Prevenção e Gestão de Conflitos eleitorais na região da...

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V E RI T A S V I T A * * Α UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA RELATÓRIO DA CONFERÊNCIA SOBRE A PREVENÇÃO E GESTÃO DE CONFLITOS ELEITORAIS NA REGIÃO DA SADC Luanda, 26 a 27 de Novembro de 2003

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V ERITAS VITA* *

Α Ω

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA

RELATÓRIO DA CONFERÊNCIA SOBRE

A PREVENÇÃO E GESTÃO DE CONFLITOS ELEITORAIS

NA REGIÃO DA SADC

Luanda, 26 a 27 de Novembro de 2003

RELATÓRIO DA CONFERÊNCIA SOBRE A PREVENÇÃO E GESTÃO DE CONFLITOS ELEITORAIS NA REGIÃO DA SADC, Luanda 26 a 27 de Novembro de 2003

Indice

Página0. Introdução 31. Sessão de Abertura 42.

Desenvolvimento dos Temas 5

2.1 Uma análise dos conflitos eleitorais da SADC 52.2 O quadro constitucional e legal 72.3 O papel dos actores chave na prevenção, gestão e

transformação de conflitos eleitorais

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2.4 Ferramentas e boas práticas na prevenção, gestão e transformação de conflitos eleitorais

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3. Resumo dos debates 233.1 Sessão I: Uma análise dos conflitos eleitorais na

SADC 23

3.2 Sessão II: O quadro constitucional e legal 243.3 Sessão III: O papel dos actores chave na

prevenção, gestão e transformação de conflitos eleitorais

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4. Síntese do andamento do evento 285. Anexos: Palestras 31

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0. Introdução De 26 a 27 de Novembro de 2003 teve lugar em Luanda, no auditório da Universidade Católica de Angola, em Luanda uma Conferência regional sobre a prevenção e gestão de conflitos eleitorais na região da SADC, co-organizada pela Fundação Friedrich Ebert e pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola. Estas duas instituições têm organizado várias actividades sobre o processo da reforma constitucional em Angola e sistemas e processos eleitorais nos últimos anos, ora em conjunto ora em colaboração com outros parceiros. Atendendo ao facto de em Angola virem a ter lugar eleições legislativas e presidenciais, a curto prazo, o objectivo principal desta conferência era de encorajar o debate e o diálogo públicos sobre as razões e as formas de surgimento de conflitos durante processos eleitorais, para em seguida explorar mecanismos para a prevenção, gestão e transformação dos mesmos na base de experiências regionais. De notar que a prevenção de conflitos denomina a identificação de ‘pontos quentes’ antes das eleições dando resposta aos mesmos atempadamente. A gestão de conflitos presupõe que uma situação conflituosa tenha já ocorrido e efectivamente não poderia ter sido evitada logo a partida; subsequentemente ela deve ser gerida de uma maneira construtiva para evitar a sua escalação. A transformação de conflitos significa que as medidas de prevenção não foram suficientes para pôr cobro ao conflito e que as estratégias de gestão ajudam os beligerantes a transformar uma situação conflituosa numa situação de paz duradoura e reconciliação. É óbvio que o contrário de transformação de conflitos é a intensificação ou escalação dos mesmos. No centro das deliberações da conferência estavam portanto os três elementos-chave de respostas a conflitos, i.e. a prevenção, a gestão e a transformação. Os objectivos específicos da conferência foram delineados da seguinte forma:

• Analisar os conflitos eleitorais na região da SADC desde 1990; • Chegar a conclusões e tirar lições sobre mecanismos de gestão de conflitos na

região da SADC; • Sugerir medidas concretas para construir mecanismos institucionais para a

prevenção, gestão e transformação de conflitos para as próximas eleições gerais; • Identificar potenciais nós de estrangulamento ou focos de tensão na fase pré-

eleitoral, nos dias de votação e na fase pós-eleitoral; e • Definir boas práticas no que diz respeito ao código de conduta dos partidos

politicos e outros actors-chave para a gestão de conflitos durante o processo eleitoral em Angola.

Para atingir os objectivos preconizados optou-se por uma metodologia que desse espaço para a introdução de cada tema por um palestrante de um país da SADC e depois fosse comentado e enriquecido por um perito angolano desta área. Assim, foram convidadas diversas personalidades angolanas (deputados e académicos, além de pessoas ligadas a Organizações da Sociedade Civil) e estrangeiros da África do Sul, Moçambqiue, Namíbia, Zâmbia, Zimbabwe e Tanzânia. De entre estas personalidades estrangeiras destacam-se o Presidente do Tribunal Supremo da Tanzânia, o Reitor da Universidade Eduardo Mondlane, e o Director da Faculdade de Direito da Universidade da Namíbia.

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Os blocos temáticos principais tratados na base da apresentação de exemplos concretos dos Países da SADC durante o evento foram os seguintes (veja também a síntese sobre o andamento do evento em anexo):

1. Conflitos eleitorais na Região da SADC; 2. O quadro constitucional e legal; 3. Os diferentes actores na prevenção e gestão de conflitos eleitorais, i.e. as

Comissões e a administração eleitoral, os Partidos políticos, a Sociedade civil e as organizações comunitárias, os media, o sector da segurança e os tribunais;

4. Mecanismos e boas práticas, tais como Códigos de conduta e Paineis de gestão de conflitos.

1. Sessão de Abertura A conferência iniciou-se com a alocução de palavras de boas vindas pelo representante residente da Cooperação Suiça em Angola, o Sr. Jean-Michel Jordan. O Sr. Jean-Michel frisou a importância da realização de uma conferência sobre esta temática numa altura em que Angola tinha alcançado a paz e estava em pleno processo de reconciliação nacional: ‘Depois da assinatura dos acordos do Moxico e consequentemente o concluir do processo de Lusaka, os angolanos têm em mãos uma oportunidade ímpar que é a consolidação da Paz. Assim o investimento em materiais de prevenção e resolução de conflitos deve estar sempre presente para que de uma maneira construtiva e gradual vão se limando as arestas deixadas pelos 30 anos de conflito, para uma era de abertura política e de eleições que esperamos livres e justas.’ A seguir, a Dra. Sabine Fandrych, representante residente da Fundação Friedrich Ebert em Angola tomou a palavra para desejar as boas vindas aos participantes afirmando “que as eleições polarizam o ambiente político e social, visto serem um mecanismo concorrencial que distribui o poder, criando vencedores e vencidos.” Assim, a concorrência política podia criar alguma tensão, principalmente no contexto da consolidação da paz, visto que o processo de transição significa a simultaneidade de dois processos distintos nem sempre convergentes – o processo de paz e o processo democrático. Citando o sociólogo moçambicano Obede Baloi, a Dra. Sabine chamou a atenção para o facto de que a “Pacificação e democratização representam, em certo sentido, forças centrífugas. Enquanto a pacificação requer reconciliação e intensa solidariedade, democratização implica confrontação e competição política.” Segunda ainda a representante da Fundação Friedrich Ebert, era na base deste presuposto, que os organizadores da conferência pretendiam “estimular a reflexão sobre as medidas a tomar com vista a assegurar que as próximas eleições legislativas e presidenciais em Angola contribuam para a consolidação da paz, após um conflito violento que durou cerca de 27 anos, e que findou há sensivelmente um ano e meio.” Era importante encorajar o debate aberto em torno da criação de um ambiente de confiança entre os diferentes intervenientes políticos, sociais e outros para garantir a manutenção da paz, a reconciliação e o desenvolvimento económico. A sessão de abertura foi presidida pelo Reverendíssimo Cardeal Dom Alexandre de Nascimento que no seu discurso frisou a necessidade de os angolanos reflectirem sobre os caminhos da Democracia, defendendo que “a verdadeira democracia nasce, cresce e fortifica-se por meio de convicções fundamentadas, vividas e sofridas.” O Cardeal fez uma apreciação histórica dos diferentes conceitos da democracia ao longo de três milénios, partindo da Democracia em Atenas e passando pela democracia moderna

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instituida nos Estados Unidas da América e na Europa, concluindo que a experiência angolana nesse domínio era curta. Sublinhou o facto de que “da parte do povo anónimo, da multidão, o comportamento foi excepcionalmente exemplar em 1992”, mas que “simplesmente, os que deviam prever o provável não o fizeram”, aludindo ao facto de que se previa uma ameaça séria que era “a existência de mais de um exército em campo”. Portanto, era de agradecer quantos atempadamente se preocupavam e procuravam criar as melhores condições para o próximo pleito eleitoral em Angola. “Sem dúvida que se terá aprendido do passado, de erros nossos e experiências alheias.” Após a abertura oficial da Conferência, o director da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola, Sr. Dr. Adérito Correia, apresentou o programa e os objectivos da conferência. 2. Desenvolvimento dos Temas 2.1. Uma análise dos conflitos eleitorais da SADC Está sessão foi moderada pelo Sr. Dr. Raúl Araújo, Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola. Durante a Primeira Sessão, cujo objectivo específico era abrir o debate descrevendo o contexto regional, fazendo uma análise cuidadosa da natureza e da envergadura dos conflitos eleitorais mais frequentes da região, seguida de uma apreciação da experiência angolana e das potenciais áreas de conflito durante o processo eleitoral, foram proferidas duas palestras:

- A primeira subordinada ao tema “Uma análise dos conflitos eleitorais da SADC” proferida pelo Dr. Lee Habasonda, Director Executivo do Centro da África Austral para a resolução Construtiva de Conflitos, Zâmbia, e

- a segunda Palestra tendo como tema, “A experiência Angolana e potenciais

áreas de conflitos eleitorais”, proferida pelo Reverendo André Kangovi, da Igreja Evangélica de Angola.

Na sua apresentação o Dr. Lee Habasonda indicou alguns conflitos eleitorais e as suas fontes, nomeadamente as seguintes:

- O registo eleitoral: retira o direito de votar a muitos potenciais eleitores devido à fraca capacidade administrativa, falta de transparência e independência dos órgãos supervisores. Por exemplo na Zimbabwe são atribuídos poderes discricionários ao conservador do Registo Civil para decidir quem deve ser registado ou não como eleitor, o que representa um grave retrocesso;

- A estrutura legislativa em que as eleições são realizadas é aplicada de forma viciada e prejudicial;

- Os partidos políticos no poder usam a sua influência para explorar os recursos do Estado em beneficio das suas campanhas eleitorais;

- Comissões eleitorais não independentes e imparciais; - O papel das Forças de segurança e o seu profissionalismo; - A votação, contagem, verificação e resultados; - O papel dos tribunais;

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- O Sistema eleitoral.

