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5910236 – Física II (Química) – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 15 1 Fluidos (continuação) Aplicações Consideremos a equação (42) da aula 14 para um líquido incompressível gh z p z p ρ + = ) ( ) ( 1 2 , (1) onde z 2 está a uma profundidade maior que z 1 e a densidade ρ do líquido é tomada como constante. Como ρ e g são constantes, esta equação implica que a diferença de pressão entre dois pontos do líquido depende apenas da diferença de altura entre esses dois pontos e não da forma do recipiente (veja a figura abaixo). Esta é lei de Stevin, enunciada na aula 19.

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1

Fluidos (continuação)

Aplicações

Consideremos a equação (42) da aula 14 para um líquido

incompressível

ghzpzp ρ+= )()( 12 , (1)

onde z2 está a uma profundidade maior que z1 e a densidade ρ do

líquido é tomada como constante. Como ρ e g são constantes, esta

equação implica que a diferença de pressão entre dois pontos do

líquido depende apenas da diferença de altura entre esses dois

pontos e não da forma do recipiente (veja a figura abaixo). Esta é lei

de Stevin, enunciada na aula 19.

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Imagine agora que o valor da pressão na superfície do líquido do

desenho acima seja aumentado por um valor Δp, por exemplo, pela

ação de um pistão acoplado de maneira justa à boca do recipiente. A

equação (1) nos diz então que o novo valor da pressão no ponto 1 é

( ) ( ) pppghpghppp Δ+=Δ++=+Δ+=ve lhonovo 110101 ρρ , (2)

ou seja, quando a pressão na superfície do líquido aumenta por um

valor Δp a pressão em qualquer ponto no interior do líquido também

aumenta por Δp.

A equação (1) também pode ser usada para calcular o aumento da

pressão no ponto 2 provocado pelo aumento de Δp na pressão no

ponto 1:

( ) ( ) pppghpghppp Δ+=Δ++=+Δ+=ve lhonovo 221212 ρρ . (3)

Quando um ponto do líquido sofre uma variação de pressão Δp,

todos os pontos do líquido sofrem a mesma variação de pressão.

Este fenômeno foi observado experimentalmente por Pascal em

1653 e é chamado de princípio de Pascal. O princípio de Pascal

pode ser enunciado como: Se produzirmos uma variação de pressão

em um ponto qualquer de um líquido em equilíbrio, essa variação se

transmite integralmente a todo o líquido e às paredes do recipiente.

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Uma aplicação importante do princípio de Pascal é o elevador

hidráulico, mostrado na figura abaixo.

As duas aberturas do dispositivo estão equipadas com pistões que

podem se mover verticalmente e o seu interior está cheio com um

fluido, por exemplo, um óleo. Aplica-se uma força F1 sobre o pistão

da abertura pequena, que tem área A1. A pressão gerada neste ponto

é P = F1/A1. Essa pressão é transmitida integralmente a todos os

pontos no interior do fluido, chegando ao pistão da abertura grande

que tem área A2. A pressão sobre este pistão é igual à pressão sobre

o outro, de maneira que:

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4

⇒=2

2

1

1

AF

AF

11

22 F

AAF = . (4)

Como A1 < A2, a força exercida sobre o pistão grande é maior do que

a força aplicada sobre o pistão pequeno. O elevador hidráulico é um

equipamento que multiplica o valor de uma força, assim como a

alavanca. O fator de multiplicação, no caso do elevador hidráulico, é

a razão entre as áreas A2/A1.

Outra consequência do princípio de Pascal é o chamado princípio

dos vasos comunicantes. Seja um recipiente como o da figura

abaixo, formado por tubos com várias formas que se comunicam

entre si. As extremidades superiores dos tubos estão abertas e em

contato com o ar a pressão atmosférica p0.

Segundo a equação (1), a altura do líquido em cada tubo é

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5

gpph

ρ0−

= , (5)

onde p é a pressão no fundo do recipiente. Considerando que todos

os pontos no fundo do recipiente estão à mesma pressão, a equação

acima implica que a altura do líquido é a mesma em todos os tubos.

