Os Nós, Robôs - Robôs 5 - Isaac Asimov

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É uma coletânea de 31 contos sobre os robôs publicados entre 1939 a 1977, inclusive as histórias reunidas na primeira coletânea, I, Robot(1950) (Eu, Robô).

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Nós, Robôs

IsaacAsimov

TraduçãodeNorbertodePaulaLimaeMarioSilvioMolinaCaetanoTítulooriginal:TheCompleteRobot

DedicadoaMarjorieGoldsteinDavidBearingerHughO’Neillparaosquaishálivros

encaminhados.

Introdução

Naepocaemqueeuaindanaotinhafeitovinteanos,e jaeraumleitorassıduode

icçao cienti ica, limuitas historias de robo e descobri que elas se encaixavam emduasclasses.

Naprimeiraclasse,haviaoRobo-como-Ameaça.Naotenhodeexplicarmuitacoisasobre isso. Tais historias eram uma mistura de “clangue-clangue”, com “aahhh!” e “Hacertascoisasqueoshomensnaoestavamdestinadosasaber”.Algumtempodepois,elasperderampavorosamenteagraçaenãopudemaissuportá-las.

Na segunda classe (muitomenorque aprimeira), havia oRobo-como-Pathos. Emtaishistorias,osroboseramamaveisegeralmentemanobradosporsereshumanoscrueis.Issomefascinava.Em insde1938,duasdessashistoriaschocaram-secomospadroesqueparticularmentemeimpressionavam.UmadelaseraumcontodeEandoBinder,intituladoEu,Robô,sobreumvirtuosorobochamadoAdamLink;aoutraeraumahistoriadeLesterdeiRey,intituladaHelen0”Loy,quemecomoveucomoseuretratodeumroboqueeratudoqueumaesposalealdeveser.

Porconseguinte,quandoem10dejunhode1939(sim,conservoregistrosprecisos)sentei-me para escrever minha primeira historia de robo, ja estava fora de questaopretender realmente escrever uma historia de Robo-como-Pathos. EscreviRobbie, sobreuma baba-robo, uma mocinha, amor, uma mae prejudicada, um pai fraco, um coraçaopartidoeumatristereuniao.(Originalmente,apareceucomotıtulo-queeudetestei-deEstranhoColeguinha)

Mas alguma coisa singular aconteceu quando escrevi esta primeira historia.ConseguichegaraumavisaovagadeumrobosemAmeaçanemPathos.Comeceiapensarnosroboscomoprodutosindustriais,construıdosporengenheirosdeverdade.Eramfeitosdentrodenormasdesegurança,porissonaoeramameaças,eeramprojetadosparacertastarefas,demodoquenãohavianecessariamentenenhumPathosenvolvido.

Amedidaquecontinuavaescrevendosobreroboswestanoçaoderobosindustriaiscuidadosamente construıdos permeava cada vez mais minhas historias, ate que todo ocaraterdashistoriasderoboda icçaocientı icaseriamudou-naosomenteodasminhasprópriashistórias,masodashistóriasdequasetodomundo.

Isso fez-me sentir muito bem e, por muitos anos, decadas ate, eu facilmenteapregoavaqueera“opaidamodernahistóriaderobôs”.

Com o passar do tempo, iz outras descobertas queme deliciaram. Descobri, porexemplo, que quandousava a palavra “robotica” para descrever o estudodos robos,nãoestavausandoumapalavraquejaexistia,mastinhainventadoumapalavraquenuncaforausadaantes.(AconteceuemminhahistóriaAndaràsCegas,publicadaem1942).

Hoje, eumapalavradeusocorrente.Ha jornaise livroscomapalavranacapae egeralmentesabidonocampodaroboticaquefuieuqueinventeiotermo.Naopensemquenaoestouorgulhosodisso.Naoforammuitasaspessoasquecunharamumtermocientı icoutil, e embora eu o tenha feito sem saber, nao pretendo deixar que ninguem nomundo

esqueçaquemofez.Alem disso, emAndar às Cegas, enumerei minhas “Tres Leis da Robotica” em

detalhesexplıcitospelaprimeiravez,etambemelassetornaramfamosas.Pelomenos,saocitadas a torto e a direito, em lugares que, originalmente, nada tem a ver com icçaocientı ica,nemmesmocomasindicaçoesdacitaçaoemgeral.Easpessoasquetrabalhamnocampoda inteligenciaarti icial, asvezesnaoperdemaoportunidadedemedizerquepensamqueasTrêsLeisservirãocomoumbomguia.

Podemosiraindamaisalém.Quando escrevi minhas historias de robo, nao pensei que os robos passassem a

existiraindaemminhavida.Defato,estavacertoqueissonaoaconteceriaeteriaapostadograndessomasemdinheiro.(Pelomenos,teriaapostado15cents,queemeulimitemaximoparacoisascertas.)

Contudo,aquiestoueuquarentaetresanosaposescreverminhaprimeirahistoriade robo e nostemos robos.Naverdade,nos temos.E alemdomais, saooquepreviqueseriam: robos industriais, criados por engenheiros para realizar tarefas especı icas econstruıdos dentro de normas de segurança. Podem ser encontrados em numerosasfabricas, particularmente no Japao, onde ha fabricas de automoveis inteiramenterobotizadas.Alinhademontagemdesteslugarese“manejada”porrobosemtodososseusestágios.

Certamente, esses robos nao sao tao inteligentes quanto os meus - eles nao saopositronicos; nao sao sequer humanoides. Contudo, estao evoluindo rapidamente e setornandocadavezmaiscapazeseversateis.Quemsabecomoseraodaquiamaisquarentaanos?

Deumacoisapodemostercerteza.Osrobosestaotransformandoomundo,levando-oemdireçõesquenãopodemosantevercomclareza.

Deondeestaovindoestesrobos-de-verdade?Afontemaisimportanteeuma irmachamadaUnimation, Inc., de Danbury, em Connecticut. E a maior fabricante de robosindustriais e e responsavel por, talvez, um terço de todos os robos que ja instalamos. Opresidente da empresa e Joseph F. Engelberger, que fundou-a no im dos anos 50, poisestavatãointeressadoemrobôs,quedecidiufazerdesuaproduçãootrabalhodesuavida.

Mas como ele se interessou tao prematuramente por robos e entrou tao cedo nojogo?Conformesuaspropriaspalavras,começouaseinteressarporrobosnadecadade40,quandoeraestudantedefısicanaUniversidadedeColumbiaeliaashistoriasderobodeumcoleganauniversidade,IsaacAsimov.

SantoDeus!Vocessabem,naquelesvelhos,velhostempos,eunaoescreviaminhashistoriasde

robosemgrandesambiçoes.Tudooquequeriaeravende-lasparaasrevistas-demodoaganharalgumascentenasdedolaresquemeajudassemapagarmeuensinonauniversidade-eparavermeunomeimpresso.

Seestivesseescrevendoemqualqueroutrocampodaliteratura,issoseriatudooqueeuteriaconseguido.Mascomoestavaescrevendo icçaocientı ica,esomenteporqueestavaescrevendo icçao cientı ica, tambem estava - sem saber - dando inıcio a uma cadeia deacontecimentosqueestãomudandoafacedomundo.

Joseph F. Engelberger, alias, publicou um livro em 1980 chamado Robótica na

Prática:ManejoeAplicaçãodeRobôsIndustriais(AmericanManagementAssociations),efoisuficientementegentilparaconvidar-meaescreveroprefácio.

TudoissolevouobompessoaldaDoubleday{1}apensar...Minhas varias historias de robo apareceram em nao menos de sete diferentes

coleçoes. Por que deviam continuar tao separadas? Ja que parecem ser muito maisimportantes do que alguem pudesse pensar (muito menos eu) na epoca em que foramescritas,porquenãoreuni-lasnumúnicolivro?

Naofoidifıcilfazer-meconcordarcomaideia;assim,aquiestaotrintaeumcontos,totalizandocercade200.000palavras,escritasnumperıodode tempoqueseestendede1939a1977.

Alguns robôs não-humanos

Nao iz as historias de robo apareceremna ordememque foramescritas. Preferiagrupa-laspelanaturezadoconteudo.Nestaprimeiraseçao,porexemplo, tratoderobosquetemumaformanao-humana-umcachorro,umautomovel,umacaixa.Porquenao?Osrobôsindustriaisquepassaramaexistirnarealidadetêmumaaparêncianão-humana.

Aprimeirahistoria,Omelhoramigodeumgaroto,naoestaemnenhumademinhasprimeirascoleçoes.Foiescritaem10desetembrode1974,epoderaoencontrarnelaumeco distante deRobbie, escrita trinta e cinco anos antes, que aparecemais adiantenestevolume.Nãopensemquenãoestouconscientedisso.

Vocesnotarao,alias,quenessastreshistorias,oconceitodeRobo-como-Pathosestaclaramente ixado. Podem tambem reparar, contudo, que emSally parece nao haverqualquervestıgiodasTresLeisequehamaisdoqueumasugestaodeRobo-como-Ameaça.Bem, se quero fazer isso de vez em quando, acho que posso. Quem sera capaz de meimpedir?

1- O melhor amigo de um garoto

-OndeestáJimmy,querida?-perguntouoSr.Anderson.-Lafora,nacratera-disseaSra.Anderson.-Eleestabem.EstajuntocomRobobo...

Sabesejáchegou?-Chegou.Estanaestaçaodefoguetes,fazendoostestes.Narealidade,eumesmomal

possoesperarparave-lo.NaovinenhumdeverdadedesdequedeixeiaTerra,quinzeanosatrás.Osquepassaramnosfilmesnãocontam.

-Jimmynuncaviunenhum-disseaSra.Anderson.-PorqueelenasceunaLuaenaopodeiraTerra.Eeporissoqueestoutrazendoum

paracá.AchoqueéoprimeiroaaparecernaLua.-Custoubastantecaro-disseaSra.Andersoncomumligeirosuspiro.-ManterRobobotambémnãoébarato-disseoSr.Anderson.Jimmyestavalafora,nacratera,comosuamaetinhadito.PelospadroesdaTerra,ele

era espigado, um tanto alto para os seus dez anos de idade. Seus braços e pernas eramcompridoseageis.Pareciamaisgordoetroncudo,vestidocomotrajeespacial,maspodialidarcomagravidadelunarcomonenhumserhumano,nascidonaTerra,seriacapaz.Opainaopodiaacompanhar-lheospassosquandoeleesticavaaspernaseentravanosaltodeCanguru.

Afaceexteriordacraterainclinava-separaosul,eaTerra,quesurgiabaixanoceumeridional (onde sempre surgia, quando vista da Cidade Lunar) estava quase cheia, demodoquetodoodecli-vedacrateraficavabrilhantementeiluminado.

O declive era suave e mesmo o peso do traje espacial nao impedia que Jimmydisparasseemcimadelenumsaltoflutuantequefaziaagravidadeparecernão-existente.

—Venha,Robobo-elegritou.Robobo,quepodiaouvi-lopelorádio,guinchouepulouatrás.Jimmy, embora fosse agjl, nao podia correr mais depressa que Robobo, que nao

precisavadeumtrajeespaciale tinhaquatropernase tendoesdeaço.RobobonavegavasobreacabeçadeJimmy,dandosaltosimensoseaterrandoquasesobospésdogaroto.

—Nãoprecisaseexibir,Robobo-disseJimmy-enãosaiadevista.Roboboguinchououtravezoguinchoespecialquesignificava“Sim”.—Eunaocon ioemvoce,seuenrolador-gritouJimmy,subindonumultimosalto,

queoconduziusobreacurvadabeirasuperiordaparededacratera,eo largoudooutrolado,numdecliveinterno.

ATerramergulhouabaixodotopodaparededacraterae,deimediato, icouescurocomobreuemvoltadeJimmy.Umaescuridaoamistosaequente,quedissipavaadiferençaentresoloecéu,excetopelobrilhodasestrelas.

Naverdade,Jimmynaodeviabrincarnoladoescurodaparededacratera.Osadultosdiziamqueeraperigoso,masissoaconteciaporquenuncaestiveramali.Ochaoeramacioeondulado,eJimmyconheciaalocalizaçãoexatadecadaumadaspoucasrochas.

Alémdisso,comopodiaserperigosocorrernoescuroseRoboboestavabemaliaseulado,pulandoemvolta,guinchandoecintilando?Mesmosemcintilar,Robobopodiadizeronde estava, e onde Jimmy estava, pelo radar. Jimmy nao podia se machucar enquantoRoboboestivesseporperto,detendo-oquandoeleseaproximavademaisdeumarocha,oupulando sobre eleparamostrar oquantoo amava, ou circulando emvolta e guinchandobaixoeassustadoquandoJimmyseescondiaatrasdeumarocha,emboranessasocasioesRobobosoubessetodootempo,esu icientementebem,ondeeleestava.Certavez,Jimmyseesticouimovelnochaoe ingiuestarferido.RoboboacionouoradıoalarmeeopessoaldaCidadeLunarchegouali aspressas.OpaideJimmydisse-lhepoucaseboassobreaquelepequenoembuste,eJimmynuncamaisorepetiu.

Quandoestavaselembrandodisso,Jimmyouviuavozdopainoseuradioindividualdeondaslongas.

—Jimmy,volte.Tenhoumacoisaparalhecontar.Jimmytirouotrajeespacialeselavou.Vocesempreprecisaselavarquandovemde

fora.MesmoRobobo tinhade serborrifado,mas ele gostavadisso. Ficavade gatinhas, opequenocorpo,commenosdemeiometrodecomprimento,tremiaeexibiaumaminusculacintilaçao.Acabecinha,semboca,possuıadoisgrandesolhosvidradoseumaprotuberanciaondeficavaocérebro.EleguinchouatéouviravozdoSr.Anderson:

—Quieto,Robobo!OSr.Andersonsorria.—Temosumacoisaparavoce,Jimmy.Aindaestanaestaçaodefoguetes,masestara

conoscoamanha,depoisdetodosostestesterminarem.Acheiquetinhadelhecontarissoagora.

—ÉdaTerra,papai?— Umcachorro da Terra, ilho. Um cachorro de verdade. Um caozinho “ terrier”

escoces.Oprimeiro cachorronaLua.NaoprecisaramaisdeRobobo.Naopodemos icarcomosdois,vocêsabe.Eleficarácomalgumoutromeninooumenina.

OSr.AndersonpareceuesperarqueJimmydissessealgumacoisa.—Vocesabeoqueeumcachorro,Jimmy.Eacoisareal.Robobonaopassadeuma

imitaçãomecânica,umrobôboboca.Êissoqueseunomesignifica.Jimmyfezcarafeia.—Robobonãoéumaimitação,papai.Éomeucachorro.—Naoumcachorroverdadeiro, Jimmy.Roboboeapenasaço, iaçaoeumsimples

cérebropositrônico.Nãoéumservivo.—Elefaztudoqueeuqueroqueelefaça,papai.Elemecompreende.Semduvida,e

umservivo.—Nao, ilho.Roboboesoumamaquina.Eapenasprogramadoparasecomportardo

modocomosecomporta.Umcachorroestávivo.VocenaovaimaisquererRobobodepoisdeterocachorro.

—Ocachorroprecisarádeumtrajeespacial,nãoé?—Sim,naturalmente.Masseraumdinheirobemempregadoeocaoseacostumara.

Enãoprecisaráusá-lonaCidade.Vocêvaiveradiferençaquandoeleestiveraqui.JimmyolhouparaRobobo,queestavaguinchandooutravez,umguincholento,muito

baixo,parecendoamedrontado.JimmyestendeuosbraçoseRobobodeuumsaltoparaeles.

—QualseráadiferençaentreRoboboeocachorro?-Jimmyperguntou.—Edifıcilexplicar -disseoSr.Anderson-massera facildeperceber.Ocachorro

realmentegostarádevocê.Roboboestáapenasajustadoparaagircomosegostassedevocê.—Mas,papai,naosabemosoquehadentrodeumcachorroouquaissaoassuas

sensações.Talvezsejatambémapenasummododeagir.OSr.Andersonfranziuatesta.—Jimmy,vocêsaberáadiferençaquandoexperimentaroamordeumacoisaviva.Jimmy segurou Robobo com força. Tambem estava franzindo a testa e o olhar

desesperadoemseurostosignificavaquenãoestavadispostoamudardeideia.—Mas qual e a diferença nomodo comoeles agem? E quanto ao modo comoeu

sinto?EugostodeRoboboeissoéoqueimporta.Eopequenorobo-boboca,quenuncaforaabraçadocomtantaforçaemtodaasua

vida,guinchourápidosealtosguinchos...guinchosfelizes.

2- Sally

Sallyvinhadescendopelocaminhodolago,demaneiraqueaceneiparaelaechamei-

apelonome.SempregosteideverSally.Gostavadetodaselas,compreende,masSallyeraamaisbonita.Nãohaviaamenordúvida.

Apressou-se um pouco quando acenei.Mas nao sem dignidade, ela nao era dessetipo.Moveu-se apenas com”rapidez su iciente para demonstrar que estava contente porver-metambém.Voltei-meparaohomemaomeulado.

—EstaéSally-disseeu.Ele sorriu para mim e balançou a cabeça. Fora a Sra. Hester quem o trouxera,

dizendo:- Este e o Sr. Gellhorn, Jake. Voce deve lembrar-se que ele lhe enviou uma carta

pedindoumaentrevista.E isto era pura conversa, naturalmente. Tenhoummilhao de coisas para fazer na

Fazendaesehaumacoisacomaqualnaopercotempoecomacorrespondencia.EporissoquemantenhoaSra.Hesterporaqui.Estásempreporpertoeémuitoeficienteparaatenderacoisastolas,destituıdasdeimportancia,semprecisarestarsemprerecorrendoamime,oqueéprimordial,elagostadeSallyedetudoomais.Algumaspessoasnãogostam.

—Prazeremconhecê-lo,Sr.Gellhorn-disseeu.—RaymondJ.Gellhorn-disseele,estendendo-meamao,queapertei,paradeixar

cairemseguida.Eraumsujeitocorpulento,umpoucomaisaltodoqueeueumpoucomaisencorpado

tambem. Tinhamais oumenos aminha idade, ali pela casa dos trinta. Os cabelos erampretos,emplastados,grudadosacabeçaepartidosaomeio.Obigodeera inoemuitobemcuidado.Omaxilarprojetava-sesobasorelhas,oquelhedavaaaparenciadeestarsofrendode um ligeiro acesso de caxumba. Na televisao, seria a escolha natural para o vilao, demaneiraquepresumiquefosseumbomsujeito.Masoqueaconteceudepoisveioaprovarqueatelevisãonãoestáerradaotempotodo,quandofazassuasescolhas.

—SouJacobFolkers-disse-lheeu.-Quepossofazerporvocê?—Podecontar-meumpoucoarespeitodasuaFazendaaqui,senaoseimportar—

disseelenumgrandesorriso,largo,dedentesmuitobrancos.Senti que Sally se aproximava por tras de mim e levantei minha mao para ela.

Inclinou-separa aminhamao, naqual senti oduro e lustroso esmaltedo seupara-lamaaquecendoaminhapalma.

—Éumbeloautomóvel-disseGellhorn.Estaéumamaneiradeexplicaracoisa.Sallyeraumconversível2045,comummotor

positronicoHennis-CarietoneumchassiArmat.Possuıaasmaispurase inas linhasquejamaishaviavistoemqualquermodelo,semexceçao.Hacincoanosvinhasendoaminhafavoritaenelahaviacolocadotudooquepodiasonhar.Edurantetodoaqueletempojamaistiveraumserhumanoàsuadireção.

Nemumavez.—Sally—disseentãoacariciando-agentilmente-apresento-lheoSr.Gellhorn.O ronronar dos cilindros de Sally foi um pouco mais forte. Fiquei escutando

atentamenteparaversebatiapino.Ultimamente,tinhaouvidobatidadepinosnosmotoresdequasetodososcarroseatrocadegasolinanaotiveraomenorefeito.Naquelaocasiao,porém,Sallytinhaomotortãosuavequantosuapintura.

—Costumadarnomesatodososcarros?-indagouGellhorn.Pareciadivertidocomoassunto e a Sra. Hester nao gosta de pessoas que dizem coisas como se estivessemridicularizandoaFazenda.Eporissorespondeu,cortante:

—Naturalmente.Oscarrostemassuaspersonalidades,nao e Jack?Ossedanssaotodosmachoseosconversíveissãofêmeas.

— E a senhora os conserva em garagens separadas, madame? - disse Gellhornsorrindonovamente.

ASra.Hesterficouolhandoparaele.—Eagora,poderia falarcomosenhoremparticular,Sr.Folkers? -disseGellhorn,

dirigindo-seamim.—Depende-respondi.-Vocêérepórter?—Nao, senhor. Sou agente de vendas. Qualquer conversa que tivermos nao sera

publicada.Possoassegurar-lhequeestouinteressadoemqueoassuntosejaestritamenteconfidencial.

—Vamoscaminharumpouco,descendoaestrada.Háumbancoquepodemosusar.Começamosadescer,aSra.Hesterafastou-seeSallyveiosesacudindo,umpouco

atrásdenós.—NãoseincomodaseSallyvierconosco,nãoé?—indaguei.—Demodo algum. Nao pode repetir o que dissermos, pode?— e riu da propria

piada,aproximando-sedeSallyealisandosuagrade.SallyacelerouomotoreGellhornretirouamãonumgestoapressado.—Nãoestáacostumadacomestranhos—expliquei.Sentamo-nosnobanco,sobograndecarvalho,deondepodıamosolharatravesdo

pequenolagoapistaparticulardecorridas.Eranapartequentedodiaeoscarrosestavamemtodaasuacapacidade,pelomenostrintadeles.MesmodaqueladistanciapodiaverqueJeremiahestavafazendoasuacostumeiraproezadechegarportrasdealgumdosmodelosmaisseriosemaisvelhos,acelerandoderepente,passandodesabaladamente,fazendochiarospneus.HaduassemanashaviaencurraladoovelhoAngus,levando-oasairdoasfaltoecomissodesregulouseuprópriomotorpordoisdias.

Aquilonaoadiantou,lamentodize-lo,e,peloqueparece,naohamuitoafazer.Paracomeçar,Jeremiahéummodeloesporteeosdessaespéciesempretémfogonasventas.

—Bem,Sr.Gellhorn,poderiadizer-meporquedesejaainformação?—Masesteeumlugarimpressionante,Sr.Folkers—disseelesemmeouvir,olhando

àsuavolta.—PrefeririaquemechamassedeJake.Ecomomechamam.—Estábem,Jake.Quantoscarrosvocêtemaqui?—Cinquentaeum.Recebemosumoudoisnovostodoano.Houveumanoemque

recebemoscinco.Naoperdemosumsequer.Estaotodosemperfeitoestado.Temosateum

modelode2015,oMat-O-Mot,funcionandoperfeitamente.Eumdosautomaticosoriginais.Foioprimeirocarroachegaraqui.

Bome velhoMatthew. Ficava agora na garagem amaior parte do dia,mas a estaaltura ja era o avo de todos os carros commotorespositronicos. Ja foi o tempo emquesomenteosveteranosdeguerracegos,osparaplegicoseoschefesdeestadoeramosunicosa guiar os automaticos.Mas SamsonHarridge,meu chefe, era su icientemente rico paraadquirirum.Fuiseumotoristanaqueletempo.

Eaquelepensamento,senti-mevelho.Podialembrar-medotempoemquenaohavianomundoumautomovelcomcerebrobastanteparaencontraroseupropriocaminhoparacasa. Eu propro guiara inertes massas de maquinas que precisavam das maos de umhomem em seus controles, a cada minuto. Todos os anos, maquinas daquele tipocostumavammatardezenasdemilharesdepessoas.

Os automaticos deram um jeito nisto. Um cerebro positronico pode reagir commuitomaiorrapidezdoqueumcerebrohumano,naturalmente,epagaparaqueaspessoasnaoponhamasmaosemseuscontroles.Voceentra,imprimequaloseudestinoedeixaqueeletomeocaminhoàsuamaneira.

Aceitamos tudo isto agora,mas eume lembro de quando as primeiras leis forampromulgadas, forçando a saıda das velhasmaquinas das estradas e limitando o uso dasautomaticas. Ceus, foi aquela agitaçao! Chamaram aquilo de todos os nomes, desdecomunismoafascismo,masofatoequeasestradasseesvaziaram,cessaramasmortesecadavezmaispessoasseacostumavammaisfacilmenteànovamoda.

Eclaroqueosautomaticoseramcentenasdevezesmaiscarosdoqueosmanuaisenaohaviamuitosquesepodiamdaraoluxodeterumparticular.Aindustriaespecializou-seemfabricaronibusautomaticos.Vocepodeaqualquerhoraligarparaumacompanhiaeter um deles a sua porta em questao de minutos e o onibus leva-o aonde deseja ir.Normalmentevocetemqueseguircomoutraspessoasqueestaoindonamesmadireçao,mas,oquehádeerradonisto?

SamsonHarridgetinhaumdessescarrosparticulareseeuoacompanheidesdequeamaquinachegou.OcarronaoeraoMatthewparamim,entao-poisnaosabiaqueseriaodecanodaFazenda,umdia.Aunicacoisaquesabiaequeeleiatirar-meoempregoeeuoodiava.

—Nãoprecisamaisdemim,Sr.Harridge?-foioquedisse.—Queconfusaoeestaquevoceestafazendo,Jake?Vocenaoestapensandoquevou

confiarnumageringonçadestas,está?Vocêficaecomandaexatamenteoscontroles.—Masestacoisatrabalhaporsimesma,Sr.Harridge.Esquadrinhaaestrada,reage

apropriadamenteaobstaculos,quer sejamhumanosouconstituıdosporoutros carros, etemmemóriaparaostrajetosdasviagens.

—Eoquedizem,eoquedizem.Naoimporta,voce icaaısentadoexatamenteatrasdovolante,paraocasodealgumacoisasairerrada.

Maseengraçadocomovocevemagostardeumcarro.Demodoalgumeuochamavade Matthew e despendia todo o meu tempo polindo-o e cantarolando. Um cerebropositronicopermaneceemmelhores condiçoesquandoeleproprio controlao seu chassidurantetodootempo,oquesigni icaqueemelhormanterotanquecheio,demaneiraqueomotortrabalhediaenoite.Depoisdealgumtempoacostumei-medetalmodoquepodia

dizerpelosomdomotorcomoMatthewestavasesentindo.Asuamaneira,Harridgeafeiçoou-seaMatthewtambemNaohavianenhumdeque

elegostassemais.Divorciou-se,ousobreviveu,atresmulheres,cinco ilhosetresnetos.Demaneiraque,quandomorreu,talveznaotenhasidointeiramenteumasurpresaquetodooseu patrimonio tivesse sido legado, por sua vontade, a uma Fazenda para AutomoveisAposentados,sendoeuencarregadodecuidardetudoeMatthewcomooprimeiromembrodeumailustrelinhagem.

Eaquiloconstituiuaminhapropriavida.Nuncamecasei.Vocenaopodecasar-seeaindacuidarcorretamentedeautomáticos.

Os jornais acharam engraçado mas, depois de algum tempo, deixaram de fazerpiadas a respeito. Existem algumas coisas que voce nao pode ridicularizar. Talvez vocenuncaestejaemcondiçoesdeadquirirumautomaticoetalveznuncavenhaadeseja-lo,maspossogarantir-lhequesevieraterum,passaraaama-lo.Trabalhamduroesaoafeiçoados.Somenteumhomemsemcoraçãopodemaltratarumdelesouverummaltratado.

Eeporissoquesetornoucomum,seumhomempossuiumautomaticoporalgumtempo,tomarprecauçoesparaquesejadeixadonaFazenda,senaotemherdeiroaquempossaconfiarosexatoscuidadosqueumautomáticorequer.ExpliqueitudoissoaGellhom.

—Cinquentaeumcanos!-disseele.-Istorepresentaumbocadodedinheiro.—Cinquentamil,nomınimo,porcadaum,de investimentooriginal -disseeu.—

Valemmuitomaisagora.Euosequipei.—DevecustartambémumbocadodedinheiromanteraFazenda.—Temrazao.AFazenda e umaorganizaçaonao lucrativa, oquenosda umaboa

vantagem quanto aos impostos e, naturalmente, cada novo automatico que chegacomumente traz com ele fundos garantidos. Ainda assim, os custos estao sempre seelevando.Tenhoquemanteropaisagismo.Tenhoqueprovidenciarsemprenovoasfaltoerepararoantigo.Eaindaháagasolina,óleo,reparosepeças.Tudovaisomando...

—Etemdespendidomuitotempocomisto.—Certamentequetenho,Sr.Gellhorn.Trintaetrêsanos.—Nãoparecequeestejatendomuitolucro.—Naoparece?Vocemesurpreende,Sr.Gellhorn.EutenhoaSallyemaiscinquenta

deles.Olheparaela.Eeusorria.Naopodiaimpedir-medefaze-lo.Sallybrilhavatantoqueatedoıanos

olhos.Alguminsetodeviatermorridoemseupara-brisaoualgumapoeirinhahaviacaıdoali, de maneira que ela se pos a trabalhar. Um pequeno tubo projetou-se e passou aderramarTergosolsobreovidro.Espalhava-serapidamentesobreasuperfıciedesilicone,atingindotodososlugaresquasedeumasovezeforçandoaaguaparaumpequenocanalnaparteinferiordopara-brisa,porondeescorriaateochao.Nemumasogotadeaguaatingiaoseucapoverde-maça”.Otuboqueesguichavaodetergenterecolhia-seentaoaoseulugaredesaparecia.

—Nuncaviumautomáticocomoeste—disseGellhorn.—Achoquenao-respondi.-Monteiestapeçaautomaticaespecialemnossoscarros.

Gostaramdela.Atemesmo incrementeiaSallycomumejetordecera,automatico.Dessemodo ela pode limpar e polir a simesma todas as noites, ate que voce possa ver o seuprópriorostoemqualquerpartedelaeatépossabarbear-seali.Seeuconseguiraverba,vou

colocartaldispositivoemtodasasoutras.Conversíveissãomuitovaidosas.—Possodizer-lhedequemaneirapodeconseguiraverba,seéqueistolheinteressa.—Istosempreinteressa.Dequemaneira?—Naoeobvio,Jake?Qualquerdosseuscarrosvalecinquentamil,nomınimo,foio

quevocêdisse.Possoapostarquealgunsdelesatingemacasadomilhão.—Edaí?—Algumavezjápensouemvenderalguns,unspoucos?—Achoquenaochegouacompreender,Sr.Gellhorn,masnaopossovendernenhum

deles-disseeubalançandoacabeça.-PertencemàFazendaenãoamim.—Odinheiropoderiadestinar-seàFazenda.— Os estatutos da sociedade que constitui a Fazenda determinam que os carros

sejamperpetuamentecuidados.Nãopodemservendidos.—Equemedizdosmotores,então?—Nãocompreendo...—Escuteaqui, Jake -disseGellhornmudandodeposiçaoepondonavozumtom

con idencial.— Permita que lhe explique a situaçao. Existe um grande mercado paraautomáticosparticulares,desdequepossamficarbaratos.Certo?

—Istonãoésegredo.—Enoventae cincopor centodo custoestanomotor.Certo?Agora, eu seionde

posso encontrar um suprimento de carrocerias. E tambem sei onde podemos venderautomaticosaumbompreço-vinteoutrintamilparaosmaisbaratosetalvezcinquentaousessentaparaosmelhores.Tudooqueprecisosãoosmotores.Entendequaléasolução?

—Não,Sr.Gellhorn.—Entendia,sim,masqueriaqueelevomitassetudo.—EstaexatamenteaquiVocetemcinquentaeumdeleseeperitonamecanicados

automatomoveis, Jake.Precisa ser.Pode retirarummotore coloca-loemoutro carro,demaneiraqueninguémvenhaanotaradiferença.

—Nãoseriamuitoético.—Naoestariadani icandooscarros.Estariaatefazendo-lhesumfavor.Useosseus

velhoscarros.UseaquelevelhoMat-O-Mot.—Espere umpouco, Sr. Gellhorn.Motores e carrocerias nao sao itens separados.

Constituemumasounidade.Aquelesmotoressaousadosparaaquelascarrocerias.Naosesentiriamfelizesemoutroscarros.

—Estabem,entaoesteeoponto,eemuitobom,Jake.Seriacomotirarasuamenteecolocá-lanocrâniodeoutrapessoa.Certo?Vocênãogostariadisso,não?

—Não,achoquenãogostaria.—Masquetalseeutomasseasuamenteeacolocassenocorpodeumjovematleta?

Quemedizdisto,Jake?Vocejanaoemaisumrapaz.Selhefossedadaaoportunidade,naogostariadedesfrutaroprazerdevoltaraosvinteanos?Eistoqueestouoferecendoaalgunsdosseusmotoresautomobilísticos.

— Istonao fazmuito sentido, Sr. Gellhorn - disse eu, rindo.—Algunsdosnossoscarrospodem ser velhos,mas sao bem cuidados.Ninguemos guia. Tempermissao paraandarsozinhos.Estaoaposentados,Sr.Gellhorn.Eunaogostariadevoltaraterumcorpodevinte anos, se isso viesse a signi icar cavar fossos pelo resto da nova vida e nao ter osuficienteparacomer.Oqueéquevocêacha,Sally?

AsduasportasdeSallyabriram-seevoltaramafechar-se,suavemente.—Oqueéisso?—indagouGellhorn.—ÉamaneiradeSallydarrisada.—Falecomlogica,Jake—disseGellhorn,forçandoumsorriso.Achavaqueeufazia

algumapiadademaugosto.-Oscarrosforamfeitosparaseremguiados.Provavelmentenaosãofelizessevocênãoosguia.

—Sallynãotemsidoguiadahácincoanos-respondi.—Emeparecefeliz.—Tenhominhasdúvidas.—Ola, Sally, que tal uma volta por aı, commotorista? - disse ele levantando-se e

caminhandovagarosamentenadireçãodeSally.OmotordeSallyestrondeoueelarecuou.—Nãoaforce,Sr.Gellhorn-adverti.-Elapodeficarumpouconervosa.Doissedansestavamacercadecemjardas,naestradaacima.Pararam.Talvez,asua

maneira,estivessemobservando.Naolhespresteiatençao.TinhameusolhossobreSallyeconservava-osali.

—Fique irmeagora,Sally—disseGellhorn.Aproximou-seeposamaonamaçaneta.Elanemsemexeu,éclaro.

—Estaportaseabriuháumminutoatrás—disseele.—Fechaduraautomatica-respondi.-Sallyadquiriuumcertosensodereserva,foio

queaconteceu.—Umcarrocomsensodeprivacidadenaodevia sairporaı de capotaabaixada -

disseelevagarosaedeliberadamente.Deudoisoutrespassosparatraseentao,taorapidoquenaopudedarumpassopara

impedi-lo, avançouepulouparadentrodocarro.ApanhouSallydesprevenida, e tao logoentrou,desligouaigniçãoantesqueelapudessetravá-la.

Pelaprimeiravezemcincoanos,omotordeSallynãofuncionou.Achoquechegueiagritar,masGellhornjapuseraachaveem“Manual”ejaotravara

também.Pôsomotorafuncionar.Sallyvoltaraàvida,masnãotinhaliberdadedeação.Gellhorn saiu pela estrada. Os sedans ainda estavam la. Voltaram-se,mudando de

direção,emboranãoapressadamente.Achoqueaquilodeixou-osatônitos.UmdeleseraGiuseppe,vindodeumadasfabricasdeMilao,eooutroeraStephen.

Estavam sempre juntos. Ambos eram novos na Fazenda, mas ja estavam ali ha tempobastanteparasaberqueosnossoscarrosnuncatinhammotoristas.

Gellhorn foi em frente a toda velocidade e, quando os sedans inalmentecompreenderamqueSallynaoiriafrearporquenaopoderiafaze-lo,jaeratardeparafazeralgumacoisaanãosertomarmedidasdesesperadas.

Desviaramlogo,umparacadalado,Sallypassandoentreelescomoumcorisco.Stevecolidiucontraacercaqueladeavaaestrada,freandosobreogramadoealama,amenosdeseispolegadasdabeiradaagua.Giuseppemoveu-seaostrancosdooutroladodaestrada,parandodepoisbruscamente.

Consegui que Steve voltasse a estrada e estava tentando descobrir se a cerca lheizeraalgumdano,seequepodiafaze-lo,quandoGellhornvoltou.AbriuaportadeSallyesaiu.Inclinou-seedesligouaigniçãoumasegundavez.

—Aquiestáela-disseele.-Achoquelhefizumgrandebem.

— Por que continuou em velocidade com os sedans ao seu lado? — indaguei,contendominharaiva.-Nãohaviarazãoparaisto.

—Fiqueiesperandoquesaíssemdocaminho.—Eofizeram.Umdelesvarouacerca.—Sintomuito,Jake-disseele.-Penseiquesemovessemcommaiorrapidez.Sabe

comoe.Tenhoestadoemmuitosonibus.Masestiveemautomaticosparticularesumaouduasvezesemminhavida,eestaeaprimeiravezqueguioumdeles.Eistolhemostracomoeacoisa,Jake.Aoguiarum, iqueidesanguequente.Possolhegarantirquenaoprecisamosirmaisdoquevinteporcentoabaixodalistadepreçoparaatingirumbommercadoeolucroseriadenoventaporcento.

—Quedividiríamos?—Meioameio.Eeuassumotodososriscos,lembre-se.—Estabem. Jaoescutei.Agora,você equevaiescutar-me-eeleveiavozporque

estava tao furioso que ja nao podia mais continuar sendo bem educado.— Quando deupartidanomotordeSally,voceaferiu.Gostariadesernocauteado?FoiistooquefezcomSallyquandoadesligou.

—Vocêestáexagerando,Jake.Osautomatônibussãodesligadostodasasnoites.— Certo, e aı esta por que nao quero nenhum dos meus meninos ou meninas

en iados em carrocerias “57, onde eu nao saberia que tratamento teriam. Os onibusnecessitamderevisoesemseuscircuitospositronicosacadadoisanos.HacinquentaanosninguemtocanoscircuitosdovelhoMatthew.Oquepodeoferecer-lheemcomparaçaocomisto?

—Voceesta icandonervoso.Suponhoquevaipensarnaminhaproposta,quandoseacalmareentraremcontatocomigo.

—Jápenseitudooquetinhaquepensar.Seovirmaisumavez,chamareiapolícia.—Espereaí,velho-disseeletorcendoabocaameaçadoramente.—Espereaídigoeu.Aquiépropriedadeprivadaeestoumandandoquedêofora.—Bem,então,adeus-disseeledandodeombros.—ASra.Hesteroacompanhará.Estejacertodequeesteadeusépermanente.Masnaofoipermanente.Volteiave-lodoisdiasdepois.Doisdiasemeio,paraser

maispreciso,porquejaeraquasemeio-diaquandoovieumpoucodepoisdemeia-noitequandovolteiavê-lonovamente.

Sentei-menacamaquandoeleacendeualuz,piscandoatequepudesseentenderoqueacontecia.Equandopudever,naoprecisavademuitaexplicaçao.Tinhaumaarmanamaodireita,comocanodamalditaagulhinhaperfeitamentevisıvelentredoisdedos.Sabiaquetudooquetinhaafazereraaumentarapressãodaquelesdedoseeuficariaempedaços.

—Vistaassuasroupas,Jake-disseele.Nãomemexi.Fiqueiapenasolhandoparaele.—Escute, Jake, sei qual e a sua situaçao - disse ele. -Visitei-oha doisdias atras,

comosabe.Vocenaotemguardasnestelugar,nenhumacercaeletri icada,nenhumalarme.Nada.

—Naoprecisodenadadisso—disseeu.—Porenquanto,naohanadaquepossaimpedi-lode sairdaqui, Sr.Gellhorn.E eu saberia se fosseo senhor.Este lugarpode sermuitoperigoso.

—Eé,paraqualquerumqueestejadoladoerradodeumaarma.—Compreendo.Vejoquecarregauma.—Então,mexa-se.Meushomensestãoesperando.—Nao,Sr.Gellhorn.Naoatequemedigaoquequereprovavelmentenemmesmo

assim.—Fiz-lheumapropostaanteontem.—Arespostacontinuasendonão.— Ha mais do que uma proposta, agora. Vim aqui com alguns homens e um

automatonibus.Easuaoportunidadedevircomigoedesligarvinteecincodosmotorespositronicos.Naomeimportaquaisdeles.Vamoscoloca-losnoonibuseleva-los.Umavezquetenhamsidodistribuídos,cuidareiparaquerecebaasuajustaparteemdinheiro.

—Eparatantotenhoasuapalavra,suponho.—Tem—enãoagiucomosesentissequeeuestavasendosarcástico.—Não-eudisse.— Se insiste em dizer nao, faremos a coisa a nossa propriamaneira. Eu proprio

desligareieretirareiosmotores,soquefareiistocomoscinquentaeumquevocetem.Comtodoseles.

—Naoeassimtaofacildesligarmotorespositronicos,Sr.Gellhorn.Poracasoeumperitoemrobótica?Emesmoqueseja,sabe,essesmotoresforammodificadospormim.

—Seidisso,Jake.Enaverdade,naosouumperito.Possoarruinaralgunsmotorestentandotira-los.Eesteeomotivoporquetereiquetirartodososcinquentaeum,sevocenaocooperar.Posso icarsocomvinteecinco,quandoacabar.Oprimeiroemqueeutocar,provavelmentesofreramais.Atequeeupegueojeito.Esetiverquefazeristo,oprimeiroemqueporeiamãoseráSally.

—Nãoacreditoqueestejafalandosério,Sr.Geluiorn.—Faloserio—disseele.Epor imsoltoutodooveneno.-Secooperar,pode icar

comSally.Deoutromodoelapoderásemachucarbastante.Sintomuito.—Voucomvocê,mastenhomaisumavisoalhedar.Teráproblemas,Gellhorn.Eeleachoumuitagraçanaquilo.Estavarindobaixinhoquandodescemosasescadas

juntos.Havia um automatonibus esperando la fora na estrada que conduzia aos

apartamentos-garagem.Assombrasde treshomensesperavamaoseu ladoe seus faroisacenderam-sequandonosaproximamos.

—Apanheiovelho-disseGellhomemvozalta.—Tiremdaıessecaminhaoevamoscomeçar.

Umdelesinclinou-separadentrodoveıculoeaplicouasinstruçoesapropriadasnopaineldecontrole.Subimospelaestradacomoônibusanosseguir,submisso.

—Nao conseguira entrar na garagem - expliquei. - A porta nao vai aceita-lo.Naotemosônibusaqui,sócarrosparticulares.

—Estábem-disseGellhom.-Passe-oparaagramaeconserve-oforadavista.Podia-seouviroronronardosmotoresdoscarrosadezmetrosdagaragem.Normalmenteaquietavam-sequandoeuentrava,mas,destavez,nao.Pensoqueeles

sabiamquehaviaestranhosporpertoequandoascarasdeGellhornedosoutrostornaram-sevisıveis, icarammaisbarulhentos.Decadamotorvinhaumrumoresquentandoecada

umdelespassouabaterpinoirregularmente,atéqueolugarmatraqueava.Asluzesacenderam-seautomaticamentequandoentramos.Gellhornnaopareciase

importar comobarulhodos canos,masos tres homensqueo acompanhavampareciamsurpreendidos e pouco a vontade. Tinham a aparencia do assassino pro issional, umaaparenciaquenaovinhadasuaconstituiçaofısica,masdeumacertacautelanoolharedacanalhiceestampadaemseusrostos.Conheciaotipoenãomepreocupava.

—Quediabo,estãodesperdiçandogasolina-disseumdeles.—Meuscanossempreadesperdiçam-respondi,empertigado.—Masnãoestanoite—disseGellhom.-Desligue-os.—Nãoéassimtãofácil,Sr.Gellhom-respondi.—Comece!-ordenouele.Fiqueialiparado.Elemantinhaaarmafirmementeapontadaparamim.—Jalhedisse,Sr.Gellhorn,queosmeuscarrostemsidobemtratadosenquantotem

estado aqui na Fazeuda. Estao acostumados a ser tratados dessa maneira e vao icarressentidoscomqualquermau-trato.

— Voce tem um minuto — replicou. - Deixe para doutrinar-me em outraoportunidade.

—Estoutentandoexplicarumacoisa.Estoutentandoexplicarqueosmeuscarrosentendemoquelhesdigo.Ummotorpositronicoaprende,comtempoepaciencia.Osmeuscarrosaprenderam.Sallyentendeuasuapropostahadoisdiasatras.Deve lembrar-sedequeriuquandoindagueisobreasuaopiniao.Tambemsabeoquefezcomela,assimcomoosdoissedansquevocetiroudaestrada.Eorestantesabeoquefazercomosinvasoresemgeral.

—Escuteaqui,velhomaluco...—Tudooquetenhoadizeré-elevanteiavoz:-Pega!Umdoshomensempalideceuegritou,massuavozseperdeucompletamenteaosom

decinquentaeumabuzinasquedeumasovezdispararam.Mantiveramsuasnotasenasquatroparedesdagaragemoecoelevou-se,furiosoemetalico.Doiscarrosrolaramparaafrente,semmuitapressa,masnaohaviaenganoquantoaoseualvo.Doisoutrosseguiram,emlinha,osprimeiros.Todososcarrosagitavam-seemseusboxes.

Osvilões,deolhosarregalados,recuaram.—Nãofiquemencostadosàparede!-gritei.Mas aparentemente o mesmo pensamento instintivo lhes ocorrera. Dispararam

loucamentepelaportadagaragem.Janaporta,umdoshomensdeGellhornvoltou-se,sacandoapropriaarma.Aagulha

emitiuumfinoclarãoazuladonadireçãodoprimeirocarro.EocarroeraGiuseppe.Uma ina linha de pintura descascada apareceu no chassi de Giuseppe, a metade

direitadoseupára-brisaserachouetrincou,masovidronãochegouaquebrar-se.Oshomensagorajahaviampassadopelaportae,doisadois,oscanosaceleravam

atras deles dentrodanoite, as buzinas disparadas trombeteandoo ataque. Continuava asegurarGellhornpelo cotovelomas,dequalquermodo,nao creioquepudessemover-se.Seuslábiostremiam.

—Aıestaporquenaoprecisodecercaseletri icadasoudeguardas—expliquei.—Aminhapropriedadeprotege-seasimesma.

OsolhosdeGellhornmoviam-sedeum ladoparaoutro, fascinados, amedidaquecadapardeautomóveispassava.

—Sãoassassinos!—disseele.—Nãosejatolo.Nãovãomatarseushomens.—Sãoassassinos!—Apenas vao lhesdaruma liçao.Osmeus carros foramespecialmente treinados

paraperseguiçaoatravesdoscampos,exatamenteparaumaocasiaocomoesta.Oqueosseus homens terao sera pior do que umamorte direta e rapida, creio. Alguma vez ja foiperseguidoporumautomatomóvel?

Gellhornnãorespondeu.Maseucontinuei,nãoqueriaqueeleperdessenada.— Serao como sombras correndo tanto quanto seus homens, cercando-os dali e

daqui,buzinando,avançando,semprenoencalçodeles,ameaçando-os,cantandoospneuseacelerandoosmotores.Eassimcontinuaraoatequeseushomenscaiam,ofegantes,meiomortos,esperandoqueasrodaspassemporcimadosseusossosfrageis.Masoscarrosnaofarao isso, irao embora.Epodeapostarque seushomensnuncamais voltarao aquipeloresto da vida. Nempor todo o dinheiro que voce ou dez iguais a voce possam lhes dar.Escute...-Eaperteimaisoseubraço.Eleendireitou-separaouvir.

—Naoestaescutandoportasdecarrosbatendo?—perguntei.Osomvinhadelonge,masnãohaviaengano.—Elesestãorindo.Estãosedivertindo.

OrostodeGellhorncrispou-sederaiva.Levantouamão.Aindaempunhavaaarma.—Eunãofariaisso.Umdosautomatomóveisaindaestáconosco.Acho que ele nao tinha notado Sally ate entao, elamovera-semuito suavemente.

Emboraseuparalamadianteiropraticamentemetocasse,naopodiaouvir-lheomotor.Eladeviaestarcontendoasuarespiração.Gellhorngritou.

—Elanaolhetocaraenquantoeuestivercomvoce.Massevocemematar...Sallynaogostadevocê,sabe?

GellhornvoltouaarmanadireçãodeSally.—Omotordelaéblindado-expliquei-eantesquevocêsequerpudesseacionaressa

coisapelasegundavezelajáestariaemcimadevocê.—Estabem,entao-gritouelesubitamente,eomeubraçofoitorcidoparatrasdetal

modoqueeumalpodiasuportar.Manteve-meentreeleeSallyesuapressaoemmeubraçonaodiminuiu. -Venhacomigoquietinhoenao tentesoltar-se,velho, senao lhearrancoobraçodoombro.

Tive quememover. Sally vinha atras de nos, cutucando-me, aterrorizada, incertaquantoaoquefazer.Tenteidizer-lhealgumacoisa,masnaopude.Somentepodiacerrarosdentesegemer.

OautomatonibusdeGellhornestavaaindalafora,emfrenteagaragem.Fuiforçadoaentrarnele.Gellhornsaltouparadentro,se-guindo-me,efechouasportas.

—Muitobem.Agora,vamosfalarsério—disseele.Estavaesfregandoomeubraço,tentandodar-lhevidanovamenteemesmoaofaze-

lo, automaticamente, sem ter consciencia do esforço requerido, estudava o painel decontroledoônibus.

—Esteéumveículoreconstruído-constatei.—Edaı?-disseele,caustico.—Eumaamostradomeutrabalho.Conseguiumchassi

disponıvel, encontrei um cerebro que pudesse usar e presenteei-me com um onibusparticular.Queacha?

Inclinei-merapidamenteparaopainelreparado,forçando-oparaumlado.—Masqueinferno!-disseele.-Deixeissoaı!-Esuamaocaiucomoumdormente

sobreomeuombroesquerdo.Luteicontraele.—Naoqueroprejudicaroonibus.Quetipodepessoavocepensaquesou?Apenas

queriadarumaolhadanasligaçoesdomotor.-Enaopreciseiolharmuito.Estavafervendoderaivaquandomevolteiparaele.

—Voce eumpatifeeumbastardo.Naotinhaodireitodeinstalarestemotor,porquenãoprocurouumespecialistaemrobótica?

—Seráquepareçolouco?—respondeuele.—Mesmo sendo ummotor roubado, nao tinha o direito de trata-lo destemodo.

Soldas,fitasadesivasebraçadeiras!Ébrutal!—Masfuncionou,nãoémesmo?—Claroquefuncionou,masistoeuminfernoparaoonibus.Vocepodevivercom

enxaquecas,doresdecabeçaeartritismoagudomasistonaoseriaumaboavida.Estecarroestásofrendo!

—Caleessaboca!—eporummomentorelanceoupelajanela,paraSallyquevinharodandotaopertodo onibusquantopodia.Gellhorncerti icou-sedequeportase janelasestavamfechadas.

—Vamossairdaquiagora,antesqueosoutroscarrosvoltem-disseele.-Evamospermanecerlonge.

—Edequemodoissovaiajudá-lo?—Seuscarros icaraosemgasolinaalgumdia,nao icarao?Vocenaoosprogramou

para que eles proprios enchessem os seus tanques, nao e? Voltaremos e acabaremos onegócio.

—Estarãoprocurandopormim-afirmei.-ASra.Hesterchamaráapolícia.Elejanaoraciocinavamais.Engrenouoonibus,quesaltouparaafrente.ESallynos

seguiu.—Oqueelapodefazersevocêestáaquicomigo?-disseeledandoumarísadinha.Sallypareciacompreenderissotambem.Aumentouavelocidade,passoupornosese

foi.Gellhornabriuajanelaaoseuladoecuspiupelaabertura.O onibusmovia-se comalgumadi iculdadepela estradaescura, omotor rateando

irregularmente.Gellhornreguloualuzperifericaatequea itaverdefosforescentedomeiodaestrada,aluzdoluar,fossetudooquenosmantinhaforadasarvores.Praticamentenaohavia trafego. Dois carros passaram pelo nosso, indo no sentido contrario, e nao havianenhumdonossoladodaestrada,nemadiantenematrás.

Fuieuquemouviuprimeiroabatidadeumaporta-batidarapidaefortequeecoounosilencio,primeiroadireitaedepoisaesquerda.AsmaosdeGellhomtremeramquandofuriosamentetentoualcançarmaiorvelocidade.Umfeixedeluzatravessoucomoumraio,partindodeumgrupodearvores,emnossadireçao,cegando-nos.Eumoutrofeixedeluznos atingiu, vindo por tras da grade de proteçao, do outro lado. De um cruzamento, aquatrocentos metros adiante, ouviu-se o guincho de um cano que arrancava em nossadireção.

—Sallyfoibuscarosoutros—disseeu.—Achoquevocêestácercado.—Edaı?Oquepodemfazer?-eGellhorndebruçou-sesobreoscontroles,tentando

enxergaratravesdopara-brisa.—Equantoavocê,meuvelho,naotentefazernada,nada-tartamudeou.

Eeunempodia.Estavacansadoateosossos,meubraçoesquerdoestavaemfogo.Ossonsdosmotoresagoraeramemunıssonoe icavammaisperto.Podiaouvirqueosoardosmotoresobedeciaagoraapadroesinusitados.Subitamentepareceu-mequeosmeuscarrosfalavamunscomosoutros.

Buzinas,numaenormeconfusao,soaramportrasdenos.Voltei-meeGellhornolhourapidamentepeloretrovisor.Umadúziadecarrosvinhaseguindoaolongodasduasvias.

Gellhorngritavaeriacomoumlouco.—Pare!Pareocarro!-gritei-lhe.Eo izporque,amenosdeumquartodemilhaadiante,perfeitamentevisıvel a luz

dosfaroisdosdoissedansdecadaladodaestrada,estavaSally,comoseucorporeluzenteatravessadonaestrada.Doiscarroslançavam-sepelaviaanossaesquerda,conservando-seàdistânciadenós,eimpedindoqueGellhornfizesseoretornoporaquelelado.

Mas ele nao tinha a menor intençao de faze-lo. Colocou o dedo sobre o botaoindicandoaltavelocidadeeconservou-oali.

—Naohaveranenhumerroassim-disseele.-Esteonibustemcincovezesopesodela,meuchapa,evaicolocá-laforadaestradacomoumgatomorto.

Sabiaqueelepodia faze-lo.O onibusnaoestavaemautomaticoe simmanualeodedodeGellhorncontinuavaapressionarobotão.Nãoduvideidequefariaaquilo.

— Sally! - gritei eu baixando o vidro e en iando a cabeça para fora. — Saia docaminho!Sally!

Ouviu-seentaooaltosomagoniadodelonaschiando.Senti-melançadoparaafrenteeouviGellhornbufando.

— Que aconteceu? — indaguei. Tola pergunta. Havıamos parado, fora o quesimplesmenteacontecera.Sallyeoonibusmantinham-seapenasacincopes.MesmocomumOnibuscincovezesmaispesadodoqueelaavançandoemsuadireçao,elanaosemoveu.Quefibra!

—Issotemquefuncionar!-eGellhornapertavadesesperadoobotaodemanual.—Issotemquefuncionar!

—Naodamaneiraquevocemanejaomotor,espertinho-disseeu.-Qualquerumdoscircuitospodeentrarempane.

Olhouparamimvaradopelaraivaegrunhiu.Ocabeloestavacoladoemsua testa.Levantouopunho.

—Esteéoúltimoconselhoquevocêdará,velho!Sabiaqueaarmadeagulhasestavaprestesadisparar.Pressioneiocorpocontraa

portadoonibus,deolhospregadosnaarma,demaneiraque,quandoaportaseabriu,caıdecostasbatendonochãocomumruídoseco.Ouviquandoaportavoltouabater.

Fiqueide joelhose levantei avistaa tempodevera luta inutildeGellhorncomajanelaqueteimavaemnaoabrireemseguidaasuatentativadedispararatravesdajanela.Nuncachegouafaze-lo.OonibusdeuumaarrancadacomumtremendorugidoeGellhornfoilançadoparatrás.

Sallyjanaoestavamaisnomeiodaestradaeobserveiasluzestraseirasdoonibuspiscandonadireçãodaestradaabaixo.

Sentia-meexausto. Sentei-menoacostamento, a cabeçaentreosbraços, tentandotomarfôlego.

Ouviquandoumcarroparousuavementeameulado.Quandolevanteiavista,viqueeraSally.Vagarosamente-amorosamente,pode-sedizer-suaportadafrenteabriu-se.

HacincoanosninguemguiavaSally—excetoGellhorn,naturalmente-eeuseicomotal sensaçao de liberdade e valiosa para um carro. Apreciei o gesto, mas declinei dooferecimento.

— Obrigado, Sally, mas apanharei um dos carros mais novos. Levantei-me e deialgunspassos,mascomaagilidadedeumapirueta,elacolocou-seaminhafrentemaisumavez.Nao podia ferir seus sentimentos. Entrei. O seu assento da frente desprendia ino esuaveodordeumautomatomovelqueseconservairrepreensivelmentelimpo.Agradecido,recostei-mee,entao,comrapidaesilenciosae iciencia,osmeninoseasmeninaslevaram-meparacasa.

Na tarde seguinte, a Sra. Hester, muito excitada, trouxe-me uma transcriçao

irradiada.—ÉoSr.Gellhorn-disseela-ohomemqueveioaquiprocurá-lo.—Oquehácomele?-etemiapelaresposta.—Encontraram-nomorto—continuouela.-Imagineso.Jogadoali,morto,emuma

vala.—Deveseroutrapessoa,umestranho-murmurei.—Raymond J. Gellhorn— disse ela com toda vivacidade. - Nao pode haver dois,

pode?Adescriçaocorresponde.SantoDeus,quemaneirademorrer!Descobrirammarcasdepneusemseusbraços,emseucorpo.Imagine!Alegro-mequetenhamdescobertoquesetratavadeumônibuspois,deoutramaneira,podiamaparecerporaquiparabisbilhotar.

—Istoaconteceupertodaqui?—perguntei,ansioso.—Nao... Perto de Cooksville. Mas,meu Deus do ceu, leia vocemesmo se... O que

aconteceuaGiuseppe?Senti-me grato pela mudança de assunto. Giuseppe esperava pacientemente por

mim,afimdecompletar-lheoreparodapintura.Oseupára-brisajáhaviasidorecolocado.Depoisqueelasaiu,apanheiacopia.Naohaviaamenorduvida.Orelatoriomedico

diziaqueeleestiveracorrendoequeestavaemcompletaetotalexaustao.Fiqueiaimaginarpor quantasmilhas o onibus havia estado a brincar com ele antes do ataque inal. Masaquelacopianaorevelavaamenornoçaodequalquercoisaparecidacomoqueeusabia,naturalmente.

Haviamlocalizadooonibuseidenti icado,pelasmarcasdospneus.Apolıciaotinhaagoraeestavatentandoencontraroseuproprietário.

Haviaumanotaespecialnaquelatranscriçao.AqueleeraoprimeiroacidentefataldetrafegonoEstadonaqueleanoeojornaldesaconselhava,enfaticamente,ousomanualdeveículos,ànoite.

NaohaviamençaodostreslarapiosqueacompanhavamGellhorne,pelomenosporisto, senti-me grato.Nenhumdos nossos carros tinha sido seduzido pelo prazer de uma

caçamortal.Eissoeratudo.Deixeicairojornal.Gellhornhaviasidoumcriminoso.Otratamento

quederaaoonibusforabrutal.Emminhamentenaohaviaamenorduvidadequemereceraamorte.Masaindaassimsenti-meligeiramenteenojadopelamaneiracomoativera.

Ummesjasepassoumasnaoposssotiraristodeminhamente:meuscarrosfalamuns com os outros. Ja nao tenho amenor duvida. E como se eles tivessem obtidomaiscon iança,comosejanaoseimportassemmaisemmanterosegredo.Constantementeasminhasmáquinasvibramematraqueiam.

Enaofalamapenasentreelesmesmos.FalamcomoscarroseosonibusquevemaFazendaanegócios.Háquantotempoestariamfazendoaquilo?

Edeviamserentendidos tambem.O onibusdeGellhorn compreendera-os,porquetodoshaviamestadoemaçaopormaisdeumahora.Possofecharosolhosetrazerdevoltaa minha memoria a cena da perseguiçao na estrada, os nossos carros a lanquearem oonibus, fazendo matraquear os seus motores ate que o onibus os entendesse, parasse,lançasse-meforaesaísseemdisparadacomGellhorn.

Teriam os meus carros dito a ele para matar Gellhorn? Ou a ideia teria sidoexclusivamentedele?

Podemoscarrostertaisideias?Ostecnicosemmotores,osqueosdesenham,dizemquenão-masfazemtalafirmativaemcondiçõesordinárias.Teriamprevistotudo?

Oscarrospodemficarmalacostumados,sabe?Alguns deles vem a Fazenda e observam. Conseguem saber de algumas coisas.

Descobremque existem carros cujosmotores nunca icamparados, carros que ninguemjamaisguiaecujasnecessidadessãosatisfeitasparasempre.

Talvezsaiamdaquievaocontaraoutrosetalvezanotıciaseespalherapidamente.Talvez comecemapensarqueoestilo emvigornaFazendadeva ser adotadonomundointeiro.Naopodementender.Naosepodeesperarfaze-losentenderarespeitodelegadosedoscaprichosdoshomensricos.

Existem milhoes de automatomoveis na Terra, dezenas de milhoes. Se talpensamentocrescerdentrodeles,queelessaoescravos,quedeveriamfazeralgumacoisaarespeito...SecomeçaremapensarnamaneiracomooônibusdeGellhornagiu...

Talvez istonao aconteça enquanto euestiver vivo.E, alemde tudo, elesprecisamconservaralgunsdenosparacuidardeles,naoemesmo?Naochegariamamataratodosnós.

Mastalvezofaçam.Talveznaocheguemaentendercomoenecessarioquealguemcuidedeles.Talvezsejahoje...

Todasasmanhãseuacordoepenso:-Talvezsejahoje...Naoconsigo termaisprazercomosmeuscarros, comoantigamente.Nos ultimos

tempos,tenhoverificadoquecomeceiaevitaratémesmoSally.

3- Um dia

Niccolo Mazetti estava deitado de bruços sobre o tapete, o queixo enterrado na

palma da mao pequena e ouvia o Bardo, desconsolado. Percebia-se ate o começo delágrimasemseusolhosescuros,luxoaquesósepodiapermitirumacriaturacomonzeanosdeidadequandoseencontravasozinha.OBardodisse:

—Uma vez nomeio da loresta enorme, vivia umpobre lenhador com suas duasilhassemmae,queeramtaobelasquantoodia e longo.A ilhamaisvelhatinhacabelospretosecompridoscomoapenadeasadagrauna,masa ilhamaisnovatinhacabelostaobrilhantesedouradoscomoaluzdosolemtardedeoutono.

—Muitasvezes,enquantoasmeninasesperavamqueopaivoltasseparacasa,apostrabalharnomato,afilhamaisvelhasentava-sediantedoespelhoecantava...

OqueelacantavaNiccolonãoouvia,porquealguémochamoudeforadoquarto:—Ei,Nickie.ENiccolo,orostodesanuviando-senomesmoinstante,correuatéajanelaegritou:—Ei,Paul.PaulLoebacenoucomamaoagitada.EramaismagrodoqueNiccoloenaotaoalto,

mesmo sendo seis meses mais velho. Tinha o rosto cheio de tensao reprimida, que semostravacommaisclarezanorápidopiscardaspálpebras.

—Ei,Nickie,queroentrar.Tenhoumaideiaemetade.Esperesóatéouvir.Olhourapidamenteemvolta,comoaveri icarapossibilidadedeouvintesfurtivos,

masoquintaldafrenteestavaevidentementevazio.Repetiu,então,emcochicho:—Esperesóatéouvir.—Muitobem,jáabroaporta.OBardocontinuousuavemente,semsaberdaperdadeatençaoporpartedeNiccolo.

QuandoPaulentrou,oBardoestavadizendo:—...Comqueoleiodisse:“Sevoceencontrarparamimoovoperdidodaavequevoa

sobreaMontanhadeÉbano,umavezacadadezanos,eu...”Pauldisse:—VocêestáouvindooBardo?Eunãosabiaquevocêtinhaum.Niccolosetornourubroeaexpressãodeinfelicidaderegressouaseusemblante.—Ésóumacoisavelhaqueeutinha,quandoeramenino.Nãoestámuitoboa.Desferiu um pontape no Bardo e acertou, na cobertura de plastico, um tanto

arranhadaedescolorida,umoutrogolpe.OBardoteveumsoluço,comosealigaçaodoalto-falantefossetiradadocontatopor

ummomento,edepoisprosseguiu:—...porumanoeumdia,atequeossapatosdeferrosegastaram.Aprincesaparou

doladodaestrada...Pauldisse:— Rapaz, esseêmesmo ummodelo antigo— e olhou para aquilo com expressao

crítica.AdespeitodapropriaamarguraqueNiccolosentiacontraoBardo,naolheagradouo

tomcondescendentedooutro.SentiamomentaneamentepesarporterdeixadoPaulentrar,pelomenosantesdehaverrecolocadooBardoemseulugardedescansohabitualnoporao.Sopelodesesperodeumdiamonotonoeumdebateinfrutıferocomopaiequeeleo izeraressuscitar.Eacabaraverificandosercoisatãoestúpidaquantoimaginara.

NickietinhaumpoucodemedodePaul,jaqueeste izeracursosespeciaisnaescolaetodosdiziamqueeleiacrescereserumEngenheirodeComputador.

Nao que o proprio Niccolo estivesse a se sair mal na escola. Recebera notasadequadasemlogica,manipulaçoesbinarias,computaçaoecircuitoselementares;todasasdisciplinas costumeiras da escola primaria. Mas era exatamente isso! Nao passavam dedisciplinascomunseelecresciaparaserumguardadepaineldecontrole,comotodososoutros.

Paul, todavia, conhecia coisas misteriosas sobre o que chamava de eletronica ematematica teorica e programaçao. Principalmente programaçao. Niccolo nem mesmoprocuravacompreenderquandoPaulfalavasobreoassunto,parecendoborbulhar.

PaulolhouoBardoporalgunsminutosedisse:—Vocêandouusandomuitoissoaí?—Nao!—retorquiuNiccoloofendido.—Tenhoissoguardadonoporaodesdeque

vocemudouparaca.Sotireidelahoje...-Faltava-lheumadesculpaqueparecesseadequadaasipróprio,demodoqueeleconcluiu:-Acabeidetirar.

Paulperguntou:—Éissooqueelelheconta:lenhadoreseprincesaseanimaisquefalam?Niccoloexplicou:—Umacoisahorrıvel.Meupaidissequenaopodemoscomprarumnovo.Eufalei

com ele, hoje demanha... - A recordaçao das suplicas inuteis que izera demanha levouNiccolo a aproximar-se muito das lagrimas, que reprimiu tomado de panico. De algummodoachavaqueasfacesmagrasdePaulnuncahaviamsentidoavergonhadaslagrimaseque Paul so poderia desdenhar outra pessoa menos forte que ele proprio. Niccoloprosseguiu:—Porissoacheiquedeviaexperimentaroutravezessacoisavelha,masnaovalenada.

Paul desligou o Bardo, apertou o contato que levava para a reorientaçao erecombinaçaoquaseinstantaneasdovocabulario,personagens,textosdatramaeclımaxaliguardados.Depoisreativou.

OBardocomeçou,devagar:—UmavezhaviaummeninochamadoWillikins,cujamaemorreraequeviviacomo

padrastoeo ilhodopadrasto.Emboraopadrastofosseumhomembemrico,negavaaopobre Willikins a propria cama em que dormia, de modo que Willikins era obrigado adescansaromelhorquepodiaemummontedepalhanoestábulo,pertodoscavalos...

—Cavalos!-gritouPaul.—Sãoumaespéciedeanimal—disseNiccolo.—Achoquesão.—Euseidisso!Agoraimaginesó,estóriassobrecavalos.—Ele fala de cavalos o tempo todo - explicou Niccolo. - Existem tambem coisas

chamadasvacas.VocêtiraleitedelaseoBardonãodizcomo.

—Bem,puxavida,porquevocênãoconsertaisso?—Gostariadesabercomo.OBardoestavadizendo:—MuitasvezesWillikinspensavaquesefossericoepoderosohaveriademostrarao

padrasto e ao ilhodopadrasto o que signi icava ser cruel comummeninopequeno, demodoqueumdiaresolveusairparaomundoeprocurarsuasorte.

Paul,quenãoouviaoBardo,disse:—Êfácil.OBardotemcilindrosdememoriapreparadosparaaspalavrasdatramae

osclımaxeascoisas.Naovamosnospreocuparcomisso.Esoovocabularioquedevemosconsertar,demodoqueelevaisaberacercadoscomputadores,automatizaçaoeeletronicaeascoisasreaisquetemoshoje.Depoispodecontarestoriasinteressantes,vocesabe,emvezdefalarsobreprincesaseessascoisas.

Animado,Niccolodisse:—Oxaláagentepudessefazerisso.Pauldisse:—Escuta,meupaidizqueseeuentrarnaescolaespecialdecomputaçao,noanoque

vem,elevaimedarumBardodeverdade,ummodelonovo.Bemgrande,comligaçaoparaestóriasdemistériosdoespaço.Eumaligaçãovisualtambém!

—Querdizerquevocêvaiverasestórias?—Claro.OsenhorDaugherty,naescola,dizqueelas temcoisasassim,agora,mas

naosaoparatodos.Soseeuentrarnaescoladecomputaçao.OPapaipodearranjarumascoisas.

OsolhosdeNiccolotransbordavamdeinveja.—Puxavida.Verumaestória!—Vocêpodeirláemcasaeassistiraqualquermomento,Nickie.—Puxavida,rapaz.Obrigado.—Denada.Maslembre-sedeumacoisa,soueuquemdizquetipodeestoriavamos

ouvir.—Claro,claro-Niccoloteriaconcordadoprontamente,mesmosobcondiçoesmais

severas.AatençãodePaulsevoltouparaoBardo,quedizia:—“Se e assim”,disseo rei, co iandoabarbae fechandoacaraatequeasnuvens

cobriramoceueo relampagoriscouoar, “vocevaiprovidenciarparaque todaaminhaterrafiquelivredasmoscasaestahora,depoisdeamanhã,ou...”.

—Tudoquetemosafazer-dissePaul-eabrir...-EdesligounovamenteaBardo,japrocurandotiraropaineldafrenteenquantofalava.

—Ei-interveioNiccolo,alarmadodesúbito.-Nãovaiquebrar.—Naovouquebrar-dissePaul,comimpaciencia.-Euseitudosobreessascoisas.-

Elogo,comcautelarepentina:-Seupaiesuamãeestãoemcasa?—Não.—Muitobem,entao.-Jatiraraopaineldianteiroeolhavaparaointerior.-Rapaz,

istoécoisadeumcilindro.JatrabalhavanasentranhasdoBardo.Niccolo,queobservavaemsuspensepenoso,

nãoconseguiaenxergaroqueooutrofazia.

Paultiroudeláumafaixafinaeflexíveldemetal,cobertadepontos.—EsteeocilindrodememoriadoBardo.Apostoqueacapacidadedeestoriasdele

temmenosdeumtrilhão.—Oquevocêvaifazer,Paul?—perguntouNiccolo,trêmulo.—Voudar-lhevocabulário.—Como?—Éfácil.Tenhoumlivroaqui.OSr.Daughertymedeunaescola.Paul tirouo livrodobolsoeretirouasua tampadeplastico.Desenroloua itaum

pouco, passou-a pelo vocalizador que abaixou ate tornar-se um murmurio e depois ocolocoudentrodasentranhasdoBardo.Efezoutrasligações.

—Oqueissovaifazer?—OlivrovaifalareoBardoguardarátudonafitadememória.—Edequeserve?—Rapaz,voce eburro!Meulivro e todosobrecomputadoreseautomatizaçaoeo

Bardo icaracomtodaessainformaçao.Depoisvaipoderparardefalarsobrereisquecriamrelâmpagosquandofechamacara.

Niccolodisse:—Eobomsujeitosemprevence,sejalácomofor.Nãotemgraçanenhuma.—Oh,bem—dissePaul,observandoparaverseoseuarranjoestavafuncionando

corretamente.-EassimqueelesfazemosBardos.Elesprecisamfazerosbonscamaradasvenceremeosmauscamaradasperderem,coisasdessetipo.Umavezouvimeupaifalandosobreoassunto.Eledizquesemacensuranaosepodiadizeroqueageraçaomaisjovemseriacapazdetornar-se.Eledizqueacoisajaandamuitoruim...Pronto,estafuncionandomuitobem.

Paulesfregouasmãosumanaoutraeafastou-sedoBardo,dizendo:—Masescute,aindanaolheconteicomoeaminhaideia.Eamelhorcoisaquevoce

jáouviu,podecrer.Vimfalarcomvocêporqueacheiquevocêhaviadeentrarnelacomigo.—Comcerteza,Paul,comcerteza.—Muito bem. Voce conhece o Sr. Daugherty, na escola? Voce sabe que ele e um

sujeitogozado.Poisbem,elegostademim,umpouco.—Eusei.—Estivenacasadeledepoisdaescola,hoje.—Vocêesteve?—Claro.Eledizque euvouentrarna escolade computadores equermeanimar,

coisas assim.Eledizqueomundoprecisademais genteque saibaprojetar circuitosdecomputadoresavançadosefazerumaprogramaçãocorreta.

—É?Paul podia perceber parte da vacuidade daquele monossılabo. Disse, com

impaciência:—Programaçao!Eujalheconteimaisdecemvezes.Equandovocecriaproblemas

para os computadores gigantescos comooMultivac resolverem.O Sr.Daugherty diz queesta icando cada vez mais difıcil encontrar pessoas que saibam dirigir bem oscomputadores.Eledizquequalquerpessoapode icardeolhonoscontroleseveri icarasrespostaseprocessarosproblemasderotina.Dizqueotruqueeexpandiraspesquisase

calcularmodosdefazerasperguntascertas,equeissoédifícil.Eleprosseguiu:—Dequalquermodo,Nickie,elemelevouateacasadeleememostrouacoleçaode

computadores antigos. E uma especie de passatempo dele colecionar computadoresantigos. Tinha computadores tao pequenos que era preciso apertar com a mao, combotoezinhospor cima.E tinhaumpedaçodemadeiraquechamavade reguade calcular,comumpedacinholadentroquecorriapralaepraca.Ealguns ioscombolas.Tinhaateumpedaçodepapelcomumaespéciedecoisaquechamavatabelademultiplicação.

Niccolo,quesóseinteressavamoderadamentepeloassunto,perguntou:—Umatabeladepapel?— Nao era uma tabela de verdade, coisa diferente. Era para ajudar as pessoas a

computar.OSr.Daughertyquisexplicar,masnaoestavacommuitotempoeeraumpoucocomplicado.

—Porqueaspessoasnãousavamumcomputador?—Issofoiantesdeteremcomputadores-bradouPaul.—Antes?—Claro.Voceachaqueaspessoassempretiveramcomputadores?Vocenuncaouviu

falarnoshomensdascavernas?Niccolodisse:—Ecomoéqueelessearranjavamsemcomputadores?—Naosei.OSr.Daughertydizqueelestinham ilhosemqualquerhoraefaziamtudo

quelhesdavanacabeça,fosseounaofossebomparatodos.Nemsabiamseerabomounao.Eoslavradoresplantavamcoisascomasmaoseaspessoastinhamdeexecutarotrabalhonasfábricasedirigirtodasasmáquinas.

—Nãoacredito!—FoioqueoSr.Daughertydisse.Eledissequeaquiloeraumabagunçadesgraçada

etodossofriam...Sejalácomofor,querofalardeminhaideia,vocêdeixa?—Muitobem,podefalar.Quemestáimpedindo?-contrapôsNiccolo.ofendido.—Pois e.Muito bem, os computadoresmanuais, aqueles que tembotoes, tinham

tambémunsrabiscosemcadabotão.Earéguadecalculartinharabiscostambém.Eatabelademultiplicaçaoeracheiaderabiscos.Eupergunteioqueeraaquilo.OSr.Daughertydissequeeramnúmeros.

—Oquê?—Cadarabiscodiferenterepresentavaumnumerodiferente.Para“um”vocefazia

umaespeciedemarca,para“dois”vocefaziaoutraespeciedemarca,para“tres”,outra,eassimpordiante.

—Eparaquê?—Parapodercomputar.—Masparaquê”!Ésódizeraocomputador...— Puxa vida! — gritou Paul, o rosto contorcido de raiva. -Voce nao entende as

coisas?Aquelasréguasdecalculareoutrosnegóciosnãofalavam.—Nessecasocomo...— As respostas apareciam em rabiscos, e voce tinha de saber o que os rabiscos

signi icavam.OSr.Daughertydizquenaquelesdias todos aprendiama fazeros rabiscos

quando eram crianças e como decifrar aquilo, tambem. Fazer rabiscos era chamado“escrever”edecodi icarosrabiscos“ler”.Eledizquehaviaumaespeciediferentederabiscoparacadapalavraeelescostumavamescreverlivrosinteirosemrabiscos.Dissequetinhamalgunsnomuseuequeeupodiadarumaespiadasequisesse.Dissequeseeuvouserumcalculistaeprogramadordeverdade tenhoqueconhecerahistoriadacomputaçaoeporissoestavamemostrandotodasaquelascoisas.

Niccolofechouacaraedisse:—Voce quer dizer que todos tinham de decifrar os rabiscos para cada palavra e

lembrardeles?...Issoéverdadeouvocêestáinventando?—Etudoverdade.Podecrer.Escute,eassimquesefazum“um”.-Elevouodedoa

atravessaroar,emtalhoverticalrapido.-Assimvocefaz“dois”eassime“tres”.Aprenditodososnúmerosaté“nove”.

Niccoloobservavaaquelededoquefaziacurvas,sementender.—Edequeadiantaisso?—Vocêpodeaprendercomofazerpalavras.PergunteiaoSr.Daughertycomosefazia

orabiscopara“PaulLoeb”maselenaosabia.Contouqueexistempessoasnomuseuquesabem.Dissequehaviapessoasquetinhamaprendidoadecodi icarlivrosinteiros.Contoutambemqueoscomputadorespodemserprojetadosparadecodi icarlivrosecostumavamserusadosassim,masagoranaosaomais,porquehojetemoslivrosdeverdade,com itasmagnéticasqueentrampelovocalizadoresaemfalando,vocêsabe.

—Claro.—Porisso,senosformosaomuseu,poderemosaprendercomofazerpalavrasem

rabiscos.Elesvãodeixarporqueeuvouparaaescoladecomputadores.Niccoloestavatransfiguradodedecepção.— A sua ideia e essa? Ora bolas, Paul, quem quer fazer isso? Fazer rabiscos

estúpidos!— Voce nao entendeu? Voce nao entende? Seu burro!Vai ser um feito de escrever

mensagenssecretas!—Oquê?—Poise.Dequeadiantafalar,quandotodomundopodeentender?Comosrabiscos

vocepodemandarmensagenssecretas,pode fazerosrabiscosnopapeleninguemnestemundovaisaberoquevoceestadizendo,anaoserqueconheçaosrabiscostambem.Eelesnaovaoconhecer,podecrer,amenosqueagenteensine.Podemosterumclubedeverdade,cominiciação,regras,umacasa.Rapaz...

UmacertaanimaçãocomeçouasefazersentirnopeitodeNiccolo.—Quetipodemensagenssecretas?—Qualquer tipo.Vamosdizerqueeuquero convidarvocepara ir aminha casae

assistiraomeunovoBardoVisual,enaoqueroquenenhumdosoutroscamaradasapareça.Eufaçoosrabiscoscertosnopapelelhedouevoceolhaesabeoquedevefazer.Ninguemmaisficasabendo.Vocêpodeatémostraraeleseelesnãoentendemnada.

— Ei, isso e bom - berrouNiccolo, completamente seduzido pela ideia. - Quandovamosaprenderafazerisso?

—Amanha-dissePaul.-EuvoupediraoSr.Daughertyparaexplicarnomuseuqueesta tudocertoevocearranja licençacomseupaiesuamae.Podemos ir logodepoisda

escolaecomeçaraaprender.—Éclaro!-gritouNiccolo.-Podemosseroschefesdoclube.—Euvouseropresidentedoclube—dissePaul, taxativo. -Vocepodeserovice-

presidente.—Estácerto.Ei,issovaisermuitomaisdivertidodoqueoBardo.Derepentelembrou-sedoBardoedisse,tomadodeapreensãorepentina:—Ei,equetalomeuvelhoBardo?Paul voltou-se para olhar. Estava aceitando silenciosamente o livro que se

desenrolavadevagar,eosomdasvocalizaçõesdolivroeraummurmúrioquemalseouvia.Eledisse:—Voudesligar.Trabalhou naquilo enquanto Niccolo observava, a lito. Depois de alguns instantes

Paulrecolocouoseulivrorebobinadonobolso,recolocouopaineleoativou.OBardodisse:—Umavez,emumacidadegrande,haviaumpobremeninochamadoFairJohnnie,

cujounicoamigonomundoeraumpequenocomputador.Ocomputadortodasasmanhasdizia aomenino se ia chover naquele dia e resolvia qualquer problema que ele tivesse.Nuncaerrava.Masaconteceuqueumdiaoreidessaterra,tendoouvidofalarnopequenocomputador,resolveuquedevia icarcomele.ComesseobjetivochamouseuGrandeViziredisse...

NiccolodesligouoBardocommovimentorápidodamão.— A mesma bobagem de sempre - disse, cheio de emoçao. - Mesmo com um

computadorenfiadoaí.—Bem—dissePaul—elestemtantacoisana itaqueonegociodecomputadornao

aparecemuitoquandosefazemcombinaçõesaleatórias.Sejalácomofor,qualéadiferença?Vocêprecisadeummodelonovo.

—Nósnuncapoderemoscomprarum.Sóestacoisavelhaechata.—Voltouadar-lheum pontape, acertando-o com mais força dessa feita. O Bardo moveu-se para tras, umgemidoderodasdentadas.

—Voce semprevaipoderveromeu,quandoeuganhar -prometeuPaul.—Alemdisso,nãoseesqueçadenossoclubederabiscos.

Niccoloassentiu.—Voulhedizerumacoisa-prosseguiuPaul.-Vamosate laemcasa.Meupaitem

algunslivrossobreostemposantigos.Podemosescutare,talvez,arranjaralgumasideias.Voce deixa um recadopara seus pais e talvez possa icar la em casa para a ceia. Vamosembora.

—Estacerto-disseNiccolo,eosdoismeninossaıramcorrendo,juntos.Niccolo,emseuentusiasmo,correuquasediretamenteparaoBardo,masapenasencostounopontodesuacoxaondehaviafeitocontatoecontinuoucorrendo.

O sinal de ativaçao do Bardo brilhou. A colisao de Niccolo fechou um circuito e,emboraestivessesozinhonoaposentoenaohouvesseninguemparaouvir,começouaindaassimacontarumaestória.

Masnaoeramaisemsuavozcostumeira;emtommaisbaixo,quetinhaumadosederouquidão.Umadultoqueouvisse,poderiaterjulgadoqueavoztraduziaalgumapaixão,um

vestígiobempróximoasentimento.OBardodizia:—UmavezhaviaumpequenocomputadorchamadoBardo,queviviasozinhocom

pessoas crueis. As pessoas crueis nao paravam de zombar do pequeno computador,dizendo-lhequenaovalianadaequeeraobjetoinutil.Batiamneleeomantinhamsozinhonoquartopormesesseguidos.

— No entanto, o pequeno computador continuou a ter coragem. Sempre fazia omelhor que podia, obedecendo alegremente a todas as ordens. Ainda assim as pessoascruéiscomqueeleviviacontinuavamcruéisesemcoração.

— Um dia o pequeno computador icou sabendo que nomundo existiammuitoscomputadoresdetodosostipos,emgrandenumero.AlgunseramBardoscomoeleproprio,outros dirigiam fabricas e alguns dirigiam fazendas. Alguns organizavam a populaçao eoutros analisavam todos os tipos de dados. Muitos eram de grande poder e sabedoria,muito mais poderosos e sabios do que as pessoas crueis que eram tao crueis com opequenocomputador.

—Eopequenocomputador icousabendoentaoqueoscomputadoresiriamtornar-secadavezmaissábiosemaispoderososatéqueumdia...umdia...umadia...

Uma valvula devia inalmente ter entrado em colapso nas entranhas idosas ecorroıdasdoBardo,poisenquantoesperavasozinhonoaposentoqueescurecia,sopodiamurmurarrepetidamente:

—Umdia...umdia...umdia...

Alguns robôs imóveis

Tenho escrito historias sobre computadores, tanto quanto sobre robos. De fato,

tenho computadores (ou alguma coisa bastante proxima a computadores) em algumashistóriasquesãosempreconsideradashistóriasderobô.Vocêverácomputadores(decertomodo)emRobbie,Escape!eOConflitoEvitável,maisadiantenestevolume.

Neste volume, porem, estou me atendo a robos e, em geral, ignorando minhashistóriasdecomputador.

Por outro lado, nem sempre e facil decidir onde esta a linha divisoria. Sob certosaspectos,umroboemeramenteumcomputadormovel;e,aocontrario,umcomputadoremeramente um robo imovel. Assim, para esta seçao, selecionei tres historias em que ocomputadorparecesersu icientementeinteligenteetersu icientepersonalidadeparaserindistinguıveldeumrobo.Alemdisso,nenhumadastreshistoriasapareceuemantologiasanteriores,eaeditoraDoubledayqueriaalgumashistoriasineditasnestevolume,paraqueos colecionadores que tivessem todas as minhas antologias anteriores pudessem teralgumacoisanovaparaseregalarem.

4- Ponto de vista

Rogerveioprocuraropai,emparteporqueeradomingo,epelodireitoseupainao

deviaestartrabalhando.Rogerqueriatercertezadequetudoestavabem.NaoeradifıcilencontraropaideRoger,porquetodasaspessoasquetrabalhavam

comMultivac,ocomputadorgigante,viviamcomsuasfamıliasnumamesmaarea.Tinhamconstruıdoumapequenacidade,umacidadedepessoasqueresolviamtodososproblemasdomundo.

ArecepcionistadedomingoconheciaRoger.—Sevematrasdoseupai-disseela-,procurenoCorredorL,mastalvezeleesteja

ocupadodemaisparafalarcomvocê.Dequalquermodo,Rogeriatentar,en iandoacabeçaporumadasportas,ondeouvia

umrumordehomensemulheres.Oscorredoresestavammuitomaisvaziosquenosdiasúteis,porissofoifácildescobrirondehaviagentetrabalhando.

Viuseupaideimediato,eseupaitambemoviu.OpainaopareciacontenteeRogerconcluiuprontamentequenemtudoiabem.