A segunda Palestra subordinado ao tema “A experiência Angolana e potenciais áreas de conflitos eleitorais” foi proferida pelo Reverendo André Kangovi, da Igreja Evangélica de Angola. Na sua exposição, o Reverendo Kangove nas notas introdutórias referiu que a Construção da Nação Angolana, é um processo que começou a ser esboçado no passado, pelos ancestrais, e continua, em busca da perfeição. Com base nisso, o reverendo Kangove analisou o passado histórico de Angola na fase pré- independência, nomeadamente a Guerra de resistência e a guerra de libertação. Quanto ao período pós- independência referiu-se à guerra pelo controlo político e à luta pelo poder económico. Posteriormente, analisou a experiência eleitoral de Angola de 1992 para dela extrair as seguintes lições:

- Deve-se realizar eleições sem exércitos rivais, porque em 1992 realizaram-se eleições sem ser concluída a fusão dos dois exércitos e o desarmamento dos excedentes, o que precipitou o processo de retorno à guerra;

- Devemos clarificar a finalidade das eleições, para o povo entender que as eleições têm objectivos que visam resolver problemas concretos, v.g. o desemprego, o saneamento básico, a educação etc.

À guisa de conclusão da sua exposição, o Reverendo Kangovi, realçou a necessidade de trabalharmos muito e juntos com vista a :

- Aprender a criar uma atmosfera amigável, dado que com o fim da guerra e a assinatura dos acordos do Luena, estabeleceram-se as bases para a realização de um trabalho mais profundo de reconciliação nacional, num clima desarmado;

- Aprender a clarificar as nossas percepções; deve haver uma complementaridade entre todos os Angolanos;

- Aprender a analisar as fontes dos conflitos como práticas sociais, ajuda-nos a compreender as reivindicações alheias, e aceitá-las;

- Aprender a desenvolver um poder positivo, mais solidário, inclusivo; - Trabalharmos para um futuro comum; A experiência que Angola tem de

sofrimento justifica que trabalhemos juntos por uma Angola sem guerras, que dialoga, negoceia e constrói a Nação com o sentido de prover para prever.

Durante o debate foram feitas algumas considerações e conclusões sobre as análises apresentadas nesta sessão dedicada aos conflitos eleitorais na região da SADC e em Angola: I - Deve-se ter em conta e conhecer os conflitos eleitorais e as suas fontes que se sintetizam nos seguintes pontos:

1- Necessidade de se fazer o registo eleitoral de forma atempada. 2- As leis não devem ser feitas para afectar os adversários políticos. 3- O registo eleitoral deve ser convenientemente preparado, com a preparação

adequada dos funcionários e tendo em conta as dificuldades dos registos civis das cidades.

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4- Não deve haver uma utilização abusiva nem dos recursos públicos nem dos

meios de comunicação social públicos. 5- As campanhas eleitorais não devem servir para incentivar conflitos e violência

entre oponentes. 6- As forças de segurança não devem intervir no processo eleitoral de forma a

intimidar os concorrentes. 7- Os sistemas eleitorais a serem seguidos não devem ser exclusivos, mas levar a

sistemas consensuais, em que não haja exclusão dos que perdem as eleições. 8- Deve-se assegurar a imparcialidade dos tribunais. II- O processo eleitoral e as eleições devem ter em atenção a situação concreta do país, a construção da nação e a consciência nacional. III- As eleições devem ter como base o amor e a solidariedade entre os cidadãos. Elas devem servir para satisfazer os problemas concretos do cidadão e não apenas os interesses partidários.

2.2. O quadro constitucional e legal Esta sessão foi moderada pelo Sr. Dr. Bernhard Weimer, Chefe da Divisão de Governação da Cooperação Suiça, em Moçambique. O orador principal desta segunda sessão foi o Prof. Manfred Hinz, Director da Faculdade de Direito da Universidade da Namíbia, que dissertou sobre O quadro constitucional, a lei eleitoral e outros regulamentos relacionados a conflitos eleitorais na região da SADC. O professor Hinz apresentou basicamente três fundamentos essenciais para a base democrática dos processos eleitorais: o fundamento constitucional, legal, e societário. Em relação ao primeiro fundamento, o Prof. Hinz defendeu que “primeiro, os parceiros governamentais e não-governamentais precisam de estar de acordo (constitucional ou quasi-constitucional) acerca dos princípios do processo eleitoral como tal, mas também sobre os princípios que regem a ordem política preconizada depois das eleições pretendidas. Segundo, o processo de alcançar tais acordos deve ser regido pelo interesse de alcançar o consenso mais amplo possível, de modo a que os resultados alcançados sejam partilhados por um maior número de indivíduos possível.” Em seguida referiu que a lei eleitoral constituia a base legal mais importante de qualquer processo eleitoral, devendo tratar das seguintes matérias consideradas mais importantes:

• A proclamação das eleições; • O registo de eleitores (incluindo o estabelecimento e manutenção do papel do

eleitor; • O registo dos partidos (incluindo a nomeação dos candidatos); • A determinação dos distritos eleitorais, a criação das assembleias de voto,

incluindo a garantia de acesso às assembleias de voto por pessoas que necessitam de ajuda e a possibilidade de votos especiais;

• Informação do eleitor;

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• Campanha política; • Financiamento para partidos políticos concorrentes; • Os oficiais que devem apoiar na condução do processo eleitoral; • As estruturas que lidam com conflitos e queixas; • Monitoria doméstica e internacional; e • Como lidar com a votação e material de votação.

De forma resumida o palestrante referiu-se aos problemas mais frequentes de cada uma destas áreas. Em relação à informação ao eleitor, o Prof. Hinz frisou que “o baixo nível de escolaridade em muitos dos países da África Austral requer uma atenção especial sobre a informação prestada ao eleitor. Informação com fotografias e símbolos precisam de ser controladas para evitar confusão e má orientação. Isso é importante para a informação prestada pelos partidos, mas também informação oficial, i.e. informação nos documentos eleitorais. Para além disso, a lei eleitoral deve também estabelecer regras para o acesso adequado aos meios de comunicação social controlados pelo estado. Falando sobre as campanhas políticas, o palestrante afirmou que era aconselhável banir discursos que apelem ao ódio, actos de violência e ameaça contra outras opiniões políticas, intimidação eleitoral, através de legislação geral ou especial e formular um código de conduta para regular a campanha política. Defendeu ainda que a monitoria doméstica e observação internacional das eleições era de extrema importância, em particular no que tocava às eleições, que marcam a transição para a democracia, sendo a participação de organizações não governamentais domésticas de particular importância, uma vez que a sua participação no processo eleitoral adicionava uma mais valia à sensibilização pública. Em jeito de conclusão o palestrante referiu a importância do fundamento societal dos processos eleitorais, sem o qual, “a melhor constituição e a melhor lei eleitoral não transmitem o que melhor se espera delas”. O Prof. Hinz explicou esta afirmação, dizendo que a regulamentação legal tem limites, e que a melhor lei não valia quando os recursos financeiros e humanos necessários não estão disponíveis, ou quando continuava somente nos livros: “Permitir a lei de se expandir, deve ser entendido e aceite pelo povo. Permitir a lei de ser conhecida, a lei deve estar disponível na língua que o povo fala. O jargão jurídico dificulta a disponibilidade. Consequentemente, recomenda-se fortemente que se elabore a lei eleitoral numa linguagem compreensível. Aconselha-se a tradução para vernáculos falados no país. (...) Os eleitores devem entender os princípios das eleições democráticas; os partidos devem saber qual o seu papel e função; o pessoal da comissão eleitoral e os oficiais eleitorais nas assembleias de voto devem aprender as suas tarefas, funções, responsabilidades e poderes. Tal formação não será de uma só vez; deve ser contínua. O órgão para coordenação e seguimento desta grandiosa tarefa deve ser a comissão eleitoral.” De acordo com o Moderador da Sessão, os argumentos e exemplos apresentados pelo Prof. Hinz da Namíbia e da África do sul são muito relevantes para Angola, que está num processo de transição, de reforma constitucional ligada ao processo de reforma eleitoral. Nesta perspectiva, os subsídios que o Prof. Hinz apresentou, podem ser considerados relevantes no contexto de Angola.

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A seguir a esta exposição realizou-se um debate em painel sobre O quadro constitucional, a lei eleitoral e outros regulamentos relacionados a conflitos eleitorais em Angola, com a participação dos seguintes deputados membros da comissão constitucional da Assembleia Nacional: Deputado Bornito de Sousa (MPLA) Deputado Abel Chivukuvuku (UNITA) Deputado Lindo Bernardo Tito (PRS) Deputado Benjamin da Silva (FNLA)

A moderação deste debate foi conduzida pelo Dr. Adérito Correia. Cada um dos deputados dissertou durante 15 minutos e das respectivas dissertações resultaram as seguintes conclusões: Em relação aos conflitos eleitorais:

Os conflitos podem surgir em todas as fases do processo eleitoral, nomeadamente a fase pré- eleitoral, a fase eleitoral e a pós- eleitoral. Em relação a esta última, os conflitos surgem sobretudo no apuramento dos resultados e na sua aceitação.

Em relação às possíveis causas de conflitos em Angola, foram basicamente indicadas as seguintes:

a) A deficiente ou injusta estratificação da sociedade e a falta de coesão social. b) O facto de o país atravessar uma tripla transição, de um sistema monopartidário

para um sistema multipartidário, de uma economia planificada para uma economia de mercado, e da guerra para a paz.

c) Reacções a factores sistémicos, tais como o clientelismo, a herança de uma cultura ‘partido-estado’, a ausência de referências positivas eleitorais, a extrema pobreza e a cultura política de ‘tudo ou nada’.

d) Os problemas ligados à ordem de precedências entre as eleições presidenciais e as eleições legislativas, e até autárquicas.

e) As causas determinantes de um conflito podem ser objectivas e subjectivas. As primeiras podem ser de caracter legal derivada da ausência de uma legislação pragmática para que no exercício das poderes não se verifiquem conflitos reais, e de caracter estrutural (excessiva partidarização da administração publica). As segundas estão ligadas ao comportamento humano, à Ética .