A equação (1) também implica que a pressão tem o mesmo valor

para todos os pontos do recipiente que estão à mesma altura z,

ghppz ρ−= . (6)

O princípio de Pascal encontra muitas aplicações em instrumentação

física e engenharia mecânica. Dois importantes instrumentos usados

para medir pressão baseados neste princípio são o barômetro de

mercúrio e o manômetro.

O barômetro de mercúrio está ilustrado na figura abaixo.

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Ele consiste de um tubo longo de vidro fechado em uma

extremidade e contendo mercúrio. A extremidade aberta do tubo é

tampada com o dedo e ele é invertido dentro de um recipiente que

contém mercúrio. Quando o dedo é retirado, mercúrio escoa do tubo

para o recipiente até que o peso da coluna de mercúrio dentro do

tubo seja equilibrado pela pressão atmosférica p0. A coluna de

mercúrio baixa até uma altura h, deixando um bom vácuo na parte

superior do tubo (p ≅ 0). A aplicação da equação (1) ao problema

nos dá

ghpp ρ=−0 ,

onde ρ é a densidade do mercúrio. Fazendo p = 0 temos.

ghp ρ=0 . (7)

Portanto, o barômetro de mercúrio mede a pressão atmosférica

diretamente a partir da altura da coluna de mercúrio.

O tipo de manômetro mais simples é o chamado manômetro de tubo

aberto. Ele está ilustrado na figura abaixo. O tubo em forma de U

contém um líquido de densidade conhecida ρ (por exemplo, água ou

mercúrio). Uma das extremidades do tubo está aberta para a

atmosfera (pressão p0) e a outra está em contato com um recipiente

cuja pressão p queremos medir.

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7

A pressão na base do tubo é a mesma em todos os seus pontos.

Portanto, a equação (1) nos dá

⇒+=+ 120 gypgyp ρρ

( ) ghyygpp ρρ =−=−⇒ 120 . (8)

O manômetro não mede a pressão p diretamente, mas sim a

diferença entre p e a pressão atmosférica. Essa diferença é chamada

de pressão manométrica:

p − p0 = pressão manométrica.

Note que a pressão manométrica pode ser negativa. Basta que a

pressão p no recipiente seja menor que a pressão atmosférica, como

no caso em que nela haja um vácuo parcial.

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Empuxo

Outro fenômeno que ocorre em fluidos e é bem conhecido de vocês

é o empuxo. O princípio de Arquimedes, descoberto pelo

matemático e físico grego Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.),

estabelece que quando um corpo está parcial ou totalmente imerso

em um fluido, o fluido exerce sobre o corpo uma força de baixo para

cima igual ao peso do volume do fluido deslocado pelo corpo (veja a

figura a seguir).

O que determina se um corpo flutua ou afunda num fluido é a

relação entre a sua densidade e a do fluido.

Se a densidade do corpo for maior que a do fluido, o corpo afunda

até o fundo do recipiente que contém o fluido. Se a densidade do

corpo for menor que a do fluido, o corpo flutua parcialmente

submerso como o da figura acima. Se a densidade do corpo for igual

à do fluido, ele flutua totalmente submerso no interior do fluido.

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Para provar o princípio de Arquimedes, vamos usar a forma integral

da condição de equilíbrio hidrostático (equação 29) da aula passada.

Consideremos um corpo de volume V e área superficial S com

qualquer forma e densidade ρc. Vamos supor, para simplificar, que:

1. O corpo é incompressível, isto é, a sua forma e o seu volume

não são alterados quando ele está imerso em um fluido. Isto é

válido para a maioria dos corpos sólidos, como a coroa de ouro

da história da descoberta do princípio de Arquimedes1, mas

não para corpos feitos de borracha ou certos plásticos, por

exemplo.

2. O corpo não absorve parte do fluido no qual está imerso.

Portanto, não consideraremos uma situação como, por

exemplo, a de um pedaço de pão flutuando num prato de sopa.

Essas simplificações não precisam ser feitas para que se possa

demonstrar o princípio de Arquimedes, mas o tratamento físico

ficaria mais complicado e esse não é o nosso objetivo aqui.