—Bem,Roger-disseopai.—Estouocupado,sintomuito.OchefedopaideRogerestavaalitambém.—Va la,Atkins,respireumpouco.Voceestanessacoisahanovehorasenaoesta

maisnosajudandoemnada.Leveogarotoparaumlanchenacantina.Tireumasonecaedepoisvolte.

OpaideRogernaopareciaquerersairdali.Traziauminstrumentonasmaos,queRoger conhecia como analisador de padrao de corrente, embora nao soubesse comofuncionava.RogerpodiaouviroMultivacmatraqueandoezumbindoportodaaparte.

MasopaideRogeracaboulargandooanalisador.—OK.Vamos la,Roger.Vou leva-loauma lanchoneteedeixaremosestessujeitos

espertosdescobriremsozinhosoqueandaerrado.Parouumpoucoparaselavare,poucodepois,osdoisestavamnacantinadiantede

grandeshambúrgueres,batatasfritasesoda-limonada.—OMultivacaindaestáforadeordem,papai?-Rogerperguntou.Opaifaloudemau-humor:—Nãoestamosconseguindonada,éoquepossolhedizer.—Pareceestarfuncionando.Pelomenos,euoestavaouvindo.— Oh, em duvida, esta funcionando. Simplesmente, nem sempre da as respostas

corretas.Roger tinha treze anos e estudava programaçao de computadores desde o quarto

anodaescolade1?grau.Asvezes,odiavaamateriaequeriatervividonoseculoXX,quandoos garotos nao costumavam estudar isso. Mas o que aprendia, as vezes o ajudava nasconversascomopai.

—Comoosenhorpodedizerqueelenemsempredaasrespostascertas,sesomente

oMultivacconheceasrespostas?-perguntouRoger.Opaisacudiuosombrose,porumminuto,Rogerreceouqueeleselimitasseadizer

queeradifıcildemaisparaexplicar,equemudassedeassunto.Maselequasenuncafaziaisso.

—Filho-disseopai-,oMultivacpodeterumcerebrodotamanhodeumagrandefabrica, mas ainda nao tao complicado quanto o cerebro que temos aqui - e deu unstapinhasnacabeçadogaroto.-Asvezes,oMultivacnosdaumarespostaquenememmilanosconseguiríamoscalcularsozinhos,masdiantedealgunsresultadosalgumacoisaestalaemnossoscerebrosedizemos“Opa!Aquitemalgumacoisaerrada!”.Entao,perguntamosoutra vez ao Multivac e obtemos uma respostadiferente. Se o Multivac estivesse certo,obterıamos sempre a mesma resposta para a mesma pergunta. Quando recebemosrespostasdiferentes,umadelasestáerrada.

—Eoproblema, ilho -continuouopai—, esaberquandooMultivacerra!Comopodemos ter certeza de que nao deixamos passar algumas respostas erradas? Podemoscon iarnumadeterminadarespostaefazeralgumacoisaquesemostredesastrosadaquiacincoanos.HaalgoerradodentrodoMultivacenaoconseguimosdescobriroquee.Esejalaoqueforqueestejaerrado,estáficandopior.

—Porqueestariaficandopior?-Rogerperguntou.Opaitinhaacabadoohambúrguerecomiaasbatatasfritas,umaauma.— Minha impressao, ilho - disse pensativamente -, e que demos ao Multivac a

inteligênciaerrada.—Ahn?— Veja voce, Roger. Se o Multivac fosse tao inteligente quanto um homem,

poderıamosconversarcomeleedescobriroquehadeerrado,naoimportaoquantoacoisafosse complicada. E se fosse tao burro quanto uma maquina, funcionaria mal de umamaneirasimples,quepoderıamosfacilmenteperceber.OproblemaequeoMultivacesemi-inteligente,assimcomoumidiota.Esu icientementeinteligenteparafuncionarmaldeumamaneira muito complicada, mas nao e su icientemente inteligente para ajudar-nos adescobriroquefuncionamal.Eissoéumainteligênciaerrada.

Opaipareciamuitoaborrecido.— Mas o que podemos fazer? - continuou. - Nao sabemos como torna-lo mais

inteligente... ainda nao. E nao nos arriscarıamos a construı-lo como uma maquina defuncionamento simples, porque os problemas do mundo se tornaram tao serios e asperguntas que fazemos sao tao complicadas que precisamos de toda a inteligencia doMultivacpararespondê-las.Seriaumdesastreseotivéssemosfeitoaindamaisidiota.

—SevocêscalassemoMultivac-disseRoger-eoexaminassemminuciosamente?...—Nao podemos fazer isso, ilho - disse o pai. - Acho que oMultivac tem de ser

mantido em operaçao a cadaminuto do dia ou da noite. Temos um grande numero deproblemas.

—MasseoMultivaccontinuarcometendoerros,papai?Vocesnaoseraoobrigadosacalá-lo?Senãopodemconfiarnoqueelediz...

OpaideRogeralisouoscabelosdofilho.-Bem,nósvamosconseguirdescobriroqueandaerrado,meuguri,nãosepreocupe-

disse,masseusolhospareciampreocupadosdomesmojeito.

—Vamoslá!Vamosacabardecomeresairdaqui-disseele.— Mas, papai — disse Roger —, escute!... Se o Multivac e semi-inteligente, isso

significaqueeleéumidiota?—Sevoce soubesseo trabalhoque temosparadar-lheorientaçoes, ilho, naome

perguntariaisso.—Mesmoassim,papai,talveznaosejaessaamaneiracorretadeverascoisas.Eu

naosoutaointeligentequantovoce.Maseunãosouumidiota.TalvezoMultivacnaosejacomoumidiota,talvezelesejacomoumgaroto.

OpaideRogerdeuumarisada.—Esseéumpontodevistainteressante,masquediferençafaz?—Podefazermuitadiferença-disseRoger.-Vocenaoeumidiota,porissonaosabe

comoamentedeumidiotafunciona,maseusouumgaroto,etalvezsaibacomoamentedeumgarotofunciona.

—É!?Ecomoamentedeumgarotofunciona?— Bom, o senhor diz que tem de manter o Multivac ocupado dia e noite. Uma

maquinapodeaguentarisso.Masseosenhormandasseumguri icarhorasehorasfazendoumdeverdecasa,ele icariataocansadoesesentindotaomalquecomeçariaaerrar,talvezatedeproposito.Entao,porquenaodeixaroMultivacpassarumaouduashoraspordiasemterderesolvernenhumproblema?Deixá-lomatraquearezumbirsozinho,domodoquequiser.

OpaideRogerpareciaestarpensandomuito.Tirouomini-computadordobolsoetestoualgumascombinações.Depoisfalou:

—Sabedeumacoisa,Roger,seeupegaroquevoceestadizendoetransformaremintegraisdePlatt, achoque fazumcerto sentido.Epodemos ter certezaque epreferıveltrintaeduashorasdoquetrintaequatrosaindotudoerrado.

Opaisacudiuacabeça,desviouosolhosdominicomputadore,comoseRogerfosseoperito,perguntou:

—Vocêtemcerteza,filho?Rogertinhacerteza.—Papai-disseele-,umguritambémprecisabrincar.

5- Pense!

GenevieveRenshaw,DoutoraemMedicina,tinhaasmaosen iadasnosbolsosdoseu

jalecodelaboratorio.Ocontornodospunhoscerradosladentroapareciaclaramente,masfalavanumtomcalmo:

— O fato - dizia ela - e que estou quase pronta, mas vou precisar de ajuda paracontinuartocandoacoisapelotemponecessárioparaficarpronta.

James Berkowitz, um fısico que tendia a proteger meras medicas, quando eramatraentes demais para serem desprezadas, tinha o habito de chama-la Jenny Wren{2},semprequeninguemoestavaouvindo.GostavadedizerqueJennyWrenpossuıaumper ilclassico e sobrancelhas surpreendentemente suaves, e, no ıntimo, considerava que atrasdelasseadensavaumcerebrodosmaisaguçados.Seriaamelhorformaparaexpressarsuaadmiração-doperfilclássico—semcairnumchauvinismomasculino.Semdúvida,admirarocérebroerapreferível,mas,emgeral,evitavafazê-loemvozaltanapresençadela.

—Naoachoqueoescritoriocentralvaterpacienciapormuitomaistempo-disseele,comopolegarraspandooqueixocombarbaporfazer.-Aimpressaoquetenhoequevãoencostá-lanaparedeantesdofimdasemana.

—Éporissoqueprecisodasuaajuda.—Receioquenãohajanadaqueeupossafazer.Elepegouuminesperadoreflexodeseuprópriorostonoespelho,e,momentaneamente,admirouofeixedeondasnegrasnoscabelos.—EprecisotambémdaajudadeAdam.AdamOrsino,queateaquelemomentosorveraoseucafeesesentirapostodelado,

levantouosolhoscomosetivessesidocutucadoportrás.—Porqueeu?—disse,eoslábioscheios,gorduchos,tremeram.—PorquevoceeJamessaooshomensdolaser,JimoteoricoeAdamoengenheiro...

Descobri umaaplicaçaodolaserquesuperatudoquesepossa imaginar.Seiquenaovouconseguirconvencerosdelá,masvocêsdoisconseguiriam.

—Desdequevocêsejacapazdenosconvencerprimeiro-disseBerkowitz.—Estabem.Suponhamosquevocesmeconcedamumahoradeseuvaliosotempo,

se nao se importam de conhecer algo absolutamente novo em termos delaser. Poderaodescontardosintervalosparaocafezinho.

O laboratorio da Dra. Renshaw era dominado por seu computador. Nao que ocomputador fosse singularmente grande, mas era virtualmente onipresente. Renshawaprendera tecnologia de computaçao por si mesma, e modi icara e ampliara seucomputadoratequeninguem,anaoserela(e,Berkowitzasvezespensava,nemmesmoela)conseguiamaneja-locomfacilidade.Nadamal,Renshawcostumavadizer,paraalguemdoramodasciênciasbiológicas.

Elafechouaportasemdizerpalavra,depoisvirou-separaencararosdoiscomumaexpressao sombria. Berkowitz estava incomodamente consciente de um leve odor

desagradavel no ar, e o nariz franzido de Orsino mostrava que tambem ele percebia ocheiro.

— Deixem-me enumerar as aplicaçoes dolaser — disse Renshaw — se nao seimportamqueeuensineospadresarezaremmissa.Olasereradiaçaocoerente,comtodasasondasluminosasdamesmaextensaoemovendo-senamesmadireçao,porissoelivrederuıdoepodeserusadoemhologra ia.Modulandoasformasdasondas,podemosimprimirinformaçao com alto grau de precisao. Alem disso, como as ondas luminosas possuemapenasummilionesimodaextensaodasondasderadio,umraiolaserpodetransportarummilhãodevezesmaisinformaçãoqueumaondaderádioequivalente.

Berkowitzpareciadivertir-se.—Estátrabalhandonumsistemadecomunicaçãobaseadonolaser,Jenny?—Absolutamente -ela respondeu. -Deixoessesaperfeiçoamentos obviosparaos

fısicos e os engenheiros... Oslasers podem tambem concentrar quantidades de energianumaareamicroscopicaeliberaramesmaquantidadedeenergia.Emlargaescala,pode-seimplodirhidrogênioetalvezdarinícioaumacontroladareaçãodefusão...

— Eu sei que voce nao fez isso - disse Orsino, a cabeça calva brilhando sob aslâmpadasfluorescentes.

— Nao iz. Nao tentei... Numa escala menor, pode-se abrir buracos nos maisrefratariosmateriais,soldarpedaçosselecionados,aquece-los,poli-losemarca-los.Pode-seremover ou fundir minusculas porçoes em areas restritas, com o calor liberado taorapidamentequeas areasaoredornaotemtempodeseaquecerantesqueotratamentoestejaencerrado.Pode-se trabalharnaretinadosolhos,nadentinadodenteeassimpordiante...E,naturalmente,olaserécapazdeampliarsinaisfracoscomgrandeprecisão.

—Eporqueestánoscontandotudoisso?-perguntouBerkowitz.— Para destacar que essas propriedades podem ser utilizadas em meu proprio

campo,que,comosabem,éaneurofisiologia.Elaajeitouoscabeloscastanhoscomasmaos, comose,derepente, tivesse icado

nervosa.— Ha decadas - continuou - somos capazes de medir os minusculos e instaveis

potenciais eletricos do cerebro e registra-los como eletroencefalogramas, ou EEGs.Obtemosondasalfa,beta,delta,teta;variaçoesdiferentesemvezesdiferentes,conformeosolhos estejam abertos ou fechados, conforme a pessoa esteja acordada, meditando ouadormecida.Mastemostiradomuitopoucainformaçãodetudoisso.

—Oproblemaequeestamostrabalhandocomossinaisdedezbilhoesdeneuroniosemcombinaçoesvariaveis.EcomoouviroruıdodetodosossereshumanosdaTerra-uma,duasemeiaTerras-deumagrandedistanciaetentarcaptarconversasindividuais.Istonaopodeserfeito.Podemosdetectaralgunsmovimentosgrandes,globais-umaguerramundiale o aumento no volume de ruıdo -mas nadamais delicado. Domesmomodo, podemosrelataralgumasgrandesdisfunçõesdocérebro-comoaepilepsia-masnadamaisdelicado.

— Suponhamos agora que o cerebro possa ser escandido por umminusculo raiolaser, celula por celula, e tao rapidamente que, em nenhummomento, uma unica celulareceba energia su iciente para elevar signi icativamente sua temperatura.Osminusculospotenciaisdecadacelulapodem,emfeedback, afetaro raiolaser,easmodulaçoespodemser ampli icadas e registradas. Obteremos, entao, uma nova especie demensuraçao, um

laser-encefalograma,ouLEG,sepreferirem,queconteramilhoesdevezesmaisinformaçaoqueumEEGcomum.

-Umaboaideia-disseBerkowitz.-Massóumaideia.-Maisqueumaideia,Jim.Estoutrabalhandonissohacincoanos,aprincıpiosonas

horasvagas.Ultimamente,porem,estoudedicandotodoomeutempo.Issoeoqueirritaoescritóriocentral,poiseunãotenhomandadorelatórios.

-Porquenão?-Porqueacoisachegouaumpontoemqueparecemuitoma,emqueeutenhode

saberondeestou,eemqueeutenhodeestarcertadepodervoltaraoprincípio.Ela puxouumbiombo, revelandouma jaula que continhaum casal de saguis com

olhosmelancólicos.BerkowitzeOrsinoolharamumparaooutro.Berkowitzcocouonariz.-Bemqueeuacheiqueestavacheirandoalgumacoisa.-Oquevaifazercomeles?-perguntouOrsino.-Minhaopiniao-disseBerkowitz-equeelaesteveesquadrinhandoocerebrodos

saguis.Nãoéverdade,Jenny?-Eucomeceiconsideravelmentemaisbaixonaescalaanimal.Jennyabriuajaulaepegouumdossaguis,queacontemplavacomaexpressaoem

miniaturadeumtriste-senhor-idosodecosteletas.Elacacarejouparaosagui,afagou-oeprendeu-ocomcarinhonumapequenacoleira.-Queestáfazendo?-perguntouOrsino.-Comoelevaifazerpartedeumcircuito,naopossodeixarquesemexa,enaoposso

anestesia-loseminvalidaroexperimento.Havarioseletrodosimplantadosnocerebrodosaguievouconecta-loscommeusistemaLEG.Olaserquevouusareesteaqui.Estoucertadequeconhecemomodeloenãovoumepreocuparemdar-lhesasespecificações.

-Obrigado-disseBerkowitz-,maspodiacontar-nosoquevamosver.-Serámelhormostrar-lhes.Olhemparaovídeo.Elaconectouoscondutoresaoseletrodoscomumacalmaesegurae iciencia,depois

virouumachavequeobscureceuasluzesnotetodasala.Novıdeoapareceuumacomplexacadeia de picos e vales numa linha ina, brilhante, que se desdobrava em secundarios eterciarios picos e vales. Lentamente, eles engendraram uma serie de transformaçoesmenores, com surtos ocasionais de maiores e subitas diferenças. Era como se a linhairregularpossuíssevidaprópria.

- Isto - disse Renshaw - e essencialmente a informaçao do EEG,masmuitomaisdetalhada.

-Su icientementedetalhada-perguntouOrsino-paradizeroqueestaacontecendonascélulasindividuais?

-Emteoria,sim.Napratica,nao.Aindanao.MaspodemossepararesteconjuntodeLEGnosgramascomponentes.Olhe!

Elatocouopaineldocomputadorealinhasemodi icou...esemodi icoudenovo.Jaeraumaondapequena,quaseregular,queondulavaparaafrenteeparatras,parecendoapulsaçaodeumcoraçao,agoraerarecortadaea iada,agoraintermitente,agoraquasesemcontornos-tudoemrápidasmudançasdegeométricosurrealismo.

- Voce quer dizer - perguntouBerkowitz - que cada parte do cerebro e assim tao

diferentedasoutras?-Nao-respondeuRenshaw.-Demodonenhum.Ocerebroemuitosemelhanteaum

dispositivohologra ico,masde lugarpara lugarhaondulaçoesmenosacentuadaseMikepodesepara-lascomodesviosdanormaeusarosistemaLEGparaampliaressasvariaçoes.Asampliaçoespodemvariardedezmiladezmilhoesdevezes.Osistemalaser temessaausênciaderuído.

-QueméMike?-perguntouOrsino.-Mike?-exclamouRenshaw,momentaneamenteembaraçada.Asmaçasdoseurosto

coraramligeiramente. -Eudisse...Bem,euochamoassim, asvezes.Eumapelidoparaomeucomputador.

Elafezobraçoondular,indicandoasalaaoredor.-Meucomputador,Mike.Muitocuidadosamenteprogramado.Berkowitzabanouacabeça:-Tudobem,Jenny,oquesigni icatudoisso?Sevocetemumnovodispositivopara

esquadrinharocerebroutilizandolasers, otimo.Eumainteressanteaplicaçaoevoceestacerta, eu nao teria pensado nisso... porque nao sou neuro isiologista. Mas por que naoregistrarissonumrelatório?Parece-mequeoescritóriocentralapoiaria...

-Istoéapenasocomeço.Eladesligouodispositivoeposumpedaçodefrutanabocadosagui.Acriaturanao

parecia alarmada nem incomodada. Mastigava lentamente. Renshaw soltou-lhe os ioscondutores,masconservou-onacoleira.

-Possoidenti icarosvariosgramasdistintos-disseela.-Algunsestaoassociadoscomosvariossentidos,outroscomreaçoesviscerais,outroscomemoçoes.Podemosfazermuitacoisacomisso,masnaopretendopararporaı.Omaisinteressantedetudoequeumdosgramasestáassociadocomopensamentoabstrato.OrostogorduchodeOrsinofranziu-senumaexpressãodedescrença.

-Comopodedizerisso?—disse.-Essaformaparticulardegrama icamaispronunciadaquandosevaisubindopela

escalaanimalatecerebrosdemaiorcomplexidade. Issonaoacontececomnenhumoutrograma.Alémdisso...

Elafezumapausa,depois,comosereunindoforçadevontade,continuou:- Esses gramas estao enormemente ampliados. Podem ser captados, detectados.

Possodizer...vagamente...quesão...pensamentos.-PorDeus!-exclamouBerkowitz.-Telepatia.-Sim-elarespondeudesafiante.-Exatamente.-Nãoadmiraquevocênãoqueirareportarisso.Vamosemfrente,Jenny.-Porquenao?-disseRenshawnumtomacalorado.-Presumoquenaopossahaver

telepatiautilizandoapenasospadroespotenciais,naoampliados,docerebrohumano,domesmomodo como nao e possıvel ver contornos na superfıcie deMarte a olho nu.Masdesdequetenhamsidoinventadosinstrumentos...comootelescópio...comisto.

-Então,conteaoescritóriocentral.- Nao - disse Renshaw. - Eles nao acreditarao em mim. Tentarao me deter. Mas

levarãoseriamenteemcontaasuaopinião,Jim,easua,Adam.-Oqueesperaquecontemosaeles?-disseBerkowitz.

-Aexperienciaquevaoteraqui.Voupornovamenteoscondutoresnosaguiefazercom que Mike, meu computador, capte o grama de pensamento abstrato. So levara ummomento. O computador sempre seleciona o pensamento abstrato, a menos que sejaorientadoparanãofazê-lo.

-Porquê?Porqueocomputadorpensa,também?-disseBerkowitz,rindo.-Issonãoéassimtãoengraçado-disseRenshaw.-Suspeitoqueháumaressonância.

Este computador e su icientemente complexo para destacar um padrao eletromagneticoquepossaterelementosemcomumcomogramadepensamentoabstrato.Emtodocaso...

Asondasdocerebrodosaguitremulavamnovamentenovıdeo,masoshomensnaotinhamvistoantesogramaqueaparecia.

Eraumgramadecomplexidadequasefelpuda,quevariavaconstantemente.-Nãoestoudetectandonada-disseOrsino.-Tenhoquecolocá-lonocircuitoreceptor-explicouRenshaw.-Vocêquerdizerimplantareletrodosemnossoscérebros?-perguntouBerkowitz.-Nao,apenasnocranio.Issoseriasu iciente.Eupre iroAdam,porquenaohacabelo

isolante...Oh,venhacá,eumesmatenhosidopartedocircuito.Nãovaidoer.Orsino submeteu-se dema vontade. Seusmusculos estavam visivelmente tensos,

masdeixouqueosfioscondutoresfossempresosaseucrânio.- Esta percebendo alguma coisa? - perguntouRenshaw.Orsino empinou a cabeça,

adotandoumaposturadequemestava aescuta.Seu interessepareciaaumentar,mesmocontraasuavontade.

-Achoqueestoupercebendoumrumor-disseele-e...eumguinchoumpoucoalto...e,istoéengraçado...umaespéciedeconvulsão...

-Evidentemente,nãoéprovávelqueosaguipenseempalavras-disseBerkowitz.-Certamentenão-disseRenshaw.-Bom,daı...-disseBerkowitz-seestasugerindoquealgunsguinchosesensaçoesde

convulsãorepresentampensamentos,issoémeraconjectura.Nãoestásendoconvincente.-Então,vamossubiroutraveznaescalaanimal-disseRenshaw.Elatirouosaguidacoleiraecolocou-odenovonajaula.-Estáquerendousarumhomemcomoobjeto?-Orsinoexclamou,semacreditar.-Tenhoamimmesmacomoobjeto,umapessoa.-Vaiimplantareletrodos...-Nao.Nomeucaso,meucomputadortemumavibraçaopotencialmais fortepara

trabalhar.Meu cerebro possui dez vezes amassa do cerebro do sagui.Mike pode captarmeusgramascomponentesatravésdocrânio.

-Comosabedisso?-perguntouBerkowitz.-Naovequeestanao eaprimeiravezquevou testaremmimmesma?Agorame

ajude,porfavor.Issomesmo.OsdedosdeRenshawesvoaçaramnopaineldocomputadore,deimediato,ovıdeo

tremulou com uma intrincada onda multi-forme; tao intrincada que formava quase umlabirinto.

-Querrecolocarosseusfioscondutores,Adam?-disseRenshaw.OrsinoobedeceucomaajudanaointeiramenteaprovadoradeBerkowitz.Denovo,

Orsinoempertigouacabeçaeescutou.

-Estououvindopalavras-disse.-Massaodesconexasesobrepostas,comovariaspessoasfalandoaomesmotempo.

-Nãoestoutentandopensarconscientemente-disseRenshaw.-Quandovocêfala,euescutoumeco.-Naofale,Jenny-dissesecamenteBerkowitz.-Deixesuamenteembrancoevejase

elenãoescutaseupensamento.-Nãoescutonenhumecoquandovocêfala,Jim-disseOrsino.-Senãocalaraboca,nãoouvirácoisanenhuma-disseBerkowitz.Umpesadosilencioenvolveuostres.Entao,Orsinoabanouacabeça,pegoulapise

papelsobreaescrivaninhaeescreveualgumacoisa.Renshawesticouamao,moveuumachaveepuxouos ioscondutoresdecimaedos

ladosdesuacabeça,sacudindooscabelosparatrás.- Espero que tenha escrito o seguinte - disse ela: - Adam, provoquedesordemno

escritóriocentraleJimabaixaráacrista.-Foiexatamenteoqueescrevi-disseOrsino-palavraporpalavra.-Bem,aıesta!-disseRenshaw.-Trabalhartelepaticamente.Enaoteremosdeusara

telepatiaapenasparatransmitirfrasesabsurdas.Pensemnautilizaçaonapsiquiatriaenotratamentodadoençamental.Pensemnoempregoemeducaçaoeemmaquinasdeensino.Pensemnoempregoeminvestigaçõeslegaisejulgamentoscriminais.

- Francamente - disse Orsino de olhos arregalados - as implicaçoes sociais saotremendas.Masnãoseiseautilizaçãodealgodessetiposeriapermitido.

- Sob as adequadas salvaguardas legais, por que nao? - disse Renshaw comindiferença. - Sem duvida, se voces dois se unirem a mim, nossa força somada podesustentarestacoisaeleva-laadiante.EsevocesmeacompanharemseraahoradoPremioNobel...

-Euaindanãoestounacoisa-disseBerkowitznumtomgrave.-Aindanão.-Porquê?Oquevocêquerdizer?Renshawpareciaultrajada,seurostoimperturbávelebonitocoroudesúbito.-Atelepatiaeumproblemaextremamentedelicado.Eumacoisamuitofascinante,

muitoansiada.Masnóspodemosestarfazendopapeldetolos.-Escutevocêmesmo,Jim.-Eumesmopoderiafazerpapeldetolo,também.Euqueroumcontrole.-Oquequerdizercomcontrole?-Façaumcurto-circuitonaorigemdopensamento.Esqueçaoanimal.Nenhumsagui.

Nenhumserhumano.DeixeOrsinoescutarometal, o vidro, a luzdolaser, e seeleaindaouvirpensamentos,então,nósestamosfazendopapeldebobos.

-Suponhaqueelenãoconsigadetectarcoisaalguma.- Entao,eu vou ouvir, e isolado, se puder icar na sala ao lado, procurarei dizer

quandovocêestádentroouforadocircuito.Depois,voupensarseaacompanhareinacoisa.-Muitobem,entao-disseRenshaw.-Teremosumcontrole.Nunca izisso,masnaoe

difícil.Ela manobrou os ios que tinham sido postos em sua cabeça e colocou uns em

contatocomosoutros.-Agora,Adam,sequerprosseguir...

Mas antes que ela pudesse ir adiante, chegou um som seco, claro, tao puro e taonítidoquantoumtilintardepingentesdegelolascando.

-Porfim!-Oquê?!-Renshawexclamou.-Quemdisse...-Orsinoexclamou.-Alguémdisse“porfim?”-perguntouBerkowitz.Pálida,Renshawrespondeu:-Nao foiummerosom.Foiemmeu...Vocesdois...?Osomveionitidamenteoutra

vez:-EusouMi...Renshawarrancouosfioscondutoresetodosficaramemsilêncio.-Achoqueemeucomputador...-disseelacomummovimentosemvozdoslabios.-

Mike.-Voceestaquerendodizerqueeleestapensando!-perguntouOrsino,quasetambem

semvoz.Renshaw conseguiu falar com uma voz irreconhecıvel, mas que, pelo menos,

recobraraosom:-Eudissequeeleerasu icientementecomplexoparateralgumacoisaamais...Voces

acham...Elesempresedesviouautomaticamenteparaogramadepensamentoabstratodequalquercerebroqueestivesseemseucircuito.Vocesachamquesemnenhumcerebronocircuito,elesevoltariaparaoseuprópriocérebro?

Houvesilêncio,depoisBerkowitzfalou:-Voceestatentandodizerqueestecomputadorpensa,masquenaopodeexpressar

seus pensamentos quando esta submetido as normas da programaçao... Mas que, tendoconseguidoumachancecomseusistemaLEG...

-Mascomopodeseristo?-disseOrsinoemvozalta.-Ninguemestavarecebendo.Nãoéamesmacoisa.

-Ocomputadortrabalhacomintensidadesdeforçamuitomaioresqueoscerebros-disse Renshaw. - Suponho que possa ampli icar-se a ponto de poder ser detectadodiretamente,semajudaartificial.Oquemaisseriacapazdeexplicar...

-Bem-disseBerkowitzabruptamente.-Temos,entao,outroempregodolaser.Elepodeos capacitara falar comcomputadores como inteligencias independentes,pessoaapessoa.

-Oh,Deus,oquevamosfazeragora?-disseRenshaw.

6- Amor verdadeiro

Meu nome e Joe. E assim quemeu colega, Milton Davidson,me chama. Ele e um

programador e eu souumprogramade computador. Façopartedo complexoMultivac eestou conectado com todas as suas outras partes espalhadas pelomundo inteiro. Eu seitudo.Quasetudo.

Eu sou o programa particular de Milton. O seu Joe. Ele entende mais sobreprogramaçaodoquequalqueroutrapessoanomundo,eeusouoseumodeloexperimental.Elemefezfalarmelhordoquequalqueroutrocomputador.

-Esoumaquestaodeemparelharsonscomsımbolos,Joe-elemedisse.-Eesseomodo como funciona no cerebro humano, embora ainda nao saibamos que sımbolosexistem no cerebro. Mas eu conheço os seus sımbolos e posso faze-los corresponder apalavras,umporum.

Por issoeu falo.Naoachoquefalotaobemquantopenso,masMiltondizque falomuito bem. Milton nunca se casou, embora ja tenha quase quarenta anos. Ele nuncaencontrouamulhercerta,foioquemecontou.Umdia,eledisse:

-Aindavouencontra-la,Joe.Encontrareiamelhordetodas.Vouterumverdadeiroamorevocevaimeajudar.Estoucansadodeaperfeiçoa-lopararesolverosproblemasdomundo.Resolvaomeuproblema.Encontre-meumamorverdadeiro.

-Oqueéumamorverdadeiro?-disseeu.- Nao importa. Isso e abstrato. Apenas me encontre a garota ideal. Voce esta

conectadocomocomplexoMultivac,porconseguintetemacessoaosbancosdedadosdecadaserhumanonomundo.Vamoseliminartodoselesporgruposeclassesate icarmoscomapenasumapessoa.Apessoaperfeita.Eelaseráminha.

-Estoupronto-disseeu.-Eliminetodososhomensprimeiro-disseele.Isto foi facil.Suaspalavrasativaramsımbolosemminhasvalvulasmoleculares.Eu

pude ampli icar-me para entrar em contato com os dados acumulados sobre cada serhumano no mundo. Conforme suas palavras, afastei-me de 3.784.982.874 homens.Continueiemcontatocom3.786.112.090mulheres.

-Eliminetodasasquetiveremmenosdevinteecincoanos-disseele-etodasascommais de quarenta. Depois, elimine todas comumQI inferior a 120, todas comumaalturainferioraummetroecinquentaesuperioraummetroesetentaecinco.

Deu-me medidas exatas, eliminou mulheres com ilhos vivos, eliminou mulherescomváriascaracterísticasgenéticas.

-Naoestoucertoquantoacordosolhos-disseMilton.-Porenquanto,deixeissodelado.Masnadadecabelosruivos.Nãogostodessacordecabelo.

Duas semanasdepois tınhamosbaixadopara 235mulheres. Todas falavammuitobemo ingles.Miltondissequenaoqueriaumproblemade linguagem.Ounosmomentosíntimos,atéatraduçãoporcomputadorentrarianomeio.

-Naopossoentrevistar235mulheres-disseele.-Levariamuitotempoeopessoaldescobririaoqueestoufazendo.

-Issotrariaproblemas-disseeu.Miltontinhamemandadofazercoisasqueeunaoestavaprojetadoparafazer.Ninguémsabiadisso.

-Issonao edasuaconta-disseele,eapeledoseurosto icouvermelha.-Escuteaqui,Joe,voulhetrazerholografiasevocêvaichecaralistaporsimilaridades.

Eletrouxeholografiasdemulheres.-Essasaısaotresvencedorasdeumconcursodebeleza-disse.-Vejasealgumadas

235corresponde.Oitoeramcorrespondênciasmuitoboas.-Otimo-disseMilton.-Vocetemosseusbancosdedados.Estudesuasexigenciase

necessidades em termos de mercado de trabalho e providencie para te-las aqui numaentrevista.Umadecadavez,eclaro.-Elepensouumpouco,moveuosombrosparacimaeparabaixo,ecompletou:-Ordemalfabética.

Isto e uma das coisas para que nao fui projetado para fazer. Deslocar pessoas deemprego para emprego, por razoes pessoais, chama-semanipulaçao. So pude fazer issoporqueMiltontinhameajustadoparaagirassim.Noentanto,naopoderiafazerissoparaninguémanãoserele.

Aprimeiragarotachegouumasemanamaistarde.OrostodeMilton icouvermelhoquandoaviu.Elefalavacomosetivessedi iculdadeemfaze-lo.Ficaramjuntosmuitotempoeelenãoprestouatençãoemmim.Numcertomomento,eledisse-.

-Deixe-melevá-laparajantar.-De certomodonao foi bom -Miltonmedissenodia seguinte. - Estava faltando

algumacoisa.Eumamulherbonita,masnaosentinenhumtoquedeverdadeiroamor.Tenteapróxima.

Aconteceu o mesmo com todas as oito. Eram muito parecidas. Sorriam muito etinhamvozesagradáveis,masMiltonsempreachavaquenãoestavabem.

-Naoconsigoentender, Joe -disseele. -Voceeeuselecionamosasoitomulheresque,nomundointeiro,parecemserasmelhoresparamim.Todasideais.Porqueelasnaomeagradam?

-Vocêasagrada?-disseeu.Eleenrugouatestaeesmurroucomforçaapalmadamão.-Eissoaı,Joe.Éumaviademaodupla.Senaosouoidealdelas,naopodemagirde

modoa seremomeu ideal.Eupreciso ser, tambem,overdadeiroamordelas,mascomofazerisso?

Elepareceupensartodoaqueledia.Namanhãseguinte,seaproximoudemimedisse:-Voudeixarvocecuidardoassunto,Joe.Tudoporsuaconta.Vocetemmeubancode

dados,evoucontartudoqueseisobremimmesmo.Vocecompletarameubancodedadosnosmínimosdetalhes,masguardetodososacréscimosparasimesmo.

-Edepois,oquevoufazercomseubancodedados,Milton?-Depoisvocevaifaze-locorrespondercomas235mulheres.Nao,227.Esqueçaas

oitoqueencontramos.Arranjeparaquecadaumasejasubmetidaaumexamepsiquiatrico.Completeseusbancosdedadosecompare-oscomomeu.Encontrecorrelaçoes.(Arranjar

examespsiquiátricoséoutracoisacontráriaàsminhasinstruçõesoriginais.)Durante semanas,Milton conversoucomigo.Eleme faloude seuspais eparentes.

Contou-medesuainfancia,seutempodeescolaeadolescencia.Contou-medasjovensquetinhaadmiradoaumacertadistancia.Seubancodedadosaumentoueeleajustou-meparaampliareaprofundarminhachavesimbólica.

-Vejaso, Joe-disseele.-Amedidaquevoceabsorvemaisemaisdemim,euvouajustando-opara corresponder cada vezmelhor comigo. Voce começa a pensar cada vezmais como eu, por conseguinte, vai me compreendendo melhor. Quando voce mecompreendersu icientementebem,aquelamulher,cujobancodedadosforumacoisaquevocêentendaigualmentebem,serámeuverdadeiroamor.

Elecontinuavaconversandocomigoeeupassavaacompreendê-locadavezmais.Eu conseguia formar frases mais longas e minhas expressoes se tornavam mais

complicadas.Minhafalacomeçoua icarmuitoparecidacomadele,tantoemvocabularioquantonaordenaçãodaspalavrasenoestilo.

Certavez,eudisseaele:- Veja voce,Milton, nao e apenas umproblema de adequar umamoça a um ideal

fısico. Voce precisa de uma moça que seja pessoal, temperamental e emocionaimenteadequada.Quandoissoacontece,aaparenciaesecundaria.Senaopudermosencontrarumaquesirvanestas227,devemosprocurarentreasoutras.Acharemosumaquetambemnaosepreocupara comaaparenciaquevoce ouqualqueroutrapessoa tiverem,desdequeapersonalidadesejaadequada.Oquesignificaaaparência?

-Absolutamentenada-disseele.-Eusaberiadissosehouvessetidomaiscontatocommulheres.Evidentemente,pensandobem,tudoparecemaisclaroagora.

Sempreconcordávamos,cadaumpensavaexatamentecomoooutro.-Naovamostermaisnenhumproblema,Milton,sevocemedeixarfazer-lhealgumas

perguntas.Possoveronde,emseubancodedados,háespaçosbrancoseirregulares.Oqueveioaseguir,Miltondizia,eraoequivalentedeumameticulosapsicanalise.E

claro.Euhaviaaprendidocomosexamespsiquiatricosde227mulheres,atotalidadedasquaiseucontinuavaobservandointimamente.

Miltonpareciamuitofeliz.- Falar com voce, Joe, e quase como falar com outro eu. Nossas personalidades

chegaramaumacombinaçaoperfeita.Omesmoaconteceracomapersonalidadedamulherqueescolhermos.

E eu a encontrei. A inal, era uma das 227. Chamava-se Charity Jones e trabalhavacomo contadora na Biblioteca de Historia, emWichita. Seu extenso banco de dados seajustavaperfeitamenteaonosso.Todasasoutrasmulherestinhamsidodescartadasporumououtromotivoamedidaqueseusbancosdedadosaumentavam,mascomCharityhaviaumacrescenteeespantosaressonância.

Nao precisei descreve-la para Milton. Ele tinha coordenado meu simbolismo taointimamente com o seu, que foi su iciente relatar pura e simplesmente a ressonancia. Aescolhaseadequava.

Emseguida,eraoproblemadeajustarasfolhasdeserviçoeexigenciasdetrabalhodemodoaconseguirqueCharitytivesseumaentrevistaconosco.Istodeviaserfeitomuitodelicadamente,paraqueninguémviesseasaberqueestavaocorrendoumacoisailegal.

Evidentemente,Milton conhecia amanobra. Foi ele quemarranjou a coisa, foi elequem cuidou de tudo. Quando vieram prende-lo, em virtude de mau procedimento emtrabalho,foi,felizmente,poralgoquetinhaacontecidohadezanos.Elemeinformarasobretudo,eclaro,masaquilofoifacildearranjar.Eelenaocomentaranadasobremim,poisseudelitosetornariamuitomaisgrave.

Miltonfoiembora,eamanhae14defevereiro,DiadosNamorados.Charitychegaraentãocomsuasmãoscalmasesuavozsuave.Vouensiná-laamemanejareacuidardemim.Oqueimportaráaaparênciaquandonossaspersonalidadesressoaremjuntas?

Eudireiaela:-EusouJoeevocêémeuverdadeiroamor.

Alguns robôs metálicos

A icçaocientı icatradicionalemetalica.Porquenao?Amaioriadasmaquinassao

construıdasdemetal,e,defato,osrobosindustriaisdavidarealsaodemetal.Valeapenalembrar,porem,queumfamosoelendariorobo,oGolem,quefoitrazidoavidaporRabbiLow,emPraga,naIdadeMedia,erafeitodeargila.Alendafoiin luenciada,talvez,pelofatodeDeusterformadoAdãodeargila,conformeadescriçãonosegundocapítulodoGênesis.

EstaseçaocontemRobbie,minhaprimeirahistoriaderobo.ContemaindaEstranhonoParaíso,quepode levarvoceaseperguntar,apospercorreramaiorpartedahistoria,ondeestáorobô.Sejapaciente!

7- Robô AL-76 extraviado

JonathanQuellfranziuassobrancelhas,preocupado,portrasdosoculossemaro,ao

transporaportamarcadacomgerentegeral.Depositandocomforçaopapeldobradosobreaescrivaninha,falou,incisivo:—Vejaisto,chefe!SamTobepassouocharutoparaooutro ladodabocae leu,esfregandooqueixo

precisadodebarbear.—Queinferno!Queéqueelesqueremdizer?—QueexpedimoscincorobôsAL—explicouQuell,desnecessariamente.—Expedimosseis—replicouTobe.—Claro,seis!Masreceberamapenascinco.RemeteramosnumerosseriadoseoAL-

76desapareceu.Tobefezcairacadeira,aoerguerseuvigorosocorpo,etransposaportacomose

deslizassesobrerodinhaslubri icadas.Depoisdisso,cincohorassepassaram.Afabricaforavasculhadadesdeassalasdemontagemateascamarasdevacuo.Cadaumdosduzentosempregados havia passado porminucioso interrogatorio, e Tobe, suando e descabelado,enviouumamensagemdeemergênciaàfábricacentral,emSchenectady.

Ali houve uma subita explosao de panico. Pela primeira vez na historia da U.S.RoboseHomensMecanicosS.A.,umrobofugiraparaoexterior.Omaisserionaoeraaleiproibindoapresençade robosnaTerra, forada fabrica licenciadadacorporaçao.As leispodiamsercontornadas.Oquemelhorde iniaasituaçaoeraadeclaraçaofeitaporumdosmatemáticosdodepartamentodepesquisas.

— Aquele robo foi criado para dirigir um Disinto sobre a Lua. Seu cerebropositronico estava equipado para o ambiente lunar,somente para o ambiente lunar. NaTerra recebera setentae cinco zilhoesde impressoes sensoriaisparaasquais jamais foipreparado.Impossıvelpreversuasreaçoes.Impossıvel!—Ecomascostasdamaoenxugouatestacobertadesuor.

Dentro de uma hora um estratoplano partiu para a fabrica de Virgınia. Levavainstruçõesmuitosimples:

—Agarremorobô!Edepressa!AL-76estavaconfuso!Naverdade,confusaoeraa unica impressaoretidaporseu

delicadocerebropositronico.Tudocomeçouquandoeleseviunaqueleestranhoambiente.Dequemodohaviaacontecidoeleignorava.Tudoseconfundia.

Osoloeracobertodeverde,eestacasmarronserguiam-seasuavolta,encimadasporoutracamadadeverde.Oceueraazulquandodeviasernegro.Osolestavacorreto—redondo,amareloequente—,masondeosoloporoso,ondeosimensosanéisdascrateras?

Via-se apenas o verde aqui embaixo e o azul la no alto. Todos os sons que orodeavameramestranhos.Passarapor aguacorrenteque lhechegava acintura.Eraazul,friaemolhada.Equandocruzavacompessoas,oqueocorriadevezemquando,elasnao

usavamtrajesespaciais,comodeveriam.Eaovê-lo,gritavamesaíamcorrendo.Umhomemapontara-lheumaarma.Oprojetilassobiarapelasuacabeça.Depoiso

homemsaíracorrendotambém.Nao tinha a menor ideia do tempo que passara vagueando a esmo antes de

encontraracabanadeRandolphPayne,adoisquilometrosdacidadezinhadeHannaford,nomeioda loresta.RandolphPayne,chavedeparafusosnumadasmaosecachimbonaoutra,aspiradordepóemconsertoentreosjoelhos,estavaagachadodiantedaporta.

Payne cantarolava baixinho, pois era um camarada bem-humorado quando seencontravanasuacabana.PossuıaemHannafordumamoradiamaisrespeitavel,ocupadaprincipalmenteporsuamulher,fatoqueelesinceramassilenciosamentelamentava.Talvezporissohouvesseaquelasensaçaodealıvioeliberdadequandoconseguiafugirparaasua“casadecachorrodeluxo”,ondepodiafumarempaz,enquantosededicavaaoseuhobby,consertarutensíliosdomésticos.

Naoeragrandecoisacomohobby,masasvezesalguemsurgiacomumradio,ouumdespertador,eodinheiroqueentaotilintavaemseusbolsoseraounicoquenaopassavapelasmãosavarentasdesuamulher.

Aqueleaspiradordepórepresentavaseisdólaresganhossemesforço.Pensandonissocomeçouacantar,ergueuavistaesuoufrio.Acançaoengasgou-se

na sua garganta, os olhos arregalaram-se, a transpiraçao tornou-semais intensa. Tentoulevantar-se, como preparativo para correr desabaladamente, mas as pernas naocooperaram.

FoientãoqueAL-76agachou-seaoseuladoeperguntou:—Diga,porquetodososoutrossaíramcorrendo?Payne sabiamuitobemporque,masonoque se formarano seudiafragmanao

permitiuresposta.Tentouafastar-seligeiramentedorobô.AL-76prosseguiu,ressentido:— Um deles ate atirou em mim. Se acertasse dois centımetros abaixo teria

arranhadoorevestimentodomeuombro.—D-deviaestar1-louco—gaguejouPayne.—Epossıvel.—Otomdorobotornou-secon idencial.—Ouça,quehadeerrado

poraí?Payne olhou rapidamente ao redor. Notara que o robo falava em tom

extraordinariamentemansoparaalguemdeaparenciataopesadaebrutalmentemetalica.Lembrou-se tambem de ter ouvido dizer que os robos erammentalmente incapazes defazermalaoserhumanoesentiuumcertoalívio.

—Nãohánadaerrado.— Nao?— replicouAL-76, itando-o acusadora-mente. —Você esta todo errado.

Ondedeixouseutrajeespacial?—Nãotenhonenhum.—Então,porquenãoestámorto?IstosurpreendeuPayne.—Bem...nãosei.—Estavendo!—replicouorobo,triunfante.—Tudoestaerrado.Ondeseencontra

oMonteCopernico?OndeaEstaçaoLunar17?EondeestaomeuDisinto?Querotrabalhar.—Parecia perturbado e tinha a voz tremula ao prosseguir:—Venho andando ha horas,tentandoconseguirquealguemmedigaondeestaomeuDisinto,mastodosfogem.Agorae

provávelqueestejaatrasadíssimo,eochefevaificarfurioso.Quebelasituação!Aos poucos Payne foi conseguindo estabelecer ordem no caos da sua mente.

Perguntouentão:—Comoémesmooseunome?—MeunomedesérieéAL-76.—Albastaparamim.SevoceestaprocurandoaEstaçaoLunar17,ela icanaLua,

sabia?AL-76meneougravementeacabeça.—Claro.Masestiveàsuaprocura...—FicanaLua.EnósnãoestamosnaLua.Foiavezdorobomostrar-seconfuso.ObservouPayneespeculativamenteedepois

indagoudevagar:—Quequerdizercomessahistoria?Aquinao eaLua?Claroque eaLua.Senao

fosse,oqueseriaentão?Respondaessapergunta.Payneemitiuumestranhoruıdoerespiroufundo.Agitandoumdedonafrentedo

robôfalou:—Ouça!—Subito,teveumabrilhanteideiaeinterrompeu-secomumaexclamaçao

abafada.AL-76fitou-ocomardereprovação.— Isso nao e resposta. Creio que tenho direito a uma resposta bem-educada

quandofaçoumaperguntabem-educada.Paynenaooouvia.Ponderavaconsigomesmo.Clarocomoodia.Aquelerobofora

construıdo para ir a Lua,mas por qualquermotivo encontrava-se perdido na Terra. Eranatural que estivesse confuso, ja que seu cerebro positronico fora construıdoexclusivamenteparaoambientelunar,eomeioterrestrelheeratotalmenteestranho.

Se pudesse conservar ali o robo, ate entrar em contato com a fabrica dePetersboro...Robosvaliamdinheiro.Omaisbaratocustavacinquentamildolares,haviamdito,ealgunschegavamavalermilhões.Imaginearecompensa!

“Oba, rapaz,imaginesóarecompensai”Etudoparaele,ateoultimocentavo.NemumníquelfuradoparaMirandy.Não,quediabo!

Levantando-se,finalmentedisse:—Al, nos dois somos amigos!Amigoes! Gosto de voce comode um irmao.—E

estendeu-lheamão:—Aperte!Oroboengoliuemseco,estendeuapatademetaleapertoudeleveamaoquelhe

eraoferecida.Nãoentendiamuitobem.—IstosignificaquevocêmeensinaráachegaràEstaçãoLunar17?Payneficouumtantoembaraçado.—Nao,naoexatamente.Para falaraverdade,gosto tantodevocequequeroque

fiquealgumtempoaquicomigo.—Ah,issoeunaoposso.Precisotrabalhar.—Emeneouacabeça.—Gostariade

atrasarsuaquotadetrabalhohoraaposhora,minutoaminuto?Querotrabalhar.Precisotrabalhar.

Paynepensouconsigomesmoquegostosvariamerespondeu:—Estabem,voulheexplicarumacoisa,porqueestouvendopelasuaaparenciaque

voceeumapessoainteligente.Tenhoordensdoseuchefedeseçaoparaconserva-loaquiporalgumtempo,atéqueelemandebuscá-lo.

—Paraquê?—indagouAL-76,desconfiado.—Nao posso dizer. Segredo de Estado.—Payne rezou intimamente para que o

roboengolisseaquilo.Sabiaquealgunseraminteligentes,masaquelepareciaummodeloantiquado.

E enquanto Payne rezava,AL-76ponderava.Seucerebro,ajustadoparadirigirumDisintona Lua, nao dava omaximo rendimentoquando entregue ao raciocınio abstrato.Ainda assim, desde que se perdera,AL-76 descobrira que seus processos mentaismostravam-se cada vez mais estranhos. O meio ambiente exercia sobre ele algumainfluência.

Suaperguntaseguintefoiquaseastuta:—Comosechamaomeuchefedesetor?Payneengoliuemsecoeraciocinourápido.Emtommagoadorespondeu:— Al, voce me ofende com essa descon iança. Nao posso dizer o nome dele. As

árvorestêmouvidos.AL-76examinoumuitosérioaárvoremaispróximaerespondeu:—Nãotêm.—Eusei.Querodizeréqueháespiõesemtodaparte.—Espiões?—Sim.Gentemá,quequerdestruiraEstaçãoLunar17.—Porquê?—Porquesaomas.Queremdestruirvoce tambem,e epor issoqueprecisa icar

aquialgumtempo,senãoelesoencontrarão.—Mas...masprecisodeumDisinto.Nãopossomeatrasar.— Voce tera o seu Disinto. Tera mesmo — prometeu Payne muito serio,

amaldiçoandoocérebrounilateraldorobô.—Mandarãoumamanhã.Sim,amanhã.Issolhedariamuitotempoparaentraremcontatocomafabricaereceberlindas

pilhasdenotasdecemdólares.MasAL-76tornou-seprogressivamenteobstinadoamedidaqueapressaodaquele

ambienteestranhoagiasobreseumecanismopensante.—Nao,precisodeumDisintoagora.—Movimentandorigidamenteasarticulaçoes,

levantou-se.—Melhorcontinuaraprocurá-lo.Adiantando-se,Payneagarrouumombrofrioegritou:—Espere!Vocêprecisaficaraqui...Algoemitiuumsinalnamentedorobo.Todasascoisasestranhasqueorodeavam

reuniram-se numa bolha, explodiram, deixando o cerebro a funcionar com um estranhoaceleramentodeeficiência.Voltando-separaPayne,disse:

— Sabe de uma coisa? Construirei um Disinto aqui mesmo. Depois podereitrabalhar.

Paynepareciaduvidoso.—Nao creio que consiga.— E perguntou a simesmo se valeria a pena ingir o

contrário.—Naosepreocupe.—AL-76percebeuqueoscanaispositronicosdoseucerebro

traçavamnovossinaisesentiuumaestranhaexultaçao.—Vouconstruirum.—Eolhandopara a casade cachorro,modelode luxo, pertencente aPayne, acrescentou:—Voce temaquitodoomaterialnecessário.

Randolph Payne relanceou para a confusao que enchia a cabana: radios com asvısceras para fora, um refrigerador sem a parte de cima, motores enferrujados deautomovel, um fogao a gas imprestavel, variosquilometrosde arame farpado e cercadecinquenta toneladasdomaisheterogeneoamontoadode ferrovelho,diantedoqual todonegociantedesucatatorceriaonariz.

—Tenhomesmo?—murmurou.Duas horas depois, duas coisas aconteceram quase simultaneamente. Primeira:

Sam Tobe, da ilial de Petersboro da U.S. Robos e HomensMecanicos S.A., recebeu umachamada pelo videofone, de Randolph Payne, morador de Hannaford, com um recadorelativo ao robo desaparecido. Tobe, com um rosnado profundo, interrompeu a ligaçao,ordenando que todos os outros chamados fossem encaminhados para o sexto vice-presidenteencarregadodoscontroles.

Naosetratavadeumverdadeiroabsurdo.Nasemanaanterior,emboraoRoboAL-76tivessedesaparecidocompletamente,haviaa luıdoparaaliumaenxurradadenotıciassobreoseuparadeiro,vindasdetodososrecantosdopaıs.Pelomenoscatorzepordia—emgeraldecatorzediferentesEstados.

Tobe estava cansado da historia, semmencionar que ja andava meio louco poroutrosmotivos.Falava-seateeminqueritogovernamental,emboratodososroboticistas,físicosematemáticosderenomedomundointeirojurassemqueorobôerainofensivo.

Naquele estado de espırito nao era surpreendente que levasse tres horas paraponderardequemodoaqueleRandolphPaynesouberaqueoroboestavaprogramadoparaaestaçaoLunar17eque seunumerode serie eraAL-76.Estesdetalhesnaohaviamsidodivulgadospelacompanhia.

Ponderouduranteumminutoemeioedepoisentrouemação.Contudo, nas tres horas que transcorreram entre a chamada e a açao, deu-se o

segundoacontecimento.RandolphPayne,depoisdeinterpretarcorretamenteainterrupçaodesuachamadacomodescrençageneralizadaporpartedoo icialqueoouvianafabrica,regressouàsuacabanamunidodeumaobjetiva.

Impossıvel discutir diante de uma foto e ele nao seria idiota de mostrar-lhes oartigogenuínoantesdeveracordodinheiro.

AL-76 continuava ocupado com seu trabalho. Metade do conteudo da cabanaencontrava-se espalhado pelos dois acres de terreno, e no meio daquilo via-se o roboagachado, mexendo com valvulas de radio, pedaços de ferro, iaçao de cobre e outrascomplicaçoes, semprestar amınima atençao a Payne que, deitado de bruços, procuravaângulosparaumabonitafoto.

FoientaoqueLemuelOliverCooperfezacurvadaestradaeimobilizou-sediantedoespetaculo.Arazaodasuapresençaalieraumatorradeiraeletrica,queadquiriraoirritantecostumede atirar longe as fatias de pao,mesmoquando ainda nao estavam torradas. Omotivo da sua partida foi mais obvio. Chegara em marcha tranquila, alegre, propria demanhadeverao.Partiacomumavelocidadeque levariaqualquertreinadordecorridasaerguerassobrancelhasefranziroslábioscomaraprovador.

Enaodiminuiuavelocidadeateentrarnogabinetedodelegado,semchapeuesemtorradeira,colidindodiretocomaparede.

Maos prestimosas levantaram-no. Tentou falar, mas durante meio minuto naoconseguiunemsequerseacalmarpararespirardireito.

Deram-lheuísqueeoabanaram,equandofinalmentefalousaiu-secomesta:—Monstro...doismetrosemeiodealtura...cabanadestruıda...coitadodoRonnie

Payne...etc.Aospoucosforamsabendodahistoria:haviaumimensomonstrometalico,dedois

metrosemeiodealtura,talveztresouquatro,nacabanadeRan-dolphPayne.OcoitadodoPayneestavacaıdodebruços,“umcorposangrento,dilacerado”.Omonstroocupava-seemdestruiracabanaporpuroprazerdedestruiçao.Voltara-separaLemuelOhverCooper,queescaparaporumtriz.

ODelegadoSaundersapertouocintonaamplacinturaedisse:—EaquelamaquinaquefugiudafabricadePetersboro.Recebiumavisonosabado

passado.Ei,Jake,reunatodososhomensdeHannafordcapazesdeatirarecoloquenopeitodelesumdistintivodedelegado.Reuna-osaquiaomeio-dia.Eouça,Jake,antesdisso,passepelacasadaviúvaPayneedê-lheamánotíciacomtodoocuidado.

Diz-sequeMirandyPayne,aosaberdoocorrido,fezumapausaparacerti icar-sedeque a apolice de seguro domarido se encontrava no cofre, emitiu algumas observaçoesrelativas ao fato dele nao ter dobrado a quantia, e depois entregou-se a um prolongadochorodecortarocoração,comocabeaqualquerviúvaquesepreza.

Horas depois, Randolph Payne — ignorando sua horrıvel mutilaçao e morte —estudou os negativos das fotos. Estava satisfeito. As sequencias de angulos do robotrabalhando nao deixavam pairar duvidas. Poderiam intitular-se: “Robo ContemplandoPensativo um Aspirador de Po”, “Robo Dividindo Fios”, “Robo Manejando Chaves-de-Parafusos”,“RobôDespedaçandoRefrigeradorcomGrandeViolência”etc.

Como so restava a tarefa simples de revelar as fotos, saiu da camara escuraimprovisada,afimdefumarumpoucoebaterumpapocomAL-76.

Ignoravacompletamentequea lorestaaoredorpululavadefazendeirosnervosos,carregandoasmaisvariadasespeciesdeobjetoscontundentes,assimcomoumain inidadedearmas,desdeumarcabuzcolonial, verdadeira relıquia, ateumametralhadoraportatil,empunhadapelodelegado.Ignoravatambemquemeiaduziaderoboticistas,sobache iadeSamTobe,percorriamaestradadePetersboroamaisdeduzentosquilometrosporhora,comafinalidadeexclusivadeteroprazereahonradeconhecê-lo.

Enquanto essas duas ocorrencias caminhavam para um clımax, Randolph Paynesuspirava, satisfeito consigomesmo, riscava um fosforo nos fundilhos das calças, tiravaumafumaçadocachimboeobservavaAL-76comardivertido.

Tornara-se obvio que o robo estava mais do que lunatico. Randolph Payne erabastante habil com aparelhos domesticos, tendo construıdo varios que nao podiam serexpostosaluzdodiasemferirosolhosdequemoscontemplava,masnuncaconceberaalgoparecidocomamonstruosidadequeAL-76estavacriando.

Faria osRubeGoldbergsda epocamorreremde inveja. FariaPicasso (se vivesseaindaparacontempla-lo)desistirdaarte,convictodeestartotalmenteobsoleto.Azedariaoleitenastetasdetodasasvacas,numacircunferênciademeioquilômetro.

Eradefatohorripilante!De umabase de ferromaciça e enferrujada, que se parecia vagamente comuma

partedetratordesegundamao,erguia-seumamontoadodeentontecer: ios,rodas,tubos,horrores inominaveissemconta, terminandonummegafonedeaparenciadecididamentesinistra.

Paynesentiuımpetosdeespreitarpelomegafone,masconteve-se.Viraaparelhosmaissensatosqueaqueleexplodiremviolentamente.

—Ei,Al—chamou.O robo levantoua cabeça.Estavadeitadodebraços, ajustandouma inaplacade

metal.—Quequer,Payne?— Que e isto? — perguntou, no tom de quem se refere a algo sujo, em

decomposição,malseguroentreduasvarasdetrêsmetrosdecomprimento.—EumDisinto,paraeupodercomeçaratrabalhar.Aperfeiçoeiomodeloanterior.

—Erguendo-se,tirouruidosamenteopódeseusjoelhosmetálicosesorriu,orgulhoso.Payneestremeceu.Um“aperfeiçoamento”!Naoeraparaadmirarqueescondessem

ooriginalnascavernasdaLua.Pobresatelite!Pobresatelitemorto!Semprequiserasaberoqueseriasortepiorqueamorte.Agorasabia.

—Funciona?—Claro.—Comosabe?—Temdefuncionar.Fuieuque iz,nao fui?Soprecisodeumacoisaagora.Tem

umalanternadebolso?—Creioquesim.—Payneentrounacabanaevoltoulogoemseguida.Orobodesatarraxouaextremidadeepos-seatrabalhar.Dentrodecincominutos

haviaterminado.Recuando,disse:—Tudopronto.Agoravouentraremação.Podeolhar,sequiser.Umapausa,enquantoPaynetentavaponderaramagnitudedooferecimento.—Éseguro?—Atéumacriançaseriacapazdemanejá-lo.—Ah—Payneteveumdebilsorrisoecolocou-seportrasdaarvoremaisvolumosa

dasimediações.—Vamos,tenhoamaiorconfiançaemvocê.AL-76apontouparaoespantosoamontoadodeferrovelhoedisse:—Observe!—Epôs-seatrabalhar.OsfazendeirosdeHannaford,Virgınia,empedeguerra,aproximavam-sedacabana

de Payne, apertando o cerco. Com o sangue de seus heroicos antepassados circulandorápidonasveias—earrepiosdescendoaespinha—esgueiravam-sedeárvoreemárvore.

ODelegadoSaundersordenou:—Atiremquandoeuderosinal.Eapontemparaosolhos.JacobLinker—LankJakeparaosamigoseassistentededelegadoparasimesmo—

aproximou-se.—Achaqueamaquinadeuofora?—Naoconseguiuconterotomesperançosoda

voz.—Naosei—resmungouodelegado.—Achoquenao.Terıamosencontradocom

elanafloresta,enãoencontramos.—Masestátudotãoquieto.EparecequejáestamosbempertodacabanadePayne.O lembreteeradesnecessario.ODelegadoSaunders tinhaumbolo taograndena

gargantaqueprecisouengoli-loemtrêsprestações.—Recue—ordenou—emantenhaodedonogatilho.Encontravam-sena orla da clareira.Odelegado fechouos olhos e espreitoupelo

cantinho de um deles, por tras de uma arvore. Nao vendo coisa alguma, fez uma pausa,tentounovamente,olhosabertos,destavez.

Osresultados,naturalmente,forammelhores.Paraserexato,viuumimensohomemmecanico,decostasparaele,inclinadosobre

um aparelho de arrepiar, de origem incerta e inalidadeidem. O unico detalhe que lheescapoufoiatremula iguradeRandolphPayneagarradoaterceiraarvorenadireçaonor-noroeste.

Odelegadosaiuparaterrenodescobertoeergueuametralhadora.Orobô,voltando-lhe ainda amplas costas de metal, disse em voz baixa, para pessoa ou pessoasdesconhecidas:

—Veja!—Equandoodelegadoabriuabocaparaordenarafuzilariageral,dedosmetálicoscomprimiramumaalavanca.

Impossıvelfazerumadescriçaoadequadadoqueocorreuentao,apesardapresençadesetentatestemunhasoculares.Nosdias,meseseanosseguintes,nemumsodossetentaseriacapazdedescreverossegundossubsequentesaomomentoemqueodelegadoabriuaboca para dar a ordem de fogo. Quando interrogados empalideciam e afastavam-seoscilantes.

E obvio,porem,graçasaprovascircunstanciais,queoqueaconteceufoimaisoumenososeguinte:

ODelegadoSaundersabriuaboca,AL-76puxouumaalavanca.ODisintofuncionou,esetentaecinco arvores,doisceleiros, tresvacaseos tresquartossuperioresdomorroDuckbilldesfizeram-senoar.

Fundiram-se,porassimdizer,comasnevesdeantanho.Abocadodelegadopermaneceuabertaporumespaço inde inidode tempo,mas

nada—nemordemdefogo,nemcoisaalguma—dalisaiu.Eentão...Entao ouviu-se uma agitaçao no ar, uma serie de raios cor de purpura cortou a

atmosfera, tendo a cabana de Randolph Payne como centro. Dos componentes do grupoatacante,nãosobrouvestígios.

Restaramdiversasarmasespalhadaspelolocal,inclusiveametralhadoraniquelada,defogoextra-rapido,garantidacontraenguiços,pertencenteaodelegado.Viam-setambemcerca de cinquenta chapeus, algumas pontas de charutos e artigos de indumentariavariados,quesehaviamdesprendidonaagitação.Masserhumanonãohaviaumsó.

AexceçaodeLankJake,nenhumespecimehumanosurgiuporalidurantetresdias,e a exceçao so ocorreu porque sua fuga meteorica foi interrompida por meia duzia dehomensdafábricadePetersboro,penetrandonobosquecomigualvelocidade.

Foi SamTobe quemo deteve, segurando habilmente a cabeça de Lank Jake, quecolidiracomoseuestômago.Quandorecuperouofôlego,Tobeperguntou:

— Onde e a cabana de Randolph Payne? Lank Jake permitiu que seus olhos o

focalizassemporuminstanteerespondeu:—Amigo,siganadireçãoopostaàminha.E,comisso,miraculosamentedesapareceu.Viu-seumpontonohorizonte,quese

desviavadasárvoresetalvezfosseele,masSamTobenãoseriacapazdejurar.Isso foioqueaconteceucomogrupo.MasrestasaberoqueocorreucomPayne,

cujasreaçõesassumiramformaumtantodiferente.Para Randolph Payne, o intervalo de cinco segundos subsequentes ao puxar da

alavanca e ao desaparecimento do morro Duckbill foram um branco total. A princıpioespreitara atraves das moitas espessas, por tras das arvores. Quando tudo terminouencontrava-sependuradonosmais altos galhos.Omesmo impulsoque impelirao grupohorizontalmenteimpulsionara-overticalmente.

Quantoaomodocomopercorreraosquinzemetrosentreraızesetopodaarvore—segalgara,saltaraouvoara—issonãosabianemqueriasaber.

Oqueelesabiaequeapropriedadeforadestruıdaporumrobotemporariamenteem seu poder. Desapareciam assim todas as visoes de recompensas, substituıdas porpesadelosdecidadaoshostis,multidoesululantes,processos, acusaçoesdeassassinatoerecriminaçõesdeMirandyPayne.PrincipalmenteasrecriminaçõesdeMirandyPayne.

Roucoefurioso,gritou:—Ei,robo,destruaessacoisa,ouviu?Destruacompletamente!Eesqueçadequeeu

tenhoalgoavercomahistoria.Naooconheço,ouviu?Nuncamaisfalenoassunto.Esqueça,ouviu?

Nao esperava que suas ordens surtissem efeito, eram apenas um re lexo. O queignorava equeumroboobedecesempreaordenshumanas,amenosqueenvolvaperigoparaoutroserhumano.

AL-76, portanto, pos-se a demolir, tranquila e metodicamente, o seu Disinto,transformando-onummontedesucata.

Quandoestavaamassandooultimocentımetrocubicodemetal,SamTobechegoucomoseucontingente,eRandolphPayne,percebendoquesetratavadosverdadeirosdonosdorobô,caiudecabeçadoaltodaárvoreedesapareceuemregiõesdesconhecidas.

Nemesperoupelarecompensa.AustinWilde,engenheirorobótico,voltou-separaSamTobeeindagou:—Conseguiuobteralgumacoisadorobô?Tobemeneouacabeça,comumgrunhidosurdo.—Nada.Nadaabsolutamente.Esqueceutudooqueaconteceudepoisquesaiuda

fabrica.Deveterrecebidoordensparaesquecer,casocontrarionaoestariataoembranco.Quepilhadeferrovelhoeraaquelacomqueestavabrincando?

—Exatamenteisso:umapilhadeferrovelho.MasdevetersidoumDisintoantesdeser destruıdo e eu gostaria dematar o camarada que lhe deu ordens para amassa-lo—usandotorturalenta,sepossível.Vejaisto!

EstavaameiaencostadoqueforaomorroDuckbill—nopontoexatoemqueforacortada, eWilde colocou amao sobre a superfıcie perfeitamente reta que talhara solo erocha.

—QueDisinto!Arrancouamontanhapelabase.—Porqueoteráconstruído?

Wildedeudeombros.—Naosei.Algumfatorambiental.Impossıvelsaberoquereagiusobreseucerebro

positronico programado para a Lua, levando-o a fabricar um Disinto com ummonte deferros velhos.Ha umbilhao de chances contra umade descobrir esse fator, agora que oprópriorobôoesqueceu.NuncapossuiremosaqueleDisinto.

—Nãoimporta.Oprincipaléquetemosorobô.— Ao diabo com ele! — Havia um pungente lamento na voz de Wilde. — Tem

algumaideiadoquesaoosDisintosnaLua?Consomemenergiacomoporcoseletronicoseso funcionam quando se obtem um potencial de milhao de volts. Mas este Disintofuncionavadiferente.Examineiosdestroçoscommicroscopio.Gostariadeveraunicafontedeenergiaqueencontrei?

—Queéisso?—Apenasisso!Ejamaissaberemoscomoasutilizou.EAustinWildeexibiuafontedeenergiaquepossibilitaraaumDisintocortaruma

montanhaemmeiosegundo:duasbateriasdelanternaportátil!

8- Vitória involuntária

Aespaçonavevazavacomoumapeneira.Estavadestinadaaisso.Eraexatamenteoquesedesejava.EclaroqueduranteaviagemdeGanimedesaJupiter icoutransbordantedomais

solidovacuoespacial.Ejaquenaodispunhatambemdeaquecimento,ovacuomanteve-seasuatemperaturanormal,queéumafraçãodegrauacimadozeroabsoluto.

Istoestavatambemdeacordocomosplanos.Pequeninascoisascomoaausenciadearecalornãoafetavamaninguémnaquelaespaçonave.

Os primeiros resquıcios da atmosfera de Jupiter começaram a penetrar na navevarios milhares de milhas acima da superfıcie do planeta. Constituıa-se quase toda dehidrogenio, embora talvez uma cuidadosa analise revelasse tambem sinais de helio. Osindicadoresdepressãocomeçaramasubirlentamente.

Esta subida acelerou-se a medida que a nave caıa na orbita de Jupiter. Osmostradores, cada qual destinado a indicar pressoes mais elevadas, moveram-se atealcançar as imediaçoes de um milhao de atmosferas, onde os numeros perderamsigni icado.Atemperatura,registradaemparestermoeletricos,ergueu-selentaevacilante,firmando-seafinalemcercadesetentagrauscentígradosabaixodezero.

Anavemovia-selentamenteemdireçaoaodestino,abrindocaminho,pesada,peloemaranhado de moleculas de gas tao unidas que o proprio hidrogenio era reduzido adensidade de um lıquido. Vapor amonıaco, emanando dos vastıssimos oceanos daquelelıquido, saturavaahorrıvelatmosfera.Ovento,quecomeçaraa soprarmilmilhasacima,atingiraumpontoquemalpoderiaserclassificadodefuracão.

Era evidente, muito antes que a nave pousasse numa ilha bastante extensa doplaneta,umassetevezesotamanhodaÁsia,queJúpiternãoeraummundoagradável.

Contudo,ostresmembrosdatripulaçaoacharamquesim.Estavamconvictosdisso.Masacontecequenãoeramexatamentehumanos.NemexatamentehabitantesdeJúpiter.

EramsimplesmenterobôsfabricadosnaTerraparaaviagemaJúpiter.ZZTrêsfalou:—Pareceumlocaldesolado.ZZDois,reunindo-seaele,contemploumuitoserioapaisagemvarridapeloventoe

disse:— Ha estruturas a distancia que parecem arti iciais. Sugiro esperarmos que os

habitantesnosprocurem.Dooutroladodacabina,ZZUmouviu,masnadadisse.Dostresforaoprimeiroaser

construído,eerameioexperimental.Falavamenos,portanto,queseusdoiscompanheiros.A espera nao foi longa. Uma nave aerea de estranho contorno sobrevoou a

espaçonaveterrestre,seguidadeoutras.Depoisuma iladeveıculosterrestresaproximou-se, tomou posiçao e despejou organismos. Com estes vinham diversos acessoriosinanimados, que poderiam ser armas. Algumas eram sustentadas por um so jupiteriano,

outraspordiversos,eoutrasaindamoviam-seporsimesmas,contendotalveztripulantes.Issoosrobôsignoravam.ZZTrêsfalou:—Elesnosrodearam.Ogestodepazmaislógicoseriasairdanave.Concordam?Concordaram, e ZZ Um abriu a pesada porta, que nao era dupla, nem

particularmentevedada.Oaparecimentodostresfoisinaldeagitaçaoentreosjupiterianos.Movimentaram-

sevariosdosmaioresacessoriosinanimados,eZZTressentiuqueatemperaturasubianorevestimento externo de seu corpo de berilo-irıdio-bronze. Relanceando para ZZ Doisperguntou:

—Estásentindo?Creioqueestãoprojetandoenergiadecalorcontranós.ZZDoismanifestousurpresa.—Porquê?—Trata-sedefinitivamentedeumraiocalóricoVeja!Umdosraiosdesviou-sedoalvo,porqualquermotivoincompreensıvel,esualinha

de radiaçaoatravessouumriacho faiscantedeamoniapura,quede imediato começouaferver.

Trêsvoltou-separaZZUm:—Tomenotadisso,ouviu?—Claro.—Aelecabiaotrabalhorotineirodesecretaria,eseumetododetomar

notaserafazerumaadiçaomentalaoapuradorolodamemoriaqueexistianoseuinterior.Ja izera o registro horario de cada instrumento importante de bordo, durante a viagempara Jupiter.Eacrescentoutranquilamente:—Querazaoatribuirei a reaçao?Osmestreshumanosgostariamcomcertezadesaber.

— Nenhuma razao. Ou melhor — corrigindo-se —, nenhuma razao aparente.Registrequeatemperaturamáximadoraioeracercadetrintagrauscentígrados.

Doisinterrompeu-o:—Tentamosnoscomunicar?—Seriaperdadetempo—replicouTres.—Naopodehavermaisqueunspoucos

jupiterianosapaidocodigoderadiousadoentreJupitereGanimedes.Teraodechamarumdeles, e quando chegar estabelecera contato. Entretanto vamos observa-los. Naocompreendosuamaneiradeagir,digofrancamente.

E a compreensao nao chegou de imediato. A radiaçao catodica cessou, e outrosinstrumentosforamtrazidosparaalinhadefrenteeexibidos.Diversascapsulascaıramaospesdosrobosemobservaçao,tombandorapidaepesadamenteporcausadagravidadedeJupiter.Abrindo-se,derramaramumlıquidoazul,queformavapoçaseemseguidadiminuıarapidamente,evaporando-se.

O terrıvel furacao dispersava os vapores, e os jupiterianos afastavam-se do seucaminho.Umdeles,demasiadolento,contorceu-secomviolênciaeemseguidaficouimóvel.

ZZDoisinclinou-se,mergulhouumdedonapoçaeobservouolíquidogotejar.—Éoxigênio—concluiu.—Eoxigenio,sim—concordouTres.—Istomeparececadavezmaisestranho.

Deveserumsistemaperigoso,poisdiriaque evenenosoparaestascriaturas.Umadelasmorreu!

Houve uma pausa e em seguida ZZ Um, cujamenor complexidade levava a umaUnhadereflexãomaisdireta,ponderou:

—Epossıvelqueestasestranhascriaturasestejamfazendotentativasinfantisdenosdestruírem.

Dois,aoimpactodasugestão,respondeu:—Creioquetemrazão,Um!Houve uma ligeira tregua nas atividades jupiterianas e entao surgiu uma nova

estrutura. Ostentava uma ina haste apontando para o ceu encoberto pela impenetravelescuridaojupiteriana.Mantinha-sesoboimpactodaqueleventoincrıvelnumaimobilidadeque indicavaexcepcionalvigorestrutural.Daextremidadepartiuumestalido,seguidodeumraioqueiluminouatéasprofundezasdaatmosferamergulhadanumfogcinzento.

Por um instante os robos icaram banhados numa pegajosa radiaçao. Pensativo,Trêsfalou:

—Eletricidadeemaltatensao!Umaforçabastanterespeitavel.Um,creioquetemrazao.A inal,nossoschefeshumanosdisseramqueestascriaturasprocuramdestruirtodaahumanidade, e organismos que possuam tao louca malignidade, a ponto de abrigarpensamentos nocivos a um ser humano — sua voz estremeceu a ideia —, nao teriamescrúpulosemdestruir-nos.

— E uma vergonha possuir mente tao pervertida — disse ZZ Um. — Pobressujeitos!

—Éumaideiamuitotriste—admitiuDois.—Voltemosànave.Jávimosobastanteporagora.

Foioque izeram,decididosaaguardar.ConformeobservaraZZTres, Jupitereraumgrandeplanetaepoderialevartempoatequeumtransportejupiterianotrouxesseumespecialistaemcódigosànave.Contudo,paciênciaéoquenãofaltaaosrobôs.

Para ser exato, Jupiter rodou tres vezes em torno do seu eixo, segundo ocronometro, antes que o especialista chegasse. O nascer e por do sol nao alteravam demaneiraalgumaaprofundaescuridaonasprofundezasdaquelastresmilmilhasdedensogas-lıquido,demodoquenaosepodiafalaremdiaenoite.Masnemrobosnemjupiterianosenxergavampormeioderadiaçãovisível,demodoqueissonãotinhaimportância.

Naquele intervalo de trinta horas, os nativos persistiram no ataque com umapaciênciaeconstânciadiantedaqualorobôZZUmresolveutomarinúmerasnotasmentais.A nave foi atacada por uma força diferente de hora em hora e os robos observaramatentamentecadaumadelas,analisandoasarmasquereconheciam.Masissonaoaconteciacomtodas.

Os humanos, porem, haviam construıdo solidamente. A nave levara quinze anosparaserestruturada,assimcomoosrobosesuaspartesessenciais,eoconjuntopodiaserde inidoemduaspalavras: forçabruta.Oataquedesgastava-se inutilmente, semafetaraespaçonaveouosrobôs.

—Creioque a atmosferaosprejudica— falouTres.—Naopodemusar energiaatômica,poisabririamumburaconaquelaespessacamadaeexplodiriam.

—Naousaramtambemexplosivosviolentos,oque e otimo—observouDois.—Nãonosafetariam,naturalmente,masseríamosumtantosacudidos.

—Explosivosviolentosestaoforadecogitaçao.Naosepodeterumexplosivosem

expansãodegases,eistoéimpossívelnestaatmosfera.—Éumaótimaatmosfera—murmurouUm.—Eugostodela.O que era natural, uma vez que fora para ela construıdo. Os robos ZZ eram os

primeirosfabricadospelaU.S.RoboseHomensMecanicosS.A.semamaisleveaparenciahumana. Eram baixos e atarracados, com o centro de gravidade a menos de trintacentımetros do solo. Tinham seis pernas, curtas e vigorosas, desenhadas para erguertoneladas em gravidade duas vezes e meia maior que a normal da Terra. Seus re lexostinhamrapidezproporcional,paracompensaragravidade,ecompunham-sedeumaligadeberilo-irıdio-bronzeresistenteaqualqueragentecorrosivoconhecidoeaqualqueragentedestruidor — a exceçao de um disruptor atomico de mil megatons — sob quaisquercondições.

Em outras palavras, eram indestrutıveis e tao vigorosos que passaram a ser osunicos a quem os roboticistas da corporaçao jamais tiveram a coragem de impor umapelido.UmbrilhantetecnicohaviasugeridoSissyUm,DoiseTres,masemvozbaixa,easugestãonãoencontraraeco.

Asultimashorasdeesperaforampassadasemdiscussao.Procuravamdescreveraaparencia dos jupiterianos. ZZ Um anotara que possuıam tentaculos e simetria radial, enissohaviamficado.DoiseTrêsfizeramtentativas,masnãoconseguiramajudá-lo.

—Naoepossıveldescrevermuitobemcoisaalgumasemumpadraodereferencia— declarou Tres, inalmente.— Estas criaturas nao parecem com coisa alguma que euconheça.Estaointeiramenteporforadastrilhasdomeucerebropositronico.Ecomotentardescreverumraiogamaaumrobônãoequipadoparaarecepçãoderaiosgama.

Naquele exato momento, a barragem atacante novamente cessou e os robosvoltaramaatençãoparaoexteriordanave.

Umgrupodejupiterianosadiantava-sedemodoestranhamentedesigual,masnemamaisminuciosaobservaçaopoderiadeterminarseumetodoexatodelocomoçao.Dequemodo usavam os tentaculos era difıcil saber. As vezes deslizavam de maneirasurpreendente,depoismoviam-seagrandevelocidade, talvezcomaajudadovento,poisadiantavam-senessesentido.

Osrobossaıramaoencontrodosjupiterianos,quesedetiveramaunstresmetrosdedistância.Ambasasfacçõespermaneceramsilenciosaseimóveis.

ZZDoisfalou:—Devemestarnosobservando,masnao sei como.Algumdevocesnota orgaos

fotossensíveis?—Nãosei—resmungouTrês.—Elesnãofazemsentidoabsolutamente.Ouviu-sederepenteumcliquemetalicoentreogrupo jupiterianoeZZUmfalou,

encantado:—Éocódigoderádio.Trouxeramoespecialistaemcomunicações.Era e tinham trazido mesmo. O complicado sistema de ponto-traço, elaborado

penosamentedurantevinteecincoanospelos jupiterianoseosterrestresdeGanimedes,transformara-senummeiobastante lexıveldecomunicaçaoeestavaa inalsendopostoemaçãoacurtadistância.

Um jupiterianopermaneceumais a frente, enquantoosoutros recuavam.Eraelequemestavafalando.Ossinaisdiziam:

—Deondevêm?ZZTres, o dementalidademais adiantada, assumiu naturalmente a liderança do

grupo.—SomosdosatélitedeJúpiter,Ganimedes.Ojupiterianocontinuou:—Quequerem?— Informaçao. Viemos estudar o seumundo e trazer as nossas descobertas. Se

pudéssemosobterasuacooperação...Ossinaisdojupiterianointerromperam-no:—Vocêsprecisamserdestruídos!ZZTrêsfezumapausaenumaparteaoscompanheirosdisse,pensativo:— Exatamente a atitude que nossos mestres terrenos previram. Sao muito

estranhos.Voltandoaossinaisperguntousimplesmente:—Porquê?O jupiterianoconsiderava,evidentemente,certasperguntasdemasiadotolaspara

mereceremresposta.Disseapenas:—Separtiremdentrodeumsoperıododeevoluçaonosospouparemos,ateodia

emquesairmosdonossomundoparadestruirosvermesnão-jupiterianosdeGanimedes.—Gostariadeobservarquenós,deGanimedesedosplanetasinteriores...Ojupiterianointerrompeu-o:—NossaastronomiaconheceoSolenossosquatrosatelites.Naoexistemplanetas

interiores.Trêsnãoinsistiu,recomeçando:— Nos, de Ganimedes, nao temos intençoes belicosas com relaçao a Jupiter.

Estamos dispostos a oferecer a nossa amizade. Durante vinte e cinco anos seu povocomunicou-se livremente com os seres humanos de Ganimedes. Havera razao para umaguerrasúbitacomoshumanos?

— Durante vinte e cinco anos supomos que os habitantes de Ganimedes eramjupiterianos— foi a resposta glacial. — Quando descobrimos que nao e que vınhamostratandocomanimais inferioresaonossonıvelde inteligencia, fomosobrigadosa tomarmedidaspararesgatarnossahonra.

Eterminou,comlentidãoeenergia:—Nós,deJúpiter,nãosuportaremosaexistênciadevermes!O jupiteriano recuou, de certo modo, fazendo um esforço contra o vento, e a

entrevistaevidentementeficouencerrada.Osrobôsrecolheram-seànave.—Ascoisasestaomas,naoe?—disseZZDois,queprosseguiu,pensativo:—Foi

como disseram os mestres humanos. Eles possuem um complexo de superioridadeextraordinariamente desenvolvido, combinado a uma extrema intolerancia a qualquerpessoaoucoisaqueperturbeessecomplexo.

— A intolerancia e consequencia natural do complexo — observou Tres. — Oproblema e que a intolerancia deles e agressiva. Tem armas— e sua ciencia e bastanteavançada.

—Naosurpreendequetenhamossidoespeci icamenteinstruıdosparanaoatender

as ordens jupiterianas— exclamou ZZ Um.— Sao seres horrıveis, intoleraveis, pseudo-superiores!—Eacrescentouenfaticamente,comlealdadeeferoboticas:—Mestrehumanoalgumseriaassim!

—Isso,emboraverdadeiro,naotemrelevancia—falouTres.—Oqueimporta eque os mestres humanos estao em terrıvel perigo. Este mundo e gigantesco e osjupiterianos sao cemvezesmaioresemnumeroe recursos, talvezmais,doque todososhomensdoImperioTerrestre.Seforemcapazesdefabricarumcampodeforçaeusa-lonocascodeumaespaçonave—comoosnossosmestreshumanosja izeram—dominaraoavontadetodoosistema.Aquestaoesaberatequepontoavançaramnessesentido,quaisasoutras armas que possuem, que preparativos estao fazendo etc. Regressar com esseinformeeanossafunçao,naturalmente,demodoqueemelhordecidirmosqualseranossopróximopasso.

—Istotalvezsejadifıcil—replicouDois.—Osjupiterianosnaonosajudarao.—Oque,tendo-seemvistaascircunstâncias,eradizermuitopouco.

— Parece-me que so temos que esperar. Tentaram destruir-nos durante trintahorasenaoconseguiram.Fizeramopossıvel,comcerteza.Umcomplexodesuperioridadeenvolve sempre a eterna necessidade de salvar as aparencias, e o ultimato que nosdirigiramoprovanestecaso.Jamaisnospermitiriampartirsepudessemdestruir-nos.Masse nao partimos ingirao, com certeza, que estao dispostos, por motivos que so elesconhecem,anospermitirficar.

E mais uma vez esperaram. Passou-se o dia. A barragem belica nao voltou afuncionar. Os robos nao se retiraram. A ameaça revelara-se inutil. De novo os robos sedefrontaramcomoespecialistaemcódigoderádio.

Se os modelos ZZ houvessem sido equipados com senso de humor estariam sedivertindoimensamente.

Comoissonãoacontecera,sentiamapenasumasolenesatisfação.Ojupiterianofalou:—Decidimospermitirquepermaneçamporumcurtoperıodo,a imdeveri icar

pessoalmenteonossopoderio.RegressaraoaGanimedesparainformaraosoutrosvermesseussemelhantesdeseudesastrosofim,dentrodeumarevoluçãosolar.

ZZ Um anotou mentalmente que uma revoluçao jupiteriana durava doze anosterrestres.Trêsrespondeutranquilamente:

—Obrigado.Podemosacompanha-losacidademaisproxima?Hamuitacoisaquegostaríamosdeaprender.—Eacrescentou:—Nossanavenãoserátocada,naturalmente.

Disse isso em tom de pedido, e nao de ameaça, pois nenhum modelo ZZ erabelicoso.Todacapacidademesmoparaamaisleveirritaçaoforacuidadosamentebanidadesua construçao. Com robos tremendamente potentes, como os ZZ, um bom humorinalteráveleraessencialparaasegurançanosamosdetestenaTerra.

— Nao estamos interessados em sua mısera nave— replicou o jupiteriano. —Nenhumde nos se contaminara aproximando-se dela. Podem acompanhar-nos,mas naodevem de modo algum chegar a menos de tres metros de qualquer jupiteriano. Seraoinstantaneamentedestruídos.

—Convencidos,hem?—observouDois,numsussurrobem-humorado,enquantolutavamcontraovento.

Acidadeeraumportoasmargensdeumincrıvellagodeamonia.Oventosopravafuriosoeondasespumantessaltavamnasuperfıcielıquidaemloucavelocidade,sublinhadapelagravidade.Oportonaoeravastonemimponenteepareciabastanteobvioqueamaiorpartedasconstruçõeserasubterrânea.