Em relação ao Quadro Constitucional: a) O quadro constitucional angolano não é bastante desenvolvido, dado que a

resolução de litigioso eleitorais está omissa em termos constitucionais. b) Só por remissão para a lei eleitoral é que podemos entender o papel do tribunal

Supremo, na veste de Tribunal Constitucional. c) A lei eleitoral supre as insuficiências a nível constitucional através do

estabelecimento de um sistema de Recurso Sucessivo. d) O novo draft constitucional dá um avanço positivo em termos de expansão dos

direitos e garantias dos cidadãos, e que se forem usufruídas pelos cidadãos ajudarão a criar uma base positiva para a realização das futuras eleições.

e) O draft constitucional estabelece um quadro de princípios de direito eleitoral, que permitirão a revisão da actual lei eleitoral

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f) A constituição deve adoptar um sistema eleitoral consensual que deve ter em

conta o sistema de partidos. g) Há uma tendência para se adoptar um sistema de representação proporcional,

que alias é o adoptado pelo draft constitucional.

2.3 O papel dos actores chave na prevenção, gestão e transformação de conflitos eleitorais O papel dos diferentes actores no processo eleitoral foi objecto de análise de três sessões consecutivas. A primeira foi aberta pela intervenção do meritíssimo Juíz Augustino Rhamadhani, do Tribunal de Justiça da Africa Oriental e vice presidente da Comissão Eleitoral do Zanzibar, Tanzânia.

Foi mais uma vez moderador do debate, o Dr. Bernhard Weimer, chefe da Divisão de Governação da Cooperação Suíça em Moçambique, e comentador o Dr. Onofre dos Santos.

Em relação ao papel dos Órgãos de Gestão Eleitoral (OdGE), o juiz Augustino Ramadhani, considerou que os mesmos se tornaram indispensáveis na realização das eleições. Dando exemplos dos órgãos eleitorais na Republica da Tanzânia, o Dr. Ramadhani teceu considerações sobre a composição da Comissão Nacional Eleitoral, como esta é encarada pelos partidos políticos. Quanto à composição, o CNE compõe-se de sete comissários, cujo presidente deve ser o Juiz do Tribunal Supremo ou do tribunal de apelação, nomeados pelo presidente da Republica, para um mandato de cinco anos. Em relação à realização das eleições, estas devem passar pelas seguintes etapas:

- a demarcação dos distritos eleitorais; - a nomeação de oficiais eleitorais; - o registo de eleitorais; - nomeação dos candidatos; - as campanhas; - a constituição das Assembleias de voto, mais precisamente a localização da

mesa de voto e o numero de eleitores em cada assembleia; - o dia das eleições; - a contagem e declaração dos resultados; o período pós eleitoral; a observação

internacional.

Em jeito de conclusão o palestrante considerou que a forma de realização das eleições e a aceitação dos resultados por todos os actores dependem em grande medida do sistema eleitoral e dos Órgãos Eleitorais instituídos. Os órgãos eleitorais desempenham um papel fundamental, desde logo porque há muitas tarefas que lhes são atribuídas legalmente, e outras tarefas que eles devem assumir, não sendo legalmente acauteladas, nem proibidas pela legislação. A educação eleitoral pode ser uma função não atribuída legalmente aos órgãos eleitorais, mas que deve ser sistematicamente assumida pelos mesmos. Acabou dizendo que o princípio fundamental do funcionamento dos órgãos eleitorais era a transparência.

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Relativamente ao papel dos Partidos políticos na prevenção e gestão dos conflitos eleitorais, cujo tema foi abordado pelo Sr. Chibeza Mfuni, Vice-Presidente para Informação do Conselho Nacional Executivo do MMD, da Zambia, resultaram as seguintes observações:

O processo democrático está ligado aos fenómenos históricos, sociais, e culturais, sem os quais este torna-se ilegítimo, e as eleições devem ter em conta estes fenómenos;

Os partidos políticos não devem ser o único meio de participação dos cidadãos no processo de governação;

A soberania é um direito natural dos cidadãos, aos quais a mesma pertence, e não aos partidos políticos;

Os partidos políticos devem servir a população e não constituir um meio de restrição das liberdades socioculturais dos cidadãos;

Os conflitos em África têm a sua origem na reclamação contínua do poder político, motivada pelo poder económico.

Seguiram-se os comentários do Dr. Onofre dos Santos, Director de Eleições em Angola, nas primeiras eleições gerais em 1992. Sobre composição, função e interacção dos Órgãos de Gestão Eleitoral, o comentarista avançou as seguintes observações: Faz-se referência aos dois grandes tipos ou modelos que correspondem ora ao figurino de um órgão colectivo, do tipo Conselho, reunindo um sem número de representantes de formações políticas, ora ao tipo restrito que se ajusta a um pequeno corpo de executivos eleitorais, por regra denominado Comissão. Qualquer destes modelos pode conter nuances importadas de outros, desde a inclusão no Conselho de especialistas e/ou magistrados ou juristas e também personalidades cuja independência é publicamente reconhecida, passando pela presidência obrigatória de um magistrado na Comissão Eleitoral. Outras vezes a forma de fazer o cruzamento dos modelos passa por articular a figura do Conselho com uma Direcção Eleitoral ou um Secretariado Executivo, ou, no caso da Comissão, o de obrigar as suas decisões a passarem pela mera consulta ou até pelo consenso de uma assembleia multipartidária. Qualquer que seja o modelo adoptado e seguido, o papel dos Partidos Políticos e dos Órgãos de Gestão interagem e reciprocamente contribuem para a definição de algumas das suas atribuições no âmbito do processo eleitoral. Desde logo os Órgãos de Gestão Eleitoral são por regra uma emanação da vontade dos Partidos Políticos, seja porque em muitos casos os seus respectivos representantes integram o Órgão Eleitoral, seja porque os seus membros foram indicados e nomeados com o seu acordo. Por outro lado, atendendo às funções que devem ser reconhecidas aos Órgãos de Gestão Eleitoral, quando os representantes dos Partidos Políticos os devam integrar, a sua escolha ou designação não deve corresponder à nomeação de um comissário político mas de alguém que embora de escolha partidária deva ter o perfil e a capacidade profissional, experiência de vida que o torne recomendável para o exercício das referidas funções. As funçoes dos Órgãos de Gestão Eleitoral são fundamentalmente de planificação e orçamentação do processo eleitoral, a sua efectiva organização e execução, incluindo

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as acções de formação e de esclarecimento cívico e eleitoral relacionados com os actos a realizar. Daí que os Partidos Políticos só tenham a ganhar com a nomeação de personalidades que, embora escolhidos de entre os seus membros, estejam identificados com os grandes temas eleitorais e familiarizados com os procedimentos da lei. Quando eventualmente surgem no processo eleitoral problemas ou questões do foro político de nada adianta a Comissão ou o Conselho Eleitoral defender-se, lateralmente, invocando que uma qualquer medida controvertida e agora objecto de polémica foi previamente discutida com os representantes dos partidos Políticos e aprovada consensualmente. Por exemplo o que aconteceu em Angola relativamente à divulgação dos resultados provisórios cujo método e critérios foram longamente discutidos n CNE e aprovado mesmo um Regulamento para a respectiva disseminação dos resultados, o que não obstou a que fosse pedida ao Conselho, logo no início da divulgação dos resultados, a sua imediata suspensão. Este caso foi, talvez, o mais sério e grave dos ocorridos, mas os exemplos poderiam ser muitos e ter a ver com a aprovação de um formato de boletim de voto, os critérios adoptados em casos de desistência de candidatos, que apesar de deliberados consensualmente em Conselho vieram a merecer a discordância e a oposição posterior de partidos ou candidatos representados no Conselho. Decorre também erroneamente do facto da participação dos representantes dos Partidos Políticos na gestão do Órgão Eleitoral o princípio de que os respectivos Partidos estão ao corrente de todas as decisões ou desenvolvimentos do processo eleitoral, o que pode levar o Conselho Eleitoral a sentir-se dispensado de fazer sessões regulares de informação com os Partidos Políticos ao contrário de uma Comissão Eleitoral integrada por especialistas eleitorais que naturalmente sentem essa necessidade de uma forma natural e expontânea. Assim, o princípio de transparência de dentro para fora é por vezes muito mais eficiente do que a transparência de fora para dentro, em que os Órgãos de Gestão Eleitoral se podem converter num instrumento envenenado, na medida em que hospedem representantes partidários que por inabilidade ou qualquer outra razão de falta de comunicação com os seus próprios Partidos não lhes passem em tempo real toda a informação que seria desejável os Partidos tivessem. De acordo com Onofre dos Santos, poderão combinar-se, não apenas modelos, mas métodos de funcionamento de ambos os tipos de Órgãos de Gestão Eleitoral de modo a que a informação devida aos partidos Políticos e aos meios de Comunicação Social seja regularmente transmitida independentemente de fazerem parte do Órgão Eleitoral representantes de ambos os sectores. A melhor forma de prevenção de conflitos eleitorais estará no permanente contacto dos responsáveis eleitorais com os Partidos Políticos e com os media de forma a dar conhecimento de todos os passos dados e a dar, as modalidades de soluções que se apresentem e as razões das opções a tomar. O papel dos partidos políticos na prevenção e gestão de conflitos eleitorais consiste essencialmente na participação no processo eleitoral, através da apresentação das suas candidaturas, no seu empenho na campanha eleitoral e através da mobilização de todos os seus militantes e simpatizantes; na colaboração com o Órgão de Gestão Eleitoral nas acções de esclarecimento cívico e educação eleitoral; e na fiscalização dos actos eleitorais, particularmente da votação e do apuramento dos resultados.