Vamos supor que o corpo é colocado em um fluido de densidade ρf e

que atinge o equilíbrio quando está totalmente submerso no fluido.

A condição de equilíbrio hidrostático é então

1 Leia a história no livro do Nussenzveig, por exemplo.

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10

0total =−= ∫∫SV

SpddVfF!!!

, (9)

onde f!

é a densidade da força gravitacional sobre o corpo e p é a

pressão exercida pelo fluido sobre a superfície do corpo. Podemos

escrever a equação acima como

0total =+= EPF c

!!!, (10)

onde cP!

é a força da gravidade atuando sobre o corpo, isto é, seu

peso

∫=V

cc dVgP !!ρ , (11)

e E!

é a força feita pelo fluido sobre o corpo, isto é, o empuxo

∫−=S

SpdE!!

. (12)

Note que se cP!

> E!

o corpo afunda e se cP!

< E!

o corpo sobe.

Como o corpo está em equilíbrio dentro do fluido, do ponto de vista

das moléculas do fluido não importa qual o material que constitui o

volume submerso. A pressão feita pelas moléculas que colidem

contra a superfície do volume é a mesma, independentemente do

material do qual é feito o corpo, desde que haja equilíbrio.

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11

Em particular, se todo o espaço ocupado pelo corpo fosse

substituído por fluido idêntico ao fluido onde ele está imerso, o

sistema continuaria em equilíbrio (veja a figura abaixo).

Neste caso, a condição de equilíbrio (equação 9) nos dá

0total =−= ∫∫SV

f SpddVgF!!!

ρ , (13)

onde a integral de volume é o peso do fluido que ocupa o mesmo

volume do corpo

∫=V

ff dVgP !!ρ , (14)

e a integral de superfície é igual à da equação (9). Então,

fV

fS

PEdVgSpd!!!!

−=⇒−=− ∫∫ ρ . (15)

O empuxo aponta para cima e seu valor é igual ao peso do fluido

deslocado pelo corpo. Este é o princípio de Arquimedes.

Substituindo (15) em (9), a condição de equilíbrio fica

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12

( ) 0total =−=−= ∫∫∫V

fcV

fV

c dVgdVgdVgF !!!!ρρρρ . (16)

Para que o corpo fique em equilíbrio totalmente imerso no fluido é

necessário que a sua densidade ρc seja igual à densidade do fluido ρf.

Supondo que o campo gravitacional é constante, o que é uma

aproximação muito boa para as vizinhanças da superfície da terra, a

condição de equilíbrio acima torna-se

( ) 0=−=⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡− ∫∫ fcV

fV

c MMgdVdVg !!ρρ , (17)

ou seja, o corpo só consegue ficar em equilíbrio totalmente imerso

no fluido se a sua massa for igual à massa do fluido deslocado por

ele.

Animais marinhos, como peixes e moluscos, possuem ossos porosos

ou bexigas nadadeiras cuja quantidade de ar em seu interior pode ser

controlada para que a massa do animal seja variável e permita que

ele mantenha a condição acima sempre válida. Submarinos, por

outro lado, ajustam sua massa para se manter em equilíbrio quando

submersos bombeando água para dentro ou para fora de tanques de

lastro (ou de balastro).

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13

Para provar o princípio de Arquimedes não é preciso supor que o

corpo está totalmente submerso no fluido como fizemos acima.

Podemos supor que ele está flutuando apenas com parte do seu

volume submersa no fluido e que a outra parte está em contato com

outro fluido, como o ar, por exemplo (veja a figura abaixo).

Nesse caso, a condição de equilíbrio (equação 9) continua igual, só

que agora a integral que dá a força superficial tem dois termos,

021

total =−−= ∫∫∫S

fS

aV

SdpSdpdVfF!!!!

, (18)

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14

onde S1 é a área superficial do corpo em contato com o ar, S2 é a área

superficial do corpo em contato com o fluido, pa é a pressão do ar e

pf é a pressão do fluido.

Assim como antes, a integral pela superfície do corpo imersa no

fluido é o empuxo do fluido,

∫−=2S

f SdpE!!