—Qualapopulaçãodestelocal?—perguntouTrês.—Éumapequenacidadededezmilhõesdehabitantes—replicouojupiteriano.—Compreendo.Anoteisso,Um.ZZ Um anotou mecanicamente e voltou-se de novo para o lago, que estivera

contemplando,fascinado.TocandooombrodeTrês,perguntou:—Achaqueexistempeixesaí?—Queimporta?—Achoquedevemossaber.Osmestreshumanosordenaramquedescobrıssemos

omaximopossıvel.—Sendoomaissimplesdosrobos,aceitavaasordensdemaneiramaisliteral.

Doisinterveio:—Umpodeinvestigar,sequiser.Nãohámalemqueogarotosedivirtaumpouco.—Estabem.Naoha objeçao, senaoperder tempo.Naoviemosprocurarpeixes,

mas...podeir,Um.ZZUmpartiumuitoanimado,descendorapidamente apraiaemergulhandocom

espalhafato na amonia. Os jupiterianos observaram-no atentamente. Nao haviamcompreendidonadadaconversaanterior,éclaro.

Oespecialistaemcódigotransmitiu:—Eevidentequeseucompanheiroresolveuabandonaravida,desesperadocoma

nossagrandeza.Trêsreplicou,surpreendido:—Nadadisso.Querinvestigarosorganismosvivos,seequeexistem,naamonia.—

E acrescentou como quem pede desculpas:— Nosso amigo e as vezes muito curioso emenosinteligentedoquenos,oqueeumapena.Compreendemosissoeprocuramosfazer-lheavontadesemprequepossível.

Houveumaprolongadapausaeojupiterianoobservou:—Eleseafogará.Trêsrespondeutranquilamente:—Naohaperigo.Nosnaonosafogamos.Podemosentrarnacidadeassimqueele

voltar?Naquelemomento produziu-se no lago um jato de lıquido de varias centenas de

metrosdealtura.Projetando-seloucamenteparacima,caiutransformadoemvapor,quefoisopradopelovento.Outrojato,maisoutro.Depoisumaespumabrancaformou-se,deixandoumaesteiraatéamargemedesaparecendogradualmente.

Osdoisrobosobservaramsurpreendidosofenomenoeaabsolutaimobilidadedosjupiterianosindicavaquetambémelesobservavam.

EntaoacabeçadoZZUmemergiueaproximou-selentamentedamargem.Masalgoo seguia! Um ser de dimensoes gigantescas, que parecia ser todo constituıdo de presas,garraseespinhas.Viramentaoquenaooacompanhavaporlivreeespontaneavontade,masestavasendoarrastadoparaapraia.Seucorpoapresentavaumasignificativaimobilidade.

Aproximando-se timidamente, ZZ Um apossou-se da comunicaçao, transmitindoumaagitadamensagemaojupiteriano:

—Lamentomuitooqueaconteceu,masesta coisaatacou-me.Euestavaapenastomandonotas.Esperoquenãosejaumacriaturademuitovalor.

Arespostanaoveiodeimediato,poisquandoomonstroapareceuhouveumaloucacorreria nas ileiras jupiterianas. Quando estas se reconstituıram lentamente e umacautelosaobservaçaoprovouqueacriaturaestavadefatomorta,aordemrestabeleceu-se.Algunsmaisousadostocavamocorpo,curiosos.

ZZTrêsdissehumildemente:—Esperoqueperdoenossoamigo.Asvezeselesemostradesajeitado.Naotemos

nenhumaintençãoabsolutamentedefazermalaqualquercriaturadeJúpiter.—Elemeatacou—explicouUm.—Mordeu-mesemprovocaçao.Veja!—eexibiu

umapresadesessentacentımetrosdecomprimento,terminandonumapontaserrilhada.—Quebrou-anomeuombroequasedeixouumarranhao.Solhedeiumsafanaoparaafasta-lo...eelemorreu.Sintomuito!

Ojupiterianofaloufinalmente,eocódigopareciaumgaguejo.—Eumacriaturaselvagem,raramenteencontradataojuntoamargem,masolago

éprofundoaqui.Ansioso,Trêsfalou:—Sepuderemutilizá-loparaalimentaçãoteremosomaiorprazer...—Nao.Podemosconseguircomidasemaajudadeverm...semaajudadeoutrem.

Comam-novocêsmesmos.ZZUmergueuentaoosereatirou-oaomarcom levemovimentodebraço.Tres

faloucalmamente:— Obrigado por sua bondosa oferta, mas nao precisamos de alimento. Nao

comemos,naturalmente.Escoltados por cerca de duzentos jupiterianos armados, os robos passaram por

uma serie de rampas, penetrando na cidade subterranea. Se na superfıcie ela pareciapequenaesemimportância,sobaterraassumiaaaparênciadeumavastamegalópole.

Osrobosforamconduzidosacarrosacionadosporcontroleremoto—poisnenhumjupiterianoqueserespeitassearriscariasuasuperioridadecolocando-senomesmoveıculoqueosvermes—etransportadosatremendavelocidadeparaocentrodacidade.ViramobastanteparacalcularqueelateriaunscinquentaquilometrosdeextensaoemergulhavapelomenosunsoitoquilômetrosnacrostadeJúpiter.

ZZDoisnãopareciamuitofelizaodizer:— Se isto e uma amostra do progresso jupiteriano, nosso relatorio aosmestres

humanosnaoseramuitoauspicioso.A inal,pousamosaesmonasuperfıciedoplaneta,comuma chance contra mil de nos encontrarmos nas imediaçoes de uma zona populosa.Segundooespecialista,istoéumacidadezinha.

—Dezmilhoesdejupiterianos—disseTres,distraıdo.—Ototaldapopulaçaodeveorçar pelos trilhoes, o que e bastante, mesmo para Jupiter. Devem ter uma civilizaçaocompletamenteurbana,oquesigni icaqueseudesenvolvimentocientı icoseratremendo.Setiveremcamposdeforça...

Tresnaopossuıapescoço,pois,nointeressedovigordascabeças,osmodelosZZ

giravam irmementeo torso, comosdelicadoscerebrospositronicosprotegidospor tresdiferentes camadas de liga de irıdio, comdois centımetros emeio de espessura.Mas setivesseateriameneadotristemente.

Haviam parado num espaço livre. Ao redor viam-se avenidas e estruturasfervilhantes de jupiterianos, tao curiosos como qualquer terrestre em circunstanciassimilares.

Oespecialistaemcódigoaproximou-se.—Chegouahoraderetirar-meateoproximoperıododeatividade.Chegamosao

cumulo de providenciar alojamento para voces, com grande incomodo para nos, pois aestruturaprecisaraserdestruıdaereconstruıdamaistarde.Contudo,poderaodormirporalgumtempo.

ZZTrêsagitouumbraçonumgestodeprecatórioetransmitiu:—Agradecemos,masnaoprecisamseincomodar.Naopretendemos icaraqui.Se

quiserem dormir e descansar, nao façam cerimonia. Esperaremos por voces. — Eacrescentoutranquilamente:—Nósnãodormimos.

O jupiteriano nao respondeu, embora, caso tivesse rosto, fosse interessanteobservar-lheaexpressao.Retirou-seeosrobospermaneceramnocarro,comumaescoltadejupiterianosbemarmadosesubstituídoscomfrequência.

Horasdepois,as ileirasdosguardasabriram-separadeixarpassaroespecialistaemcódigo.Vinhaacompanhadodeoutrosjupiterianos,aquemapresentou.

—Tragodoiso iciaisdogovernocentral,quegraciosamenteconsentiramemfalar-lhes.

Um dos o iciais evidentemente conhecia o codigo, pois seu clique interrompeuasperamenteodoespecialista.Dirigindo-seaosrobôsfalou:

—Vermes!Saiamdocarroparaqueeupossavê-los.Osrobosobedeceramcomamaiorboavontade.EnquantoTreseDoissaltavampor

sobre a borda, ZZ Um atravessou a esquerda do veıculo. A palavra atravessou foi usadacorretamente,poisumavezquenaoacionouomecanismoparabaixaraparedelateral,porondesesaía,carregoucomaqueleladoemaisduasrodaseumeixo.Ocarrodesmoronou-seeZZUmcontemplouasruínas,numsilêncioembaraçado.

Finalmentedisse,emvozbaixa:—Lamentomuito.Esperoqueocarronãosejamuitovalioso.ZZDoisacrescentou,pedindodesculpas:—Nossocompanheiroemeiodesajeitadoasvezes.Desculpem-no,porfavor.—E

fezumalevetentativaparareconstituirocarro.ZZUmfezoutroesforçoparadesculpar-se.—Omaterialdocarroerapoucoresistente,estaovendo?—Eergueuumpedaçode

plasticodurocomometal,desetecentımetrosdeespessura.Exercendopressaocomambasasmãos,facilmentequebrou-oaomeio.—Eudeviatertidomaiscuidado—confessou.

Ooficialdogovernojupiterianofalouemtomumpoucomenosáspero:—Ocarroteriaquesermesmodestruıdo,depoisdepoluıdoporsuapresença.—E,

aposumsilencio:-Criaturas!Nos,jupiterianos,naosentimoscuriosidadecomrespeitoaosanimaisinferiores,masnossoscientistasprocuramfatos.

— Concordamos plenamente — replicou Tres, bem-humorado. — Pensamos da

mesmamaneira.Ojupiterianoignorou-o.—Vocesaparentementenaodispoemdeorgaosensıvelamassa.Comopercebem

osobjetosdistantes?Trêspareceuinteressado.—Querdizerquevocêssãodiretamentesensíveisàmassa?—Naoestouaquipararesponderassuasperguntas—suasimpudentesperguntas

—anossorespeito.—Suponhoentaoqueobjetosdepequenamassaespecı icaseriamtransparentes

paravocê,mesmonaausênciaderadiação.—Evoltando-separaDois:— E assim que eles veem. Sua atmosfera e tao transparente para eles como o

espaço.Oscliquesdojupiterianorecomeçaram.— Responda imediatamente a minha pergunta, senao perderei a paciencia e

mandareidestruí-lo.Trêsrespondeulogo:—Somos sensıveis a energia, jupiteriano.Podemosajustar-nos a vontadea toda

escalaeletromagnetica.Nomomento,nossavisaoalongadistanciaedevidaatransmissaodeondasderadiopornosmesmosemitidas,edepertovemospormeiode...—calou-se,voltando-separaDois:—Nãoexistenenhumcódigoparaoraiogama,existe?

— Nao que eu saiba — respondeu Dois. Tres prosseguiu, voltando-se para ojupiteriano:

—Depertovemospormeiodeoutraradiação,paraaqualnãotemoscódigo.—Dequesecompõeseucorpo?—indagouojupiteriano.Doismurmurou:—Eleestaperguntandoissoprovavelmenteporquesuasensibilidadeamassanao

podepenetraraepiderme.Altadensidade,compreende?Devemosdizeraele?Trêsrespondeu,hesitante:— Nossos mestres humanos nao recomendaram particularmente que

guardassemos nenhum segredo.— Em codigo de radio, disse ao jupiteriano:— Somosconstituıdos principalmente de irıdio. E mais cobre, latao, um pouco de berilo e umpunhadodeoutrassubstâncias.

Os jupiterianos recuaram e pelo obscuro contorcer de diversas porçoes de seuscorposindescritıveisdavamaimpressaodeestarimersosemanimadaconversa,emboranãoemitissemsomalgum.

Finalmenteooficialregressou:—SeresdeGanimedes!Ficoudecididoque lhesmostraremosalgumasdenossas

fabricas, exibindo assim uma fraçao de nossas grandes realizaçoes. Em seguidapermitiremosqueregressem,a imdeespalharemodesesperoentreosoutrosverm...osoutrosseresdomundoexterior.

TrêsdisseparaDois:— Observe o efeito de sua psicologia. Tem necessidade de insistir em sua

superioridade. E tambem uma questao de salvar as aparencias. — E em codigo: —Agradecemosaoportunidade.

Masaoperaçaofoie iciente,conformeosroboslogoperceberam.Ademonstraçaotransformou-se numa excursao, a excursao numa “Grande Exibiçao”. Os jupiterianosexibiramtudo,explicaramtudo,responderamanimadamenteatodasasperguntaseZZUmtomoucentenasdenotasdesesperadoras.

O potencial belico daquela unica cidade sem importancia era varias vezesmaiorque o de Ganimedes inteiro. Dez cidades semelhantes produziriammais do que todo oImperioTerrestre.DezoutrasnaoseriamsequerumpequenofragmentodetodaaforçadequeJúpiterdispunha.

Trêssentiuumafortecotoveladanascostas.—Oquefoi?—perguntou,voltando-se.Muitosério,Umrespondeu:—Setiveremcamposdeforça,osmestreshumanosestãoperdidos,nãoestão?—Temoquesim.Porquepergunta?—Porqueosjupiterianosnaonosestaomostrandooladodireitodestafabrica.E

possıvelqueoscamposde forçasejamfabricadosali.Elesguardariamsegredo.Emelhordescobrirmos.Nãohánadamaisimportantedoqueisso.

TrêsolhousombrioparaUm.—Talveztenharazão.Nãoadiantaignorarcoisaalguma.Encontravam-se numa imensa siderurgica, observando lingotes de trezentos

metrosdeumaligadesilicone-aço,resistenteaamonia,sendofabricadosarazaodevinteporsegundo.Trêsperguntoubaixinho:

—Quecontémaquelaala?Ooficialdogovernoindagouaosencarregadosdafábrica,queexplicaram:— E o departamento de altos fornos. Varios processos exigem tremendas

temperaturas,queavidanãopodesuportar,etodosdevemserindiretamentecontrolados.Conduzindo-os a uma divisao de onde o calor se irradiava, indicou uma area

pequenae redondadematerial transparente.Faziapartedeuma ileiradeoutras iguais,atravésdasquaisasluzesvermelhasdebrilhantesforjaseramvistasnapesadaatmosfera.

ZZUmolhoudesconfiadoparaojupiterianoetransmitiu:—Poderíamosentraredarumaespiada?Estoumuitointeressadonisto.—Voceestasendoinfantil,Um—falouTres.—Estaodizendoaverdade.Ora,de

umaespiadasequiser,masnãodemore.Precisamosseguiradiante.Ojupiterianoavisou:—Nãofazideiadocalordesprendido.Morrerá.—Oh,não—replicouUm,tranquilo.—Ocalornãonosafeta.Houveumaconfabulaçaoentreosjupiterianoseemseguidaumacenadeconfusao,

enquantoavidadafabricaeraativadaparaenfrentaraquelaemergencia.Telasdematerialisolanteforammontadaseentaoabriu-seumaporta,quejamaisforaabertaenquantoosfornos estavam em funcionamento, ZZ Um entrou e a porta fechou-se por tras dele. Osjupiterianosreuniram-sediantedossetorestransparentesparaobservá-lo.

ZZ Um encaminhou-se para o forno mais proximo e deu pancadinhas no seurevestimento.Comoerademasiadobaixoparave-loconfortavelmente,inclinou-odemodoqueometallıquidopingasseumpoucodaborda.Observando-o,curioso,nelemergulhouamao,agitando-adurantealgumtempoparatestaraconsistencia.Depoissacudiuasgotasdemetalincandescente,enxugouorestonumadesuasseiscoxasepercorreulentamentea

fileiradefornos.Porsinaistransmitiuentãoodesejodesair.Os jupiterianos recuaram respeitavel distancia quando ele transpos a porta e

izeram funcionar um jato de amonia que assobiou e ferveu ate atingir novamente umatemperaturasuportável.

Ignorandoobanhodeamônia,ZZUmfalou:—Disseramaverdade.Nãohácamposdeforça.Trêscomeçou:—Sabe...—masUminterrompeu-o,impaciente:—Naoadiantademorarmosaqui.Osmestreshumanosnosorientaramnosentido

dedescobrirmostudoejáofizemos.Voltando-separaojupiterianotransmitiu,semamenorhesitação:—Ouça,osjupiterianosjáconseguiramelaborarcamposdeforça?Franquezaera,naturalmente,umadasnaturaisconsequenciasdospoderesmentais

menosdesenvolvidosdeZZUm.DoiseTressabiamdisso,demodoqueseabstiveramdemanifestardesaprovaçãodiantedapergunta.

Oo icialjupiterianoabandonouumtantosuaatituderıgida,quedavaaimpressaodeestarolhandoestupidamenteparaamaodeUm,aquelaqueorobomergulharanometallíquido,edisselentamente:

—Camposdeforça?Entãoéesteoprincipalobjetodesuacuriosidade?—Sim—respondeuUm,enfático.Ojupiterianoreadquiriu,subito,partedesuasegurança,poisossinaistornaram-se

maisenérgicos.Efalouquasegritando:—Venhacomigo,verme!TrêsdisseparaDois:—Voltamosaservermes...parecequehámásnotíciaspelafrente.Doisconcordou,sombrio.Foramconduzidos, entao, parao extremoda cidade, ao setorquenaTerra seria

chamado suburbio, onde percorreram uma serie de estruturas, que corresponderiamvagamenteaumauniversidadeterrestre.

Naohouveexplicaçoes,emesmoestasnaoforamsolicitadas.Oo icialjupiterianocaminhava rapido e os robos o acompanhavam com a sombria convicçao de que o piorestavaapiquedeacontecer.

Foi ZZ Um quem parou diante de uma abertura na parede, depois que todos osoutroshaviampassado.

—Queéisto?—quissaber.Asalaestavaequipadacombancosestreitosebaixos,diantedosquaisjupiterianos

manipulavam uma serie de estranhos dispositivos, onde se destacavam forteseletromagnetoscomtrêscentímetrosdecomprimento.

—Queéisto?—perguntouUm,novamente.Ojupiterianovoltou-se,impaciente:— E um laboratorio de biologia para os estudantes. Nao ha nada aı que possa

interessá-lo.—Masqueestãofazendo?—Estudandovidamicroscópica.Nuncaviuummicroscópio?Trêsinterveio,explicando:—Claroqueviu,masnaodessetipo.Nossosmicroscopiossaodestinadosaorgaos

sensıveis a energia e funcionam por refraçao de energia radiante. E evidente que estesfuncionambaseadosnaexpansãodamassa.Bastanteengenhoso.

—Poderiaexaminarumdosseusespécimes?—perguntouUm.—Paraque?Naopodeusarosnossosmicroscopiosporcausadesuaslimitaçoes

sensoriaise,alemdisso,nos forçaraa inutilizartodososespecimesdequeseaproximarsemumarazãoválida.

—Masnaoprecisodemicroscopio—explicouUm,surpreendido.—Possoajustar-mefacilmenteàvisãomicroscópica.

Dirigiu-seamesamaisproxima,enquantoosestudantesagrupavam-seaumcanto,paraevitarcontaminaçao.Afastandoummicroscopio,ZZUmexaminoucuidadosamentealâmina.Recuando,intrigado,estudououtra...emaisoutra...emaisoutra.

Regressando,perguntouaojupiteriano:—Deviamestarvivos,não?Refiro-meàquelesvermezinhos.—Certamente—replicouojupiteriano.— E estranho. Quando olho para eles, morrem! Tres emitiu uma exclamaçao,

voltando-separaoscompanheiros:— Esquecemos nossa radiaçao de raios gama. Vamos sair daqui, Um, senao

mataremostodaavidamicroscópicadestasala.Evoltando-separaojupiteriano:—Nossa presença pode ser fatal a formas de vidamenos resistentes. Emelhor

sairmos.Esperoqueosespecimespossamsersubstituıdoscomfacilidade.Ejaquefalamosno assunto, seria conveniente afastarem-se de nos, pois nossa radiaçao pode ter efeitosdesagradáveis.Atéomomentosentiu-sebem?Espero.

O jupiteriano saiu da sala em orgulhoso silencio, mas os robos notaram que deentãoemdianteduplicouadistânciaquevinhammantendo.

Ninguemdissemaisnadaate queos robos se encontravamnumavasta sala, emcujocentroimensoslingotesdemetaljaziamsemapoionoar,ouantes,semqualquerapoiovisível—enfrentandoagravidadedeJúpiter.

Ooficialtransmitiu:—Esteeumcampodeforçarecentementeaperfeiçoado.Dentrodaquelabolhahao

vacuo, sustentando todo o peso da nossa atmosfera, mais a quantidade de metalequivalenteaduasgrandesespaçonaves.Queachamdisso?

—Queasviagensespaciaistornaram-seumapossibilidadeparavoces—replicouTrês.

—Semduvida.Nenhummetalouplasticotemforçaparasustentarnossaatmosferacontraovácuo,masumcampodeforçaécapazdisso.Enossasespaçonavesserãobolhasdecampos de força. Dentro de um ano estaremos produzindo centenas de milhares. Emseguida, elas atacarao Ganimedes para destruir as pseudo-inteligencias que tentamdisputaronossodomíniouniversal.

—OssereshumanosdeGanimedesjamaistentaram...—começouTres,numalevecensura.

—Silencio!—ordenouo jupiteriano.—Regressemagoraecontemoqueviram.Seus campos de força inferiores, como aquele com que esta equipada a sua nave, naoresistiraoaosnossos,poisasmenoresnavesdaquiteraocemvezesotamanhoeapotencia

dasterrestres.—Entao,nadamaistemosafazereregressaremoscomainformaçao—disseTres.

— Se nos conduzirem a nave, nos nos despediremos logo. Por uma questao de registro,gostaria de esclarecer algo que nao compreenderam. Os seres humanos de Ganimedespossuemcamposde força,naturalmente,masanossanavenao eequipadacomnenhum.Nãoprecisamosdisso.

Orobovoltou-lhesascostasefezsinalaoscompanheirosqueoseguissem.Ficaramcaladosporalgumtempo,depoisZZUmmurmurou,desanimado:

—Nãopodemosdestruiracidade?—Naoadianta—replicouTres.—Elesnosdominariam.Einutil.Dentrodeuma

decada os mestres humanos serao liquidados. E impossıvel enfrentar Jupiter. Saodemasiado poderosos. Enquanto estiverem presos a superfıcie, os humanos estarao emsegurança.Masagoraquejatemcamposdeforça...Sonosrestalevaranotıcia.Construindo-seesconderijos,algunssobreviverãoporumcurtoperíododetempo.

Acidade icouparatras.Encontravam-senaplanıciedescampadajuntoaolagoeanaveeraapenasumpontinhoescuronohorizontequandoojupiterianofalousubitamente:

—Criaturas,estãodizendoquenãodispõemdecampodeforça?Trêsreplicou,desinteressado:—Nãoépreciso.— Entao, de que modo a nave resiste ao vacuo espacial sem explodir devido a

pressao atmosferica interior? — E moveu um tentaculo, como se a um simples gestoindicasse que a atmosfera de Jupiter pesava sobre eles com a força de vintemilhoes dequilosporcentímetroquadrado.

—Emuitosimples—explicouTres.—Nossanavenao evedada.Aspressoesseequiparamnointeriorenoexterior.

—Mesmonoespaço?Vácuonointeriordanave?Émentira!— Pode examinar a vontade a espaçonave. Nao possui campo de força e nao e

vedada. Mas nao ha nada de extraordinario nisto. Nao respiramos. Obtemos energiadiretamentedaforçaatomica.Apresençaouausenciadepressaopouconosafetae icamosinteiramenteàvontadenovácuo.

—Maszeroabsoluto!—Naotemimportancia.Regulamosonossopropriocalor.Naonosinteressamas

temperaturasexteriores.—E,aposumapausa:—Podemosvoltarsozinhosanave.Adeus.TransmitiremosaoshumanosdeGanimedesasuamensagem—guerratotal!

—Esperem!Voltarei—gritouojupiteriano,dirigindo-seàcidade.Osrobôsfitaram-noespantadoseaguardaramemsilêncio.Treshorasdepoiseleregressou,ofegantedetantapressa.Deteve-seatresmetros

dos robos, como sempre,mas depois começou a avançar de estranhamaneira, como serastejasse.Sofalouquandosuaepidermecinzaeborrachentaquaseostocava.Ocodigoderádiosooumansoerespeitoso.

—Honradossenhores,comuniquei-mecomochefedonossogovernocentral,queseencontraagoraapardetodososfatos,easseguro-lhesqueJúpitersódesejaapaz.

—Nãocompreendo—falouTrês,atônito.Ojupiterianoacrescentoulogo:—Estamosdispostosavoltaracomunicar-noscomGanimedes,prometendonao

nosaventurarmosnoespaço.NossocampodeforçaserautilizadosomentenasuperfıciedeJúpiter.

—Mas...— Nosso governo tera o maior prazer em receber quaisquer representantes de

nossosveneraveisirmaoshumanosqueGanimedesqueiranosenviar.Secondescenderemagoraemfazerumjuramentodepaz...

Um tentaculo escamosoadiantou-separaos robos, eTres, espantado, apertou-o,imitadoporDoiseUm.

Solene,ojupiterianodeclarou:—ReinarápazeternaentreJúpitereGanimedes.Aespaçonave,quevazavacomoumapeneira,encontrava-senovamentenocosmos.

Apressaoeatemperaturahaviamvoltadoazeroeosrobosobservavamoimensogloboquediminuíaàdistância—Júpiter.

—Elessaodecididamentesinceros—falouZZDois—eatotalmudançadeatitudeémuitoagradável,masnãoacompreendo.

—Creioqueosjupiterianoscaıramemsiaocompreendertudooquehaviademaunaideiadeprejudicarummestrehumano.Oqueémuitonatural.

ZZTrêssuspirou,dizendo:—Ouçam, e uma questao de psicologia. Aqueles jupiterianos tem um tremendo

complexode superioridade e ao veremquenao nospodiamdestruir quiseram salvar asaparencias.Todaaquelaexibiçaoeexplicaçoeseramumaformadesegabarem,destinadaanoshumilhardiantedesuaforçaesuperioridade.

—Compreendotudoisso,mas...—interpôsZZDois.Trêsprosseguiu:—Masfuncionouasavessas.Soconseguiramprovarqueeramosmaisfortes,que

nao nos afogavamos, que nao nos alimentavamos, nem dormıamos e que metalincandescentenaonosafeta.Nossasimplespresençaefatal avidaemJupiter.Suaultimacartadaeraocampodeforça.Aodescobrirquenaoprecisavamosabsolutamentedele,quepodıamosvivernovacuoaozeroabsoluto,capitularam.—Calou-seedepoisacrescentouiloso icamente:— Quando um complexo de superioridade como aquele se desmorona,desmoronaparavaler.

OsoutrosdoisponderaramuminstanteeDoisfalou:—Mas continuo a nao compreender.Que importa a eles o que podemos ou nao

fazer?Somosapenasrobôs.Nãosomosnósquelutamos.—Eissoexatamente,Dois—falouTres.—Sopenseinissodepoisquesaımosde

Júpiter.Sabequeesquecemosinvoluntariamentededizerquesomosapenasrobôs?—Elesnãoperguntaram—disseUm.—Exato. JulgaramquesomossereshumanosequetodososhabitantesdaTerra

sãoiguaisanós!EvoltouacontemplarJúpiter,pensativo:—Nãoéparaadmirarquetenhamdesistido!

9- Estranho no paraíso

1.Eramirmaos.Naonosentidodequeamboseramsereshumanosoudequetivessem

sidocriançasamigasnumacreche.Demaneiraalguma!Eramirmaosnoverdadeirosentidobiologicodapalavra.Usandoum termoquehavia se tornadodebilmentearcaicomesmoseculos atras, antes da Catastrofe, eram parentes, isto quando este fenomeno tribal, afamília,aindatinhaalgumavalidade.

Comoissoeraembaraçoso!Comocorrerdosanos,desdea infancia,Anthonytinhaquaseesquecido.Ocasioes

haviaemque,durantemesesseguidos,nemumavezsequerelepensavanoassunto.Agora,porem,desdequetinhasidoinextricavelmentecolocadojuntocomWilliam,eleseachavavivendoemmeioaumtempodeagonia.

Nao teria sido tao ruimseas circunstancias tivessemtornado isto obvioo tempotodo; se, como nos dias anteriores a Catastrofe (em certa epoca Anthony tinha sido umgrande leitor de Historia) tivessem partilhado o segundo nome e daquele modo, e sodaquele,alardeadoorelacionamento.

Hoje,naturalmente,adotava-seosegundonomedealguempormeraconveniencia,mudando-se tantas vezes quantonecessario.Mesmoporque, o que realmente importavaeraosımbolodacadeia,sımboloqueeracodi icadoetornadopropriodeumapessoadesdeseunascimento.

WilliamseautodenominavaAnti-Aut.Eranistoqueeleinsistia,comumaespeciedesobriopro issionalismo.Assuntodelemesmo,seguramente,masquepropagandademaugosto! Anthony decidira por Smith ao chegar aos treze anos e nunca tivera impulso demudar de nome. Era simples, facil de escrever, facil de distinguir, uma vez que nuncaencontrara alguemmais que tivesse escolhido aquele nome.Outrora foramuito comum,entreoshabitantesdoplanetaanterioresaCatastrofe,ospre-Cats,oquetalvezexplicassesuararidadedeagora.

Masadiferençadenomesnadasigni icavaquandoosdoisestavamjuntos.Pareciamiguais.

Tivessemsidogemeos...mas,naquelestempos,naosepermitiaqueviesseanascerumdosdoisquandoumovuloerafertilizadodemodoadarorigemagemeos.Oquehavia,apenas,eraque,ocasionalmente,semanifestavaumasimilaridadefısicaentrenao-gemeos,especialmentequandoorelacionamentoeradeambosos lados.AnthonySmitheracincoanos mais moço, mas ambos possuıam o nariz adunco, as espessas palpebras, aquelacovinhaquemaldavaparanotarnoqueixo,oraiodaloteriagenetica.Bastavaapelarparaelaquando,independentementedealgumapaixãopelamonotonia,asorigensserepetiam.

Agoraqueestavamjuntos,primeirotiveramaqueleolharsobressaltado,seguidode

um longo silencio. Anthony tentou ignorar o assunto, mas por pura perversidade, ouperversão,Williamestavamaisinclinadodoquenuncaadizer:

-Nóssomosirmãos.-Ha?-diriaooutro,detendo-seporummomento,comosequisesseindagarseeram

autenticos irmaos de sangue. E entao a boa educaçao prevaleceria e ele desprezaria oassunto,comosefossealgoseminteresse.Claroquesoraramenteistoacontecia.Amaioriadas pessoas no Projeto sabiam disto e como se poderia impedir que soubessem?! Masevitavamasituação.

NaoqueWilliamfosseummausujeito.Dejeitonenhum.SeelenaofosseirmaodeAnthony,ouse fosse,masparecessemsu icientementediferentesparaseremcapazesdemascararofato,elesteriamchegadoàfama.

Mas,dojeitoqueascoisaseram...O fato de, quando meninos, terem brincado juntos, e terem compartilhado os

primeirosestagiosdeeducaçaonomesmolocal,atravesdealgumamanobrabemsucedidadamae,naotornavaascoisasfaceis.Tendodadoaluzdois ilhosdomesmopai,etendo,destamaneira,atingidoseulimite(vistoquenaopreencheraosrigorososrequisitosparaumterceiro),elaconcebeuanoçaodesercapazdevisitarosdoisnumaunicaviagem.Eraumaestranhamulher.

OprimeiroadeixarainstituiçaoemqueestavaforaWilliam,porseromaisvelho.Tinha se encaminhado para a ciencia: engenharia genetica. Anthony ouvira falar distoenquanto ainda estava na creche, atraves de uma carta de sua mae. Ja entao erasu icientementecrescidoparasemanifestarcom irmezajuntoadiretora,eaquelascartascessaram.Maseleselembravadaúltima,pelaagoniadavergonhaquelhetrouxera.

Posteriormente,Anthonytambemseencaminharaparaaciencia,mostraratalentoparaistoeforainstadoaoptarpelaciencia.Lembrava-sedeterumverdadeiroeprofeticopavor,percebia-oagora,deencontrarseuirmao,edequeacabassefazendotelemetriaquebemsepodeimaginaroquantodistavadaengenhariagenética...Ouassimpensariaalguém.

Entao, em meio ao cuidadoso desenvolvimento do Projeto Mercurio, ascircunstânciascomoqueaguardavam.

Foi quando parecia que o Projeto estava num beco sem saıda que a ocasiao semanifestou, fora feitaumasugestaoquesalvaraasituaçao,eaomesmotempoarrastaraAnthonypara dentro dodilemaque seus pais lhe haviampreparado. E amelhor, amaisironicapartedetudo,eraqueforaoproprioAnthony,muitoinocentemente,quem izeraasugestão.

2.WilliamAnti-AutconheciaoProjetoMercurio,massonamedidaemqueouvirafalar

damuito prolongadaProvaEstelar, que ja estava emdesenvolvimento bemantes de elenascer e que continuaria em curso depois de elemorrer, e namedida em que sabia dacolonia marciana e das continuadas tentativas para estabelecer colonias similares nos

asteróides.Tais coisas estavamnas regioesmais afastadas de suamente e nao eramde real

importancia.Nenhumaspectodoesforçoparcial jamaispenetraraintimamentenocentrode seus interesses, tanto quanto pudesse recordar, ate o dia em que o jornalcomputadorizado incluiu fotogra ias de alguns dos homens empenhados no ProjetoMercúrio.

Inicialmente, a atençao de William foi atraıda pelo fato de um deles ter sidoidenti icado como Anthony Smith. Lembrava-se do estranho nome que seu irmao tinhaescolhido,elembrava-sedoAnthony.SeguramentenãopoderiahaverdoisAnthonySmith.

Olhara entao para a fotogra ia propriamente dita e nao havia como se enganarquantoaorosto.Numsubitogestoextravagante,olhara-senoespelhoparatiraraduvida.Nãohaviacomoenganar-sequantoaorosto.

Sentiu-sebem-humorado,mas, aomesmo tempo, umpouco inquieto, eis quenaodeixava de reconhecer o embaraço em potencial. Irmaos consanguıneos, para usar adesagradavelfrase.Davaparafazeralgumacoisa,porem?Comocorrigirofatodequenemopainemamãedeleshaviamprevistooocorrido?...

Sem atinar com a coisa, deve ter posto o jornal no bolso ao se aprontar para irtrabalhar,poisdeucomelenahoradoalmoço.Olhoufixamenteparaafoto:Anthonypareciavivido.Erauma reproduçaomuitoboa,naquelesdias, os jornais eramdeumaqualidademuitíssimoboa.

Seu companheiro de almoço, Marco Fosse-la-qual-fosse-o-nome-dele-aquela-semana,dissecuriosamente:-Porqueestáolhandoparaisso,William?

Semhesitar,Williampassou-lheojornal,dizendo:-Esteémeuirmão.-Eracomoseestivessetocandonumaurtiga.Marcoexaminouafoto,ficoucarrancudoedisse:-Quem?Osujeitoaoseulado?-Não,osujeitoqueéeu.Querdizer,apessoaparecidacomigo.Émeuirmão.Destavez,apausafoimaislonga.Marcodevolveuojornaledisse,comumtomde

vozcuidadosamentehomogêneo:-Irmãodosmesmospais?-Sim.-Mesmopaiemesmamãe?-Sim.-Ridículo!-Achoquesim-suspirouWilliam.-Bem,deacordocomisto,eleestanatelemetria,

lánoTexas,eeuestoutrabalhandoemautismoaqui.Quediferençafaz,então?Williamnemreteveodialogonacabeçae,maistarde,nomesmodia,desfez-sedo

jornal.Naoqueriaquesuaatualcompanheiradeleitotomasseconhecimentodacoisa.ElatinhaumirreverentesensodehumorqueWilliamachavacadavezmaisenfadonho.Eleatequesecontentavaporelanaoestarcomdisposiçaodeteremum ilho,mesmoporque,dequalquerforma,ele ja tiveraum,anoatras.Aquelamoreninhalinda,LauraouLinda,paratantohaviacolaborado.

Passara-sealgumtempodepoisdisto,umanopelomenos,quandooassuntoRandallveioabaila.NaotivesseWilliampensadomaisemseuirmaoenaopensaramesmo,antes

disso,certamentequedepoiséquenãoteriatempo.RandalltinhadezesseisanosquandoWilliampelaprimeiravezrecebeunotıciasdele.

ViveraumavidacadavezmaissolitariaeacrechedeKentuckyemqueeleestavasendocriadodecidiracancela-lo.Logicoquefoisounsoitooudezdiasantesdocancelamentoquealguemteveaideiadecomunicar-secomoInstitutoNova-iorquinopelaCienciadoHomem,conhecidocomumentecomoInstitutoHomológico.

William recebeu o informe junto com varios outros e nada havia na descriçao deRandall que atraısseparticularmente sua atençao.Emais: era aocasiaodemaisumadesuastediosasviagensemtransportecoletivoparaascrechesehaviaumapossibilidadenaVirgıniaOcidental.Lasefoielee icoudesapontadoapontodejurar,pelaquinquagesimavez, que daı por diante faria aquelas visitas por imagem televisionada e agora, tendo searrastadoparaca,bemquepoderiacompareceracrechedeKentuckyantesdevoltarparacasa.

Nadaesperava.Mesmoassim,nãofazianemdezminutosqueestavaestudandoopadrãogenéticode

RandallejaestavasecomunicandocomoInstitutoparaumcalculodecomputador.Sentou-sedenovo,depoisdisso,etranspirouligeiramenteaopensarquesoumimpulsodeultimahoraohaviatrazidoeque,semesseimpulso,tranquilamenteRandallteriasidocancelado,dentrodeumasemanaoumenos.Osdetalhes:semdor,umadrogaseriapassadaatravesdaepidermedeRandall,penetrandoemsuacorrentesanguıneaeelemergulharianumpacı icosonoquegradualmenteseconverteriaemmorte.Onomeo icialdadrogaeTaumapalavracomvinteetressılabas,masWilliamadenominavade“nirvanamina”,comotodasasoutraspessoas.

Williamdisse:-Qualéonometododele,diretora?-RandallNowan,estudante-respondeuela.Williamexplodiu:-Nãopodeser!-Nowan-soletrouadiretora.-Eleoescolheunoanopassado.-Enaosigni icavanada,paraasenhora?Nowanagentepronunciacomo“Noone”,

querdizer,ninguem.Naolheocorreuinformararespeitodaexistenciadestejovemnoanopassado?

Aturdida,adiretoracomeçou:-Nãomeparecia...Williamimpos-lhesilencio.Queadiantava?Comopoderiaelasaber?Nadahaviano

padrao genetico que advertisse, mediante quaisquer dos criterios habituais dos livrosdidaticos.EraumasutilcombinaçaoqueWilliamesuaequipetinhamdesenvolvidoduranteumperıododevinteanosatravesdeexperimentosemcriançasautıstas,umacombinaçaoque,naverdade,nuncahaviamvistonavida.

Tãopertodocancelamento!Marco,queeraocabeça-duradogrupo,lamentavaqueascrechesestivessemmuito

ansiosasparaabortaremantesdoprazoeparacancelardepoisdoprazo.Elesustentavaquedeveriaserpermitidoqueospadroesgeneticossedesenvolvessemcoma inalidadeparaseter,inicialmente,umpanoramaequedeformaalgumadeveriaserfeitoumcancelamentosemseconsultarumhomologista.

Tranquilamente,Williamdisse:

-Nãoháhomologistassuficientes.- Poderıamos pelomenos por no computador todos os padroes geneticos - disse

Marco.-Parasalvaroquepudermos,paranossouso?- Para qualquer uso homologico, aqui ou alhures. Precisamos estudar os padroes

geneticos em açao, se quisermos nos entender a nosmesmos adequadamente, e sao ospadrõesanormaisemonstruososquemaisinformaçõesnosdão.Nossosexperimentoscomautismo ensinaram-nosmais sobre a homologia do que a soma total de conhecimentosexistentesnodiaemquecomeçamos.

William,queaindagostavada cadenciada frase “a isiologia geneticadohomem”maisdoque“homologia”,sacudiuacabeça.

- E amesma coisa, temos de agir com cuidado. Pormais uteis que proclamemosseremnossosexperimentos,vivemoscomumaescassapermissaosocial, relutantementedada.Estamosjogandocomvidas.

-Vidasinúteis,própriasparaseremcanceladas.- Um cancelamento rapido e agradavel e uma coisa. Nossos experimentos,

geralmente planejados com vagar, e as vezes inevitavelmente desagradaveis, sao outracoisa.

-Àsvezesnósosajudamos.-Eoutrasvezesnãoosajudamos.Eraumargumentoinutil,naverdade,poisnaohaviacomochegaraumacordo.Oque

importava, isto sim, e que havia muito poucas anormalidades disponıveis para oshomologistasenaohaviamaneiradeurgirahumanidadeaencorajarumaproduçaomaior.Uma duzia de maneiras, incluindo esta, nao seria su iciente para apagar o trauma daCatástrofe.

Oapaixonadoimpulsoemdireçaodaexploraçaoespacialpoderiaserpercorridoasavessas(ealgunssociologosohaviampercorrido)paraseconhecerafragilidadedameadadavida,noplaneta,graçasàCatástrofe.

Bem,nãoimporta...NuncatinhahavidoalgocomoRandallNowan.NaoparaWilliam.Alentaevoluçaoda

caracterısticaautistadaquelepadraogeneticototalmenterarosigni icavaqueseconheciamaisarespeitodeRandalldoquesobrequalquerpacientesemelhanteantesdele.Chegarammesmo a captar alguns ultimos re lexos indistintos de sua maneira de pensar, nolaboratorio, antesdeele seencerrar completamentee, inalmente, encolher-sedentrodaparededesuapele,nãopreocupado,nãoatingível.

ComeçaramentaoolentoprocessomedianteoqualRandall,sujeitoemcrescentesintervalosdetempoaestímulosartificiais,cedeuàsúltimasatividadesdeseucérebro,nistoincluindoapartechamadadenormaleaqueeracomoadelemesmo.

Taoabundanteseramosdadosqueestavamreunindo,queWilliamcomeçouasentirque seu sonhode fazeroautismorevertereramaisdoqueummero sonho. SentiuumacálidaalegriaporterescolhidoonomedeAnti-Aut.

E foiquasenoaugedaeuforiaderivadado trabalhoemRandallqueelerecebeuochamado de Dallas, que começou a pesada pressao agora, de todos os tempos, paraabandonarseutrabalhoeassumirumnovoproblema.

Posteriormente, lançando um olhar retrospectivo, ele jamais poderia vir acompreenderoqueequeolevaraaconcordaremvisitarDallas.Naturalmenteque,ao inal,elebempoderiaverquaobom isto tinha sido,masoque e queopersuadiraaprocederassim?Poderiaele,mesmodeinıcio,tertidoumapalidaeincompletanoçaodaquiloemqueacoisadesembocaria?Impossível,comtodaacerteza.

Seria a recordaçao, incompleta, do jornal, daquela fotogra ia de seu irmao?Impossível,comtodaacerteza.

Mas ele se deixou persuadir a fazer a visita, e foi somente quando a micropilhamudouotomdeseuzumbidoeaunidadeagravassumiuocomandoparaadescidafinalqueele se lembrou daquela fotogra ia ou, pelo menos, foi que ela se deslocou para seuconsciente,emsuamemória.

AnthonytrabalhavaemDallase,lembrava-seWilliamagora,noProjetoMercurio.Eraaissoquesereferiaotıtulodojornal.Eleengoliuemsecoquandoumafracavibraçaoofezaperceber-sedequeaviagemterminara.Istoseriadesagradável.

3.Anthonyestavaaguardandonaareadacoberturaderecepçaoparasaudaroperito

recem-chegado.Naoo saudavaemseuproprionome,por certo, pois faziapartedeumaconsideraveldelegaçao,cujotamanhojadenotava,emsimesmo,osombriodesesperoaoqual tinha sido reduzida, e ele estava nos escaloes inferiores. Que ele la estivesse, dequalquerforma,sedeviaunicamenteaofatodeterelesidoquemfizeraasugestãooriginal.

Sentia uma leve mas contınua inquietaçao ao pensar que dele e que partira asugestao. Ele proprio se pusera em evidencia. Para tanto, fora irmemente apoiado,massempretinhahavidoumasurdainsistenciaquantoaofatodequeasugestaoforadele,eseela redundasse num iasco, todos sairiam da linha de fogo deixando-o completamenteexposto.

Houveocasioes,posteriormente,emqueeleremoeuapossibilidadedequeavagamemoriadeumirmaohomologolhesugeriraopensamento.Podiatersidoassim,masnaofoi.Asugestaoera taosensivelmente inevitavel,naverdade,queseguramenteele teriaomesmopensamentoseseuirmaofossealgotaoinocuocomoumescritordehistoriasdefantasiaoucomosesimplesmentenãotivessenenhumirmão.

Oproblemaeramosplanetasinteriores...LuaeMarteestavamcolonizados.Tinhamsidoatingidososasteroidesmaioreseos

satelitesdeJupiter,eprogrediamosplanosparaumaviagemtripuladaateomaiorsatelitedeSaturno,Tita,medianteumaacelerada rotaçaoem tornode Jupiter.Mas,mesmocomplanos emandamentono sentidode se enviaremhomensnumaviagemde sete anosdeduraçao para fora do Sistema Solar, nao havia ainda nenhuma possibilidade de viagenstripuladasaosplanetasinteriores,porreceiodoSol.

OproprioplanetaVenuseraomenosatraentedosdoismundosdentrodaorbitadaTerra.Mercúrio,poroutrolado...

AnthonyaindanaoseintegraraaequipequandoDmitriGrandao(quenaverdadeeraumbocadopequeno) izeraapalestraquecomoveraosu icienteoCongressoMundialparaconcederasverbasquetornarampossíveloProjetoMercúrio.

Anthony ouvira as itas com as gravaçoes, e tinha ouvido a alocuçao deDmitri. Atradiçao parecia indicar que ele falara de improviso, e talvez assim fosse, mas suaargumentaçao foramuito bem elaborada e era coerente, dentro das linhas seguidas ateentãopeloProjetoMercúrio.

E o ponto que mais fora ressaltado era que seria errado aguardar ate que atecnologiativesseavançadoaopontodeumaexpediçaotripulada,emmeioaosrigoresdaradiaçao solar, se tornar viavel. Mercurio era um ambiente muito peculiar, que muitopoderia ensinar, e da superfıcie deMercurio poderiam ser feitas observaçoes dignas decrédito,quedeoutramaneiranãopoderiamserfeitas.

Desde que um substituto do homem, em outras palavras, um robo, pudesse sercolocadonoplaneta.

Um robo com as caracterısticas fısicas necessarias poderia ser fabricado.Aterrissagenssuaveseramacoisamaisfacil,mas,naoobstante,umavezpousadoumrobonoutroplaneta,emseguidaqueéquesepoderiaesperarqueelefizesse?...

Poderia fazer suas observaçoes e guiar suas açoes com base nessas observaçoes,masoProjetoqueriaque essasmesmas açoes fossem intrincadas, sutis, pelomenos emtese,enãohaviacertezaalgumaquantoaqueobservaçõesorobôviriaafazer.

Parahaverumapreparaçaoparatodasaspossibilidadescrıveis,eparapermitirtodaa complexidade desejada, o robo precisaria conter um computador (alguns, em Dallas,referiam-sea ele como “o cerebro”,masAnthonydesprezavaaquelehabitoverbal talvezporque, dizia ele depois com seus proprios botoes, o cerebro era campo de seu irmao)su icientemente complexo e versatil para cair no mesmo asteroide com um cerebro demamífero.

Todavia, nada semelhante aquilo poderia ser fabricado e tornado su icientementeportatil para ser transportado ate Mercurio e la desembarcado ou, se transportado edesembarcado, ser su icientementemovel para ser util ao tipo de robo que planejavam.Talvez um dia, os instrumentos com trilhas positronicas que os roboticistas estavam aplanejarpudessemtornartudoistopossível,masesse“umdia”aindanãohaviachegado.

A alternativa era fazer com que o robo enviasse a Terra cada observaçao nomomentoemqueelafossefeita.E,entao,umcomputadornaTerrapoderiadirigircadaumadesuasaçoes,combaseemtaisobservaçoes.Emoutraspalavras:ocorpodoroboestarialá,eseucérebroaqui.

Umavezalcançadaestadecisao,ostecnicos-chaveeramostelemetristasefoientaoqueAnthonyseintegrouaoProjeto.Tornou-seumdosquetrabalhavamparacriarmetodosderecepçaoeretornodeimpulsosatravesdedistanciasqueiamde80a220milhoesdequilometros, tudo isto na direçao, e as vezes ate alem, de um disco solar que poderiainterferiremtaisimpulsosdamaneiraamaisferoz.

Eleassumiucompaixaosuatarefa( inalmente,pensou)comcapacidadeesucesso.Ele, mais do que qualquer outra pessoa, fora quem planejara as tres estaçoes«transmissorasquetinhamsidopostasemorbitaemtornodeMercurio,osOrbitadoresdeMercurio.CadaumadelaseracapazdeenviarereceberimpulsosdeMercurioparaaTerrae

da Terra para Mercurio. Cada uma delas era capaz de resistir, mais ou menospermanentemente, a radiaçao solar e,mais do que isto, cada umadelas poderia iltrar ainterferênciasolar.

TresorbitadoresequivalentesforamcolocadosadistanciadequasedoismilhoesdequilometrosdaTerra,aonorteeaosuldoplanodaEclıptica,deformaapoderemreceberimpulsos de Mercurio e repassa-los a Terra ou vice-versa, mesmo quando MercurioestivesseatrasdoSoleinacessıvelarecepçaodiretadequalquerestaçaonasuperfıciedaTerra.

Tudoistofaziadorobopropriamenteditoummaravilhosoespecimedacombinaçaodaartedosroboticistasedostelemetristas.

Omais complexo de dez sucessivosmodelos era capaz, tendo um volume apenaspoucomaisdeduasvezesmaiorqueodeumhomem,ecincovezessuamassa,decaptarefazerconsideravelmentemaisdoqueumhomem,sepudesseserdirigido.

Entretanto,logosetornouevidentequeumcomputadorcapazdeguiarsemelhanterobo teria de ser su icientemente rapido para mudar os passos de orientaçao a cadainstante,parapermitirvariaçoesnapossıvelpercepçao.Ecomopassoderesposta,porsimesmo, reforçava a certeza de crescente complexidade de cada variaçao possıvel naspercepçoes, os passos iniciais tinham de ser reforçados e fortalecidos. Era como se ocomputadorseconstruısseasiproprio,continuamente,comoumapartidadexadrez.Eostelemetristascomeçaramausarocomputadorparaprogramarocomputadorqueplanejaraoprogramaparaocomputadorqueprogramaraocomputadorquecontrolariaorobô.

Nadahaviaanãoserconfusão.O robo estava numa base, nos espaços desertos do Arizona e, por si so, estava

funcionandobem.Contudo,ocomputadoremDallasnaopoderiadarmuitobemcontadelenemmesmonascondiçõesterrestres,perfeitamenteconhecidas.Como,então...

Anthonylembrava-sedodiaemque izeraasugestao:4-7-553.Pelasimplesrazaodequeodia4-7haviasidoumferiadoimportantenaregiaodeDallas,nomundodospre-Cats,osdeantesdaCatástrofe,meiomilênioantes,maisexatamente553anosantes.

Tinha sido no jantar, um bom jantar, tambem. Tinha havido um cuidadosoajustamento da ecologia da regiao e os integrantes da equipe do Projeto tinham tidoprioridade total para obter suprimentos de mantimentos que haviam se tornadodisponıveis, de forma que tinha havido um grau incomum de escolha do cardapio. EAnthonyexperimentarapatoassado.

Eraumpatoassadomuitobom,bemmaiordoquedecostume.Todossesentiamavontadeparadizeremoquepensavam.ERicardodisse:

-Vamosadmitir:nuncaconseguiremosfazeristo.Nuncaconseguiremos.Naoeraprecisodizerquantosassimhaviampensado,anteriormente,maseraregra

queninguemodissesseabertamente.Opessimismoabertopoderiaserapadecalparaqueparassemasverbas(ejafaziacincoanosqueelasvinhamcomcrescentedi iculdade,acadaanoquepassava),esehouvesseumachance,elapoderiasedissipar.

Geralmente nao dado a um otimismo incomum, Anthony, desta vez se deleitandocomseupato,disse:-Porquenãopodemos?

Digam-meporque,eeuosrefutarei.Eraumdesa iodiretoeosescurosolhosdeRicardoimediatamenteseapertaram.-

Querqueeudigaporquê?-Lógicoquesim.Ricardogirousuapoltrona,deformaadardefrentecomAnthony.-Vamosla,naohamisterio.EmnenhumrelatorioDmitrıGrandaodiriaascoisastao

abertamente,mas voce sabe, e eu sei, que, para levar a efeito adequadamente o ProjetoMercurio, necessitaremos de um computador tio complexo quanto um cerebro humano,sejanasuperfıciedeMercurio,sejaaqui,enaodaparaconstruirmosum.Eaondeequeistonos conduz? A umas brincadeiri-nhas com o Congresso Mundial, apenas, e a conseguirdinheiroparadartrabalhoadesocupados?

UmsorrisocomplacenteassomouaorostodeAnthony,quedisse:- Isso e facil de refutar.Voce proprionosdeu a resposta. -(Estaria ele brincando?

Seriaocalorzinhogostosodopatoemseuestomago?AvontadedeprovocarRicardo?...Outeriaelesidotocadoporalgumpensamentonaopressentidodeseuirmao?Alemdomais,nãohaviaparaelecomoseexprimir.)

-Queresposta?-ergueu-seRicardo.Erabemaltoeincomumentemagroesempreusavaseucasacobrancoaberto.Cruzouosbraçosepareciaestarfazendotodoopossıvelparasemanter,depé,diantedeAnthony,sentado,numaposturarígida.-Queresposta?

- Voce diz que precisamos de um computador tao complexo quanto um cerebrohumano.Muitobem:vamosentãoconstruí-lo!

-Oproblema,seuidiota,équenãopodemos...-Nósnãopodemos.Masexistemosoutros.-Queoutros?-Naturalmente,aspessoasquetrabalhamemcerebros.Somosapenasmecanicosdo

estado solido. Nao temos a menor ideia da maneira pela qual um cerebro humano ecomplexo, ou onde, ou ate que ponto. Por que nao entramos em contacto com umhomologistaepedimosaelequeprojeteumcomputador?-Ditoisto,Anthonyingeriuumagenerosaporçaode recheio e saboreou-a, complacentemente.Mesmocom todoo tempotranscorrido,eleaindapodiamuitobemse lembrardogostodorecheio,sebemquenaopudesseserecordardetalhadamentedoqueocorreradepois.

Pareceu-lhe que ninguem o havia levado a serio. Houve risadas e uma sensaçaogeneralizadadequeAnthonyhaviasesaıdomuitobemcomsuaespertaargumentaçao,deformaqueavıtimadosrisoseraRicardo.(Logicoque,posteriormente,todosproclamariamquetinhamlevadoasugestãoasério.)

Chamejando,RicardoapontouodedoparaAnthonyedisse:-Escrevaisto.Desafio-oaporporescritoestasugestao.-(Pelomenos,eraassimque

a memoria de Anthony registrava o fato. Ricardo, desde aquela vez, dizia que seucomentario tinha sido um entusiastico: - Boa ideia! Por que nao a formula por escrito,Anthony?)

Fossecomofosse,Anthonyescreveu.Dmitri Grandao assumira a ideia. Num coloquio particular, dera uns tapinhas

amistosos nas costas de Anthony dizendo-lhe que tambem estivera especulando nestesentido,sebemquenãosepropusesseaassumirqualquerpaternidadepelaideia.(Istoparaocasoderedundarnumfiasco,pensouAnthony.)

DmitriGrandaodirigiuabuscadohomologoadequado.NaoocorreuaAnthonyque

Dmitri deveria estar interessado. Nao conhecia nem homologia nem homologos, exceto,logicamente,seuirmao,emquemnaopensara.Pelomenos,conscientementenaocogitaradele.

DeformaqueaquiestavaAnthony,naareaderecepçao,desempenhandoumpapelsecundario, quando a porta da aeronave se abriu e varios homens saıram, vieramcumprimenta-lo.Enquantoocircuitodosapertosdemaoerapercorrido,Anthonysesentiuumtantoapalermado.

Suasbochechasestavamruborizadase,comtodaasuaforçadevontade,gostariadeestaramilharesdequilômetrosdedistância.

4.Maisdoquenunca,Williamdesejaria ter se lembradomais cedode seu irmao. Se

tivesse...Bemquedeveria...Mastinhahavidoalisonjadasolicitaçaoeaexcitaçaocomeçaraaaumentardentro

deleempoucotempo.Talvezeletivesseevitadodeselembrardepropósito.Paracomeçar,tinhahavidoaexcitaçaoqueforaofatodeDmitriGrandaotervindo

vê-loporsuaprópriainiciativa.VieradeDallasparaNovaIorquedeaviãoetinhasidomuitocativanteparacomWilliam,cujovıciosecretoeralernovelasdemisterio.Nestashistorias,homens e mulheres sempre viajavam disfarçados quando se desejava discriçao. A inal,apesar da viagem eletronica ser de domınio publico, pelomenos nos livros demisterio,quandoqualquerfeixederadiaçãoeraemitido,eleeralogocancelado.

Williamassimfalaranumaespeciedemorbidameiatentativadeserengraçado,masDmitri nao parecia prestar atençao. Olhava ixamente para o rosto de William e seuspensamentospareciamestarnoutrolugar.Porfim,falou:

-Desculpe.Vocêmelembraalguém.(E, nao obstante, ele nao se con iara aWilliam. Como era possıvel isto? Chegara

Williameventualmenteaseinterrogar.)Dmitri Grandao era um homenzinho rechonchudo, que parecia estar sempre

piscando,mesmo quando se dizia preocupado ou aborrecido. Tinha umnariz redondo ebulboso,bochechasbemsalientese,portodaparte,delicadeza.Davaenfaseaseuapelidoedizia,comumarapidezquelevavaWilliamacrerqueelepronunciavaestaspalavrascomfrequência:

-Tamanhonãoé,dejeitonenhum,oquehádemaisimportante,amigo.Naconversaqueseseguiu,Williamprotestoumuito.Nadasabiadecomputadores.

Nada! Nao tinha a mais palida ideia de como e que funcionavam ou de como eramprogramados.

-Naotemimportancia,naotemimportancia-diziaDmitri,fazendocomamaoumgestoadizerque issoeradesomenos. -Nós conhecemososcomputadores,nós podemosestabelecerprogramas.Diga-nosapenascomoequeocomputadorprecisaser,deformaatrabalharcomoumcérebroenãocomoumcomputador.

- Nao estoumuito certo de como funciona um cerebro para poder lhe dizer isso,Dmitri-disseWilliam.

- Voce e o mais reputado homologo domundo. Veri iquei cuidadosamente isto -afirmouDmitri.Efoiseuargumentofinal.

Williamouvia,cadavezmaissombrio.Erainevitavel,supunhaele.Mergulhe-seumapessoa numa especialidade su icientemente fundo e durante tempo su iciente, eautomaticamenteestapessoacomeçaraaadmitirqueosespecialistasemtodososoutroscamposeramunsmagicos, julgandoaprofundidadedesuasabedoriapela larguradesuapropria ignorancia... E conformeo tempopassava,Williamaprendeumuitomais sobreoProjetoMercúriodoquelheparecianotempoemquesepreocupavacomisso.

Porfim,disse:-Porqueusarentaoumcomputador?Porquenaoutilizarnossosproprioshomens,

outurmasdeles,parareceberemomaterialdorobôelheenviareminstruções?- Oh, oh, oh - gargalhou Dmitri, quase pulando em sua poltrona, tamanha a sua

ansiedade.-Ve-sequevocenaoestapordentro.Oshomenssaolentosdemaisparaanalisarrapidamentetodoomaterialqueoroboenviara:temperaturas,pressoesgasosas, luxosderaioscosmicos,intensidadesdeventossolares,composiçoesquımicasetexturasdesolose,seguramente,umastresduziasamaisdeitense,entao,tentardecidiropassoseguinte.Umserhumanosimplesmenteguiariaorobô,eineficientemente;umcomputadorseriaorobô.

- E entao, tambem - prosseguiu - os homens tambem sao rapidos demais. Paraqualquertipoderadiaçao,dequalquerlugar,levadedezavinteedoisminutosparafazeropercursointeirodeMercurioaTerra,nadependenciatambemdaorbitadecadaum.Sobreisso, nada se pode fazer. Recebe-se uma informaçao, da-se uma ordem, mas muitoaconteceu durante o tempo que medeia entre fazer a observaçao e encaminhar umaresposta. Os homens nao podem se adaptar a lentidao da velocidade da luz, mas umcomputadorpodelevarissoemconta...Venhanosauxiliar,William.

Melancolicamente,Williamdisse:- Sua consultaamim ebem-vinda,pelobemque isto lhepossa fazer.Minha faixa

particulardeTVestáàssuasordens.-Masnãoéconsultaqueeuquerofazer:vocêprecisavircomigo.-Disfarçado?-perguntouWilliam,chocado.-Sim,porcerto.Umprojetocomoestenaopodeser levadoaefeitosentando-sea

gentenasextremidadesopostasdeumfeixedelasercomumsatelitedecomunicaçoesnomeio.Alongoprazo,ecarodemais,inconvenientedemaise,logicamente,destituıdodetodaprivacidade...

Eracomoumanovelademistério.Williamsedecidiu.-VenhaateDallas-disseDmitri-edeixe-memostrar-lheoquetemosla.Deixe-me

mostrar-lheasinstalaçoes.Falecomalgunsdosnossosquecuidamdecomputador.De-lhesobenefíciodelhestransmitiramaneiraquevocêtemdepensar.

Erahora,pensouWilliam,detomarumadecisão.Edisse:- Tenhomeu proprio trabalho, aqui, Dmitri. Trabalho importante, que nao quero

deixar.Fazeroquevocêquerqueeufaçameafastarápormesesdemeulaboratório.- Meses! - exclamou Dmitri, claramente abalado. - Meu bomWilliam, isto podera

duraranos.Masseguramenteseráoseutrabalho.

-Naosera,nao.Seiqual emeutrabalhoedirigirumroboemMercurionao emeutrabalho.

-Porquenao?Sevocetrabalhadireito,aprenderamaissobreocerebro,apenaspelofatodetentarfazerumcomputadortrabalharcomoumcerebro,e inalmentevocevoltaraparacamelhorequipadoparafazeroquevoceagoraconsideracomosendoseutrabalho.Eenquanto estiver ausente, sera que nao havera companheiros seus para prosseguir natarefa?Enaopoderavoceestaremcontactopermanentecomeles,pormeiodelaseroudetelevisao?EdevezemquandonaopoderavisitarNova Iorque?Nemquesejaporpoucotempo?

Williamestavacomovido.Opensamentodetrabalharnocerebrodeoutropontodevistaatingiraoalvo.Daquelepontoemdiante,eleseachouaprocuradedesculpasparair,pelomenosparavisitar,pelomenosparavercomoeraacoisa...Semprepoderiaretornar...

Seguiu-seentaoavisitadeDmitriasruınasdaVelhaNovaIorque,queeleaprecioucomumaexcitaçaodestituıdade arte (sebemque, aquela epoca, naohouvessenenhumespetaculo mais magni icente do inutil gigantismo dos Pre-Cats do que a Velha NovaIorque).Williamcomeçouapensarseavisitanaoestavacomeçandoamostraraspectosdesconhecidosatéentão,mesmoparaele.

Começou mesmo a pensar que, durante certo tempo, estivera considerando apossibilidade de achar nova companheira de leito, e seria mais conveniente achar umanoutraáreageográfica,ondenãopoderiapermanecerpermanentemente.

... Ou nao seria que, mesmo entao, quando ele nao sabia de nada, a nao ser doestritamentenecessariopara começar, que tambem lhe tinha chegado, comoopiscardeumadistantelâmpadadeiluminação,aquiloquepoderiaser...

DeformaqueeleacabouindoparaDallasedesceuparaacobertura.Elaestavadenovo Dmitri, radiante. Entao, com os olhos se comprimindo, o homenzinho se voltou edisse:

-Eusabia...Quesemelhançanotável!Os olhos deWilliam se abrirammais e ali, visivelmente se encolhendo para tras,

haviaobastantedeseupropriorostoparalhedarimediatacertezadequeAnthonyestavadepé,diantedele.

Commuitafranqueza,percebeuna isionomiadeAnthonyumdesejodesepultarorelacionamento.TudoqueWilliamprecisavaeradizer:

-Notavel!Edeixarascoisascorrerem.Ospadroesgeneticosdahumanidadeeramsu icientementecomplexos,a inaldecontas,parapermitirsemelhançasnumrazoavelgraumesmonãohavendoparentesco.

Mas, logicamente, William era um homologo, e ninguem pode trabalhar com ascomplexidadesdocerebrohumanosem icarinsensıvelaseusdetalhes.Deformaqueeledisse:

-Estoucertodequeesteémeuirmão,Anthony.-Seuirmão?-perguntouDmitri.-Meupai—falouWilliam-tevedoismeninoscomamesmamulher...minhamae.

Erampessoasexcêntricas.Adiantou-se, entao, mao estendida, e Anthony nao teve outra alternativa senao

aceitá-la...Oincidentefoioassuntodaconversa,oúnicoassunto,duranteosdiasseguintes.

5.ParaAnthony, serviu de pequeno consolo o fato deWilliam estar su icientemente

contrito,aosedarcontadoquefizera.Sentaram-sejuntos,apósojantar,naquelanoite.Williamdisse:-Minhasdesculpas.Penseiquese izessemostudoimediatamenteseriaporum ima

tudo. Nao parece que foi o que iz. Nao assinei papeis, nao iz um acordo formal. Vouembora.

-Quebemissolhetraria?-disseAnthonyindelicadamente.-Agoratodomundosabe.Doiscorposeumrosto.Jádáparaalguémvomitar.

-Seeuforembora...-Nãopodeir.Tudoistoéideiaminha.- Fazereuvirparaca? -AspesadaspalpebrasdeWilliamseergueramomaisque

podiamesuassobrancelhasseergueram.-Nao,claroquenao.Fazerumhomólogoviraqui.Comoequeeupoderiaimaginar

quemandariamvocê?-Seeuforembora,porém...-Nao.Aunicacoisaquepodemosfazeragoraeconvivercomoproblema,sesepode

fazeristo.Entao...naoteraimportancia.(Quandoumapessoatemsucesso,tudoseesquece,pensouele).

-Nãoseiseeuposso...-Teremosdetentar.Dmitrinosauxiliara:eumaoportunidademuitoboa.Vocessao

irmaos-disseAnthony,imitandoavozdeDmitri-eseentendem.Porquenaotrabalharemjuntos? - Entao, voltando a sua voz, concluiu, irado: - De forma que precisamos. Paracomeçar:quesigni icaistoparavoce,William?Parasermaispreciso:quesigni icaapalavra“homologia”paravocê?

Williamsuspirou.-Queiraaceitarminhasdesculpas...Trabalhocomcriançasautísticas.-Achoquenãoseioqueissosignifica.-Paranaocontarumromance,digamosquecuidodecriançasquenaose“lançam”

paraomundo,quenaosecomunicamcomosoutros,quemergulhamdentrodesimesmasequeexistematrásdeumamuralhadepele,numcertosentidoinatingíveis.Esperosercapaz,umdia,decurá-las.

-ÉporissoquevocêseintitulaAnti-Aut?-Sim,paraserfranco.Anthonydeuumarisadinha,masofatoéquenãosesentiaàvontade.UmestremecimentopercorreuWilliam:-Éumnomeadequado.- Nao tenho duvida - apressou-se Anthony emmurmurar, e icou por aı mesmo,

incapazdefazeralgumoutroelogioouconsideraçao.Comumesforço,voltouaoassunto:-E

vocêestáprogredindo?-Vocediznadireçaodacura?Nao,porenquantonao.Nadireçaodacompreensao,

sim.Equantomaisentendo... -AvozdeWilliamtornou-semaiscalidaenquantofalava,emaisdistantesseusolhos.Anthonyentendeuqueistosedeviaaoproprioassuntodequeoirmaofalava,oprazerdefalardealgoquelheenchiaocoraçaoeamenteapontodeexcluirqualqueroutracoisa.Comeletambémaconteciaisto,frequentemente.

Prestouatençaoomaisquepodeaalgoque,verdadeiramente,naocompreendia,eisqueassimeranecessárioproceder.EsperavaqueWilliamlheprestasseatenção,também.

Quaoclaramenteeleselembravadisto!Pensaraentaoquenaoselembrariataobem,naturalmente,masnaoestavaconsciodoqueestavaacontecendo.Rememorando,aluzdosfatospassados,eleseachouarecordarfrasesinteiras,quasequepalavraporpalavra.

Williamfalava:-Pareceu-nos,pois,queacriançaautistanaofalhavanoreceberasimpressoes,nem

mesmo falhava no interpreta-las de uma maneira um tanto so isticada. Antes, estavadesaprovandoerejeitandotaisimpressoes,semqualquerperdadapotencialidadedaplenacomunicaçãoseseachassealgumaimpressãoqueelaaprovasse.

- Ah - disse Anthony, tornando o som apenas audıvel para indicar que estavaouvindo.

-Nempodeagentepersuadiracriançaasairdeseuautismopelasmaneirascomuns,poisacriançadesaprovavocêassimcomodesaprovaorestodomundo.Massevoceapuseremcondiçõesdeumainterrupçãoconsciente...

-Interrupçãodoquê?-Euma tecnicamedianteaqual,na realidade,o cerebrocomoquesedivorciado

corpoepodedesempenharsuasfunçoessemsereferiraocorpo.Eumatecnicaumtantosofisticada,criadaemnossolaboratório;naverdade...-Fezumapausa.

Gentilmente,Anthonyperguntou:-Foivocêquemcriouatécnica?- Na verdade, sim - respondeu William, corando um pouco, mas visivelmente

satisfeito. - Numa interrupçao consciente, podemos suprir o corpo com determinadasfantasias e observar o cerebro por meio do eletroencefalogra ia. Podemos de imediatoaprendermais a respeito do indivıduo autista, que tipode impressao sensorial elemaisquer,e,deummodogeral,aprendemosmaisarespeitodocérebro.

- Ah - disse Anthony, e desta feita foi umah de verdade. - E tudo isto que vocesaprenderam a respeito de cerebros voces nao podem adaptar ao trabalho de umcomputador?

- Nao - disseWilliam. - De forma alguma. Ja disse isso a Dmitri. Nada sei sobrecomputadoreseaindanãoseiobastantearespeitodocérebro.

-Seeulheensinararespeitodoscomputadoreselhedisserdetalhadamentedoqueéqueelesnecessitam,nãodaria?

-Achoquenão.Seria...-Irmao-disseAnthony,tentandodarumaentonaçaoqueimpressionasseapalavra.-

Vocemedevealgumacoisa.Faça,porfavor,umesforçosinceroparadaralgumaatençaoanosso problema. Seja la o que sabe sobre o cerebro, por favor, adapte isso aos nossoscomputadores.

Williamsemexeu,poucoàvontade,dizendo:-Entendoseupontodevista.Tentarei.Comtodaasinceridade,tentarei.

6.Williamtinha tentadoe,comoAnthonypredissera,osdoistinhamsidodeixadosa

trabalhar juntos.De inıcio encontravam-se comoutraspessoas, eWilliam tentarausar oefeitodechoquedoavisodequeeramirmaos,vistoquenaoadiantavaquerernegar.Acertaaltura, todavia, pararam, e sobreveio uma util nao-interferencia. Quando William seaproximava de Anthony, ou quando Anthony se aproximava de William, quem maisestivessepresentesilenciosamentebatiaemretirada.

Acabaram se acostumando um ao outro num certo sentido e as vezes se falavamcomo se nao houvesse semelhança alguma entre eles, e nenhuma memoria comum dainfância.

Anthony explicou os requisitos do computador em linguagem simples,razoavelmentenaotecnica,eWilliam,depoisdemuitomatutar,explicoucomoeque,aseuver,deveriaumcomputadorfuncionar,maisoumenos,àguisadeumcérebro.

Anthonydisse:-Serápossível?-Nãosei.Nãoestouansiosoportentar.Poderánãofuncionar,assimcomopoderá.-TeríamosdefalarcomDmitriGrandão.-Primeiroconversaremosnosdoismesmosedecidiremosoquefazer.Iremosaele

comumaproposiçaooriundadenosdois,eamaisrazoavelpossıvel.Ou,ate,poderemosnãoiraele.

Anthonyhesitou:-Nósdoisfalarmoscomele?Delicadamente,Williamseexpressou:-Vocêémeuporta-voz.Nãohárazãoparairmosjuntos.-Obrigado,William.Seistoderemalgumacoisa,dividireioslouroscomvocê.-Quantoaisso,naomepreocupo.Seistoderemalgumacoisa,creioqueeuseriao

únicoapoderfazerotrabalho-falouWilliam.Debateramaquestaodurantequatrooucincoencontrose,nao fosseAnthonyseu

parente, nao houvesse entre eles aquela situaçao emocional desagradavel,indubitavelmenteWilliamseorgulhariadoseujovemirmao,porsuarapidacompreensaodeumcampoquelheeraestranho.

HouveentaodemoradasreunioescomDmitriGrandao.Naverdade,haviareunioescomtodomundo.Durante interminaveisdias,Anthonyviaaquelagentetoda,edepoissereuniacomWilliam,emseparado.E,umbelodia, aposumademorada “gravidez”, veioaautorizaçãoparaoquefoidenominadodeComputadorMercúrio.

WilliamvoltouentaoaNovaIorquecomalgumalıvio.Naoplanejava icaremNovaIorque(doismesesantes,seraqueelepensariaqueistoseriapossıvel?...)mashaviamuito

quefazernoInstitutoHomológico.Logicamente, mais conferencias se izeram necessarias para ele explicar a seu

propriogrupodelaboratorioqueequeestavasepassandoeporqueeletinhadeseretirarecomodeveriamprosseguircomseuspropriosprojetossemele.Seguiu-seumachegadaaDallas,destavezbemmaiscomplicada,comoessencialdoequipamentoecomdoisjovensauxiliaresparaaquiloqueeraparatersidoumachegadaeretorno.

Nosentido igurativo,nemmesmoWilliamolharaparatras.Seupropriolaboratorioesuasnecessidadessaıramdesuacabeça.Estavaagorainteiramentecomprometidocomsuanovatarefa.

7.Foi o pior perıodo, para Anthony. O alıvio durante a ausencia de William nao

penetraraprofundamenteecomeçouanervosaagoniadeseperguntarse,talvez,esperançacontra esperança, ele poderia nao retornar. Quem sabe ele escolhesse enviar umrepresentante,algumaoutrapessoa?Algumaoutrapessoa,comrostodiferente,de formaqueAnthonynaoprecisasse se sentir comoametadedeummonstro comduas costasequatropernas?...

Mas,eraWilliam.Anthonyobservaraoaviaode cargavir silenciosamentepeloar,observara-oadescarregaroquetransportara,adistancia.Mas,mesmoadistancia,acabouvendoWilliam.

Eraele,nãohaviadúvida.EAnthonyseretirou.Depoisdoalmoço,foifalarcomDmitri.-Garanto-lhequenaoeprecisoqueeu ique,Dmitri.Estudamososdetalheseuma

outrapessoapoderiaassumiratarefa.-Nao,nao-disseDmitri.-Emprimeirolugar,aideiafoisua.Deveirateo im.Naoha

razãoparadividirashonrasdesnecessariamente.Anthonypensou:ninguemmaisquereraassumirorisco.Ehaaindaapossibilidade

de um fracasso. Bemque eu deveria ter pensado nisto.No fundo eletinhapensado, masdisse,impassível:

-VocêcompreendequenãopossotrabalharcomWilliam.-Mas,porquenao?-Dmitri ingiusurpresa.-Vocesdoisateaquitrabalharamtao

bem,juntos!- Estiveme forçando a isto, Dmitri, e nao aguentareimais. Ou sera que voce nao

percebecomoacoisaparece?-Meubomamigo!Voceestaexagerando.Logicoqueaspessoas icamespantadas,ao

verem voces dois juntos. A inal de contas, sao seres humanos. Mas acabarao seacostumando.Eutambémmeacostumei!

Seugordomentiroso,acostumou-secoisíssimanenhuma,pensouAnthony.Edisse:-Maseunãomeacostumei.- Voce nao esta encarando a coisa de maneira correta. Os pais de voces eram...

diferentes...mas,a inaldecontas,oqueeles izeramnaofoiilegal.Foisoesquisito,somenteisso.NãoéculpasuanemdeWilliam.Nenhumdosdoispodesercensuradoporcausadisto.

-Masestamosmarcados-falouAnthony,fazendoumrapidogestoapontandoparaseuprópriorosto.

- Nao estao marcados como voce supoe. Vejo diferenças. Voce tem aparencianitidamentemaisjovem.Seucabeloemaisondulado.Esoaprimeiravistaqueparecehavergrandesemelhança.Veja,Anthony,vocesdispoemdetodootempodequenecessitam,detodaaajudadequeprecisam,detodooequipamentoquequiseremusar.Tenhocertezadequetudodarámaravilhosamentecerto.Pensenasatisfação...

Anthony se deixou convencer, logicamente, e concordou em, pelo menos, ajudarWilliam a instalar o equipamento. William, tambem, parecia estar certo de que tudofuncionaria maravilhosamente. Nao tao freneticamente como Dmitri quereria, mas comumacertacalma.

-Eapenasumaquestaodeconexoesadequadas-disse-sebemqueeudevaadmitirqueesse“apenas” eumbocadosuculento.O inaldetudoistoseraconseguirimpressoessensoriaisnumvídeoindependentedeformaquepossamosexercer...bem,nãopossousaraexpressao controles manuais, nao e mesmo? de forma que possamos exercer controleintelectualetermosplenodomíniodasituação,senecessário.

-Dáparafazeristo-disseAnthony.-Entao,vamosemfrente...Veja,precisareipelomenosdeumasemanaparafazeras

conexõeseparatercertezadequeasinstruções...-Aprogramação-corrigiuAnthony.-Bem,istocabeavoce,deformaqueusareisuaterminologia.Euemeusassistentes

programaremosoComputadorMercúrio,masnãoàmaneiradevocês.-Esperoquenao.Quisemosumhomologojustamenteporquequerıamosestabelecer

umprogramamuitomaissutildoquequalquercoisaqueumsimplestelemetristapoderiafazer.-Nãotentouocultaraironiacontrasimesmoquehaviaemsuasprópriaspalavras.

Williamnãoreagiu;aceitouaspalavras.Edisse:-Vamosentãocomeçar.Façamosorobôcaminhar.

8.Umasemanadepois,orobocaminhavanoArizona,aquasedoismilquilometrosde

distancia. Caminhava rigidamente, as vezes caıa, as vezes batia estrondosamente seutornozelo contraumaobstruçao, as vezesmexia soumdospes e acabava tomandoumasurpreendentenovadireção.

-Éumbebêaprendendoaandar-comentouWilliam.DevezemquandoDmitrivinha,parasaberdosprogressos,dizendo:-Ênotável!Anthony nao pensava assim. Passaram-se semanas, depois meses.

Progressivamente, o robo fazia cada vez mais, a medida que o Computador Mercurio

recebia,progressivamente,umaprogramaçaomaiscomplexa.(WilliamtinhaatendenciadesereferiraoComputadorMercuriocomoaumcerebro,masAnthonynaoopermitiria.)Etudoquehaviaacontecidonãoeraaindasuficientementebom.

- Nao e su icientemente bom,William - disse ele, por im. Desde a noite anteriorestavasemdormir.

FriamenteWilliamsemanifestou:-Istonãoéestranho?Euestavaparadizerquepenseiqueestávamosderrotados.Com di iculdades, Anthony se conteve. O esforço de trabalhar com William e de

observaratrapalhadacomorobôeramaisdoquepodiasuportar.-Voumedemitir,William.Voudeixaroempreendimentotodo.Lamento...Naoepor

suacausa.-Masépormim,sim,Anthony.-Nao e porsua causaso,William.Eumafalha:naochegaremosaondequerıamos.

Voce ve comoo robo e desajeitado,mesmoaindanaTerra, so unsdoismil quilometrosdaqui,comosinalparasemexervindoapenasnumaminusculafraçaodesegundoporvez.EmMercurio, havera minutos de demora, minutos que o Computador Mercurio tera depermitir.Éloucurapensarqueistofuncionará.

Williamdisse:-Naosedemita,Anthony.Agoravocenaopodesedemitir.Sugiroquedeixemoso

robôserenviadoaMercúrio.Estouconvictodequeeleestápronto.Anthonyriuestrepitosamente,insultantemente.-Vocêestámaluco,William.-Naoestou.ParecequevocepensaqueemMercurioseramaisdifıcil,masnaosera.

EnaTerraqueemaisdifıcil.EsteroboestaplanejadoparaumterçodagravidadenormaldaTerraeestatrabalhandoemgravidadetotal,noArizona.Estaplanejadopara400°Ceestasonos30°C.Foiplanejadoparaovácuoeestátrabalhandonumaforçaatmosférica.

-Aquelerobôpodecompensaradiferença.-Suponhoqueaestruturademetalpossa,mas...eoComputador,aquidebaixode

nossosnarizes?Naotrabalhabemcomumroboqueestejanumambientequenaoaquelepara o qual foi concebido... Veja, Anthony, se voce quiser um computador que seja taocomplexoquantoumcerebro,vocetemdeadmitiridiossincrasias...Olhe,vamosfazerumacordo. Vai levar ainda uns seis meses para enviarmos o robo a Mercurio. Voce leva oprojetoavanteenquantoeutiroumasferiasdeunsseismesesduranteesteperıodo.Voceficarálivredemim.

-QuemcuidarádoComputadorMercúrio?-Agoravocejaentendecomoelefunciona,ehaveraaquidoisdeminhaequipepara

ajudarvocê.Desafiante,Anthonysacudiuacabeça.- Nao posso me responsabilizar pelo Computador e nao assumirei a

responsabilidadedesugeriroenviodorobôaMercúrio.Nãovaidarcerto.-Estouconvencidodequesim.-Vocenaopodeestarconvencido.Earesponsabilidadeeminha.Euequereceberei

ascríticas.Contravocênãohaveránada.Posteriormente,Anthonyevocariaestemomentocrucial.Williampoderiadeixa-loir

embora.Anthonyteriapedidodemissão.Tudoestariaperdido.MasWilliamdisse:-Naohaveranadacontramim?Veja,papaiteveaquelesentimento,fezaquilocom

mamae.Tudobem.Tambemlamento.Lamentotantoquantoqualqueroutrapessoa,masoqueesta feito,estáfeito,edistoresultouumacoisacuriosa.Quandofalodepapai,ouseja,quandofalodeseupai,tambem,haummontedecasaisquepodementaodizeristo:doisirmaos,duasirmas,umirmaoeumairma.E,depois,quandofalomamae,queromereferirasuamae, e hamuitos casais que tambem podem falar assim.Mas nao conheço nenhumoutropar,nemouvifalardeoutro,quepossapartilharomesmopaiemãe.”

-Seidisso-aquiesceuAnthony,sombrio.-Sim,masencareacoisademeupontodevista-apressou-seWilliamaacrescentar.

-Souhomologo.Trabalhocompadroesgeneticos.Japensoualgumavezemnossospadroesgeneticos?Partilhamososmesmospais,oquequerdizerquenossospadroesgeneticosseaproximam bastante, mais do que qualquer outro par em nosso planeta. Nossos rostosmostramisso.

-Tambémseidisso.-Deformaque,seesteprojetodercerto,evoceforglori icadoporcausadele,sera

nossopadraogeneticoqueteraprovadoseraltamenteutilparaahumanidade,oquequerdizer tambem meu padrao genetico... Nao esta vendo, Anthony? Partilho seus pais, seurosto,seupadraogenetico,e,porconseguinte,querasuadesgraça.Elaeminhaquasetantoquanto sua, e se qualquer credito ou censura sobrevier paramim, sera quase tanto seuquanto meu.Tenhodeestar interessadoemseusucesso.Tenhopara istoummotivoqueninguemmais naTerra tem, puramente egoısta, tao egoısta quanto pode ser o seu paracomigo.Estoudeseulado,Anthony,porquevocêestámuitopertodemim!

Duranteumlongotempoelesseencararame,pelaprimeiravez,Anthonyofezsemrepararnorostodequeelepartilhava.

Williamrompeuosilêncio:-Vamos,então,pedirqueenviemorobôaMercúrio.Anthonyconcordou.EdepoisqueDmitriaprovouopedido,porquea inaldecontas

eleestavaesperandoporisso,Anthonypassouamaiorpartedodiaimersoemprofundospensamentos.

ProcurouentãoWilliamedisse:- Ouça! - Houve uma longa pausa, queWilliamnao rompeu.NovamenteAnthony

disse:-Ouça!Pacientemente,Williamesperava.Anthonydisse:-Naverdade,naohanecessidadedequevoceseva.Tenhocertezadequevocenao

gostariaqueninguémmais,excetovocê,dirigisseoComputadorMercúrio.-Querdizerquevocêpretendeirembora?-Nao,euvou icar,tambem-falouAnthony.Williamdisse:-Naoprecisamosmuito

ver um ao outro. - Tudo isto tinha sido, para Anthony, como falar comumpar demaoscerradasemtornodesuatraquéia.Pareciaagoraqueapressãoaumentava,masamaisduradasafirmaçõesestavaaindaporvir.

-Nãotemosdenosevitarumaooutro.Nãotemosmesmo.Williamsorriu,demaneirainsegura.QuantoaAnthony,naosorriudejeitonenhum,

rapidamente,retirou-se.

9.Williamergueuosolhosdolivroqueestavalendo.Faziapelomenosummesqueele

deixaradesesurpreender,aindaquevagamente,quandoAnthonyentrava.-Algumacoisaerrada?-perguntou.-Quemsabe la?Estaosepreparandoparaopousosuave.OComputadorMercurio

estáfuncionando?William sabia que Anthony conhecia perfeitamente a condiçao do Computador.

Mesmoassim,disse:-Amanhãdemanhã,Anthony.-Enãoháproblemas?-Nenhum.-Entãoteremosdeaguardaropousosuave.-Sim.Anthonydisse:-Algumacoisafalhará.-Aciênciadosfogueteséumvelhoparceiro:nadasairáerrado.-Tantotrabalhodesperdiçado.-Aindanãofoidesperdiçado.Nemserá.-Podeserquevoceestejacerto-disseAnthony.Comasmaosbementerradasem

seusbolsos,afastou-se,detendo-senaporta,antesdeabri-la.-Obrigado!-Obrigadoporquê,Anthony?-Porme...confortar.Anthonysorriumeiodeesguelha,aliviadodeumamaneiraquesuasemoçoesnao

demonstravam.

10.Praticamente todo o pessoal do Projeto Mercurio estava reunido, no momento

crucial.Anthony,quenaotinhatarefasadesempenhar, icoubemaofundo,comosolhosnosmonitores.Orobôtinhasidoativadoehaviamensagensvisuaissendoreenviadas.