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Muito importante para este efeito será o investimento dos Partidos na formação dos seus quadros e agentes de modo a conferir-lhes a aptidão necessária para exercer não só a função de colaboração com o Órgão de Gestão Eleitoral como igualmente na sua função de fiscalização tanto dos actos de registo eleitoral como das operações eleitorais. Tendo em consideração o número de brigadas de registo que vierem a ser estabelecidas no próximo recenseamento dos eleitores e ao número de mesas de voto que serão implantadas, é preciso que os Partidos Políticos se preparem, com a devida antecedência, para o recrutamento, selecção e a formação de agentes em número suficiente para, pelo menos, efectuarem uma cobertura eficaz das suas áreas geográficas prioritárias. Só com uma base de fiscalização eficiente será possível, legal e praticamente, reclamar ou impugnar um acto de registo ou eleitoral. A percepção sobre a boa ou má transparência do processo e a própria tutela jurisdicional estabelecida na Lei Eleitoral, dependem em grande parte da qualidade e do número dos delegados de lista distribuídos pela generalidade das assembleias de voto. Ligado a este aspecto está a questão do adequado financiamento de todos os Partidos Políticos concorrentes às eleições, visto que, sem meios e atribuídos em tempo útil, não lhe será possível atingir minimamente os objectivos acima indicados relativos a assegurar os seus recursos humanos disponíveis. O Dr. Onófre dos Santos concluiu a sua intervenção dizendo que os Órgãos de Gestão Eleitoral e os Partidos Políticos são dois pilares essenciais para que o processo eleitoral possa gozar da confiança dos eleitores, devendo trabalhar com o mesmo objectivo para que a percepção geral de que os princípios associados às eleições. A imparcialidade e competência técnica que se exige e espera dos Órgãos de Gestão Eleitoral deve ter na liberdade de acção e de fiscalização dos Partidos Políticos o contrabalanço necessário para que a percepção geral deste cruzamento de actuações contribua para a consolidação dos valores democráticos. Pelo contrário, a excessiva governamentalização das instituições eleitorais e a aparente impreparação dos Partidos Políticos para realizar eleições teriam, pela mesma razão, o efeito nefasto da desvalorização das eleições e o inerente adiamento do funcionamento democrático. Na segunda sessão dedicada aos actores no processo eleitoral, que foi presidida pelo General Mário Plácido Cirilo de Sa ‘ITA’, Presidente do Conselho Executivo do Centro de Estudos Estratégicos de Angola (CEEA), os palestrantes debruçaram-se sobre o papel da sociedade civil, das forças de segurança e dos media na prevenção e gestão dos conflitos eleitorais. No que toca ao Papel das Organizações da Sociedade Civil o Dr. Brazão Mazula, Presidente do Centro de Estudos de Desenvolvimento e da Democracia (CEDE) e Reitor da Universidade Eduardo Mondlane, de Moçambique, começou por constatar que a experiência eleitoral em países pós-conflito mostra-nos a dimensão dual das eleições. “Elas tanto podem consolidar a paz e representar uma oportunidade de promover a democracia como podem constituir um momento e um pretexto para reacender ou criar novos conflitos”. Ele referiu que assim não era suficiente votar para se aferir o pleno exercício da cidadania, e não bastava adoptar os mecanismos formais da democracia, o multipartidarismo e as eleições. É necessário, sim, “assegurar uma democracia que se

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concretiza no relacionamento funcional entre o cidadão, as intituições sociais e o Estado”, sendo estes os três sujeitos principais da democracia. O palestrante alertou para o facto de o surgimento de conflitos ser um fenómeno normal em qualquer sociedade. Porém, era importante poder distinguir entre os conflitos positivos e os desestruturantes ( v.g. as guerras ). Nesta óptica, os conflitos são choques que podem ser comparados a geração da energia eléctrica: Quando são positivos ajudam o desenvolvimento, ou seja, criam luz; quando são desestruturantes, há um mau contacto que pode provocar um incêncio. Posto isto, o palestrante baseou a sua intervenção em duas hipóteses: a primeira refere que quanto menos os políticos se fecham em si mesmos, evitando monopolizar a direcção do processo eleitoral, mais se assegura a transparência e a justeza do mesmo processo. A segunda diz-nos que uma postura políticamente activa das organizações da sociedade civil pode reverter o campo político de turbulência, instabilidade e insegurança para um pleito digno que consolide a própria paz e a democracia.

Citando os exemplos concretos de resolução de conflitos em Moçambique, de Chagara e Montepuez, o Dr. Mazula resumidamente chegou às seguintes conclusões durante a sua alocução:

Embora a acção e o papel das organizações da sociedade civil se façam sentir no novo contexto político em Moçambique, elas enfrentam ainda muitos desafios, de certa maneira, compreensíveis em sociedades democráticas em construção. Há que entender desta forma as reticências e, por vezes, as desconfianças dos partidos políticos e do próprio Estado em relação às iniciativas das organizações civis. Mas políticos precisam da sociedade civil e esta, daqueles.

Outro constrangimento é o risco que certas organizações correm de ser utilizadas por grupos de interesses para abraçarem causas ou tolerarem práticas nem sempre benéficas à paz.

As organizações da sociedade civil deverão encontrar formas mais adequadas para evitarem que a sua acção possa servir outros interesses senão a paz e o desenvolvimento do país, sabendo “traduzir os seus objectivos mais amplos” em causa justa da paz e bem-estar social dos cidadãos e garantir desse modo a manutenção do seu estatuto de terceiro sector na sociedade.

O papel das organizações da sociedade civil de lidar com questões eleitorais é muito delicado e exige muita paciência. Torna-se imperioso saber i) lidar de forma igual com todos os candidatos, partidos políticos e sociedade em geral e ii) na sua actuação, explorar e potenciar ao máximo possível as forças ou oportunidades de transparência e reduzir ao mínimo possível as ocasiões (fraquezas) de intransparência18, que possam pôr em perigo a sua seriedade e compromisso com a missão.

O desafio consiste em estabelecer um diálogo sério e uma estratégia de articulação entre a organização da sociedade civil e os vários níveis da organização política. Ora, o campo de intervenção das organizações da sociedade civil nos eventos

18 MAZULA, Brazão. Instrumentos Disponíveis à Comissão Nacional de Eleições para a Gestão de Conflitos e Possíveis

Alternativas. Comunicação apresentada no Seminário co-organizado pela EISA e pelo CEDE, em Maputo, Junho de 2003, p.15.

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eleitorais é muito vasto. A experiência diz-nos ser fundamental recolher e valorizar as boas práticas”, e torná-las em factores reforçadores da democracia e de paz.

O engenheiro Fernando Pacheco, Presidente da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), nos seus comentários à palestra proferida pelo Dr. Brazão Mazula, concordou com as conclusões, acrescendo as seguintes considerações relativamente à situação da sociedade civil angolana: Deve-se ter em conta as preocupações das populações relativamente ao comportamento dos partidos políticos, visto que para certas populações rurais, multipartidarismo e eleições significam apenas guerra e perturbação. É importante reflectir-se sobre o modelo de democracia a adoptar; i.e. a democracia deve assegurar um relacionamento funcional entre o cidadão, as instituições e o Estado. Isto é particularmente verdade em África, onde há ainda uma grande distância entre o Estado e as populações. Para dar o exemplo concreto de Angola, dos 168 municípios, existem apenas 13 tribunais. Sendo assim, actualmente assiste-se a uma patologia da representatividade e da participação. Para suprir as deficiências da democracia representativa faz-se apelo à democracia participativa, na qual as organizações da sociedade civil se enquadram. As organizações da sociedade civil desempenham um importante papel nos processos eleitorais, quer do ponto de vista da educação cívica das populações, quer na monitorização do processos eleitorais, quer ainda na prevenção e gestão dos conflitos eleitorais.

Relativamente às causas do conflito pós-eleitoral em Angola, o engenheiro Pacheco referiu que eram suficientemente conhecidas e se encaixavam perfeitamente no quadro traçado: “polaridade de interesses (o controle pelo poder absoluto do Estado, o acesso às riquezas), a pobreza e a exclusão social, a frustração das elites (a nível material e não material), em termos de interesses e de valores que conformam a privação relativa (diferença entre as aspirações das elites e a capacidade de realização dessas expectativas). Contudo, continuo a pensar que seria importante um estudo mais profundo e sistemático sobre o assunto.” Porém, em 1992 a sociedade civil era quase inexistente, as organizações “não tinham intervenção na sociedade e as poucas existentes eram olhadas com desconfiança pelos dois grandes partidos. Apenas as principais igrejas poderiam ter jogado um papel mais activo, mas isso nem sempre aconteceu. A imparcialidade das organizações internacionais também era posta em causa, embora fosse mais fácil aceitar estrangeiros do que nacionais inseridos de algum modo no “sistema”.” Afirmou, no entanto, que hoje a situação se apresentava completamente diferente. A abertura democrática e a própria guerra permitiram a emergência de uma sociedade civil pluralista, transcultural e intervencionista. Em relação às instituições Estatais, as organizações da sociedade civil posicionam-se de três maneiras diferentes: Umas têm um discurso muito crítico e radical, sendo até assimiláveis pelo governo aos partidos da oposição; outras estão claramente ligadas ao poder e acabam por ser a veia transmissora das políticas públicas; e outras ainda são independentes, desenvolvendo as suas actividades de forma imparcial e independente. Para que as organizações da sociedade civil participem dos processos eleitorais, elas devem construir credibilidade não apenas junto do Estado, mas sobretudo junto às

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populações. Referiu que para além da sociedade civil mais mediatizada estava a nascer em Angola uma nova realidade a nível das comunidades que podia conformar novos espaços de intervenção cívica. Existiam já experiências da criação de fóruns locais de diálogo e concertação entre organizações comunitárias de base (OCB) e as Administrações locais do Estado, para solução dos problemas da população. Essas experiências eram importantes para criar uma sociedade civil a partir da base e para a criação das autarquias locais prevista no draft da constituição, para além da actual lei constitucional.