, (19)

de maneira que a equação (18) implica que

∫∫∫ +−=+−=11 S

acS

aV

SdpPSdpdVfE!!!!!

. (20)

Quando um corpo flutua em equilíbrio parcialmente submerso em

um fluido, o empuxo feito pelo fluido é igual ao peso do corpo mais

o “peso extra” resultante da pressão que o ar faz sobre a parte do

corpo que está fora do fluido.

Note que a pressão feita pelo ar sobre o corpo (o “peso extra”

mencionado acima) é necessária para que haja equilíbrio. Como este

caso em que o corpo flutua parcialmente submerso no fluido só

ocorre quando a densidade do corpo é menor que a do fluído, se não

houvesse a pressão do ar (como no vácuo, por exemplo) o empuxo

feito pelo fluido empurraria o corpo totalmente para fora do fluido.

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15

O mesmo raciocínio feito anteriormente, em que se imagina que o

volume do corpo dentro do fluido é substituído por fluido, pode ser

repetido agora para mostrar que, no equilíbrio,

022

=− ∫∫S

fV

f SdpdVg!!

ρ , (19)

onde V2 é o volume do corpo encerrado por S2, isto é, o volume do

corpo dentro do fluido. Esta equação corresponde novamente ao

princípio de Arquimedes: o empuxo feito pelo fluido é igual ao peso

do fluido deslocado pelo corpo.

Na prova do princípio de Arquimedes feita acima foi implicitamente

assumido que a massa do corpo não é grande o suficiente para que o

seu campo gravitacional altere a distribuição de massa do fluido. Em

geral, para todas as aplicações de interesse prático na terra, o efeito

da força gravitacional do corpo sobre as moléculas do fluido é

desprezível. Porém, se quisermos estudar o que acontece quando um

corpo com a massa da Terra cai sobre a atmosfera de Júpiter temos

que considerar este efeito. Podemos imaginar o que acontece: o

fluido nas vizinhanças do corpo é “puxado” em direção a ele e isso

resulta num aumento da força de empuxo feita pelo fluido sobre o

corpo.

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16

Tensão superficial

Outro fenômeno típico de fluidos é a tensão superficial. Embora a

interface entre dois materiais possa ser considerada,

macroscopicamente, como uma superfície matemática

bidimensional, ela é feita por moléculas com propriedades físicas. O

número de moléculas numa camada, por mais fina que ela seja, é

muito grande. Por causa disso, as propriedades físicas dessas

moléculas geram propriedades físicas detectáveis

macroscopicamente, como energia e força superficial. Daí a

necessidade de considerar efeitos devidos às moléculas da superfície

de um fluido mesmo quando se adota um tratamento macroscópico

contínuo como estamos fazendo.

O tratamento adequado dos fenômenos de superfície requer o uso de

modelos microscópicos para a matéria e este não é o nosso propósito

neste curso. O que vamos fazer aqui, procurando entender a origem

da tensão superficial, é usar um modelo tri-dimensional bastante

elementar de um fluido em que as moléculas estão colocadas nos

vértices de uma rede cúbica de lado L (veja a figura abaixo).

Para simplificar ainda mais o modelo, vamos supor que a superfície

do fluido faz interface com o vácuo.

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17

Cada molécula no interior do fluido possui seis ligações com suas

moléculas vizinhas (a figura mostra um exemplo em vermelho), mas

as moléculas da superfície possuem apenas cinco ligações (a figura

mostra um exemplo em laranja).

Vamos supor que a energia de ligação total de uma molécula no

interior do fluido, devido às suas seis ligações, é –ε. Para saber por

que o valor é negativo, olhe para o gráfico da energia potencial da

interação intermolecular da página 2 da aula 19. Como uma

molécula na superfície tem uma ligação a menos do que as seis de

uma molécula no interior, a sua energia de ligação total é –(5/6)ε.

Este valor pode ser escrito como –ε + ε/6, ou seja, a falta de uma

ligação em uma molécula da superfície é equivalente à adição de

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18

uma energia positiva igual a ε/6 à energia de ligação total de uma

molécula no interior. Em outras palavras, para cada molécula da

superfície deve-se acrescentar uma quantia ε/6 à energia total da

superfície em relação à energia de uma camada interna de

moléculas.