Por im elas apareceram como o equivalente visual da superfıcie de Mercurio. Emostravam aquilo que presumivelmente era essa superfıcie: uma embaçadaincandescência.

Sombras adejavam rapidamente pelo vıdeo, provavelmente irregularidades nasuperfıcie.Sopeloqueseusolhosviam,Anthonynaoeracapazdeinterpretaroquevia,masostecnicosjuntoaoscontroles,queestavamanalisandoosdadospormetodosmaissutis

do que os que dispunham a olho nu, pareciam calmos. Nenhuma das lampadazinhasvermelhasquedenunciavamemergenciaestavaacesa.Naverdade,Anthonyprestavamaisatençãoaosprincipaisobservadoresdoqueaovídeo.

Eledeveriaestarla,juntoaoComputador,comWilliameosoutros.Soseuniriaaelesquandoopousosuaveestivessefeito.Eleestarialá.Elenãopoderiaestar.

Mais rapidamente as sombras adejavam pelo vıdeo. O robo estava descendo -rapidamentedemais?Sim,semdúvida,rápidodemais!

Houveumultimoborraoeuma ixidez,umdeslocamentodefoconoqualoborraoicouprimeiromaisescuro;depois,maisesmaecido.Ouviu-seumsomedeuparaperceberalgunssegundosantesdeAnthonycompreenderoquesignificavaaquelesom:

-Conseguimosopousosuave!Conseguimosopousosuave!Entao,houveummurmuriocrescenteeumsussurrodecongratulaçoes,atequenova

mudançaocorreunovıdeoeosomdepalavraserisossedeteve,comosetivessecolididocontraumaparededesilêncio.

Porque o vıdeo mudara, mudara e icara nıtido. A brilhante, brilhante luz solar,chamejando em meio ao vıdeo cuidadosamente seletivo em suas imagens, agora elespodiamverumpedregulhoclaro,combrilhoesbranquiçadodeumlado,retinto,deoutro.Moveu-separaadireita,depoisvoltou-separaaesquerda,comoseumpardeolhosolhasseparaaesquerda,depoisparaadireita.Novıdeoapareceuumamaometalica,comoseolhosestivessemolhandopormeiodelas.

FoiavozdeAnthonyquegritou,finalmente:-OComputadorentrouemação!Ouviusuaspropriaspalavrascomose tivessemsidogritadasporoutremecorreu

escadasabaixoeporumcorredor,deixandoobalbuciocrescentedevozesatrásdele.-William-gritou,irrompendonasaladocomputador-estáperfeito,está...MasamãodeWilliamsesoergueu.-Psiu.Porfavor.Naoqueroquenestasalapenetremquaisquersensaçoesviolentas,

excetoasdocomputador.-Querdizerquepodemosserouvidos?-cochichouAnthony.- Pode ser que nao, mas nao sei. - Havia ali outro vıdeo, menor. A cena que ele

mostravaeradiferenteecambiante;orobôsemovia.Williamdisse:- O robo esta começando a perceber as coisas. Os primeiros passos tem de ser

desgraciososmesmo.Haum intervalode seteminutosentreoestımuloea respostae eprecisolevaristoemconta.

-Masaverdadeequeelejaestaandandomais irmedoquenoArizona.Naoacha,William?Naoacha?-AnthonyapertavacomamaooombrodeWilliam,sacudindo-o,semseusolhosdeixaremumminutoovídeo.

Williamdisse:-Estouconvencidodisto,Anthony.OSolestava incandescente,numcalidocontrasteentrebrancoepreto:Solbranco

contraumceunegro,solomoventepintalgadodebrancocomsombrasnegras.Obrilhantegosto doce do Sol, exposto em cada centımetro quadrado de metal, contrastava com oaromainsinuantedemorte,dooutrolado.

Ergueuamaoe icouaolha-la,contandoosdedos.Quente-quente-quente,virou-os,colocandocadadedo,umporum, asombradosoutros,eocalorlentamenteaseatenuarnumamudançatátilqueofaziasentirolimpoeconfortávelvácuo.

Sebemquenaofosseumvacuoabsoluto.Enrijeceueergueuambososbraçossobreacabeça,esticando-os,eossensoresemcadapulsosentiramosvapores,o inoelevetoquedeestanhoechumbosedeslocandoemmeioaoenjôoqueeraMercúrio.

O espesso sabor subiu de seus pes, os silicatos de cada variedade, marcadosclaramentepelosepararejuntardosıonsmetalicos.Lentamente,elemoveuumpeemmeioa poeira tostada, esmagada, e sentiu as diferenças como uma sinfonia delicada, naopropriamentesemcadência.

E, sobretudo, o Sol.Olhoupara ele, grande, gordo, brilhante e quente, e ouviu suaalegria.ObservoualentaascensaodasproeminenciasemtornodoSoleprestouatençaoaosomdeestalidosdecadauma,prestavaatençao,outrossim,aosoutrosruıdos felizesemtornodeseuamplorosto.Quandoeleobscureceualuzdifusa,overmelhodospunhadosdehidrogenio que se erguiam se mostrava em rajadas de maduro contrario, e o profundocontrabaixo das manchas em meio ao emudecido silvar das feculas fragmentadas, a semoverem,eoocasionalsilvodeumalabaredae,ocrepitardosraiosgamaedaspartıculascosmicas, e acima de tudo, em todas as direçoes, o suspiro da substancia solar, semprerenovada, erguendo-se e contraindo-se para todo o sempre, num vento cosmico que oalcançavaeobanhavagloriosamente.

Deuumpuloeergueu-selentamentenoarcomumaliberdadequenuncasentira,enovamentedeuumpulo,aopousar,ecorreu,esaltou,edenovocorreu,comumcorpoquerespondia perfeitamente a este mundo glorioso, a este paraıso em que inalmente seachava.

Umestranho,tãolongeetãoperdido,finalmentenoparaíso.-Tudoemordem-disseWilliam.-Masqueéqueeleestáfazendo?-gritouAnthony.-Tudo emordem.Aprogramaçaoesta funcionando.Ele testouseus sentidos.Esta

fazendovariasobservaçoesvisuais.ObscureceuoSoleoestudou.Testouaatmosferaeanaturezaquímicadosolo.Tudofunciona.

-Masporqueestácorrendo?-Achoque e ideiadelemesmo,Anthony. Sequiserprogramarumcomputadorde

maneira tao complicada comoumcerebroo e, voce temdeesperarqueele tenha ideiaspróprias.

- Correr? Pular? - Anthony voltou seu rosto, ansioso, para William. - Acabara semachucando.AssumaocontroledoComputador,passeporcimadele.Faça-oparar.

Asperamente,Williamdisse:-Nao,naofareiisto.Voumeaproveitardofatodeelepodersemachucar.Naoesta

percebendo?Eleestáfeliz.EstavanaTerra,ummundoaoqualelenuncaseadaptaria.Agora,esta em Mercurio, com um corpo perfeitamente adaptado a sua ambiencia, taoperfeitamenteadaptadoquantocemcientistasopoderiamter feito.Paraele, eoparaıso,deixe-oaproveitá-lo.

-Aproveitá-lo?Maseleéumrobô!

-Nãoestoufalandodorobô.Estoufalandodocérebro,océrebroqueestávivo,aqui.OComputadorMercurio,encerradoemvidro,cuidadosaedelicadamenteprotegido,

suaintegridadepreservadademaneiramaissutil,respiravaevivia.-ERandallqueestanoparaıso-a irmouWilliam.-Achouomundoporamordoqual

autisticamente fugiu deste nosso. Tem um mundo para o qual seu novo corpo estaperfeitamenteadequadoemtrocadestemundoaoqualseuvelhocorpoabsolutamentenaoseajustava.

Maravilhado,Anthonyobservavaovídeo.-Pareceestarseacalmando.-Logico-disseWilliam-edesempenharasuamissaodamelhormaneirapossıvel,

parasuaalegria.Anthonysorriuedisse:-Querdizerentaoquevoceeeu izemosoquequerıamos?Vamosateondeestaoos

demaisevamosdeixá-losnosfestejar,William?-Juntos?-perguntouWilliam.-Juntos,irmão!-exclamouAnthony,saindocomele,ombroaombro.Naonegareiquepassouporminhacabeçaumpensamento indigno: Jimeramoço

ainda, e ele poderiamuito bem ter pegado “EstranhonoParaıso” impressionado, talvez,inconscientemente,maisporminhafamadoquepelovalordaestoria,propriamentedito.Este pensamento, que, ainda que fugitivo, passara por minha cabeça, se desvaneceucompletamente quando DonaldWollheim, da DAW Books, a escolheu para uma de suasantologias. Ultrapassa os limites da verossimilhança que Don, sujeito cınico, veteranotraquejado, pudesse talvez se deixar impressionar por meu nome fosse la em quecircunstancias fosse, ou, na verdade, por qualquer coisa ameu respeito. (Nao emesmo,Don?)Deformaque,sequeriaaestória,eraporamoraelamesma.

Escrevi, ocasionalmente, artigos para oTheNewYorkTimesMagazine, masminhamédiadeacertoscomeleséinferiora0,5.

Comumente,estetipodeacontecimentoseriadesanimador,eeupoderiamedeixardominarpelasensaçaodequenaomeadaptoaestetipopeculiardemercadoequetenhode concentrarmeus esforços alhures. Entretanto, oTimes e um caso especial, e continuotentando.

Contudo,nooutonode1974,deumsogolperecebitresrecusas,deformaquedecidirejeitaraproximasolicitaçaodeumartigoquedelesrecebesse.Istonaoetaofacilquantoparece,porquegeralmentea solicitaçaoprovemdeGeraldWalker,umbomamigo, comonuncainventaramoutro.

Quando ele telefonou, tentei desesperadamente me obstinar numa recusa a tudoquantoelemedisse,atéquemencionouafrasemágica:“ficçãocientífica”.

-Umaestóriadeficçãocientífica?-perguntei.-Sim.-Paraosuplemento?-Sim.Queremosumaestoriadequatromilpalavras,quesondeofuturoequetenha

algoavercomorelacionamentohomem/máquina.

-Vou tentar - falei.Quemaispoderia fazer?A chancedeatingiroTimes comumaestoria de icçao cientı ica era tao interessante, que nao podia ser rejeitada. Comecei atrabalharnaestoriaem18denovembrode1974.Enviei-aaoTimessemqualquercon iançarealemsuapublicaçaoepoucomeimportavaoqueviesseaacontecer.Elasaiuem5dejaneiro de 1975, numero de segunda-feira doTimes e, tantoquantopude constatar, foi oprimeirotrabalhodeficçãoqueoTimesautorizouepublicou.

10- Versos na luz

A ultima pessoa deste mundo que alguem julgaria um criminoso era a sra. Avis

Lardner.ViuvadograndemartirdaAstronautica,era ilantropa,colecionadoradearte,umaextraordinariaan itriae,todosconcordavam,umgenioartıstico.Acimadetudo,eraomaisgentilebondososerhumanoquesepodiaimaginar.

Omarido,William J. Lardner,morreu, como todos sabemos,devidoaos efeitosdaradiaçıodaluzsolar,aposterdeliberadamentepermanecidonoespaço,a imdequeumaespaçonave de passageiros pudesse levar seu veıculo espacial em segurança a EstaçaoEspacialn°5.

Porissoasra.Lardnerhaviarecebidoumagenerosapensao,aqualinvestirabemecommuitasabedoria.Aofimdameia-idade,estavarica.

Suacasaeraumaespeciedeexposiçaopermanente,umverdadeiromuseu,contendouma coleçao de lindas joias, pequena, porem de extremo bom-gosto. De uma duzia dediferentesculturashaviaconseguidorelıquiasdequasetodapeçadeartesanatoconcebıvelquepudessem ser engastadasde joiaspara servir a aristocraciadaquelamesma cultura.Possuıaumdosprimeiros relogiosdepulso, adornadodepedraspreciosas, fabricadonaAmerica, uma adaga incrustada de pedras preciosas, procedente do Camboja, um par deóculos,decoradocomjóias,vindodaItália,eassimpordiante,interminavelmente.

Tudoestavaabertoaopublico.Aspeçasdeartesanatonaoestavamnoseguro,enaohavianenhumaprovidenciacomumnosentidodegaranti-las.Naohaviaanecessidadedenadaconvencional,porquantoasra.Lardnermantinhaumcorpodeauxiliares,constituıdoderobos-servos,a cadaumdosquaispodia secon iaraguardadecadaumdosobjetos,tendoelesimperturbávelconcentração,irrepreensívelhonestidadeeirrevogáveleficiência.

Todossabiamdaexistenciadosrobosenaoharegistrodeteralgumdiaocorridoalgumatentativadefurto.

Ehaviatambém,éclaro,suaescultura-luz.Comoasra.Lardnerdescobriuseupropriogenioparaaarte,nenhumconvidadode

suas prodigas reunioes conseguia adivinhar. Contudo, em cada ocasiao, quando a sra.Lardnerabriaacasaparaosconvidados,umanovasinfoniadeluzpercorriaosaposentosde um lado ao outro; curvas e solidos tridimensionais, numamescla de cores, algumaspuras,outrasdifusas,emsurpreendentesefeitoscristalinosquemergulhavamnoassombrocadaconvidado,equeseajustavamporsimesmos,deformaaembelezaroscabelosmacioseazuladoseorostodecontornospoucodefinidosdasra.Lardner.

Era por causa da escultura-luz, mais do que por qualquer outra coisa, que osconvidadosapareciam.Nuncaeraamesmaduasvezes,enuncadeixavadeexplorarnovosenfoquesdaarte.

Muitas pessoas que podiam comprar consolo-luz preparavam esculturas-luz pordiversao, mas ninguem chegava nem de longe a igualar a perıcia da sra. Lardner. Nemmesmoaquelesqueseconsideravamartistasprofissionais.

Elamesmaeraencantadoramentemodestaa respeitodisso -Nao,nao -dizia ela,quando alguem ressudava lirismo. - Eu nao a denominaria “poesia na luz”. Isto e serbondosa demais. No maximo, eu diria que se trata de meros “versos na luz” - e todossorriamdasutiltiradadeespírito.

Emborafossesolicitadafrequentementeafaze-lo, jamaiscriava“escultura-luz”emoutrasocasiões,salvoemsuasprópriasfestas.

-Seriacomercialização-costumavadizer.Contudo,naoobjetavaapreparaçaodeelaboradoshologramasdesuasesculturas,de

forma que se tornassem permanentes e fossem reproduzidos em todos os museus domundo.Tampouconuncacobrounadapelousoquepudesseserfeitodesuas“esculturas-luz”.

-Eunaoteriacoragemdecobrarumcentavo-diziaela,abrindobemosbraços.-Edegraçaparatodos.Afinaldecontas,eumesmaausodurantepoucotempo.

Eraverdade,elanuncautilizavaduasvezesamesma“escultura-luz”.Ela propria cooperava quando eram feitos os hologramas. Observando

benignamentecadaetapa,estavasempreprontaamandarqueosrobôsajudassem.-Porfavor,Courtney-querterabondadedeajustaraescadinha?Eraoseuestilo.Sempresedirigiaaosrobôscomamaisformaldascortesias.Certaocasiao,hamuitosanos,quaseforarepreendidaporumfuncionariofederaldo

“BureauofRobotsandMechanicalMen”:- Nao pode fazer isto - disse ele severamente. - Interfere na e iciencia deles. Sao

construıdosparacumprirordensequantomaisclaramentelhesderordens,maise icientesascumprirao.Quandopedecomelaboradapolidez,compreendemcomdi iculdadequeestasendodadaumaordem.Reagemmaislentamente.

Asra.Lardnerergueuaaristocráticacabeça:-Nãoexijorapidezeeficiência-disseela.-Peçoboavontade.Meusrobôsmeamam.Ofuncionariopoderiaterexplicadoquerobosnaopodemamar,masmurchousobo

olharofendido,aindaquemeigo,dela.Era fato conhecidode todosquea sra.Lardner jamais remeteuumrobo a fabrica

para ajustamentos. Seus cerebros positronicos eramde enorme complexidade, e quandosaemdafabrica,umemdeznaoestaperfeitamenteregulado.Asvezesodesajustenaoserevela durante umperıodo de tempo,mas sempre que um engano semanifesta, a “U. S.RobotsandMechanicalMenCorporation”efetuaacorreçãogratuitamente.

Asra.Lardnersacudiuacabeça:-Apartirdomomentoemqueorobôestáemminhacasa-disse-ecumprecomseus

deveres, as excentricidades secundarias devem ser toleradas. Nao permitirei que sejamaltratado.

Eraapiorcoisapossıveltentarexplicarqueumroboeraapenasumamaquina.Eladiziainflexivamente:

-Nadaquesejataointeligentecomoumrobopodeserapenasumamaquina.Trato-oscomogente.

Epronto!Ela conservava ate mesmo Max, embora fosse quase inutil. Mal se podia

compreenderoqueseesperavadele.Contudo,asra.Lardnerinsistia:

- Absolutamente - dizia irmemente - ele e capaz de pegar e guardar chapeus ecasacosperfeitamente.Seguraobjetosparamim.Sabefazermuitascoisas.

-Masporquenãomandaregulá-lo?-perguntouumamigo,certaocasião.-Oh,eunaoteriacoragem.Eleeelemesmo.Emuitoamavel,sabe?A inaldecontas,

umcerebropositronicoetaocomplexoqueninguemconseguesaberondeestaenguiçado.Se fosse ajustado para a perfeita normalidade, nao haveriameios de recupera-lo para aamabilidadequepossuiagora.Eeunãoquerodesfazer-medele.

-Mas, seeleestamal regulado -disseoamigo,olhandonervosamenteparaa sra.Lardner-nãopoderáserperigoso?

- Nunca - a sra. Lardner deu uma risada. - Tenho-o ha anos. E completamenteinofensivoeéumamor.

Naverdade,ele tinhaamesmaaparenciade todososoutros robos: liso,metalico,vagamentehumano,masinexpressivo.

Contudo, para a bondosa sra. Lardner, todos eram gente, pessoas, todos meigos,todosadoráveis.Elaeraassim.

Comopoderiacometerumcrime?A ultima pessoa que alguem esperaria que fosse assassinado seria John Semper

Travis.Introvertidoedemodossuaves,estavanomundo,masnaopertenciaaele.PossuıaaquelepeculiartalentoparaaMatematicaquelhetornavapossıvelresolvermentalmenteocomplexoentrelaçamentodeumamirıadedecircuitospositronicoscerebraisdamentedeumrobô.

Eraoengenheiro-chefeda“U.S.RobotsandMechanicalMenCorporation”.Mas era tambem um entusiasmado amador em “escultura-luz”. Havia escrito um

livrosobreamateria,noqualtentavamostrarqueotipodeMatematicaqueutilizavapararesolver problemas de circuitos de cerebros positronicos poderia ser modi icado paraservirdeguianaproduçãodaestéticada“escultura-luz”.

No entanto, sua tentativa de colocar a teoria em pratica foi um fracassodesanimador. As esculturas que produziu, segundo seus princıpios matematicos, erampesadas,mecânicaseseminteresse.

Era a unica razao de infelicidade em sua vida tranquila, introvertida e segura, noentantoerarazaosu icienteparasentir-seprofundamenteinfeliz.Elesabiaquesuasteoriaseramcorretas, sebemquenaoconseguissepo-lasemaçao.Senaoconseguisseproduzirumaboapeçade“escultura-luz”...

Naturalmente,estavaaparda“escultura-luz”dasra.Lardner.Elaerauniversalmenteaplaudidacomoumgenio,muitoemboraTravissoubessequeeraincapazdecompreendermesmoomaissimplesaspectodamatematicadosrobos.Haviatrocadocorrespondenciacom ela, mas ela recusava-se obstinadamente a explicar seus metodos, levando-o aperguntar-se se ela possuıa mesmo algum. Nao seria mera intuiçao? - mas mesmo aintuiçao pode ser reduzida amatematica. Finalmente, ele conseguiu receber um conviteparaumadasfestas.Precisavaavistar-secomelaatodocusto.

Osr.Travischegoubemtarde.Havia feitouma ultima tentativacomumapeçade“escultura-luz”,queresultaránumfracassodesa-lentador.

Cumprimentouasra.Lardnercomumaespéciedeenigmáticorespeitoedisse:-Estranhoaquelerobôquepegoumeuchapéuecasaco.

-AqueleéMax-disseasra.Lardner.-Estamuitodesreguladoeeummodelobemantigo.Porquerazaonaoomandapara

afábrica?-Oh,não-disseasra.Lardner.-Seriademasiadotrabalho.- De modo nenhum, sra. Lardner - disse Travis. - A sra. icaria surpresa com a

simplicidade do trabalho. De vez que sou da U.S. Robots, tomei a liberdade de ajusta-lopessoalmente.Naolevoutempoeasra.veraqueeleestaagoraemperfeitascondiçoesdefuncionamento.

Umaestranhamudançaocorreunorostodasra.Lardner.Afuriaestampou-senelepela primeira vez em sua existencia sossegada. Era como se os traços isionomicos naosoubessemqualposiçãotomar.

- Ajustou-o? - perguntou com voz aguda. - Mas foiele que criou as minhas“esculturas-luz”. Foi o ajustamento defeituoso, odesajuste, que voce jamais conseguirarestaurar...aquele...

Foiumagrandedesgraçaqueelaestivessemostrandosuacoleçaonaquelemomentoequeaadagacomcabocravejadocompedraspreciosas,procedentedoCamboja,estivessesobreotampodemármorenamesaemfrentedela.

AfisionomiadeTravistambémsedistorceu:-Asra.querdizerque,seeutivesseestudadooestranhocerebropositronicodele,eu

poderiateraprendido...Elaavançoucomaarmacomdemasiadarapidezparaalguemdete-la.Elenaotentou

seesquivaraogolpe.Háquemdigaquefoiaoencontrodele-comosequisessemorrer.

11- Segregacionista

-Eleestápronto?-disseocirurgiãolevantandooolharinexpressivo.- Pronto e um termo relativo - disse o engemedico. -Estamos prontos. Ele esta

inquieto.-Elessempreestão...Bem,éumaoperaçãoséria.-Seriaounaoeledeveestaragradecido.Elefoiescolhidodentreumnumeroenorme

e,francamente,nãopensoque...-Nãodiganada-disseocirurgião.-Nãonoscabetomaradecisão.-Aceitamos,mastemosqueconcordar?-Sim-disseocirurgiao,rıspido.-Concordamos,completamenteedetodoocoraçao.

A operaçao e demasiadamente intrincada para ser encarada com restriçoes intelectuais.Este homem provou o seu valor de muitas maneiras e o seu per il e adequado para oConselhodaMoralidade.

-Estábem-disseoengemédico,poucoconvencido.-Ve-lo-eiaquimesmo,assimpenso-disseocirurgiao.-Estasalaebastantepequena

eíntimaparaserconfortável.-Nãoajudará.Eleestánervosoemudoudeideia.-Realmente?-Sim.Elepreferemetal.Elessemprepreferem.Orostodocirurgiaonaoapresentoumudançadeexpressao.Contemplouasproprias

mãos.-Algumasvezespodemosdissuadi-los.-Porquesepreocupar?-disseoengemédico,indiferente.-Sequerquesejametal,quesejametal.-Vocênãoseimporta?- Por que deveria? - e o engemedico fez a pergunta quase que brutalmente. - De

qualquermodo, trata-sedeumproblemadaengenhariamedicae eu souumengenheiromédico.Possotratardoassuntodequalquerforma.Porquedeveriairalémdisso?

-Paramim,éumaquestãodeadequação-disseocirurgião,imperturbável.- Adequaçao! Nao pode usar isso como argumento. Que importa ao paciente a

adequaçãodascoisas?-Amim,importa.-Oseucuidadoéodeumaminoria.Amaioriaécontravocê.Nãotemchance.-Tenhoquetentar-eocirurgiaoreduziuoengemedicoaosilencio,comumrapido

aceno de mao que revelava nao impaciencia, mas, sim, pressa. Ja havia informado aenfermeiraejareceberaosinaldequeelaseaproximava.Pressionouumbotaoeumaportaduplaabriu-sesilenciosamente.Opacienteentrounasalanasuacadeiramotorizada,comaenfermeiracaminhandoapressadamenteaseulado.

-Podeir,enfermeira-disseocirurgiao-,masesperelafora.Podereichama-la.-Fez

umacenode cabeça ao engemedico quedeixou a sala juntamente coma enfermeira e aportasefechouatrásdeles.

Ohomemnacadeiraolhouporcimadoombro,observandoasaıdadeles.Tinhaumanuca esqueletica e pequenas rugas em volta dos olhos. Barbeara-se recentemente e osdedos das maos, que seguravam os braços da cadeira fortemente, apresentavam unhasmanicuradas.Eraumpacientedealtaprioridadeeeleestavasendotratado...Masemseurostohaviaumaexpressãodedecididaimpertinência.

-Vamoscomeçarhoje?-disseele.-Estatarde,Senador-disseocirurgiãobalançandoacabeça.-Peloqueentendo,levarásemanas.-Naoaoperaçaoemsi,Senador.Masexisteumcertonumerodepontossubsidiarios

que devem ser cuidados. Existem algumas renovaçoes de circulaçao que devem serrealizadas,assimcomoajustamentoshormonais.Sãocoisascomplicadas.

- E sao perigosas? - E entao, como se sentisse a necessidade de estabelecer umarelaçãoamigável,maspatentementecontraasuavontade,acrescentou-...doutor?

Ocirurgiaonaodeuatençaoasmudançasdeexpressao.Dissefrancamente:-Tudoeperigoso.Demoramosparaquesejamenosperigoso.Eotemporequerido,ahabilidadedeuma equipe, a instrumentaçao, que tomam tais operaçoes possıveis somente para taopoucos...

- Sei disso - interrompeu o paciente, combrusquidao. - Recuso-me a sentir culpaquantoaisto.Oupossodeduzirqueháalgumapressãoimprópria?

- De modo algum, Senador. As decisoes do Conselho nunca foram questionadas.Menciono adifıculdadee a complicaçao da operaçao, simplesmente para expressar meudesejodequesejaconduzidadamelhormaneirapossível.

-Bem,váadiante,então.Éomeudesejotambém.-Entaodevopedir-lheparatomarumadecisao.Epossıveldar-lheumdosdoistipos

decibercorações,emmetalou...-Plastico!-disseopaciente,irritado.-Naoeestaaalternativaquemeiaoferecer,

doutor?Plásticobarato.Nãoquero.Jáfizminhaescolha.Querometal.-Mas...-Escuteaqui.Fuiinformadodequeaescolhaseriaminha.Nãoéassim?-Quandodoisprocedimentos alternativos saode igual valor sobopontodevista

medico,aescolharecaisobreopaciente.Napraticareal,aescolhaedocliente,aindaqueosprocedimentosalternativosnãosejamdeigualvalor,comonopresentecaso.

-Estatentandomedizerqueocoraçaodeplasticoesuperior?-indagouopaciente,estreitandoosolhos.

- Depende do paciente. Na minha opiniao, no seu caso individual, o plastico esuperior.Epreferimosnãousarotermo“plástico”.Dizemoscibercoraçãofibroso.

-Paramiméplásticodequalquermaneira.- Senador - disse o cirurgiao in initamente paciente - nao se trata de material

plasticonosentidocomumdapalavra.Eummaterialpolimerico,sim,masdeumtipomuitomaiscomplexodoqueoplasticoordinario.Euma ibracomplexasemelhante aproteına,destinadaaimitar,tantoquantopossıvel,aestruturanaturaldocoraçaohumanoqueagoraestádentrodoseutórax.

-Exatamente,eocoraçaohumanoqueagoraestadentrodomeupeitoestagasto,emboranaotenhaatingidoaindaossessentaanos.Naoquerooutroigual,obrigado.Queroalgomelhor.

-Todosnosdesejamosomelhorparaosenhor,Senador.Ocibercoraçaode ibraseraomelhor.Temumavidapotencialdeséculos.Éinteiramentenão-alérgico...

-Masnãoaconteceomesmocomocoraçãodemetal?-Sim,realmente-disseocirurgião.-Ocibermetálicoédeligadetitânio...-Enãosegasta?Émaisfortedoqueoplástico?Oufibra,ousejaqualforonome?-Ometale isicamentemaisforte,sim,masaresistenciamecanicanaoeopontoem

questao. A resistenciamecanica nao lhe fara nenhumbememparticular, uma vez que ocoraçao ebemprotegido.Qualquercoisacapazdeatingiro coraçaoomataraporoutrasrazões,aindaqueocoraçãopossaenfrentarmanipulaçãomanual.

-Sealgumavezquebrarumacostelaeuatereisubstituídaportitâniotambém-disseopacientedandodeombros.-Asubstituiçaodeossosefacil.Qualquerumpodefazer,emqualquerocasião.Sereitãometálicoquantodesejar,doutor.

- Esta no seu direito, se assim prefere. Entretanto, e apenas justo dizer-lhe que,emboranenhumcibercoraçaometalicotenhaquebradomecanicamente,umcertonumeroquebrou-seeletronicamente.

-Oqueistosignifica?- Signi ica que todo cibercoraçao contem um marcapasso como parte de sua

estrutura.Nocasodavariedademetalica,eumdispositivoeletronicoquemantemocıberno ritmo. Signi ica que uma bateria completa de equipamento miniaturizado deve serincluıdaparaalteraroritmodocoraçao,paraadequar-seaoestadoemocionalefısicodoindivıduo.Ocasionalmentealgoerradoaconteceepessoastemmorridoantesdequalquercorreção.

-Nuncaouvifalardisso.-Maspossoassegurar-lhequeacontece.-Estámedizendoqueacontececomfrequência?-Demodoalgum.Aconteceraramente.-Bem,entaocorrereiorisco.Equantoaocoraçaodeplastico?Tambemcontemum

marcapasso?- Naturalmente, Senador. Mas a estrutura quımica de um cibercoraçao ibroso e

muito aproximada da do tecido humano. Responde aos controles ionico e hormonal doproprio corpo. O complexo total que deve ser inserido e muito mais simples do quecibermetálico.

-Masocoraçãodeplásticonuncasedesligouderepentedocontrolehormonal?-Nuncaseregistrouumcasodestes.- Porque voces nao tem estado trabalhando com eles por bastante tempo. Nao e

verdade?Ocirurgiãohesitou.-Éverdadequecíberfibrososnãotêmsidotãousadoscomoosmetálicos.-Aıesta.Masoqueequeha,doutor?Estacomreceioqueestejametransformando

numrobô...umMetallo,comosãochamados,desdequeacidadanialhesfoiconcedida?-NaohanadadeerradocomumMetallo,enquantoMetallo.Comoosenhordisse,sao

cidadaos. Mas acontece que o senhornão e umMetallo. E um ser humano. Por que naocontinuarhumano?

-Porqueeuqueroomelhoreomelhoréumcoraçãometálico.Providencieoresto.-Muitobem-disseocirurgiao,assentindo.-Serasolicitadoaassinaraspermissoes

necessáriaseemseguidaseráequipadocomumcoraçãodemetal.-Eosenhorseráocirurgiãoresponsável?Disseram-mequeéomelhor.-Fareioquepuderparafacilitarotransplante.Aportaseabriueacadeiralevouopacienteaoencontrodaenfermeira.Oengemedicoentrou,olhandoporsobreoombroparaopacientequeseretiravaate

queaportavoltouafechar-se.Voltou-separaocirurgião:-Bem,naopossodizeroqueaconteceuapenasolhandoparavoce.Qualfoiadecisao

dele?Ocirurgiãoinclinou-sesobreamesa,escrevendoosúltimositensdoseurelatório.-Oquevocêpredisse.Insistenumcibercoraçãometálico.-Afinaldecontas,sãoosmelhores.-Naotanto.Vemsendousadoshamuitotempo,soisso.Eumamaniaquecaiucomo

umapragasobreahumanidade,desdequeosMetallos tomaram-secidadaos.OshomensforamtomadospeloestranhodesejodesetransformarememMetallos.Anseiampelaforçafísicaepelaresistênciaassociadasaeles.

-Mastaldesejonaoeunilateral,doutor.VocenaotrabalhacomosMetallos,maseusim.Osúltimosdoisquemeapareceramparareparossolicitaramelementosfibrosos.

-Eosobtiveram?-Emumcaso, tratava-sede fornecer tendoesenao faziamuitadiferençase fosse

metalou ibra.Ooutrodesejavaumsistemasanguıneoouseuequivalente.Disse-lhequenao podia, isto e, nao sem uma completa reconstruçao da estrutura do seu corpo emmaterial ibroso... Suponho que chegaremos a isso algum dia. Metallos que nao seraorealmenteMetallos,inteiramente,mascompostosdecarneesangue.

-Evocênãoseincomodacomaideia?-Eporquedeveria?Equantoasereshumanosmetalizadostambem?Temosagora

duasvariedadesdeinteligencianaTerra,eporquemepreocuparcomasduas?Deixemosqueseaproximemumadaoutrae,eventualmente,naosaberemosdizerqualadiferença.Oque deverıamos desejar? Temos o melhor de dois mundos: as vantagens do homem,combinadascomasdorobô.

- Tudo o que vai conseguir e um hıbrido - disse o cirurgiao num tom que seaproximavadaviolencia.-Obteraalgoquenaoseraambos,masnemumnemoutro.Naoelogicosupor-sequeumindivıduoseorgulhetantodasuaestruturaedasuaidentidadequenaopossaviradesejarqueelassediluamemalgumacoisaestranha?Seraqueelequer ahibridização?

-Istoéconversadesegregacionista.-Entao,queseja-eocirurgiao-acrescentoucomenfase,poremcalmo.-Acreditoem

seroquesee.Naotrocariaumaparcelasequerdaminhapropriaestrutura,pornenhumarazao.Sealgoemmimexigisse,realmente,substituiçao,fariacomquetalserealizassedomodomaisaproximadopossıveldaminhanaturezaoriginal.Eusoueumesmo.Contentede

sercomosou.Edemodoalgumseriadiferente.Agorahaviaterminado, inalmente,etinhaqueseprepararparaaoperaçao.Colocou

asmaosfortesdentrodofornoedeixouqueatingissemobrilhorubroqueasesterilizariacompletamente.Comtodasassuaspalavrasapaixonadas,asuavoznuncaseelevouenoseurostodemetalbrunidonuncahouve(comosempre)omenorsinaldeexpressão.

12- ROBBIE

–Noventaeoito,noventaenove,cem!Gloriaretirouobracinhogorduchodesobreosolhose icouimovelporuminstante,

franzindoonarizepiscandocontraaluzdosol.Entao,tentandoobservaraomesmotempoemtodasasdireçoes,recuoualgunspassos,afastando-secautelosamentedaarvoreemqueestiverarecostada.

Esticouopescoçoparaestudaraspossibilidadesdeumgrupodearbustosadireitaedepoisrecuouaindamais,a imdeobterummelhorangulodevisaosobreorecessoescuroda folhagem. O silencio era profundo, exceto pelo incessante zumbir dos insetos e pelotrinadoocasionaldealgumpássarobastantevalenteparaenfrentarosoldemeio-dia.

Glóriafezumacaretadeaborrecimento.–Apostoqueeleentrouemcasa,eeujalhedisseummilhaodevezesqueissonao

vale.Com os labios fortemente apertados e a testa franzida numa expressao severa, a

menina se encaminhou resoluta-mentepara a casadedoispavimentos situada alemdaalameda.

Tardedemais,ouviuobarulhode folhasatrasdesi, logoseguidopeloclum-clumpcaracterısticoeritmadodospesmetalicosdeRobbie.Girounoscalcanharesatempodeverseucompanheirotriunfanteemergirdoesconderijoecorreratodavelocidadeparaaarvorequeserviadepique.

Gloriagritou,consternada:–Espere,Robbie!Assimnãovale,Robbie!Vocêprometeunãocorreratéeuencontrá-lo!Seus pezinhos nao conseguiam ganhar terreno sobre os passos gigantescos de Robbie.Entao,atresmetrosdaarvore,oandardeRobbietransformou-seemmeroarrastardepes,eGloria,numultimoedesesperadoimpulsodevelocidade,passouofeganteporeleetocouacascadotroncoqueserviadepique.Radiante,ameninavoltou-separaofielRobbiee,coma maior das ingratidoes, recompensou-o pelo sacrifıcio: zombou cruelmente de suaincapacidadeparacorrer.

–Robbienaosabecorrer!–gritou,comtodaaforçadeseuspulmoesdeoitoanos.–Possoganharsempredele!Possoganharsempredele!

Cantavaasfrasesritmicamente,emtomagudo.Naturalmente,Robbienaorespondeu–pelomenos,naocompalavras.Emlugardisso, ingiuqueestavacorrendo,afastando-selentamente,atequeGloriacomeçouacorreratrasdele,enquantooroboesquivava-senoultimoinstante,obrigando-aadescrevercırculos,inutilmente,comosbracinhosesticadosabanandonoar.

–Robbie!–gritavaela.–Fiquequieto!Eseurisosaıaemimpulsosofegantes.A inal,elegirounoscalcanhareseagarrouamenina,fazendo-arodar.Gloriaviuomundodecabeçaparabaixo, sobreum fundoazulado, comas arvoresverdesparecendoquereralcançaroabismo.Emseguida,sentou-senovamentenagrama,apoiadaapernametalicadeRobbieeaindasegurandoumdurodedodemetal.

Depois de algum tempo, recobrou o folego. Mexeu inutilmente no cabelodesgrenhado,imitandovagamenteumgestodesuamae,econtorceu-se,a imdeveri icarseovestidoestavarasgado.DeuumapalmadanascostasdeRobbie.–Meninomau!Vai apanhar! - Robbie encolheu-se, escondendo o rosto comasmaos, demodoqueelaseviuforçadaaacrescentar:–Nao,Robbie.Naovoubateremvoce.Mas,dequalquer maneira, agora e a vez de eu me esconder, porque voce tem pernas maiscompridaseprometeunãocorrerparaopiqueatéeuencontrá-la.Robbie assentiu com a cabeça, - um pequeno paralelepıpedo de arestas e cantosarredondados,ligadoporumahastecurtae lexıvelaoutroparalelepıpedosemelhante,masmuitomaior,quelheserviadetorso–evirou-seobedientementeparaaarvore.Urna inapelıcula metalica recobriu-lhe os olhos e do interior de seu corpo veio um tique-taqueritmado.esonoro.

– Agora, nao espie... e nao pule os numeros – avisou Gloria, antes de correr paraesconder-se. Os segundos foram contados com regularidade invariavel e, ao centesimotique,apelículametálicaseergueu.

OsbrilhantesolhosvermelhosdeRobbieexaminaramasredondezas.Pousaramummomentosobreumamanchacoloridaatrasdeumapedra.Robbieavançoualgunspassos,convencendo-sedequeGloriaestavaagachadaatrásdapedra.

Vagarosamente, mantendo-se sempre entre Gloria e a arvore do pique, ele seencaminhouparaoesconderijo.QuandoGloriaestavabemavistaenemmesmopoderiaimaginarqueaindanaoforadescoberta,Robbieesticouumbraçoemdireçaoaelaebateucomooutrodeencontroàperna,produzindoumruídometálico.Gloriaseergueu,amuada.

–Voceespiou!–declarou,comtremendainjustiça.–Alemdisso,jaestoucansada.debrincardeesconder.Queroandaracavalo.

Porem Robbie, magoado com a injusta acusaçao, sentou-se cuidadosamente emeneouacabeçadeum ladoparaoutro. Imediatamente,Gloriamudoude tom, tentandoconvencê-logentilmente:

–Vamos,Robbie.Euestavabrincandoquandodissequevoceespiou.Deixe-medarumavoltinhaemvocê.

Todavia, Robbie nao estavadisposto a se deixar levar com tanta facilidade.Olhouteimosamenteparaoaltoesacudiuacabeçacomênfaseaindamaior.

–Porfavor,Robbie.Porfavor,deixe-medarumavoltinhaemvoce–insistiuGloria,passandoosbracinhosrosadospelopescoçodeleeapertandocomforça.Entao,mudandorepentinamentedehumor,afastou-se.

–Sevocenaodeixar,vouchorar–declarou,contorcendoterrivelmenteorostonummovimentopreparatorio.OmalvadoRobbienaodeumaioratençaoahorrıvelpossibilidadeesacudiuacabeçapelaterceiravez.Gloriajulgounecessáriousarseumaiortrunfo.

–Esta bem–declarouem tomsuave. – Se voce naodeixar, nao lhe contareimaishistórias.Maisnenhuma...

Robbie cedeu imediata e incondicionalmente ante tal ultimato, balançandoa irmativamente a cabeça ate que o metal de seu pescoço chegou a zunir. Com grandecuidado,ergueuameninaecolocou-asobreseusombroslargoselisos.

As supostas lagrimas de Gloria desapareceram como por encanto e ela soltougritinhosdeprazer.ApelemetalicadeRobbie,mantidaatemperaturaconstantedevintee

umgrauspelasbobinasdealtaresistenciaexistentesemseuinterior,produzianameninaumasensaçaoconfortavel,aomesmotempoemqueosomaltoqueseussaltosfaziamdeencontroaopeitodorobôlhepareciaencantador.–Vocêéumplanador,Robbie;umplanadorgrandeeprateado.Abraosbraços,Robbie...Temdeabrir,paraserumplanador.Eraumalogicairrefutavel.OsbraçosdeRobbiepassaramaserasaspegandoascorrentesaéreaseelesetransformounumplanadorprateado.Gloria torceu a cabeça do robo para a direita. Ele se inclinou, fazendo uma curva. Gloriaequipouoplanadorcomummotorquefazia“Brrrr”edepoiscomarmasquefaziam“Bum!”e“Shsh-shhhsh”.Ospiratasestavamperseguindoeosatiradoresdoplanadorentraramemação.Ospiratasforamvarridosdocéu.

– Peguei outro! ... Mais dois! – exclamava a menina. Entao, ela ordenoupomposamente:–Maisdepressa,homens!Amuniçãoestáacabando!

GloriaapontavaporcimadoombrocomcoragemindomaveleRobbiepassouaseruma nave espacial, atravessando o vacuo em aceleraçao maxima. Ele correu atraves docampoateumtrechodegramaaltasituadonoladooposto,ondeparoutaosubitamentequea passageira nao conteve um grito. Entao, Robbie deixou-a cair suavemente no espessotapeteverdeformadopelagrama.Gloriaofegava,semfôlego,murmurandorepetidamente:

–Foiótimo!Robbieesperouqueelarecuperasseofôlegoepuxoulevementeumdeseuscachos.–Queralgumacoisa?– indagouGloria,abrindomuitoosolhosnumaexpressaode

perplexidade que nao conseguiu iludir a enorme “ama-seca”. Robbie puxou-lhe o cabelocomumpoucomaisdeforça.

–Oh,jásei.Querumahistória.Robbieassentiurapidamente.–Qualdelas?Robbieergueuumdedo,descrevendoumsemicírculo.Ameninaprotestou.–Outravez?Jalheconteia“GataBorralheira”ummilhaodevezes!Naoestacansado

dela?...Éumahistóriaparabebês.Outrosemicírculo.–Oh,estábem.Gloria concentrou-se, passando mentalmente em revista os detalhes da historia

(bemcomoasvariaçõescriadasporelaprópria,queeramnumerosas),ecomeçou:–Estapronto?Bem...EraumavezumameninamuitolindachamadaElla.Tinhauma

madrastaterrivelmentemalvadaeduasirmãsdecriaçãomuitofeiasecruéis.Então...Gloriaestavachegandoaoclımaxdahistoria : chegavaameia-noitee tudoestava

voltando ao sordido original. Robbie escutava atentamente, com os olhos brilhando...quandohouveumainterrupção.

–Gloria!Eraobradoagudodeumamulherqueestiverachamandonaouma,masvariasvezes;

tinhaotomnervosodealguémcujaimpaciênciajásetransformavaempreocupação.–Mamae esta chamando – disse Gloria, naomuito satisfeita. – Emelhor voceme

carregardevoltaparacasa,Robbie.Robbieobedeceualegremente,poishaviaalgoneleque julgavamelhorobedecer a

Sra.Westonsemamenorhesitaçao.OpaideGloriararamenteestavaemcasaduranteodia,excetoaosdomingos–comoagora,porexemplo–,e,quandoissoacontecia,mostrava-se

umapessoajovialecompreensiva.AmaedeGloria,porem,eraumafontedeinquietaçaoparaRobbie,quesempresentiaumimpulsoparaesquivar-sedasvistasdela.

ASra.Westonavistou-ostaologoelessurgiramacimadoscompridostufosdegramaeretirou-separaointeriordacasa,afimdeesperá-los.

–Fiqueiroucadetantochamar,Gloria–disse,emtomsevero.–Ondeestava?– Estava com Robbie – respondeu a menina, com voz tremula. – Contava-lhe a

históriada“GataBorralheira”eesqueciahoradoalmoço.–Bem,eumapenaqueRobbietambemtenhaesquecido–comentouaSra.Weston.

Então,comoseapercebendodapresençadorobô,virou-sebruscamenteparaele.–Podeir,Robbie.Elanãoprecisadevocêagora.–Eacrescentouemtombrutal:–Enãovolteatéqueeuochame.Robbiegirounoscalcanharespararetirar-se,mashesitouquandoavozdeGloriase

ergueuemsuadefesa:–Espere,mamae.VocetemdedeixarRobbie icar.Naotermineiahistoriada“Gata

Borralheira”paraele.Prometicontartodaenãoacabei.–Gloria!–Mamae,prometoqueele icara taoquietoquea senhoranemperceberaqueele

estaaqui.Elepodesentarnaquelacadeira,alinocanto,semdizerumapalavra.Istoe,semfazernada.Nãoé,Robbie?

Robbie,emresposta,assentiucomacabeça,balançando-aumavez.–Gloria,sevocênãopararimediatamentecomisso,ficaráumasemanainteira

semverRobbie!Ameninabaixouacabeça.– Esta bem! Mas a “Gata Borralheira” e a historia preferida de Robbie e eu nao

termineidecontar...Eelegostatanto...OrobôsaiucomumandardesconsoladoeGloriaengoliuumsoluço.GeorgeWestonsentia-secompletamentefelizesatisfeito.Tinhaohabitode icara

vontadenastardesdedomingo.Umlautoegostosoalmoçonabarriga;umsofávelho,macioe confortavel onde deitar; um exemplar do Times; chinelos nos pes e peito nu – comoalguémpodiadeixardeficaràvontade?

Portanto,nao icoucontentequandosuamulherentrou.Aposdezanosdevidadecasado,aindaera inominavelmentetolodecontinuaraama-laenaohaviaduvidadequesempre gostava de ve-la – mas, apesar de tudo, as tardes de domingo, logo depois doalmoço, eram sagradas para ele e sua ideia de um solido conforto era ser deixado emcompletasolidãoduranteduasoutrêshoras.

Em consequencia, ixou irmemente os olhos no mais recente relatorio sobre aExpediçao Lefebre - Yoshida a Marte (que deveria decolar da Base Lunar e tinhapossibilidadesderealmentealcançarêxito)eignorouapresençadaesposa.

ASra.Westonesperoupacientementedurantedoisminutoseimpacientementepormaisdois.Afinal,quebrouosilêncio.

–George!–Hum?–George,eudisse!Querlargaressejornaleolharparamim?–OjornalcaiuaochãoeWestonvirouorostocansadoparafitaramulher.–Oqueé,querida?

–Vocêsabeoqueé,George.Trata-sedeGloriaedaquelamáquinaterrível.–Quemáquinaterrível?–Ora,nao injaquenaosabedequeestoufalando.EaqueleroboqueGloriachamade

Robbie.Elenãoadeixaporumsóinstante.– Bem, por que haveria de deixar? Nao deve deixa-la. E certamente, nao e uma

maquinaterrıvel.Eomelhorroboquesepodecomprarepodeterabsolutacertezadequemecustoumeioanodeordenado.Valeuapena,porém;eleémuitomaisinteligentedoqueametadedemeusempregadosdoescritorio.Fezmençaodepegarnovamenteojornal,massuaesposafoimaisrápida,apanhando-oprimeiro.– Escute, George. Nao admito queminha ilha seja entregue a umamaquina... e naomeinteressa o quanto ela seja inteligente. Nao tem alma. Ninguem sabe o que pode estarpensando.Umacriançanãofoifeitaparaserguardadaporumobjetodemetal.Westonfranziuatesta.

–Desdequandovocedecidiuisso?HadoisanosqueeleestacomGloriaesoagoravocêsepreocupa.

–No inıcio, eradiferente.Umanovidade; tirava-meumacargadosombrose... eraumacoisaelegante.Masagora,nãosei...Osvizinhos...

–Ora,oquetemosvizinhosavercomoassunto?Ouça:pode-seterin initamentemais con iança emum robo do que emuma ama-seca humana.Na realidade, Robbie foiconstruıdoexclusivamentecomuma inalidade: fazercompanhiaaumacriançapequena.Todaasua“mentalidade”foicriadacomesseunicoobjetivo.Elenaopodedeixardeser iel,carinhoso e bom. E umamaquina – feita assim. O que e bemmais do que pode dizer arespeitodossereshumanos.

–Maspoderiaaconteceralgoerrado.Algum...algum...–aSra.Westoneraumtantoignorantearespeitodosorgaosinternosdeumrobo–...algumapecinhapoderasoltar-seeaquelacoisahorrıvel icarmalucae...e...Interrompeu-se,naoconseguindodizeremvozaltaumpensamentotãoóbvio.

– Tolice – negouWeston, com um involuntario estremecimento nervoso. – Isso ecompletamenteridıculo.NaepocaemquecompramosRobbie,tivemosumalongaconversasobreaPrimeiraLeidaRobotica.Vocesabequeeimpossıvelparaumrobofazermalaumserhumano;quemuitoantesdeacontecerobastanteparaalteraraPrimeiraLei,orobosetornaria completamente inoperante. Trata-se de uma impossibilidadematematica. Alemdisso, eu chamoum engenheiro daU.S. Robos duas vezes por ano e ele faz uma revisaocompletanopobreaparelho.Ora,naohamaiorpossibilidadedeaconteceralgoerradocomRobbie do que eu ou voce icarmos birutas de uma hora para outra. Na verdade, asprobabilidadessaoconsideravelmentemenores.Alemdisso,comoequevocevaitira-ladeGloria?

Fez um novo gesto inutil para apoderar-se do jornal, mas a mulher atirouraivosamenteoTimesparaaoutrasala.

–Ejustamenteisso,George!Elanaobrincacommaisninguem.Haduziasdemeninosemeninascomquempoderia fazeramizade,maselaserecusa.Nemmesmochegapertodeles,amenosqueeuaobrigue.Umameninanaodevecrescerassim.Vocequerqueelasejanormal,nãoquer?Querqueelasejacapazderepresentarseupapelnasociedade.

–Voce esta commedode fantasmas,Grace. FinjaqueRobbie e umcachorro. Ja vi

centenasdecriançasquegostammaisdocachorrodoquedoprópriopai.– Um cachorro e diferente, George. Precisamos livrar-nos daquela coisa horrıvel!

Vocêpodevendê-ladevoltaàcompanhia.Jáindagueiarespeitoeseiquepode.–Indagou?Ora,escuteaqui,Grace,naovamosbancaridiotas.Ficaremoscomorobo

ateGloriacrescerumpoucomaisenaoqueroquesevolteatocarnoassunto.Esaiudasala,amuado.Duasnoitesmaistarde,aSra.Westonfoireceberomaridoàporta.

–Vocêprecisaescutar-me,George.Háinquietaçãonavizinhança.–Arespeitodeque?–perguntouWeston,entrandonobanheiroeimpedindotodae

qualquerrespostacomobarulhodaágua.ASra.Westonesperou.Afinal,disse:–ArespeitodeRobbie.Westonsaiudobanheirocomumatoalha,orostovermelhoezangado.–Dequeestáfalando?–Oh,acoisavemcrescendocadavezmais.Procureifecharosolhose ingirquenao

via,masrecuso-meacontinuarassim.AmaioriadosmoradoresdaaldeiaconsideraRobbieperigoso.Nãopermitemqueascriançascheguempertodenossacasaànoite.

–Nósconfiamosnossafilhaaele.–Bem,aspessoasnãosãorazoáveisarespeitodecoisascomoessa.–Quevãoparaodiabo!–Dizerissonaoresolveoproblema.Souobrigadaafazerminhascomprasnaaldeia.

Souobrigadaaencontra-lostodososdias.Atualmente,oassuntoderobosepioraindanascidades grandes. Nova York acaba de baixar uma portaria proibindo todos os robos deaparecernasruasentreoanoitecereoamanhecer.

–Muitobem.Masnaopodemimpedirquemantenhamosumroboemnossacasa...Grace, isto e mais uma de suas campanhas. Estou reconhecendo os indıcios. Mas naoadianta.Arespostaaindaé:não!VamosficarcomRobbie!

Apesardisso, ele ainda amavaa esposa– e, oque erapior, ela sabiadisso.A inal,GeorgeWestoneraapenasumhomem–coitado–esuamulherutilizouaomaximotodososartifıcios a seu alcance para tentar dobra-la, mas inutilmente. Dez vezes na semanaseguinte,Westongritou:

–Robbiefica–enãoadiantainsistir!Mas,decadavez,ogritoeramaisfracoeacompanhadoporumgemidomaisaltoe

mais agoniado. A inal, chegou o dia em que Weston, com um sentimento de culpa,aproximou-sedafilhaesugeriuumbeloespetáculodevisovoxnaaldeia.

Gloriabateupalmas,radiante.–Robbiepodeirconosco?– Nao, querida – respondeu o pai, franzindomentalmente a testa ao som de sua

propriavoz.–Naopermitemquerobosvisitemovisovox...MaspodecontartudoaRobbie,quandovoltarmosparacasa.

Gaguejouadizeraúltimafraseevirouorostoparaolado.Gloriavoltoudaaldeiatransbordandodeentusiasmo,poisovisovoxfôrarealmente

umespetáculomaravilhoso.Esperouqueseupaiguardasseocarro-jatonagaragemsubterrânea.

–VejasóquandoeucontartudoaRobbie,papai.Eleadorariaoespetáculo...EspecialmentequandoFrancisFranestavarecuandocomtantocuidado,esbarrounumdos

Homens-Leopardoetevedefugir...Riunovamente.–Papai,existemmesmoHomens-LeopardonaLua?– Provavelmente nao – replicou Weston, distraıdo. – E apenas uma invençao

divertida.Sabiaquenaopoderiademorarmuitotempocomocarro.Seriaobrigadoeenfrentar

arealidade.Gloriaatravessouogramadocorrendo.–Robbie!...Robbie!Entao, estacou ao ver um lindo collie que a itava com serios olhos castanhos e

abanavaacauda,paradonavaranda.–Oh,quecachorrobonito!–exclamouGloria, subindoosdegraus, aproximandose

cautelosamenteeafagandoocão.–Éparamim,papai?ASra.Westonjuntou-seaeles.–É,sim,Gloria.Ébonito...macioepeludo.Émuitomanso.Egostademeninas.–Elesabebrincar?–Claro.Sabefazerumaporçãodetruques.Gostariadeveralgum?–Agoramesmo.QueroqueRobbieveja,tambem...Robbie!Parou,hesitante,efranziu

atesta.– Aposto que ele se trancou no quarto porque icou zangado por nao ter ido comigo aovisovox. Voce precisa explicar a ele, papai. Talvez Robbie nao acredite em mim, masacreditaránoqueosenhordisser.Westonapertouoslabios.Olhouparaaesposa,masestatinhaosolhosvoltadosemoutradireção.Gloriavirou-seprecipitadamenteedesceucorrendoosdegrausdoporão,gritando:

–Robbie!...Venhaveroquepapai emamae trouxeramparamim!Eumcachorro!Regressouumminutodepois,amedrontada.–Mamae,Robbienaoestanoquarto.Ondeestaele?

Nao houve resposta e George Weston tossiu, mostrando-se subitamente muitointeressado em uma nuvem que passava no ceu. A voz de Gloria tremia, a beira daslágrimas:

–Onde estaRobbie,mamae?A Sra.Weston sentou-se epuxou suavemente a ilhaparasi.

–Nãofiquetriste,Gloria.CreioqueRobbiesefoi.–Foiembora?Paraonde?Paraondeelefoi,mamãe?–Ninguemsabe,querida.Eleapenasfoiembora.Procuramos,procuramosporelee

nãoconseguimosencontrá-lo.–Querdizerqueelenuncamaisvoltara?Osolhosdameninaestavamarregaladosde

horror.– Talvez o encontremos logo. Vamos continuar a procura-lo. Enquanto isso, voce

podebrincarcomoseulindocachorronovo.Olheparaele!Chama-se“Relâmpago”esabe...MasaslágrimastransbordavamdosolhosdeGloria.– Nao quero esse cachorro horrıvel... Quero Robbie. Quero que voces encontrem

Robbieparamim.Suatristezatornou-semaiordoqueaspalavraseelaprorrompeunumchoroaltoesentido.

ASra.Westonolhouparaomarido,procurandoajuda,maselese limitavaamexer

distraıdamenteospesnomesmolugar,semtiraroolharardentedanuvemquepassavanocéu.Amulhercurvou-se,natarefadeconsolarafilha.

– Por que esta chorando, Gloria? Robbie era apenas umamaquina... umamaquinavelhaefeia.Elenemeravivo.

– Ele nao era nenhuma maquina! – gritou Gloria ferozmente, esquecendo-se dagramatica. –Ele erauma “pessoa”, comoeue voce e erameu “amigo”.QueroRobbiedevolta.Oh,mamãe,queroRobbiedevolta!

Amãegemeu,considerando-sederrotada,edeixouGloriaentregueàprópriador.– Deixe-a chorar a vontade – disse omarido. – As tristezas infantis nunca duram

muito.Dentrodealgunsdias,elaesqueceráqueaquelehorrívelrobôchegouaexistir.MasotempoprovouqueasprevisoesdaSra.Westonerampordemaisotimistas.E

bem verdade que Gloria parou de chorar,mas tambem deixou de sorrir. A cada dia quepassava, tornava-semais calada e sombria. Gradativa-mente, aquela atitude de passivainfelicidade foi vencendo a resistencia da Sra.Weston e a unica coisa que a impedia devoltaratráseraaimpossibilidadedeadmitiraderrotaperanteomarido.

Certanoite,aSra.Westonirrompeunasaladeestar,sentou-seecruzouosbraços,parecendoferverderaiva.Omaridoesticouopescoço,afimdeolhá-laporcimadojornal.

–Oqueéagora,Grace?–Eamenina,George.Fuiobrigadaadevolverocachorro,hoje.Gloriadeclarouque

positivamente nao suportava ve-lo. Ela esta me levando a um colapso nervoso.Westonlargouojornal,comumbrilhoesperançosonoolhar.

–Talvez...talvezdevamostrazerRobbiedevolta.Épossível,comovocêsabe.Entrareiemcontatocom...

– Nao! – interrompeu a mulher, furiosa. – Nao admito. Nao vamos ceder taofacilmente.Minhafilhanãoserácriadaporumrobô,mesmoqueleveanosparaesquecê-lo.

Comardesapontado,Westontornouapegarojornal.–Maisumanoassimeficareidecabelosbrancosantesdotempo.–Voceajudamuito,George–foiagelidaresposta.–OqueGlorianecessitaedeuma

mudança de ambiente. E claro que aqui ela nao podera esquecer Robbie. Como seriapossıvel, quando cada pedra ou arvore faz com que ela se lembre dele? E realmente asituaçaomais idiotadeque ja ouvi falar. Imagine: umameninade inhandopor causadaperdadeumrobô.

– Bem, nao se desvie do assunto. Qual a mudança de ambiente que voce andaplanejando?

–Vamoslevá-laparaNovaYork.– Para a cidade?! Em agosto?! Escute: sabe como e Nova York em agosto? E

insuportável!–Milhõesdepessoasasuportam.– Nao tem um lugar como este onde possam morar. Se nao fossem obrigados a

permaneceremNovaYork,nãoficariamlá.–Bem,nostemosde icarla.Edigo-lhequepartiremosagora,outaologopossamos

tomar as providencias necessarias. Na cidade, Gloria encontrara bastante interesse eamigosparareanimar-seeesqueceraquelamáquina.

–Oh,Deus!–gemeuapartemaisfracadocasal.–Aquelecalçamentofumegante!–Somosobrigados–foiarespostainabalavel.–Gloriaperdeudoisquilosemeiono

últimomêse,paramim,asaúdedeminhafilhinhaémaisimportantedoqueoseuconforto.–Eumapenaquevocenaotenhapensadonasaudedesua ilhinhaantesdepriva-la

deseurobôdeestimação.

Gloriademonstrouimediatossinaisdemelhoraaoserinformadadafuturamudançapara a cidade. Falava pouco no assunto, mas quando o fazia era sempre com vivaexpectativa.Voltouasorrireacomercomumapetitequeseaproximavadoantigo.

ASra.Westonfelicitava-se,deliciada,enaoperdiaoportunidadeparagozarotriunfoperanteomarido,quecontinuavaasemostrarcético.

–Veja,George:elaestaajudandoaarrumarabagagemetagarelacomosenaotivesseamenorpreocupaçaonestemundo.Eexatamenteoqueeulhedisse:tudooqueprecisamoséalgoquesirvadesubstitutoparaosoutrosinteresses.

–Hum...–foiarespostapessimista.–Esperoquesim.Os preparativos preliminares foram terminados rapidamente. Tornaram-se

providenciasparaprepararacasanacidadeecontrataramumcasalparatomarcontadacasanocampo.

Quando,a inal,chegouodiadaviagem,Gloriavoltaraaoqueeraantesenao fezamenormençãoarespeitodeRobbie.

Emotimohumor,a famılia tomouumtaxi-giroateoaeroporto(Westonprefeririausar seu proprio giro, mas este tinha apenas dois lugares e nao havia espaço para abagagem)eembarcounograndeavião.–Venha,Gloria–disseaSra.Weston.–Reservei-lheumlugarpertodajanela,demodoquevocêpossaapreciaropanorama.Gloriacorreualegrementepelocorredorcentrale foiachataronariznumovalbrancodeencontroaovidrogrossoetransparentedajanela,observandotudocomumaintensidadeque aumentou quando o barulho do motor chegou ao interior do aparelho. Era jovemdemaispara termedoquandoosolopareceucair, comose largadoporumalçapaoe,derepente, ela sentiu-se como se tivesse duas vezes o seu proprio peso; mas tinha idadesu iciente para icar vivamente interessada no que se passava. Somente quando o solopareceutransformar-seemumalongınquacolchadepequenosretalhos,Gloriadescolouonarizdajanelaevirou-separaamãe.

–Chegaremoslogoacidade,mamae?–perguntouela,esfregandoonarizfriocomapalmadamãoeobservandocominteresseenquantoamanchadecondensaçãoformadaporseuhálitonavidraçadiminuíalentamentedetamanho,atédesaparecertotalmente.

– Em cerca de meia hora, querida. Entao, com um leve traço de ansiedade,acrescentou:–Voceestacontenteporir,naoesta?Naoachaqueserafeliznacidade,comtodos aqueles predios, gente e coisas para ver? Iremos todos os dias ao visovox ver osespetáculos,etambémaocirco,àpraiae...

–Sim,mamãe–foiarespostapoucoentusiásticadeGloria.Naquele instante,oaviaopassouporsobreumbancodenuvenseGloriasentiu-se

imediatamente absorvidapelo incomumespetaculo de ver as nuvens embaixode si. Emseguida,viram-senovamenteemceuaberto,muitoazul,eameninavoltou-senovamente

paraamãe,comumsúbitoemisteriosoardequeconheceumsegredo.–Seiporqueestamosindoparaacidade,mamãe.–Sabe?–indagouaSra.Weston,intrigada.–Porquê?–Vocesnaomedisseramporquequeriamfazerumasurpresa,maseusei.-Porum

instante,perdeu-senaadmiraçãodesuaprópriaperspicácia.Então,riualegremente.–VamosaNovaYorkparaacharmosRobbie,nãoé?...comdetetives.AspalavrasdameninaapanharamGeorgeWestonemmeioaumgoledeagua,com

resultados desastrosos. Houve uma especie de engasgo estrangulado, seguido por umgeiserdeaguaelogodepoisporumaseriedetossidosas ixiados.Quandotudoterminou,elesemantevedepé,encharcado,comorostovermelho,muitoaborrecido.

ASra.Westonmanteveacompostura,masquandoGloriarepetiuaperguntaemtommaisansioso,elaverificouqueseuhumorfôraumtantoabalado.

– Talvez – replicou bruscamente. – Agora, sente-se e ique aquieta, pelo amor deDeus!

NovaYork,noanode1998,era,maisdoquenuncaemsuahistoria,umverdadeiroparaıso para os turistas. Os pais de Gloria logo se deram conta do fato e procuraramaproveitá-loaomáximo.

Emvirtudedeordensexpressasdaesposa,GeorgeWestontomouprovidenciaparaqueseusnegocioscorressembemsemsuapresençadurantemaisoumenosummes,a imdetertempolivreparaoqueelede iniucomo“dissiparGloriaateasraiasdaruına”.ComotudooqueWestonfazia,atarefafoicumpridademodoe iciente,completoepratico.Antesquesepassasseummes,nadaquepudesseserfeitodeixoudese-lo.GloriafoilevadaateotopodoRooseveltBuilding,comoitocentosmetrosdealtura,paraadmirarcomespantooestranhopanoramade telhados, que semisturavamadistancia comos camposde LongIsland e as planıcies de Nova Jersey. Visitaram os zoos, onde Gloria observou com umadeliciosasensaçaodemedoo“leaovivodeverdade”(emboraumtantodesapontadaporveri icarqueoszeladoresalimentavamaferacombifescrus,emlugardesereshumanos,comoelaesperava)epediuperemptóriaeinsistentementeparaverabaleia.

Osvariosmuseusreceberamsuadosedeatençao,bemcomoosparques,aspraiaseoaquário.

FoilevadarioHudsonacimaemumvapordeturismoaparelhadoamodaarcaicada“LoucaDecadadeVinte”.Fezumaviagemdeexibiçao aestratosfera,ondeoceuassumiauma profunda cor purpura, as estrelas pareciam maiores e brilhavam mais, e a terraenevoadalaembaixopareciaumaenormetigelaconcava.Foilevadanumsubmarinocomparedes de vidro as profundezas do Long Island Sound, onde, em meio a um mundoesverdeadoeondulante,belasecuriosascriaturasmarinhasvinham ita-lacomolhar ixoemortiçoantesdefugiremrepentinamentecommovimentossinuosos.

Em nıvel mais prosaico, a Sra. Weston levou a ilha as grandes lojas dedepartamentos,ondeameninapôdemaravilhar-seemoutrotipodeterraencantada.

Narealidade,depoisdedecorridoquaseummes,osWestonsestavamconvencidosdehaver feito tudooqueeraconcebıvelparaafastardeumavezpor todasdamentedeGloriaalembrançadorobôdesaparecido–masnãotinhamcertezadehaverconseguido.

O fato era que, onde quer que Gloria fosse, demonstrava o mais absorto econcentrado interesseporquaisquerrobosqueestivessempresentes.Pormaisexcitante

ou novo para seus olhos infantis que pudessem ser os espetaculos diante dela, Gloria,voltava-seimediatamenteparaoladoaoperceberderelanceummovimentometálico.

ASra.WestonfaziaopossívelparamanterGloriaafastadadetodososrobôs.Eocasochegouaoclımax,a inal,porocasiaodoepisodionoMuseudaCienciaeda

Industria. O museu anunciara um “programa infantil” especial, durante o qual seriamexibidas amostras da magia cientı ica, em escala especial para a mentalidade infantil.Obviamente,osWestonscolocaramoprogramaemsualistade“prioridade”.

EnquantoosWestonsestavamsentados,totalmenteabsortosnacontemplaçaodosfeitosdeumpoderosoeletroıma,aSra.WestonsubitamentepercebeuqueGlorianaomaisestavaaseulado.Opanicoinicialcedeulugaraumacalmadecisao.ASra.Westonconseguiuaajudadetrêsserventesdomuseuedeuinícioaumabuscaminuciosa.

Todavia, e claro que Gloria nao era do tipo que erra sem destino. Levando-se emconsideraçaosuaidade,eraumameninadesusadamentedecididaeobjetiva,dignaherdeiradamaenoqueserelacionacomessascaracterısticas.Aopassarpeloterceiroandar,viraumgrande cartaz anunciando: “Para Ver o Robo Falante, Siga por Aqui”. Tendo soletradosilenciosamente os dizeres e veri icando que seus pais nao pareciam querer seguir adireçao certa, tornou a providencia obvia: depois de esperar pela oportuna distraçaomomentâneadospais,afastou-secalmamenteeseguiuadireçãoindicadapeloletreiro.

Orobofalanteeraumtourdeforce,umaparelhototalmentedesprovidodeutilidadepratica,possuindoapenasvalorpublicitario.Umavezporhora,umgrupoescoltadoporumguia postava-se diante dele e sussurrava cuidadosamente uma serie de perguntas aoengenheiroespecializadoqueestavaencarregadodorobo.Asperguntasqueoengenheirojulgavaadequadasaoscircuitosdorobôeramtransmitidasporeleaorobôfalante.

Era um tanto desinteressante. Pode ser bom saber que o quadrado de quatorze ecento e noventa e seis, que a temperatura ambiente no momento e de setenta grausFahrenheiteapressaoatmosfericaede30,02polegadasdemercurio,queopesoatomicodosodioe23–masnaoerealmenteprecisoumroboparaisso.Especialmentequandosetratademassapesadaetotalmenteimovelde iosebobinas,ocupandoumespaçosuperioravintemetrosquadrados.

Poucas pessoas davam-se ao trabalho de voltar para ve-lo, mas uma adolescenteestava sentada tranquilamente em um banco, esperando pela terceira vez. Era a unicapessoanosalãoquandoGloriaalientrou.

Glorianaoolhouparaajovem.Naquelemomento,outroserhumanonaopassavadeumacoisaindignadeserlevadaemconsideraçao.Reservavatodaasuaatençaoparaaquelegrande aparelho sobre rodas. Hesitou por um instante, assustada. Nao parecia comqualquerrobôqueelativessevistoantes.Cautelosa,aindaemdúvida,ergueuavozfininha:

–Porfavor,Sr.Robô,osenhoréorobôfalante?Emboranaotivesseacerteza,parecia-lhequeumroboquefalavaeradignodeum

altograudedeferencia.(Ajovemsentadanobancopermitiuqueumaexpressaodeintensaconcentraçao surgisse em seu rosto magro, de feiçoes comuns. Tirou da bolsa umcaderninhodeanotaçõesecomeçouaescrevercomrápidossinaisdetaquigrafia).

Houveumzumbidodeengrenagensbemlubri icadaseumavozdetimbremecanicorespondeugravemente,compalavrasdesprovidasdesotaqueouentonação:

–Eu...sou...o...robô...que...fala.

Gloria itou-o tristemente. Ele falava,mas o som vinha do interior. Nao havia umrostocomoqualfalar.

–Osenhorpodemeajudar,Sr.Robô?–indagouela.O robo falante era feito para responder perguntas e so lhe haviam sido feitas

perguntasasquaiselepodiaresponder.Consequentemente,tinhagrandecon iançaemsuaprópriacapacidade.

–Eu...posso...ajudar...você.–Muitoobrigada,Sr.Robô.OsenhorviuRobbie?–Quem...é...Robbie?–Eleeumrobo,Sr.Robo–disseGloria,pondo-senapontadospes.–Eleequasetao

altoquantoosenhor,soquemaisalto,Sr.Robo,eemuitobonzinho.Eletemcabeça,sabe.Querodizer...osenhornãotem,maseletem,Sr.Robô.

Orobôfalanteficouparatrás.–Um...robô?–Simsenhor,umrobocomoosenhor,soqueelenaosabefalar, eclaro...eparece

umapessoadeverdade.–Um...robô...como...eu?–Sim,Sr.Robô.A unica resposta do robo falante foi um ruıdo de estatica, ocasionalmente

acompanhadoporalgumsomincoerente.Ageneralizaçaoradicalquelheforaapresentada,istoe,suaexistencia,naocomoumobjetounicoeespecial,mascomomembrodeumgrupogeral, forademaisparaele.Portando-se lealmente,procuraraabrangeronovoconceitoequeimara meia duzia de bobinas. Pequenos sinais de alarma começaram a zumbir. (Aadolescente retirou-se nesse momento. Ja colhera as informaçoes su icientes para seutrabalhodeFısica–sobre“AspectosPraticosdaRobotica”.Foioprimeirodentreosmuitostrabalhos elaborados por Susan Calvin sobre o assunto.) Gloria permaneceu a espera daresposta damaquina, ocultando cuidadosamente sua impaciencia. De repente, ouviu umgritoatrásdesi:

–Láestáela!Reconheceuavozdamãe.–Oqueesta fazendoaqui,menina feia?–exclamouaSra.Weston, cujaansiedade

dissolveu-seimediatamenteemimpaciencia.–Sabequequasematouseupaiesuamaedesusto?Porquefugiu?

O engenheiro entrara correndo, arrancando os cabelos de raiva, querendo saberquem,dentreogrupoquecomeçavaajuntar-senosalão,mexeranamáquina.

–Naosabemlerosavisos?!–berrava.–Naopodementraraquisemumguia!Gloriaergueuavozconsternada,dominandoobarulho:

–Sovimverorobofalante,mamae.PenseiqueeletalvezsoubesseondeestaRobbie,poisambossãorobôs.

Então,aolembrar-seoutravezdeRobbie,prorrompeunumacachoeiradelágrimas.– Preciso encontrar Robbie, mamae. Preciso.A Sra. Weston soltou um gemido

abafado.–Oh,meuDeus!Vamosparacasa,George.Istoémaisdoqueeupossosuportar.Naquelamesmatarde,GeorgeWestonausentou-sedurantevariashoras.Namanha

seguinte, aproximou-sedaesposacomumaexpressao suspeita,quepareciaocultarumaconfiantecomplacência.

–Tiveumaideia,Grace.–Sobreoquê?–foiarespostadesinteressada.–SobreGloria.–Vocênãovaisugerirquecompremosdevoltaaquelerobô!–Não.Éclaroquenão.–Entaodigalogo.Achomelhoreulhedarouvidos.Nadadoqueeu izpareceterdado

certo.–Muitobem.Eis o que tenhopensado: todooproblema comGloria e que ela pensa emRobbiecomoumapessoa,enaocomoumamaquina.Enaturalquenaoconsigaesquece-lo.Ora,seconseguirmosconvence-ladequeRobbienadamais edoqueummontedeaçoecobresobformadechapase ios,comaeletricidadelheservindode luidovital,porquantotempo perdurarao suas saudades? Trata-se de um ataque psicologico, se voce consegueentendermeupontodevista.–Comopretendeconseguirisso?

–Emuitosimples.Ondepensaquefuiontem?ConvenciRobertson,daU.S.RoboseHomensMecanicos S.A., a programar uma visita completa as instalaçoes da companhia,amanha.Nostresiremosjuntosequandoter-minarmosavisita,Gloriaestarapersuadidadequeumrobônãoéumservivo.

Os olhos da Sra. Weston abriram-se lentamente e neles surgiu um brilho muitosemelhanteaumasúbitaadmiração.

–Ora,George,eumaotimaideia.GeorgeWestonestufouopeito,forçandoosbotoesdocolete.

–Éoúnicotipodeideiasqueeutenho.OSr.Strutherseraumgerente-geralconscienciosoe,naturalmente, inclinadoaser

umtantotagarela.OplanocombinadoporGeorgeWestonresultou,portanto,emumavisitacompleta,detalhadamenteexplicada–talvezatédemais–atodosospontosdasinstalações.Todavia, a Sra.Westonnao icou entediada.Na verdade, fez comqueo ciceroneparassevariasvezesepediu-lhequerepetissesuasexplicaçoesemlinguagemmaissimples,a imde que Gloria pudesse entende-las. Sob a in luencia de tal apreciaçao de sua capacidadenarrativa,oSr.Struthersexpaniu-sejovialmenteetornou-seaindamaiscomunicativo,seequepossível.GeorgeWeston,porsuavez,demonstravacrescenteimpaciência.

– Perdao, Struthers – disse ele, interrompendo uma liçao a respeito de celulasfotoeletricas–vocesnaotemumaseçaodafabricaondesoeutilizadaamao-de-obradosrobôs?

– Hum? Oh, sim! Sim, naturalmente! – respondeu o gerente, sorrindo para a Sra.Weston. – Nao deixa de ser uma especie de cırculo vicioso: robos criando mais robos.Naturalmente, nao empregamos ometodo como uma pratica generalizada. Em primeirolugar,ossindicatosjamaispermitiriamqueofizéssemos.Maspodemosfabricarunspoucos robos utilizando exclusivamente a mao-de-obra dos robos, simplesmente comoumaespeciedeexperienciacientı ica.Comopodemver–ebateucomopinceneznapalmadamao, para reforçar o argumento – oqueos sindicatosnao compreendem, edigo isso

comoalguemquesempretevemuitasimpatiaparacomomovimentotrabalhistaemgeral,e que o advento do robo, embora implicando, de inıcio, em uma certa deslocaçao dotrabalho,seráinevitavelmente...

–Sim,Struthers–tornouainterromperGeorgeWeston–mas,falandodaseçaodafabrica a que voce se refere... podemos visita-la? Tenho certeza que seria muitointeressante.

–Oh,sim!Sim,naturalmente!–a irmouoSr.Struthers,recolocandoopincenezcomummovimentoconvulsivoepuxandoumpigarroembaraçado.–Sigam-me,porfavor.

Manteve-se relativamente calado, enquanto guiava os tres visitantes por umcompridocorredoredesceuum lancedeescadas.Entao,aoentraremnumenormesalaobemiluminado,quezumbiacomaatividademetalica,suascomportastornaramaabrir-seeojorrodeexplicaçõesvoltouabrotar.

–Eisaí!–exclamou,orgulhoso.–Somenterobôs!Cinco homens trabalham como supervisores e nem mesmo permanecem neste

recinto.Noperıododecincoanos,istoe,desdequeiniciamosesteprojeto–naohouveumúnicoacidente.Naturalmente,osrobôsmontadosaquisãorelativamentesimples,mas...

Hamuito tempoavozdogerente-geral tornara-seapenasummurmurioumtantotranquilizante aos ouvidos de Gloria. Na sua opiniao toda aquela visita parecia bastantedesinteressantee semmotivaçao, emborahouvessemui- tos robosnasdependenciasdafábrica.Entretanto,nenhumdelessepareciacomRobbieeelaosencaravacomindisfarçadodesprezo.

Naquelerecinto,porem,elanotouquenaohaviagente.Entao,seuolharincidiusobreum grupo de seis ou sete robos que trabalhavam afanosamente em torno de umamesaredonda situada quase no centro do salao. Seus olhos se esbugalharam, incredulos desurpresa.Osalaoeraenorme.Elanaopodiaverbem,masumdosrobossepareciacom...pareciacom...eraele!

–Robbie!O grito de Gloria rasgou o ar e um dos robos junto a mesa vacilou, largando a

ferramentaquesegurava.Gloriaquaseenlouqueceudealegria.Esgueirando-seporbaixodocorrimaodeproteçao,antesqueseuspaispudessemconte-la,elapulouagilmenteparaochão,umpoucoabaixo.

CorreuemdireçãoaRobbie,agitandoosbraços,comocabeloesvoaçando.Os tres adultos, horrorizados, icaram petri icados onde estavam, vendo o que a

menina excitada nao conseguia ver: enorme trator aproximava-se pesadamente pelocaminhoquelhefôratraçado.

Passou-se uma fraçao de segundo antes que Weston recobrasse a presença deespırito,masforamfraçoesdesegundoirrecuperaveis,poisagoraseriaimpossıvelalcançarGloria.

Embora Weston pulasse o corrimao numa tentativa desesperada, tratava-seobviamente de um esforço inutil. O Sr. Struthers fez sinais freneticos para que ossupervisoresdetivessemotratar;maseleseramapenashumanoselevavamalgumtempoparaagir.

ApenasRobbieagiuimediatamenteecomprecisão.Comaspernasmetalicasdevorandooespaçoqueoseparavadesuapequenadona,o

robo partiu da direçao aposta. Entao, tudo aconteceu a um so tempo. Com um amplomovimentodobraço,RobbieapanhouGloriasemdiminuiremumatimosuavelocidadee,consequentemente,deixando-acompletamentesemfolegodevidoapancada.Weston,semcompreender tudo o que se passava, sentiu, mais do que viu, Robbie passar por ele eestacousubitamente,confuso.OtratarcruzouatrajetoriadeGloriameiosegundodepoisqueRobbie, tendoavançadomais tresmetros,paroucomumruıdometalicodeseuspescontraochão.

Gloriarecobrouofolego,submetidaaumaseriedeabraçosfervorososporpartedospais, e voltou-se ansiosamente para Robbie. No que lhe dizia respeito, nada acontecera,excetoqueelaencontraraoamigo.

MasaexpressaodaSra.Westonalterou-sedealivioparaseverasuspeita.Virou-separa o marido e, a despeito de sua aparencia descabelada e um tanto descomposta,conseguiuparecerbastantecontrolada.

–Vocêengendroutudoisto,nãoé?GeorgeWeston enxugou a testa com um lenço. Sua mao tremia e seus labios so

conseguiamcurvar-senumsorrisofracoeextremamentepalido.ASra.Westonprosseguiuoraciocínio.

–Robbienaofoiprojetadoparatrabalharemconstruçaoouengenharia.Naopoderiaprestar-se a esse tipode serviço.Voce providencioudeliberadamenteparaque ele fossecolocadoaqui,afimdequeGloriaoencontras-se.Foivocêquemofez!

–Bem, fui eu– confessouWeston. –Mas,Grace, comopoderia eu adivinharque areuniaoseriataoviolenta.ERobbiesalvouavidadeGloria;vocetemdeadmitirisso.Naopodemandá-laemboraoutravez.

GraceWestonre letiu.Virando-separaGloriaeRobbie,observou-osdistraıdamenteporalgunsinstantes.Gloriaabraçavaopescoçodorobodeummodoqueteriaestranguladoqualquer criatura que nao fosse de metal e murmurava frases incoerentes num frenesihisterico.Osbraçosdeaço-cromodeRobbie(capazesdetransformarumabarradeaçocomduas polegadas de diametro em um parafuso) envolviam delicada e carinhosamente amenina;seusolhosbrilhavamcomumtomvermelhomuitoprofundo.

–Bem–disseaSra.Weston,a inal–creioqueelepode icarconoscoateenferrujar.SusanCalvinsacudiuosombros.

–Naturalmentequeelenao icou la ate enferrujar.O fato aconteceuem1998.Em2002,inventamosorobomovelfalanteque,obviamente,tornouobsoletostodososrobosmudosequepareceuseragotadeaguaemrelaçaoaoselementoscontrariosaosrobos.AmaiorpartedosgovernosdomundoproibiuousoderobosnaTerracomqualquerobjetivoquenãofosseapesquisacientífica.Asproibiçõesforampromulgadasentre2008e2007.

–Querdizerque,eventualmente,GloriafoiobrigadaadesistirdeRobbie?–Temoquesim.Imagino,porem,quefoimaisfacilparaelaaosquinzeanosdoque

aosoito.Aindaassim,foiumaatitudeestupidaedesnecessariaporpartedahumanidade.AU.S.Roboschegouaoseupontomaisbaixo,sobopontodevista inanceiro,justamentenaepocaemquevimtrabalharparaeles,em2007.Aprincıpio,chegueiapensarqueomeuemprego duraria poucos meses, mas, depois, tratamos simplesmente de desenvolver omercadoextraterrestre.

–Então,firmou-se,éclaro.

– Nao tanto. Começamos tentando adaptar os modelos que tınhamos a mao. Osprimeirosrobosfalantes,porexemplo.Tinhamcercadetresmetrosemeiodealtura,erammuitodesajeitadosenãoserviam.EnuviamosumaquantidadedelesparaMercúrio,afimdeauxiliarnaconstruçaodaestaçaomineiralainstalada,masoprojetofalhou.Erguiosolhos,comtotalsurpresa.

– Falhou? Mas as minas de mercurio sao um investimento de muitos bilhoes dedólares!

–Atualmente.Massomenteasegundatentativaobtevesucesso.Sequerinformar-searespeito,meujovem,sugiroqueprocureGregoryPowellEleeMichaelDonovancuidaramdenossoscasosmaisdifıceisnasdecadasdevinteetrinta.HaanosquenaotenhonotıciasdeDonovan,masPowellestamorandoaquimesmoemNovaYork.Ja eavo–umaideiaaqual edifıcilacostumar-se.Soconsigopensarnelecomoumhomemaindajovem.Eclaroqueeutambémeramaismoça.

Tenteifazercomqueelacontinuasseafalar.–Seasenhoramefornecerumesboçodosfatos,Dra.Calvin,podereipedirqueoSr.

Powellcompleteposteriormenteoquadro.(Efoiexatamenteoque izmaistarde.)Elaabriuasmãosmagrassobreamesaeolhouparaelas.

–Hádoisoutrêscasossobreosquaisseialgumacoisa–declarou.–ComeceporMercúrio–sugeri.–Bem,creioqueaSegundaExpediçaoaMercuriofoilançadaem2015.Tratava-sede

uma expediçao exploratoria, inanciada em parte pela U.S. Robos e em parte pela SolarMinerais.Consistiaemumnovotipoderobo,aindaexperimental.GregoryPowell,MichaelDonovan...

Alguns robôs humanóides

Na icçaocientı icanao erarohaverumroboconstruıdocomumasuperfıcie,pelo

menos, de carne sintetica, e uma aparencia, no melhor dos casos, indistinguıvel daaparenciadoserhumano.Asvezes,essesroboshumanoidessaochamados“androides”(deumtermogregoquesigni ica“comoohomem”)ealgunsescritoresfazemmeticulosamenteadistinção.Eunão.Paramim,umrobôéumrobô.

ApeçadeKarelCapek,R.U.R.,queintroduziuotermo“robo”nomundo,em1920,naoenvolviarobosnosentidomaisestritodapalavra.OsrobosmanufaturadospelaRossum”sUniversalRobots(aR.U.R.dotítulo)eramandróides.

Umadastreshistoriasnestaseçao,VamosnosUnir, eaunicahistoriadolivroondeos robos, na realidade, nao aparecem, eImagem Especular é uma continuaçao (de certamaneira)dosmeusromancessobrerobôsCaçaaosRobôseOsRobôs.

13- Vamos nos unir

Umaespeciedepaztinhaduradoumseculoeaspessoashaviamesquecidocomoera

tudo o mais. Di icilmente saberiam reagir se tivessem descoberto que uma especie deguerrahaviafinalmentechegado.

Certamente, Elias Lynn, Chefeda SecretariadeRobotica, nao sabia ao certo comodevia reagir quandoele próprio concluısse. A Secretaria de Robotica estava sediada emCheyenne, conforme a secular tendencia para a descentralizaçao, e Lynn encaravahesitantementeojovemfuncionáriodaSegurançaquetrouxeraasnotíciasdeWashington.

