus familiares e no robs, sem sentimento e envolvimento algum.. E que principalmente podemos, sim, deixar de ser profissional e ser paciente ou familiar de paciente e permitir que cuidem da gente. Finalizo este artigo deixando uma questo: Como fica o paciente e a sua famlia psicologicamente? Paciente e famlia que sentiram na pele uma experincia dessa, como eu vivenciei, que acontece todos os dias nos hospitais e que infelizmente no recebem apoio

psicolgico nenhum??? ________________________________________

* Psicloga clnicaE-mail: [email protected]

Psicpio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Sade. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1.

24

A IMPORTNCIA DA PSICOLOGIA PARA A HUMANIZAO HOSPITALAR* Leida Mirian Hercolano Pinheiro**