A seguir o Sr. Wilfried Mhanda, Presidente da Plataforma dos Libertadores do Zimbabwe debruçou-se sobre o tema O papel das forças de segurança na prevenção e gestão de conflitos’. Ao dissertar sobre o tema O Sr. Mhanda, deu alguns exemplos concretos da vida política naquele país, fazendo as seguintes observações:

A democracia é um instrumento que assegura a paz e estabilidade, e que deve defender e representar a vontade da maioria. As forças de segurança devem ser um verdadeiro pilar da democracia através da manutenção da paz e da ordem. Contudo, em países fragilizados, em que a legitimidade dos governantes é questionada, as forças de segurança são normalmente instrumentalizadas para servir os interesses do partido no poder. Exemplo concreto é o Zimbabwe. Neste pais, os órgãos eleitorais integram o gabinete do conservador geral, o director das eleições e a comissão de supervisão eleitoral. No entanto, o órgão encarregue da supervisão e do registo eleitoral e da análise das propostas legislativas ligadas às eleições (a comissão de supervisão eleitoral) estava, nas ultimas eleições, a cargo de um oficial militar, que era também responsável pela administração do exército do Zimbabwe. Nas últimas eleições realizadas no Zimbabwe, as forças de segurança foram utilizadas pelo partido no poder para impedir o registo eleitoral dos simpatizantes dos partidos da oposição; para limitar a liberdade de associação e expressão e até mesmo para fomentar a violência política durante a campanha eleitoral.

Na base desta experiência o palestrante fez as seguintes recomendações:

1. Deve-se democratizar e despartidarizar as instituições do estado; 2. Deve-se construir uma nova ordem política baseada no consenso e harmonia e

que represente os interesses do povos Africanos; 3. A utilização abusiva e inadequada das forças de segurança no interesse dos

lideres políticos e partidos políticos constitui uma fonte de conflitos. O General Mário Plácido Cirilo de Sa ‘ITA’, na sua qualidade de moderador teceu algumas considerações em relação à realidade Angolana:

As forças de segurança têm sofrido grandes alterações desde 1992 com vista a sua adaptação ao momento político actual e a sua total despartidarização;

A fácil integração das antigas forças militares da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) nas Forças Armadas de Angola (FAA) e na Policia Nacional, é uma das provas de que o trabalho de despartidarização destas iniciado há cerca de dez anos tem surtido os efeitos desejados;

Os partidos políticos devem abster-se de influenciar as forças de Segurança, para facilitar a consolidação da democracia;

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À sociedade civil cabe o papel de alertar sobre os perigos da partidarização das

Forças de Segurança; Há a necessidade de uma maior interligação entre a sociedade castrense e a

sociedade civil nas províncias. O tema ‘O Papel dos Mídia na prevenção, gestão e transformação de conflitos eleitorais’ foi apresentado pelo jornalista e director da Panos, o Sr. Dr. Fackson Banda, da Zâmbia. De acordo com o palestrante, os Mídia desempenham um papel fundamental nos processos eleitorais, dado que podem ser tanto uma fonte de conflitos como também uma fonte de resolução dos mesmos. A compreensão do papel dos mídias passa pela definição do conceito de notícia e pela análise da noção de objectividade e neutralidade. De acordo com o palestrante, era importante o jornalista relativar o conceito de objectividade num contexto conflitual, e ficar ‘do lado da paz’ para evitar a escalação do conflito: “Quando uma situação ameaça escalar-se para um número de conflitos violentos - eleitoral, político, constitucional, étnico, etc - penso que o pragmatismo exige que os meios da comunicação social trabalhem activamente para evitar esta escalada. Em tais situações, acredito eu que é moral e profissionalmente justificável para a comunicação social aduzir em sua defesa o que chamarei paradoxo de objectividade-subjectividade. É um paradoxo porque intima os jornalistas a ser, ao mesmo tempo, objectivo e subjectivo. O que significa isto? A comunicação social deve objectiva ou concretamente recolher notícias, mas deve subjectiva ou sensivelmente comunicá-las.” Os mídia podiam actuar como agentes de prevenção e resolução de conflitos através dos seguintes papeis:

“Aumentar a quantidade de comunicação. Isto significa que os meios de comunicação de massa devem prover maior acesso às diferentes partes em conflito para reflectir o volume da diversidade de perspectivas sobre o assunto ou evento de conflito. Isto pode, por sua vez, dar uma oportunidade para a tomada de decisão humana e baseada em factos sobre como solucionar o assunto ou evento de conflito. Quanto mais consegue conhecer sobre o seu "rival", mais percebe que ele/ela é tão humano quanto você.

Aumentar a qualidade da comunicação. Isto significa que os meios de comunicação de massa têm que exercitar as suas habilidades analíticas e têm que usar o seu senso de humanidade na tarefa de informar. Na realidade, o conflito não tem de ser destrutivo. Se gerido adequadamente, pode construir de facto laços e comunicação entre e dentro das comunidades. Por outras palavras: há um sentido real no qual os jornalistas podem gerir conflitos (Baumann & Siebert 1992:23). Isto é um processo que chamo de abordagem crítica-sensível às operações de meios de comunicação de massa. Embora o jornalista tenha de reservar o princípio ético de ser céptico, o jornalista tem de abordar a recolha de notícias e reportação de notícias com um coração humano. Esta abordagem crítica-sensível de cobrir o conflito pode ser resumida da seguinte maneira:

(i) Prestar atenção às causas, ao invés de apenas sintomas, de conflito;

(ii) Engajar as partes em conflito em discussões “baseadas em interesses”, ajudá-las a definir os seus interesses mútuos;

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(iii) Apresentar as percepções e receios das partes em conflito; e (iv) Priorizar o processo relativamente ao resultado, ou prestar mais

atenção aos processos de negociações e como os meios de comunicação social reporta-os em termos das fontes citadas e o que é atribuído a essas fontes (Baumann & Siebert 1992:23).

Prover alerta rápida sobre situações que poderiam conduzir a conflito, bem como alertar os líderes políticos e o público atento sobre oportunidades para aumentar o entendimento e diálogo inter-partes.

Estimular o uso de mecanismos para a resolução de conflito, e prover informação que tende a facilitar estes processos. Como Baumann e Siebert (1992:23) observam, o papel dos jornalistas alinha mais facilmente com o de um facilitador ou mediador que procura levar as partes ao acordo, melhorando as comunicações, interpretando os assuntos, e explorando soluções potenciais. Na realidade, jornalistas, como "intermediários", são menos vinculados por protocolo e os constrangimentos de um processo de negociações oficial. Eles podem assim alargar mais a agenda através da reportagem e sugerir iniciativas construtivas para solucionar o conflito (Baumann & Siebert 1992:23).

Ajudar a criar um clima no qual soluções pacíficas serão mais prováveis de ser obtidas ou aceites.

Mobilizar, ou ajudar a estabelecer contactos entre os que estão interessados em encontrar soluções pacíficas, e ajudar a construir a opinião pública a favor de tais soluções.”

Todos estes papeis levam-nos a concluir que os mídias têm uma função mediadora, totalmente oposta ao chamado ‘jornalismo doutrinário’. No final da sua exposição o Dr. Fakson Banda, deixou à consideração da Assembleia a seguinte questão: Até que ponto é que os meios de comunicação social públicos são independentes do partido no poder? E até que ponto é que os mídias privados são independentes dos interesses comerciais? Em seguida, o jornalista angolano Reginaldo Silva teceu alguns comentários sobre o tema, à luz da realidade angolana. O comentarista começou por dizer, que os jornalistas muitas vezes têm sido o bode expiatório dos males que acontecem. No entanto, era importante que eles obedecessem ao seu código deontológico, à constituição e aos seus princípios democráticos, para se evitarem perversões. Defendeu que os jornalistas devem ser objectivos na recolha de informação e na sua transmissão. Apesar de concordar com o palestrante quando disse que os mídia podem actuar como agentes potenciadores de conflitos ou de prevenção dos mesmos, questionou-se sobre a viabilidade da aplicação do ‘paradoxo de objectividade-subjectividade’, referido pelo palestrante Banda. Referiu ainda, que Angola teve apenas uma experiência eleitoral, o que não permitiu uma boa sistematização do papel dos mídia numa situação de conflito eleitoral. Porém, os mídia não chegaram a estar à altura da cobertura do conflito armado. Assim sendo, deve ser levado a cabo um trabalho de formação dos jornalistas para que na cobertura dos processos eleitorais possam prevenir conflitos. A selecção dos factos a noticiar era um ponto-chave no processo da cobertura eleitoral, visto que o jornalismo não reflecte sempre a realidade na sua totalidade.

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Na sessão a seguir, o meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal Supremo da Tanzânia, Sr. Dr. Barnabas Samatta proferiu a palestra sobre o Papel dos tribunais na prevenção e gestão de conflitos eleitorais. Esta sessão foi moderada por sua Excia. o 2o Vice-Presidente da Assembleia Nacional, o deputado Almerindo Jaka Jamba. Na sua palestra o Dr. Barnabas Samatta ressaltou a importância das eleições num estado democrático, e advertiu para o facto de eleições livres pressuporem a razoabilidade das leis eleitorais, a imparcialidade e independência dos órgãos de gestão eleitoral, o comportamento imparcial dos funcionários da Administração Publica e das Instituições judiciárias durante a eleições e a possibilidade dos candidatos injustiçados procurarem soluções nos tribunais. Frisou que a democracia investe muito no capital humano e permite o melhor exercício das funções dos tribunais de forma independente e imparcial. Sem a independência dos tribunais face ao governo, ao partido no poder e ao povo, a democracia não pode ser preservada. A democracia também estará em perigo, se não houver acesso dos cidadãos aos tribunais. No campo eleitoral era importante o papel dos tribunais na resolução de conflitos eleitorais, sendo uma das tarefas fundamentais dos tribunais a promoção dos valores da democracia e a salvaguarda da justiça social. Era importante haver uma celeridade na resolução dos conflitos eleitorais, visto que a urgência da sua resolução não se compadece com a morosidade dos tribunais, sendo esta também uma fonte de conflitos. Assim, os tribunais deveriam assumir um papel activo na resolução dos conflitos, dado que a passividade dos tribunais é prejudicial à democracia. Os tribunais, para que sejam promotores dos valores democráticos não devem recorrer à um raciocínio demasiado tecnico-legalista, mas sobretudo à razoabilidade. No seu comentário, o Dr. Caetano de Sousa, Vice-Presidente do Tribunal Supremo de Angola reforçou os argumentos do palestrante, dizendo que em Angola, de acordo com a legislação em vigor, os tribunais intervêm em todas as fases do processo eleitoral, isto é, na fase pré-eleitoral, eleitoral e pós-eleitoral. Na fase pré-eleitoral a intervenção dos tribunais ocorre no registo eleitoral, em que pode haver recurso para o Tribunal provincial local em que foi apresentada qualquer reclamação; na fase da votação, quaisquer irregularidades verificadas durante a votação, ou no apuramento parcial ou nacional dos resultados do escrutínio, podem ser impugnadas judicialmente pala via do recurso contencioso. O julgamento destes recursos cabe, em primeira instancia ao Tribunal Supremo, e têm legitimidade para interpo-los os candidatos ou os seus mandatários, no prazo de 48 horas a contar da notificação da decisão do CNE. O Tribunal Supremo também desempenha um papel de carácter administrativo, no registo dos partidos políticos. Quanto a flexibilidade e razoabilidade da lei eleitoral, o Dr. Caetano de Sousa deu o exemplo de 1992 em que a UNITA reclamou os resultados eleitorais, sem contudo estarem reunidos os pressupostos processuais, razão pela qual o Tribunal Supremo optou pela criação de uma comissão do conselho eleitoral ao invés de optar por uma solução estritamente tecnico-legal.