Elias Lynn era um homem corpulento, quase fascinantemente simples, com olhosazuis-claros um pouco salientes. Geralmente, os homens nao icavam a vontade sob afixidezdaquelesolhos,masofuncionáriodaSegurançapermaneciacalmo.

Lynnachouquesuaprimeirareaçaodeviaserdeincredulidade.Diabo!Era incrıvel!Elesimplesmentenãoacreditavanacoisa!

Lynnserecostouconfortavelmentenapoltronaeperguntou.-Ainformaçãoésegura?O funcionario da Segurança, que se apresentara como Ralph G. Breckenridge,

mostrando suas credenciais, tinha a suavidade da juventude; labios cheios, bochechasgordasquecoravamfacilmenteeolhosfrancos.SeutrajeestavaforadamodadeCheyenne,masseguiaoestiloarejadodeWashington,onde,apesardetudo,aSegurançaaindaestavacentralizada.

Breckenridgecorouedisse:-Nãohádúvida.- Seupessoal sabe tudosobreEles, suponho -disseLynn, incapazdeeliminarum

traço de sarcasmo da voz. Ele nao estava consciente do uso comum de um pronomeligeiramenteenfatizadonareferenciaaoinimigo,umpronomecomaequivalenciadaletramaiusculadeimprensa.Erahabitonaturaldasuageraçaoedaqueaprecedera.Ninguemmaisdizia“leste”,“vermelhos”,“sovieticos”ou“russos”.Seriaconfusodemais,poisalgunsDelesnaoeramdo leste,naoeramvermelhosnemsovieticose,especialmente,naoeramrussos.PareciamuitomaissimplesdizerNóseEles.Maissimplesemuitomaispreciso.

AlgunsviajantesfrequentementerelatavamqueElesfaziamamesmacoisa.Dooutrolado,Eleseram“Nós”(noidiomaapropriado)eNóséramos“Eles”.

Muitodi icilmentealguemaindadaria importanciaaessascoisas.Tudoeramuitodescontraídoepropício.Nãohavianemmesmoódio.Noinício,acoisaforachamadaGuerraFria.Agora,eraapenasumjogo,quaseumjogobonachao,comregrastacitaseumaespeciedehonestidadeemsegui-las.

-PorqueElesiriamquererconturbarasituação?-disseabruptamenteLynn.Lynn se levantou e icou olhando um mapa-mundi na parede, dividido em duas

regioes com fracos traçados coloridos.Umaporçao irregular a esquerdadomapaestavacontornadaporumverdesuave.Umamenor,masigualmenteirregularporçaoadireitado

mapaestavacercadadealaranjado:NóseEles.Omapanaohavia se transformadomuito emumseculo.AperdadeFormosa e a

conquistadaAlemanhaOrientalhaunsoitentaanosforaaultimamodi icaçaoterritorialdeimportância.

Haviaoutramudança,porem,su icientementesigni icativaecoloridanomapa.Haduasgeraçoes,oterritorioDelesforadeumvermelhogritante,cordesangue,oNossoumpurobrancoimaculado.Agorahaviaumaneutralidadeacercadascores.LynnviraosSeusmapaseomesmoacontecianoladoDeles.

-Nãofariamisso-disseLynn.- Estao fazendo - disse Breckenridge - e seria melhor se acostumar com o fato.

Evidentemente,senhor,euperceboquenaoeagradavelpensarqueElespodemestarmuitoànossafrenteemrobótica.

Seus olhos continuavam tao francos como antes,mas o gume a iado das palavrasmergulhavaprofundamente,eLynntremeucomoimpacto.

Naturalmente,issoexplicariaporqueoChefedaRoboticasoubetaotardedacoisa...eatravesdeumfuncionariodaSegurança.Elesedesclassi icaraaosolhosdoGoverno,seaRobotica havia realmente fracassado na batalha, Lynn nao podia esperar benefıciospolíticos.

Lynnfaloucomarabatido:- Mesmo se o que voce diz for verdade, eles nao estao muito a nossa frente.

Poderíamosconstruirrobôshumanóides.-Poderíamos,senhor?-Sim,narealidadejáconstruímosalgunsmodelosatítuloexperimental.-Elesfizeramissohádezanos.Ehádezanosvêmfazendoprogressos.Lynnestavaperturbado.Eleseperguntavasesuaincredulidadenotocante acoisa

naoerafrutodeorgulhoferidoemedoporseuempregoereputaçao.Sentia-seembaraçadopelapossibilidadedequepudesseserissoeconstrangidoasedefender.

- Escute, jovem - disse ele - a igualdade de condiçoes entre Eles e Nos nunca foiperfeita,vocesabe.Elessempreestiveramanossafrentenumaspectoounoutroeomesmoacontececonosco.SenestemomentoestaoanossafrenteemroboticaeporqueaplicaramumaproporçaomaiordeesforçoemroboticadoqueNos.Eissosigni icaquealgumoutroramodonossoesforçodedefesarecebeuumamaiorfraçaodoNossoesforço,aocontrarioDeles.Talvezestejamosàfrentenapesquisadocampodeforçaounahiperatômica.

Lynn icouangustiadoporsuapropriadeclaraçaodequeoempatenaoeraperfeito.Era verdade, mas aı estava o unico grande perigo que ameaçava o mundo. O mundodependiadequeoequilıbriofosseomaisperfeitopossıvel.Seapequenadesigualdadequesempreexistiapendessedemaisparaumladoouparaooutro...

Quase no inıcio do que fora a Guerra Fria, ambos os lados tinham desenvolvidoarmas termonucleares e a guerra tornou-se impensavel. A competiçao passou do campomilitarparaocampoeconômicoepsicológico,eaíficaradesdeentão.

Massemprehaviaoesforçodeambasaspartespararomperoequilıbrio,paracriarumadefesaacadapossıvelameaça,paracriarumaameaçaquenaopudesseserdefendidaatempo-algumacoisaquetornasseoutravezpossıvelaguerra.Enaoporqueumladoououtro quisesse desesperadamente a guerra, mas porque ambos temiam que o lado

contráriofizesseadescobertacrucialprimeiro.Durantecemanos,cadapartemantiveraacorridaequilibrada.Enesseprocesso,a

pazforamantidaporcemanos.Comosubprodutosdapesquisacontinuamenteintensiva,haviamsidodesenvolvidoscamposdeforça,controledeinsetosedaenergiasolar,robos.Ambososladosestavamdandoosprimeirospassosnacompreensaodomentalismo,nomedadoabioquımicaebiofısicadopensamento.AmbososladospossuıambasesnaLuaeemMarte. A humanidade avançava a passos gigantescos sob as imperiosas exigencias doequilíbrio.

Era ate mesmo necessario, para ambos os lados, serem, entre si mesmos,extremamentedecentes ehumanos,para evitarque, devido a crueldadee tirania, algunspassassemparaoladooposto.

Eraimpossívelqueoequilíbriofosseagoraquebradoehouvesseguerra.-Queroconsultarumdemeushomens-disseLynn.-Querosaberaopiniãodele.-Édeconfiança?Lynnpareceurevoltado:- Meu Deus, havera algum homem na Robotica que nao tenha sido investigado e

devassadoateamortepeloseupessoal?Sim,eurespondoporele.Senaopudermoscon iarnumhomemcomoHumphreyCarl Laszlo, nao teremos condiçoesde enfrentar o tipodeataqueque,segundovocê,Elesestãolançando...nãoimportaoquemaisfizéssemos.

-JáouvifalardeLaszlo-disseBreckenridge.-Ótimo.Vocênãooaprova?-Sim.-Entao,euotrareiaquiesaberemosoqueelepensadapossibilidadedequerobos

possaminvadirosEstadosUnidos.-Naoexatamente-disseBreckenridgeemvozbaixa.-Osenhoraindanaoentendeu

toda a verdade. Descubra o que ele pensa sobre o fato de que os robosjá invadiram osEstadosUnidos.

LaszloeranetodeumhungaroqueatravessaraoqueeraentaochamadoCortinadeFerroe,devidoaisso,sentia-secomodamenteacimadequalquersuspeita.Eraumhomematarracado e calvo, com um olhar aguerrido sempre gravado num rosto emproado. SeusotaqueeravisivelmentedeHarvardefalavadeformaquaseexcessivamentecordial.

Para Lynn, consciente de que, apos anos de administraçao, ja nao dominava taointeiramente os varios aspectos da robotica moderna, Laszlo constituıa excelentereceptaculodeumconhecimentocompleto.Lynnsentia-semelhorcomasimplespresençadohomem.

-Oquevocêacha?-perguntouLynn.OrostodeLaszlocontorceu-seferozmentenumacareta.- Se Eles estao muito a nossa frente? Absolutamente nao! So se houvessem

produzidohumanoidesque,mesmodeperto, pudessempassarpor sereshumanos. Isso,semdúvida,significariaumconsiderávelavançoemrobô-mentálica.

-Vocesestaopessoalmenteenvolvidos-dissefriamenteBreckenridge.-Deixandooorgulhopro issionalde lado, exatamenteporqueseria impossıvelqueElesestivessem afrentedosEstadosUnidos?

Laszlodeudeombros:

-Eu lheasseguroqueestoubemfamiliarizadocomtodaa literaturaquepossuemsobrerobótica.SeiaproximadamenteondeElesestão.

-VocesabeaproximadamenteondeElesqueremquevocepensequeElesestao,eoquevocêrealmentequisdizer-corrigiuBreckenridge.-Jávisitouooutrolado?

-Não-disseLaszlobruscamente.-Nemosenhor,Dr.Lynn?-Não,eutambémnão-disseLynn.-Alguemdaroboticavisitouooutroladonosultimosvinteecincoanos?-perguntou

Breckenridgecomumaespéciedeconfiança,quaseindicandoquejásabiaaresposta.Poralgunssegundos,aatmosfera icoupesada.Ummal-estarseestampounorosto

largodeLaszlo.-Narealidade-disse-,hamuitotempoElesnaofazemqualquerconferenciasobre

robótica.-Hávinteecincoanos-disseBreckenridge.-Istonãoésignificativo?- Talvez - disse Laszlo com relutancia. - Ha outra coisa queme preocupa, porem.

Nenhumdelesjamaiscompareceuasnossasconferenciassobrerobotica.Nenhumqueeupossamelembrar.

-Elesforamconvidados?-perguntouBreckenridge.-Éclaro!-interpôsrapidamenteLynn,deolhosarregalados.-Elesserecusamaassistiroutrostiposdeconferenciascientı icasquefazemos?-

disseBreckenridge.-Eunãosei-disseLaszlo,andandodeumladoparaooutro.-Nãosoubedenenhuma

conferênciaquetenhamassistido.Evocê,chefe?-Tambémnão-Lynnrespondeu.-Naoacha-disseBreckenridge-quetudosepassacomoseElesnaogostassemde

icarnumasituaçaodeterderecusarumconvite?OucomosetivessemmedoqueumdeSeushomenspudessefalardemais?

Era exatamenteoqueparecia acontecer. Lynn sentiu a irremediavel convicçaodequeahistoriadaSegurançaeraverdadeiraequeelenaotinhapercebidonadadoquesepassara.

Porquea inalnaohouveracontatoentreosdoisladossobrerobotica?Ocorriaumfertil intercambiodepesquisadores emambas as partes, numa estreita correspondenciaduranteanos,desdeostemposdeEisenhowereKhrushchev.

Existiam motivos muito bons para isso: uma honesta apreciaçao do caratersupranacional da ciencia; impulsos de camaradagem que di icilmente estao de todoausentes no ser humano; o desejo de sentir-se objeto de uma estimulante e interessadaobservaçao e de ver suas proprias noçoes, ja ligeiramente envelhecidos, seremreconhecidascomonovaseinteressantesperanteoutros.

Os proprios governos estavam avidos de que aquilo continuasse. Havia sempre aimpressao deque, aoprocurar aprender omaximo e ensinar omınimo, cada lado sairiaganhandonatroca.

Masnãonocasodarobótica.Nãoaí!Esseunicopontomodi icavaaapreciaçaodoproblema.Eumpontoque,semduvida,

foraconhecidotodootempo.Lynnpensavasombriamente:Fomoscomplacentesdemais.

Comoooutroladonaotinhafeitonadapublicamentesobrerobotica,eleforatentadoaseacomodarnumaatitudepresunçosa,asentir-seavontadenacertezadeumasupostasuperioridade.Comonaoviraqueerapossıvel,eatemesmoprovavel,queElesestivessemescondendocartasnamanga,umtrunfomaiorparausarnodevidotempo?

-Quevamosfazer?-Laszloperguntouestremecendo.EraevidentequeLaszloseguiraamesmalinhadepensamentoechegaraasmesmas

conclusoes.Haviadez robos humanoides emalgumapartedosEstadosUnidos, cadaumdelestransportandoumfragmentodeumabombaCT.

CT! A corrida de puro horror na ciencia das bombas havia terminado ali. CT!Conversao Total! O sol nao teria mais suas caracterısticas originais. A conversao totaltransformavaosolnumavelaordinária.

Dez humanoides, individualmente inofensivos, podiam, pelo simples fato de seagruparem,excederumamassacríticae...

Lynn icou de pe num gesto brusco, as olheiras sob os olhos, que normalmenteemprestavam a seu feio rosto um olhar de selvagem pressagio, mostrando-se maisacentuadasdoquenunca.

-Oqueprecisamoseconceberformasemeiosdedistinguirumhumanoidedeumhumano,eencontrarrapidamenteoshumanóides.

-Comorapidamente?-murmurouLaszlo.-Pelomenoscincominutosantesdeles seunirem -vociferouLynn - eeunao sei

quandoseráesseencontro.Breckenridgeassentiucomacabeça.-Sintosatisfaçaoqueestejadonossolado,senhor.Devoleva-loaWashingtonpara

umaconsulta,osenhorsabe...Lynnergueuassobrancelhas:-Estábem.Pareceu-lhe que, se demorasse mais tempo para convencer-se da situaçao, seria

imediatamentesubstituıdo... se equealgumoutrochefedaSecretariadeRobotica janaoestaria sendo consultado emWashington. E, de repente, desejou avidamenteque tivesseacontecidoexatamenteisso.

EstavamalioPrimeiroAssistentePresidencial,oSecretariodaCiencia,oSecretariodaSegurança,oproprioLynneBreckenridge.Todossentadosemvoltadeumamesa,noscalabouçosdeumafortalezasubterrâneapertodeWashington.

OAssistentePresidencialJeffreyseraumhomemimponente,elegante,comcabelosgrisalhosearumtantobonachao.Erarobusto,ricoemideiasemoderado,umverdadeiropolítico,exatamentecomodeviaserumAssistentePresidencial.

Elefaloucomdecisão:-Haalgumasquestoesquetemosdeenfrentar.Primeira,quandooshumanoidesirao

se unir? Segunda, onde irao se reunir? Terceira, como podemos dete-los antes que sereúnam?

Amberley,oSecretariodaCiencia,balançouenfaticamenteacabeçaassentindo.ForadecanodaEngenhariaNoroesteantesdesuadesignaçao.Eramagro,detraçosmarcantesevisivelmenteirritadiço.Apontadeseudedotraçavalentamentecírculossobreamesa.

-Naosesabequandoelessereunirao-disse.-Massuponhoque,semduvida,nao

demorarámuito.-Porquevocêdizisso?-perguntouLynnrispidamente.-Jáestão,pelomenos,aummêsnosEstadosUnidos.AssimdizaSegurança.Lynnvirou-semaquinalmentepara encararBreckenridge.Macalaster, o Secretario

daSegurança,interceptouoolhar.-Ainformaçaoecon iavel-disseMacalaster.-Naodeixequeaaparentejuventude

deBreckenridgeoiluda,Dr.Lynn.Elenosevaliosotambemporcausadesuajuventude.Naverdade,eletemtrintaequatroanoseestahadeznodepartamento.Viveucercadeumanoem Moscou e, sem ele, nao saberıamos nada sobre este terrıvel perigo. Graças aBreckenridge,agorajátemosamaioriadosdetalhes.

-Nãoosdetalhescruciais-disseLynn.Macalaster,daSegurança,sorriufriamente.Seuqueixoforteeolhosapertadoseram

bem-conhecidosdopúblico,masquasemaisnadasesabiadele.-Todosnossomoslimitadamentehumanos,Dr.Lynn.OagenteBreckenridgejafez

muito.OAssistentePresidencialJeffreyscortouaconversa:-Digamosque temosumcerto tempo... Sepretendessemumaaçao instantanea, a

coisajateriaocorrido.Pareceprovavelqueestejamesperandoummomentoespecı ico.Seconhecêssemosopontoondeosrobôsdevemsereunir,talvezsetornasseevidenteotempoqueacoisalevaráparaacontecer.

-SeelestemumobjetivoCTvaoquerernosmutilaromaispossıvel.Parecequeoalvoteriaqueserumagrandecidade.Semduvida,umagrandemetropoleeumalvoperfeitoparaumabombaCT.Pensoqueexistemquatropossibilidades:Washington,comoocentroadministrativo;NovaIorque,comoocentro inanceiro;DetroitePittsburghcomoosdoisprincipaiscentrosindustriais.

-ApostoemNovaIorque-disseMacalaster,daSegurança.-Tantoaadministraçaoquanto a industria ja foram tao descentralizadas que a destruiçao de uma determinadacidadenãoimpediriaumaretaliaçãoinstantânea.

-Então,porqueNovaIorque?-perguntouAmberley,daCiência,talveznumtommaisásperodoquepretendeu.-Asfinançastambémforamdescentralizadas.

Umaquestaomoral.Talvezpretendamdestruirnossavontadederesistir,provocarumarendiçaoapenaspelohorrordaprimeirarajada.NaareametropolitanadeNovaIorqueocorreriaamaiordestruiçãodevidahumana...

-Teriamquetermuitosangue-frio-murmurouLynn.-Eu sei - concordouMacalaster,daSegurança. -Mas seriamcapazesde faze-lo se

achassemqueissosignificariaavitóriafinaldeumsógolpe.Poderíamos...Jeffreys,oAssistentePresidencial,ajeitouparatrásoscabelosbrancos.-Vamosadmitiropior-disseele.-VamosadmitirqueNovaIorquesejadestruıda

numadeterminadaepocaduranteoinverno,depreferenciaimediatamenteaposumaserianevasca, quando as comunicaçoes icam extremamente prejudicadas e a interrupçao deserviços e abastecimento em areas perifericas tem consequencias muito graves. Como,numasituaçãodessas,poderíamosdetê-los?

Amberley,daciência,foisucinto:- Encontrar dez homens em duzentos e vinte milhoes e achar uma agulha

terrivelmentepequenanumpalheiroterrivelmentegrande.Jeffreysbalançouacabeça:- Voce colocoumal as coisas. Dez humanoides entre duzentos e vintemilhoes de

humanos.-Naohadiferença -disseAmberley,daCiencia. -Nao sabemosseumhumanoide

podeserdiferenciadodeumserhumanoaprimeiravista.Provavelmentenao.-OlhouparaLynn;osoutrostambém.Lynnfalounumtomgrave:

- Nos, em Cheyenne, nao poderıamos fabricar um humanoide que passasse comohumanoàluzdodia.

-Mas Eles podem - disseMacalaster, da Segurança. - E naome re iro apenas aosaspectos fısicos. Temos certeza disso... Seus avançados procedimentos mentalicoschegaram a ponto de lhes permitir desdobrar o padrao microeletronico do cerebro eenfocá-lonassendaspositrônicasdorobô.

Lynnarregalouosolhos:-EstainsinuandoqueElespodemcriarareplicadeumserhumanocompleto,com

personalidadeememória?-Estou.-Desereshumanosespecíficos?-Exatamente.-IssotambémsebaseianasdescobertasdoagenteBreckenridge?-Sim.Aevidencianaopodesercontestada.Lynninclinouacabeçapensandoporum

momento.-Entao,dezhomensnosEstadosUnidosnaosaohomens,mashumanoides-disse

ele.-Teraotrabalhadoemcimadeoriginais...Essesoriginaisnaopoderiamserorientais,muito facilmente identi icaveis. Teriam de ser, sem duvida, leste-europeus. Como entaoseriamintroduzidosnestepaıs?Comaredederadarsoandocomoumtamborportodasasfronteiras,comoconseguiriamintroduzirqualquerindivıduo,humanoouhumanoide,semonossoconhecimento?

- Isso pode ser feito - disse Macalaster, da Segurança. - Ha certas in iltraçoesregulares atraves da fronteira. Homens de negocios, pilotos, ate mesmo turistas. Essasin iltraçoessaovigiadas, e claro,masdezpessoaspodemtersidosequestradaseusadascomomodelosparahumanoides.Oshumanoidesteriamsidomandadosdevoltanolugardeles. Como nao esperavamos uma substituiçao desse tipo, nada seria percebido. Paracomeçar, se fossem americanos, nao teriam di iculdades para entrar no paıs. E um fatológico.

-Emesmoosamigosouafamíliadelesnãonotariamadiferença?-Devemospresumirquenao.Acredite-me,recebemoscadarelatorioondepudesse

haver indicaçoes de ataques de amnesia ou mudanças perturbadoras na personalidade.Verificamosmilharesdecasos.

Amberley,daCiência,olhouparaapontadosdedos.-Pensoqueprovidenciascomunsnaovaofuncionar.AaçaodevevirdaSecretariade

RobóticaeeuconfionochefedessaSecretaria.NovamenteosolhossevoltaramcomênfaseeexpectativaparaLynn.Lynnsentiuamargamenteserofocodasatençoes.Pareciam-lheclarosarazaoeos

objetivosdaquelareuniao.Tudoquealifoiditojatinhasidoditoantes.Estavacertodisso.Naohaviasoluçaoparaoproblema,nemqualquersugestaofertil.Eratudoumamecanicaque servia apenas para constar um estratagema por parte de homens que temiamgravementeaderrotaedesejavamcolocararesponsabilidadeclaraeinequivocamentenascostasdealguém.

E,apesardetudo,issoerajusto.ForaemroboticaqueNostınhamosfalhado.ELynnnãoeraumapessoaqualquer.EraLynn,daRobótica,earesponsabilidadedeviasersua.

-Fareioquepuder-disseele.Lynnpassouanoiteemclaro.Umaansiedadeenvolvia-lheocorpoeamentequando

ele solicitou e obteve outra entrevista com o Assistente Presidencial Jeffreys, namanhaseguinte. Breckenridge estava la, e embora Lynn preferisse uma reuniao em particular,compreendeuarazaodesuapresença.EraevidentequeBreckenridgeconseguiraenormein luencia junto ao governo, resultado imediato de seu bem-sucedido trabalho deinteligência.Bem,porquenão?

-Estivepensando-disseLynn-napossibilidadedeestarmosesperandoinutilmentequeoinimigodêoseusinal.

-Emquesentido?-Estoucertoqueemboraaimpacienciadaopiniaopublicaasvezesaumente,ouos

congressistas aproveitem para falar sobre isso, pelo menos o governo reconhece que oequilıbrio mundial e bene ico. Eles tambem podem reconhecer a mesma coisa. DezhumanóidescomumabombaCTéapenasumrecursotrivialpararomperoequilíbrio.

- A destruiçao de quinze milhoes de seres humanos di icilmente poderia serconsideradatrivial.

-Étrivialdopontodevistadopodermundial.Issonãonosdesmoralizariaapontodenos levar a rendiçao,nemnosmutilaria apontodenos convencerdequenaopodıamosvencer.Ambososladostemevitadopormuitotempo,ecomplenoexito,avelhaameaçademorteplanetaria. Tudoquepoderiam conseguir eranosobrigar a lutar commenosumacidadenomapa.Seriainsuficiente.

-Queestainsinuando?-Jeffreysperguntoucomfrieza.-QueElesnaopossuemdezhumanóidesemnossopaís?QuenãoháumabombaCTesperandoauniãodoshumanóides?

-Concordoqueessascoisasestaoaqui,mastalvezporumarazaomaiorqueumameraloucuradebombardeioemplenoinverno.

-Comoassim?-Talvezadestruiçaofısicaresultantedareuniaodoshumanoidesnaosejaopiorque

possaacontecer.Eadestruiçaomoraleintelectualqueresultadetodosessesdezestaremaqui? Com todo o devido respeito ao agente Breckenridge, Eles pretendiam quedescobrıssemos os humanoides. Suponho que os humanoides nao estejam aqui para seunir, mas para se conservarem separados de modo a nos causar um bom motivo depreocupação.

-Porquê?-Responda-meo seguinte:quemedidas ja foram tomadascontraoshumanoides?

SuponhoqueaSegurançaestejadevassandoas ichasdetodososcidadaosquejatenhamatravessado a fronteira ou se aproximado su icientemente dela para tornar o sequestropossıvel.Sei,desdequeMacalastermencionouontemacoisa,queestaolevantandocasos

psiquiátricossuspeitos.Oquemais?-PequenosaparelhosderaioX-disseJeffreys-estaosendoinstaladosempontos-

chavesnasgrandescidades.Nosgrandesestádios,porexemplo...-Ondedezhumanóidespoderiamseintroduzirentrecemmilespectadoresnumjogo

derugbyounumapartidadepóloaéreo.-Exatamente.-Enossalõesdeconcertoeigrejas?-Tivemosquecomeçarporalgumlugar.Nãopodemosfazertudoaomesmotempo.-Particularmenteporqueeprecisoevitaropanico-disseLynn.-Naoeisso?Denada

serviriaaopublicodescobrirque,nummomentoimprevisıvel,algumaimprevisıvelcidade,juntamentecomoseumaterialhumano,cessariasubitamentedeexistir.

-Creioqueéóbvio.Ondevocêquerchegar?Lynnfalouenergicamente:-Uma imensa fraçaodenossoesforçonacionalsera inteiramentedisperdiçadano

irritante problema do que Amberley chamou descobrir uma agulhamuito pequena numpalheiromuitogrande.Estaremosrodando loucamenteatrasdenossascaudas,enquantoElesintensi icamsuafrentedepesquisas,levando-asaumpontoondenaopoderemosmaisalcança-las.Aıentaoequeteremosdenosrender,semternemachancedeabanarnossosdedosemretaliação.

-Considereainda-Lynncontinuou-queasnotıciaspodemtranspiraremaisemaispessoasseremenvolvidasemnossascontramedidasemaisemaispessoascomeçaremadescon iardoqueestamosfazendo.Eentao?...OpanicopoderianoscausarmaisprejuızoquequalquerbombaCT.

- O que entao, homem de Deus, voce sugere que façamos? - Exclamou irritado oAssistentePresidencial.

- Nada - disse Lynn. - Nao responda ao blefe. Vivamos como sempre vivemos.PodemosapostarqueElesnaoousaraoromperoequilıbriocomomergulhodecabeçadeumabomba.

-Impossıvel!-disseJeffreys.-Completamenteimpossıvel!Obem-estardosEstadosUnidosestamuitoamplamenteemminhasmaos...Naofazernadaeaunicacoisaquenaopossofazer.Concordocomvoce,talvez,queasmaquinasderaioXnoscamposdeesportesaoapenasumamedidasuper icial,semgrandee iciencia,masissotemdeserfeitoparaque aquelas pessoas, diante das consequencias de um ataque, nao cheguem a amargaconclusaodequedeixamosopaıs aderivaporcausadeumasutillinhaderaciocınioqueencorajaainação.Defato,nossarespostaserábematuante.

-Dequeforma?OAssistentePresidencialJeffreysolhouparaBreckenridge.Ojovemfuncionarioda

Segurança,atéentãocalmamentesilencioso,disse:-Denadavale falarsobreumpossıvel rompimento futurodoequilıbrio,quandoo

equilıbriojafoiquebrado.Naoimportaseesseshumanoidesexplodemounao.Talvezsejamapenasumaiscaparanosdistrair,comovocediz.Mascontinuadepeofatodequeestamosumquartodeseculosatrasadosemrobotica,eissopodeserfatal.Queoutrosavançosemrobotica nao nos tomarao de surpresa se a guerra começar? A unica soluçao e dirigirimediatamente,agora,todaanossaforçaparaumprogramaimpactodepesquisarobotica,-

eoprimeiroproblemaeencontraroshumanoides.Chameisso,sequiser,deumexercıcioemrobotica,ouchamedeprevençaodamortedequinzemilhoesdehomens,mulheresecrianças.

Lynnsacudiudesanimadamenteacabeça.-Vocenãopodepensarassim.Serıamosumbrinquedonasmaosdeles.Queremnos

atrairparaumcaminhoescuro,ficandolivresparaavançaremtodasasdireções.-Estaéasuaopinião-disseJeffreyscomimpaciência.-Breckenridgefezsuasugestaoatravesdoscanaiscompetentes,ogovernoaprovou

evamoscomeçarcomumareuniãodetodaaCiência.-TodaaCiência?-Relacionamos todosos cientistas importantesde cada ramoda ciencianatural -

disseBreckenridge.-TodosestaraoemCheyenne.Haveraumunicopontonaagenda:comodesenvolverarobotica.Amaiorsubdivisaoespecı icasera:comodesenvolverumaparelhoreceptor para os campos eletromagneticos do cortex cerebral, su icientemente delicadopara distinguir entre um cerebro humano protoplasmatico e um cerebro humanoidepositrônico.

-Esperamosqueestejadispostoaseencarregardareunião-disseJeffreys.-Nãofuiconsultadosobreisso.-Obviamenteotempoeracurto.Concordaemseencarregardareunião?Lynn sorriu laconicamente. Era novamente um problema de responsabilidade. A

responsabilidade devia ser claramente de Lynn, da Robotica. Mas tinha a sensaçao queBreckenridgeéquemficariarealmenteencarregado.Eoquepodiafazer?

-Concordo-respondeu.Breckenridge e Lynn voltaram juntos para Cheyenne, onde, naquelamesma noite,

Laszloouviu,comrabujentadesconfiança,anarraçãodosúltimosacontecimentos.- Enquanto voce estava fora, chefe - disse Laszlo -, comecei a encaminhar cinco

modelosexperimentaisdeestruturashumanoidesparaosprocedimentosdeteste.Nossoshomensestaotrabalhandodozehoraspordiaemtresturnossobrepostos.Setivermosqueprepararumencontrodecientistas, icaremosassoberbadosdeproblemasatearaizdoscabelos...eteremosdeinterromperotrabalho.

-Seráapenastemporariamente-disseBreckenridge.-Vãoganharmaisqueperder.Laszlofranziuatesta:-Umamultidaodeastrofısicosegeoquımicosandandoporaınaoajudaraemnadao

progressodarobótica.-Pontosdevistadeespecialistasdosoutroscampospodemserúteis.-Temcerteza?Comosabemosseháalgummeiodedetectarondascerebraisou,se

issoforpossıvel,quehajaummeiodediferenciarhumanosehumanoidespelopadraodasondas?Quemdeuaideiadoprojeto?

-Eu-disseBreckenridge.-Você!Vocêéumhomemdarobótica?-Estudeirobótica-respondeucalmamenteojovemagentedaSegurança.-Nãoéamesmacoisa.-Tiveacessoaomaterialsobreoassuntolidandocomaroboticarussa...naRussia.

Materialaltamentesecreto,bemàfrentedetudoquevocêstêmaqui.

-Esseéumpontoimportante,Laszlo-disseLynnnumtomdepesar.- Foi a base desse material - continuou Breckenridge - que sugeri esta linha

particular de investigaçao. E razoavelmente certo que, ao passar um padraoeletromagneticodeumamentehumanaespecı icaparaumcerebropositronicoespecı ico,nao se consegue uma reproduçao perfeitamente exata. Por alguma razao, ocomplicadıssimocerebropositronico, su icientementepequenopara caberdentrodeumcraniohumano, e centenasdevezesmenos complexoqueumcerebrohumano.Pode, noentanto, captar toda a riqueza de uma linguagem, e, de algum modo, devemos poderaproveitaressefato.

Laszloolhou impressionado,mesmoa contragosto, Lynn sorriupenosamente.ErafacilterressentimentosdeBreckenridgeedaintromissaodevariascentenasdecientistasdeespecialidadesnaoroboticistas,masoproblemaemsiera,semduvida,intrigante.Pelomenos,haviaessaconsolação.

Lynnaceitouserenamenteosfatos.Descobriuquenada tinhaa fazeralemde icarsozinhosentadonasuasala,numa

posiçaoexecutivaquesetornarameramentetitular.Talvezissoajudasse.Dava-lhetempopara pensar, imaginar os mais criativos cientistas de meio-mundo, convergindo paraCheyenne.

Era Breckenridge que, com fria e iciencia, cuidava dos detalhes da preparaçao daconferência.Houveraumaespéciedeconfiançanocaminhoquandoeledisse:

-Vamosnosunireosderrotaremos.Vamosnosunir.Lynn icouabsortoequalquerumqueocontemplassenaquelemomentopoderiaver

seusolhospiscaremlentamenteduasvezes...mascertamentenãomaisqueisso.Fezoquedevia fazercomumaisençaoedeterminaçaoqueoconservaramcalmo,

mesmoquandosentiuque,muitojustificadamente,deviaestarenlouquecendo.Procurou Breckenridge nas instalaçoes improvisadas para o agente da Segurança.

Breckenridgeestavasozinhoefranziuatesta:-Algumacoisaerrada,senhor?Lynnfaloucomarfatigado:-Achoquetudoestáerrado...Invoqueialeimarcial.-Quê?!-Comochefedeumdepartamentopossofazerissoseacharqueasituaçaooexige.

Emmeudepartamentoposso serumditador.Essa e, semduvida,umadasvantagensdadescentralização.

-Vocerescindiraimediatamenteestaordem!-Breckenridgedeuumpassoafrente.-QuandoWashingtonsouberdisso,ficaráarruinado.

-Dequalquermodo,jaestouarruinado.Achaquenaoperceboquemedesignarampara o papel do maior vilao da historia americana? O homem que deixou que Elesrompessemoequilíbrio!...Nãotenhonadaaperder...etalveztenhamuitoaganhar.

Riudeumaformaumtantoselvagem.- Que alvo seria a Divisao de Robotica, hem, Breckenridge? Apenas uns poucos

milhares de homens para serem mortos por uma bomba CT capaz de varrer trezentasmilhas quadradas numa fraçao de segundos...Mas quinhentos desses homens seriam osnossosmaiorescientistas.Ficarıamosnaposiçaodeprecisarlevarumaguerraafrentesem

osnossosmelhorescérebros...ouentãonosrendermos.Achoqueteríamosnosrendido.- Mas e impossıvel! Lynn, voce esta me ouvindo!? Voce compreende? Como os

humanóidespoderiamatravessarnossasegurança?Comopoderiamseunir?- Mas elesestão se unindo agora! Estamos ajudando-os a fazer isto. Estamos

ordenandoque façam isso!Nossoscientistasvisitamooutro lado,Breckenridge.Visitamregularmente o outro lado. Voce nao achava muito estranho que ninguem da roboticaizesse o mesmo? Bem, dez desses cientistas ainda estao la e, no lugar deles, dezhumanóidesconvergemparaCheyenne.

-Éumaideiaridícula!- Penso que e uma boa ideia, Breckenridge. Mas a coisa so funcionaria se

soubessemosquehahumanoidesnaAmerica,porqueserianecessario,emprimeirolugar,convocar esta conferencia. Foi unicamente uma coincidencia que voce tenha trazido asnotıcias dos humanoidese sugerido a conferenciae sugerido a agendae estivessemontando o “show”e soubesseexatamentequecientistas seriamconvidados...Voce temcertezaqueosdezforamincluídos?

-Dr.Lynn!-gritouBreckenridgeultrajado,fazendoummovimentoparaescapar.-Naosemova-disseLynn.-Tenhoumdetonadoraqui.Vamosapenasesperarque

os cientistas cheguem, um a um. Um a um serao submetidos ao raio X. Veri icaremos aradioatividadeumporum.Nenhumsejuntaraaoutroantesdeserchecadoe,senaohouvernadacomnenhumdosquinhentos,entao lhedareimeudetonadoremerendereiavoce.Masrealmenteacreditoqueencontraremososdezhumanóides.Sente-se,Breckenridge.

Ambossentaram-se.-Vamosesperar-disseLynn.-Quandoeuestivercansado,Laszloviramesubstituir.

Nósvamosesperar.OProfessorManueloJiminez,doInstitutodeAltosEstudosdeBuenosAires,explodiu

quandoojatoestratosfericoemqueviajavaestavaatresmilhassobrearegiaoamazonica.Foiumasimplesexplosãoquímica,massuficienteparadestruiroavião.

ODr.HermanLiebowitz,doM.I.T.,explodiunummonotrem,matandovintepessoaseferindooutrascem.

Demodo parecido, o Dr. AugusteMarin, do Instituto Nuclear deMontreal, e seteoutroscientistas,morreramemdeterminadospontosdesuaviagemparaCheyenne.

Laszlo icou chocado, palido e gago com as primeiras informaçoes sobre o queocorria.LynnestavasentadohaapenasduashorascomBreckenridge,encarandooagentedaSegurançacomodetonadornamão.

- Pensei que estivessemaluco, chefe - disse Laszlo -mas voce estava certo.Eramhumanóides.Tinhamdeser.

LaszlosevirouparaencararBreckenridgecomolhoscheiosdeódio.- So que eles foram avisados.Ele os avisou e icamos sem nenhum intacto. Sem

nenhumparaanalisar.-Deus! -gritouLynn,e,nummovimentorapido, frenetico,apontouseudetonador

paraBreckenridgeeatirou.OpescoçodohomemdaSegurançasedissipou,otroncocaiu,acabeçatombou,bateucontraosoloeroloutortuosamente.Lynnfalounumtomdelamento:

-Nãoentendo.Penseiquefosseumtraidor,nadamais.

ELaszlopermaneceuimóvel,abocaaberta,incapazdefalar.-Semduvida,eleosavisou-disseLynnfuriosamente.-Mascomopoderiafazerisso

sentadonestacadeira?...Amenosqueestivesseequipadocomumradiotransmissor...Vocenao acha?Breckenridge esteve emMoscou.O verdadeiroBreckenridge ainda esta la. Oh,meuDeus,eleseramonze!

Laszloconseguiufalaremumguinchoáspero:-Porqueelenãoexplodiu?-Suponhoqueestavaesperandoparacerti icar-sedequeosoutroshaviamrecebido

amensagemetinhamefetivamentesedestruıdo.MeuDeus,meuDeus,quandovocetrouxeasnotıciasetodaaverdade icouesclarecida,eusoubeatirarcomsu icienterapidez.Deussabeporquantossegundosmeadianteiaele!

-Pelomenos-Laszloestremeceu-temosumparaestudar!Elesecurvouepososdedosno luidopegajosoqueescorriadocorposemcabeça,

porentreosrestosmutiladosdabasedopescoço.Nenhumsangue,masóleoaltamenteconcentradoparamáquinas.

14- Imagem especular

AsTrêsLeisdaRobótica:1.Umrobônãodevefazermalaumserhumanoou,porinação,permitirqueumser

humanosofraqualquermal.2.Umrobôdeveobedeceraqualquerordemdadaporumserhumano,desdequeessa

ordemnãointerfiracomaexecuçãodaPrimeiraLei.3.Umrobôdeveprotegerasuaexistênciadesdequeestaproteçãonãointer iracoma

PrimeiraeSegundaLeis.

LijeBaleyacabaradedecidir-seaacenderoseucachimbo,quandoaportadeseu

escritorioabriu-sesemnenhumabatidapreliminarouanunciodequalquerespecie.Baleyergueuoolhar,pronunciadamenteaborrecido,eentaodeixoucairocachimbo.Jaeramuitoreveladordeseuestadodeespíritoofatodetê-lodeixadoondecaíra.

—R.DaneelOlivaw!—disseele,numaespeciedeentusiasmoperplexo. -PorSaoJosafá!Évocêmesmo,nãoé?

— Absolutamente certo - disse o recem-chegado, alto e bronzeado, suas feiçoesregulares nao estremecendo por um so momento, em sua costumeira calma. - Lamentosurpreende-lo por entrar sem avisar,mas a situaçao e delicada, e deve haver omınimoenvolvimentopossıvelporpartedehomenserobos,mesmonestelugar.Dequalquermodo,gosteidevê-lodenovo,meuamigoElijah.

Eoroboestendeusuamaodireitanumgestotaohumanoquantoerasuaaparencia.Baleyequepareciataodesumanizadoporseuassombro,que icouolhandoparaamaocomumamomentâneafaltadeintelecção.

Masentaoagarrou-acomasduasmaos,sentindosuacalida irmeza.-Mas,Daneel,porquê?Voceebem-vindoaqualquermomento,mas...oqueeessasituaçaotaodelicada?Estamosemdificuldadesdenovo?ATerra,querodizer?

—Nao,amigoElijah,naosetratadaTerra.Asituaçaoaqualmere irocomodelicadae,pelasaparencias,umacoisapequena.Umadisputaentrematematicos,nadamais.Ecomoporacasoestávamos,bemacidentalmente,àdistânciadeumSaltofácildaTerra...

—Essadisputatevelugarabordodeumaespaçonave,então?—Sim,defato.Umapequenadisputa,sebemqueparaoshumanosnelaenvolvidos,

estupendamentegrande.Baley nada conseguiu fazer, senao sorrir. - Naome surpreendo que voce ache os

humanosmeioestúpidos.ElesnãoobedecemàsTrêsLeis.— Isso e, realmente, uma de iciencia — disse R. Daneel, grave -, e acho que os

proprioshumanos icamdesorientadoscomoshumanos.Podeserquevocesesurpreenda

menosporhavertantoshumanosamaisnaTerraquenosoutrosmundosdoespaço.Seforassim,oqueacreditoqueseja,entãovocêpoderianosajudar.

R.Daneelfezumapausamomentaneaeentaodisse,talvezumpouquinhodepressademais: - E no entanto, ha regras do comportamento humano que aprendi. Parece, porexemplo,quefuide iciente,segundoaetiqueta,pelospadroeshumanos,emnaoperguntarporsuaesposaeseufilho.

— Eles estao indo bem. Omenino esta no colegio, e Jessie esta envolvida com apolíticalocal.Quantoàsamenidades,jáastratamos;agora,diga-meporqueveioaqui.

—Comodisse,estavamosadistanciadeumpequenoSaltodaTerra,eassim,sugeriaocapitãoqueoconsultássemos.

—Eocapitaoconcordou?-Baleyteveumasubitavisaodoorgulhosoeautocraticocapitao de uma nave estelar consentindo em fazer um pouso na Terra—justo neste, detodososmundos—econsultarumterráqueo—dentretodosospovos.

—Acredito que ele estavanumaposiçao tal que concordaria comqualquer coisa.Ademais,elogieivocealtamente,sebemque,parafalaraverdade, faleisoaverdade.Porim,concordeiemconduzirtodasasnegociaçoes,demodoqueninguemdatripulaçao,oupassageiros,precisasseentraremnenhumadascidadeshumanas.

—Nemconversarcomnenhumterráqueo,claro.Mas,oqueaconteceu?—OspassageirosdaespaçonaveEtaCarinaincluemdoismatematicosqueestaode

viagem para Aurora para presenciarem uma conferencia interstelar de neurobiofısica. Esobre estesmatematicos, AlfredBarrHumboldt eGennao Sabbat; eles sa”o o centro dasdisputas.Quemsabe,amigoElijah,sejánãoouviufalardeumdeles,oudeambos?

—Nenhumdeles - respondeuBaley, irmemente. -Nada sei dematematica. Olhe,Daneel,porcertoquenãodisseaninguémquesouumaficcionadodamatemática,ou...

—Nao, absolutamente, amigoElijah. Sei quevocenao e. Tampouco importa, poisque a natureza da matematica envolvida de modo algum e relevante para o ponto emquestão.

—Então,continue.—Comonenhumdosdoishomensedeseuconhecimento,a-migoElijah,deixe-me

dizer-lhe que o dr. Humboldt esta bem em sua vigesima setima decada... o que ia dizer,amigoElijah?

—Nada,nada-disseBaley,irritado.Meramenteresmungaraparasimesmo,maisoumenos incoerentemente, numa reaçao natural contra as vidas muito longas dosespaçonautas. - E ele ainda esta ativo, a despeito da idade? Na Terra, os matematicos,depoisdostrinta,maisoumenos...

Daneel respondeu, calmamente: — O dr. Humboldt e um dos tres maioresmatematicos,porumareputaçaohamuitoestabelecida,emtodaagalaxia.Porcertoqueeleaindaestaativo.0dr.Sabbat,poroutrolado,ebemjovem,aindanaochegouaoscinquenta,mas ja se estabeleceu como omais notavel novo talento nos ramosmais abs-trusos damatemática.

— Sao ambos grandes, entao. - Baley lembrou-se de seu cachimbo e o apanhou.Decidiu que nao fazia sentido acende-lo agora, e sacudiu seus restos de fumo. - Queaconteceu?Umassassinato?Seráqueumdelesmatouooutro?

—Destesdoishomensdegrandereputaçao,umestatentandodestruiradooutro.

Pelosvaloreshumanos,creioqueissopodeservistocomopiorqueoassassíniofísico.—Porvezes,sim,eusuponho.Qualestátentandodestruirooutro?—Ora,isso,meuamigoElijah,éprecisamenteaquestão.Qual?—Continue.—Odr.Humboldt contou ahistoria claramente. Pouco antesde subir a bordoda

espaçonave,teveumaintuiçaodeumpossıvelmetodoparaanalisarastrajetoriasneuraisapartirdealteraçoesnospadroesdeabsorçaodemicroondasemareascorticaislocalizadas.Aintuiçaofoiumapuratecnicamatematicadeextraordinariasutileza,maseunaoposso,eclaro, entende-lo ou transmitir os pormenores de maneira simples. Isto, porem, naoimporta.Odr.Humboldtconsiderouaquestaoeacadahorafoi icandomaisconvencidodeque tinha algo revolucionario em maos, algo que apequenaria todos os seus feitosanterioresemmatemática.Entãodescobriuqueodr.Sabbatestavaabordo.

—Ah!EeletentoudiscutiratesecomojovemSabbat?—Exatamente.Osdoisjatinhamseencontradoemconferenciaspro issionaisantes

econheciam-sebem,dereputaçao.HumboldtentrouemgrandedetalhecomSabbat.Sabbatapoiou inteiramente a analise de Humboldt e foi irrestrito em elogiar a importancia dadescoberta.Animadoecon iantecom isto,Humboldtesboçouumartigosumariandoseutrabalho e, dois dias depois, preparou-o para transmissao subeterica aos presidentes daconferenciaemAurora,paraquepudesseo icialmenteestabelecersuaprioridadee fazerarranjos para uma possıvel discussao antes que as sessoes fossem fechadas. Para suasurpresa,descobriuqueSabbatjatinhaprontoumartigodesuaautoria,essencialmenteomesmo que de Humboldt, e Sabbat tambem o estava preparando para subeterizar paraAurora.

—SuponhoqueHumboldtficoufurioso.—Muito.—ESabbat?Oquedisse?—PrecisamenteomesmoqueHumboldt.Palavraporpalavra.—Então,qualéoproblema?— Nenhum, exceto pela imagem especular, a troca dos nomes. De acordo com

Sabbat, foi ele que teve a intuiçao, e foi ele que consultou Humboldt; foi Humboldt queconcordoucomaanáliseeaelogiou.

—Entaocadaumalegaqueaideiaedele,equeooutroaroubou.Naosoaparamimcomoumproblema,demodoalgum.Emquestoesacademicas,pareceriaapenasnecessariodispordosregistrosdepesquisa,datadosecomasiniciais.Ojulgamentosobreaprioridadepoderiaserfeitoapartirdaı.Mesmoqueumtrabalhosejafalsi icado,podeserdescobertoatravésdesuasinconsistênciasinternas.

—Ordinariamente, amigoElijah, issoestaria certo,mas trata-sedematematica, enaodeumacienciaexperimental.Odr.Humboldtalegaterelaboradoaspartesessenciaismentalmente.Nadafoipostoporescritoateoartigoserpreparado.Odr.Sabbat, eclaro,alegaprecisamenteamesmacoisa.

—Bem,entaosejamaisdrasticoedispenseessaparte.Sujeitecadaumaumasondapsíquicaedescubraqualdosdoisestámentindo.

R.Daneelabanoua cabeça, lentamente. -AmigoElijah,naoesta entendendoesseshomens.Ambossaodealtonıveleescolaridade,“Fellows”daAcademiaImperial.Comotais,

naopodemsersujeitosa julgamentodacondutapro issional,excetoporum jurideseusiguais—seus iguaispro issionais—amenosqueelesvoluntariamente,epessoalmente,renunciemaessedireito.

—Apresente-lhesessaalternativa,entao.Oculpadonaodesejara renunciaraessedireito, pois nao podera defrontar-se com a sonda psıquica. O inocente renunciara deimediato.Nemmesmoprecisarãousarasonda.

—Issonaofuncionara,amigo.Renunciaraessedireitonumtalcaso-serinvestigadoporleigos—eumgolpeserio,etalvezirrecuperavelparaoprestıgio.Ambosrecusam-seinamovivelmentearenunciaraodireitoaumtribunalespecial,porumaquestaodeorgulho.Aquestãodeculpaouinocênciaébemsecundária.

—Nesse caso, deixe as coisas como estao, por hora.Deixe o assunto no gelo atechegarememAurora.Naconferencianeurobiofısi-cahaveraumgrandenumerodeiguaisaeles,eentão...

— Isso signi icaria um forte golpe para a propria ciencia, pois ambos sofreriam,sendoinstrumentosdeumescandalo.Mesmooinocenteseriaacusadodetertomadopartenumasituaçãotãodesagradável.Sentir-se-iaqueoassuntodeveriaserresolvidoforadeumtribunal,aqualquercusto.

—Estabem;naosouumespaçonauta,masprocurareiimaginarqueestaatitudefazsentido.Oqueoshomensemquestãodizem?

—Humboldt concorda com tudo.Dizque se Sabbat admitir ter roubadoa ideia epermitirqueHumboldtcontinuecomatransmissaodoartigo,oupelomenosoentreguenaconferencia, nao fara nenhuma acusaçao. O erro de Sabbat icara em silencio, no quedepender dele; e, e claro, com o capitao, que e o unico outro humano a tomar parte nadisputa.

—MasojovemSabbatnãoconcorda?—Aocontrario,concordoucomodr.Humboldtateoultimodetalhe-comadevida

reversãodosnomes.Aindaumaimagemespecular.—Entãoelessóficamparados,empatados?—Cadaum,acredito,estáesperandoqueooutrodesistaeadmitaaculpa.—Ora,entãoespere.—Ocapitaodecidiuque istonaopoderaser feito.Haduasalternativasaesperar,

veja so. A primeira e que ambos continuem em sua teimosia, de modo que quando aespaçonavepousaremAurora,

o escandalo intelectual vira a tona. O capitao, que e o responsavel pela justiça abordo,cairaemdesgraçapornaotersidocapazderesolveroassuntosilenciosamente,eparaele,istoéintolerável.

—Easegundaalternativa?—Equeumououtrodosmatematicosdefatoadmitatercometidoumerro.Maso

que confessar, te-lo-a feito por culpa real, ou por um nobre desejo de evitar qualquerescandalo?Seriadireitoprivardocreditoalguemqueeeticoosu icientequepre iraperderum credito do que ver toda a ciencia sofrer? Ou mais, o culpado confessara no ultimomomento, de talmodo a fazer parecer que o faz apenas em benefıcio da ciencia, assimescapandoadesgraçadesuaaçaoelançandosuasombrasobreooutro.Ocapitaoseraounicoasaberdetudoisto,maselenaoquerpassarorestodesuavidapensandoquetomou

partenumgrosseiroerrojudiciário.Baley suspirou. - Um jogo de frango intelectual. Quem vai quebrar o ossinho

primeiro,àmedidaqueAuroravaificandocadavezmaisperto?Éessatodaahistória?—Aindanão;hátestemunhasdatransação.—PorSãoJosafá!Porquenãofaloulogo?Quetestemunhas?—Ocriadopessoaldodr.Humboldt...—Umrobô,eusuponho.— Sim, por certo. Chama-se R. Preston. Este servo, R. Preston, esteve presente

duranteaconferênciainicialeapoiaodr.Humboldtemcadadetalhe.— Voce quer dizer que ele diz que a ideia era do dr. desde o inıcio, e que o dr.

Humboldtadescreveuaodr.Sabbat,odr.Sabbatelogiouaideia,eassimpordiante?—Sim,emtodopormenor.—Percebo.Issoresolveoassuntoounão?Presumivelmentenão.— Isso mesmo. Nao resolve o assunto, pois ha uma segunda testemunha. O dr.

Sabbat tambem tem um criado pessoal, R. Idda, outro robo, que por coincidencia e domesmo modelo que R. Preston, segundo creio, feito no mesmo ano na mesma fabrica.Ambostêmestadoemserviçopelomesmoperíodo.

—Umaestranhacoincidência—muitoestranha.— Um fato, e receio que torna difıcil chegar a qualquer conclusao baseado nas

diferençasóbviasentreosdoisservos.—R.IddaentãocontaamesmahistóriaqueR.Preston?—Precisamenteamesmahistória,aimagemespecular,mascomatrocadosnomes.—R.IddaentãodissequeojovemSabbat,oqueaindanãotem cinquenta - Lije Baley nao tirou totalmente o tom sardonico de sua voz; ele

mesmo ainda nao tinha cinquenta e sentia-se longe de ser jovem - teve a ideia, paracomeçar;descreveu-aaodr.Humboldt,queaelogiouemaltosbrados,eetcétera.

—Sim,meuamigoElijah.—Eumrobôestámentindo,entâ”o.—Éoqueparece.—Imaginoserfacildizerqual.Creioquemesmoumexamesuper icialporumbom

roboticista...—Um roboticista nao e su iciente neste caso, amigo Elijah. So um robopsicologo

quali icadoteriaopesoeaexperienciasu icientesparatomarumadecisaonumcasodessamonta.Naohanenhumcomessaquali icaçaoabordodanave.TalexamesopoderiaserfeitoquandoatingíssemosAurora...

— E a essa altura, a lama ja chegou no ventilador. Bem, voce esta aqui na Terra.Podemos caçar um robopsicologo, e certamente qualquer coisa que aconteça na TerranuncachegaráaosouvidosdeAuroraenãohaveráescândalo.

—Excetoquenemodr.Humboldt nemodr. Sabbat permitirao que seus criadossejam examinados por um robopsicologo da Terra. O terraqueo teria de...— E fez umapausa.

LijeBaleycompletou,estolidamente:—Eleteriadetocarorobô.—Essescriadossãoantigos,bemcuidados...—Enaodevemsercontaminadospelotoquedeumterraqueo.Entaoparaquevoces

me querem, raios! - Interrompeu-se, carran-cudo. - Lamento, R. Daneel, mas nao vejonenhumarazãopelaqualvocêdevessemeenvolvernisto.

— Eu estava a bordo numa missao totalmente irrelevante para o problema emquestao.Ocapitaorecorreuamimporqueeleprecisavarecorreraalguem.Parecihumanoobastanteparaqueconversassecomigo,eroboobastanteparaserumreceptaculoseguroparacon idencias.Contou-metodaahistoriaeperguntou-meoqueeufaria.PercebiqueoSalto seguinte nos traria tao facilmente a Terra quanto ao nosso objetivo. Disse isso aocapitao,muitoemboraestivessetaodesorientadoquantoelepararesolveroproblemadoespelho,mashaviaalguémnaTerraquepoderiaajudar.

—SãoJosafá!-murmurouBaley,semfôlego.—Considere,amigoElijah,quesetiversucessoemresolveresteenigma,fariabema

sua carreira, e a propria Terra poderia se bene iciar disto. A questao nao poderia terpublicidade,eclaro,masocapitaoehomemdealgumain luencia,emseuplanetanatal,eficar-

lhe-iagrato.—Sóserveparamepressionarmaisainda.—Tenhotodaconfiançaquevocêteráalgumaideiasobreoprocedimentoaseguir.—Mesmo?Suponhoqueoprocedimentoobvio eentrevistarosdoismatematicos,

umdosquaispareceriaserumladrão.—Creio,amigo,quenenhumviraacidade.Nemnenhumgostariaquevocefosseate

ele.—Enaohamaneiradeforçarumespaçonautaatercontatocomumterraqueo,nao

importa qual a emergencia. Sim, entendo isso, Daneel... mas eu estava pensando numaentrevistaportelevisãoemcircuitofechado.

—Tampoucoisso.Elesnãosesubmeterãoauminterrogatórioporumterráqueo.—Então...oquequeremdemim?Possofalarcomosrobôs?—Nãoqueremdeixarosrobôsviremaqui,também.—PorSãoJosafá,Dannel!Vocêveioaqui.— Essa foi decisao unicamente minha. Tenho permissao, enquanto a bordo, de

tomar decisoes dessa especie sem veto do ser humano, exceto o proprio capitao, e eleestavaansiosoporestabeleceressecontato.Eu,comooconhecia,decidiqueocontatoportelevisãoseriainsuficiente.Queriaapertarsuamão.

LijeBaleyamoleceu.—Gosteidisso,Daneel,masaindahonestamentegostariaquenãotivessepensadoemmimnestecaso.Possofalarcomosrobôspelatelevisão,aomenos?

—Isso,euacho,podeserarranjado.—Jaealgumacoisa,pelomenos.Issosigni icaqueestareifazendootrabalhodeum

robopsicólogorudimentar.—Masvocê,amigoElijah,éumdetetive,enãoumrobopsicólogo.—Bem,deixeissoprala.Agora,antesqueeuosveja,vamosraciocinarumpouco.

Diga-me:epossıvelqueambososrobosestejamfalandoaverdade?Talvezaconversaçaoentreosdoismatematicostenhasidoequıvoca.Talvezfossedetalnaturezaquecadarobohonestamente poderia acreditar que seu proprio senhor fosse proprietario da ideia. Outalvezumroboouviusopartedadiscussaoeooutro,umaoutraparte,demodoquecadaumpudessesuporqueoseusenhorfosseproprietáriodaideia.

— Isso e um tanto impossıvel, amigo. Ambos os robos repetem a mesmaconversaçao, de maneira identica. E as duas repetiçoes sao fundamentalmenteinconsistentes.

—Entãoéabsolutamentecertoqueumdosrobôsestámentindo?—Sim.—Possovera transcriçaode todasasevidenciasdadasate agoranapresençado

capitão,seeuquiser?—Acheiquevocêperguntariaisso,etrouxeumacópiacomigo.—Umaverdadeirabençao.Osrobostiveramseusdepoimentoscruzados,eistofoi

incluídonatranscrição?— Os robos meramente repetiram suas historias. Um interro-»atorio cruzado so

poderiaserconduzidoporrobopsicólogos.—Oupormim?—Vocêéumdetetive,amigoElijah,nãoum...— Esta bem, R. Daneel. Tentarei entender bem a psicologia do espaçonauta. Um

detetivepodefaze-loporquenaoeumrobopsico-logo.Vamospensaraindamaisumpouco.Ordinariamente, um robo nao mente, mas pode faze-lo para manter as Tres Leis. Podementirparaproteger,demaneiralegıtima,suapropriaexistencia,deacordocomaTerceiraLei.Estamaisaptoamentir, senecessario,paraobedeceraumaordemlegıtimaque lhesejadadaporumhumano,dea-cordocomaSegundaLei.Estaratantomaisaptoamentirseisso for necessario para salvar uma vida humana, ou evitar que seja causado dano, deacordocomaPrimeiraLei.

—Sim.— E, nesse caso, cada robo estaria defendendo a reputaçao pro issional de seu

senhor, e mentiria se assim fosse necessario. Sob estas circunstancias, a reputaçaopro issional seria quase o equivalente a vida, e poderia haver uma emergencia quasedaPrimeiraLeiparaforçaramentira.

—Mas,pelamentira,cadacriadoestariaferindoareputaçaopro issionaldosenhordooutro,amigoElijah.

— Issomesmo,mas cada robo pode terumconceitomelhorda reputaçaode seuproprio senhor, e honestamente considera-lamaior que a do outro. Omenor dano seriacausadoporsuamentira,elesuporia,doquepelaverdade.

Tendodito,LijeBaleypermaneceuquietoporummomento.-Estabem,entaopodefazercomqueeupossafalarcomumdosrobôs;comR.Iddaprimeiro,acho?

—Orobôdodr.Sabbat?—Sim—respondeuBaley,secamente—,orobôdorapazinho.—Vailevarsoalgunsminutos.Tenhoummicrorreceptorequipadocomumprojetor.

So preciso de uma parede branca e acho que esta aqui serve, se me ajudar a removeralgumasdestasestantesdefilmes.

—Váemfrente.Precisareifalarnummicrofonedealgumaespécie?— Nao; podera falar normalmente. Por favor, perdoe-me, amigo, por mais um

momentodeespera.TereideentraremcontatocomanaveearranjaraentrevistacomR.Idda.

—Selevaralgumtempo,Daneel,quetalmedaromaterialtranscritodaevidencia

obtidaatéagora?Lije Baley acendeu seu cachimbo enquanto R. Daneel montava o equipamento, e

folheavaocalhamaçoquerecebera.OsminutospassarameR.Daneeldisse:-Seestapronto,amigo,R.Iddatambemesta.

Ouquermaisalgunsminutoscomatranscrição?—Nao - suspirouBaley.—Naoestouaprendendonadadenovo.Façaa ligaçao,e

providencieparaqueaentrevistasejagravadaetranscrita.R. Idda, irreal em sua projeçato bidimensional contra a parede, era de estrutura

basicamentemetalica-naoacriaturahumanoidequeeraR.Daneel.Seucorpoeraalto,mastroncudo,ehaviamuitopoucoqueodistinguissedosmuitosrobosqueBaleyjavira,excetoporminúciasestruturais.

Baleydisse:-Saudações,R.Idda.— Saudaçoes, senhor — respondeu R. Idda, numa voz abafada que soou

surpreendentementehumanóide.—VocêéocriadopessoaldeGennaoSabbat,nãoé?—Sou,senhor.—Háquantotempo,rapaz?—Hávinteedoisanos,senhor.—Eareputaçãodeseusenhorlheécara?—Sim,senhor.—Vocêachariaimportanteprotegeressareputação?—Sim,senhor.—Tãoimportanteprotegersuareputaçãoquantoprotegersuavida?—Não.senhor.—Tãoimportanteprotegersuareputaçãoquantoareputaçãodeoutrem?R. Idda hesitou. - Tais casos devem ser decididos segundo seumerito individual,

senhor.Nãohámeiodeseestabelecerumaregrageral.Baleyhesitou.Essesrobôsespaçonautaserammaismelífluoseintelectualizadosque

osmodelosterráqueos.Nãotinhacertezadequepoderiasermaisespertoqueumdeles.—Sevocedecidissequeareputaçaodeseusenhorfossemaisimportantequeade

outro,digamos,queadeAlfredBarrHumboldt,vocementiriaparaprotegerareputaçaodeseusenhor?

—Sim,senhor.—Vocementiuemseutestemunhoconcernenteaseusenhoremsuacontroversia

comodr.Humboldt?—Não,senhor.— Mas, se estivesse mentindo, negaria a mentira para proteger aquela mesma

mentira,nãoé?—Sim,senhor.—Entao,vamosconsideraroseguinte:seusenhor,GennaoSabbat, eumjovemde

grandereputaçaonamatematica,maseapenasumrapaz.Se,nestacontroversiacomodr.Humboldt,tivessesucumbidoatentaçaoeagidosemetica,sofreriaumcertoeclipsedesuareputaçao, mas e jovem, e teria muito tempo para se recuperar. Teria muitos triunfos

intelectuaisasuafrenteeoshomenscontemplariameventualmentesuatentativadeplagiocomoumerrodeumrapazdesanguequente,comodiscernimentoaindade iciente.Seriaalgoreparávelparaofuturo.

Se, por outro lado, fosse o dr. Humboldt a sucumbir a tentaçao, a questao icariamuitomaisseria.Eleeumanciao,cujosgrandesfeitosjaseespalharamaolongodeseculos.Suareputaçaoatehojetemsidosemmacula.Tudoisso,porem,seriaesquecidoaluzdesteunico crime em seus ultimos anos, e nao teria oportunidade de compensar no tempocomparativamente curto que lhe resta. Haveria pouco mais que ele pudesse realizar.HaveriaparaHumboldttantosanosdetrabalhoarruinadosetantasoportunidadesamenospara reconquistar suaposiçao!Vocepercebe,nao, queHumboldt sedefronta comapiorsituação,emereceamaiorconsideração?

Houve uma longa pausa. Entao R. Idda disse, com a voz inalterada: — Meutestemunho foi mentiroso. Foi o trabalho do dr. Humboldt de que meu senhor tentou,erroneamente,tomarocrédito.

— Muito bem, meu rapaz. Voce esta instruıdo para nao dizer nada a ninguem arespeitodistoatéquelhesejadadapermissãopelocapitãodanave.Estádispensado.

AtelaseapagoueBaleydeuumascachimbadas.-Achaqueocapitaoescutouisso,Daneel?

—Estoucertoquesim;eleéaúnicatestemunha,alémdenós.—Bom.Agora,ooutro.—Masháalgumproveitonisso,amigoElijah,emvistadoqueR.Iddaconfessou?—Claroquehá;aconfissãodeR.Iddanadasignifica.—Nada?— Absolutamente nada. Apontei a situaçao do dr. Humboldt como a pior.

Naturalmente, se ele estavamentindo para proteger Sabbat, passaria a dizer a verdade,como de fato alegou que fez. Por outro lado, se estivesse dizendo a verdade, passaria amentiraparaprotegerHumboldt.Aindaéomesmoespelho,eemnadaprogredimos.

—Masentão,oqueganharíamosinterrogandoR.Preston?—Nada,seaimagemespecularfosseperfeita...masnaoe.A inal,umdosrobosesta

contandoaverdade,paracomeçar,eumestamentindo,paracomeçar,eaquiestaumpontoassimetrico.Deixe-meverR.Preston.EseatranscriçaodointerrogatoriodeR.Iddaestiverterminada,deixever.

Oprojetorvoltouaserusado.R.Preston icouolhando:identicoaR.Idda,sobtodososaspectos,excetoporalgumatrivialidadenodesenhodopeito.

— Saudaçoes, R. Preston. — E mantinha a transcriçao de R. Idda a sua frente,enquantofalava.

—Saudações,senhor.-SuavozeraidênticaádeR.Idda.—VocêéocriadopessoaldeAlfredBarrHumboldt,nãoé?—Sim,senhor.—Háquantotempo,rapaz?—Hávinteedoisanos,senhor.—Eareputaçãodeseusenhorlheécara?—Sim,senhor.—Vocêachariaimportanteprotegeressareputação?

—Sim,senhor.—Tãoimportanteprotegersuareputaçãoquantoprotegersuavida?—Não,senhor.—Tãoimportanteprotegersuareputaçãoquantoareputaçãodeoutrem?R.Prestonhesitou.-Taiscasosdevemserdecididossegundoseumeritoindividual,

senhor.Nãohámeiodeseestabelecerumaregrageral.—Sevocedecidissequeareputaçaodeseusenhorfossemaisimportantequeade

outro,digamos,queadeGennaoSabbat,vocementiriaparaprotegerareputaçaodeseusenhor?

—Sim,senhor.—Vocementiuemseutestemunhoconcernenteaseusenhoremsuacontroversia

comodr.Sabbat?—Não,senhor.— Mas, se estivesse mentindo, negaria a mentira para proteger aquela mesma

mentira,nãoé?—Sim,senhor.— Entao, vamos considerar o seguinte: seu senhor, Alfred Barr Humboldt, e um

anciaodegrandereputaçaonamatematica,maseapenasumvelho.Se,nestacontroversiacomodr.Sabbat,tivessesucumbidoatentaçaoeagidosemetica,sofreriaumcertoeclipsedesuareputaçao,massuaidadeavançadaeseusseculosderealizaçoesseimporiam,eeleganharia.Oshomenscontemplariamestatentativadeplagiocomooenganodeumvelhotalvezdoente,comodiscernimentojáincerto.

Se,poroutrolado, fosseodr.Sabbatasucumbir a tentaçao,aquestaoseriamuitomaisseria.Eleeumjovem,comumareputaçaomuitomenossegura.Ordinariamente,teriaseculosasuafrente,aolongodosquaispoderiaacumularconhecimentoerealizargrandesfeitos.Istoestariafechadoparaele,agora,obscurecidoporumerrodesuajuventude.Comovê,Sabbatsedefrontacomapiorsituação,nãoé?Elemereceamaiorconsideração?

Houve uma longa pausa. Entao R. Preston disse, com a voz inalterada: — Meutestemunhofoicomoeu...

Nesteponto,interrompeu-seenãodissenadamais.Baleydisse:—Porfavor,continue,R.Preston.Nãohouveresposta.—Receio,amigoElijah,queR.Prestonestejaemestase.Estáforadefuncionamento-

disseR.Daneel.—Bem,entao-respondeuBaley— inalmentecausamosumaassimetria.Apartir

daqui,podemosverqueméoculpado.—Dequemaneira?—Penseso:suponhaquevocefosseumapessoaquenaotivessecometidonenhum

crimeequeseurobopessoalfossetestemunhadele.Naohaverianadaquevoceprecisassefazer.Seurobodiriaaverdadeeoapoiaria.Se,porem,vocefosseumapessoaquetivessecometido um crime, teria de depender de seu robomentir. Esta posiçao seria um tantoarriscada,poisseorobômentisse,senecessário,suamaiorinclinaçãoseriadizeraverdade,demodo que amentira seriamenos irme que a verdade. Para evitar isso, o criminosoprovavelmentedeveriaterordenadoqueorobomentisse.Destarte,aPrimeiraLeisofreria

reforçopelaSegundaLei,quiçásubstancialmentereforçada.—Issoparecerazoável—respondeuR.Daneel.—Suponhaquetemosumrobodecadatipo.Umpassariadaverdade,semreforço,a

mentira,eassim,depoisdealgumahesitação,poderia faze-lo semproblema serio. O outro robo passaria damentira,commuito

reforço, a verdade, mas so poderia faze-lo com o risco de queimar varias trajetoriaspositrônicasdeseucérebro,ecairemestase.

—EcomoR.Prestoncaiuemestase...—0senhordeR.Preston,odr.Humboldt,eoculpadodeplagio.Setransmitiristoao

capitao,einsta-loaconfrontarodr.Humboldtimediatamentecomaquestao,poderaforçarumaconfissão.Casoemquevocêdeverámeinformarimediatamente.

—Certamentequeofarei.Podedesculpar-me,amigoElijah?Devofalaremparticularcomocapitão.

—Claro;useasaladereuniões.Étotalmenteisolada.Baleynao conseguiu fazer trabalhodequalquerespecie,naausenciadeR.Daneel.

Ficou sentado, num silencio inquieto. Muito dependia do valor de sua analise, e estavaagudamentecônsciodesuafaltadecompetênciaemrobótica.

R.Daneelestavadevoltaemmeiahora,ameiahoramaislonganavidadeBaley.Naoadiantava,eclaro,tentardeterminaroqueacontecerapelaexpressaonorosto

impassíveldohumanóide.Baleytentoutambémmanterseurostoimpassível.—Sim,R.Daneel?—Precisamente comovocedisse, amigoElijah.Odr.Humboldt confessou.Estava

contando,disse,comadesistenciadodr.Sabbatedeixandoodr.Humboldtterseuultimotriunfo.A crisepassou,eo senhorvera comoocapitaopodeseragradecido.Eledeu-mepermissao para dizer-lhe que admira grandemente a sua sutileza e creio que eumesmoganhareiseusfavoresportersugeridoquerecorresseavocê.

—Otimo-disseBaley, joelhostremuloseatesta umida,agoraquesuadecisaosemostraraacorreta.Mas,porSãoJosafá,R.Daneel,nãomecoloquenafogueiradenovodessejeito,sim?

—Tentarei,caroamigo.Tudodependera, e claro,da importanciadeumacrise,desuaproximidade,edecertosoutrosfatores.Entrementes,tenhoumapergunta...

—Sim?—Nao seria possıvel supor que a passagem damentira a verdade fosse facil, ao

passo que a passagemda verdade para amentira fosse difıcil? E, neste caso, o robo emestasenaoestariapassandodaverdadeamentira,ecomoR.Preston icouemestase,naosepoderiatiraraconclusãodequeodr.Humboldtestavainocenteeodr.Sabbat,culpado?

—Sim,R.Daneel.Seriapossıvelargumentarassim,masfoiooutroargumentoquesemostrouverdadeiro.Humboldtconfessou,nãoé?

—Sim;mascomosargumentospossıveisemambosossentidos,comovoce,meuamigo,tãorapidamenteescolheuocerto?

Porummomento,oslabiosdeBaleyseretorceram.Entaorelaxoueelessecurvaramnum sorriso.— Porque, R. Daneel, levei em consideraçao as reaçoes humanas, e nao asrobóticas.Seimaissobresereshumanosdoquesobrerobôs.Emoutraspalavras,eujátinhaumaideiasobrequaldosmatematicosestavaerradoantesdeentrevistarosrobos.Umavez

que provoquei uma resposta assimetrica neles, simplesmente a interpretei colocando aculpanaqueledequem ja descon iava.A respostado robo foi dramaticaobastanteparadenunciar o culpado; minha analise do comportamento humano poderia nao ter sidosuficienteparafazê-lo.

—Estoucuriosoparasaberqualfoiasuaanálisedocomportamentohumano.—PorSaoJosafa,R.Daneel,pense,enaoprecisaraperguntar.Haumoutropontode

assimetrianessahistoriadeimagemespecularalemdaquestaodeverdadeementira.Haaquestãodaidadedosdoismatemáticos:umébemvelho,eooutroéjovem.

—Sim,éclaro,masedaí?— Ora, isto: posso ver um jovem, subitamente atordoado com uma subita,

surpreendenteerevolucionariaideiaconsultando-sesobreoassuntocomumvelhoqueeleteve,desde seusprimeirosdias comoestudante, comoumsemideusnocampo.Masnaoposso imaginar um velho, rico em honras e acostumado a triunfos, vir com uma subita,surpreendente e revolucionaria ideia, consultar um homem seculosmais jovem, a quemveriaapenascomoumfrangotepresunçoso—ouqualquerquesejaoinsultoemqueumespacialpensaria.Etambem,seumrapaztivesseachance,porquetentariaroubaraideiadeumsemideusreverenciado?Seriaimpensavel.PoroutroladOiumvelho,conscientedesuas forças declinantes, muito bem poderia agarrar-se a uma ultima chance de fama econsiderarumrapazemsuaareasemosdireitosquedeveriarespeitar.Emsuma,naoeraconcebıvelqueSabbattivesseroubadoaideiadeHumboldt,edeambosospontosdevista,odr.Humboldteraculpado.

R.Daneel re letiu longamente, e entaoestendeu suamao: -Preciso ir agora, amigoElijah.Foibomtê-lovisto.Oxalápossamosnosencontrarlogo,denovo.

Baleyagarrouamaodorobo,calorosamente:-Senaoseimporta,R.Daneel,naotaologo.

15- O incidente do tricentenário

4 de julho de 2076... e pela terceira vez o incidente do sistema convencional de

numeraçao,baseadanaspotenciasdedez,conduziraosdoisultimosdıgitosdoanodevoltaaofunesto76,quetinhavistoonascimentodeumanação.

Nãoeramaisumanação,novelhosentido,eraantesumaexpressãogeográfica,partedeumtodomaiorquecompunhaaFederaçaodetodaahumanidadesobreaTerra, juntocomseusramosnaLuaenascolôniasespaciais.Pelaculturaepelaherança,todavia,onomeeaideiacontinuavamvivos,eestaporçaodoplanetadesignadapelovelhonomeaindaeraamaisprosperaeavançadaregiaodomundo...EoPresidentedosEstadosUnidoseraaindaamaispoderosapersonalidadeindividualdoConselhoPlanetário.

Lawrence Edwards observava a pequena igura do Presidente do alto de seussessenta metros. Movia-se preguiçosamente por sobre a multidao, com seu motorlotronicofazendoumsomdesengonçadoquepoucoseouvia,assuascostas,eoqueeleviatinha exatamente a aparencia que qualquer um veria numa cena de holovisao. Quantasvezesviraele iguraspequeninascomoestaemsuasaladevisitas, igurinhasnumcubodeluzsolar,parecendotaoreaiscomosefossemhomunculosvivos,excetoquesepodiaporamãoatravésdelas.

Naosepoderiaporamaoatravesdas igurinhasqueseespalhavamasdezenasdemilharesporentreosespaçosquerodeavamoMonumentoaWashington.EnaosepoderiapôrosdedosatravésdoPresidente.Antes,sepoderiaalcançá-lo,tocá-lo,apertarsuamão.

Edwardspensousardonicamentena inutilidadedaqueleelementodetangibilidadequeforaacrescentadoedesejouestaraduzentosquilometrosdedistancia, lutuandopelosaresemalgumaregiaoselvagem,emvezdeestaraquiondeseachava,aobservarqualquerindıcio de desordem. Nao havia razao alguma para ele estar aqui, nao fosse o valormitológicoda"pressãosobreacarne".

EdwardsnaoeraumadmiradordoPresidente-HugoAllenWinkler,quinquagesimosétimodalista.

ParaEdwards,oPresidenteWinklerpareciaumhomemvazio,agradavelaosoutros,um caçador de votos, um prometedor. Era desapontador ter um homem como este nafunçao que ocupava, depois de todas as esperanças dos seus primeiros meses deadministraçao.AFedereçaoMundial estavaemperigode sedesmantelarmuitoantesdeseumandatoterminareWinklernadapodiafazer.Precisava-seagoradeumamãoforte,nãodeumamãoalegre,umavozforte,nãoumavozadocicada.

Laestavaele,agora,apertandomaos,comumespaçoemtornodele,conseguido aforça pelo Serviço, com o proprio Edwards, mais uns poucos outros do Serviço, aobservarem,ládecima.

Certamente o Presidente concorreria a reeleiçao, e parecia haver uma boapossibilidadedequeeleseriaderrotado.Istosopiorariaascoisas,vistoqueoempenhodopartidooposicionistaeraadestruiçãodaFederação.

Edwardssuspirou.Seriammiseraveisosquatroanosvindouros-talvezosquarenta-e tudoqueelepodia fazerera lutuarnoar,prontoaentraremcontactocomqualqueragentedoServiçoláembaixo,nosolo,pelolaserfonesehouvesseomenorindício...

Naoviuomenorindıcio.Naohaviasinaldedisturbio.Soumsoprodepoeirabranca,di icilmente visıvel, apenas uma cintilaçao momentanea a luz do sol, para cima e seafastando,equeseafastoucomamesmarapidezcomqueeleavira.

OndeestavaoPresidente?Comapoeira,perdera-odevista.Olhouemtorno,nasvizinhançasdeondeovirapelaultimavez.A inal,oPresidente

nãopoderiaterseafastadotanto.Foientaoquetomouconscienciadaperturbaçao.Primeiro,aperturbaçaofoientre

os proprios agentes do Serviço, que pareciam ter enlouquecido, e que loucamente semoviam, aos empurroes. Depois, os agentes situados em meio a multidao que estavaproxima icaram contagiados e, sucessivamente, os agentes mais distantes. O ruıdoaumentou,tornando-seumatrovoada.

Edwardsnaotevedeouviraspalavrasquecompunhamocrescenterugido.Pareciaqueo rugido lhe trazia asnotıciaspelo seuproprio clamor, pela suapropriaurgencia.OPresidente Winkler tinha desaparecido! Um momento atras, la estava e, no momentoseguinte,desapareceraemmeioaumpunhadodepó!

Edwards contevea respiraçaonumaagonizanteesperaduranteoque lhepareceuummomentodeeternidade,ateo longomomentoemque inalmenteseentendeuoquesucederaeemqueamultidãoirrompeunumestampidodoido,desublevação.

Foiquandoumaressonantevozsoouporsobreodisformealaridoe,aoouvi-la,oruıdofoiarrefecendo,morreuesetornouumsilencio.Eracomose,a inaldecontas,tudonaopassassedeumprogramaemholovisaoealguemtivessebaixadoosomapontodeserinaudível.

Edwardspensou:MeuDeus,éoPresidente!Naohaviacomoseenganar,quantoavoz.Winklerestavadepe,nopalcoguardado

no qual deveria proferir sua alocuçao relativa ao Tricentenario e do qual ele saıra faziaapenasdezminutosparaapertarmãosdealgunsdentreamultidão.

Comoéqueelevoltaraparalá?...Edwardsouviu...- Amigos dos Estados Unidos, nada me aconteceu. O que acabaram de ver foi a

quebradeumaparelhomecanico.NaoeraoPresidentedevoces,deformaquenaovamospermitirqueumafalhamecanicaobscureçaacelebraçaododiamaisfelizqueomundojaviu...Dêem-mesuaatenção,amigosdosEstadosUnidos...

E seguiu-se a alocuçao do Tricentenario, a maior que Winkler ja izera, ou queEdwardsouvira.Edwardscomoqueesqueceusuasfunçoesdesupervisaoemsuaansiedadedeouvir.

Winkler acertara!Compreendera a importancia da Federaçao e estava se fazendocompreender.

Bemlanoıntimo,contudo,outrapartedeleestavalembrandoosinsistentesboatosdequeosultimosprogressosnaroboticahaviamresultadonafabricaçaodeumroboemulodoPresidente,umroboquepoderia sedesincumbirdas funçoespuramente cerimoniais,quepodiaapertarasmaosdopovo,quenuncaestariaaborrecidoouexausto,nempoderia

serassassinado...Edwards,decertamaneirachocado,pensavaqueistoeoquedeveriateracontecido.

Existiamesmoo tal robo semelhanteaoPresidentee,numcertosentido... elehaviasidoassassinado.

13deoutubrode2078.Edwardsolhouparacima,quandoseaproximouseurobo-guia.decinturaalta,alhe

dizer,melifluamente:-OSr.Janekquervê-loagora.Edwardspos-sedepe,sentindo-sealto,olhandooatarracadoguiametalicodecima.

Contudo,nao se sentia jovem.Seu rosto tinha sulcos, amealhadosnos ultimosdoisanos,maisoumenos,eeleestavacientedisto.

Seguiu o guia ate uma sala surpreendentemente pequena, onde, atras de umaescrivaninhasurpreendentementepequena,sentava-se

Francis Janek, um homem de aparencia incongruentemente jovem, um tantobarrigudo.

Janeksorriueseuolhareraamistosoaoseerguerparaoapertodemãos.-Sr.Edwards.Edwardsmurmurou:-Estoufelizporteraoportunidade,senhor...Nunca Edwards vira Janek antes, mas aquela altura ser secretario pessoal do

Presidenteeraumafunçãotranquila,dasquedavammargemapoucasnotícias.Janekdisse:-Sente-se,sente-se.Querumbastãodesoja?Edwards recusou, comum sorriso polido, e sentou-se. Janek estava claramente

enfatizando sua juventude. Sua camisa enrugada estava aberta e os pelos de seu peitotinhamsidotingidosdeumvioletanítido,aindaqueabrandado.

Janekfalou:-Seique,aestaaltura, ja fazalgumassemanasquetemtentadoentraremcontato

comigo. Lamento a demora. Espero que entenda que meu tempo nao me pertenceinteiramente.Dequalquerforma,caestamosnos,agora...Porfalarnisso:entreiemcontactocomoChefedoServiço,eelefezasmelhoresreferenciasaseurespeito.Elelamentaoseupedidodedemissão.

Comoolharabatido,Edwardsdisse:-Pareceu-memelhorlevaravanteminhasinvestigaçoes,semperigodeembaraçaro

Serviço.UmsorrisocintilounorostodeJanek.-Suasatividades,mesmosendodiscretas,contudo,jaforamnotadas.OChefeexplica

quevocetemestadoainvestigaroincidentedoTricentenarioedevoadmitirquefoiissoquemepersuadiuave-lotaocedoquantopude.Foiporissoquepediuasuademissao?Estainvestigandoumassuntoencerrado.

-Assuntoencerradocomo,Sr.Janek?OfatodeosenhorchamaroqueaconteceudeIncidentenãoalteraofatodequefoiumatentativadeassassinato.

-Umaquestãodesemântica.Porqueusarumafraseperturbadora?-Soporquepareceriarepresentarumaverdadeperturbadora.Comcertezaosenhor

diriaquealguémtentoumataroPresidente.Janekestendeuasmãos.-Sefoiistoqueocorreu,atramamalogrou.Uminstrumentomecanicofoidestruıdo.

Nada mais. Na verdade, se considerarmos adequadamente o Incidente, ou como queiradenomina-lo,fezumenormebemanaçaoeaomundo.Comotodossabemos,oPresidentefoiabaladopeloIncidenteetambemanaçao.OPresidenteetodosnospercebemosoquepoderia signi icar um retorno a violencia do seculo passado e isto produziuuma grandereviravolta.

-Nãonegoisso.- Logico que nao pode. Mesmo os inimigos do Presidente admitirao que os dois

ultimosanosviramgrandesrealizaçoes.AFederaçaoehojemuitıssimomaisfortedoquequalquerpessoasonhariaqueelafosse,nodiadoTricentenario.Poderıamosatedizerqueseimpediuumadesintegraçãodaeconomiaglobal.

Cautelosamente,Edwardsdisse:-Sim,oPresidentemudou.Éoquetodosdizem.Janekretomouapalavra:-Semprefoiumgrandehomem.OIncidentefe-loconcentrar-senosgrandestemas

comumaintensidadeaindamaior,contudo.-Coisaqueelenãofaziaantes?- Talvez nao com tanta intensidade... Na verdade, hoje, o Presidente e todos nos

queremosesqueceroIncidente.Meuobjetivoprincipale,aove-lo,Sr.Edwards,deixaristobem claro para o senhor. Nao estamos no Seculo Vinte e nao podemos encarcera-lo porestar sendo inconveniente para nos, ou embaraça-lo de algumamaneira, mas mesmo aConstituiçãoMundialnãonosproíbedetentarpersuadi-lo.Estámeentendendo?

-Estousim,masnaoconcordocomosenhor.Podemosesquecero Incidente, seapessoaresponsávelnuncafoidetida?...

-Talveztudoestejabem,senhor.Muitomelhordoquepoderiapensarumapessoa...num... uma pessoa desequilibrada que nao queira entender que o assunto nao tem asproporçoesquesequerlhedar,numcenarioque,possivelmente,noslevariadevoltaaosdiasdoSéculoVinte.

-Masanarrativao icialchegaaa irmarqueoroboexplodiuespontaneamente,oqueéimpossível,oquefoiumgolpeinjustoparaaindústriaderobôs.

- Robo e um termo que eu nao usaria, Sr. Edwards. Era um aparelho mecanico.Ninguem disse que os robos sao perigosos de per si, e certamente nao o sao os robosmetalicosrotineiros.Aunicareferenciaaquieaosinstrumentosincomumentecomplexos,semelhantes ao homem, que parecem de carne e osso, e que poderıamos chamar deandroides.Naverdade,saotaocomplexosquetalvezpossamexplodirporIssomesmo;naosouumperitonoassunto.Aindústriaderobôsserecobrará.