Como a densidade de moléculas na superfície bi-dimensional do

nosso modelo simples é n = 4/L2, a superfície possui uma densidade

de energia extra em relação à densidade de energia de uma camada

interna dada por

264Lε

α = , (18)

que é chamada de densidade de energia superficial. A unidade de α

é J/m2 ou N/m, isto é, unidade de força por comprimento.

Para se aumentar a área da superfície por uma quantidade

infinitesimal dA é necessário realizar um trabalho igual à quantidade

de energia contida nessa área extra,

dAdW α= . (19)

Como este trabalho é positivo, a superfície opõe uma resistência à

sua extensão. É como se a superfície tivesse uma tensão interna.

Esta é a tensão superficial.

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19

Formalmente, a tensão superficial γ é definida como a força por

unidade de comprimento que atua ortogonalmente sobre qualquer

linha imaginária da superfície. Dada uma linha imaginária de

comprimento L da superfície de um fluido (veja a figura abaixo), a

existência da tensão superficial γ faz com que as moléculas dessa

linha estejam submetidas a uma força total dada por

LF γ= . (20)

Imagine que uma força F atuando ortogonalmente sobre uma linha

de comprimento L da superfície estica a superfície por uma quantia

dS uniforme por todo o comprimento L. O resultado disso é que a

área da superfície aumenta por dA = LdS (veja a figura abaixo).

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20

Segundo a equação (19), o trabalho necessário para provocar esse

aumento de área é

LdSdAdW αα == . (20)

Também podemos expressar o trabalho acima como o produto da

força F pelo deslocamento da linha,

LdSFdSdW γ== . (21)

Igualando as duas expressões, αγ = . (22)

A tensão superficial é idêntica à densidade de energia superficial.

Isso também se reflete no fato de que as unidades das duas são

iguais a N/m.

O fato de que a densidade de energia superficial α é positiva implica

que as áreas das interfaces entre fluidos tendam a assumir os

menores valores possíveis (para minimizar a energia superficial)

consistentes com as demais forças atuando sobre os fluidos, como

pressões e a força da gravidade. É por isso que gotículas de orvalho

e bolhas de sabão são aproximadamente esféricas.

A pressão no interior de uma gota de água ou de uma bolha de sabão

é maior que a pressão fora, caso contrário ela murcharia e

desapareceria. Podemos calcular a diferença entre a pressão no

interior de uma gota e a pressão exterior da seguinte maneira:

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21

Imaginemos um corte passando pelo centro da gota (veja a figura

abaixo).

A fronteira circular da uma das metades da gota tem comprimento

2πr, onde r é o raio da gota. Portanto, a força total devida à tensão

superficial na gota é

.2 γπrF = (23)

Por outro lado, existe uma força exercida de dentro para fora da gota

devida à diferença entre a pressão no interior e a pressão no exterior.

Em cada ponto da superfície da gota, a força devida a essa diferença

de pressão é perpendicular à superfície e dirigida para fora (veja a

figura acima). Quando essas forças são somadas vetorialmente, as

componentes verticais se cancelam e só resta a soma das

componentes horizontais, que aponta para a direita na figura acima.

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22

O valor dessa força é igual ao produto da diferença de pressão pela

área da seção reta da esfera, πr2:

,2 PrPAF Δ=Δ= π (24)

onde ΔP é a pressão dentro da gota menos a pressão fora dela. Como

a gota está em equilíbrio, a força devida à diferença de pressão deve

ser igual à força devida à tensão superficial. Então:

⇒=Δ γππ rPr 22

.2r

P γ=Δ⇒ (25)

Este resultado mostra que a diferença de pressão é inversamente

proporcional ao raio da gota esférica.

Notem que o resultado acima vale tanto para uma gota de água no ar

(uma gotícula de chuva, por exemplo) como para uma bolha de ar na

água (uma bolha de ar em uma garrafa de água com gás, por

exemplo).