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2.4 Ferramentas e boas práticas na prevenção, gestão e transformação de conflitos eleitorais Esta última sessão da conferência foi moderada pelo Dr. Brazão Mazula, e debruçou-se sobre algumas ferramentas e as boas práticas utilizadas na região da SADC com o objectivo de prevenir, gerir e transformar conflitos eleitorais. O Dr. Max Mmuya, Professor da Universidade de Dar es Salaam e Presidente da Agenda Participação 2000, começou por afirmar que a Agenda 2000, era uma organização que visava a promoção de eleições livres e justas e que nas eleições de 2000 na Tanzânia, a Agenda 2000 interveio no Processo eleitoral como observadores próprios. Para tal, a Agenda 2000 tinha elaborado uma carta de 10 princípios que serviam para aferir se as eleições eram justas ou não. Concluiu dizende que para a elaboração de um projecto como o elaborado pela Agenda 2000, era necessário uma base conceptual, que no caso citado foi a de inclusividade. A Dra. Dren Nupen indicou alguns caminhos a seguir com vista a realização de eleições pacificas na SADC. De acordo com a palestrante, para a condução de um processo eleitoral credível e legítimo é necessário ouvir e captar a voz do povo, bem como produzir um resultado eleitoral aceitável para todo o povo angolano. As eleições por si só não constroem a democracia, mas constituem um pré-requisito para o desenvolvimento democrático, desde que haja vontade política, respeito pelas regras do jogo político e aceitação dos resultados do processo. Para que se efective o processo de construção da nação e a criação de um sentido de patriotismo novo na sociedade é necessário a inclusão dos seguintes valores, que sustentam o quadro legal e constitucional, no projecto constitucional:

a justeza, a inclusão, a simplicidade, a responsabilidade e responsabilização.

A existência destes valores no processo eleitoral e político garantem a paz e estabilidade durante o período pós-eleitoral, mas não garantem por si só a estabilidade política e a transição formal para a democracia. É necessária a criação de instituições que promovem a paz sustentável, e a sua inclusão num quadro legislativo e um horizonte eleitoral que se oponha à fraqueza da estrutura geral da sociedade. Também é fundamental, com vista a criação de um roteiro da paz no percurso para as eleições, ter órgãos de Gestão Eleitoral que tracem as suas estratégias com base em consultas à sociedade civil e aos partidos políticos. Em relação à estratégia para a gestão de conflitos eleitorais, não obstante a literatura que se dedica às eleições apontar quatro abordagens (abordagem do poder; de direitos; a revogação; e a consensual) a Dra. Dren Nupen considera que apenas a abordagem baseada no consenso é a mais adequada à Angola. Esta abordagem forma a base para:

• A criação de Comités de Gestão de Conflitos como o ponto de entrada para gestão e resolução de disputas relacionadas com as eleições (o Tribunal Eleitoral como mecanismo de último recurso);

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• A institucionalização dos Códigos de Conduta para os partidos

políticos e seus apoiantes, as Comissões Eleitorais, Observadores Internacionais e monitores nacionais;

• A criação de Comités de Ligação Multipartidária para desenvolver uma base consensual para quaisquer decisões tomadas pelos Orgãos de Gestão Eleitoral (OdGE) e assegurar que há um acordo entre os mesmos sobre as regras do jogo;

• A criação do Centro de Resultados para pôr à disposição do público os resultados à medida que são recebidos por vários círculos ou circunscrições eleitorais;

• Assembleias de Cidadãos a nível local para dialogar com os OdGE locais sobre as regras do jogo – estes são fóruns consultivos onde os cidadãos são informados acerca do processo eleitoral e assuntos ligados às eleições. Isso também cria uma espaço para o diálogo entre os OdGE e a população eleitora.

A abordagem mais utilizada de gestão e transformação de conflitos eleitorais em alguns países da SADC, de acordo com a Dra. Dren Nupen, tem sido a CRIAÇÃO DE COMITÉS DE GESTÃO DE CONFLITOS COMUNITÁRIOS. Estes são compostos por cidadãos independentes e imparciais bem posicionados nas suas respectivas comunidades. É também importante que as mulheres estejam representadas nesses comités uma vez que elas estão mais perto dos conflitos que ocorrem no terreno. Elas são treinadas como mediadoras em disputas e conflitos que se enquadram no quadro legislativo e regulador eleitoral. As disputas que surgirem fora desse contexto, devem ser referidas aos OdGE que decidirão como devem ser resolvidas e procurarão uma solução através dos Comités de Ligação Muitipartidária ou de mecanismos legais.

Os Comités de Gestão de Conflitos não têm somente a capacidade de resolver conflitos que podem ter um impacto negativo nas eleições locais, recuperando deste modo o processo eleitoral, mas também a capacidade de identificar os conflitos que no seu estágio embrionário podem prejudicar o processo político durante as eleições. A sua contribuição para a manutenção da paz e estabilidade política durante e entre as eleições é imensurável. São de criação flexível e deste modo possíveis de ser criados em áreas relativamente pacificas ou onde as contestações políticas são intensas e há potencial para conflagração política. De modo a assegurar a sua legitimidade e viabilidade, a qualidade e a estatura do pessoal são essenciais e a credibilidade dos OdGE é critica. É também importante que o público tenha conhecimento que as decisões tomadas a nível dos comités são obrigatórias e que qualquer violação do acordo será resolvida pelo OdGE, e como último recurso o Tribunal Eleitoral. A palestrante referiu que era também é importante que as Assembleias de Cidadãos e os Comités de Ligação Multipartidarios tomassem parte nas discussões – acerca da estrutura e pessoal de modo a criar um sentido de ‘apropriação social’ num processo que não tem validade a menos que o seu objectivo seja conhecido e promovido pelos partidos políticos e a Assembleia dos Cidadãos. Em conclusão a Dra Nupem sugeriu que os diferentes mecanismos para a prevenção, gestão e transformação de conflitos eleitorais sejam apenas efectivamente implementados se existir um acordo sobre as regras do jogo. Regras que foram elaboradas nas normas e padrões eleitorais da SADC elaboradas pelas Comissões

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Eleitorais dos países da SADC e pelo Fórum Parlamentar da SADC para os Órgãos de gestão eleitoral e parlamentos. Para que se realizem eleições legítimas em Angola é imperativo que todos os intervenientes no processo aceitem de forma consensual as regras do jogo e o modo da institucionalização da integridade do processo eleitoral como único mecanismo de alternância do poder. O outro comentador, o Dr. Adérito Correia, Director da Faculdade de Direito da UCAN, avançou o seguinte: Em primeiro lugar era necessário divulgar e utilizar o conjunto de normas e padrões para a prevenção de conflitos já existente a nível da Africa Austral, mas que era desconhecido pela grande maioria dos políticos nacionais. Em segundo lugar abordou o binómio consenso-conflito: Defendeu que deveria haver consenso sobre as leis fundamentais da nação, i.e. a constituição e sobre a legislação eleitoral, que definiam as regras da democracia e o princípio da alternância do poder através das eleiões; deveria haver confiança na constituição, de que esta será cumprida e aplicada, para que não surjam muitos conflitos. Por outro lado, era essencial também aceitar-se a conflitualidade inerente ao processo eleitoral. Regra geral, a democracia assenta no princípio de concorrência, sendo a Suiça o único País com uma democracia consensual. Em terceiro lugar frisou a importância da democratização interna dos partidos políticos. Os candidatos para as eleições deveriam ser escolhidos num primeiro processo democrático dentro dos próprios partidos, para em seguida serem apresentados ao voto popular. Por isso era fundamental que o processo de escolha dos candidatos à presidência da Republica e a Assembleia Nacional, não fosse visto como uma questão interna, que apenas diga respeito aos partidos políticos, mas como uma questão nacional. No final, após os breves comentários do Dr. Brazão Mazula, foi proferido o discurso de encerramento da conferência pelo Pe. Dr. José Imbamba, Secretario Geral da Universidade Católica de Angola.