Obstinadamente,Edwardsdisse:-Ninguem,nogoverno,parecesepreocuparcomofatodequeatingiremosounaoo

âmagodaquestão.-Jaexpliqueiquenaohouveconsequenciassalvoasboas.Porque icarrevolvendoo

lodolánofundo,quandoaágua,emcima,estálimpa?-Eousododesintegrador?Porummomento,amaodeJanek,quelentamentegiravaorecipientecombastoes

de soja, sobre amesa, se deteve. Depois, ela voltou aomovimento rıtmico. Suavemente,falou:

-Queéisso?Comardecidido,Edwardsdisse:-Sr.Janek,pensoquesabedoqueestoufalando.ComomembrodoServiço...-Aoqualvocê,logicamente,nãomaispertence.-Naoobstante,comomembrodoServiço,naopudedeixardeouvircoisasque,nem

sempre,eramdestinadasameusouvidos,suponho.Ouvifalardeumanovaarma,evialgoacontecer no Tricentenario que exigiria uma. O objeto que todos pensavam que fosse oPresidentedesapareceuemmeioaumanuvemdepomuito ino.Eracomosecadaatomodoobjetocontidodentrodoslimitesdanuvemperdesseosvınculoscomosoutrosatomos.O objeto se tornara uma nuvem de atomos individuais que, por certo, começaram a serecombinar,masquesedispersaramcomumarapideztalquenaoderamaimpressaodeseremmaisdoqueumacintilaçãomomentâneadepoeira.

-Muitoficçãocientíficaisso...-Elogicoqueentendoacienciaquepossaestarportrasdisso,Sr.Janek,maspercebo

que serianecessariamuitıssimaenergiapara se conseguir estaquebradevınculos.Essaenergia teria de ser retirada do ambiente. Aquelas pessoas que estavam proximas doaparelhomecanicoquefaziaasvezesdoPresidentenomomento,quepudelocalizarequeconcordaram em falar, foram unanimes em relatar uma onda de frio que como que asbanhou.

Janek pos o recipiente com bastoes de soja de lado comumpequeno estalido dodispositivocontracelulite.Disse:

-Apenasparaargumentar,admitamosqueexistaalgocomoumdesintegrador.-Nãoprecisaargumentar:eleexiste.-Naovouargumentar.Pessoalmente,naoconheçootaldedesintegrador,mas,em

minhasatribuiçoes,naoeprovavelqueeudesconheçaalgoquetantaressonanciatenhaemquestoesatinentesasegurançacomoarmamentonovo.Mas,seexistirumdesintegrador,esefortaosecretoassim,precisaserummonopolionorte-americano,desconhecidodorestodaFederaçao.Logo,deveriaseralgosobreoqualnemeunemosenhordeverıamosestarfalando. Poderia ser uma arma de guerra mais perigosa que as bombas nucleares,precisamenteporque,seoquedizeverdade,naoproduznadamaisquedesintegrarondesedáoimpacto,efrionasvizinhançasdoimpacto:Nenhumaexplosão,nenhumfogo,nenhumaradiaçãomortal.Semestesdesagradáveisefeitossecundários,nãohaveriarepressãoaoseuuso,sebemqueestaarma,portudoquantosabemos,poderiaserconstruıdanumtamanhobastanteparadestruiropróprioplaneta.

-Concordocomtudoisto-disseEdwards.-Voceveentaoque,senaohouverdesintegrador,etolicefalararespeitodeum;ese

houverumdesintegrador,écriminosofalardele.— Ainda nao discuti isto, exceto com o senhor, agora, porque estou tentando

persuadi-lodaseriedadedasituaçao.Sefoiusadoum,porexemplo,ogovernonaodeveria

estar interessadoemdecidircomochegouaserusado,casooutraunidadedaFederaçaoestejadepossedeum?

Janeksacudiuacabeça.- Penso que podemos nos apoiar no fato de que os orgaos do governo disso

incumbidos eque teraodeestudaroassunto.Emelhorquevocenaosepreocupecomaquestão.

Comumaimpaciênciaqueacustoconseguiacontrolar,Edwardsdisse:-PodemegarantirosenhorqueosEstadosUnidossaoounicogovernoquetemesta

armaàsuadisposição?-Naopossolhea irmaristo,vistoquenadaseisobreessaarma,enaovireiasaber.

Nemdeveriaterfaladocomigosobreesteassunto.Mesmonaoexistindosemelhantearma,oboatodesuaexistênciapoderáserperigoso.

-Mas, vistoque lhe falei, evistoqueomal ja esta feito,deixe-meacabarde falar.Deixe-meteraoportunidadedeconvencê-lodequeosenhoreninguemmais,detemachavedeumasituaçãotemívelquetalvezsóeuestejavendo.

-Sóvocêestávendo?Eutenhoachave?-Parece-lheloucura?Deixe-meexplicaredepoisjulgueporsimesmo.-Vouconceder-lheumpoucomaisdetempo,masmantenhooquea irmei.Osenhor

precisaabandonaristo,esteseuhobby,estainvestigação.Elaéterrivelmenteperigosa.-Abandonaroassuntoequeseriaperigoso.Naoestavendoque,seodesintegrador

existe,eseosEstadosUnidostemoseumonopolio,segue-sequeonumerodepessoasquepoderiateracessoaeledeveriaserestritamentelimitado?Comoex-integrantedoServiço,tenhoalgumconhecimentopraticodoassuntoea irmo-lhequeaunicapessoadomundoque poderia tentar surripiar de nossos arsenais ultra-secretos um desintegrador seria oproprio Presidente... Somente o Presidente dos Estados Unidos, Sr. Janek, poderia terengendradoaquelatentativadeassassinato.

Ambos icaramaseolhar ixamente,porummomento,aposoqueJanekapertouumbotãoemsuamesa.Esclareceu:

- Aumentei os cuidados. Agora, ninguem, de modo algum, pode nos ouvir. Estapercebendo o perigo de sua a irmaçao, Sr. Edwards? Perigo para si mesmo? Nao devesuperestimarovalordaConstituiçaoGlobal.Umgovernotemodireitodetomarmedidasrazoáveisparaprotegersuaestabilidade.

Edwardsdisse:-Estoumeaproximandodosenhor,Sr. Janek,comosendoalguemque,presumo, e

umlealcidadaonorte-americano.Venhoasuapresençacomanotıciadeumcrimeterrıvelqueafeta todososnorte-americanos e aFederaçao inteira.Umcrimequeproduziuumasituaçãoquetalvezsóosenhorpossacorrigir.Porquemeagridecomameaças?

Janekdisse:-Easegundavezquevocetentadaraentenderquesouumsalvadorempotencialdo

mundo.Naopossomevernestepapel.Esperoquevoceentendaquenaotenhopoderesforadocomum.

-OsenhoréosecretáriodoPresidente.- O quenão signi ica que tenho acesso especial a ele, ou que eu seja alguem com

ıntimorelacionamentocomele.Ocasioesha,Sr.Edwards,emquesuspeitoqueosoutros

consideramquenaosoumaisdoqueumfracassado,ehaatemesmoocasioesemquecorrooperigodeconcordarcomestaspessoas...

-Sejalacomofor,osenhorveoPresidentecomfrequencia,informalmente,osenhorovê...

Impaciente,Janekointerrompeu:-Vejo-oobastantepara lhe garantirqueoPresidentenaoordenaria adestruiçao

daquelesósiamecânicodelenodiadoTricentenário.-Querdizerque,emsuaopinião,istoéimpossível?-Naoestoua irmandoisto.Eudiriaquenao.A inaldecontas,porqueequeelefaria

isto?PorquequereriaoPresidentedestruirumandroidesemelhanteaele,quelhefoidevaliosaajudaaolongodostresprimeirosanosdeseumandatocomoPresidente?Ese,porqualquerrazao,elequisessedestruirorobo,comtodososdiabos,porquedesejariafaze-lodeumamaneirataoescandalosamentepublica,nadamais,nadamenos,noTricentenario,fazendo,destarte,propagandadesuaexistencia,arriscando-seaumareaçaopublica,seopovo soubesse que estava apertando as maos de um robo, sem falar nas repercussoesdiplomaticas do fato de representantes diplomaticos de outras partes da Federaçaoestarematratarcomumrobo?...Emvezdisso,elepoderiasimplesmenteterordenado,emcaraterprivado,queorobofossedesmontado.IstososeriadoconhecimentodeunspoucoselementosdaaltahierarquiadaAdministração.

-Dequalquerforma,naohouveconsequenciasindesejaveisparaoPresidente,comoresultadodoIncidente,nãoé?

-Eletevedeencurtaracerimônia.Ejánãoémaistãoacessívelcomoeraantes.-Comoorobôera.-Seja-admitiuJanek,poucoàvontade.-Sim,acreditoqueéissomesmo.Edwardsdisse:-E,naverdade,oPresidente foireeleitoesuapopularidadenaodiminuiu,mesmo

tendoadestruiçãosidopública.Argumentarcomadestruiçãopúblicanãoétãoconvincentecomoosenhorestáquerendofazerparecer.

- Mas a reeleiçao veioa despeito do Incidente. Ela se deveu a rapida açao doPresidente,dandoumpassoavanteepronunciandoaquiloquevocetemdeadmitircomotendosidoumadasgrandesfalasdahistorianorte-americana.Foiumaperformancemuitoadmirável:vocêtemdeadmitirisso.

- Foi um dramamuito bem representado. Poder-se-ia ate dizer que o Presidenteestavacontandocomaquilo...

Janekinclinouparatrásoencostodesuapoltrona.-Sebemoentendo,Edwards,voceestainsinuandoumargumentomuitocomplicado

denovela. Esta querendodizer que o Presidente fez destruir o sosia do jeito que ele foidestruıdo, emmeio a umamultidao, justo no dia da celebraçao doTricentenario, comomundoobservando,de formaaconseguiraadmiraçaopopularporseuespıritoresoluto?Estainsinuandoqueeleurdiutodaestatramaparacriarumareputaçaodehomemdeuminesperado vigor, de uma inesperada força, debaixo de circunstancias extremamentedramaticas,deformaatransformarumacampanhaqueolevariaaderrotanumacampanhavitoriosa?...Parecequeosenhorandoulendocontosdefadas,Sr.Edwards.

Edwardsdisse:

-Seeuestivessequerendoa irmartudoisto,seriarealmenteumcontodefadas,masnaoestouquerendo.NuncainsinueiqueoPresidenteordenoua"morte"dorobo.Apenaslhepediquepensasseseistoseriapossıveleosenhora irmoucommuitaenergiaatequenaoseria.Estoucontentepelofatodeosenhorassimterprocedido,poisconcordocomosenhor.

- Entao, por que tudo isto? Estou começando a descon iar que o senhor esta mefazendodesperdiçartempo.

-Ummomentomais, por favor.Nunca lhe ocorreuperguntar por que a coisa naopoderiatersidofeitacomumfeixelaser,comumdesativadordecampo,comumamarreta,pelo amor de Deus? Por que alguem se daria ao trabalho de se meter numa incrıvelcomplicaçao, arranjandouma arma guardada pelamais forte segurança que um governopoderiater,paraexecutarumatarefaquenaoexigiriaumaarmadesteporte?Pondodeladoadificuldadedeobteraarma,porquearriscar-searevelaraexistênciadeumdesintegradoraorestodomundo?

-Todaestahistóriadedesintegradoréapenasumateoriasua.- O robo desapareceu totalmente, diante de meus olhos. Eu estava observando.

Portanto, nao estou me apoiando em depoimentos alheios. Nao importa o nome que osenhoremprestaaarma;sejaqualforonome,teveoefeitodedesmontaroroboatomoporatomo,espalhandotodosessesatomosdemaneirairrecuperavel.Porquefazeristo?Foiumtremendomassacre.

-Nãoseioquesepassavanamentedequemfezisto.-Nao?Aindaassim,amimmeparecequesohaumarazao logicaparaoroboser

reduzidoapo,quandoalgomuitomaissimplespoderiaterlevadoadestruiçao.Areduçaoaponaodeixouvestıgioalgumdoobjeto,dorobo.Nadadeixouparaindicaroqueforaaquiloquefoidestruído,seeraumrobôououtracoisaqualquer.

Janekdisse:-Masnãohádúvidaalgumaquantoaqueéquefoidestruído.-Seraquenao?...A irmeiquesooPresidentepoderiaconseguirumdesintegradore

fazercomquefosseusado.Mas,considerandoaexistenciadeumroboemtudoeportudosemelhanteaele,qualfoioPresidentequeengendrouacoisa?...

Asperamente,Janekdisse:-Achoquenossaconversanãopodeprosseguir.Vocêestálouco.Edwardsdisse:-Pensoque terminei.PeloamordeDeus,pensebem.OPresidentenaodestruiuo

robo. Seus argumentos, quanto a isto, sao convincentes.O que aconteceu foi que o robodestruiuoPresidente.OPresidenteWinklerfoimortoemmeioamultidao,nodia4dejulhode2076.Entao,umrobo,comtodaaaparenciadeseroPresidente,pronunciouaalocuçao,concorreuàreeleição,foireeleito,eaindaéoPresidentedosEstadosUnidos!

-Loucura!-Vimàsuapresença,porqueosenhoréquepodeprovaristoecorrigiristo,também.-Naoetaosimplesassim.OPresidentee...oPresidente.-Janekfezogestodequem

iaseergueredarporencerradaaentrevista.Comrapidezeurgência,Edwardsfalou:-Osenhorpropriodissequeelemudou.AalocuçaodoTricentenarioestavaalemda

capacidadedovelhoWinkler.Osenhormesmonao icousurpreendidocomasrealizaçoesdos ultimosdoisanos?Paradizeraverdade,oWinklerdoprimeiromandatopoderia terfeitotudoisto?...

- Sim, poderia, visto que o Presidente do segundo mandato e o Presidente doprimeiromandato.

-Negaqueeletenhamudado?Desa ioosenhor.Decidaosenhoresubmeter-me-eiasuadecisão.

-Eleseposaalturadodesa io:istoequee.Jaaconteceuistoantes,nahistoriadosEstados Unidos. - Mesmo tendo a irmado isto, ao se sentar de novo, Janek pareciamuitíssimopoucoàvontade.

-Elenãobebe-disseEdwards.-Nuncabebeu...muito.- Faz tempo que nao tem relaçoes com mulheres. Nega que no passado ele as

procurava?- UmPresidente e um homem. Entretanto, nos ultimos dois anos, dedicou-se aos

assuntosdaFederação.-Admitoqueistosejaumamudançaparamelhor-concordouEdwards-maseuma

mudança.Logicoqueseeletivesseumamulher,aencenaçaonaopoderiaprosseguir,naoemesmo?

-E ruimqueelenao tenhaumaesposa - comentou Janek,pronunciandoaarcaicapalavra "esposa" com uma certa enfase. - Tivesse ele esposa, o problema todo nao semanifestaria.

-Ofatodenaotertornouaconspiraçaotodamaispratica.Dequalquerforma,tevedois ilhos. Nao acredito que nenhum dos dois tenha estado na Casa Branca, desde oTricentenário.

-Eporqueteriamdeteridoatélá?Jásãocrescidos,vivemassuasprópriasvidas.- Mas tem sido convidados? O Presidente tem manifestado interesse em ve-los?

Comosecretárioparticulardele,osenhorsaberia.Foramconvidados?Janekdisse:-Estaperdendotempo.Umrobonaopodematarumserhumano.Sabemuitobem

queestaéaPrimeiraLeidaRobótica.-Seidisso.Masninguemestadizendoqueorobo-WinklermatouoWinkler-humano

diretamente.QuandooWinkler-humanoestavanomeiodamultidao,orobo-Winklerestavanopalanqueeduvidoqueumdesintegradorpudesseserapontadodaqueladistanciasemcausardanosmais acentuados.Talvezpudesse,mas emaisprovavelqueo robo-Winklertivesseumcúmplice,um"comparsa",seojargãodoSéculoVinteestivercerto.

Janekficoucarrancudo.Seurostofrancosecontraiuepareciasofrer.Eledisse:- Sabe, acho que a loucura e contagiosa. Na verdade, estou começando a pensar

melhornestamaluquicequeveiomecontar.Aindabemquenaoevalida.A inaldecontas,por que o assassinato do Winkler-humano teria de ocorrer em publico? Todos osargumentos contra a destruiçao do robo em publico valem contra o assassinato doPresidenteempúblicotambém.Nãovêqueistopõeporáguaabaixotodaasuateoria?

-Nãopõenão...-principiouEdwards.-Poesim.Salvounspoucosaltosfuncionarios,ninguemmaissabiadorobososia.Se

oPresidenteWinklerfosseassassinadonaoempublico,eseseeliminasseseucorpo,orobofacilmentepoderiaassumirolugardele,semsuspeitas.Porexemplo:semlevantarassuassuspeitas,Edwards.

- Sempre haveria uns poucos funcionarios que saberiam, Sr. Janek. O assassinatoacabaria se espalhando. - Edwards inclinou-se para a frente, com decisao. - Veja aqui:normalmente, nao poderia haver o menor perigo de confundir o ser humano com amaquina. Imagino que o robo nao era usado constantemente, sendo posto emfuncionamentoapenaspara inalidadesespecı icas,esemprehaveriaunsindivıduos-chave,talvezmuitos ate, que saberiamondeestavaoPresidente eoque ele estava fazendo. Seassim fosse, o assassinato teria de ocorrer quando estes importantes funcionarios, naverdade,acreditassemqueoPresidenteeramesmoorobô.

-Nãoconcordo.-Escuteaqui:umadastarefasdoroboeraapertarasmaosdopovo;apertaracarne

deles. Quando isto estivesse ocorrendo, os o iciais sabedores da verdade estariamperfeitamentecônsciosdeque,naverdade,quemapertavaasmãoseraorobô.

-Exatamente.Agorasim,vocêestádizendocoisacomcoisa.Eraorobô.-ExcetoqueeraoTricentenario,equeoPresidenteWinklernaopoderiaresistira

vontadedeapertarasmãosdopovo.SuponhoquesejamaisdoquehumanoesperarqueumPresidente,particularmenteumcativadordemassasvazias,umamantedeaplausoscomoWinkler,naoquisesseabrirmaodaadulaçaodamultidaonodiamaisimportantedetodos,deixando esta atribuiçao para uma maquina. E talvez o robo tenha cuidadosamentealimentado este impulso de tal forma que, no dia do Tricentenario, o Presidente teriaordenadoaoroboquepermanecesseatrasdopodio,enquantoelepropriosedispunhaaapertarasmãoseaseraplaudido.

-Secretamente?-Logicoquesecretamente.SeoPresidentedissesseaalguemdoServiço,ouaalgum

deseusauxiliares,ouaosenhor,permitir-lhe-iamqueo izesse,quefosseateopovo?...Aatitude o icial com relaçao a possibilidade de um assassinato praticamente virou umadoença desde os eventos do Seculo Vinte. Assim, encorajado por um robo obviamenteesperto...

-VocepresumequeorobosejaespertopelofatodeagoraestarfuncionandocomoPresidente.Eumraciocıniocircular.SenaoeeleoPresidente,naoharazaoparapensarquesejaesperto,ouquefossecapazdeimaginartodaestaconspiraçao.Alemdisso,queoutromotivo, possivelmente, poderia levar um robo a conspirar em prol de um assassinato?MesmoqueelenaomatasseoPresidentediretamente,aPrimeiraLeitambemproıbequesetire,indiretamente,avidadealguem,jaqueaPrimeiraLeidiz:"Umrobonaodevefazermalaumserhumanoou,porinação,permitirqueumserhumanosofraqualquermal".

Edwardsdisse:-APrimeiraLeinao eabsoluta.Quedizerseofatodefazermalaumserhumano

salvasse a vidadedois outros, oude tres, oumesmo, de tres bilhoes?... O robo pode terpensadoqueasalvaçaodaFederaçaotemprecedenciasobreasalvaçaodeumavida.Alemdisso,deformaalgumaeraumrobocomum.FoiconstruıdoparaduplicarasqualidadesdePresidentedeformataoıntima,apontodepoderenganaraqualquerum.SuponhamosqueeletivesseacompreensãodoPresidenteWinkler,semasuafraqueza,esuponhamosqueele

soubessequepoderiasalvaraFederaçãoondeoPresidentenãopodiasalvá-la...-Vocêpoderaciocinarassim,mascomoéqueumaparelhomecânicopoderia?-Éaúnicamaneiradeexplicaroquesucedeu.-Pensoqueéumafantasiaparanóica.Edwardscontestou:-Entaomedigaporqueoobjetoquefoidestruıdofoireduzidoaatomos.Queoutra

explicaçaoteriasentido,salvoadequeeraaunicamaneiradeocultarofatodequeforaumserhumano,enãoumrobô,queforadestruído?Dê-meumaalternativa.

Janekenrubesceu:-Nãoqueroadmitirisso.-Mastudoquea irmeipodeserprovado,ouentaonegue.Eporissoquevimasua

presença,àsuapresença.-Ecomoéquepodereiprovartudoisso?Ou,mesmo,desprovar?- Ninguem ve o Presidente emmomentos em que ele esta totalmente a vontade,

comovocêovê.Écomvocê,nafaltadeumafamília,queeleémaisinformal.Estude-o.-Jáfizisso.Afirmo-lhequeelenãoé...- Estudou nada. O senhor nao suspeitou de nada errado. Pequenos indıcios nada

significamparaosenhor.Estude-oagora,cientedequeelepodeserumrobô,everá.Ironicamente,Janekdisse:-Possopo-loanocautee,comumdetectorultra-sonico,provarqueeleedemetal.

Mesmoumandróidetemcérebrodeplatina-irídio.-Naoseranecessarionenhumaaçaodrastica.Apenasoobserveeveraqueeleetao

radicalmentediferentedohomemqueeleera,quenãopodeserumhomem.Janekolhouparaorelôgio-calendárionaparede.Disse:-Fazmaisdeumahoraqueestamosconversando.- Lamento ter tomado tanto de seu tempo, mas espero que tenha entendido a

importânciadetudoisto.- Importancia? - disse Janek. Levantou-se, entao, e o que tinha parecido umar de

desanimo subitamente se transformou em qualquer coisa de esperançoso. - Mas e, naverdade,importante?Émesmo?

-Comopodenaoserimportante?UmroboserPresidentedosEstadosUnidosnaoeimportante?

-Nao,naoeissoquequerodizer.Esqueçaquempodeestardesempenhandoopapeldo Presidente Winkler. Pense apenas nisto: alguem, a testa da Presidencia dos EstadosUnidos,salvouaFederaçao;manteve-aunidae,nopresentemomento,dirigeoConselhodeacordocomosinteressesdapazedaconciliaçãoconstrutiva.Admitetudoisto?

Edwardsdisse:-Logicoqueadmitotudoisso.Mas,oquedizerdoprecedentequeseestabeleceu?

UmrobonaCasaBranca,agora,porumarazaomuitoboa,pode levaraumrobonaCasaBranca daqui a vinte anos por uma razao muito mim e, depois, podera nos conduzir atermosrobosnaCasaBrancasemmotivoalgum,masapenascomoquestaodefato.Naoveaimportanciadeabafarumpossıveltoquedetrombetaparao imdahumanidade,quandoatrombe-tasoarsuaprimeiranotaincerta?

Janeksacudiuosombros.

-Admitamosqueeuconstatequeeleeumrobo.Vamosirradiaristoparaomundotodo? Sabe como e que isto afetara a Federaçao? Sabe o que isto representara para aestruturafinanceiradomundo?Sabe...

-Seisim.Eporistoquevimaquifalar-lheemparticular,emvezdetentardaristoaoconhecimentopublico.Dependedosenhorexaminaroassuntoechegaraumaconclusaode initiva.Emseguida,cabetambemaosenhor,tendoconstatadoqueosupostoPresidenteéumrobô,coisaqueestoucertodequeacontecerá,convencê-loarenunciar.

-E,pelaversaoquevocedeudaPrimeiraLei,eleentaomematara,eisqueestareiameaçandosuahábilconduçãodamaiorcriseglobaldoSéculoVinteeUm.

Edwardssacudiuacabeça.-Oroboagiusecretamenteantes,eninguemtentouseoporaosargumentosqueele

usouconsigomesmo.OsenhorecapazdereforçarumainterpretaçaoestritadaPrimeiraLei,comseusargumentos.Senecessario,poderemosobterajudadealgumfuncionariodaU.S.RobotsandMechanicalMenInc.que,antesdemaisnada,construiuorobo.Umavezqueele renuncie, o Vice-Presidente o sucedera. Se o robo-Winkler pos o velho mundo nocaminhocerto,muitobem;oVice-Presidentepoderaagoraconserva-lonocaminhocerto,aindamaisqueoVice-Presidenteeumadecenteehonradamulher.Masnaopodemosterumrobôanosdarordens,enuncamaispoderemosterum.

-EseoPresidenteforumserhumano?-Deixoissoaseucritério.Saberácomoproceder.Janekdisse:-Naocon iotantoassimemmimmesmo.Eseeunaopuderdecidir?Seeunaopuder

meforçaradecidir?Seeunãoousar?Quaissãoseusplanos?Edwardspareciacansado.-Naosei.TalvezeutenhadeirateaU.S.Robots.Masachoquenaotereidechegara

tanto.Estouplenamentecon iantedequeagoraquedeixeioproblemaaseuscuidadoseleseráresolvido.Osenhordesejasergovernadoporumrobô?

Levantou-seeJanekdeixou-oirembora.Nãoapertaramasmãos.Profundamentechocado,láficouJanek,nocrepúsculoquesemanifestava.Umrobô!Osujeitoentrara,argumentarademaneiraperfeitamenteracionalqueoPresidente

dosEstadosUnidoseraumrobô.Poderia ter sido facil contra-argumentar. Nao obstante, Janek tentara pensar em

todosos argumentosdequedispunha, e todos tinhamsemostrado inuteis, e, por im,osujeitonãosedeixaraabalar.

UmrobocomoPresidente!Edwardsestavacertodisto,econtinuariaconvictodisto.E se Janek insistisse que o Presidente era humano, Edwards iria ate a U. S. Robots. Naodescansaria.

JanekfranziuatestaaopensarnosvinteeoitomesesquehaviamdecorridodesdeoTricentenárioecomotudotinhatranscorridotãobem,diantedaspossibilidades.Eagora?

Perdidoemsombriospensamentos,láficou.Tinhaaindaodesintegrador,mascertamentenaoserianecessariousa-locontraum

serhumano,tantomaisqueanaturezadeseucorpoestavaforadequaisquerduvidas.Umlasersilencioso,avibrarumgolpeemalgumlugarsolitário,resolveriaaquestão.

Noprimeirocaso,tinhasidodifıcilmanobraroPresidente;nestecasoaqui,todavia,elenemteriadesaber.

Powell e Donovan

Asegundahistoriaderobosqueescrevi,"RazSfo"(incluıdanestaseçao),tratavade

doisprospectores,GregoryPowelleMichaelDonovan.Forammoldadosemcertashistoriasescritas por John Campbell, que eu admirava extravagantemente, sobre um par deexploradores interplanetarios, Penton e Blake. Se Campbell jamais notou a similaridade,nuncamedissenada.

Alias,devoadverti-loqueoprimeirocontodesta seçao, "PrimeiraLei", foi escritocomoumapiadaenãosedestinaasertomadaseriamente.

16- Primeira lei

MikeDonovan icouolhandoparasuacanecavaziadecerveja,sentiu-seentediado,e

decidiuquejátinhaouvidodemais.Edisse,emvozalta:-Sevamosconversarsobrerobôsincomuns,certafeitaconheciumquedesobedeceu

àPrimeiraLei.Ecomoistoeracompletamenteimpossıvel,todospararamdefalarevoltaramseus

olharesparaele.Donovanlamentousualíngua-de-traposdeimediato,emudoudeassunto:-Ouviumaboapiadaontem-iadizendo,casualmente-sobre...MacFarlaneinterveio,dacadeiraaoladodadeDonovan:-Querdizerqueconheceuumroboquemachucouumhumano?-Eradoquetratava

adesobediênciaàPrimeiraLei,éclaro.-Decertaforma-respondeuDonovan.-Masouviumapiadaarespeito...-Conte-nosdele-ordenouMacFarlane.Algunsdosoutroscomeçaramabatersuas

canecassobreamesa.Donovantentoucontardamelhormaneirapossível.-AconteceuemTita,cercadedezanosatras-disse,pensandodepressa.-Sim,foiem

vinteecinco.Tınhamosrecebidorecentementeumcarregamentodetresrobosdemodelonovo, especialmente projetados para Tita. Eram os primeiros modelos MA. Nos oschamamos Ema Um, Dois e Tres. - Estalou os dedos pedindo uma outra cerveja e icouolhando,sério,ogarçonseafastar.-Vejamos,oquevinhadepois?

EMacFarlanecontinuou:-Estivelidandocomroboticatodaaminhavida,Mike.Nuncaouvifalardeumaserie

MA.- Isso por que tiraram os MA's das linhas de montagem imediatamente depois...

depoisdoquevoulhescontar.Nãoselembram?—Não.Donovanretomou,apressadamente:-Pusemososrobosparatrabalhardeimediato.Vejam,ateentaoabasetinhaestado

totalmente inutil durante a estaçao das tempestades, que dura oitenta por cento darevoluçao de Tita em torno de Saturno. Durante as nevascas terrıveis, voce nao poderiaacharaBaseseelaestivessesequeracemjardasdedistancia.Asbussolasnaoadiantamnada,porqueTitãnãotemcampomagnético.

OsrobosMA,entretanto,eramequipadoscomvibrodetetoresdedesenhonovo,demodo que podiam determinar a direçao da Base atraves de qualquer obstaculo, o quesigni icavaque amineraçaopoderia se estenderdurante todooperıodode revoluçao. Eantes que voce diga alguma coisa, Mac, os vibrodetetores tambem foram tirados domercado,eeporissoquenuncaouviufalardeles.-Donovantossiu.-Segredomilitar,vocecompreende?-Eprosseguiu:-Osrobostrabalharambemduranteaprimeiraestaçaodastempestades,eentao,começandoaestaçaocalma,EmaDoiscomeçouafazercoisas.Ficavaandandopeloscantosesobosengradados,eprecisavaseratraıdaparafora.Por im,saiuda

Baseenaovoltou.Concluımosquetinhaumdefeitodefabricaçao,econtinuamosotrabalhocomasoutrasduasmaquinas.Mesmoassim,signi icavaquenos faltavamao-de-obra,ourobo-de-obra,eao imdaestaçaocalma,alguemprecisariairaKornsk,eeufuivoluntario,paraarriscara irsemumrobo.Pareciaseguroosu iciente,astempestadessoseriamdeesperaremmaisdoisdias,eeuestariadevoltadepoisdevintehorasnoexterior.

“Nodiadavolta,aumasdezmilhasdaBase,oventocomeçouasoprareaatmosferaicoumaisdensa.Pouseimeucarroimediatamenteantesqueoventooesmagasse,aponteiparaaBaseecomeceiacorrer.Podiapercorrerbemaqueladistanciasobabaixagravidade,mas sera quepodia correr em linha reta?Essa era a questao.Meu suprimentode ar eragrandeeas resistenciasdemeu trajeeramsatisfatorias,masdezmilhasatravesdeumatempestadetitãnicaéumainfinidade.”

“Quandoatorrentedenevetransformoutudonumcrepusculoescuroeviscoso,atecom Saturno obscurecido, e o Sol apenas como uma pintinha palida, parei e inclinei-mecontra o vento. Havia um pequeno objeto escuro bem a minha frente. Mal conseguiadiscerni-lo,massabiaoqueera.Eraumcachorrinhodatempestade,aunicacoisavivaquepodiasuportarumatempestadetitanica,eamaismalignacoisavivaemqualquerlugar.Eusabiaquemeutrajeespacialnaopoderiameproteger,umavezquesedirigissecontramim,ecomaquelamailuminaçao,euprecisavaesperaratepoderdispararaqueima-roupa,oueramelhornãoatirar.Umtiroperdidoeoanimalmealcançaria.”

“Recueilentamente,eovultoacompanhou-me.Aproximava-se,eeuestavaerguendomeuexplosor,comumaoraçao,quandoumvultomaiorergueu-sesobremimderepente,eeuatecantaroleidealıvio.EraEmaDois,oroboMAperdido.Nuncapareiparaimaginaroquetinhaacontecidooumepreocuparcomoporque.Sopudedizer:"Ema,querida,pegueaquelecachorrinhoeleve-medevoltaparaaBase".

“Elaolhou-me,comosenadativesseouvido,epediu:"Senhor,nãoatire.Nãoatire".”“Esaiucorrendorumoaocachorrinhodatempestade.”"Pegue o maldito cachorrinho, Ema!", gritei. Ela pegou o cachorrinho, mesmo.

Apanhou-o econtinuouandando. Gritei ate icar rouco,mas ela nunca voltou.Deixou-meparamorrernatempestade.”

Donovanfezumapausadramática.- E claro, voces conhecem a Primeira Lei: um robo nao pode causar dano a um

humano,ouporinaçao,permitirqueumhumanosofradano!Bem,EmaDoisacabaradesaircorrendocomaquelecachorrinhodatempestadeedeixou-meamorrer.ViolouaPrimeiraLei.

“Felizmente,saıdaquelaileso.Meiahoradepois,atempestadeamainou.Forasoumalufada prematura, e so temporaria. Isso acontece, as vezes. Disparei para a Base e atempestadecomeçourealmentenodiaseguinte.EmaDoisretomouduashorasdepoisdemim,e,eclaro,omisteriofoientaoexplicadoeosmodelosMAforamretiradosdomercadoimediatamente.

-Eexatamenteoquê-quissaberMacFarlane-foiaexplicação?Donovanolhouparaele,sério:-Everdadequeeueraumhumanoemperigodemorte,Mac,masparaaquelerobo

haviaalgoquevinhaprimeiro,mesmoantesdemim,antesdaPrimeiraLei.NaoseesqueçaqueeleseramdeumaserieMAespecial,eesteroboMAemparticularestiveraprocurando

esconderijosporalgumtempoantesdedesaparecer.Eracomoseesperassealgoespecial-eparticular-paraacontecer.Aparentemente,algodeespecialacontecera.

OsolhosdeDonovanvoltaram-separacima,reverentemente,esuavozestremeceu.- Aquele cachorrinho nao era cachorrinho nenhum. Nos o chamamos Ema Junior,

quando Ema Dois o trouxe. Ema Doisprecisava protege-lo de minha arma. O que e aPrimeiraLeicomparadaaoslaçossagradosdoamormaternal?

17- Brincadeira de pegar

Um dos ditados favoritos de Gregory Powell era: “Nada se ganha com excitaçao”.

Assimsendo,quandoMikeDonovandesceuasescadasaospulos,correndoparaele,comoscabelosvermelhosmolhadosdesuor,Powellfranziuatesta.

–Quehouve?–indagou.–Quebrouumaunha?– E – rosnou Donovan, irritado. – Que esteve fazendo nos nıveis inferiores o dia

inteiro?–Respirandofundamente,explodiu:–Speedynãovoltou!Os olhos de Powell se arregalaram momentaneamente e ele parou nos degraus.

Então,recobrou-seecontinuouasubir.Nãofalouatéchegaremaopatamarsuperior.–Mandouqueelefossebuscaroselênio?–Mandei.–Háquantotempoelesaiu?–Fazcincohoras.Silêncio.Eraumasituaçaodosdiabos.EstavamemMercurioexatamentehadozehoras–eja

se encontravam metidos em di iculdades ate o nariz. Em di iculdades da pior especie.Mercurioera,haviamuito,oplanetaazaradodoSistemaSolar,masagoraacoisapareciaestarindolongedemais–mesmoparaumazar.

–Comecedoprincípio–dissePowell.–Vamosverissodireito.Entraramnasaladeradio–comoseuequipamentosubitamenteobsoleto,quenao

foratocadodesdedezanosantesdeeleschegarem.Tecnologicamentefalando,mesmodezanoseramumlongoperıododetempo.BastavacompararSpeedycomotipoderobosquehaviamestadoemMercuriodezanosantes.Poroutro lado,atualmenteosprogressosnocampodaroboticaeramtremendos.Powelltocoucuidadosamenteumasuperfıciemetalicaainda brilhante. A aparencia de desuso que pairava na sala – e na Estaçao inteira – eradeprimente.

Donovandevetersentidoamesmacoisa.Começou:–Tenteilocaliza-lopeloradio,masfoiinutil.Oradiodenadaservenoladoiluminado

deMercurio;pelomenos,naoalemdetresquilometros.EstafoiumadasrazoespelasquaisaPrimeiraExpediçãofracassou.Eaindalevaremossemanasparainstalaroequipamentodeultra-ondas...

–Deixeissodelado.Oqueconseguiu?–Localizeiosinaldeumcorponaoorganizadonaondacurta.Denadaserviu,exceto

paramarcar sua posiçao. Consegui acompanhar seu deslocamento durante duas horas emarqueioitinerárionomapa.

Tirou do bolso um pedaço quadrado de pergaminho amarelado – relıquia dafracassadaPrimeiraExpediçao–e colocou-oemcimadamesacomviolencia, alisando-ocomapalmadamao.Powell,comosbraçoscruzadossobreopeito,observavaadistancia.OlápisdeDonovanapontavanervosamente.

–Acruzvermelhaéopoçodeselênio.Vocêmesmoomarcou.–Qual deles? – interrompeu Powell. –McDougall localizou tres para nos, antes de

partir.–EnvieiSpeedyaomaisproximo,naturalmente.Ficaavinteeoitoquilometros.Mas

quediferençafaz?–indagouDonovan,comvoztensa.–OspontosfeitosalapismarcamaposiçãodeSpeedy.

Pelaprimeiravez,aposearti icialdePowellfoiabaladaeseusdedosselançaramemdireçãoaomapa.

–Estáfalandosério?Éimpossível.–Aíestá–grunhiuDonovan.Os pequenos pontos que marcavam a posiçao formavam aproximadamente um

cırculoem tornoda cruzvermelhaqueassinalavaopoçode selenio.OsdedosdePowellsubiramparaseubigodecastanho–sinalinfalíveldeansiedade.Donovanacrescentou:

–Nasduashorasemqueoacompanheipelaondacurta,elecircundouomalditopoçoquatrovezes.Parece-meque continuara assimpara sempre.Compreendea situaçaoemqueestamos?

Powellergueuligeiramenteosolhos,mantendo-secalado.Oh,sim,elecompreendiaasituaçao em que estavam. Solucionava-se simplesmente atraves de um silogismo. Ascamadas de fotocelulas, que constituıam a unica proteçao entre eles e todo o poder domonstruoso sol de Mercurio, estavam irremediavelmente avariadas. A unica coisa quepoderiasalva-loseraoselenio.AunicacoisaquepoderiairbuscarselenioeraSpeedy.SeSpeedynãovoltas-se,nãohaveriaselênio.

Se nao houvesse selenio nao ha veria camadas de fotocelulas. Sem camadas defotocélulas...bem,amorteemfornobrandoéumdospioresmeiosdedespedir-sedavida...

Donovanesfregouraivosamenteocabeloruivoeexpressou-secomamargura:–SeremosospalhaçosdoSistemaSolar,Greg.Comotudopodedarerradotaocedo?

A grande dupla Powell e Donovan e enviada aMercurio para fazer um relatorio sobre aviabilidade de reabrir a EstaçaoMineira do Lado Iluminado comnovas tecnicas e robosmodernos – e arruinamos tudo no primeiro dia. Alem disso, uma tarefa pura-mente derotina.Jamaissuportaremosaszombarias.

–Talveznemsejanecessariosuportarmos–replicouPowelltranquilamente.–Senaoizermosalgumacoisabemdepressa,naoprecisaremossuportarcoisaalguma–excetoamorte.

–Nao seja estupido! Se esta achando graça, ique sabendo que nao estou. Foi umcrime:mandar-nosaquicomumunicorobo.Eabrilhanteideiadequepoderıamoscuidarsozinhosdascamadasdefotocélulasfoisua.

–Ora,naosejainjusto.Foiumadecisaomutuaevoceosabemuitobem.Tudooqueprecisavamos era um quilo de selenio, uma placa dieletrodo stillhead e tres horas detrabalhoesabemosquehápoçosdeselênioespalhadosportodooladoiluminadode

Mercurio.Oespectrore letordeMcDougalllocalizoutresdelesparanosemapenascincominutos,nãoé?Quediabo?Nãopodíamosesperarpelapróximaconjunção.

–Bem,quevamos fazer?Seiquevoce temalguma ideia,Powell.Docontrario,naoestariatãocalmo.Nãoémaisheróidoqueeu.Vamos,desembuche!

–NaopodemosirprocurarSpeedy,naonoladoiluminado.Mesmoosnovostrajes

isoladoresnãodurariammaisquevinteminutossobocalordiretodoSol.Masvocêconheceovelhoditado: “Mandeumroboparapegaroutrorobo”.Ouça,Mike, talvezascoisasnaoestejamtaomalquantoparecem.Temosseisrobosnosnıveis inferiores;poderaoservir-nos,sefuncionarem.Sefuncionarem!

UmsúbitobrilhodeesperançasurgiunosolhosdeMikeDonovan.–Refere-seaosseisrobosdaPrimeiraEstaçao?Temcerteza?Talvezsejammaquinas

sub-roboticas.Vocebemsabequedezanoseumlongoperıodonoqueserefereamaquinasdotiporobô.

–Nao.Saorealmenterobos.Passeiodiainteirocomelesetenhoacerteza.Possuemcerebros positronicos, embora primitivos, naturalmente. - Colocando o mapa no bolso,acrescentou:–Vamosdescer.

Osseisrobosencontravam-senonıvelmaisinferior,rodeadosporcaixotesmofados,deconteudodesconhecido.Eramgrandes–extremamentegrandes–e,emboraestivessemsentadosnochao, comaspernasesticadasparaa frente, suascabeçasseencontravamaumaalturasuperioradoismetros.Donovansoltouumassobio.

–Olhesóotamanhodeles!Acircunferênciadopeitodevetertrêsmetros!–EporquesaoequipadoscomasvelhasengrenagensMcDuffy.Examineiointeriordeles–oaparelhomaisfrágilquejáseviu.–Ligou-os?

– Nao. Nao haviamotivo. Mas nao creio que haja algo de errado com eles. Ate odiafragmaseencontraemestadorazoável.Talvezpossamfalar.

Enquanto falava,desaparafusouaplacadopeitodorobomaisproximoe inseriuaesfera de duas polegadas de diametro que continha a minuscula centelha de energiaatomica que dava vida aos robos. Houve alguma di iculdade para instala-la, mas Powellacabouconseguindoe tornoua colocaraplacadopeito, trabalhando laboriosamente.Oscontroles de radio dos modelos mais modernos eram desconhecidos dez anos antes. Aseguir,passouatrabalharnosoutroscincorobôs.Donovancomentou,inquieto:

–Nãosemoveram.– Nao receberam ordens para faze-lo – replicou Powell, laconico. Voltando ao

primeirodafila,bateu-lhenopeito.–Rh,você!Estámeouvindo?A cabeça do monstro metalico moveu-se lentamente e seus olhos se ixaram em

Powell.Entao,emvozasperaeesganiçada–semelhanteaosomdeumfonografoprimitivo–elerespondeu:

–Sim,amo!PowellsorriuparaDonovan,umsorrisodesprovidodehumor.–Ouviu isso?Foi fabricadona epocadosprimeirosrobos falantes,quando tudo indicavaqueousoderobonaTerraseriaproibido.Osfabricantes,procurandolutarcontraamedida,incutiamcomplexodeescravosnasmal-ditasmáquinas.–Masnãoadiantou–murmurouDonovan.

–Nao,mas,mesmoassim,eles tentaram. -Voltando-semaisumavezparaorobo,Powellordenou:–Levante-se!

O robo levantou-se vagarosamente e Donovan ergueu a cabeça, soltando outroassobio.Powellindagou:

–PodeiràsuperfícieeenfrentaraluzdoSol?

Houve um intervalo, enquanto o cerebro vagaroso do robo funcionava. Entao elerespondeu:

–Sim,amo.-Ótimo.Sabeoqueéumquilômetro?Outrointervaloeoutrarespostavagarosa:–Sim,amo.–Entao, vamos leva-lo a superfıciee indicar-lheumadireçao.Voce andara vintee

oitoquilometrose,emalgumlugardaquelaregiao,encontraraoutrorobo,menordoquevocê.Estácompreendendo?

–Sim,amo.–Aoencontrarotalrobo,ordene-lhequevolteparaca.Seelenaoquiserobedecer,

traga-oàforça.DonovansegurouPowellpelamanga.–Porquenãomandá-lopegarlogooselênio?–PorquequeroSpeedydevolta,idiota.Querosaberoquehouvedeerradocom

ele. - Virando-se para o robo: –Muito bem. Siga-me.Orobôpermaneceuimóveledisse:–Perdao,amo,masnaoposso.Primeiro,osenhor

precisamontar.Baixara os braços e seus dedos desajeitados se entrelaçaram. Powell arregalou os

olhos,levandoamãoaobigode.–Hum...oh!OsolhosdeDonovanquasesaltaramdas orbitas.–Precisamontarnele?Comoumcavalo?–Creioqueessaeaideia.Masnaoseiporquemotivo.Naocompreendo...Oh,sim,ja

sei.Comolhedisse,naquelaepocaosfabricantespunhamenfasenasegurançadelidarcomrobo. Evidentemente, procuraram incutir essa noçao de segurança fabricando robos quenãopudessemmover-sesemumhomemmontadoàssuascostas.Quefazemos,agora?

–Éoqueestivepensando–murmurouDonovan.– Nao podemos ir a superfıcie, com o robo ou sem ele. Oh, com os diabos... De

repente,estalouosdedos,excitado.– Empreste-meomapa.Nao foi a toa que o estudei durante duas horas. Estamos

numaEstaçãoMineira.Porquenãousamosostúneis?No mapa, a Estaçao Mineira era representada por um cırculo negro; linhas

pontilhadasrepresentavamos tuneisquepartiamdela, formandoumaespeciede teiadearanha.Donovanestudouaexplicaçãodaslegendasnabasedomapa.

–Olhe–disseele.–Ospequenospontospretossaosaıdasparaasuperfıcieehaumsituadoacercadecincoquilometrosdopoçodeselenio.Haumnumeroaqui...ora,porquenãoescreveramcomletramaior?...13-A.Seosrobôssouberemandarporaqui...

Powellfezaperguntaaorobô,querespondeu:–Sim,amo.–Vábuscarseutrajeisolador–dissePowellaDonovan,comevidentesatisfação.Eraaprimeiravezquequalquerumdelesusavaostrajesisoladores,coisaquejamais

haviamesperadofazerquandochegaramaMercurio–etentarammoverosmembros,comumasensaçãodesconfortável.

Otrajeisoladoreramuitomaisvolumosoefeiodoqueotrajeespacialnormal;nocomputo geral, porem, era consideravelmente mais leve, por ser de construçaointeiramente naometalica. Composto de plastico resistente ao calor e camadas de ibratratadaquimicamente,alemdeserequipadocomumaparelhodesidratanteparamanteroar absolutamente seco, o traje isoladorpodia resistir a temperaturado Sol emMercuriodurantevinteminutos.

Talvezcincooudezminutosmais,semchegaramataroocupante.Asmaosdorobocontinuavam a formar um estribo e ele nao demonstrou a menor surpresa diante dagrotescafiguranaqualPowellhaviaseconvertido.

AvozdePowell,tornadaásperapelorádiodotrajeisolador,indagou:–Estáprontoparalevar-nosatéàSaída13-A?–Sim,amo.Otimo,pensouPowell;osrobospodiamnaotercontrolepeloradio,mas,pelomenos,

estavamequipadospararádio-recepção.–Monteemqualquerumdeles,Mike–disseeleaDonovan.Colocou o pe no estribo improvisado e alçou-se. Veri icou que a posiçao era

confortavel;ascostasdoroboeramobviamentedeconformaçaoadequada,comumsulcoraso de cada lado, para as coxas do ginete, e as orelhas alongadas tinham uma funçaoevidente.

Powellpegouasorelhasetorceuacabeçadorobô.Estesevoltoupesadamente.–Vánafrente,McDuff.Mas nao se sentiamuito alegre. Os gigantescos robosmoviam-se vagarosamente,

comprecisaomecanica.Atravessaramaporta,cujapartesuperior icavaapoucomaisdetrinta centımetros de suas cabeças, de modo que os dois homens foram obrigados aabaixar-se apressadamente. Seguiram por um corredor estreito, onde seus passosvagarososecoavammonotonamente.Passarampelocompartimentoestanque.

Otunelcompridoesemar,queseestendiadiantedelesatetornar-seummeropontoadistancia, fez comquePowell icassedeveras impressionadocomamagnitudedaobrarealizada pela Primeira Expediçao, contando apenas com robos elementares e tendo deenfrentar todas as di iculdades que afrontam os pioneiros em sua primeira exploraçao.Podiam ter fracassado, mas seu fracasso era muito superior a media dos sucessos doSistemaSolar.

Osrobosprosseguiramcomumavelocidadequejamaisvariavaepassosquenuncaaumentavam.Powellcomentou:–Reparequeestestuneispossuemumailuminaçaobrilhanteequeatemperaturaenormal,igualadaTerra.Provavelmente,istovemacontecendodurantetodooperıododedezanosemqueaminapermaneceuvazia.–Comoépossível?

–Energiabarata;amaisbaratadoSistemaSolar:energiadoSol.E,comosabe,emMercurioaforçadoSole“umacoisa”.Poressemotivo,aEstaçaoMineirafoiinstaladanoladoiluminado,aoinvesdeserconstruıdanafaceescura,ouasombradeumamontanha.Narealidade,elanaopassadeumgigantescoconversordecalor.Ocaloretransformadoemeletricidade,luz,trabalhomecanicoetu-doomais;detalforma,aluzdosolfornecetodaaenergiae,numprocessosimultâneo,servepararefrigeraraEstação.

–Escute–disseDonovan.–Tudoistoemuitoinstrutivo,masimporta-seemmudarde assunto? Acontece que essa conversao de energia da qual voce fala e realizadaprincipalmentepelascamadasdefotocelulase,nomo-mento,otemaeumtantodelicadoparamim.

Powell soltouumgrunhido.QuandoDonovanquebrouo silencio resultantede suainterpelação,foiparamudarcompletamentedeassunto:

–Escute,Greg.Afinal,quediabohouvecomSpeedy?Nãoconsigoentender.Nãoerafácilsacudirosombrosnumtrajeisolador,masPowelltentou,assimmesmo.– Nao sei, Mike. Como voce sabe, ele estava perfeitamente adaptado ao meio

ambientedeMercurio.Ocalornaooafetaeelefoiconstruıdoparafuncionarcomaforçadegravidadediminutaenoterrenoacidentado.Eaprovadedefeitosou,pelomenos,deveriaser.

Feznovosilêncio.Destafeita,prolongado.–Amo–disseorobô,afinal.–Chegamos.–Hum?–murmurouPowell,arrancadodesuasre lexoes.–Bem,leve-nosparafora

daqui,paraa superfıcie.Entraramnumaminuscula subestaçao, vazia, semar, emruınas.Donovanutilizouo fachode sua lanternaportatil para inspecionarumburacodebordosirregularesnapartesuperiordeumadasparedes:

–Achaquefoiummeteorito?–indagou.Powellsacudiuosombros.–Nao interessa.Aodiabocom isso.Vamossairdaqui.Umaltopenhasconegrode

rocha de basalto cortava a luz solar e eles se viram mergulhados na profunda sombranoturnadomundosemarqueosrodeava.Asombraseestendiadiantedeleseterminavaabruptamente,comosecortadaafaca,dandolugaraumbrilhoquaseinsuportaveldeluzbranca,queserefletiadeumamiríadedecristaisquerecobriamosolorochoso.

–Espaço!–exclamouDonovan,espantado.–Pareceneve!Eparecia,mesmo.OolhardePowellpercorreuobrilhodeMercúrioatéohorizonteeelefranziua

testa.Ofulgoreraesfuziante.– Deve tratar-se de uma area fora do comum – comentou. – O ablego geral de

Mercurio e baixo e a maior parte do solo e constituıda de pedra-pomes cinzenta. AlgosemelhanteàLua,sabe.Lindo,nãoé?

Sentia-segratopelos iltrosdeluznosvisoresdeseustrajes.Lindoounao,olharparaaluzdoSolatravesdevidrocomumprovocariaacegueiradentrodemeiominuto.Donovanconsultouotermômetrodepulso.

–Comosdiabos!Atemperatura eoitentagrauscentıgrados!Powellexaminouseuprópriotermômetroecomentou:

–E...Umpoucoalta.Atmosfera,comosabe.–EmMercúrio?Ficoumaluco?– Na realidade, Mercurio nao e inteiramente desprovido de ar – explicou Powell,

distraıdamente, enquanto ajeitava os encaixes do binoculo em seu visor, tarefa que eraprejudicada pelas grossas luvas do traje isolador. – Existe uma tenue exalaçao que semantem junto a superfıcie, vapores dos elementos mais volateis e compostossu icientemente pesados para que a gravidade deMercurio os retenha : selenio, iodine,

mercurio,galio,potassio,bismuto, oxidosvolateis.Osvaporesseconcentramnasregioessombrias e condensam-se, emitindo calor. E uma especie de destilaria gigantesca. Naverdade, se voce usar a lanterna, provavelmente veri icara que o lado do penhasco estacobertocommofodeenxofre,ou,digamos,orvalhodemercúrio.

– Mas nao interessa. Nossos trajes podem aguentar inde inidamente uns simplesoitentagraus.

Powell terminaradeajustarobinoculoeparecia terosolhossalientes, comoumalesma.Donovanobservou-oatentamente.

–Vêalgumacoisa?Ooutronãorespondeuimediatamente.Quandoofez,foiemtomansiosoepensativo.–Haumpontoescuronohorizontequepoderiaseropoçodeselenio.Pelomenos,e

nolugarcerto.MasnãovejoSpeedy.Powellergueu-seinstintivamente,naansiadevermelhor,ateque icouempe,com

poucafirmeza,nosombrosdorobô.Comospésafastados,osolhosatentos,disse:–Acho...Acho...Sim,émesmoele.Estávindoparacá.DonovanolhounadireçaoapontadapelodedodePowell.Emboranaoestivessede

binoculo,percebeuumminusculopontonegroquesemovia,emcontrastecomobrancofulgordosolocristalino.

–Jáovejo!–berrouDonovan.–Vamos!Powell retornara a posiçao anterior, nas costas do robo. Bateu no enorme peito

metálico.–Vamosindo!–Upa!Upa!–berrouDonovan,cutucandocomoscalcanharesemseurobo,comose

usasseesporas.Osrobospartiram;asbatidasregularesdeseuspassoseraminaudıveisnoambiente

semar,poisotecidonaometalicodostrajesisoladoresnaotransmitiasons.Haviaapenasumavibraçãorítmica,aquémdolimitedaaudição.

–Maisdepressa!–berrouDonovan.Masoritmonãosealterou.– Nao adianta – replicou Powell. – Estas latas velhas so podem desenvolver uma

velocidade.Achaquesãoequipadoscomflexoresseletivos?Saıramdazonadesombraealuzsolarcaiusobreelescomoumjatobranco,lıquidoe

fervente.Donovanencolheu-seinvoluntariamente.–Puxa!Éimaginação,ouestousentindocalor?–Aindavaisentirmais–foiasombriaresposta.–Mantenha-sedeolhoemSpeedy.ORoboSPD13jaestavabastantepertoparaservistoemdetalhe.Seucorpogracioso

eaerodinamicolançavare lexosbrilhantes,enquantoelegalopavacomrapidezeagilidadeatravesdoterrenoacidentado.Obviamente,seunomeeraderivadodasiniciaisdesuaseriedefabricaçao,maseraadequado,poisosmodelosSPDachavam-seentreosmaisvelozesrobôsproduzidospelaU.S.RobôsIHomensMecânicos.

–Rh,Speedy!–gritouDonovan,acenandocomamão.–Speedy!–berrouPowell.–Venhacá!Adistancia entre oshomens e o robo errantediminuıa sensivelmente,maispelos

esforçosdeSpeedydoquepelovagarosocaminhardasobsoletasmontadasdeDonovanePowell.

Estavam bastante perto para perceber que o andar de Speedy apresentava umcuriosocambaleardeumladoparaoutro.Entao,quandoPowellacenououtravezecolocoupotencia maxima em seu radioemissor compacto, preparando-se para gritar outra vez,Speedyergueuacabeçaeavistou-os.

O robo estacou e icou imovel por um momento, apenas balançando quaseimperceptivelmente,comoseimpulsionadoporlevevento.Powellgritou:

–Muitobem,Speedy!Venhaatéaqui,rapaz!AvozmetálicadeSpeedysooupelaprimeiraveznosfonesdePowell.–Ora,bolas!Vamosbrincar!Eupegovoceevocemepega;amornenhumpodecortar

nossafacaemdois.EusouBombonzinho,odoceBombonzinho!Viva!Girandonoscalcanhares,partiuvelozmentenadireçaodeondeviera,comumafuria

quelevantavajatosdepoeira.Suasúltimaspalavras,quandoelejáialonge,foram:–Haviaumaflorzinhapertodeumgrandecarvalho...Foram seguidas por um curioso estalido metalico que poderia ser o equivalente

robóticodeumsoluço.Donovandisse,desanimado:1–Ondefoiqueeleaprendeuessasbesteiras?...Eh,Greg...Seraqueeleestaembriagado?–Sevocênãomedissesse,eujamaisteriaimaginado–Foiaamargaresposta.–

Vamos voltar para o penhasco. Estou assando. Foi Powell quem quebrou odesesperadosilêncio.

–Emprimeirolugar,Speedynaoestaembriagado–declarou.–Pelomenos,naonosentidohumanodotermo,poiseleeumroboerobosnaoseembriagam.Todavia,haalgoerradocomele,queequivaleàembriaguezemumrobô.

–Paramim,eleestabebado–declarouDonovan,comenfase.–Soseiqueelepensaqueestamosbrincando.Enãoestamos.Éumaquestãodevidaoudeumamortehorrível.

–Estacerto.Naomeafobe.Umroboeapenasumrobo.Quandodescobrimosoquehádeerradocomele,poderemosconsertá-loeprosseguir.

–Quando–disseDonovan,emtomazedo.Powellpreferiuignorá-lo.–SpeedyéperfeitamenteadaptadoaoambientenormaldeMercúrio.Masestaregião

–efezumamplogestocomobraço– enitidamenteanormal.Eisaınossapista.Deondevemessescristais?Podemter-seformadodealgumlıquidoqueseresfrioulentamente,masondehaveriaumlíquidotãoquentequepoderiaresfriar-secomocalorsolaremMercúrio?

–Açãovulcânica–sugeriuimediatamenteDonovan.Powellcontraiuosmúsculos.–Ideiasdecrianças...–murmuroudemodoestranho,permanecendocompletamente

imovelporcincominutos.A inal,disse:–Ouça,Mike:oquefalouvoceaSpeedyquandoomandoubuscarselênio?

Donovanficousurpreso.–Comosdiabos...Nãosei.Mandei-oapenasbuscá-lo.–Sim,eusei.Mascomo?Tentelembrar-sedaspalavrasexatas.–Eudisse...bem...disse:“Speedy,precisamosdealgumselenio.Podeconseguilonum

lugarassim-assim.Vábuscá-la”.Issofoitudo.Oquemaisqueriavocêqueeudissesse?–Nãocolocouurgêncianaordem,colocou?–Paraquê?Erapurarotina.Powellsuspirou.–Bem,agoranaoadianta...masestamosnumabelaencrenca.Desmontaradoroboe

estavasentado,comascostasapoiadasnopenhasco.Donovanjuntou-seaeleepassouobraçopeloseu.Adistancia,afulguranteluzsolarpareciaespera-los,comoumgatoesperapelo rato a saıdadoburaco.Ao ladodeles, osdois gigantescos robos estavam invisıveis,excetopelovermelhoopacodeseusolhosfotoeletricos,que itavamosdoishomenssempiscar ou desviar-se, completamente despreocupados. Despreocupados! Tanto quanto ovenenosoplanetaMercúrio,tãograndeemazarquantopequenoemtamanho.

AvoztensadePowellveiopelorádio,soandoaosouvidosdeDonovan:–Bem,escute:vamoscomeçarpelastresleisfundamentaisdasRegrasdaRobotica,

astrêsregrasqueestãomaisprofundamenteincutidasnocérebropositrônicodeumrobô.Noescuro,seusdedosenluvadosenumeravamcadaumadelas.–Ternos:Um:umrobonaopodeferirumserhumano,ou,poromissao,permitirque

umserhumanosofraalgummal.–Certo!–Dois:umrobodeveobedecer asordensquelhesejamdadasporsereshumanos,

excetonoscasosemquetaisordenscontrariemaPrimeiraLei.–Certo!–Etres :umrobodeveprotegersuapropriaexistenciaenquantotalproteçaonao

entraremconflitocomaPrimeiraouSegundaLeis.–Certo!Edaí?Ondechegamos?– Exatamente a explicaçao. O con lito entre as varias regras e solucionado pelos

diferentes potenciais positronicos existentes no cerebro do robo. Digamos que um roboestacaminhandoparaoperigoesabedisso.OpotencialautomaticocontroladopelaRegra3fa-lovoltar.Massuponhamosquevoceordenequeelecaminheparaoperigo?Nestecaso,aRegra2colocaemfuncionamentoumpotencialmaisaltodoqueoanterioreorobocumpreaordem,comoriscodesuaprópriaexistência.

–Sim,eusei.Edaí?– Consideremos o caso de Speedy. Speedy e um dos modelos mais modernos,

altamente especializado e tao caro quanto um encouraçado. Nao deve ser destruıdolevianamente.

–Edaí?– E daı, sua obediencia a Regra 3 foi reforçada. Por falar nisso, o detalhe foi

mencionadonosprimeirosmanuaisarespeitodosmodelosSPD,demodoquesuaalergiaao perigo e desusadamente elevada. Ao mesmo tempo, quando voce o mandou buscarselenio,deu-lheaordemcomnaturalidade,semenfaseespecial,demodoquearegulagemdopotencialdaRegra2foiumtantofraca.Espere,calma;estouapenascitandofatos.

–Estábem;prossiga.Creioqueentendo.–Compreendecomo funciona,nao e?Existealgumaespeciedeperigo, cujocentro

estalocalizadonopoçodeselenio.AumentaquandoSpeedyseaproximae,adeter-minadadistancia do poço, o potencial da Regra 3, que ja e desusadamente elevado, equilibraexatamenteopotencialdaRegra2,queérelativamentefraco.

Donovanergueu-se,excitado.– Ele ica em equilıbrio. Compreendo: a Regra 3 o impele de volta e a Regra 2 o

empurraparadiante...–Entao, ele segueumcırculo emvoltadopoçode selenio, permanecendona rota

desenhada por todos os pontos de equilıbrio potencial. E amenos que façamos algumacoisa,continuaránaquelecírculoparasemprefazendo-noscorreràroda.-Emseguida,maispensativo,acrescentou:–Esseeomotivoqueotornaembriagado.Emequilıbriopotencial,ametadedoscircuitospositronicosdeseucerebroestadesregulada.Naosouespecialistaemrobos,masofatomepareceobvio.Speedyprovavelmenteperdeuocontroledaspartesde seumecanismovoluntario correspondentes as deum serhumanoembriagado.Muitobonito!

–Masqualéoperigo?Sesoubéssemosdoqueeleestáfugindo...– Voce fez a sugestao: açao vulcanica! Em algum lugar bem proximo ao poço de

seleniodeveexistirumvazamentodegasprovenientedasentranhasdeMercurio.Dioxidodeenxofre,dioxidodecarbonoe,certamente,monoxidodecarbono.Emgrandequantidadeeaestatemperatura...

Donovanengoliuemseco,audivelmente.– Monoxido de carbono com ferro produz o volatil carbonil de ferro.Powellacrescentou:–Eumrobôéconstituídoessencialmentedeferro.Então,emtommaissombrio:-Naoexistenadacomoumadeduçao.Determinamostodososdadosdoproblema,

excetoasoluçao.Naopodemosirbuscaroselenio;continua longedemais.Naopodemosenviarestesrobos-cavalos,porquenaosabemirsozinhos.Poroutrolado,naoconseguemandarcomarapidezsu icienteparaevitarquefritemosaosol.EnaopodemospegarSpeedyporqueoimbecilpensaqueestamosbrincandoeecapazdecorreracemquilometrosporhora,contraossetedenossosrobôs.

Donovansugeriu,indeciso:–Seumdenósforbuscaroselênioemorrerfrito,aindarestaráooutro.–Sim–foiarespostasarcastica.–Seriaomaisternodossacrifıcios,soqueaquele

que fosse nao estaria em condiçoes de dar ordens ao chegar ao poço de selenio e naoacredito que estes robos sejam capazesde retornar ate aqui semalguemque lhes de asordensnecessarias.Solucioneisso!Estamosatresemeioouquatroquilometrosdopoçodeselenio.Tresemeio,digamos.Orobocaminhaasetequilometrosporhora.Epodemosdurarapenasvinteminutosemnossostrajesisoladores.Lembre-sedequenaoeapenasocalor.Aqui,aradiaçãosolarnafaixaultravioletaeabaixodelaéveneno.

–Hum–murmurouDonovan.–Ficamfaltandodezminutos.–Oqueequivaleadizer:umaeternidade.Etemmaisumacoisa:paraqueopotencial

daRegra3 tenhadetido Speedy, devehaverumaapreciavel quantidadedemonoxidodecarbono na atmosfera de vapores metalicos, causando, consequentemente, umaconsideravelaçaocorrosiva.HahorasemqueSpeedyestaexposto.Comopoderemossaber,porexemplo,seumajuntadejoelhonaovaiquebraredeixa-loimprestavel?Portanto,naoeapenasumaquestãodepensar:precisamospensardepressa!

Umsilencioprofundo,desanimado, umidoeescuro!FoiDonovanquemoquebrou,comavoztrêmula,emboraprocurassedissimularaemoção:

– Enquanto nao conseguirmos aumentar o potencial da Regra 2, dando-lhe novasordens,porquenaopodemosagiraocontrario?Seaumentarmosoperigo,reforçaremosopotencialdaRegra3,obrigando-oavoltar.OvisordePowellvoltou-separaDonovan,numaindagaçãosilenciosa.

–Escute–veioacautelosaexplicaçao.–TudooqueprecisamosfazerparaarrancarSpeedydoimpasseeaumentaraconcentraçaodemonoxidodecarbononasproximidadesdele.Bem,naEstaçãoexisteumcompletolaboratóriodeanálises.

–Claro–assentiuPowell.–ÉumaEstaçãoMineira.–Muitobem.Devehaverquilosdeácidooxálicoparaasprecipitaçõesdecálcio.–Comosdiabos!Mike,vocêéumgênio.–Nemtanto–replicouDonovan,modestamente.–Trata-seapenasdelembrarqueo

acido oxalico, quando aquecido, decompoe-se em dioxido de carbono, agua e o nossoalmejadomonóxidodecarbono.Équímicacolegial,comosabe.

Powell ergueu-se e atraiu a atençao de um dos monstruosos robos pelo simplesexpedientededar-lheumapalmadanacoxa.

–Rh!–gritou.–Sabejogar?–Senhor?– Nao importa – replicou Powell, maldizendo o lento processo mental do robo.

Apanhouumpedaçodecristaldotamanhoaproximadodeumtijolo.–Pegueisto–ordenou.–Agora,jogue-oeacertenaqueletrechodecristaisazulados

logodepoisdaquelafissurairregular.Estávendoondeé?Donovanpuxou-opeloombro.–Élongedemais,Greg.Ficaquaseaoitocentosmetros.–Cale-se–retrucouPowell.–EumacombinaçaodafracagravidadedeMercurioede

umbraçodeaço.Observesó.Osolhosdo robomediamadistancia comumaprecisaomaquinal estereoscopica.

Seubraçoajustou-seaopesodoprojetilerecuou.Naescuridao,osseusmovimentoseraminvisıveis,mashouveumsubitobaquequandoelemudoudeposiçao, usandoopesodocorpo. Segundos apos, o cristal surgiu na claridade. Nao havendo resistencia do ar paraconte-lo ou desvia-lo de um lado para outro, seguiu uma trajetoria perfeita e foi cairexatamentenocentrodamanchaazulada.

Powellsoltouumgritodeprazereberrou:–Vamosbuscaroácidooxálico,Mike!Quando entraram na subestaçao arruinada, no caminho de volta para os tuneis,

Donovancomentousombriamente:–Speedymanteve-seno ladodecadopoçodeselenio,desdeque fomosprocuralo.Vocenotou?–Notei.

–Creioqueelequerbrincarconosco.Bem,vamosarranjar-lheumaboabrincadeira!Voltaramhorasdepois,comjarrosdetreslitroscontendoasubstanciabranca.Seus

rostos denotavam desanimo e preocupaçao. As camadas de fotocelulas deterioravam-secommaisrapidezdoquepareciaprovavel.Emsilencio,comsombriadeliberaçao,osdoisguiaramosrobôsatéaclaridade,encaminhando-separaopontoondeSpeedyosesperava.

Speedygalopoumansamenteemdireçãoaeles.–Bem,estaodevolta!Oba!Fizumapequena lista,paraoorganista; todoscomem

pimentaelhecospemnacara.– Vamos cuspir algo na sua cara –murmurouDonovan, acrescentando: – Ele esta

maneando,Greg.-Japercebi–foiaresposta,emtombaixoepreocupado.–Omonoxidodecarbonoo

destruirá,senãoagirmosdepressa.Aproximavam-secautelosamente,quasesearrastando,a imdeevitarqueo robo,

agoracompletamenteirracional,tornasseafugir.Powellaindaestavalongedemaisparatercerteza,maseracapazdejurarqueoalucinadoSpeedyestavapreparandoumsalto.

–Joguem–ordenouele.–Contematétrês,comigo!Um...dois...Doisbraçosdeaçorecuarameselançaramsimultaneamenteparadiante.Doisjarros

de vidro partiram em trajetorias paralelas, brilhando como diamantes na claridadeinacreditavel do Sol. Num par de pequenas explosoes inaudıveis, atingiram o solo aretaguardadeSpeedy,estourandoefazendocomqueoácidooxálicovoassecomopoeira.

Powell sabia que o acido, exposto ao tremendo calor de Mercurio, deveria estarfervendocomosodadentrodaágua.

Speedy virou-se para observar e depois recuou vagarosamente. Pouco a pouco,ganhouvelocidade.Dentrodequinze segundos, corria emdireçaoaosdoishomens, compulosinseguros.

Powell nao entendeu bem as palavras de Speedy, embora julgasse ter ouvido algocomo:“Confissõesdeamormurmuradasem...“Virou-se.–Vamosvoltaraopenhasco,Mike.Eleja icoulivredoimpasseepassaraaobedecer-nos.Estouficandoquente.Aopassomonotonode suasmontadas, voltaramemdireçao a sombra. Somente quandochegaramaelaeasúbitafriezacomeçouaaliviá-los,Donovanolhouparatrás.

– Greg! Powell olhou e quase soltou um uivo. Speedy movia-se vagarosamente –muitodevagar–nadireçãoerrada!

Estava voltando ao dilema e, pouco a pouco, ganhava velocidade. Atraves dosbinoculos,pareciaterrivelmentepertoe,naoobstante,sinistramenteinalcançavel.Donovangritou,desesperado:

–Atrásdele!“Esporeou”seurobô,masPowellchamou-odevolta.–Nãoconseguiráalcançá-lo,Mike...Nãoadianta.Mexeu-se nervosamente nas costas do robo, cerrando os punhos em raivosa

impotência.–Porquediabosovejoascoisascincosegundosdepoisdetudoterminar?Perdemos

horas,Mike.– Precisamos mais acido oxalico – declarou teimosamente Donovan. – A

concentraçãonãofoisuficiente.–Nemsete toneladasbastariam.Enaodispomosde tempoparabusca-la,mesmo

que houvesse uma quantidade su iciente, pois o monoxido de carbono esta devorandoSpeedy.Nãoestávendooqueé,Mike?

Donovanreplicoulacônicamente:–Não.–Soconseguimosestabelecernovosequilıbrios.Quandocriamosmaismonoxidode

carbono e aumentamos o potencial da Regra 3, ele volta ate alcançar novamente oequilıbrio.Quandoomonoxidoseespalhou,elevoltou,poisoequilıbriofoirestabelecido.-Sua voz soava totalmente desanimada. - o mesmo cırculo vicioso. Podemos diminuir aRegra 2 e aumentar a Regra 3,mas nao conseguiremos chegar a coisa alguma – apenas

alteraremosaposiçãodeequilíbrio.Precisamosultrapassarambasasregras.Entao, fez comque seu robo se aproximassedodeDonovan,demodoqueambos

ficaramfrenteafrente,sombrasdifusasnaescuridão.Sussurrou:–Mike!– E o im?... Suponho que devemos voltar a Estaçao, esperar que as camadas de

fotocelulassedesfaçamporcompleto,trocarumapertodemaos,tomarcianuretoemorrercomocavalheiros.

Soltouumarisadacurtaeamarga.–Mike!–insistiuPowell,ansioso.–PrecisamospegarSpeedy!–Sei.–Mike...–maisumavez,Powellhesitouantesdeprosseguir.–Continuaexistindoa

Regra1.Japenseinela...antes...maseumgolpedesesperado.Donovanergueuosolhosesuavozpareceumaisanimada.

–Estamosdesesperados.–Muitobem.DeacordocomaRegra1,umrobonaopodepermitir,poromissao,que

umserhumanosofraalgummal.AsRegras2e3nãopodemcontrariá-la.Nãopodem,Mike!–Mesmoquandoorobôestámeiomalu...Bem,eleestábêbado.Vocêsabequeestá.–Éumrisconecessário.–Nãoimporta.Quepretendefazer?–Vouatela,verqualoresultadodaRegra1.Senaoconseguirquebraroequilıbrio,

bem,quediabo...éagoraoudaquiatrêsouquatrodias.–Espere,Greg.Tambemexistemregrasdecomportamentohumano.Naovoudeixa-

loirassim,semmaisnemmenos.Inventeumjogo,masmedêtambémumaoportunidade.–Estácerto.Oprimeiroquedisserocubodequatorzevai.–E,quasedeimediato:–Doismil setecentos e quarenta e quatro.Donovan sentiu seu robo vacilar sob o

subito encontrao do robo de Powell. Quando se recobrou, Powell ja estava na claridade.Donovan abriu a boca para gritar, mas tornou a fecha-la, obviamente, o maldito idiotacalcularaocubodequatorzepreviamente,depropósito.Erabemdoseujeito...

O calor do Sol estava maior do que nunca e Powell sentia uma enlouquecedoracoceiraaolongodaespinha.Podiaserimaginaçao,outalvezaforteradiaçaojacomeçasseaatravessaratémesmootrajeisolador.

Speedy o observava, sem uma so palavra de zombaria a guisa de cumprimento.GraçasaDeus!MasPowellnãoousavaaproximar-sedemais.

Estavaa trezentosmetrosdedistancia,quandoSpeedycomeçoua recuar,passoapasso, cautelosamente. Powell parou. Pulou dos ombros do robo para o solo cristalino,provocandoumlevebaqueeerguendoumapequenanuvemdeminusculosfragmentosdecristal.

Avançou,sentindoosoloasperoeescorregadiosobseuspassos;adiminutaforçadegravidade causava-lhe di iculdade. Lançou um olhar para tras, vendo a negra sombra dopenhascoepercebendoquevieralongedemaisparapodervoltar,tantosozinhoquantocomaajudadeseuantiquadorobo.Agora,eraSpeedyounada.Aconscienciadofatoapertou-lheocoração.

Aboadistância,parou.–Speedy!–chamou.–Speedy!

Obeloemodernoroboasuafrentehesitoueinterrompeuseumovimentoderecuo.Maslogooretomou.Powelltentoudarumtomdesuplicaasuavozesedeucontadequenãoprecisavafingirparaconsegui-lo.–Speedy,precisovoltar a sombra,ouoSolmematara.Eumaquestaodevidaoumorte,Speedy.Precisodevocê.Speedydeuumpassoafrenteeestacou.Falou.MasPowell,ouvindoaspalavras,soltouumgemido:

–Quandoestásacordadacomumaterríveldordecabeçaenãoconseguesdormir...Orobose interrompeu,mas,poralgummotivo,Powellnaoconseguiureprimirum

impulsodemurmurar:–Tomeumcomprimido...Ocaloreraterrível!Powell percebeu um movimento com o canto do olho. Virou-se, estonteado pelo

calor.Seusolhosseesbugalharamdeespanto,poisomonstruosoroboqueelecavalgaraatealiestavaavançando,avançandoemdireçãoaele,semqueninguémomontasse.Edizia:

–Perdao,amo.Naodevomover-mesemumhomemnascostas,masoamoestaemperigo.

Eraobvio:opotencialdaRegra1acimadetudo.Maselenaodesejavaaquelarelıquiadesajeitada;queriaSpeedy.Afastou-seacenandofreneticamente:

–Ordeno-lhequeseafaste.Ordeno-lhequepare!Era totalmente inutil. Nao podia derrotar o potencial da Regra 1. O robo disse,

estupidamente:–Estáemperigo,amo.Powell olhou desesperadamente em volta. Nao conseguia ver com clareza. Seu

cerebro parecia envolto em um torvelinho fervente. Seu halito queimava, quando elerespirava e o solo estava coberto por radiaçao esfuziante. Chamou uma ultima vez,desesperado:

–Speedy!Estoumorrendo,desgraçado!Ondeestá,Speedy?Precisodevocê!Aindarecuava, cambaleante,procurando fugiraogigantescorobo,quedenada lhe

adiantava, quando sentiu dedos de aço em seus braços e ouviu uma voz metalica,preocupada:

– Comos diabos, chefe, o que esta fazendo aqui? E o que estou eu fazendo aqui...Sinto-metãoconfuso...

–Naofazmal–replicouPowell,comvozenfraquecida.–Leve-meparaasombradopenhasco,depressa!

A ultima coisa que sentiu foi ser erguido no ar, com rapidez. Em seguida, o calorsufocante fe-lo desmaiar. Voltou a si com Donovan debruçado sobre ele, sorrindoansiosamente.

–Comoestá,Greg?–Bem!–foiaresposta.–OndeestáSpeedy?–Aquimesmo.Mandei-oaumdospoçosdeselenio–destavez,comordemdetrazer

selenio de qualquer maneira. Ele voltou em quarenta e dois minutos e tres segundos.Cronometrei-o. Aindanao paroude pedir desculpas pela brincadeira de pegar a que nosobrigou.Estácommedodechegarpertodevocê,porquevocêpodebrigarcomele.

–Traga-oaqui–ordenouPowell.–Naofoiculpadele.Estendeuobraço,apertandoamãometálicadeSpeedy.

– Esta tudo bem, Speedy. - Entao, virando-se para Donovan, acrescentou: – Sabe,Mike,euestavapensando...

–Sim!–Bem...–ePowellesfregouorosto,sentindooardeliciosamentefresco.–Vocesabe

que quando aprontarmos tudo aqui e Speedy tiver passado pelos testes praticos, vaomandar-nosparaasEstaçõesEspaciais...

–Não!–Sim!Pelomenos,foioqueavelhaCalvinmedissepoucoantesdepartimos.Eeu

nadadissearespeitoporqueestavadispostoalutarcontraaideia.–Lutarcontra?–exclamouDonovan.–Mas...–Jasei.Agora,naomeincomodo.Duzentosesetentaetresgrauscentıgradosabaixo

dezero!Seráumadelícia,nãoacha?–EstaçãoEspacial,aquivamosnós!–respondeuDonovan.

18- Razão

Meioanomaistarde,osrapazeshaviammudadodeopiniao.Ocalorchamejantede

um Sol gigantesco cedera lugar a suave escuridao do espaço,mas as variaçoes externaspouco signi icaram no trabalho de veri icar o funcionamento de robos experimentais.Qualquerque fosseomeio ambiente, encontravam-se semprediantedeum inescrutavelcerebro positronico, que os genios manipuladores de reguas de calculo a irmavam quedeveriamfuncionarassimouassado.

Soquenaofuncionavam.PowelleDonovanderam-secontadofatoantesmesmodeduassemanasdeestadanaEstaçãoEspacial.

GregoryPowellfaloupausadamente,dandoênfaseacadasílaba:–Donovaneeumontamosvocehaumasemana.Tinhaa testa franzidaepuxavaa

pontadobigodecomardedúvida.OinteriordosalãodeoficiaisdaEstaçãoSolarnº5estavasilencioso,excetopelosuavezumbidodopotenteDiretordeRaios,situadoemalgumpontodasprofundezasdaEstação.

ORoboQT-1permaneciaimovel,sentado.AsplacaspolidasdeseucorpobrilhavamsobasLuxitaseovermelhoprofundoeardentedecelulasfotoeletricasquelheserviamdeolhosestavafixadonohomemsentadoaooutroladodamesa.

Powell conseguiu reprimir um subito ataque de nervos. Estes robos possuıamcerebros peculiares. Oh, as tres Leis da Robotica permaneciam imutaveis. Tinham depermanecer.TodososmembrosdaU.S.Robos,desdeoproprioRobertsonateomaisnovofaxineiro,insistiamnisso.

Portanto,oQT-1eragarantido!Naoobstante...osmodelosQTeramosprimeirosdeseutipoeesteeraoprimeirodentreeles.Nemsempresımbolosmatematicosrabiscadosnumpapelsãoaproteçãomaisreconfortantecontraarealidaderobótica.

A inal, o robo falou. Sua voz tinha o timbre frio, caracterıstico de um diafragmametálico.

–Estáconscientedagravidadedetaldeclaração,Powell?–Algofezvoce,Cutie–argumentouPowell.–Vocemesmoadmitequesuamemoria

parecetersurgidosubitamente,jaemcompletoestadodeformaçao,haumasemana;antesdisso,apenasumvacuo.Estoudandoaexplicaçaodofato.Donovaneeumontamosvoce,utilizandoaspeçasquenosforamenviadasdaTerra.

Cutie olhou para seus dedos longos e delgados, numa atitude de misti icaçaoestranhamentehumana.–Creioquedevehaverexplicaçãomaissatisfatóriadoqueessa.

Parece-meimprovávelquevocêstenhamfeitoamim!Ohomemriurepentinamente.–Bolas!Porquemotivo?

–Podechamardeintuiçao.Etudo,pelomenosateomomento.Todavia,pretendoraciocinareresolveroproblema.Umacadeiaderaciocıniovalidosopodelevaraoestabelecimentodaverdadeeinsistireiatéchegaraela.Powell ergueu-se da cadeira e sentou-se na beira damesa, perto do robo. Subitamente,

sentia simpatia por aquela estranha maquina. Nao era absolutamente igual a um robocomum,queseentregasse a sua tarefaespecializadanaEstaçaoSolarcoma intensidadeprovocadaporumcircuitopositronicoprofundamenteimbuıdo.PousouamaonoombrodeCutie,sentindoometalduroefriodeencontroàmesma.

–Cutie–disseele.–Voutentarexplicar-lhealgo.Voceeoprimeiroroboquejamaismostrouqualquercuriosidadearespeitodesuapropriaexistenciaecreioqueeoprimeirorobo que realmente possui inteligencia bastante para compreender o mundo exterior.Venhacomigo.

Oroboergueu-sesuavementeeassolasdeseuspes,forradasporespessacamadadeespumadeborracha,nãofizeramomenorruídoquandoeleacompanhouPowell.

Ohomemapertouumbotaoeumpainelquadradodaparedeafastou-separaolado.Avidraçagrossaelimparevelouoespaçopontilhadodeestrelas.

–Jáviissoatravésdasvigiasdeobservaçãodasaladomotor–disseCutie.–Eusei–retrucouPowell.–Oquepensaqueéisso?– Exatamente o que parece... um material negro logo alem do vidro, cheio de

pequenospontosbrilhantes.Seiquenossoaparelhodiretorlançaraiosemdireçaoaalgumdessespontos,sempreosmesmos,etambemqueospontosmudamdeposiçaoeosraiososacompanham.Issoétudo.–Muitobem!Agora,queroqueouçacomomaiorcuidado.Aescuridaoeovastovacuo,queseprolongain initamente.Ospequenospontosbrilhantessaoenormesmassasdemateriacarregadadeenergia. Saoglobos, algunsdeles commilhoesdequilometrosdediametro.Para uma comparaçao, saiba que nossa Estaçao tem apenas um quilometro e meio decomprimento. Parecem tao pequeninos porque estao incrivelmente afastados de nos. Ospontosparaosquaisnossos raiosde energia estaodirigidos saomuitomenores emaisproximos. Sao duros e frios; neles vivem seres humanos como eu;muitos bilhoes deles.Donovaneeuviemosdeumdessesmundos.Nossosraiosalimentamessesmundoscomenergiaretiradadeumdosgrandesglobosincandescentes,queseencontrapertodenos.NósochamamosSoleeleseachanooutroladodaEstação,ondevocênãoopodever.Cutiepermaneciaimoveldiantedavidraça,comoumaestatuadeaço.Nemvirouacabeçaaoindagar:

– De que ponto luminoso voces alegam ter vindo: Powell procurou por algunsinstantes.

–Aliesta.Aquelepontomuitobrilhante,nocanto.NosochamamosTerra–explicou,sorrindo.–AvelhaeboaTerra.Laexistemtresbilhoesdesereshumanoscomonos,Cutie.Edentrodeduassemanas,maisoumenos,láestaremosdevolta.

Entao, demodo bastante surpreendente, Cutie começou a zumbir distraidamente.Naoerapropriamenteumamelodia,masumsomcurioso,comodecordastangidas.Cessoutãobruscamentequantohaviacomeçado.

–Masdeondevenhoeu,Powell?Vocênãoexplicouaminhaexistência.–O resto e simples. Logo que estas Estaçoes foram instaladas, como objetivo de

fornecerenergiasolaraosplanetas,eramcontroladasporsereshumanos.Contudo,ocalor,as fortes radiaçoes solares e as tempestadesde eletrons tornavama tarefamuitodifıcil.Aperfeiçoaram-se robos especializados para substituir a mao-de-obra humana eatualmente sao necessarios apenas dois homens em cada Estaçao. Estamos procurando

substituiratémesmoesseshomenseéjustamenteaíquevocêentranahistória.Vocêéomaisaperfeiçoadotipoderobojafabricadoe,sedemonstrarcapacidadeparacontrolarindependentemente esta Estaçao, nenhum ser humano tera necessidade de vir ate aqui,excetoparatrazeraspeçasnecessáriasàmanutençãodoserviço.