No caso de uma bolha de sabão a situação é um pouco mais

complicada, pois existem duas interfaces: (i) entre o ar no interior da

bolha e a superfície interna feita de água misturada a sabão; e (ii)

entre a superfície externa, também feita de água e sabão, e o ar

externo à bolha.

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23

Como essas duas interfaces são esféricas, de mesmo raio e entre os

mesmos materiais (ar e água ensaboada), podemos considerar que

cada uma gera uma diferença de pressão igual a (25), de maneira

que a diferença de pressão total entre o interior da bolha de sabão e o

exterior é

.4r

P γ=Δ (26)

O valor experimental de γ para a interface entre o ar e a água é de

0,072 N/m (a 25oC e com o ar a 1 atm). Logo, para uma gota de

água de 1 mm de diâmetro no ar a diferença de pressão entre o

interior da gota e o ar no exterior é

( ) Pa 288m 105,0

N/m 072,023 =

××

=Δ −P .

Este é um excesso de pressão muito pequeno em comparação com a

pressão atmosférica (~ 105 Pa).

Quando um líquido está contido em um recipiente, as moléculas da

sua superfície próximas à parede do recipiente são atraídas para a

parede. Esta força atrativa é chamada de adesão. Ao mesmo tempo,

essas moléculas também estão sujeitas à força atrativa de coesão

exercida pelas demais moléculas do líquido, que as puxam na

direção oposta (para o interior do líquido).

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Se a força adesiva for maior que a força coesiva, a superfície do

líquido se curva para cima em contato com a parede do recipiente

(veja a figura (a) abaixo). No caso contrário, a superfície do líquido

se curva para baixo (veja a figura (b) abaixo).

O ângulo de contato θ na figura acima é o ângulo entre a parede e a

tangente à interface entre o ar e o líquido no ponto de contato da

interface com a parede. Por convenção, ele é medido a partir do

interior do líquido.

Note que se θ < 90o (ângulo agudo) teremos um caso em que a

adesão é maior que a coesão, como o da figura (a) acima, e a

superfície do líquido se curva para cima; já se θ > 90o (ângulo

obtuso) teremos um caso em que a coesão é maior que a adesão,

como o da figura (b) acima, e a superfície do líquido se curva para

baixo.

O ângulo de contato θ é uma constante que depende das

propriedades dos três materiais envolvidos: o fluido no interior do

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recipiente (indicado por líquido na figura), o fluido onde o recipiente

e o líquido estão (indicado por ar na figura) e o material do qual é

feito o recipiente. Por exemplo, o ângulo de contato entre a interface

água-ar e o vidro é de aproximadamente 10o (este é um ângulo muito

difícil de ser medido e vocês vão encontrar diferentes valores em

diferentes livros, indo desde 0o até ~80o) e o ângulo de contato entre

a interface mercúrio-ar e o vidro é de aproximadamente 140o.

Se a adesão for maior que a coesão, um líquido em um tubo estreito

mergulhado em um recipiente com o mesmo líquido irá se levantar

até uma altura h em relação ao nível do líquido no recipiente (veja a

figura (a) abaixo). Caso contrário, o liquido irá se abaixar (veja a

figura (b) abaixo).

A altura h pode ser calculada da seguinte maneira. O peso P da

coluna de líquido de altura h é:

,2 ghrP ρπ= (27)

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onde r é o raio do tubo cilíndrico e ρ é a densidade do líquido. A

força devida à tensão superficial que atua ao longo da periferia do

líquido (circulo de comprimento L = 2πr) é:

.2 γπrF = (28)

Essa força forma um ângulo com a parede igual a θ. No equilíbrio, a

componente vertical da força F é igual ao peso da coluna de líquido:

.cos2cos 2 ghrrPF ρπθγπθ =⇒=

Isolando h nesta expressão:

.cos2gr

θγ= (29)

Quando θ < 90o (adesão maior que coesão), a equação acima dá uma

altura h positiva. Este é o caso mostrado na figura (a) acima. Quando

θ > 90o (coesão maior que adesão), a equação acima dá uma altura h

negativa. Este é o caso mostrado na figura (b) acima. Esses efeitos

são chamados de capilaridade.