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3. Resumo dos debates 3.1 Sessão I: Uma análise dos conflitos eleitorais na SADC O primeiro interveniente, afirmou ser pessimista quanto à democracia na SADC na medida em que os processos de democratização em África não têm surtido o efeito desejado, por isso como proposta sugeriu a adopção do sistema de colégio presidencial, semelhante ao Sistema Suíço. Outro participante questionou sobre quais as condições necessárias para a realização de eleições em Angola, que actualmente vive uma paz resultante de uma vitória militar e sobre as condições favoráveis para a democratização dos países em vias de desenvolvimento? O terceiro sugeriu a inclusão de um limite circunstancial de revisão constitucional, no sentido de não ser alterada a constituição nos seis meses que antecedem as eleições, para se evitarem conflitos eleitorais derivados das alterações legislativas realizadas com a finalidade de proteger determinados partidos e/ou candidatos. Posteriormente, referiu-se ao principio do secretísmo do voto e a possibilidade de a divulgação dos resultados eleitorais parciais por regiões poderem resultar em possíveis represálias, que as populações locais podem vir a sofrer, apontando o exemplo de Timor-leste. Por ultimo, pediu ao Prof. Lee que se referisse à relação entre o sistema eleitoral e os conflitos eleitorais, dando o exemplo do Lesoto que se deparou com conflitos eleitorais derivados do sistema maioritário. O quarto interveniente afirmou que em quase todos os países africanos, os partidos no poder utilizam os recursos públicos para as suas campanhas eleitorais, e que a maioria das pessoas que fizeram parte das comissões eleitorais em 1992 foram nomeadas pelo partido no poder. Como apreciar estas duas situações enquanto fontes de conflitos eleitorais? Referiu-se ainda aos conflitos eleitorais na fase do apuramento dos resultados e que a lei eleitoral deve ser complementada por um código de conduta contendo um conjunto de sanções. O último participante desta sessão de debate afirmou que os principais conflitos eleitorais derivam da fase preparativa das eleições e para a sua prevenção deve haver um órgão para monitorização das falhas do sistema eleitoral e propor soluções. Depois pediu que o Dr. Lee esclarecesse a relação existente entre o poder, a democracia e as eleições. Face às inquietações dos intervenientes no debate, o Dr. Lee fez as seguintes considerações: Relativamente ao primeiro interveniente o Dr. Lee começou por afirmar que nós em África não temos escassez de ideias, ponto é que se saiba se esta ideia da adopção do sistema suíço tem aplicabilidade em África, tendo em conta as suas particularidades. Para que haja democracia em qualquer lugar é necessário que haja consenso. Quanto às alterações legislativas antes das eleições, Africa não tem escassez de boas leis, os problemas colocam-se na sua aplicabilidade. Julga que a resposta está na repartição e limitação do poder.

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Relativamente à ideia da inclusão de um limite circunstancial de revisão consubstanciado na não alteração da constituição nos seis meses anteriores às eleições, o Dr. Lee disse que essa é uma questão que os Angolanos têm que discutir. De facto o sistema maioritário no Lesoto foi fonte de conflitos eleitorais. Este ano no Lesoto adoptou-se um sistema eleitoral mais inclusivo que evitou muitos conflitos pós-eleitorais. Assim, defendeu a introdução do sistema de representação proporcional ou misto em mais países da região. Quanto a relação democracia – poder – eleições, o Dr. Lee afirmou que as eleições são meios de aquisição do poder pela via pacifica e que a democracia diz respeito à forma como o poder é exercido e partilhado em beneficio de todos. Para que haja democracia é essencial que haja uma partilha do poder, porque se este estiver concentrado numa só pessoa, então estaremos perante uma ditadura. Aos esclarecimentos do Dr.Lee, o Reverendo Kangovi acresceu que, para que se realizem eleições em Angola, é necessário o cumprimento das tarefas constitucionais e sociais necessárias à reconciliação nacional. É fundamental também a criação de um quadro legal que garanta que as futuras eleições sejam livres e participativas, e que crie um mecanismo de resolução dos conflitos que vierem a surgir. Urge ainda proceder-se ao desarmamento da população civil e à eliminação dos traumas das vítimas da guerra. 3.2. Sessão II: O quadro constitucional e legal O primeiro participante deste debate questionou o Prof. Hinz sobre a problemática da fiscalização da constitucionalidade, tendo em conta a experiência Namibiana e Sul Africana. O segundo referiu-se a passagem do Prof Hinz, segundo a qual, nas línguas africanas, a palavra oposição significa inimigo, e quis saber neste contexto quais os meios de superação deste conflito permanente, para que a oposição seja vista como oposição no verdadeiro sentido da palavra. O terceiro interveniente colocou a questão à respeito do papel da observação internacional nos conflitos eleitorais. Outro participante questionou sobre os efeitos da inclusão de uma câmara adicional do parlamento para as autoridades tradicionais na Namibia. O Prof. Hinz teceu algumas considerações às intervenções dos participantes, e acabou por remeter os intervenientes ao texto da sua palestra para obterem mais esclarecimentos prevenindo que a sua apresentação baseou-se numa analise da situação Namibiana no período de Transição e no período pós – independência, e não a situação actual. Após o debate em painel sobre o quadro constitucional e legal para a realização de eleições em Angola, intervieram quatro participantes. As intervenções do participantes cingiram-se, respectivamente, às seguintes preocupações:

- aos meios de prevenção da conflitualidade;

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- ao facto de se tentar condicionar a realização das futuras eleições à aprovação da

futura constituição; - à prevenção de conflitos na fase pré–eleitoral e - com os eventuais abusos do direito de reclamação.

Às inquietações da plateia os oradores responderam que:

- Um dos mecanismos de prevenção de conflitos na fase pré-eleitoral é a observação internacional;

- Tem se condicionado a realização das eleições à reconciliação nacional e não à aprovação da constituição;

- Os aspectos burocrático – administrativos da elaboração da futura lei não podem sobrepor-se as questões de legitimidade dos órgãos do estado;

- o abuso do direito de reclamação é menos grave que o risco da supressão deste direito.

Os painelistas ainda sugiram uma revisão urgente da lei eleitoral. 3.3. Sessão III: O papel dos actores chave na prevenção, gestão e transformação de conflitos eleitorais O papel dos órgãos de gestão eleitoral e o papel dos partidos políticos As três intervenções dos participantes cingiram–se à necessidade de ser limitar o poder dos partidos na nomeação de cargos tecnocratas; ao mecanismo de prestação de contas existentes na Tanzânia relativamente ao financiamento publico para as campanhas eleitorais, e a importância de se educar a população para que se previnam muitos conflitos eleitorais. O Juiz Ramadhani concordou que havia uma enorme necessidade de se educar as populações sobre o processo eleitoral. Explicou que na Tanzânia também existe financiamento aos partidos políticos, mas que o aspecto de prestação de contas era muito débil. O papel das organizações da sociedade civil e o papel das forças de segurança As questões dos participantes centravam-se nas seguintes questões:

- Como equacionar a dicotomia consenso – conflito no processo democrático? - Quais as vantagens e desvantagens de um Governo de unidade nacional vs. a

confrontação partidária? - Qual poderá ser o efeito da realização de eleições autárquicas, no sentido de

permitir uma certa coabitação politica, difundindo assim o potencial de conflitos surgirem?

- Qual foi o papel da sociedade civil na inovação da legislação eleitoral? Outro interveniente defendeu que o único documento angolano não contestado era a lei constitucional vigente. Um dos seus princípios é o princípio da autonomia local. Até hoje não existem autarquias locais, tratando-se de uma clara violação à constituição. Um participante disse que a África não estava preparada para a democracia. Assim sendo continuava a defender a existência de um colégio presidencial à semelhança da Suíça. Outra participante defendeu que a prevenção de conflitos só era possível quando acabasse a mentalidade da exclusão politica.

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A respeito das intervenções o Dr. Mazula teceu os seguintes comentários: Nas línguas africanas não existe a palavra conflito, mas apenas a palavra divergência, oposição. O conceito de ‘consenso’ não queria automaticamente dizer ausência de conflitos, mas sim um diálogo na base do qual se poderia chegar a um compromisso. O consenso, quando ocorrem conflitos desestruturantes, era mais difícil obter. Mas o conflito acaba sempre na base do consenso. O Sr. Fernando Pacheco concordou com o participante que tinha sugerido que a introdução da autonomia local teria uma função essencialmente de difusão de conflito e de coabitação política. Aliás, defendeu que a implantação da democracia em Angola, para ser sustentável e menos polarizada, deveria passar pelas eleições autárquicas. Assim poderia ser construída da base para o topo, e não o inverso, havendo já algumas experiências concretas de participação a nível local em Angola. O papel dos mídia Uma participantes levantou as seguintes inquietações:

- qual o papel dos mídia na educação cívica e eleitoral das populações, visto que no contexto eleitoral, o eleitorado precisa de informação para poder exercer convenientemente a sua escolha?

- Nos países da SADC, assiste-se a uma concentração dos mídia nos grandes centros urbanos, enquanto que grande parte das populações rurais não têm acesso à informação. Qual a experiência da Zâmbia neste Aspecto? E quais as perspectivas para Angola no âmbito da nova lei de impressa?

- Qual a relevância de se aprovar a lei de imprensa antes da realização das eleições?

Outro participante indagou até que ponto os mídia estatais poderiam ser independentes do poder quando antes eram partidarizados, visto que os actuais governos africanos resultam do monopartidarismo? A dra. Dren Nupen defendeu ser essencial, que no período pré- eleitoral, houvesse uma responsabilização dos jornalistas, que divulguem informações susceptíveis de causar conflitos. Perguntou ainda se o Dr. Fackson defendia a existência de um quadro legal que regule a actividade dos jornalistas de rádio, e não apenas um código de conduta?

O Sr. Chibeza Mfuni pediu um esclarecimento sobre a afirmação do palestrante, quando disse que os mídia não deveriam ser objectivos mas subjectivos e sensitivos. Outra participante pediu exemplos sobre o envolvimento dos mídia nos conflitos e duvidou se pudesse haver ‘objectividade’ no verdadeiro sentido da palavra, nos Mídia. Às questões da Plateia, o Dr. Fakson Banda teceu, resumidamente, as seguintes considerações: À respeito do papel dos mídia na educação eleitoral, a resposta não pode deixar de ser positiva. Sobre a situação que as populações rurais que não têm acesso à informação, isto deve-se às dificuldades geográficas e à questões históricas que têm que ver com o facto de tradicionalmente os mídia concentrarem-se nos grandes centros urbanos e serem fundamentalmente utilizados pelas elites políticas, religiosas e até por certas ONGs. A esse respeito deu o exemplo de um projecto da Panos que está a ser implementado em alguns países, e que consiste em gravar as vozes das mulheres rurais

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para posteriormente tais preocupações serem levadas aos decisores políticos, que por sua vez também gravam as suas respostas, que por seu turno serão levadas às populações rurais. O Sr. Reginaldo Silva acrescentou que era importante have uma nova lei de imprensa antes das próximas eleições em Angola, para esclarecer o seu papel. No entanto, era sabido que o ante-projecto da nova lei estava a ser preparado, mas que não sabia quando o mesmo ia ser aprovado. O papel dos tribunais Os intervenientes deste debate colocaram as seguintes perguntas:

- Quem nomeia os juizes do tribunal supremo da Tanzânia? - Sendo os juízes do Tribunal Supremo em Angola nomeados pelo Presidente da

República e sendo este um candidato as eleições presidenciais, estarão os juizes por ele nomeados em condições de actuar respeitando o principio da imparcialidade no caso de haver conflitos eleitorais?