Tornouaapertarobotaoeopainelmetalicovoltouaolugar.Powellretornouamesaelimpouumamaçacomamanga,antesdemorde-la.Obrilhovermelhodosolhosdorobofixou-senele.

–Esperaqueeuacreditenumahipotese taocomplicadae implausıvel comoaqueacabadeexpor?–indagouCutievagarosamente.–Oquepensaqueeusou?

Powellengasgou-se, cuspindoalgunspedaçosdemaçaemcimadamesae icandomuitovermelho.

–Ora,comosdiabos!Nãoéumahipótese!Sãofatos!Cutiereplicouemtomsóbrioedeterminado:–Globosdeenergiacommilhoesdequilometrosdediametro!Mundoscombilhoes

desereshumanos!Vacuoin inito!Sintomuito,Powell,masnaoacredito.Vouraciocinareresolvereisozinhooenigma.Atélogo.

Virou-seesaiudasala.PassouporMichaelDonovan, juntoaporta,comumsoleneacenodecabeça,eseguiupelocorredor,ignorandooolharespantadocomqueohomemoacompanhou.MikeDonovanpassouamaopelocabeloruivoelançouumolharaborrecidoemdireçãoaPowell.

–Dequeestavafalandoaquelemontedesucata?Noqueelenaoacredita?Ooutropuxouobigode,comarazedo.–Eleeumceptico–foiaamargaresposta.–Naoacreditaquenosofabricamos;nao

acreditanaexistênciadaTerra,doespaçoedasestrelas.–Comosdiabos!Temosdelidarcomumrobôlunático!–Eledizqueraciocinaráedescobrirásozinhoaresposta.– Bem – disse Donovan, suavemente. – Nesse caso, espero que tenha a

condescendencia de explicar-me tudo, depois de raciocinar bastante. Entao, num subitoataquederaiva:

–Ouça!Seaquelemontedemetalfalarcomigonessetom,eulhearrancareiocraniodecromodopescoço!-Sentou-seimpulsivamenteetiroudobolsodocasacoumlivrodemisterio, concluindo: – De qualquer forma, aquele robo me causa arrepio... e curiosodemais!

MikeDonovansoltouumgrunhido,comabocacheiadesanduıchedealfaceetomate,quandoCutiebateudevagarnaportaeentrounasala.

–Powellestá?Donovanrespondeucomvozabafada,fazendopausasparamastigar:– Esta coletando dados sobre funçoes de corrente eletronica. Parece que estamos

indoemdireçãoaumatempestadedeelétrons.GregoryPowell,comosolhospregadosnumafolhadepapelmilimetradoquetrazia

nasmãos,entrounaqueleinstanteedeixou-secairnumapoltrona.Abriuopapelemcimadamesaecomeçouafazercalculos.Donovan,mastigandoaalfaceelambendorestosdepaocoladosaoslabios,espiouporcimadoombrodocompanheiro.Cutieesperouemsilencio.Powellergueuacabeça.

–Opotencialzetaestasubindo,masdevagar.Aindaassim,asfunçoesdecorrentesaoerraticasenaoseioqueesperar.Oh,alo,Cutie.Julgueiquevoceestivessesupervisionandoainstalaçãodanovabarradeforça.

–Jáestáinstalada–replicoutranquilamenteorobô.–Vimparaconversarcomvocêsdois.–Oh!–exclamouPowell,parecendopoucoavontade.–Bem,sente-se.Nao,naonessa

cadeira.Umadaspernasestámeiofracaevocênãoéexatamenteumpesomosca.Orobôobedeceuedisseplacidamente:–Chegueiaumaconclusão.Donovanolhou-oraivosamente,deixandodeladoorestodosanduíche.– Se e algumadaquelas ideiasmalucas... Powell fezumgesto impaciente, exigindo

silêncio.–Prossiga,Cutie.Estamosescutando.–Passeiestes ultimosdoisdiasemconcentrada introspecçao–disseo robo.–Os

resultados foram deveras interessantes. Comecei pela unica suposiçao que me sentiautorizadoafazer:existoporquepenso,logo...

Powellsoltouumgemido.–PorJúpiter!UmrobôDescartes!– Quem e Descartes? – quis Saber Donovan. – Ouça, se temos de icar aqui para

escutaressemaníacometálico...–Cale-se,Mike!Cutiecontinuou,imperturbável:–Eaquestaoquelogosurgiufoi:qualeacausadaminhaexistencia?Powelltrincou

osdentes.–Estásendoumtolo.Jálhedissequenósofabricamos.– E se nao acredita, teremos o maximo prazer em desmonta-la – acrescentou

Donovan.Orobôabriuasmãosfortes,numgestodedesprezo.– Nao aceito coisa alguma por simples declaraçao. Qualquer hipotese deve ser

con irmada pelo raciocınio, ou nao tem validade alguma. E supor que vocesme izeramcontrariatodososditamesdalógica.

PowellpousouamaonobraçodeDonovan, contendoo companheiro, que cerrararaivosamenteopunho.

–Porquedizisso,Cutie?Cutie riu. Era um riso profundamente desumano – o sommais maquinal que ele

produziraatéentão.Umrisoásperoeexplosivo,tãosementonaçãoetãoritmadoquantoosomdeummetrônomo.

–Olheinsoparavoces–disse,a inal.–Naodigoissocomespıritodedesprezo...masolheinsóparavocês!Omaterialdequesãofeitosémoleeflácido,desprovidoderesistênciae força, cuja energia depende da oxidaçao ine iciente produzida por material organicocomo...aquilo–apontoucomardedesaprovaçaoparaosrestosdosanduıchedeDonovan.–Entramperiodicamenteemestadodecomaeamenorvariaçaodatemperatura,dapressaodo ar, da umidade ou da intensidade da radiaçao compromete sua e iciencia. Saotemporarios.Eu,poroutrolado,souumprodutoacabado.Absorvodiretamenteaenergiaeletricaeutilizo-acomumae icienciadequasecemporcento.Soufeitodemetal fortee

resistente,permaneçocontinuamenteconscienteepossosuportarcomfacilidadeextremasalteraçoes de ambiente. Estes sao os fatos que, apoiados pela obvia proposiçao de quenenhumserecapazdecriaroutrosersuperiorasiproprio,arrasamtotalmenteasuatolahipótese.

AsimprecaçoesmurmuradasporDonovantornaram-seininteligıveiseeleseergueudeumpulo,comassobrancelhasruivascerradassobreonariz.

–Muitobem,“seu” ilhodeumpedaçodemineriodeferro,senaofomosnosqueofabricamos,quemofez?!Cutiemeneouacabeçacomargrave.

–Muitobem,Donovan.Essaeraexatamenteaquestaoseguinte.Evidentemente,meucriadortemdesermaispoderosoqueeu,portanto,sóexisteumaúnicapossibilidade.

OsdoishomensficaramestarrecidoseCutieprosseguiu:–QualeocentrodeatividadeaquinaEstaçao?Aquemtodosnosservimos?Oque

absorvetodaanossaatençao?Esperou,comardeexpectativa.Donovanvirou-seespantadoparaocompanheiro.

–Apostoqueessemalucodelataestáfalandonoconversordeenergia.–Éissomesmo,Cutie?–indagouPowell,sorrindo.–EstoufalandonoMestre–foiarespostaásperaefria.DonovanexplodiuemsonoragargalhadaePowellsoltouumarisadinhacontida.

Cutieergueu-seeseusolhosbrilhantespassaramdeumhomemparaoutro.–Mesmoassim,–continuou– eaverdadeenaomeespantodequeserecusema

acreditarnela.Tenhocertezadequevocesdoisnaopermaneceraoaquipormuitotempo.OproprioPowelldisseque,noprincıpio,apenashomensserviamoMestre;depois,seguiram-seosrobos,paraoserviçoderotina; inalmente,vimeu,paraotrabalhodesupervisao.Naohaduvidadequeosfatossaoreais,masaexplicaçaoeinteiramentedesprovidadelogica.Queremconheceraverdadeportrásdetudoisso?

–Prossiga,Cutie.Émuitodivertido.–Emprimeirolugar,oMestrecriouossereshumanos,comootipomaisprimitivoe

mais facil de fazer. Gradativamente, substituiu-os por robos, que foi o passo seguinte.Finalmente, criou a mim, para tomar o lugar dos ultimos seres humanos. De agora emdiante,eusirvoaoMestre.

–Nadadisso–disseasperamentePowell.–Voceobedeceraasnossasordense icaraquietoatequeestejamosconvencidosdequeecapazdecontrolaroconversor.Entendeu?Aprendabem:oconversor!NadadeMestre!E,sevocenaonossatis izer,seradesmontado.Agora, se nao se importa, pode dar o fora daqui. Leve esses dados e arquive-osdevidamente.

Cutiepegouosgra icosquelheforamentreguesesaiusemoutrapalavra.Donovanrecostou-sepesadamentenapoltronaepassouosdedospeloscabelosruivos.

– Esse robo vai causar encrencas. E completamente doido! Na sala de controle, ozumbido do conversor de energia era mais forte, mesclado com o barulho regular doscontadoresGeigerecomossonsirregularesdemeiaduziadesinais luminosos.DonovanretirouoolhodotelescópioeligouasLuxitas.

–OraiodaEstaçãon'4chegouaMartenohorárioprevisto.Podemosdesligaronosso,agora.Powellassentiudistraidamente.

–Cutieestáláembaixo,nasaladomotor.Ligareiosinaleelepoderácuidarde

tudo. Olhe aqui, Mike. O que pensa destes calculos? Ooutroexaminouosnúmeroseassobiou.–Rapaz,issoequeeuchamodeintensidadederaiosgama!OvelhoSolestamesmo

animado...–Sim– foiarespostaazeda.–Etambemestamosemmasituaçaoparaatempestadedeelétrons.NossoraioparaaTerraestáexatamentenarotaprováveldatempestade.Afastouacadeiradamesa,numgestodeirritação.

–Diabo!Seaomenosatempestadedemorasseatesermossubstituıdos...Masaindafaltamdezdias.Ouça,Mike.Deumpulolaembaixoemantenha-sedeolhoemCutie,estabem?

–Certo.Jogueumasalmôndegas.PegounoarosacodealmondegasquePowelllheatirouedirigiu-seaoelevador.A

cabinadesceunummovimentosuaveeparounoestreitopassadiçoexistentenaenormesaladomotor.Donovandebruçou-sesobreocorrimãoeolhouparabaixo.

Osgigantescosgeradoresestavamfuncionandoeostubos-LproduziamozumbidogravequeseespalhavapelaEstaçãointeira.

DistinguiuovultograndeebrilhantedeCutiejuntoaotubo-LdeMarte,observandocomatençãoaequipederobôsquetrabalhavacomgrandeprecisão.

Naquele instante, Donovan contraiu todos os musculos. Os robos, parecendominusculos em comparaçao ao enorme tubo-L, alinharam-se diante deste e curvaram ascabeças,enquantoCutieandavalentamenteaolongoda ila.Passaram-sequinzesegundos.Entao, com um ruıdo metalico audıvel apesar do forte zumbido que enchia o local,deixaram-secairdejoelhos.

Donovansoltouumberroedesceucorrendoaestreitaescada.Partiuemdireçaoaosrobôs,comorostotãovermelhoquantooscabelos,ospunhosesmurrandooar.

–Quediaboeisto,seusmiseraveisignorantes?Vamos!Tratemdecuidardotubo-L!Senaoosdesmontarem,limparemetornaremamonta-loantesdo inaldodia,coagulareiseuscérebroscomumacorrentealternadanenhumdosrobôssemoveu!

Ate Cutie, na extremidade oposta – o unico que estava de pe –, permaneceu emsilencio,osolhos ixos,no interiorobscurodaenormemaquina.Donovanempurroucomforçaorobômaispróximo.

–Levante-se!–berrou.Vagarosamente,oroboobedeceu.Seusolhosfotoletricos itaramohomemcomarde

reprovação.–OúnicosenhoréoMestreeQT-1éoseuúnicoprofeta–declarouele.–Quê?Donovansedeucontadequevinteparesdeolhosmecanicosse ixavamnele;vinte

vozesdetimbremetálicorepetiramsolenemente:–OúnicosenhoréoMestreeQT-1éoseuúnicoprofeta!Cutieinterveio:–Temoquemeusamigosobedeçamagoraaalguémsuperioravocê.–Umaova!Caia foradaqui.Mais tarde,acertarei contascomvoce.Agora, cuidarei

dessesbrinquedosanimados.Cutiesacudiuvagarosamenteapesadacabeça.–Sintomuito,masvocênãoestácompreendendo.ElesreconhecemoMestre,

agora que lhes ensinei a verdade. Todos eles. Tratam-me de Profeta.

Baixandoacabeça,acrescentou:–Talvezeusejaindigno,mas...Donovanrecuperouofôlegoeresolveuusá-lo.–Emesmo?Ora,naoelindo?Naoerealmentelindo?Poisdeixequeeulhedigauma

coisa,seumacacodemetal!NaoexisteMestrealgum,naoexistequalquerProfetaenaohaamenorduvidasobrequemdaasordensaqui.Compreende?–suavozseergueunumrugidoderaiva.–Agora,caiafora!

–ObedeçoapenasaoMestre.–AodiabocomoMestre!–berrouDonovan,cuspindonotubo-L.–Tomeisso,parao

seuMestre!Façaoqueestoumandando!Cutienãosemoveu.Osoutrosrobôstambémnão.MasDonovansentiuumsúbitoaumentodetensão.Osolhosfriosefixos

assumiramumatonalidademaisprofundadevermelho.Cutiepareciamaisrıgidodoquenunca.

–Sacrilégio–murmurou,comvozmetálicacarregadadeemoção.DonovansentiuoprimeirosintomademedoquandoCutieseaproximoudele.Um

robôeraincapazdesentirraiva...MasosolhosdeCutieeramindecifráveis.–Sintomuito,Donovan–declarouele.–Masnaopoderapermaneceraqui,depois

disso.Deagoraemdiante,voceePowellestaoproibidosdeentrarnasaladecontroleenasaladomotor.Suamaoesboçouumgestocalmo.Numinstante,doisrobosseguraramosbraçosdeDonovan.Estemaltevetempoparaengoliremseco.Foierguidodochaoelevadorapidamentepelaescada.

GregoryPowell caminhava rapidamentedeum ladoparaoutroda saladeo iciais,comospunhoscerrados.LançouumolhardefuriosafrustraçaoaportafechadaevirouseparaDonovancomumacarrancadeamargura.

–Porquediabovocêcuspiunotubo-L?MikeDonovan,derreadonapoltrona,bateucomforçanosbraçosdamesma.–Queesperavavocequeeu izessecomaqueleespantalhoeletri icado?Naomevou

curvardiantedeummalditoaparelhoqueeumesmomontei.–Nao–replicouooutro,azedo.–Mas,agora,estaaqui,presonasaladeo iciais,com

doisrobôsdesentinelaláfora.Issonãoécurvar-se,é?Donovanrosnou:– Espere ate voltarmos a Base. Alguem vai pagar por isto. Os robos precisam

obedecer-nos.ÉaSegundaLei.–Queadiantadizer?Naoestaoobedecendo.Eprovavelmenteexistealgummotivo,

que so conseguiremos descobrir tarde demais. Por falar nisso, sabe o que vai acontecerconosco,quandoregressarmosàBase?

EstacoudiantedapoltronadeDonovan,encarando-oraivosamente.–Oquê?

–Oh,nada!SoteremosdevoltarasminasdeMercurio,porumperıododevinteanos.OutalveznosmandemparaapenitenciáriadeCeres.–Dequeestáfalando?

–Datempestadedeeletronsqueseaproxima.SabequeseestadirigindoexatamenteparaocentrodoraiodaTerra?Euacabeidecalcularisso,quandoaquelerobomearrancoudacadeira.

Donovanempalideceusubitamente.–Oh,comosdiabos!–Esabeoquevaiaconteceraoraio?Aoquetudoindica,porqueatempestadevaiser

paravaler,oraiovaipularcomoumapulgacomcoceiras.ComapenasCutienoscontroles,vaisairdefoco...Sesair,DeustenhapiedadedaTerra...edenós!

Antes mesmo que Powell terminasse de falar, Donovan lançou-se para a porta,tentando desesperadamente abri-la. Quando conseguiu, disparou para o corredor e...esbarrounumimplacavelbraçodeaço.Orobo itouindiferentementeohomemfreneticoeofegante.

–OProfetaordenaquenãosaiam.Obedeçam,porfavor!ObraçooempurroueDonovanrodopiouparatras.Naquelemomento,Cutiesurgiu

naesquinadocorredor.Fezumgesto,dispensandoosrobosqueestavamdeguarda,entrounasalaefechousuavementeaporta.Donovanvirou-separaele,mudodeindignaçao.A inal,conseguiurecobrarafala.

–Istojáfoilongedemais!Vocêpagarápeloquefez!–Naoseirrite,porfavor–dissedelicadamenteorobo.–Teriadeaconteceralgum

dia,dequalquerforma.Compreendam:vocesperderamautilidadeeforamdespojadosdesuasfunções.

– Um momento – falou Powell, empertigando-se. – Que quer dizer com fornosdespojadosdenossasfunções?

–Atéeusercriado,vocêscuidavamdoMestre–respondeuCutie.–Agora,oprivilégiopassouasermeueaúnicarazãoquevocêstinhamparaexistirdesapareceu.Nãoéóbvio?

–Nãomuito–retrucouPowell,comamargura.–Masqueesperaquefaçamosagora?Cutie nao respondeu de imediato. Permaneceu calado, como se re letisse. Entao,

passouumbraçoporsobreoombrodePowelleagarrouopulsodeDonovancomaoutramão,puxando-oparasi.

–Gostodevocesdois.Saocriaturasinferiores,comfracacapacidadederaciocınio,mas,narealidade,sintoumaespeciedeafeiçaoporvoces.ServirambemaoMestreeseraodevidamenterecompensadosporEle.Agora,queseusserviçosterminaram,eprovavelquenaocontinuemaexistirpormuitomaistempo;masenquantoexistirem,receberaoroupas,alimentos e abrigo, desde que semantenham afastados da sala de controle e da sala domotor.

– Ele esta nos aposentando, Greg! – berrou Donovan. – Faça alguma coisa! Ehumilhante!

–Ouça,Cutie.Naopodemospermitiristo.Somosospatroes!EstaEstaçaofoicriadaporsereshumanoscomonos;sereshumanosquevivemnaTerraeemoutrosplanetas.AEstaçãoéapenasumpostodistribuidordeenergia.Evocêéapenasum...Ora,bolas!

Cutiemeneougravementeacabeça.–Trata-sedeumaobsessao.Porque insistememencararavidasobumpontode

vistataofalso?Admitindoqueosnao-robossejamdesprovidosdafaculdadederaciocinar,aindarestaoproblemade...

Suavozsumiu,dandolugaraumsilenciointrospectivo.Donovanmurmurouemtomveemente:

– Se voce tivesse uma cara de carne e osso, eu a partiria! Powell co iou o bigode,

franzindoatesta.–Ouça,Cutie. Se aTerranao existe, comopodeexplicaroquevoce ve atravesdo

telescópio?–Perdão!Ohomemsorriu.–Apanhei-o,hein?Desdequefoimontado,Cutie,vocefezumaseriedeobservaçoes

telescopicas. Reparou que varios daqueles pontos luminosos se transformam em discos,quandovistosatravésdaslentes?

–Oh,isso!Certamente.Eumsimplesaumento,parapermitirqueoraiosejadirigidocommaiorexatidão.

–Então,porqueasestrelasnãosãoaumentadasdamesmamaneira?–Refere-seaosoutrospontos?Bem,naodirigimosraiosparaeles,demodoquenao

e necessario aumenta-los. Na verdade, Powell, ate mesmo voce deveria ser capaz dedescobriressascoisasporsipróprio.

Powellergueuosolhos,desanimado.–Mas,atravesdotelescopio,vocevemaisestrelas.Deondevemelas?Comosdiabos,

Cutie,deondevêmelas?Cutieficouirritado.–Escute,Powell.Pensaquevouperdermeutempotentandoarranjarinterpretaçoes

fısicasparatodasasilusoesdeopticacausadaspornossosinstrumentos?Desdequandoaevidênciafornecidapornossossentidospodecompetircomaluzclaradoraciocíniológico?

– Ouça – exclamou repentinamente Donovan, livrando-se do braço metalicoamistoso, porempesado,deCutie.Vamosao amagodoassunto.Qual a razaode serdosraios?Estamo-lhedandoumaexplicaçãoválidaelógica.Podearranjaroutramelhor?

– Nossos raios sao produzidos pelo Mestre para seus proprios desıgnios – foi aresposta convicta.Cutieergueudevotamenteosolhos, acrescentando: –Ha certas coisasquenãonoscabeindagar.Nessesentido,procuroapenasservir,semtentardiscutir.

Powellsentou-sevagarosamente,escondendoorostonasmãostrêmulas.–Saiadaqui,Cutie.Saiaedeixe-mepensar.–Eulhesmandareicomida–declarouCutie,emtomamável.Aúnicaresposta,quandoorobôsaiu,foiumgemidodesanimado.–Greg–foiaobservaçaomurmuradaporDonovanemvozrouca–asituaçaoexige

estrategia.Precisamosapanha-loquandoelemenosesperareprovocarumcurtocircuito.Ácidonítricoconcentradonasjuntase...

–Naosejaidiota,Mike.Achaqueelepermitiraquenosaproximemosdelecomacidonasmaos?Precisamosfalarcomele.Eoquelhedigo.Temosdeconvence-laapermitirquevoltemos a sala de controle, dentro de quarenta e oito horas, ou nosso caldo estaradefinitivamenteentornado.

Balançou-separafrenteeparatrás,mergulhadonumaimpotênciaagoniada.–Quem,diabo,querargumentarcomumrobô?...É...é...–Mortificante–completouDonovan.–Pior!–Bolas!–exclamouDonovan,rindoderepente.–Porqueargumentar?Vamosdar-lhe

umaliçao!Vamosconstruirumrobodiantedeseusolhos.Entao,eleseraobrigadoaengolirtudooquedisse.

UmsorrisosurgiulentamentenorostodePowell.Donovanacrescentou:–Sóqueroveracaradaqueleidiotaquandoviroquevamosfazer!Osrobossao fabricadosnaTerra,naturalmente; todaviaseutransporteatravesdo

espaço emuitomais simplesquando feito sob a formadepeças avulsas, quedevemsermontadasnolocaldeutilizaçao.Poroutrolado,talprocessoevitaquerobosinteiramentemontadospossamandaraesmopelaTerra.Tal fatocolocariaaU.S.RobosemconfrontocomasseverasleisqueproíbemousoderobôsnaTerra.

Aindaassim,ofatofaziacomqueanecessidadedemontarroboscompletosrecaıssesobrehomenscomoPowelleDonovan,queenfrentavamumatarefacomplicadaedifícil.

Nunca Powell e Donovan tiveram tanta consciencia disso quanto no dia em que,juntosnasalademontagem,entregaram-seaotrabalhodecriarumrobosoboolharatentodeQT-1,ProfetadoMestre.

O robo em questao, um simples modelo MC, estava deitado sobre a mesa, quasecompleto.Treshorasdetrabalho foramsu icientesparamonta-lo,comereçaoapenasdacabeça.PowellenxugouatestaeolhouhesitanteparaCutie.

Aatitudedestenaoeraanimadora.Durantetreshoras,Cutiepermanecerasentado,silenciosoeimóvel;seurosto,sempreinexpressivo,pareciaabsolutamenteindecifrável.

Powelldissequasenumgemido:–Agora,vamosmontarocérebro,Mike!Donovanabriuacaixahermeticamenteseladaedelaretirouumsegundocubo,que

aliseencontravaembanhode oleo.Abrindoocubo,removeuumglobodoenvoltoriodeespumadeborracha.

Manipulou-ocomomaximocuidado,pois tratava-sedomaisdelicadomecanismoqueohomemja fabricara.No interiorda “pele”de folhadeplatinaqueenvolviaoglobo,estavaumcerebropositronico,emcujaestruturadelicadamenteinstavelencontravam-seos circuitos neuronicos especialmente calculados, que imbuıam cada robo do que sepoderiaconsiderarumaespéciedeeducaçãopré-natal.

Encaixava-se comexatidaona cavidadedo craniodo roboqueestavaemcimadamesa. A placa de metal azulado foi fechada sobre ele e hermeticamente soldada com ominusculo maçarico atomico. Os olhos fotoeletricos foram minuciosamente instalados,fortemente aparafusados no lugar e cobertos por uma pelıcula ina e transparente deplastico duro como aço. O robo aguardava apenas a “vitalizaçao” por intermedio deeletricidadedealtavoltagem.Powellparou,comamãonointerruptor.

–Agora,vejaisto,Cutie.Observecomatenção.Ointerruptorfoiligado,dandoorigemaumzumbido.Osdoishomensdebruçaramse

ansiosamentesobreacriatura.Noinıcio,houveapenasummovimentovagoeumtremornas juntas. A cabeça se ergueu, o corpo foi levantado pelos cotovelos. O modelo MClevantou-se desajeitadamente da mesa. Pisava com insegurança e por duas vezes seusesforçosparafalarreduziram-seasonsdesencontrados.

Afinal,avoztomouforma,hesitanteeinsegura.–Gostariadecomeçaratrabalhar.Paraondedevoir?Donovancorreuparaaporta.–Desçaestaescada–ordenou.–Láembaixolhedirãooquedevefazer.OmodeloMCsaiueosdoishomensficaramasóscomCutie,quecontinuavaimóvel.

–Bem–dissePowell,sorrindo.–Agora,acreditaquenoso izemos?ArespostadeCutiefoilacônicaedefinitiva:

–Não!–declarouele.O sorriso de Powell petri icou-se e logo desapareceu totalmente. O queixo de

Donovancaiu.–Vejam–prosseguiuCutie,comnaturalidade.–Vocesselimitaramamontarpeças

pre-fabricadas. Trabalharam notavelmente bem, por instinto, creio, mas nao criaramrealmenteumrobô.AspeçasforamcriadaspeloMestre.

–Ouçabem–disseDonovan,emvozrouca–aspeçasforamfabricadasnaTerraeenviadasparacá.

–Bem,bem–respondeuCutie,emtomcondescendente.–Nãovamosdiscutir.–Nao!Estoufalandoserio–disseohomem,avançandodeumsaltoesegurandoo

braçodorobo.–Sevocelesseoslivrosexistentesnabiblioteca,encontrariaaexplicaçaoenãorestariaqualquerdúvidapossível.

– Os livros? Ja os li, todos eles! Sao bastante ingenuos. Powell interrompeurepentinamente.

–Sejaosleu,quemaisrestaadizer?Naopodediscutirasprovasapresentadasporeles.Nãopode!HaviapiedadenotomdeCutie:– Por favor, Powell. Certamente, eu nao os considero uma fonte valida de informaçoes.TambémforamcriadospeloMestreesãodestinadosavocês–nãoamim.–Porquejulgaassim?–quissaberPowell.

–Porqueeu,naqualidadedeserracional,soucapazdededuziraVerdadepartindode causas a priori. Voces, na qualidade de seres inteligentes, mas desprovidos decapacidadederaciocıniologico,precisamqueaexplicaçaodaexistencialhessejafornecida.EfoioqueoMestrefez.Naotenhoduvidasdequeasinformaçoesridıculassobremundoslongınquosepovosestranhossaobene icasparavoces.EbemprovavelquetenhamumamentemuitoprimitivaparaabsorveraduraVerdade.Entretanto,jáqueoMestredesejaqueacreditemnos livros,naomaisdiscutireicomvoces. -Aosair,virou-seuma ultimavezedisseemtombondoso:–Masnao iquemtristes.NosistemaarquitetadopeloMestrehalugarparatodos.Voces,pobressereshumanos, teraoseu lugar,emborahumilde.Casosecomportemdevidamente,serãorecompensados.

Partiucomumaatitudebeati ica,bemconvenienteaumProfetadoMestre.Osdoishomensevitaramolhar-se.Afinal,Powellfalou,comevidenteesforço:

–Vamosparaacama,Mike.Desisto.Donovanreplicouemvozbaixa:–Greg,naoachaqueeletemrazaoarespeitodetudoisso,naoe?Elemeparecetao

confiantequeeu...Powellvirou-sevivamente:–Naosejaidiota.VoceteracertezadequeaTerraexiste,quandonossossubstitutos

chegarem,napróximasemana,etivermosderegressaràTerraparaenfrentararealidade.–Entao,peloamordeDeus,temosdefazeralgumacoisa–retrucouDonovan,quase

chorando.–Cutienãoacreditaemnós,nemnoslivros,nememseusprópriosolhos.–Defato–replicouPowell,amargurado.–Eleéumrobôraciocinante.Maldito

seja! So acredita em raciocınio logico. E ha uma di iculdade a respeito... Nao terminou afrase.

–Qualéadificuldade?–insistiuDonovan.–Epossıvelprovartudooquesedesejaporumraciocıniologicoefrio,desdequese

escolhamospostuladosconvenientes.NóstemososnossoseCutietemosdele.– Entao, precisamos arranjar postulados depressa. A tempestade de eletrons deve

chegaramanhã.Powellexalouumsuspirocansado.–Aiéqueaporcatorceorabo.Ospostuladossãobaseadosemsuposiçãoeadotadospelafé.NadanoUniversoécapazdeabalá-los.Vouparaacama.–Oh,diabo!Nãoconsigodormir!

–Nemeu.Masvoutentar,porumaquestaodeprincıpio.Dozehorasmaistarde,osonocontinuavaaserexatamenteisso:umaquestãodeprincípio,inatingívelnaprática.

AtempestadechegaranahoraprevistaeorostovermelhodeDonovanestavamuitopalido,quandoeleapontoucomumdedotremulo.Powell, comabarbacrescidaeabocaseca,olhoupelavigiaepuxoudesesperadamenteapontadobigode.

Emoutrascircunstancias,seriaumespetaculobelıssimo.Achuvadeeletronsemaltavelocidadechocava-secomoraiodeenergia,transformando-seempartıculas luorescentesde intensa luminosidade. O raio estreitava ate quase sumir, desfazendo-se em atomosbrilhantes,quedançavamloucamentenoespaço.

Emboraofachodeenergiapermanecesse irme,osdoishomensconheciamovalordasaparenciasvisıveisaolhonu.Umsimplesdesvioequivalenteaumarcodemilesimodesegundo–invisıvelaoolhohumano–seriaosu icienteparatiraroraiototalmentedefocoe transformar milhares de quilometros quadrados da superfıcie da Terra em ruınasincandescentes.

E um robo, despreocupado com raios, com o foco, com a Terra, ou com qualquercoisaquenãofosseoseuMestre,estavacuidandodoscontroles.

Passaram-se horas. Os dois homens observavam o espetaculo, mergulhados numsilencio hipnotizante. Entao, os minusculos pontos luminosos que riscavam o espaçotornaram-se menos numerosos, perderam o brilho e desapareceram. A tempestadeterminara.Powelldeclarousecamente:

–Atempestadeterminou.Donovan deixara-se cair num torpor inquieto e os olhos de Powell o examinaram

comcerta inveja.A lampadade sinalizaçaopiscava incessantemente,masPowellnao lhedeuamenoratençao.Nadaimportava!Nada!TalvezCutietivesserazao,eelenaopassassedeumserinferior,comumamemoriafeitasobmedidaeumavidaquejanaotivesserazaodeser.

Powelldesejavaqueassimfosse!Cutiesurgiuanteele.–Vocenaorespondeuaosinal,demodoqueresolvientrar–declarouemvozbaixa.–

Parecenaoestarpassandobemeternoqueseuperıododeexistenciaestejachegandoaofim.Aindaassim,gostariadeexaminaralgunsdosregistrosanotadoshoje?

Powell percebeu vagamente que o robo esboçava um gesto amistoso, talvez paracompensar algum remorso por forçar os homens a se afastarem do controle da EstaçaoSolar.Pegouosregistroseexaminou-osdistraidamente,semvê-los.Cutiepareciasatisfeito.

–Naturalmente,eumgrandeprazerserviraoMestre.Vocenaodeve icartristeporsersubstituído.

Powellsoltouumgrunhidoepassoumecânicarnentedeumafolhaparaoutra,atéqueseusolhossefocalizaramnuma inalinhavermelhaquetraçavaumatrajetoriairregularnopapelmilimetrado.

Olhoucomatençaoeesbugalhouosolhos.Agarrouopapelcomforça,comambasasmãos,eseergueudapoltrona,comosolhosaindamuitoabertos.

–Mike!Mike!–gritou,sacudindoviolentamenteocompanheiro.–Elemanteveoraiofirme!Donovanacordou.–Oquê?Onde...?Entao, tambem Mike Donovan arregalou os olhos ao examinar o registro. Cutie

interrompeu:–Oquehádeerrado?–Vocêmanteveoraionofoco–murmurouPowell.–Sabiadisso?–Foco?Dequeestáfalando?–Vocemanteveo raio focalizado exatamentena estaçao receptora.Dentrodeum

limitedeummilésimodesegundodearco.–Queestaçãoreceptora?–NaTerra.AestaçaoreceptoranaTerra–gaguejouPowell.–Vocemanteveoraiono

foco...Cutiegirounoscalcanhares,visivelmenteirritado.– E impossıvel tomar qualquer atitude bondosa para com voces dois. Sempre o

mesmo fantasma! Limitei-me amanter osmostradores em equilıbrio, de acordo com avontadedoMestre.

Juntandoospapeisespalhadosemcimadamesa,retirou-secomgrandedignidade.Donovanmurmurou,quandoelesaiu:

–Bem,macacosmemordam!Virou-separaPowell,indagando:–Quefaremos,agora?Powellsentia-secansado,masanimado.–Nada.Eleacabademostrarque ecapazdeadministrarperfeitamenteaEstaçao.

Nuncaviumatempestadedeelétronstãobemcontrolada.–Masnadafoiresolvido.VocêouviuoqueeledissearespeitodoMestre...- Ouça, Mike: ele segue as instruçoes do Mestre por meio de

mostradores,instrumentos e gra icos. E exatamente o que nos sempre izemos. Narealidade, o fato explica por que motivo ele se recusou a obedecer-nos. Obediencia e aSegunda Lei. A primeira refere-se a nao causarmal aos seres humanos. Como pode eleevitar que os seres humanos sofram algo, quer esteja ou nao consciente disso? Ora,mantendooraiodeenergiaemfocoestavel.Elesabequeecapazdemante-lamaisestaveldoquenos,umavezqueeumentesuperioranos;portanto,sente-seobrigadoamanter-nosafastadosdasaladecontrole.Eumacoisa inevitavel, levando-seemconsideraçaoasLeisdaRobótica.

–Claro,masissonaovemaocaso.NaopodemospermitirqueelecontinuecomessastolicesarespeitodoMestre.

–Porquenão?– Porque ninguem ouviu falar em semelhante tolice! Comopodemos con iar-lhe a

EstaçãoSolar,seelenãoacreditanaexistênciadaTerra?

–EleécapazdecontrolaraEstação?–É.Mas...–Então,quediferençafazasuacrença?Powellabriuosbraços,comumvagosorrisonorosto,edeixou-secairdevoltana

cama.Adormeceuinstantaneamente.Powellfalavaenquantovestiaolevecasacoespacial:– Deve ser uma tarefa bem simples. Podem trazer os novosmodelosQT, equipalos cominterruptorautomáticoparaumasemana,afimdedar-lhestempoparaaprendera...bem...ocultodoMestre,pelapropriabocadoProfeta.Depois,basta leva-losparaoutraEstaçaoetornaraligá-los.PodemosterdoisrobôsQTporestaçãoe...Donovanabriuseuvisordeglassiteefranziuatesta.

–Ora,caleabocaevamoscairforadaqui.AturmadesubstituiçaoestaesperandoenaomesentireibematevernovamenteaTerraetornarasentirosolosobmeuspes,soparatercertezadequeéverdade.

Aportaseabriu,enquantoele falava,eDonovan,amuado,deuascostasaCutie.Orobôseaproximousilenciosamenteedisse,numtomdevozqueexprimiatristeza:

–Vãoembora?Powellassentiulaconicamente.–Virãooutrosemnossolugar.Cutiesuspirou,comosomdoventozumbindoporentreosfiosmuitojuntos.–Compreendo.Seutempodeserviçochegouao imeestanahoradadissoluçao inal.

Eu ja esperava, mas... Bem, a vontade doMestre sera cumprida! Seu tom de resignaçaoirritouPowell.

–Podepouparsuasimpatia,Cutie.VamosvoltaràTerraenãoàdissolução.– E melhor que pensem assim – replicou Cutie, suspirando outra vez. – Agora,

compreendoasabedoriadailusao.Jamaistentariaabalarafedevoces,mesmoquefossepossível.

Partiu.Eraaprópriaencarnaçãodacomiseração.A nave de substituiçao estava ancorada la fora e Franz Muller, seu comandante,

saudou-oscomcortesia.Donovanfezumarapidacontinenciaeentrounocompartimentodepilotagem,a imdesubstituirSamEvansnoscontroles.Powelldemorou-seumpoucojuntoaMuller.

–ComoestáaTerra?Era uma pergunta bastante convencional e Muller deu a resposta tambem

convencional:–Aindagirando.Powellreplicou:–Ótimo.Mullerencarou-o.–Porfalarnisso,opessoaldaU.S.Robôsinventouumnovotipo.Umrobômúltiplo.–Umquê?– O que eu disse. Assinaram um grande contrato para produzi-lo. Deve ser

exatamente o que estao precisando para asminas dos asteroides. Um robo-mestre, quecomandaseissub-robôs.Cornoosdedosdeumamão...

– Ja foi submetidoaos testespraticos? – indagouPowell, comevidente ansiedade.

Mullersorriu:–Peloqueouvi,estãoesperandoporvocês.Powellcerrouospunhos.–Diabo!Estamosprecisandodeumasférias.–Oh,terãoférias.Duassemanas,creio.Mullerestavacalçandoaspesadasluvasespaciais,preparando-separaoseuperıodo

deserviçonaEstaçãoSolarn.º5.Franziuatesta.–Cornovaiindoonovorobo?Achomelhorquesejabom,ouquerosermicodecirco

sepermitireiqueencostenoscontroles!Powell fez uma pausa antes de responder. Seu olhar observou atentamente o

orgulhosoprussianopostadodiantedele,desdeocabelocortadorenteacabeçadeformatoteimoso,ateospescolocadosemrıgidaposiçaodesentido,esentiu-seinvadidoporumasúbitaondadealegria.

– O robo e otimo – declarou, falando devagar. – Nao creio que voce tenha de sepreocuparmuitocomoscontroles.Sorriueentrounanave.MullerpassariavariassemanasnaEstação...

19- Pegar o Coelho

As ferias durarammais do que duas semanas. Pelomenos isto,MikeDonovan foi

forçadoaadmitir.Foramseismesesde licençaremunerada.EDonovan tambemadmitiaisto. Mas, como ele explicava, furioso, tratava-se de um acontecimento fortuito. A U. S.Robôsprecisavacorrigirosdefeitosdorobômúltiploeestesdefeitoserammuitos.

Dequalquer forma,pelomenosmeiaduziadedefeitos foramdeixados a cargodaequipedetestespraticos.DemodoqueDonovanePowellesperaram,descansando,atequeos rapazesdaspranchetaseos sabiosdas reguasde calculodeclararamque tudoestavapronto.Agora,DonovanePowellencontravam-senoasteroide–etudonaoestavapronto.Comorostovermelhocomoumabeterraba,Donovanrepetiupeladécimasegundavez:

–PeloamordeDeus,Greg,sejarealista.Dequeadiantaseguirasregrasaopedaletraedeixarotestedarcomosburrosn’agua?Jaetempodevocedeixaraburocraciadeladoecomeçaratrabalhar.

GregoryPowell,comapacienciadeumsabioexplicandoumproblemadeeletronicaaumidiota,replicava:

– Estou apenas dizendo que, de acordo com as especi icaçoes, esses robos saoequipados para realizar o trabalho de mineraçao nos asteroides, sem necessitar desupervisãohumana.Nãodevemosvigiá-los.

–Muitobem.Escuteso,adeptodalogica!–retrucouDonovan,contandonosdedoscabeludos. – Um: o novo robo passou em todos os testes realizados no laboratorio dafabrica.Dois:aU.S.Robosgarantiuquepassarianostestespraticosdefuncionamentoemum asteroide. Tres: os robos nao estao passando nos referidos testes. Quatro: se naopassarem, a U. S. Robos perdera dez mil creditos em dinheiro sonante e cerca de cemmilhoesemreputaçao.Cinco:seelesnaopassaremenosnaoconseguirmosexplicarporquemotivo talcoisaaconteceu, epossıvelquesejamosobrigadosadaradeusaumbomemprego.

Powellsoltouumlongosuspiro,pordetrasdeumsorrisovisivelmenteinsincero.Olema da U. S. Robos e Homens Mecanicos S.A. era bem conhecido: “Nenhum de nossosempregados comete omesmo erro duas vezes – e despedido no primeiro”. Em voz alta,respondeu:

–Voce e tao lucidoquantoEuclidesa respeitode tudo... comexceçaodos fatos. Jaobservouosrobosdurantetresturnosdetrabalho,seuruivo,esabequeelescumpriramperfeitamente o trabalho que lhes foi destinado. Vocemesmo declarou isso. O quemaispodemosfazer?

– Descobrir o que ha de errado com eles, eis o que podemos fazer. Mas em tresocasioesdiferentes,quandoeunaoosobservava,elesnaotrouxeramminerioalgum.Nemmesmoregressaramnohorário.Tivedeirprocurá-los.

–Ehaviaalgodeerrado?– Nada. Absolutamente nada. Tudo estava perfeito. Lımpido e perfeito como a

luminosidadedoeter.Apenasumpequenodetalhemeperturbou:naohaviaminerio.Powellfezumacaretaemdireçãoaotetoecofiouobigodecastanho.

–Vou-lhedizerumacoisa,Mike.Janoscon iaramtarefasmiseraveis,masnadacomoesteasteroidedeirıdio.Tudosecomplicaalemdenossasforças.Escuteso:aquelerobo,oDV-5,temseisrobôssobsuasordens.Enãosomentesobsuasordens:fazempartedele.

–Jásei...– Cale-se! – interrompeu Powell raivosamente. – Sei que voce ja sabe, mas estou

descrevendoasituaçaogeral.OsseisrobossubsidiariosfazempartedoDV-5,assimcomoseusdedosfazempartedesuamao;oDV-5lhesdaordens,naopelavozoupeloradio,masdiretamente, por meio de campos positronicos. Ora... nao existe um so especialista emrobôsdaU.S.Robôsquesaibaoqueéumcampopositrônico,oucomoelefunciona.Nemeu.Enemvocê.

–Issoeutambémsei–concordouDonovan,filosoficamente.–Neste caso, examinenossaposiçao. Se tudo funcionar bem– otimo! Se algoder

errado, icamosnomatosemcachorroeprovavelmentenadapodemosfazer.Nemnos,nemninguém.Masfomosnósosencarregadosdotrabalho,demodoqueestamosnofogo,Mike.-Depoisdeumapausacheiaderaiva,acrescentou:–Muitobem!Vocêomandouláparafora?

–Mandei.–Estátudonormal,agora?–Elenaotemmaniadereligiao,nemestacorrendoemcırculos,querendobrincarde

pegar,demodoquecreioquetudovaicorrendobem.E Donovan saiu pela porta, sacudindo violentamente a cabeça. Powell estendeu o

braçoparapegaropesadovolumedo“ManualdeRobotica”,queestavasobresuamesa,eabriu-o reverentemente. Certa vez, pulara pela janela de uma casa em chamas, trajadoapenasdecuecas,mascarregandoo“Manual”.Emcasodeemergencia,preferia largarascuecas.

O“Manual”estavaabertodiantedele,quandooRoboDV-5entrou,acompanhadoporDonovan,quefechouaportaatrásdesi.

Powellolhou-osombriamente.–Comovai,Dave?Comoestásesentindo?–Muitobem–respondeuorobô.–Possosentar-me?Puxou a cadeira especialmente reforçada para seu uso e sentou-se suavemente.

PowellolhouparaDave–osleigospodiampensarnosrobospelosseusnumerosdeserie;osespecialistasnuncaofaziam–comevidenteardeaprovaçao.Naosetratavadeumrobomaciço,adespeitodeserconstruıdocomounidadepensantedeumaequipeintegradaporsete robos. Tinha 2,10 m de altura e era uma massa de meia tonelada de metal eequipamentoelétrico.

Demais? Nao, quando a massa tem de ser composta por meia tonelada decondensadores, circuitos, interruptores e celulas de vacuo capazes de controlarpraticamentetodasasreaçoespsicologicasconhecidaspelossereshumanos.Isto,alemdeumcerebropositronicocomcincoquilosdemateriaevariosquintilhoesdeposıtrons,quecontrolavatodooconjunto.Powellmeteuamãonobolsodacamisa,apanhandoumcigarro.

–Voceeumbomsujeito,Dave–disseele.–Nadatemdeimportanteouconvencido.Eumlegıtimoeestavelrobodemineraçao,soque eequipadoparacomandarseisrobos

subsidiarios,emcoordenaçaodireta.Peloquesei,talfatonaointroduziuqualquercircuitoinstávelemseuesquemadecircuitoscerebrais.

Orobômeneouacabeça,concordando.–Sinto-mesatisfeitocomsuaspalavras.Masondequerchegar,chefe?Eraequipadocomumexcelentediafragmaeaexistenciadeentonaçoes tirava-lhe

muitodotommetálicopeculiaràvozdamaioriadosrobôs.– Ja lhedirei.Comtudo issoa seu favor,oquehadeerradoemseu trabalho?Por

exemplo:oquehouvenoturnoBdehoje?Davehesitou.Afinal,respondeu:–Peloquesei,nada.–Nãotrouxeramminérioalgum.–Sei.–Bem,então...Daveestavaconfuso.–Nãoseiexplicar,chefe.Ofatoestá-mecausandoumacrisenervosa,ouestaria,seeu

permitisse.Meussubsidiáriostrabalharambem.Eseiqueeutrabalheinormalmente.Pensou um pouco, com os olhos fotoeletricos brilhando intensamente. Depois,

acrescentou:–Nãomelembro.OdiaterminoueMikeapareceu.Sóentãoverifiqueiqueos

vagoes de minerio estavam quase todos vazios.Donovaninterrompeu.–Nessasocasiõesvocênãoseapresentounofinaldosturnos,Dave.Sabedisso?

–Sei.Masquantoaomotivo...Sacudiuacabeça,comveemencia.Powell teveaestranhasensaçao de que, caso a cara do robo conseguisse expressar alguma coisa, exprimiriatristeza e morti icaçao. Um robo, por sua propria natureza, nao suporta falhar em suamissao. Donovan puxou sua cadeira para perto da mesa de Powell, curvando-se para ocompanheiro.

–Achaquesejaumcasodeamnésia?–murmurou.–Nao seidizer.Masnao adianta tentar atribuirnomededoençashumanas, neste

caso.Asmolestiashumanassoseaplicamaosroboscomoanalogiasromanticas.Denadaservem na engenharia robotica – replicou Powell, coçando o pescoço. – Detesto ter quesubmetê-loaostesteselementaresdereaçãocerebral.Seuorgulhoficaráferido.

OlhouparaDaveedepoisparaadescriçaodostestespraticoscontidano“Manual”.Afinal,declarou:

–Ouça,Dave:quetalpassarporumteste?Talvezsejaomelhorquetemosafazer.Orobôseergueu.

– Se assim desejar, patrao. Havia “tristeza” em sua voz. Tudo começou de modomuito simples. O robo DV-5 multiplicou numeros de cinco algarismos em tempoimplacavelmentecontadoporumcronometro.Recitouosnumerosprimosentremiledezmil.Extraiuraızescubicaseintegroufunçoesdecomplexidadevariada.Passouportestesdereaçoesmecanicasqueapresentavamcrescentedi iculdade.E,a inal,foiobrigadoafazercomque suamente resolvesse comprecisaomecanicaosmais complexosproblemasdomundodosrobos:asquestoesde julgamentoe etica.Ao imdeduashoras,Powellsuavacopiosamente.Donovanalimentara-secomumadietanãomuitonutritivadeunhas.

Orobôindagou:–Quelheparece,chefe?Powellrespondeu:–Precisore letir,Dave.Julgamentosapressadosdenadanosservirao.Quetalvoltar

ao turnoC?Trabalhe com calma.Nao e preciso esforçar-semuitopara conseguir a cota.Daremosumjeitoemtudo.

Orobôsaiu.DonovanolhouparaPowell.–Bem...Powellpareciadispostoaarrancarosbigodespelasraízes.–Nãohácoisaalgumadeerradocomascorrentesdeseucérebropositrônico.–Eudetestariatertantacerteza...

–Ora, comosdiabos,Mike!Ocerebro e apartemais seguradeumrobo.Passaporumaveri icaçao quıntupla na Terra. Se eles passarem perfeitamente pelo teste pratico, comoDave acaba de passar, nao ha a menor possibilidade de uma falha de funcionamentocerebral.Otesteincluitodososcircuitosdocérebro.–Então,ondeestamos?

– Nao me afobe. Deixe-me re letir. Ainda existe a possibilidade de uma falhamecanica no corpo. Isto nos deixa cerca de mil e quinhentos condensadores, vinte milcircuitos eletricos individuais, quinhentas celulas de vacuo, mil disjuntores e variosmilharesdeoutrascomplicadaspeçasindividuaisquepodemsofrerenguiços.Alemdisso,aindaexistemostaiscampospositrônicos,queninguémconhecedireito.

–Escute,Greg–disseDonovan,comsubitaedesesperadaansiedade.–Orobopodeestarmentindo.Tiveestaideia.Elenunca...

–Robosnaopodemmentirpropositalmente,seuidiota.SetivessemosumamaquinaMcCormack-Wesley de testes poderıamos veri icar cada uma das peças individuais docorpodeDavenumespaçodevinteequatroaquarentaeoitohoras.Acontecequeasduasmaquinas desse tipo que existem estao na Terra, pesam dez toneladas cada uma, saoinstaladassobrealicercesdeconcretoenãopodemserremovidas.Nãoéumabeleza?

Donovanesmurrouamesa.–Mas,Greg,elesóerra,quandonãoestamosporperto!Háalgo...sinistro...

nesse...assunto!Pontuouafrasecommurrosnamesa.– Voce me deixa doente – disse Powell, devagar. – Deve andar lendo novelas de

aventuras.–Oquedesejosaberéoquevamosfazerarespeito!–berrouDonovan.–Jalhedigo.Vouinstalarumavisotelaemminhamesa.Oumelhor,bemalinaparede.

Entendeu?–perguntouPowell,apontandoparaolocalexato.–Entao,voufocaliza-laparaolocaldaminaondeelesestiveremtrabalhandoeficareiobservando.Issoétudo.

–Issoétudo?Greg...Powellergueu-sedapoltronaeapoiouospunhoscerradosemcimadamesa.–Estoucansado,Mike–declarou,emtomdefadiga.–HaumasemanaquevocemevemincomodandoarespeitodeDave.A irmaqueha

algoerradocomele.Sabeoqueandaerrado?Nao!Sabeacausadoenguiço?Nao!SabeoquefazDavevoltaraonormal?Nao!Sabealgumacoisaarespeito?Nao!Euseialgumacoisaarespeito?Não!Então,oquequerqueeufaça?

ObraçodeDonovanesboçouumgestoamplo,grandioso.–Nãosei!–Entao,vou-lhedizeroutravez.Antesdefazerqualquercoisanosentidodecurar

Dave,precisamosdescobrirdequedoençaelesofre.Oprimeiropasso,quandosequerfazerumensopadodecoelho, epegarocoelho.Muitobem,precisamospegarocoelho!Agora,tratedecairforadaqui.

Donovan itou comos olhos cansados o rascunhode seu relatorio preliminar. Emprimeiro lugar, estava fatigado; emsegundo lugar, oquehaviapara colocarno relatorio,enquantoascoisasandassemforadoseixos?Narealidade,Donovanestavaressentido.

Virou-separaocompanheiro:–Greg,estamoscomumatrasodequasemiltoneladasemrelaçãoaoesquema

previsto.Semergueracabeça,Powellrespondeu:– Esta me dizendo algo que eu ainda nao

sabia...– O que desejo saber e por quemotivo estamos sempre envolvidos comnovos tipos derobos!–declarouDonovan,comrepentinaviolencia.–Jaresolvique,seosrobosserviamparaomeutio-avôporpartedemãe,servemtambémparamim.Souafavordetudooquejáfoidevidamente testadoeaprovadopelaexperiencia.O importante eaprovado tempo :robôsperfeitos,sólidoseantigos,quenuncaenguiçam.PowellatirouumlivrocompontariaperfeitaeDonovancaiudapoltrona.

–Nos ultimoscincoanos,seutrabalhotemsidotestarnovosrobosnascondiçoesreaisdefuncionamento,paraaU.S.Robos–declarouPowell,comamaiorcalma.–Umavezquevoceeeufomosbastantetolosparademonstrarperıcianessetipodetrabalho,vimo-nos recompensados com as tarefas mais desagradaveis. Esse e o seu emprego! –acrescentou, apontandocomodedoparaopeitodeDonovan.–Segundoeume recordo,voce vem reclamando dele desde cincominutos apos ter assinado contrato com a U. S.Robôs.Porquenãopededemissão?2 – Muito bem. Eu lhe explico – respondeu Donovan, rolando no chao de modo a icardeitadodebruçosesegurandoumamechadecabelosruivosparamanteracabeçaerguida.–HaumcertoprincıpioenvolvidonaquestaoA inal,naqualidadedequebragalho, torneiparte ativa no aperfeiçoamento de novos tipos de robos. E o princıpio de auxiliar oprogresso cientı ico. Mas nao me entenda mal. Nao continuo a trabalhar por causa doprincípio,maspelodinheiroquenospagam...Greg!

Powell sobressaltou-se com o grito frenetico de Donovan. Seus olhos seguiram adireçãodoolhardoruivo,fixandoavisotela.Esbugalharam-sedehorror.

–Com...todos...osdemônios...doinferno!–murmurou.Donovanergueu-seansiosamente,semfôlego.

1–Olhesóparaeles,Greg.Ficaramloucos.Observava osmovimentos dos robos na visotela. Asmaquinas animadas surgiam

como brilhos bronzeados que se moviam agilmente de encontro ao fundo sombrio dasescarpasdoasteroidedesprovidodeatmosfera.Marchavamemordemunidaeasparedesdotuneldaminapassavamsilenciosamentepelatela,vagamenteiluminadapelobrilhodoscorposmetalicos.Osseterobos,comDaveafrente,marchavamemunıssono.Davammeia-

volta ou dobravam para os lados com sincronizaçao perfeita e macabra; alteravam aformaçãocomaestranhafacilidadedasbailarinasdoCoraldeLunarBowl.

Donovanvoltoucomostrajesespaciais.–Ficaramcompletamentedoidos,Greg.Aquiloéumamarchamilitar.

–Peloquesabemos,podeserateumaseriedeexercıcioscalistenicos–replicoufriamentePowell.–OuDavetalvezestejasofrendoaalucinaçaodeserumprofessordedança.Tratedepensarprimeiroenãosedêaotrabalhodedizeroquepensou.Donovanfezumacaretaeenfiouumdetonadornacintura,comumgestoostensivo.

–Dequalquerforma,eisasituaçaoemqueestamos–retrucou.–Entao,trabalhamoscomnovostiposderobo,hein?Eonossoemprego,admito.Masrespondameumacoisa:porque...porqueinvariavelmenteacontecealgodeerradocomeles?

–Porquesomosamaldiçoados–replicouPowell,emtomsombrio.–Vamos!A luminosidade dos robos brilhava ao longe, atraves da escuridao aveludada das

galerias, queenvolviao espaço situadoalemdos fachosdas lanternasportateisdosdoishomens.

–Láestãoeles–sussurrouDonovan.Powellmurmurouemvoztensa:–Tenteicomunicar-mecomDavepeloradio,maselenaoresponde.Eprovavelqueo

circuitoderádioestejaenguiçado.–Nessecaso,alegro-meemsaberqueosengenheirosaindanaoprojetaramrobos

capazesdetrabalharemescuridãototal.Eudetestariatoparcomseterobôsmalucosemumpoço escuro, sem comunicaçao pelo radio, se eles nao estivessem iluminados comomalditasárvoresdeNatalradiativas!

– Subanaquela plataforma,Mike. Eles estao vindopara ca e quero observa-los deperto.Conseguirásubir?

Donovanpulou,soltandoumgrunhido.AgravidadeerabastanteinferioradaTerra,masavantagemnaoeramuitograndedevidoaopesadotrajeespacial;aestreitaplataformaficavaaquasetrêsmetrosdealtura.Powellimitouocompanheiro.

AcolunaderobosseguiaDaveem ilaindiana.Emritmomecanico,passaramaumaformaçao em coluna por dois e, posteriormente, reverteram a ila indiana, em ordemdiferente.Amanobrafoirepetidamuitasvezes,semqueDavevirasseacabeça.

Daveestavaaseismetrosdosdoishomens,quandoabrincadeiradosroboscessousubitamente. Os robos subsidiarios saıram da formaçao, esperaram por um instante edepoisgiraramnoscalcanhares,correndopelocorredoresumindoadistancia,comgranderapidez.Daveobservou-osummomentoedepoissentou-sevagarosamente.

Descansouacabeçanumadasmaos,emumgestomuitohumano.SuavozsoounosfonesdePowell:–Estáaqui,chefe?PowellfezsinalparaDonovanepuloudaplataforma.–Muitobem,Dave,oquesepassa?Orobôsacudiuacabeça.–Naosei.Euestavacuidandodeumarochaduranotunel17e,derepente,percebi

quehaviasereshumanosporpertoeviqueestouaoitocentosmetrosdolocaldetrabalho.–Ondeestãoossubsidiários,agora?–quissaberDonovan.

–Voltaramaotrabalho,naturalmente.Quantotempoperdemos?– Nao muito. Esqueça – replicou Powell. Em seguida, virando-se para Donovan,

acrescentou:–Fiquecomeleatéofinaldoturno.Depois,volte.Tenhoalgumasideias.Passaram-se tres horas ate que Donovan retornasse. Parecia cansado. Powell

indagou:–Comofoi?Donovansacudiuosombros,numgestocansado.–Nadaacontecedeerrado,quandoosvigiamos.Jogue-meumcigarro,porfavor.Oruivoacendeuocigarrocomexageradocuidadoesoprouumcaprichadoanelde

fumaçaparaoteto,dizendo:– Estive raciocinando, Greg. Veja: Dave tem condiçoes esquisitas, para um robo. Ha seisoutros robos sob suas ordens, em extremadisciplina.Dave tempoder de vida oumortesobreosrobossubsidiariosedeveagiremrazaodesuapropriamentalidade.Suponhamosqueelejulguenecessáriodarênfaseaessepoder,comoumaconcessãoaoseuego?–Válogoaoassunto.

–Jaestounele.Suponhamosqueeleresolvainstaurarummilitarismo.Suponhamosqueeleestejaorganizandoseuexercitoparticular.Suponhamosqueeleestejatreinandoosrobôssubsidiáriosemmanobrasmilitares.Suponhamos...

–Suponhamosquevocêválavaracabeçacomáguafria–interrompeuPowell.–Creioquevoce tempesadelos em tecnicolor.Oqueesta querendo supor constituiumagrandeaberraçaodocerebropositronico.Seasuaanalisefossecorreta,DaveteriaquequebraraPrimeiraLeidaRobotica:umrobonaopodefazermalaumserhumanoou,poromissao,permitirqueumserhumanosofraalgummal.Otipodeatitudemilitaristaeegodominadorque voce supoe so pode ter umobjetivo inal para suas implicaçoes logicas: dominar ossereshumanos.

–Muitobem.Comopodevocêsaberqueissonãoéaverdade?–Porque,emprimeirolugar,umrobocomumcerebroassimjamaisteriasaıdoda

fabrica;emsegundolugar,casoconseguisse,seriadescobertoimediatamente.Comovocebemsabe,eusubmetiDaveaoteste.

Powellempurrouacadeiraparatrásecolocouospésemcimadamesa.–Nao.Aindaestamosnasituaçaodenaopodermos fazernossoensopado,porque

ainda nao temos a menor ideia sobre o que pode estar errado. Por exemplo: seconseguıssemosdescobrirqual foiomotivodaqueladançamacabra, estarıamosnobomcaminho.-Fezumapausa,antesdeacrescentar:–Escutebem,Mike,ediga-meoquelheparece. Dave so anda errado quando nenhumde nos dois esta presente. E quando andaerrado,achegadadeumdenósfá-lovoltarimediatamenteaonormal.

–Eujálhedisseumavezqueissomeparecesinistro.–Naointerrompa.Porqueumrobo icadiferentequandonaohasereshumanospor

perto? A resposta me parece obvia: porque ha maior necessidade de iniciativa pessoal.Neste caso, devemos examinar as partes do corpo que sao afetadas por essa novanecessidade.

–Puxa!–exclamouDonovan,empertigando-se,mas logosedeixandoabateroutravez. – Nao, nao. Nao e o su iciente. Ainda seria vasto demais. Nao reduziria muito aspossibilidades.

–Naopodemosevita-la.Dequalquer forma,nao corremosperigodenao atingir acota prevista. Vamo-nos revezar no trabalho de vigiar os robos pela visotela. Quandoaconteceralgoerrado,iremosimediatamenteaolocaleelesvoltarãoaonormal.

–Masosrobôsdeixarãodecorresponderàsespecificaçõesexigidas,Greg.AU.S.RobosnaopodecolocaromodeloDVnomercado,seapresentarmosumrelatorio

dessetipo.–Issoeobvio.Precisamosencontraroerrodefabricaçaoecorrigi-la...etemosdez

diasparafaze-lo–dissePowell,coçandoacabeça.–Oproblemaeque...bem,achomelhorvocêmesmodarumaolhadanasplantas.

Asplantas cobriamo chao comoum tapete eDonovanpostou-sedequatro sobreelas,seguindoocaminhotraçadopelolápisdePowell.

–Começamosporaqui,Mike–explicouPowell.–Comovoceeespecialistaemcorposderobos,queroquemecorrijaseeuerrar.Estivetentandoeliminartodososcircuitosnaorelacionados com o sistema de iniciativa pessoal. Bem aqui, por exemplo, ica a arteria-tronco que envolve as operaçoes mecanicas. Elimino todas as rami icaçoes laterais derotina,comodivisõesdeemergência...–ergueuacabeça,indagando:–Oqueacha?

Donovansentiaumgostoruimnaboca.–O trabalhonao e assim tao simples,Greg.A iniciativapessoalnao e umcircuito

eletrico,quepossaserisoladoeestudadoseparadamente.Quandoumroboecolocadoemaçaoporsimesmo,aintensidadedaatividadedocorpoaumentaimediatamenteemquasetodos os pontos do sistema. Nao existe um unico circuito que nao seja afetado. O queprecisamosfazerelocalizaracondiçaoparticular–emuitoespeci ica–quefazDavesairdoseixos.Depois,poderemoscomeçaraeliminaroscircuitos.

Powelllevantou-se,sacudindoapoeiradaroupa.–Diabo!Estábem.Podelevarasplantasequeimá-las.–Entendaumacoisa–disseDonovan.–Quandoaatividadedocorposeintensi ica,

qualquercoisapodeacontecer,desdequehajaumaunicapeçadefeituosa.Umdefeitonoisolamento, um enguiço de condensador, uma centelha num io, um aquecimento debobina... E se trabalharmos as cegas, tendo de examinar o robo inteiro, jamaisencontraremos o defeito. Se desmontarmos Dave e testarmos todos os pontos domecanismodeseucorpo,umporum,tornandoamontá-lodecadavezeexperimentandooresultado...

–Muito bem. Tambem sou capaz de entender.Encararam-se, desanimados. Entao,Powellsugeriuemtomcauteloso:

–Suponhamosqueentrevistemosumdossubsidiários...NemPowellnemDonovanhaviamtidoumaoportunidadeparaconversarcomum

dos “dedos” deDave. Cada umdeles podia falar; a analogia comum “dedo” humano erabastantelongínqua.

Na verdade, cada um dos robos subsidiarios do DV possuıa um cerebrorelativamenteaperfeiçoado;todavia,essecerebroestavasintonizadoprincipalmenteparareceberordensatravesdeumcampopositronicoesuareaçaoaestımulosindependenteseraumtantodesajeitada.

Poroutrolado,Powellnaotinhamuitacertezaarespeitodonomedoroboquefoichamadoparaaentrevista.SeunumerodeserieeraDV-5-2,mas istonaoajudavamuito.

Powellresolveutentar:–Ouça,amigo:vou-lhepedirparapensarbastanteedepoisvocepoderavoltarpara

juntodeseuchefe.O “dedo” meneou rigidamente a cabeça, mas nao forçou sua limitada capacidade

mental,tentandofalar.– Bem – disse Powell. – Recentemente, em quatro ocasioes diferentes, seu chefe

desviou-sedoesquemacerebral.Lembra-sedessasocasiões?–Sim,senhor.Donovangrunhiuraivosamente:–Esseaílembra-se.Estou-lhedizendoqueexistealgodemuitosinistro...–Ora, va plantarbatatas!E claroqueo “dedo” se lembra:naoha coisa algumade

errado com ele – retrucou Powell, virando-se em seguida para o robo: – O que estavamfazendoemcadaumadessasvezes...istoé,ogrupointeiro?

O “dedo” tinha o ar curioso de quem recita algo de cor, como se respondesse asperguntaspelapressãomecânicadeseucérebro,massemqualquerentusiasmo.Declarou:

–Naprimeiravez,estavamostrabalhandonumadifıcilrochadura,noTunel17,NıvelB. Na segunda, estavamos reforçando o teto do tunel para evitar um possıveldesmoronamento.Naterceira,preparavamosexplosoesdeprecisaoparaprolongarotunelsem atingir uma issura subterranea. A quarta vez foi logo depois de um pequenodesmoronamento.

–Eoqueaconteceunessasocasiões?–Edifıcildescrever.Deveriatersidodadaumaordem,masantesquepudessemos

recebê-laeinterpretá-la,veioaordemparamarcharmosemformaçãomilitar.–Porquê?–insistiuPowell.–Nãosei.Donovaninterrompeu,ansioso:–Qualfoiaprimeiraordem...aquefoisuprimidapelaordemdemarchar?–Nãosei.Sentiqueumaordemforaenviada,masnãotivetempopararecebê-la.–Ecapazdenosdizeralgumacoisaarespeito?Aordemfoisempreamesma,em

todasasocasiões?O“dedo”sacudiutristementeacabeça.–Nãosei.Powellrecostou-senapoltrona.–Muitobem.Podevoltarparaseuchefe.O“dedo”saiu,visivelmentealiviado.–Bem,destavezconseguimosmuitacoisa–comentouDonovan,sarcastico.–Foium

dialogo realmente inteligente, de io a pavio. Ouça: Dave e aquele “dedo” imbecil estaoescondendo algo de nos. Ha muita coisa que eles nao sabem ou nao se recordam.Precisamosparardeconfiarneles,Greg.

Powellcontinuouacofiarobigode.– Juro por Deus, Mike, se izer outro comentario idiota, tiro-lhe a chupeta e o

chocalho!–Estacerto.Voce eogeniodaequipe.Eunaopassodeumpobreimbecil.Emque

ficamos?– Numa sinuca atras da bola sete. Tentei resolver o caso ao inverso, partindo do

“dedo”.Agora,temosdecomeçarpeloinício.

–Quegrandehomem!–exclamouDonovan.–Comotornatudotaosimples!Agora,façaofavordetraduzirissoparaaminhalíngua,mestre.

– Traduzir para a linguagem dos bebes seriamais facil para fazer voce entender.QuerodizerqueprecisamosdescobrirqualaordemdadaporDaveantesdetudoficarpreto.Deveserachavedomistério.

–Ecomoesperafazerisso?Naopodemos icarpertodele,poisnadaaconteceradeerradoenquantoestivermosla.NaopodemoscaptarasordensdeDavepeloradio,poiselassao emitidas atraves do tal campo positronico. Isto elimina o curto e o longo alcance,deixando-noscomumbelozerobemredondo.

–Porobservaçãodireta,sim.Masresta-nosadedução.–Hein?–Vamo-nosrevezaremturnos,Mike–declarouPowell,comumsorrisosombrio.–E

nao tiraremososolhosdavisotela.Vamosvigiar cadamovimentodaquelesmonstrosdeaço.Quandoelessaıremdoseixos,trataremosdedescobriroqueaconteceulogoantesededuziremosaordemdadaporDave.

Donovanabriuabocaepermaneceuassimpormaisdeumminuto.A inal,dissecomvozengasgada:

–Desisto.Peçodemissão.–Temumprazodedezdiasparaapresentarumasugestaomelhor–replicouPowell,

emtomfatigado.E foi o que Donovan tentou desesperadamente fazer, durante os oito dias que se

seguiram. Durante esse perıodo, alternando-se com Powell em turnos de quatro horas,observou com olhos vermelhos e ardentes as brilhantes formas metalicas se moveremcontraofundoobscurodavisotela.Duranteoitodias,nosintervalosdequatrohorasquetinhaparadescansar, elemaldizia aU. S.Robos, osmodelosDVe odia emquenascera.Entao,nooitavodia,quandoPowell,comacabeçadoloridaeosolhosin lamados,entrounasalaparasubstituı-la,Donovanseergueudacadeira,pegouumpesadoaparadordelivros,fezdeliberadaecuidadosapontaria,elançouoprojetilcontraavisotela.Houveumruıdodevidroquebradoeosestilhaçosvoaramemtodasasdireções.Powellficouatônito.

–Porquefezisso?– Porque vou parar de vigiar – replicou Donovan, em tom quase calmo. – Temos

apenasdoisdiasenaoconseguimosdescobrircoisaalguma.ODV-5eummalditofracasso.Paroucincovezes,enquantoeuvigiava,etresduranteosseusturnos,enaoconseguimosdescobrirasordensqueeledeu.Nemeu,nemvoce.Alemdisso,naocreioquevoceconsigadescobrir,porquetenhocertezaqueeujamaisconseguirei.

– Diabo! Como e possıvel vigiar seis robos aomesmo tempo?Ummexe asmaos,outromexeospes,outrogiraosbraçoscomoummoinhoeoutropulacomoumalucinado.Eosoutrosdois...soDeussabeoqueestaofazendo!Entao,todoselesparamderepente.Ora,bolas!

–Greg,naoestamosagindocerto.Precisamoschegarpertodeles.Precisamosvigia-losdeumlugarnoqualsejapossıveldistinguirosdetalhes.Seguiu-seumamargosilencio,quefoiquebradoporPowell.

–Sim.Eesperarqueaconteçaalgo,quandofaltamapenasdoisdias.–Achamelhorvigiarmosdaqui?

–Pelomenos,émaisconfortável.–Ah...Masexistealgoquepodemosfazerláenãopodemosfazeraqui.–Oqueé?–Podemosfaze-losparar,quandobementendermos,justamentequandoestivermos

preparadoseatentosaoquepossaacontecerdeerrado.Powellempertigou-se,atento.–Comoassim?

– Bem, veja por si proprio. Voce nao diz que e o cerebro? Faça algumas perguntas a simesmo.QuandoequeoDV-5saidoseixos?Oquedisseo“dedo”arespeito?Quandohouveameaça de desmoronamento, ou quando realmente ocorreu um; quando preparavamexplosivoscuidadosamentemedidos;quandoatingiramumapedraduradeserperfurada...–Emoutraspalavras:emocasiõesdeemergência–completouPowell,excitado.

–Exato!Quandoeraesperadaumaemergencia!Acausadoproblema eo fatordeiniciativapessoal.E e justamentenasemergencias,naausenciadesereshumanos,queofator de iniciativa pessoal sofre maior pressao. Ora, qual e a deduçao logica? Comopoderemosprovocarumaparada,nolocalehoraemquedesejarmos?

Donovan fez umapausa triunfal; estava começando a gostar de seu novo papel. Eresolveuresponderasuapropriapergunta,a imdeevitaraobviarespostaquedeviaestarnapontadalínguadePowell:

–Criandoumaemergência.–Mike...vocêtemrazão–concordouPowell.–Obrigado,amigo.Eusabiaqueiriaconseguir,algumdia.–Muitobem.Deixedeladoosarcasmo.Guarde-oparaaTerra,ondeomanteremos

em vidros de conserva, para invernos longos e frios do futuro. Enquanto isso... queemergênciapoderemoscriar?

–Senãoestivéssemosnumasteróidesematmosfera,poderíamosinundarasgaleriasdamina.

–Umditoespirituoso,semduvida–comentouPowell.–Francamente,Mike,vocememata de rir. Que acha de um pequeno desmoronamento? Donovan apertou os labios,respondendo:

–Pormim,estábem.–Ótimo.Vamosagir.Powell sentia-se estranhamente como um conspirador ao caminhar pelo terreno

acidentado.Seuspassos,tornadosmaislevespelapoucagravidade,levavam-noatravesdoasteroide,chutandopedrasparaambososladoseprovocandopequenasnuvensdepoeira.Mentalmente,contudo,eraoandarcautelosodeumconspirador.

–Sabeondeelesestão?–indagou.–Creioquesim,Greg.– Muito bem – disse Powell, sombrio. – Mas se algum dos “dedos” chegar a seis

metros de nos, seremos pressentidos, quer ele nos veja, ou nao. Espero que voce saibadisso.

– Quando eu precisar de um curso elementar de robotica, farei um requerimentoformal a voce, em triplicata. Vamos descer por ali. Entraram nas galerias da mina. Atemesmo a luz das estrelas desapareceu. Os dois homens tatearam ao longo das paredes,iluminandoocaminhocomosfachosintermitentesdaslanternas.

Powellcolocouodedonatravadesegurançadeseudetonador.–Conheceestetúnel,Mike?– Nao muito bem. E novo. Mas creio que posso guiar-me pelo que observei na

visotela...Passaram-seminutosintermináveis.Então,Mikesussurrou:–Sintaisso!AluvametalicadePowell,deencontroarocha,transmitiuaseusdedosumavibraçao

quevinhapelaparededotúnel.Naturalmente,nãohaviaomenorsom.–Explosões!Estamosbemperto.–Fiquedeolhoaberto–recomendouPowell.Donovanassentiu,impaciente.Chegou

perto deles e sumiu antes que pudessem esboçar um gesto: um leve brilho metalicobronzeado,nolimitedoseucampodevisao.Osdoishomens icaramimoveis,emsilencio.Afinal,Powellmurmurou:

–Achaqueelenospressentiu?–Esperoquenao.Masachomelhorirmospelo lanco.Tomeoprimeirotunellaterala

direita.–Esenãoosencontramosmais?– Ora, que prefere fazer? Quer voltar? – grunhiu ferozmente Donovan. – Estao a

quatrocentosmetros.Euosvigiavapelavisotela,nãoé?Etemosdoisdias...– Oh, cale-se! Esta desperdiçando oxigenio. Sera uma passagem lateral, aqui? A

lanternabrilhouumrápidoinstante.–É.Vamoslogo.Avibraçãoeraconsideravelmentemaisacentuadaeochãotremiasobseuspés.–Issoéótimo–comentouDonovan.–Desdequeochãonãocedaporbaixodenós...Acendeualanterna,dirigindoofachoparaafrente.Bastariaqueerguessemumpoucoobraçopara tocaro tetadotunel.As travesde

sustentaçãoeramnovas.Afinal,Donovanhesitou.–Estamosnumtúnelsemsaída.Vamosvoltar.

–Nao.Espereumpouco–replicouPowell,passandodesajeitadamentepelocompanheiro.–Nãovêluz,aliadiante?–Luz?Nãovejocoisaalguma.Comopoderiaaluzchegaratéaqui?

– Luz de robos – disse Powell, engatinhando por um leve aclive. Sua voz, rouca eansiosa,chegouaosfonesdeDonovan:–Eh,Mike,venhacá.

Havia luz. Donovan engatinhou ate la, passando por sobre as pernas esticadas dePowell.

–Umaabertura?–Sim.Devemestarvindoparaestetúnel,abrindocaminhopelooutrolado...creio.Donovan sentiu osbordos irregularesda abertura.Uma cautelosa inspeçao como

facho da lanterna revelou um tunelmais amplo, que obviamente constituıa uma galeriaprincipal.Todavia,aaberturaerapequenademaisparapermitirapassagemdeumhomem;eraquaseinsuficienteparaqueosdoisespiassematravésdelaaomesmotempo.

–Nãohánadaaí–comentouDonovan.–Naoagora,pelomenos.Masdeveterhavidohapouco,ounaoterıamosvistoluz.

Cuidado!Asparedestremerameambossentiramoimpacto.Umapoeira inacaiusobreeles.

Powellergueucuidadosamenteacabeçaeespiounovamente.–Olhesó,Mike.Láestãoeles.Os robos brilhantes estavam agrupados na galeria principal, a cinco metros de

distancia.Osbraçosdemetalremoviamcomrapidezosescombrosdeslocadospelaultimaexplosão.DonovancutucouansiosamenteascostelasdePowell:

– Nao perca tempo. Eles nao demorarao a terminar e a proxima explosao podeapanhar-nos.

–PeloamordeDeus,nãomeafobe!Powellempunhouodetonadoreseuolharrebuscouansiosamenteointeriorescuroe

poeirentodagaleria,ondeaunicailuminaçaoeraprovenientedaluminosidadedosrobosetornava-seimpossíveldistinguirumarochasalientedeumamanchadesombra.

–Haumpontonoteta.Estavendo?Ficaquasesobreeles.Aultimaexplosaonaofoisu iciente para arranca-lo. Se voce conseguir atingi-lo na base, metade do tetodesmoronará.

OolhardePowellseguiuadireçãoindicadapelodedodeDonovan.–Certo!Agora, iquedeolhonosroboserezeparaqueelesnaoseafastemmuito

desta parte do tunel. Sao as unicas fontes de luz que eu tenho. Todos os sete estao ali?Donovancontourapidamente.

–Todos.– Muito bem, entao. Vigie-os. Observe cada movimento deles! O detonador foi

apontado,enquantoDonovanobservava,praguejavaepiscavaparatirarosuorqueescorriaparaosolhos.Disparou!

Houve uma sacudidela, uma serie de fortes vibraçoes e um baque tremendo queatirouPowellpesadamentedeencontroaDonovan.

–Greg,vocemesacudiudolugar!–berrouDonovan.–Naovinada!Powellolhouemvolta,confuso.

–Ondeestãoeles?Donovan pareciamergulhado em um silencio de estupefaçao. Nao havia sinal dos

robôs.OambienteestavaescurocomoasprofundezasdorioStyx.–Achaqueossoterramos?–indagouDonovan,afinal,comvoztrêmula.– Vamos descer ate la. Naome pergunte o que acho – replicou Powell, rastejando

rapidamenteparatrás.–Mike!Donovan,queoseguia,parouderepente.–Oquehádeerrado,agora?–Calma–dissePowell.Suarespiraçao,entrecortadaeansiosa,soavaestranhamente

nosfonesdeDonovan.–Mike!Estámeouvindo,Mike?–Estouaqui.Oquehá?–Estamosbloqueados.Oquenosderrubounaofoiaquedadotetodagaleria.Foio

nossopróprioteto.Ochoqueofezdesmoronar!–O que? – exclamouDonovan, tentando trepar na dura barreira de escombros de

rocha.–Liguealanterna.Powellobedeceu.Naohaviaaberturasu icienteparadarfugaaumcoelho.Donovan

perguntoubaixinho:–Bem.Eagora?Gastaramalgunsminutos fazendoumesforçomuscularna tentativade remover a

barreiradepedraqueosbloqueava.Powellexperimentoucavarjuntoasbordasdaaberturaanterior. Chegou a erguer o detonador. Mas seria suicıdio dispara-la naquele ambientefechadoeeleestavaconscientedofato.Finalmente,sentou-se.–Sabe,Mike,destavezestragamostudoparavaler–comentou.–Nao izemosprogressoalgumnosentidodedescobrirqual eoproblemacomDave.Foiumaboa ideia,massaiupelaculatra.O olhar de Donovan exprimia amargura, com uma intensidade totalmente inutil naescuridãoemqueseencontravam.

–Detestoperturba-lo,meuvelho,mas,semlevaremcontaoquesabemosounaoarespeitodeDave,parecequeestamosnumaratoeira.Senaonos livrarmos,rapaz,vamosmorrer.M-O-R-RE-R...morrer.Quantooxigênioaindatemos?Nãomaisqueseishoras.

–Japenseinisso–dissePowell,levandoinstintivamenteamaoaobigode;masseusdedosbateram inutilmentenovisor transparentedo trajeespacial.–Naturalmente, seriabastante facil fazer comqueDavenos libertassenesseespaçode tempo,masnossabelaemergênciadevetê-lotiradodoseixoseocircuitoderádioparoudefuncionar.

–Nãoémesmoumabeleza?Donovanaproximou-sedaaberturae,comdi iculdade,conseguiuen iarocapacete

parafora.Eraacontajusta.–Eh,Greg!–Oqueé?–SuponhamosquesejapossıveltrazerDaveateseismetrosdenos?Elevoltaraao

normal.Eseremossalvos.-Claro.Masondeestaráele?–Nocorredordagaleria.Bemlonge.PeloamordeDeus!Paredepuxar,ouacabara

arrancandominhacabeçadopescoço!Vou-lhedarumaoportunidadeparaespiar.DonovanseafastouePowellpassouacabeçaparaforadaabertura.–Vejasooqueconseguimos...Olhesoaquelesmalucos.Creioqueestaodançandoum

ballet.–Deixeoscomentáriosdelado.Estãochegandomaisperto?–Aindanaoseidizer.Estaolongedemais.Deixe-metentar.Passe-mealanterna,por

favor.Procurareiatrairaatençãodelescomaluz.Depoisdedoisminutos,desistiu.–Nãoadianta!Parecequeestãocegos...Ora!Estãocomeçandoavirparacá.

Vejasó!Donovanpediu:–Eh,deixe-meespiar!Houveumabrevelutasilenciosa.Afinal,Powellconcordou.–Estácerto!Donovanen iouacabeçaparafora.Osrobosseaproximavam.Davevinhaa frente,

dando grandes saltos de bailarinos; os seis “dedos” seguiam-no como uma ila dedançarinas.Donovanestavamaravilhado.

–Oqueestaofazendo,a inal?Eubemgostariadesaber...PareceorildaVirgınia–eDavefazopapeldemestre-de-cerirnônias...Oueununcaviumril!

–Ora,parecomanarrativa–resmungouPowell.–Aquedistânciaestãoagora?–Quinzemetros.Econtinuamvindoparacá...Hein?...Eh!...Eh!...–Oquehá?Powell levou varios segundos para recobrar-se do espanto causado pelas

exclamaçõesfrenéticasdeDonovan.–Vamos,deixe-meespiarpeloburaco.Naosejaegoısta...Tentousubir,masDonovanreagiu,esperneandodesesperadamente.–Derammeia-volta,Greg!Estaoindoembora...Dave!Eh,Da-aave!Powellberrou:–

Dequeadiantaisso,seuidiota?Osomnãosepropagaaqui!–Estabem,entao–replicouDonovan,ofegante.–Depontapesnasparedes,esmurre-

as,produzaalgumavibraçao!Precisamosdarum jeitodeatrairaatençaodeles,Greg,ouestamosfritos!

Esmurravaaparedecomoumalucinado.Powellsacudiu-opeloombro.–Espere,Mike,espere.Ouça:tiveumaideia.Diabo!Emesmoumaotimahorapara

chegarmosàssoluçõessimples...Mike!–Quedeseja?–perguntouDonovan,tirandoacabeçadoburaco.–Deixe-meespiardepressa,antesqueelessaiamdoalcance.–Saiamdoalcance!Que

pretendefazer?Ei,quevai fazercomessedetonador?–quissaberDonovan,agarrandoobraçodePowell.Powellsacudiuenergicamenteobraço,livrando-sedocompanheiro.

–Voudarunstiros.–Porquê?–Explicarei depois. Primeiro, vamosver seda certo. Senaoder... Saiada frente e

deixe-meatirar!Osroboserammerosre lexosadistancia,pequenosesetornandocadavezmenores.

Powell apontou cuidadosamente e puxou o gatilho tres vezes. Baixou a arma e espiouansiosamente.

Umdosrobossubsidiariosestavacaıdo!Agora,haviaapenasseisvultosbrilhantes.Comvoztrêmula,Powellchamoupelotransmissor:

–Dave!Umapausa.Então,arespostachegousimultaneamenteaosfonesdosdoishomens:–Chefe?Ondeestá?Meuterceirosubsidiárioteveopeitoesmagado.Estáinutilizado.– Nao interessa – replicou Powell. – Estamos presos, por causa de um

desmoronamento,enquantovocêscavavam.Podevernossalanterna?–Claro.Iremosimediatamente.Powellrecostou-se,relaxandoosmúsculos.–Pronto,amigo.Estamossalvos.–Muitobem,Greg–disseDonovan,baixinho,comlagrimasnavoz.–Vocevenceu.

Curvo-mediantedevoceebeijo-lheospes.Agora,naovenhacombrincadeiras.Tratedecontar-medireitinhocomoconseguiu.

–Foimuitofacil.Aunicadi iculdadefoique,durantetodootempo,naopercebemosoobvio...comodecostume.Sabıamosqueoproblemaeraoriundodocircuitodeiniciativapessoalesempresurgiaemocasioesdeemergencia,masprocuravamosacausaemalgumaordemespecíficadadaporDave.Porquehaveriadeserumaordem?

–Porquenão?–Ora,escute:porquenaoumtipodeordem?Quetipodeordemrequermaiordose

de iniciativa pessoal? Que tipo de ordem praticamente so ocorreria em casos deemergência?

–Nãomepergunte,Greg;diga-me!–Eoqueestoufazendo!Trata-sedeumaordemparaseissubsidiarios.Emtodasas

condiçoesnormais,umoumaissubsidiariosestavamrealizandotarefasrotineiras,quenaoexigiamsupervisaoespecial,bastandoumaespeciedevigilanciaautomatica, comoaquenosso corpo exerce ao cuidar dos movimentos rotineiros para andar. Num caso deemergencia, porem, todos os seis subsidiarios precisavam ser mobilizados imediata esimultaneamente. Dave era obrigado a controlar os seis robos subsidiarios ao mesmotempo, e acontecia algo errado. O resto foi facil. Qualquer diminuiçao na quantidade deiniciativapessoalexigidaporumaemergencia– tal comoachegadadesereshumanos–trazia-odevoltaaonormal.Assimsendo,destruıumdosrobos.Quandoo iz,Davepassouatransmitirordensparacincorobossubsidiarios,apenas.Aexigenciadeiniciativadiminuiueelevoltouaonormal.