- Se não pode haver paz sem justiça, como poderemos então pensar em amnistia, ou, quando e que se deverá recorrer a amnistia?

- Tendo o Juíz Barnabas ainda afirmado que após os candidatos terem recorrido ao tribunal encontram dificuldades no seu posicionamento perante a sociedade, estará com isso a querer dizer que devem evitar o recurso a este meio?

- No Zimbabwe os tribunais estão praticamente impedidos de resolver com imparcialidade os litígios submetidos a sua jurisdição, tudo pelo facto de o presidente da republica ter atribuído fazendas aos juizes o que é concebido como um acto de corrupção. Será que na Tanzânia e possível o presidente fazer este tipo de concessões?

- Será a aprovação da constituição condição sine qua non para a realização das eleições?

- Na Tanzânia os tribunais têm competência para dirimir os conflitos internos dos partidos políticos?

Às questões dos intervenientes, o Juiz Barnabas respondeu o seguinte: Os juizes do tribunais para a zona de Tanganica são nomeados pelo presidente da Republica, por indicação dos Serviços da Comissão Judicial, que é chefiada pelo Presidente do Tribunal Supremo. Estas nomeações são ratificadas pelo Parlamento. No que diz respeito à amnistia, não compete aos tribunais decidir se deverá ou não haver amnistia, e que havia muitas questões politícas que devem ser tidas em conta. No entanto, visto que a Tanzânia não viveu guerras civis, nunca houve uma necessidade de se decretar uma amnistia. Realçou que um eleitor pode contestar em tribunal o resultado das eleições, também o pode fazer um candidato que não esteja de acordo com o resultado das eleições. No que diz respeito a independência dos juizes, como foi dito na dissertação, a independência dos juizes tem varias facetas, mas o elemento principal para esta questão tem a ver com a independência pessoal do oficial de justiça. Esta exige que o oficial de justiça tenha uma remuneração a altura, de tal forma que não seja influenciado por qualquer tipo de corrupção.

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Os tribunais na Tanzânia não resolvem os conflitos internos dos partidos. A menos que o partido levante esta questão no tribunal. Na Tanzânia há uma individualidade que é oficial dos registos dos partidos políticos e tem a função de encorajar os partidos políticos a exercerem a democracia e no caso de conflitos internos tenta e muitas vezes consegue convencer as partes e resolver os conflitos. Nos casos em que não consegue então remetem a questão ao tribunal. O Dr. Caetano de Sousa acresceu o seguinte em relação à situação de Angola: Os juizes em Angola não são nomeados pelo Presidente da Republica, mas sim pelo Conselho Superior da Magistratura Suprema. O que se passa é que o Presidente da Republica é que os confere a posse. É por esta via que podemos entender que o juiz não depende do presidente da republica. 4. Síntese sobre o andamento do evento LOCAL: Auditório da Universidade Católica de Angola DATA DE REALIZAÇÃO: dias 26 e 27 de Novembro de 2003 9 horas e 5 minutos

- Registo - Palavras de boas vindas aos convidados proferidas pelo Sr. Jean Michel

Jordan, Representante da Cooperação Suíça, e pela Dra. Sabine Fandrych1, Representante Residente da FES Angola.

- Considerações sobre os objectivos e o programa da Conferência feitas pelo prof. Dr. Adérito Correia, Director da Faculdade de Direito da UCAN

09h30 min – 09h45 min - Discurso de Abertura da Conferência2 proferido pelo Cardeal Dom

Alexandre do Nascimento 09h47 min – 10h 20 min - Café SESSÃO I : Conflitos Eleitorais na região da SADC Moderador: Dr. Raul Araújo, bastonário da Ordem dos Advogados de Angola 10h e 20 min-11horas e 18 min

- Uma Análise dos Conflitos Eleitorais na Região da SADC3, Dr. Lee Hambasonda, Director Executivo do Centro da África Austral para a Resolução Construtiva de Conflitos, Zâmbia.

11 e 20 min - 12 e 6 min - A experiência Angolana e potenciais áreas de conflitos eleitorais4,

Reverendo André Kangovi, Pastor Evangélico da Igreja Evangélica Congregacional de Angola

12h e 6 min. – 12h e 10 min. - Considerações do facilitador à respeito das duas palestras5.

12h e 10 min – 12h e 45 min - Debate

12h e 45 min. – Fim da Sessão I

1 Texto em Anexo ( Doc. n.º 1 ) 2 Texto em Anexo ( Doc. n.º 2 ) 3 Texto de Palestra em Anexo ( Doc. n.º 3 ) 4 Texto da Palestra em anexo ( Doc. n.º 4 ) 5 Resumo das duas orações em anexo ( Doc. n.º 5 )

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SESSÃO II : O QUADRO CONSTITUCIONAL E LEGAL Moderador: Dr. Bernhard Weimer, chefe da Divisão de Governação da Cooperação Suíça em Moçambique6 14 h e 44 min – 15h e 25 min.

- O quadro Constitucional, a lei eleitoral e outros regulamentos relacionados a conflitos eleitorais na região da SADC; Dr. Manfred Hinz, director da Faculdade de Direito da Universidade da Namíbia

15h e 25m – 15h e 36 min: Debate. 15 e 40 min – 16h e 43 min.

- Debate em Painel: O quadro Constitucional, a lei eleitoral e outros regulamentos relacionados a conflitos eleitorais em Angola7

Moderador: Dr. Adérito Correia, Director da Faculdade de Direito da UCAN. Deputado Bornito de Sousa ( MPLA ) Deputado Abel Chivukuvuku ( UNITA ) Deputado Lindo Bernardo Tito ( PRS ) Deputado Benjamim da Silva ( FNLA) 16h e 43 min – 17h e 50 min: Café SESSÃO III: O PAPEL DOS ACTORES-CHAVE NA PREVENÇÃO, GESTÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CONFLITOS ELEITORAIS. Moderador: Dr. Bernhard Weimer, chefe da Divisão de Governação da Cooperação Suíça em Moçambique. 18h e 3 min. – 18h e 27 min.

- O Papel dos Órgãos de Gestão Eleitoral8, S. L. RAMADHANI, Tribunal de Justiça da África Oriental, vice-presidente do CNE Zanzibar, Tanzânia.

18h e 28 min. – 18h e 46 min. - O Papel dos Partidos Políticos, Sr. Chibeza Mfuni, Vice-presidente para

Informação do Conselho Executivo Nacional do MMD, Zâmbia. 18h e 46 min. – 18h e 58 min

- Comentários9 do Dr. Onofre dos Santos, Director de Eleições em Angola, 1992 18h e 58 min – 19h e 28

- Debate. Segundo dia das actividades SESSAO III (cont.): O PAPEL DOS ACTORES – CHAVE NA PREVENÇÃO, GESTÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CONFLITOS ELEITORAIS Moderador: General ITA, Centro de Estudos Estratégicos de Angola 09h e 1 min – 9h e 35 min.

- O Papel das Organizações da Sociedade Civil10, Dr. Brazão Mazula, Presidente do Centro de Estudos de Desenvolvimento e da democracia, Moçambique.

09h e 35 min – 09h e 59 min. 6 O Facilitador inicialmente previsto, o Dr. Caetano de Sousa, vice- Presidente do Tribunal Supremo de Angola, não compareceu por razões pessoais, e como alternativa, presidiu às palestras o Dr. Bernhard Weimer. 7 Cada Deputado dissertou durante 15 minutos sobre o tema, de acordo com as orientações do Moderador do Painel. 8 Texto da palestra em anexo ( Doc. n.º 6 ). 9 Texto do comentário em Anexo ( doc. n.º 7 ) 10 Texto da Palestra, em anexo ( doc. n.º 8 ).

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- Comentários do Eng. Fernando Pacheco, Presidente da ADRA 10h 00 – 10h e 49 min.

- O Papel das Forças de Segurança11, Por Wilfred Mhanda, Plataforma dos Libertadores do Zimbabwe

10 h e 49 min. - 11h e 12 min: Café 11h e 12 min – 12h e 31 min: Debate 10 h e 49 min. - 12 e 58 min

- O Papel dos Mídia12, Dr. Fakson Banda, Director da Panos, Zâmbia. 12 e 58 min. – 13h e 10 min.

- Comentários do Jornalista Reginaldo Silva 13h e 10 min. – 13h e 37 min: debate Período da Tarde Moderador: Deputado Almerindo Jaka Jamba 15h e 5 min. – 15h e 41 min.

- O Papel Dos Tribunais13 , Juiz Presidente, Barnabas Samatta, Tanzânia. - Comentários do Dr. Caetano de Sousa, tribunal Supremo, Angola

15h e 50 – 16h e 57 min: Debate 16h e 57 min – 17h e 17 min: Café SESSÃO IV: FERRAMENTAS E BOAS PRÁTICAS NA PREVENÇÃO, GESTÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CONFLITOS Moderador: Dr. Brazão Mazula 17 horas e 17 min – 17h e 50 min.

- Boas práticas: Códigos de conduta em processos eleitorais, Comités de Ligação dos Partidos, Painéis de Gestão de conflitos, Prof. Max Mmuya, Universidade de Dar Es Salaam, presidente da Agenda Participação 2000.

17 e 50 – 18h e 32 min. - Perspectivas para eleições pacificas na SADC - Dra. Dren Nupen14, OSISA - Dr. Adérito Correia, Director da Faculdade de Direito da UCAN.

Encerramento da Conferência : 18 h e 40 min. - Pe. Dr. José Manuel Imbamba, Secretário Geral da Universidade Católica de

Angola. - Cocktail

11 Texto da Palestra, em anexo Doc. n.º 9 ) 12 Texto da Palestra, em anexo ( doc. n.º 10 ) 13 Texto da palestra em anexo ( doc. n.º 11 ) 14 Texto do comentário em anexo ( doc. n.º 12 )