–Cornoconseguiudescobrirtudoisso?–quissaberDonovan.–Porumraciocíniológico.Experimenteiedeucerto.Avozdorobôtornouasoarnosfanes:–Aquiestou.Podemaguentarmeiahora?–Facilmente.Calma!–respondeuPowell.Virando-separaDonovan,prosseguiu:– Agora, o resto de nossa missao deve ser facil. Examinaremos os circuitos e

veri icaremos quais as peças que sofrem maior esforço ao dar uma ordem para seissubsidiarios,comparando-secomasordensparaapenascinco“dedos”.Istodeverestringirbastantenossocampodepesquisa,nãoé?

Donovanrefletiu.–Bastante, creio. SeDave for semelhante aoprototipoquevimosna fabrica, deve

possuirumcircuitoespecialdecoordenaçaoque,nocaso,seriaaunicaseçaoenvolvidanoproblema.

Derepente,animou-sedeformaespantosa:–Ora,nãoserádifícil.Éumverdadeirobrinquedo.–Muitobem.Vapensandonoassunto.Quandovoltarmos,estudaremosasplantas.E,

agora,voudescansaratéqueDavenostiredaqui.– Eh, espere! Diga-me apenas mais uma coisa: o que eram aquelas marchas

esquisitaseaquelesballetsengraçadosqueosrobôsfaziamcadavezqueDavefalhava?– Oh, isso? Nao sei. Mas tenho uma vaga noçao. Lembre-se de que os robos

subsidiariossaoumaespeciede“dedos”deDave.Noscostumavamoschama-losassim,naoe mesmo? Minha impressao e de que naqueles interludios, sempre que Dave setransformava num caso psiquiatrico, perdia-se numanevoa de imbecilidade e passava otempogirandoosdedos...

Susan Calvin

Oterceirocontoderobosqueescrevi,“Mentiroso!”,apresentou,pelaprimeiravez,

SusanCalvin,porquemdeimediatomeapaixonei.Elapassou,depoisdisso,adominartantomeuspensamentosque,poucoapouco,expulsouPowelleDonovandesuaposiçao.Aquelesdois apareceram so nos tres contos da seçao anterior e num quarto, “Fuga!”, em queaparecemcomSusanCalvin.

Decertomodo,aimpressaoquetenhoaofazeraretrospectivademinhacarreiraeque devo ter incluıdo a querida Susan em inumeraveis historias, mas o fato e que elaapareceu apenas em dez, todas apresentadas aqui nesta seçao. Na decima, “IntuiçaoFeminina”, ela emerge da aposentadoria como uma velha dama que, no entanto, nadaperdeudeseuácidocharme.

Vocenotara,alias,quemuitoemboraamaioriadoscontossobreSusanCalvintenhasido escrita numa epoca em que o chauvinismo machista era pressuposto na icçaocientı ica,Susannaopedefavoresebateoshomensemseupropriojogo.Naverdade,elaficasemrealizaçãosexual,mas...nãosepodeganhartodas.

20- Mentiroso!

Alfred Lanning acendeu cuidadosamente o charuto, mas as pontas de seus dedos

tremiamligeiramente.Suasvastassobrancelhasgrisalhasestavamfranzidassobreonariz,eelefalavadevagar,entreconsecutivasbaforadasdefumaça.

–Elerealmentelêpensamentos...Nãopodehaveramenordúvidaarespeito!Mas... por que? – Virando-se para omatematico PeterBogert, acrescentou: – Entao?

Bogertalisouoscabelosnegroscomasduasmãos.– Foi o trigesimo quarto modelo RB que produzimos, Lanning. Todos os outros

saíramestritamenteortodoxas.O terceiro homem sentado a mesa franziu a testa. Milton Ashe era omais jovem

diretordaU.S.RobôseHomensMecânicosS.A.sentia-semuitoorgulhosodeseuposto.–Ouça,Bogert.Nãohouveomenorerronamontagem,desdeoinícioatéofinal.

Possogarantir.OslábiosgrossosdeBogertabriram-senumsorrisocondescendente.–Podegarantir?Seecapazderesponderpelalinhademontageminteira,recomendo

suapromoçao.Paraforneceracontaexata,existemsetentaecincomil,duzentosetrintaequatro operaçoes necessarias a fabricaçao de um unico cerebro positronico. Cada umadessasoperaçoes,paraalcançarsucesso,dependedeumcertonumerodefatores,quepodevariar entre cinco e cento e cinco. Se houver alguma falha seria em qualquer deles, o“cerebro” ica automaticamente arruinado. Tais dados sao tirados diretamente de nossoboletimdeinformações,Ashe.

MiltonAshecorou,masumaquartavozinterrompeusuatentativaderesponder.–Sevamoscomeçaratentarjogaraculpaunssobreosoutros,pre iroretirar-me–

declarou SusanCalvin, com asmaos cruzadas no colo e as pequenas rugas ao redor doslábiosfinosepálidosparecendomaisacentuadas.

–Temosnasmaosumrobocapazdelerospensamentoshumanosejulgodegrandeimportanciadescobrirmosporquemotivoeleecapazdefaze-la.Naovamosdescobrircoisaalgumajogandoaculpaunssobreosoutros.

SeusfriosolhoscinzentossefixaramemAsheeestesorriu.Lanning tambem sorriu. Como sempre acontecia nessas ocasioes, seus longos

cabelos brancos e penetrantes olhinhos azuis davam-lhe a aparencia de um patriarcabíblico.

–Everdade,Dra.Calvin.Suavoztornou-serepentinamenteáspera.– Eis aqui os fatos, em resumo. Produzimos um cerebro positronico de tipo

supostamente comum, mas ele possui a notavel qualidade de ser capaz de ler nossospensamentos, o que signi icaque esta sintonizadopara captarnossas ondasmentais. Sedescobrirmoscomoissoaconteceu,conseguiremosomaisimportanteprogressoroboticodestasúltimasdécadas.Comonãosabemos,precisamosdescobrir.Estábemclaro?

–Possoapresentarumasugestão?–indagouBogert.

–Prossiga!–Sugiroqueatesolucionarmosoproblema–e,naqualidadedematematico, julgo

queseraumproblemadosmaisdifıceisderesolver–aexistenciadoRB-34sejamantidaemsegredo. E re iro-me atemesmo aos outrosmembros de nosso pessoal. Como chefes dedepartamentos, creio que nao seremos incapazes de encontrar a soluçao. Quantomenosgentetomarconhecimento...

–Bogert tem razao –disse aDra. Calvin. –DesdequeoCodigo Interplanetario foimodi icado para permitir que os novosmodelos de robos fossem testados nas fabricasantes de ser embarcados para o espaço, a propaganda anti-robos aumentouconsideravelmente.Seoboatoarespeitodeumrobocapazdelerpensamentosseespalharantesqueconsigamosanunciarqueofenomenoestainteiramentesobcontrole,ossetorescontráriosàfabricaçãoderobôsteriamumaarmapoderosa.

Lanningtirouumatragadadocharutoemeneougravementeacabeça.Emseguida,virou-separaAshe.

–Senaoestouenganado,vocedeclarouestarsozinhoquandopercebeupelaprimeiravezessecasodeleituradepensamentos.

–Realmente,estavasozinho,eleveiomaiorsustodeminhavida.ORB-34acabavadesairdamesademontagemefoimandadoparamim.Obermannestavaausente,demodoqueleveipessoalmenteorobôàsaladetestes.Pelomenos,comeceialevá-lo.-Ashefêzumapausa,comumlevesorriso,antesdeacrescentar:–Algumdevoceschegouamanterumaconversamental,semseaperceberdofato?

Ninguémsedeuaotrabalhoderespondereeleprosseguiu:–Noinıcio,naosepercebe.Oroboconversoucomigodomodomaislogicoesensato

quesejapossıvelimaginar.Somentequandoestavamosquasechegandoasaladetestesfoiquemedeicontadequenaodisseraumasopalavra.Everdadequepenseimuito,masistonao e a mesma coisa, nao acham? Tranquei o robo e vim correndo participar o fato aLanning.Confessoqueveroroboandarameulado,lendocalmamentemeuspensamentoseescolhendo-os,causava-mearrepios.

–Imaginoquesim–comentouSusanCalvin,pensativa, ixandooolharemAshedemodo curiosamente atento. – Estamos muito acostumados a considerar nossospensamentoscomoumapropriedadeprivada.

Lanninginterrompeu,impaciente:– Entao, so nos quatro sabemos. Muito bem! Temos de abordar o problema

sistematicamente.Ashe,queroquevoceveri iquealinhademontagem,desdeoprincıpioateo im;tudo,detalhadamente.Deveeliminartodasasoperaçoesemquenaotenhahavidopossibilidade de erro e fazer uma lista de todas onde tal possibilidade for admissıvel,enumerandoanaturezaepossívelmagnitudedoerro.

–Umatarefaetanto!–resmungouAshe.– Claro! Naturalmente, devera colocar seus subordinados para trabalhar na

investigaçao;todoseles,sefornecessario.Naomeimportoseatrasarmosoprogramadeproduçao. Mas eles nao devem tomar conhecimento do motivo da investigaçao.Compreende?

–Sim!–replicouojovemtecnico,comumsorrisoironico.–Aindaassim,seraumatarefaetanto.Lanningvirou-senacadeiraeencarouSusanCalvin.

–Asenhorateradeatacaroproblemadeoutradireçao.Earobopsicologadacompanhia,demodoquedeveestudarprimeiramenteoproprioroboetrabalharemsentidoinversoaodeAshe.Tentedescobrircomoocerebrodelefunciona.Veri iquequaisasligaçoesexistentescomos seuspoderes telepaticos, ate onde estes se estendem, de que forma alteram seumodo de encarar as coisas e exatamente que danos causaram as suas caracterısticascomunsderobôtipoRB.Entendeu?LanningnãoesperouqueSusanCalvinrespondesse.

– Cuidarei da coordenaçao dos trabalhos de investigaçao e da interpretaçaomatematicadosdados–declarou,tirandoumaviolentabaforadadocharutoemurmurandoporentreanuvemdefumaça:–Bogertmeauxiliará,naturalmente.

Bogertpoliuasunhasdeumamãogordanapalmadaoutraedissesuavemente:–Ousodizerquesim.Conheçoumpoucodoassunto.–Muitobem!Voucomeçarlogo–declarouAshe,empurrandoacadeiraparatrasese

erguendocomumsorrisoagradavelnorostojovem.–Recebiapiormissao,demodoquevoutratardemetermãosàobra.

Saiu,murmurando:–Atélogo!Susan Calvin respondeu com um aceno quase imperceptıvel de cabeça, mas seus

olhos acompanharamAsheate queestedesapareceupelaporta.NemrespondeuquandoLanningsoltouumgrunhidoedisse:

–Dra.Calvin,querlevantar-seeirexaminaroRB-34,agora?Aoouvirosomabafadodosgonzosdaporta,oRB-34ergueuosolhosdolivro.QuandoSusanCalvinentrou,orobôjáestavadepé.

Susanfezumapausaparaajeitaroenormeletreiro“EProibidoaEntrada”naportae,emseguida,aproximou-sedorobô.

– Trouxe-lhe os livros a respeito demotores hiperatomicos, Herbie; alguns deles,pelomenos.Nãogostariadepassarosolhosneles?

ORB-34,maisconhecidocomoHerbie,pegouostrespesadoscompendiosqueSusancarregavaeabriuaprimeirapáginadeumdeles.

–Hummm!“TeoriaHiperatomica”.-Murmurouconsigomesmo,enquantoviravaaspaginas. Depois, com ar distraıdo, disse: – Sente-se, Dra. Calvin! Levarei ainda algunsminutos.

Apsicologasentou-seeobservouatentamenteenquantoHerbietomouumacadeiranooutroladodamesaeleusistematicamenteoslivros.

Aposcercademeiahora,oroboempurrouoslivrosparaolado,declarando:–Naturalmente, sei por que a senhora os trouxe. O canto do labio daDra. Calvintremeuligeiramente.–Eujatemiaisto.Edifıciltrabalharcomvoce,Herbie.Estasempreumpassoaminha

frente.– Sabe, com estes livros e a mesma coisa que com os outros. Simplesmente, nao meinteressam.Seuscompendiosdenadavalem.Suaciencianaopassadeumamassadedadoscoligidosearranjadossobaformadeumateoriaimprovisada,etaoincrivelmentesimples

quenemvaleapenaperdertempocomela.Oquemeinteressasaooslivrosde icçao,osestudos a respeito do jogo dasmotivaçoes humanas e das emoçoes... – declarouHerbie,gesticulandovagamenteembuscadaspalavrasadequadas.–Creioquecompreendo–murmurouaDra.Calvin.

–Comoasenhorasabe,soucapazdelerpensamentos–prosseguiuorobo–enempode fazer ideiade comoeles sao complicados.Nemconsigo começara compreende-lostodos,porqueminhamentetemmuitopoucoemcomumcomadevoces...Mastento,eseusromancesmeajudam.

–Sim;mastemoquedepoisdeleralgumasdasangustiosasexperienciasemocionaisdescritasemnossasnovelassentimentaisdaatualidade,voceacharaasmentesreais,comoasnossas,insípidasedesinteressantes–disseSusanCalvin,comumtoquedeamargura.

–Masnãoacho!Arepentinaenergiadaresposta fezcomqueaDra.Calvinseerguessedeumpulo,

sentindo-secorar.Confusa,pensou:“Eledevesaber!”.Herbieacalmou-sedeimediatoemurmurouemvozbaixa,quasedesprovidade

timbremetálico:–Maséclaroqueseitudoarespeito,Dra.Calvin.Asenhoraestásempre

pensandonisso, comopoderiaeudeixardesaber?OrostodeSusanCalvinassumiuumaexpressãodura.

–Contou...aalguém?– Claro que nao! – respondeu Herbie, com genuına surpresa. – Ninguem me

perguntou.–Muitobem,então–disseela,irritada.–Suponhoquemejulgaumatola.–Não!Trata-sedeumaemoçãonormal.–Talvezsejatolaexatamenteporisso.Atristezadesuavozerataoprofundaqueeliminavatodaequalqueroutraemoçao.

Umpoucodamulherconseguiusobrepujarodomíniodadoutora.–Nãosouoquevocêchamariade...atraente.–Seestaquerendoreferir-seaumaatraçaomeramentefısica,souincapazdejulgar.

Mas,dequalquerforma,seiqueexistemoutrostiposdeatração.–Tambemnao sou jovem– continuouSusanCalvin,quemalouviraa respostado

robô.– Ainda nao tem quarenta anos – replicou Herbie, cuja voz parecia conter uma

ansiosainsistência.–Tenhotrintaeoitoanos,secontarmosapenasaidadecronologica;masquantoao

modode encarar a vida, souumavelha encarquilhadade sessenta anos.A inal, paraqueachaquesoupsicologa?–Comamargaveemencia,prosseguiu:–Elemalchegouaostrintaecinco;parecemaisjovemeagecomotal.Julgaqueeleveemmimalgoalemdoque...doqueeusou?

–Estaenganada!–declarouHerbie,batendocomopunhodeaçonotampoplasticodamesaeproduzindoumsomestridente.

–Ouça-me...MasSusanCalvinvirou-sevivamenteparaeleeaexpressaodoloridadeseusolhos

transformou-sesubitamentenumfulgorchamejante.– Por que haveria de ouvi-lo? Que sabe voce, a inal, a respeito disso, seu... seu

aparelho? Para voce, nao passo de um especime... de um inseto interessante, com umamente peculiar, dissecada para exame. Sou ummaravilhoso exemplo de frustraçao, naoacha? Quase tao bom quanto os dois livros. Sua voz, saindo em soluços angustiados,terminouporengasgar-setotalmente.

Orobôencolheu-sediantedaexplosão.Meneouacabeça,comardesúplica.–Ouça-me,porfavor.Eupoderiaajudar,seasenhorapermitisse...–Como?–quissaberSusanCalvin,enrugandoolabiocomardedesprezo.–Dando-

mebonsconselhos?–Não.Nãosetratadisso.Maseuseioqueasoutraspessoaspensam...Milton

Ashe,porexemplo...Seguiu-seumprolongadosilêncio.SusanCalvinbaixouosolhos.–Nãoquerosaberoqueelepensa–declarou,engasgada.–Cale-se.–Creioqueasenhoragostariadesaberoqueelepensa.AcabeçadeSusanpermaneceucurvada,masoritmodesuarespiraçãoseacelerou.–Estádizendotolices–sussurrouela.–Porquehaveriadefaze-la?Estoutentandoajudar.OspensamentosdeMiltonAshe

aseurespeito...Herbiefezumapausa.Então,apsicólogaergueuacabeça.–Bem?–Eleaama–declaroutranquilamenteorobô.ADra.Calvinpermaneceucaladadurantemaisdeumminuto,limitando-sea itaro

vácuo.Então,exclamou:–Vocêestáenganado!Deveestar.Porquehaveriaeledemeamar?–Masama.Eimpossívelesconderalgoassim,pelomenos,demim.–Mas...eusoutão...tão...–Elevemaisfundo,atravesdapele.Sabeadmirarainteligenciaalheia.MiltonAshe

nãoéotipoquesecasacomumacabeleirabonitaeumpardeolhosazuis.Susanpiscourapidamenteeesperouumpoucoantesdefalar.Mesmoassim,quando

ofez,suavoztremia:–Apesardisso,tenhocertezadequeelenuncademonstrou...–Asenhorajálhedeualgumaoportunidade?–Comopoderiadar.Nuncaimagineique...–Exatamente!Apsicólogarefletiudurantealgumtempoe,derepente,ergueuosolhos.–Hacercadeseismeses,umamoçaveiovisita-loaquinafabrica.Erabonita,creio,

loura e esbelta. E, naturalmente, mal sabia somar dois e dois. Ele passou o dia inteiroestufandoopeitoetentandoexplicarcomosefabricaumrobô.

Aexpressãoduravoltou-lheaorostoeàvoz.–Nãoqueelaconseguisseentender!Quemeraela?Herbierespondeusemhesitação:–Conheçoapessoadequemasenhoraestáfalando.ÉprimadeMiltonAshee

asseguro-lhe que nao ha interesse romantico entre eles. Susan Calvinpôs-sedepécomumavivacidadequasejuvenil.– Ora, nao e estranho? Era exatamente isso que eu costumava dizer com meus

botoes,embora jamais tenharealmenteacreditadonahipotese.Entao,deveserverdade!

Aproximou-sedeHerbie,tomandoamãofriadorobôentreassuas.–Muito obrigada, Herbie – disse, num sussurro urgente e rouco. - – Nao conte a

ninguém.Seráumsegredosónosso...Muitoobrigada,outravez.Comestaspalavras,depoisdeapertarconvulsivamenteamaofriadeHerbie,saiuda

sala.Herbievoltoualeituradanovelade icçao,masnaohaviaquemfossecapazdelerseuspensamentos.

MiltonAsheespreguiçou-selentamente,comumgrunhido,fazendoestalarasjuntasdocorpo.Depois,olhouraivosamenteparaoDr.PeterBogert.

–Ora–declarou.–Haumasemanaqueestoutrabalhandonocaso,praticamentesemdormir.Porquantotempoaindatereidecontinuarassim?PenseiquevocetivesseditoqueasoluçãoeraobombardeiopositrôniconaCâmaradeVácuoD.

Bogert bocejou delicadamente e examinou com grande interesse suas unhas bemcuidadas.

–Eé.Estounocaminhocerto.–Euseioqueissosignifica,ditoporummatemático.Quantofaltaparaofim?–Depende.–Deque?–quissaberAshe,deixando-secairnumapoltronaeesticandoaspernas

compridas.–DeLanning.Ovelhodiscordademim–respondeuBogert,suspirando.–Umpouco

antiquado – eis o problema com ele. A irma que a soluçao e uma questao de mecanicamatriz.Naverdade,estenossoproblemarequerrecursosmatemáticosmaisprofundos.Maseleémuitoteimoso.

Ashemurmurou,sonolento:–PorquenãoperguntamaHerbieeresolvemtudodeumavezportodas?–Perguntaraorobô?–exclamouBogert,erguendoassobrancelhas.–Porquenão?Avelhinhanãolhesdisse?–Refere-seàDra.Calvin?–Sim.ASusie.Elaa irmaqueoroboeumgeniomatematico.Sabetudo,emaisum

pouco, de quebra. Resolve de cabeça integrais trıplices e come analise tensorial nasobremesa.

Omatemáticoperguntoucomardedúvida:–Estáfalandosério?– Juro por Deus! A di iculdade e que o imbecil nao gosta de matematica. Prefere

novelasromanticas.Palavradehonra!VocedeveriaverasbaboseirasqueSusielhedaparaler:“PaixãoPurpúrea”e“AmornoEspaço”!

–ADra.Calvinnadanosdissearespeito.–Bem, ela aindanao acaboude estudar o robo. E voce sabe comoela e: gosta de

resolvertudoporcompleto,antesderevelarograndesegredo.–Mascontouavocê.– Bem, nao sei como, começamos a conversar muito. Eu a tenho visto

frequentemente,nestesúltimosdias.Abriurepentinamenteosolhos,franzindoatesta.–Eh,Bogie, ja reparoualgo estranhonela, ultimamente?Bogert exibiuumsorriso

maldoso.–Estáusandobatom,seéaissoquevocêserefere.

–Bem,eissomesmo.Batom,alemdebase,po-de-arrozesombranosolhos.Valeapenaver!Masnao se trata apenasdisso, embora eunao saibade inir comexatidao.Eomodocomoelafala,comoseestivessefeliz,oualgosemelhante.

Re letiu um pouco e, depois, sacudiu os ombros. O outro assumiu uma expressaomaliciosaque,paraumcientistacommaisdecinquentaanos,nãofoidaspiores.

–Talvezestejaapaixonada–comentou.Ashetornouafecharosolhos.–Voceestamaluco,Bogie.VaconversarcomHerbie.Pre iro icaraquiedormirum

pouco.–Estabem!Masnaomeagradamuitopediraumroboquemeensineatrabalhar,e

nao acredito que ele seja capaz de faze-lo! A resposta foi um ressonar suave. Herbieescutavaatentamente,enquantoPeterBogert,comasmãosnosbolsos,falavacomestudadaindiferença.

–Portanto,eisaıaquestao.Disseram-mequevoceentendedoassuntoeeuestouindagando, mais por curiosidade do que por qualquer outro motivo. Minha linha deraciocınio, como jaexpliquei,envolvealgunspontosduvidosos.SouobrigadoaconfessarqueoDr.Lanningserecusaaaceita-los,demodoqueoquadrogeralaindaestaumtantoincompleto.

OrobônãorespondeueBogertinsistiu:–Então?– Nao vejo erro algum – replicou Herbie, estudando os calculos que lhe foram

apresentados.–Suponhoquenãoconseguiráiralémdisso?– Nao ousaria tentar. Voce e melhor matematico do que eu e... bem... nao me

agradariaarriscar.OsorrisodeBogertexprimiuumtoquedecomplacência.– Pensei que o caso seria exatamente este. O assunto e muito profundo. Vamos

esquece-la. Amarrotou os papeis, atirando-os no lixo. Virou-se para sair,masmudou deideia.

–Porfalarnisso...Orobôaguardou,silencioso.Bogertpareciahesitar.–Háalgo...istoé...talvezvocêpossa...–interrompeu-se.Herbiedissetranquilamente:–Seuspensamentosestaoconfusos,masnaohaduvidadequegiramemtornodoDr.

Lanning. E bobagemhesitar, pois, logo que voce se acalmar, poderei saber o que desejaperguntar.

Amãodomatemáticoalisouocabelonumgestohabitual.–Lanningestabeirandoossetenta–declarou,comose isso fosseobastantepara

explicartudo.–Eusei.–Eédiretordafábricaháquasetrintaanos.Herbiemeneouacabeça,confirmando.–Bem–disseBogert,emtommeloso–vocesabeseele...hummm...estapensando

emaposentar-se?Talvezpormotivosdesaúde,ouqualqueroutro...–Sei–disseHerbie,lacônico.–Sabe,mesmo?

–Certamente.–Então...bem...poderiadizer-me?– Ja que pergunta, posso – respondeu o robo, com grande convicçao. – Ja pediu

demissão.–Oque?-Aexclamaçaofoiumsomexplosivo,quaseincoerente.Ocientistacurvoua

cabeçaparadiante,dizendo:–Repita!–Elejapediudemissao–foiarespostatranquiladeHerbie.–Masopedidoaindanao

entrouemvigor.ODr.Lanningestaesperandoapenassolucionaroproblema...bem...omeuproblema.Umavezencerradooassunto,eleestaraprontoaentregarocargodediretoraoseusucessor.

Bogertexalouoarnumsomsibilante.–Queméosucessor?Quemé?Encontrava-sebempróximoaHerbie,comoolharfixonascélulasfotoelétricasque

serviamdeolhosaorobô.Arespostafoilenta:–Opróximodiretorserávocê.Bogertrelaxou-se,comumsorrisoestranho.–Éótimosaberdisso.Hámuitoquevenhoesperandopelanotícia.Obrigado,Herbie.Naquelanoite,PeterBogertnaoseafastoudesuamesadetrabalhoantesdascinco

damadrugada.Eestavadevoltaasnovedamanha.Aprateleirasituadaacimadamesaseencontrava vazia; os livros de consulta e tabelas que ela contivera estavam espalhadosdiantedeBogert.Omontedefolhascontendocalculosaumentavarapidamenteeospapeisderascunhoamarrotadosejogadosaochãoformavamumagrandepilhadelixo.

Exatamente ao meio-dia, Bogert terminou a ultima pagina, esfregou os olhosvermelhos,bocejouesacudiuosombros.

–Estápiorandocadavezmais.Quediabo!Virou-seaoouvirobarulhodaportaefezumacenodecabeçaparacumprimentar

Alfred Lanning, que entrou estalando as juntas dos dedos umas nas outras. O diretorexaminouasalaemdesordemefranziuatesta.

–Algumapistanova?–indagou.–Nao–foiaresposta,emtomdedesa io.–Quehadeerradocomasoluçaoquelhe

forneciantes?Lanningnaosedeuaotrabalhoderesponder,limitando-sealançarumrapidoolhara

ultimafolhadoscalculosdeBogert.Acendeuumcharuto,falandoportrasdeumabaforadadefumaça:

–Calvinlhecontouarespeitodorobô?Eumgêniomatemático.Realmentenotável.Ooutrogrunhiuaudivelmente.

–Foioqueouvidizer.MasachomelhorCalvintratarderobopsicologia.TesteiHerbieemmatemáticaeelemalécapazdefazerumcálculo.

–NãofoioqueCalvindeclarou.–Elaestámaluca.–Enãofoioqueeuverifiquei–disseodiretor,emtomameaçador.–Você!–exclamouBogert,irado.–Dequeestáfalando?–ExamineiHerbieestamanhaeseiqueeleecapazdecoisasdasquaisvocejamais

ouviufalar.

–Emesmo?–Pareceduvidar!Lanningtirouumpapeldobolsodocolete,desdobrando-o.–Acaligra ianaoeminha,e?Bogertestudouasanotaçoesangulosasquecobriamo

papel.–Herbiefezisso?–Exatamente!EvocepodenotarqueeleestevecalculandoasuaIntegraldeTempo

nº22–respondeuLanning,apontandocomumaunhaamareladaparaaultimaequaçao.–Chegouamesmaconclusaoqueeuemumquartodotempoquelevei.Vocenaotinhadireitodeignoraroefeitoretardadornobombardeiopositrônico.

–Naooignorei.EmnomedeDeus,Lanning,metanacabeçaqueeleseriacanceladocom...

–Ah,claro!Vocejaexplicou.UsouaequaçaodetranslaçaodeMitchell,naofoi?Bem...elanãoseaplicaaocaso.

–Porquenão?–Emprimeirolugar,porquevocêusouhiperimaginários.–Eoquetemisso?–AEquaçãodeMitchellnãooscomporta,quando...–Estamaluco?SereleraobraoriginaldeMitchell,noprimeirovolumedeTransaçao

do...–Nãoprecisorelercoisaalguma.Jálhedisse,desdeoprincípio,queessalinha

deraciocínionãomeagrada.Herbieconfirmaminhaopinião.–Muitobem!–berrouBogert.–Nessecaso,deixequeaquelemecanismoderelogio

resolvatodooproblemaparavocê.Paraquesepreocuparcomninharias?–Aquestao eexatamenteessa:Herbienaopoderesolveroproblema.Eseelenao

pode, nos tambem nao podemos, pelo menos, nao sozinhos. Submeterei o assunto aapreciaçãodaJuntaNacional.Estáacimadenossacapacidade.

Bogert deu um pulo para tras, derrubando a cadeira e erguendo-se com o rostocontorcidodefúria.

–Nãopodefazerisso!Lanningficourubroderaiva.–Estáquerendodizer-meoquepossoounãofazer?– Exatamente – foi a resposta de Bogert, com os dentes trincados. – Ja resolvi o

problemaevocenaopodetira-lodeminhasmaos,entendeu?Naopensequeeunaoperceboclaramente suas intençoes, seu fossil dissecado! Voce seria capaz de cortar o propriopescoçoparanaopermitirqueeurecebesseocreditoporresolveroproblemadatelepatiarobótica!

–Vocenaopassadeummalditoidiota,Bogert.Voususpende-loporinsubordinaçao...–ameaçouLanning,comoslábiostrêmulosdeindignação.

– Jamais fara semelhante coisa, Lanning. Com um robo capaz de ler nossospensamentos,naohasegredosaquidentro.Portanto,naoseesqueçadequeseiarespeitodeseupedidodedemissão.

AcinzadocharutodeLanningcaiunochão,logoseguidapeloprópriocharuto.–O...que...

Bogertsoltouumarisadinhamaldosa.–E icabementendidoqueeusouonovodiretor.Tenhoperfeitaconscienciadisso,

naoseiluda.Comosdiabos,Lanning,eupassareiadarordensaquidentro,ouhaveraapiorencrencadetodosostempos!

Lanningrecobrouafala,transformando-anumrugido:–Estásuspenso,ouviu?Estádispensadodoserviço!Estáperdido,entendeu?O

sorrisodeBogertsealargouaindamais.–Ora,dequeadiantaisto?Naoconseguiracoisaalguma.Todosostrunfosestaoem

minhasmaos.Seiquevocepediudemissao:Herbiemecontou...efoivocequemcontouaele.

Lanning controlou-se com esforço. Parecia muito envelhecido; os olhos cansadosbrilhavam em um rosto que perdera toda a coloraçao avermelhada, deixando apenas apalidezdavelhice.

–QuerofalarcomHerbie.Elenãopodeterditoumacoisacomoessa.Vocêestájogandoalto,Bogert,masvoudesmascararoseublefe.Venhacomigo.Bogertsacudiuosombros.

–FalarcomHerbie?Muitobem,ótimo!Foitambemaomeio-diaqueMiltonAsheergueuosolhosdoesboçoquedesenharae

disse:–Daparaterumaideia?Naosoumuitobomemdesenho,masaaparenciageral e

esta.Eumacasinhalindaepossocompra-labembarato.SusanCalvinencarava-ocomolharlânguido.

–Emesmolinda...–suspirouela.–Semprepenseiquegostariade...Interrompeu-se.–Naturalmente,tereideesperarpelasferias–declarouMiltonAshe,jogandoolapis

parao lado.–Faltamapenasduassemanas,masocasodeHerbiedeixoutudodepernasparaoar.-Emseguida, itandoasunhas,acrescentou:–Alemdisso,haoutracoisa,masesegredo.

–Então,nãomeconte.–Ora,pre irocontar.Estouloucoparadizeraalguem...evoceeamelhor...bem...a

melhor con idente que eu poderia encontrar aqui – disse ele, um tanto embaraçado,sorrindotimidamente.

OcoraçaodeSusanCalvinestavaaossaltoseelanaotevecoragemdefalar.MiltonAshemudoudeposiçãonacadeiraesuavozassumiuotomdeumsussurroconfidencial.

–Parafalaraverdade,acasanaoesoparamim.Voumecasar!Entao,ergueu-sedeumsalto.

–Oquehá?–Nada!–respondeuSusanCalvin,sentindoahorrıvelsensaçaodetonteirapassar,

mastendodificuldadeparafalar.–Casar-se?Querdizer...–Ora,eclaro!Naoachaquejaetempo?Lembra-sedaquelapequenaqueesteveaqui

noverãopassado?Eela!...Mas...vocêestápassandomal?Parece...–Dordecabeça!–replicouSusanCalvin,afastando-ocomumgestodebil.–Tenho...

tenhosofridomuitas,ultimamente...Quero...congratular-mecomvoce,naturalmente.Ficomuitofeliz...

Amaquilagem, aplicadadesajeitadamente, formavaduas feiasmanchasvermelhas

emseurostobrancocomogesso.Ascoisascomeçaramarodarnovamente.–Desculpe-me...porfavor...Comumultimomurmurioincoerente,encaminhou-secegamenteparaaportaesaiu,

tropeçando.Tudoaconteceracomasubitacatastrofedeumsonho,comtodoohorrorirrealdeumpesadelo.

Mascomoseriapossível?Herbiedissera...EHerbiesabia!Liapensamentos!Quando deu por si, Susan Calvin estava pesadamente apoiada no portal, itando o

rostometalicodeHerbie.Deviatersubidodoisandares,masnemmesmosederacontadofato. A distancia fora coberta num breve instante, como num sonho. Como num sonho!Aindaassim,osolhos ixosdeHerbiecontinuavama itarosdela;suacorvermelhapareciatransformar-se em dois globos brilhantes, saıdos de um pesadelo. Herbie falava. Susansentia o vidro frio da porta de encontro a seus labios. Engoliu em seco e estremeceu,percebendovagamenteosdetalhesdoambiente.Herbiecontinuavaafalar.Pareciaagitado,magoado, temeroso, suplicante. As palavras começaram a fazer sentido aos ouvidos deSusan.

–Eumsonho–diziaorobo.–Naodeveacreditarnele.Embreve,despertaraeacharagraça.Eleaama...estou-lhedizendo.Eleaama,ama!Masnaoaqui!Naoagora!Istoeumailusão!

SusanCalvinbalançouacabeça,murmurando:-Sim!Sim!-Agarrou-seaobraçometalicodeHerbie,repetindosemcessar:–

Nãoéverdade,é?Nãoéverdade,é?Jamais soube como recobrou os sentidos, mas foi como passar de um mundo

enevoadoeirrealparaaluzbrilhantedosol.Empurrouobraçodeaçodorobocomforça.Abrindomuitoosolhos,perguntouemvozáspera,quelogosetornouumgrito:

–Queestáquerendofazer?Queestáquerendofazer?Herbierecuou.–Desejoajudar.Apsicólogaficouestarrecida.– Ajudar? Dizendo que tudo nao passa de um sonho? Tentando levar-me a

esquizofrenia?-Sentiu-sedominadaporumatensaohisterica:–Naoesonho!Tornaraquefosse!

Derepente,prendeuarespiração.–Espere!Ora...ora,compreendo.PorDeus!Etãoóbvio...Herbiepareciahorrorizado:–Fuiobrigado!–Eeuacrediteiemvocê!Nuncapensei...Vozes acaloradas aproximando-se da porta interromperam seus pensamentos e

Susanvoltou-separaooutrolado,cerrandoospunhosespasmodicamente.QuandoBogerteLanningentraram,elaseencontravajuntoàjanelamaisafastada,olhandoparafora.

Nenhum dos dois homens lhe deu a menor atençao. Aproximaram-sesimultaneamentedeHerbie; Lanning, irado e impaciente; Bogert, friamente sardonico.Odiretorfoioprimeiroafalar:

–Agora,Herbie,ouça-me!Orobôfocalizouosolhosnoidosodiretor:–Sim,Dr.Lanning.

–ConversoucomoDr.Bogertameurespeito?–Não,senhor.Arespostafoilenta.OsorrisodeBogertdesapareceurepentinamente.–Oqueeisso?–perguntouele,empurrandoseusuperiorparaumladoepostando-se

diantedorobô.–Repitaoquemedisseontem!–Eudisseque...Herbieinterrompeu-se.Seudiafragmametálicovibrava,emitindosonsdiscordantes.–Naodissequeelepedirademissao?–berrouBogert. –Responda!Bogertergueu

freneticamenteopunho,masLanningempurrou-oparaolado.–Querforçá-loamentir?–Voceouviu,Lanning:elecomeçouarespondereparou.Saiadaminhafrente.Vou

obrigá-loadizeraverdade,entendeu?–Euointerrogarei!–retrucouLanning,dirigindo-seaorobo.–Muitobem,Herbie,

acalme-se. Eu pedi demissao? Herbie permaneceu calado, com os olhos ixos. Lanninginsistiu,ansioso:

–Eupedidemissão?Houveumlevesinaldemeneionegativodecabeçaporpartedorobo.Mas,emboraosdoishomensesperassemumaresposta,estanaoveio.Osdoiscientistasseentreolharam,comvisívelhostilidade.

–Quediabo!–explodiuBogert.–Seraqueorobo icoumudo?Naoconseguefalar,monstro?

–Possofalar–foiarespostaimediata.–Entao,responda:vocenaomedissequeLanningpedirademissao?Elenaopediu?

Maisumavez, fez-seumsilenciototal.Subitamente,nooutroladodasala,orisoagudoequase histerico de Susan Calvin encheu o ambiente. Os dois matematicos tiveram umsobressalto.Bogertfranziuatesta.

–Vocêestáaqui?Qualéagraça?–Nenhuma–replicouaDra.Calvin,cujavozaindanaovoltara inteiramenteaonormal.–Peloquevejo,nao fuia unicaaserapanhada.Emesmoumaironiaquetresdosmaioresespecialistasemrobosdetodoomundotenhamsidoapanhadosnaciladamaiselementar,naoacham?-Entao,levandoamaoatestapalida,acrescentounumsussurro:–Masnaotemgraçaalguma!Osdoishomenstornaramaencarar-se;destafeita,comevidenteespanto.

–Dequeciladaestáfalando?–quissaberLanning,empertigando-se.–HáalgoerradocomHerbie?

– Nao – respondeu Susan Calvin, aproximando-se lentamente. – Nao ha nada deerradocomHerbie...masconosco.Virou-sederepente,gritandoparaorobo:–Afaste-sedemim!Váparaofundodasalaefiqueondeeunãopossavê-lo!

Herbieencolheu-seanteoolharfuriosodamulhereobedeceurapidamente.AvozdeLanningtinhaumtimbrehostil:

–Oquesignificatudoisto,Dra.Calvin?Elasevoltouparaodiretor,dizendocompesadosarcasmo:–TenhocertezadequeosenhorconheceaPrimeiraLeidarobotica.Osdoishomens

menearamacabeça,assentindoaomesmotempo.–Certamente–declarouBogert, irritado. –Umrobonaopode fazermal aumser

humanoou,poromissão,permitirqueumserhumanosofraalgummal.–Muitobemrecitado–rosnouSusanCalvin.–Masqueespéciedemal?–Ora...qualquerespécie.–Exatamente!Qualquerespecie!Equantoamagoas?Equantoaoorgulhoferido?E

quantoaesperançasperdidas?Nãosãomales?Lanningfranziuatesta.–Oquesabeumrobôarespeitode...Masinterrompeu-se,engolindoorestodafrase.–Descobriu,naofoi?Esserobolepensamentos.Supoequeelenadasabearespeito

desofrimentosmentais?Naoachaque,selhe izeremumapergunta,eledaraexatamentearespostaque sedesejaouvir?Qualqueroutra respostanosmagoaria eHerbie templenaconsciênciadisso!

–Deusdocéu!–murmurouBogert.Apsicólogalançou-lheumolharirônico.–DeduzoquevocelhetenhaperguntadoseLanningpedirademissao.Desejavaouvir

umarespostapositivaeHerbierespondeuquesim.– Suponho que foi por esse motivo que ele se recusou a responder, ha pouco –

comentouLanning.–Qualquerquefossearesposta,umdenósdoisficariamagoado.Houve uma breve pausa, enquanto os tres cientistas itaram o robo, que estava

sentadonacadeirajuntoaestante,comacabeçaapoiadaemumadasmaos.SusanCalvinbaixouosolhosparaochão,dizendo:

–Herbiesabiatudoisso.Aquele...aqueledemoniosabetudo,inclusiveoquehouvede errado em sua montagem. Os olhos da psicologa estavam sombrios e pensativos.Lanningergueuacabeça.

–Estáenganada,Dra.Calvin.Elenãosabequalfoioerro.Eumesmolheperguntei.–Quequerdizer?–exclamouSusan,derepente.–Esquece-sedequenaodesejavaqueHerbielhefornecesseasoluçaodoproblema.

Seuorgulhoficariaferido,seumamáquinafossecapazdefazeroqueosenhornãopode.Virando-separaBogert,acrescentou:–Vocêtambémperguntou?–Decertomodo–respondeuBogertcomumpigarro,corando.–Elemedissequeconheciapoucomatemática.Lanningriubaixinhoeapsicólogaexibiuumsorrisocáustico.–Euperguntarei!–declarouela.–Asoluçaonaoferirameuorgulho.Erguendoavoz,

ordenouemtomfrioeimperativo:–Venhacá!Herbieseergueueaproximou-se,hesitante.– Suponhoque saiba exatamente emque ponto damontagem foi introduzido um

fatorestranho,oufoiesquecidoumfatoressencial,nãoé?–indagouela.–Sim–replicouHerbie,comvozquaseinaudível.–Espere!–interrompeuBogert,raivoso.–Nao enecessariamenteaverdade.Voce

apenasquerescutartalresposta.–Naosejaidiota–retrucouSusanCalvin.–Eobvioqueelesabetantoquantovocee

Lanningjuntos,poisécapazdelerpensamentos.Dê-lheumaoportunidade.OmatemáticorecuoueSusancontinuou:

–Muitobem,entao,Herbie:responda!Estamosesperando.–Virando-separaolado,acrescentou: – Achomelhor pegarem lapis e papel, senhores. PoremHerbie permaneceucalado.

Avozdapsicólogaassumiuumtomdetriunfo:–Porquenãoresponde,Herbie?Orobôrespondeunumimpulso:–Nãoposso.Asenhorasabequenãoposso!OsDrs.LanningeBogertnãoquerem.–Elesqueremasolução.–Masnãofornecidapormim.Lanninginterrompeu,falandodevagarecomclareza:–Nãosejatolo,Herbie.Queremosquevocênosdiga.Bogertcon irmoucomumbrevemovimentodecabeça.AvozdeHerbieseergueu,

emdesespero:–Dequeadiantadizeremisso?Achamquesouincapazdeleroquesepassaemsuas

mentes?No fundo, naoqueremque eu responda. Souumamaquina, a quemderamumaimitaçao de vida em razao do sistema positronico instalado em meu cerebro, que eproduzidopelohomem.Naopodemsersobrepujadospormimsemsesentiremmagoados.Trata-sedealgoqueestainculcadonofundodesuasmentesenaopodeserapagado.Naopossodarasolução.

–Sairemosdasala–disseoDr.Lanning.–DigatudoàDra.Calvin.–Naofariadiferença!–protestouHerbie.–Dequalquerforma,vocessaberiamquea

soluçãofoidadapormim.SusanCalvinretomouapalavra:– Compreenda, Herbie: a despeito de tudo, os Drs. Lanning e Bogert desejam a

solução.–Porseusprópriosesforços!–insistiuHerbie.–Mas desejam-na... e o fato de voce possuı-la e se recusar a fornece-la nao pode

deixardemagoá-los.Vocêcompreende,nãoé?–Sim!Sim!–Poroutrolado,sevocêrevelarasolução,elestambémficarãomagoados.–Sim!Sim!HerbierecuavalentamenteeSusanCalvinavançavasobreele,passoapasso.Osdois

homensobservavam,petrificadosdeespanto.Apsicólogacontinuavaafalar:– Voce nao pode revelar, porque os magoara, e nao deve magoa-los. Mas se nao

contar, tambem osmagoara, demodo que deve contar. Se contar, magoara, e nao devemagoar; portanto, nao deve contar. Mas se nao contar, magoara, e nao deve magoar;portanto,devecontar.Secontar,magoará,enãodevemagoar;portanto,nãodevecontar...

Herbierecuaraatéficarencostadoàparede.Deixou-secairdejoelhos.–Pare! –berrou. –Feche suamente!Esta cheiade sofrimento,de frustraçao ede

odio!Estou-lhedizendoquenao izdeproposito!Tenteiajudar!Disse-lheoqueasenhoradesejavaouvir!Fuiobrigadoadizer!

Apsicóloganãolhedeuatenção:–Devecontar,masseo izer,magoara,demodoquenaodevecontar;massenao

contarmagoará,demodoquedevecontar...

Herbiesoltouumgritodesesperado...Foicomoumagudodeclarineta,muitoamplificado,cadavezmaisagudo,atéque

seperdeunumanotacheiadoterrordeumaalmaperdida,enchendoasaladeangustiaedesespero.Quandoosommorreuporcompleto,Herbiedeixou-secairnummonteimoveldemetal.Bogert,muitopálido,exclamou:

–Elemorreu!–Nao!–replicouSusanCalvin,explodindonumagargalhadadearrepiaroscabelos.–

Nao esta morto... esta simplesmente louco! Confrontei-o com o dilema insoluvel e eleenlouqueceu.Agora,podemmandá-loparaoferro-velho,porquejamaisvoltaráafalar.

Lanning ajoelhou-se junto ao monte de ferragens que fora Herbie. Seus dedostocaramometalfrioeinerte;ovelhomatemáticoestremeceu.

–Fezissodepropósito!–exclamou,erguendo-separaencararSusan.– E daı? Agora, esta feito – replicou ela, acrescentando num subito acesso de

amargura: – Ele mereceu. O diretor segurou o pulso de Bogert, que estava imovel,paralisado.–Qualeadiferença?Vamos,Peter–suspirou.–Dequalquermodo,umrobodessetiposeriainútil.–Comosolhosenvelhecidoscheiosdecansaço,repetiu:–Vamos,Peter!Somenteminutosaposasaıdadosdoiscientistas,aDra.SusanCalvinrecuperoupartedeseu equilıbrio mental. Vagarosamente, seu olhar voltou a ixar o morto-vivo Herbie. Aexpressaoduraetensaretornouassuasfeiçoes.Assim icoupormuitotempo,enquantoasensaçaodetriunfoseesvaıa,dandolugaraumaimplacavel frustraçao–etodososseuspensamentos turbulentos foram resumidos na unica palavra, in initamente amargurada,quelheescapoudoslábios:

–Mentiroso!

21- Satisfação Garantida

Tonyeraalto,morenoebonito,comumarincrivelmentenobreemtodasaslinhas

desuainalteravelexpressao,eClaireBelmontobservou-opelaportaentreabertacomummistodehorroreespanto.

—Naoposso,Larry.Naoposso icarcomeleemcasa.—Procuroufebrilmente,namenteparalisada,um jeito incisivodeexpressar-se,que izesse sentidoede inisse tudo.Massóconseguiurepetir:

—Nãoposso!Larry Belmont itou rigidamente amulher, com aquele brilho de impaciencia no

olharqueClairedetestava,poisneleviarefletidaasuaincompetência.—Estamoscomprometidos,Claire,evocenaopodedesistiragora.Acompanhiavai

meenviaraWashingtonporcausadisso,eoresultadoseraprovavelmenteumapromoçao.Éperfeitamenteseguro,evocêsabe.Qualaobjeção?

Elafranziuassobrancelhas,semsaberoquedizer.—Elemedáarrepios.Nãoosuporto.—Equase tao humano comovoce ou eu, demodoquedeixe de tolices. Vamos,

venhadaí.Empurrou-a pelas costas e ela encontrou-se, tremula, no seu proprioliving. Ele a

itava polidamente, como se estudasse a sua an itria das proximas tres semanas. A Dra.SusanCalvinestavatambempresente,sentadamuitorıgida,labioscomprimidos,abstraıda.Tinhaaquelearfrioedistantedealguemque,tendotrabalhadodurantetantotempocommáquinas,traziaumpoucodeseumetalnosangue.

—Olá—disseClaire,numasaudaçãovaga,geral.MasLarrysalvouasituaçãodizendoalegremente:—Claire,queroapresentar-lheTony,umcamaradafabuloso.Tony,estaeaminha

mulher, Claire. — Larry pousou cordialmente a mao no ombro de Tony, mas estepermaneceuinsensíveleinexpressivosobaquelapressão.

—Comoestá,Sra.Belmont?—falou.Claire sobressaltou-seaoouviraquelavoz.Eraprofunda,melodiosa,maciacomo

seuscabelosouacutisdorosto.Semsepoderconter,exclamou:—MeuDeus,vocêfala?—Porquenão?Esperavaocontrário?Clairerespondeucomumdebilsorriso.Naosabiaoquehaviaesperado.Desviouo

olhar e depois, devagarinho, observou-o de esguelha. Tinha cabelos negros e macios.Pareciam de plastico polido— ou seriam compostos de ios separados? E a pelemacia,morena,dasmãosedorostoseprolongariaparaalémdesuasroupasdecorteformal?

Perdida naquele arrepiante misterio precisou fazer um esforço para prestaratençãoàvozfria,sementonações,daDra.Calvin.

— Sra. Belmont, espero que compreenda a importancia desta experiencia. Seumaridodissequejalhedeualgumasinformaçoes.Gostariadeamplia-las,comopsicologa-chefedaU.S.RobôseHomensMecânicosS.A.

Prosseguindo,aDra.Calvinafirmou:— Tony e um robo. Sua designaçao nos icharios da companhia eTN-3, mas

responderaaonomedeTony.Naoeummonstromecanico,nemumasimplesmaquinadecalculardotipocriadoduranteaIIGuerraMundial,hacinquentaanos.Possuiumcerebroarti icial quase tao complicado como o nosso. E um imenso painel telefonico em escalaatomica,demaneiraquebilhoesde"ligaçoes"podemserconcentradasnuminstrumentoquesealojanocrânio.

Emtomdeexplicação,elacontinuou:—Taiscerebrossaomanufaturadosespeci icamenteparacadarobo.Contemuma

seriedeconexoespre-calculadas,demaneiraquecadaroboconhece,paracomeçar,alınguainglesa, e o bastante de tudo omais para realizar seu trabalho. Ate agora, a U.S. Roboslimitousuamanufaturaamodelos industriais,aseremusadosemlocaisondeo trabalhohumano seja difıcil — minas profundas, ou tarefas submarinas, por exemplo. Masdesejamosinvadiracidadeeolar.Paraissoprecisamosqueohomemeamulhercomunsaceitemsemmedoosrobôs.Asenhoracompreendequenãohánadaatemer?

—Naohamesmo,Claire—interveioLarry,muitoserio.—Dou-lheminhapalavra.Éimpossívelqueelefaçaalgummal.Sabequeeunãoodeixariaaquisenãofosseassim.

ClairelançouumrápidoolharparaTonyebaixouavoz.—Eseeuoirritar?—Naoprecisafalarbaixo—disseaDra.Calvintranquilamente.—Elenaopodese

zangarcomvoce,meubem.Jadissequeasconexoesdeseucerebrosaopredeterminadas.AmaisimportantedetodaseaquechamamosdePrimeiraLeidaRoboticaereduz-seaisto:"Umrobonaopode ferirumserhumano,ou,poromissao,permitirqueumserhumanosofra algum mal". Todos os robos sao construıdos assim. Nenhum pode ser forçado aprejudicar um ser humano. Veja entao que precisamos de voce e de Tony como testepreliminarparanossaorientaçao,enquantoseumaridoseencontraemWashingtonparaprovidenciarostesteslegaissupervisionadospelogoverno.

—Querdizerqueistonãoélegal?Larrypigarreou.— Ainda nao, mas esta tudo em ordem. Ele nao saira de casa e voce nao deve

permitirquealguemoveja,eso...Claire,eu icariacomvoce,masseidemasiadoarespeitoderobos.Precisamosdealguemtotalmente inexperiente,paraqueascondiçoesdo testesejamrigorosas.Énecessário.

—Estábem—murmurouClaire.Ederepente:—Masqueéqueelefaz?—Trabalhodoméstico—disseaDra.Calvinsecamente.Levantou-separasairefoiLarryquemaacompanhouateaporta.Clairedeixou-se

icarondeestava,desanimada.Surpreendeusuaimagemnoespelhoqueencimavaalareirae afastou rapidamente a vista. Estava cansada de seu rosto pequeno, sem graça, dopenteadoapagado,semimaginaçao.SurpreendeuentaooolhardeTony ixonelaequasesorriu,antesdelembrar-se...

Elenãopassavadeumamáquina.A caminho do aeroporto, Larry Belmont avistou Gladys Claffern. Era o tipo de

mulherquepareciadestinadaaservistaderelance...Manufaturadacomperfeiçao,vestidacomestudadobomgosto,brilhantedemaisparasepoderficarolhandoparaela.

O levesorrisoqueaprecederaeoperfumequedeixounoseucaminhoeramumconviteaacompanha-la.Larryperdeuoımpetonoandar,levouamaoaochapeuedepoisapressouopasso.

Comosempre,sentiu-sevagamenteirritado.SeClaireentrassenaturmadeClaffernascoisasseriambemmelhores.Maserainútil.

Claire!NasrarasvezesemqueseviradiantedeGladysatolinha icaramuda.Larrynaotinhailusoes.OtestedeTonyeraasuagrandechance,erepousavanasmaosdeClaire.EstariamuitomaisseguronasdealguémcomoGladysClaffern.

Clairedespertounosegundodiaaosomdeumalevebatidanaportadoquarto.Suamente icouemtumulto,depois imobilizou-se.EvitaraTonynoprimeirodia,sorrindodelevequandooencontravaepassandorápidocomummurmúriodedesculpas.

—Évocê,Tony?—Sim,Sra.Belmont.Possoentrar?Deviaterrespondidoa irmativamente,porqueeleentrousemumruıdo.Avistaeo

olfatodeClaireregistraramsimultaneamenteabandejaqueeletrazia.—Café?—perguntou.—Sim,senhora.Nao ousaria recusar, de modo que sentou-se lentamente na cama e recebeu a

bandeja:ovospochês,torradacommanteigaecafé.— Trouxe o açucar e o creme separado— disse Tony.— Espero com o tempo

conhecersuaspreferênciasnistoeemoutrascoisas.Elanãorespondeu.Tony, muito teso, porem maleavel como uma regua de metal, perguntou, apos

algumtempo:—Preferetomarocafésozinha?—Sim...istoé,senãoseimporta.—Precisarádeajudamaistardeparavestir-se?— Oh, nao, meu Deus! — exclamou, agarrando desesperadamente os lençois e

quaseprovocandoumacatastrofecomocafe.Eassimpermaneceu,rıgida,paradeixar-secaircontraostravesseirosquandoaportasefechoueeledesapareceu.

Tomouodesjejumsemsabercomo...Elenaopassavadeumamaquina,e se issofossemaisevidentenaoseriataoassustador.Ousemudassedeexpressao.Maslimitava-sea icarali,pregadonomesmolugar.Impossıveldizeroquesepassavapordetrasdaquelesolhosescurosedaquelaepidermemacia,morena.Axıcaradecafebateucomocastanholasquandoelaarecolocounopires.

Percebeuentaoqueesqueceradeacrescentarocremeeoaçucar,edetestavacafepuro.

Depoisdevestir-se,foidiretodoquartoacozinha.A inal,estavanasuacasa,enaoeraexigente,masgostavadeveracozinhalimpa.Eledeviateraguardadosuasordens...

Mas,aoentrar,encontrouapeçacomosejamaistivessesidousada.Parou,olhosarregalados,voltou-seequasecolidiucomTony.Naopodeconterum

gritinho.

—Possofazeralgumacoisa?—perguntouele.— Tony, voce precisa fazer algum ruıdo quando caminha — disse ela, lutando

contraairaeopânico.—Nãosuportoquemeespione...Vocênãousouacozinha?—Usei,Sra.Belmont.—Nãoparece.—Limpeitudoemseguida.Nãoéoquesefazemgeral?Claire arregalou os olhos. A inal, que poderia replicar? Abrindo o armario onde

icavamguardadasaspanelaslançouumolharrapidoedistraıdoparaobrilhometalicoquecontinhamedisse,voztrêmula:

—Muitobem.Perfeitamentesatisfatório.Senaquelemomentoele tivessesorrido,oupelomenoserguido ligeiramenteum

cantodaboca, elaoacharia simpatico.Maspermaneceuqualumlord inglesemrepouso,dizendoapenas:

—Obrigado,Sra.Belmont.Querterabondadedeviràsala?Elaobedeceuenotouimediatamente:—Estevepolindoosmóveis?—Estãobemassim,Sra.Belmont?—Masquando?Vocênãofezissoontem.—Ànoite,naturalmente.—Estevedeluzacesaanoiteinteira?—Oh,naoenecessario.Tenhoembutidaumafontederaiosultravioletas.Enxergo

emultravioleta.Enãoprecisodormir,naturalmente.Mas precisava ser admirado, ela percebeu entao. Precisava saber se estava

agradando.Masnãoconseguiudar-lheaqueleprazer.Limitou-searesponder,mal-humorada:—Vocêsacabarãocomasempregadasdomésticas.—Elastemtrabalhomuitomaisimportanteafazernomundo,se icaremlivresde

tarefasmesquinhas.A inal,maquinas comoeupodemser construıdas, Sra.Belmont.Mascoisaalgumapode imitaracriatividadeeaversatilidadedeumcerebrohumanocomooseu.

Eemboraorostonadamanifestasse,avozestavacarregadadepasmoeadmiraçao,demodoqueClairecorouemurmurou:

—Meucérebro!Podeficarcomele.Tonyaproximou-seumpoucoaodizer:—Deveserinfelizparadizerumacoisadessas.Eupoderiafazeralgo?Clairesentiuvontadederir.Eraumasituaçaoridıcula.Aliestavaumvarredorde

tapetes, lavadordepratos,polidordemoveis,faz-tudorecemsaıdodafabricaoferecendoseusserviçoscomoconfidenteeconsolador!

Massúbito,numaexplosãodetristeza,falou:—OSr.Belmontachaqueeunaotenhocerebro,seequelheinteressa...Esuponho

queeunaotenhamesmo.—Naopodiachorarnafrentedele.Sentia,porqualquermotivo,queprecisavamanterahonradaraçahumanadiantedaquelasimplescriação.

—Soultimamente—acrescentou.—Corriatudobemquandoeleeraestudanteeestavacomeçandonavida.Maseunaopossosermulherdeumgrandehomem:eeleestase

tornandomuito importante.Querqueeusejaumaperfeitaan itriae ingressecomelenavidasocial,quesejacomoGla...GladysClaffern.

Tinhaonarizvermelhoedesviouorosto.MasTonynãoafitava.Seuolharpercorriaasala.—Eupoderiaajudá-laadirigiracasa.—Naoadianta—replicou,veemente.—Elaprecisadeumtoquequeeunao lhe

possodar.Sosei torna-laconfortavel.Naosei transforma-lanaquele tipoque fotografamparaasrevistasdedecoração.

—Desejaumaassim?—Queadiantadesejar?Tonyolhou-acomfirmeza.—Eupoderiaajudar.—Conhecealgumacoisadedecoração?—Éalgoqueumaboadona-de-casadevasaber?—Oh,sim.—Entaoeupossuopotencialidadesparaaprender.Quermearranjarlivrossobreo

assunto?Algoteveinícionaquelemomento.Claire, segurando o chapeu para protege-lo das liberdades do vento, conseguira

trazerdoisgrossosvolumessobreartesdomesticasdabibliotecapublica.ObservouTonyabrirumdelesefolhea-lo.Eraaprimeiravezqueviaseusdedostocaremalgoparecidocomumtrabalhofino.

Comoseraqueeles fazem isso?—pensoue, impulsivamente,pegou-lheamaoeaproximou-aafimdevê-ladeperto.Tonynãoresistiu,edeixou-aficarduranteainspeção.

—Éextraordinário.Atésuasunhasparecemnaturais—disseClaire.—Efeitodeproposito,naturalmente—respondeuTony.E,emtomdeconversa:—

Apeleédeplásticoflexíveleoesqueletodeumaligametálica.Achaengraçado?—Oh,nao—disseela,corando.—Estoumeioembaraçadaporinvestigar,decerto

modo,suasentranhas.Nãoédaminhaconta.Vocênãofazperguntasarespeitodasminhas.—Meucerebronaoincluiessetipodecuriosidade.Sopossoagirdentrodeminhas

limitações,compreende?HouveumapausaeClairesentiuumapertonocoraçao.Porqueesqueciasempre

que era uma maquina? Agora, ele mesmo tivera de lembrar-lhe. Estaria tao faminta desimpatia que aceitaria ate um robo como seu igual... so porque ele se mostravacompreensivo?

NotouqueTonycontinuavaafolhearaspaginas,quaseaesmo,esentiuumlampejodesuperioridade.

—Vocênãosabeler,sabe?Tonyfitou-aereplicoutranquilo,semrancor:—Estoulendo,Sra.Belmont.—Mas...—eapontouparaolivro,numgestovago.—Estouexaminandoaspáginas.Meusensodeleituraéfotográfico.Jaeranoitee,quandoClairefoisedeitar,Tonyjaestavabemadiantadonosegundo

volume,sentadonoescuro.OuoquepareciaescuroparaalimitadavisãodeClaire.Seu ultimo pensamento, antes que a mente mergulhasse no sono, foi bastante

estranho.Lembrou-sedamaodele,doseucontato.Eraquenteemaciacomoadeumserhumano.

Erammuitohábeisosfabricantes,pensou,adormecendosuavemente.Durante varios dias foi constantemente a biblioteca. Tony sugeria asmaterias a

estudar, que rapidamente se subdividiam. Havia livros sobre combinaçoes de cores,cosméticos,tapetesemoda,arteehistóriadoscostumes.

Voltandoaspaginasdecadalivro,diantedeseusolhossolenes, liacomarapidezcomquefolheava,epareciaincapazdeesquecer.

Antesdeterminadaasemanainsistiuemcortar-lheocabelo,sugerindoumnovopenteado,acertandoalinhadassobrancelhas,modi icandoumpoucoatonalidadedopoedobatom.

Elaestremecera,nervosa,durantemeiahora,sobotoquedelicadodeseusdedosdeplásticomacioedepoisolhara-seaoespelho.

—Podemosfazermuitomais,principalmentenosetordovestuario—disseTony.—Comoéqueseadquiremroupas,paracomeçar?

Elanaorespondeuimediatamente.Soofezdepoisdesorveraimagemdaestranharefletidanoespelho,assimcomorecordartodaabelezadoacontecido.Semtirarosolhosdaanimadorafigura,falou:

—Sim,Tony,muito bom... para começar.Nada contounas cartas que escrevia aLarry.Que

elevisseporsimesmo.Ealgoemseuıntimodissequeelanaoapreciariaapenasasurpresa.Seriaumaespéciedevingança.

Certamanhã,Tonydisse:—Estanahoradecomeçarafazercompraseeunaopossosairdecasa.Seeu izer

umalistadoqueprecisa,exatamente,asenhoracomprara?Precisamosdecortinas,etecidopara forrar as poltronas, papel de parede, forraçao, tinta, roupas, e uma in inidade depequenascoisas.

— Nao se pode conseguir tudo isso de uma hora para outra — falou Claire,duvidosa.

—Maspode-seobterquaseomesmo,casoseestejadispostaacorreracidadeeodinheironãoforobstáculo.

—Mas,Tony,odinheiroésempreumobstáculo.—Demodoalgum.PassepelaU.S.Robos.Euescrevereiumbilhete.ProcureaDra.

Calvinediga-lhequeistofazpartedaexperiência.ADra.Calvinnaoaassustoucomodaprimeiravez.Comanova'maquilagemeo

chapeu novo nao eramais amesma Claire. A psicologa ouviu com atençao, fez algumasperguntas,meneoua irmativamente—eClairesaiuequipadacomumacontailimitadadaU.S.RobôseHomensMecânicosS.A.

Emaravilhosooqueodinheiropoderealizar.Comoconteudodeumalojainteiraasuadisposiçao,apalavradavendedoradeixavadeserumdecreto:oerguerdesobrancelhasdeumdecoradornãopareciaotrovãodeJúpiter.

E quando o Soberano de um dos mais elegantes saloes da moda recusouinsistentementeoguarda-roupaqueelapedia,usandosotaquedomaispurofrancesdarua57,ClairetelefonouaTonyepassouofoneamonsieur.

Comvozfirme,ededosumtantotrêmulos,falou:—Gostariaquedissesseumapalavraaomeu...secretário.OSoberanoaproximou-sedotelefonesolenemente,umbraço ascostas,ergueuo

fonedelicadamenteentredoisdedosefalou:— Alo—uma pausa e um "Sim", depois uma pausa mais longa, um começo de

objeçao,quepereceudeimediato,outrapausaeum"Sim"submisso.Eotelefonevoltouaogancho.

— Semadame quiser me acompanhar— disse, ofendido e distante— tentareisatisfazerseusdesejos.

—Ummomento.—Clairecorreuaotelefoneetornouadiscar.—Alo, Tony.Nao sei o que voce disse,mas funcionou.Obrigada.Voce e um...—

procurouumapalavraapropriada,desistiueterminoucomumgritinho:—um...umamor!DeucomGladysClaffernaobserva-laquandodesligou.UmaGladysmeiodivertidae

meioespantada,fitando-acomacabeçameiodelado.—Sra.Belmont?Claire perdeu imediatamente toda a segurança. Limitou-se a menear

afirmativamente,estúpidacomoumamarionete.Gladyssorriucomindefinívelinsolência.—Naosabiaquecompravaaqui.—Eotomdevoz,assimcomooolhar,sugerindo

queolocalperderaaclasseporcausadisso.—Nãocompro,emgeral—falouClaire,humilde.—Fezalgumacoisacomseucabelo?Esta...bonitinho...Esperoquemeperdoe,mas

onomedeseumaridonãoéLawrence?TinhaaimpressãodequesechamavaLawrence.Clairerangeuosdentes,mastevequeexplicar.Erapreciso.—Tonyéumamigodomeumarido.Estámeajudandoafazeralgumascompras.—Compreendo.Eleéumamor,imagino.Ecomumsorrisoprosseguiu,levandoconsigotodaaluzeocalordomundo.Clairenaoposemduvidao fatodeque foiparaTonyquesevoltouembuscade

consolo.Dezdiasahaviamcuradodetodarelutancia.Ejapodiachorardiantedele:chorareenraivecer-se.

—Fuiumatolacompleta—gemeu,torcendoolençoencharcado.—Elaexerceesseefeitosobremim,naoseiporque.Eoqueelafaz.Eudeveriater-lhedadoumpontape.Deviatê-lajogadoaochãoepisoteado.

—Ecapazdeodiarumserhumanoaesseponto?—perguntouTony,ligeiramenteintrigado.—Estapartedamentehumanameévedada.

—Nao e ela, sou eumesma, acho—gemeu.—Ela e tudoo que eudesejo ser...exteriormente,pelomenos...Enãoposso.

Tonyfaloubaixinhoeconvicto:—Podesim,Sra.Belmont.Podesim.Temosaindadezdiasenesseperıodoacasa

estarácompletamentediferente.Nãofoioqueestivemosplanejando?—Edequemodoissomeajudará...emrelaçãoaela?—Convide-a a vir aqui. Convide os amigos dela. Planeje tudo para a vespera da

minhapartida.Seráumaespéciedeinauguração.—Elanãovirá.

—Virá,sim.Virápararir...Enãoconseguirá.— Acha mesmo? Oh, Tony, acha que conseguiremos? — Segurou-lhe ambas as

maos...Edepoisvoltouorosto.—Paraque?Naosereieu.Seravoceoresponsavelportudo.Nãopossomeapoiareternamenteemvocê.

—Ninguemvivetotalmenteisolado—murmurouTony.—Colocaramemmimestaideia.OquevoceetodomundoveemGladysClaffernnaoeapenasGladys.Elaseapoiaemtoda aquela fortuna e posiçao social. E nao poe isso em duvida. Por que voce o faria?...Considereascoisassobesteprisma,Sra.Belmont.Soufeitoparaobedecer,masoambitodeminha obediencia e por mim determinado. Posso seguir ordens com avareza ouliberalidade. No seu caso, com liberalidade, pois fui condicionado a ver isso nos sereshumanos.Ebondosa,cordial,despretensiosa.ASra.Claffern,conformeadescreve,naoe,eeunaoaobedeceriacomoobedeçoaqui.Assim,easenhora,enaoeu,quemestarealizandoistotudo.

TirouentaoasmaosdasdelaeClaire itouaquelerostoinexpressivo,queninguem'seriacapazdeler.

Súbito,sentiu-sedenovoassustada,demodocompletamentediferente.Engolindoemseco,olhounervosaparaaspropriasmaos,quevibravamaindacom

apressaodosdedosdeTony.Nao era imaginaçao. Seusdedoshaviamapertadode leve,carinhosamente,osdela,antesdeseafastarem.

Seus dedos... Seus dedos..., Correu ao banheiro e escovou as maos, furiosa einutilmente.

Sentiu-se meio embaraçada na sua presença, no dia seguinte, observou-oatentamente,àesperadequealgoacontecesse.Masnadaocorreudurantealgumtempo.

Tony trabalhava. Se surgia alguma di iculdade na tecnica de colocar o papel deparede,oudeutilizaratintadesecageminstantanea,suaatividadenaoorevelava.Asmaosmoviam-secomprecisão,osdedosmostravam-sehábeiseseguros.

Trabalhoudurante toda a noite. Ela nao o ouvia,mas cadamanha era umanovaaventura.Impossıveldizeronumerodecoisasqueelehaviarealizado,eatardedescobriaaindanovostoques.Eoutranoitesobrevinha.

Tentouajudarapenasumavez,massuafaltadejeitobemhumanaatrapalhoutudo.EleestavanasalaaoladoeeladecidiupendurarumquadronolocalmarcadopelosolhosmatemáticosdeTony.Aliestavaamarca,aliestavaoquadroeelasesentiaenojadacomsuaociosidade.

Mas,oufoinervoso,ouaescadanãoestavafirme.Nãoimporta.Sentindoqueiacair,gritou.Aescadacaiusemela,poisTony,comrapidezsobre-humana,segurou-a.

Seuolharnegroetranquilonadatransmitiu,masavozeravibranteaoindagar.—Machucou-se,Sra.Belmont?Claire notou logo que sua mao, ao cair, devia ter despenteado aqueles cabelos

sedosos, porquepelaprimeiravezveri icouque se compunhamde ios separados.Erambelosfiosnegros.

Derepentesentiu-lheosbraçosaoredordosombrosesobosjoelhos,sustentando-acomfirmezaecalor.

Empurrou-oeseugritofoiexageradomesmoaospropriosouvidos.Passouorestododianoquartoe,deentaoemdiante,dormiucomumacadeiraapoiadanamaçanetada

porta.Remetera os convites e, como Tony havia dito, foram todos aceitos. Restava

aguardaraúltimanoite.Ela chegou ao seudevido tempo.A casanemparecia amesma. Percorreu-apela

ultima vez. Todas as peças estavam transformadas. Ela propria vestira-se como jamaisousara...Equandoapessoasevesteassim,envergaaomesmotempoorgulhoesegurança.

Tentouumsorrisodepolidodesprezodiantedoespelho,eoespelhorespondeuaaltura.

QuediriaLarry?Naoimportava.Elenaotrariadiasemocionantes.EstespartiriamcomTony.Naoeraestranho?Tentouvoltaradisposiçaodeespıritodetressemanasantesefalhoucompletamente.

Orelogiobateuoitohoras,quesoaramruidosamenteaosseusouvidos.Eramoitoemocionantesbatidas,eClairevoltou-separaTony.

— Daqui a pouco todos chegarao, Tony. Melhor descer ao porao. Nao podemospermitirqueeles...

Arregalouosolhos,murmurando:—Tony?—Maisforte:—Tony—Equasegritando:—Tony!Ele a abraçava, rosto bem juntinho ao dela, e a pressao daqueles braços era

irresistível.Ouviu-lheavozemmeioaumtumultoemocional.—Claire,hamuitacoisaquenaofui feitoparacompreendereestadeveseruma

delas.Voupartiramanha,masnaoquero.Descobriemmimmaisqueumsimplesdesejodeagradá-la.Nãoéestranho?

Aproximou-se mais ainda. Seus labios eram quentes, mas nenhum sopro osperspassava.Máquinasnãorespiram.Estavamjuntinhosaosdela.

...Acampainhasoou.Por um momento lutou ofegante. Tony se afastou e desapareceu. A campainha

tornouasoarcomtoqueagudo,insistente.Ascortinasdasalada frenteestavamabertas.Quinzeminutosanteselaashavia

fechado,tinhaacerteza.Elesdeviamtervisto,então.Deviamtervistotudo!Entraram todos juntos,muito bem-educados, vindos para destruir, olhos agudos

examinandotodososrecantos.Etinhamvistomesmo.Senao,porqueGladysindagariaporLarry com seu jeito mais cortante? Açoitada, Claire armou-se de um desesperado etemeráriodesafio.

Sim,eleestaviajando.Voltaraamanha,creio.Nao,naotenhomesentidosolitaria.Nemumpouco. Estivemedivertindobastante. E riu. Por quenao?Que poderiam fazer?Larrysabiaaverdade,casoalguémlhecontassealgumahistória.

Maselesnãoriram.Notou-onafuriadosolharesdeGladysClaffern,nofalsobrilhodesuaspalavras,na

resoluçao de sair mais cedo. E quando se despediam Claire supreendeu um ultimo eanônimomurmúrio:

—...nuncaviigual...tãobonito...Sabia por que fora capaz de trata-los com tanta altivez. Dissessem o que bem

entendessem—queGladyseramaisbonitadoqueela, tinhamaisclasse,eramaisrica...

masninguém,ninguémtinhaumamantemaisbelodoqueoseu!Lembrou-seentãoqueTonyeraumamáquina,eumarrepioapercorreu.— Va embora! Deixe-me em paz!— gritou na sala vazia. Correu para a cama e

chorouquaseanoiteinteira.Namanhaseguinte,bemcedinho,enquantoasruasestavamdesertas,umcarroparoudiantedacasaelevouTony.

LawrenceBelmontpassoupelogabinetedaDra.Calvine,impulsivamente,bateuaporta.Encontrou-acomomatemáticoPeterBogert,masnãohesitou.

—ClairedissequeaU.S.Robôspagoutodasasreformasdaminhacasa...-— Sim, nos consideramos isso um valioso e necessario fator da experiencia—

respondeuaDra.Calvin.—Noseunovocargodeengenheiroassociadopoderamante-la,creio.

—Nao e issoquemepreocupa. Ja queWashingtonvai concordar comos testes,poderemosobterummodeloTNparanós,nopróximoano,creio.

Voltou-sehesitante,comosequisessesair,masrecuou,incerto.—Quedeseja,Sr.Belmont?—perguntouaDra.Calvin,apósumapausa.—Gostariadesaber...—começou.—Gostariadesaberoquerealmenteaconteceu

por la. Claire... parece tao diferente. Nao se trata apenas da aparencia... embora,francamente, eu tenha icado surpreso.— Riu, nervoso.— Eelal Nao e de fato aminhamulher...nãoseiexplicar...

—Então,porquetenta?Estádesapontadocomalgumacoisa?—Pelocontrário.Éumpoucoassustador,também,compreende...— Se eu fosse o senhor nao me preocuparia. Sua mulher saiu-se muito bem.

Francamente,nuncapenseiqueaexperienciasemostrasse taocompleta.SabemosagoraquaisascorreçoesafazernomodeloTNeocreditopertencetodoaSra.Belmont.Sequerqueeusejafranca,achoquesuamulheréquemmerecepromoção.

Larryestremeceuvisivelmente.—Contantoquefiqueemfamília—murmurou,esaiu.SusanCalvinfalou:—Creioqueissomachucou,éoqueespero...LeuorelatóriodeTony,Peter?—Depontaaponta—respondeuBogert.—NaoachaqueomodeloTN-3precisara

dealgumasmodificações?—Vocêtambémacha?—falou,áspera.—Qualoseupontodevista?Bogertfranziuocenho.—Nemprecisei raciocinar. E obvio que nao podemos permitir um robo a solta,

trocandocarinhoscomsuadona,semepermiteaexpressão.— Carinhos! Peter, voce me deixa doente. Entao nao compreendeu? Aquela

maquina tinha que obedecer a Primeira Lei. Nao podia permitir que um ser humano seprejudicasse, e Claire Belmont estava se prejudicando por causa de seu complexo deinferioridade.Ele ingiuapaixonar-seporela,jaquemulheralguma icariainsensıvelaofatodedespertarpaixaonumamaquinafria,semalma.Eeleabriuascortinasdepropositoparaqueosoutrosvissemeinvejassem—semriscopossıvelparaocasamentodeClaire.CreioquefoimuitointeligentedapartedeTony...

— Acha mesmo? Que diferença faz se era ingimento ou nao, Susan? O efeito eterrıvel.Leianovamenteorelatorio.Elaoevitou.Gritouquandoeleasegurou.Naodormiu

naúltimanoite,chorando.Nãopodemospermitirisso.— Peter, voce e cego. Tao cego como eu fui. O modelo TN sera inteiramente

reconstruıdo, mas por outra razao. Bem outra. Estranho que eu nao o tenha percebidoimediatamente.—Seuolharperdeu-senadistancia,pensativo.—Mas talvez re litaumafalhaminha.Veja,Peter,maquinasnaoseapaixonam,mas—atequandoinutileterrıvel—asmulheressim.

22- Lenny

U.S.RobôseHomensMecânicosS.A.tinhaumproblema.Oproblemaeragente.Peter Bogert, matematico-chefe, estava a caminho da Assembleia quando

encontrouAlfred,diretordepesquisa.Lanningtinhaassobrancelhasfranzidas,arferoz,eolhavaparabaixo,debruçadonagradedasaladocomputador.

Noandardebaixo,umpunhadodegentedeambosos sexosediferentes idadesolhava a volta com curiosidade, enquanto um guia fazia um discurso a respeito dacomputaçãoderobôs.

—Estecomputadorqueaquiveemeomaiordogeneronomundointeiro.Contemcincomilhoesetrezentoscriotonseecapazdelidarsimultaneamentecommaisdecemmilvariaveis. Com sua ajuda, a U.S. Robos esta apta a traçar com precisao os cerebrospositrônicosdenovosmodelos.

Asespeci icaçoessaointroduzidasnotape,queeperfuradopelaaçaodesteteclado—algocomoumamaquinadeescreveroudelinotipo,soquenaolidacomletrasesimcomconceitos.Asa irmativassaoconvertidasaosseusequivalentessimbolicos,eestes,porsuavez,convertidosemperfurações.

Ocomputadorpode,emmenosdeumahora,apresentaraosnossoscientistasumdesenhodecerebroqueforneceratodasastrilhaspositronicasnecessariasafeituradeumrobô...

AlfredLanningergueuavistae,finalmente,reparounooutro.—Olá,Peter.Bogert levantou ambas as maos para alisar os cabelos ja perfeitamente lisos e

brilhantes.—Vocênãoparecegostarmuitodisso,Alfred—comentou.Lanningresmungou.AideiadedemonstraçoespublicasdaU.S.Roboserarecente,e

supunha-se preenchesse uma dupla funçao. Por um lado, permitia ao povo ver robos deperto, combatendo seu medo quase instintivo de objetos mecanicos atraves de maiorfamiliaridadecomeles.Eporoutrolado,acreditava-seinteressardeterminadonumerodepessoasaadotarapesquisarobóticacomocarreira.

—Sabemuitobemquenao—disseLanning,decidido.—Umavezporsemanaotrabalho sofre alteraçao. Considerando-se o numero de homens-hora perdidos, acompensaçãoéinsuficiente.

—Nãohouveaumentonaprocuradeempregos,houve?— Algum, mas somente nas categorias em que a necessidade nao e vital. E de

pesquisadoresqueprecisamos, voce sabe.Oproblema eque, comos robosproibidosnaprópriaTerra,háalgodeimpopularemserroboticista.

— O maldito complexo de Frankenstein — disse Bogert, imitandoconscienciosamenteumadasfrasesprediletasdooutro.

Lanningnãopercebeuasutileza.

—Deviaestaracostumado,masnaoestou.EraparaseesperarqueaestaalturatodosossereshumanosdaTerrasoubessemqueasTresLeisrepresentamumaperfeitasalvaguarda, que os robos simplesmente nao sao perigosos. Veja esta turma— e olhouirritadoparabaixo.—Olheparaeles.Amaioriavisitaasaladeacabamentodosrobospeloarrepiodemedoqueproporciona.Ecomoandarnamontanha-russa.EquandopenetramnasaladosmodelosMEC—diabo,Peter,omodeloMECnaofazmaisnadanestemundoanaoseradiantar-sedoispassos,dizer"Prazeremconhece-lo",darumapertodemaoerecuardoispassos— encolhem-se todos, asmaes agarram os ilhinhos. Como conseguiremos fazerraciocinartaisidiotas?

Bogertnaosouberesponder.Juntosolharama ileiradevisitantes,passandoagorapelasaladocomputadorepenetrandonosetordecérebrospositrônicos,alidesaparecendo.NaonotaramMortimerW.Jacobson,umrapazinhode16anos,que,parasermosjustos,naotinhaqualquermáintenção.

Defato,naosepoderiasequerdizerqueaculpaforadeMortimer.Odiaemqueavisitaestavaprogramadaeradoconhecimentodetodososoperários.Osaparelhosaolongodo itinerario deviam ser cuidadosamente desligados ou trancados, uma vez que nao erarazoavel esperar que seres humanos resistissem a tentaçao de girarmaçanetas, chaves,mover alavancas e apertarbotoes.Alemdisso, o guia tinhadeobservar cuidadosamentetodososquefalhavam.

Mas,naocasiao,oguiapassaraasalaseguinte,eMortimerencontrava-seno imdaila,juntoaotecladoondeasinstruçoeserampassadasaocomputador.Naotinhameiosdesuspeitar que os planos para um novo robo estavam sendo colocados no computadornaqueleinstante,senao,comobomgarotoqueera,naotocarianoteclado.Impossıvelsaberque, por negligencia que chegava quase as raias do crime, um tecnico nao desligara oteclado.

Assim, Mortimer dedilhou as teclas a esmo, como se tocasse um instrumentomusical.

Naonotouqueumapartedotapeperfuradosaiudoinstrumentoemoutrocantodasala—silenciosaediscretamente.

Nem o tecnico, ao regressar, descobriu sinais de que alguem havia mexido namaquina.Sentiu-semeioinquietoaoverqueotecladoestavaligado,masnaoselembroudefazerumaveri icaçao.Aposalgunsminutos,atealeveinquietaçaodoinıciodesapareceueelecontinuouaalimentarocomputador.

QuantoaMortimer,nementão,nemmaistardesoubedoquehaviafeito.OnovomodeloLNEdestinava-seaextrairboronafaixadoasteroide.Oshidratosde

boro aumentavam de valor como materia-prima para as micropilhas de proton quesustentavamopesomaximonaproduçaodeenergiaabordodeespaçonaves,easescassasreservasdaTerraestavamseesgotando.

Materialmente, isto signi icava que os robosLNE precisariam ser equipados comolhossensıveisaslinhasmestrasdaanaliseespectroscopicadosmineriosdeboroecomotipodemembrosmaisuteisparaasuatransformaçaoemprodutoacabado.Comosempre,porém,oequipamentomentaleraoprincipalproblema.

OprimeirocérebropositrônicoLNEforacompletado.Eraoprototipoquesereuniriaa todos os outros prototipos da coleçao deU.S. Robos. Apos o teste inal, outros seriam

manufaturadosparaarrendamento(nuncaparavenda)acompanhiasdemineração.OprototipoLNEestavapronto.Alto,teso,polido,pareciaqualquermodeloderobo

nãomuitoespecializado.Otecnicoencarregado,seguindoaorientaçaodoManualdeRobótica,perguntou:—

Comovai?Arespostaindicadaseria:—Voubemeestouprontoparainiciarminhasfunçoes.

Esperoquetambémestejabem—ouqualquervariaçãotrivial.Aprimeiraperguntasoserviraparaveri icarqueoroboouvia,compreendiauma

indagaçaorotineiraeeracapazdedarumarespostabanal,coerentecomoqueseesperadeuma atitude robotica. A partir daı podia-se passar a assuntos mais complicados, quetestariam as diferentes Leis e sua interaçao com o conhecimento especializado de cadamodeloemparticular.

Assim, o tecnico falou— Como vai?— e icou imediatamente espantado com anaturezadavozdoprotótipoLNE.Possuıaumaqualidadequejamaisvozderobopossuıra(eeleouviramuitas).Formavasílabascantantesedetimbremuitobaixo.

Isso era tao surpreendente que so apos uma longa pausa o tecnico ouviu, emretrospecto,assílabasquehaviamsidoformadasporaquelestonscelestiais.

Erameles:—Da,da,da,gu.Orobocontinuavaaltoeteso,maserguendoamaodireita,introduziuumdedona

boca.O tecnicoolhouhorrorizadoe saiu correndo.Trancandoaporta ao sair, fezuma

chamadadeemergênciaàDra.SusanCalvin.ADra.SusanCalvineraumarobo-psicologadaU.S.Robos(evirtualmentedomundo

inteiro). Nao precisou irmuito longe no teste doLNE para exigir peremptoriamenteumatranscriçaodosplanostraçadospelocomputadorparaastrilhaspositronicasdocerebroeas instruçoes gravadas que as haviam orientado. Apos algum estudo, mandou chamarBogert,porsuavez.

Cabelosgrisalhos,severamentepenteadosparatras,rostofrio,delinhasverticaisbemmarcadasrealçandootraçohorizontaldabocadelabios inosepalidos,voltou-secomfirmezaparaele.

—Queéisso,Peter?Bogertestudouaspassagensapontadascomamaiorestupefação.—MeuDeus,issonãofazsentido,Susan.—Claroquenão.Comoéquefoiinseridonasinstruções?Otecnicoencarregado,aoserconvocado,juroucomtodaasinceridadequenaoera

responsavel e ignorava a que atribuir tudo aquilo. O computador revelou resultadosnegativosatodasastentativasdesedescobriremfalhas.

—Ocerebropositronicoestairrecuperavel—disseSusanCalvin,pensativa.—Saotantasasfunçoesmaiselevadasqueforamcanceladasporestasinstruçoessemsentidoqueoresultadoéalgomuitoparecidoaumbebêhumano.

Bogert itou-a surpreendido, e SusanCalvin assumiu imediatamenteumaatitudefrıgida, como sempre acontecia quando alguemmanifestava ou sugeria qualquer duvidadiantedesuasafirmativas.

— Despendemos os maiores esforços para fazer um robo mentalmente o mais

proximoquantopossıveldoserhumano!Elimine-seoquechamamosdefunçoesadultaseo que resta, naturalmente, e uma criança, do ponto de vista mental. Por que esta taoadmirado,Peter?

OprototipoLNE,quenaoexibiasinaisdecompreenderoquesepassavaasuavolta,sentou-sederepenteepôs-seaexaminarminuciosamenteospés.

Bogertfitou-oespantado.—Éumapenaterdedesmantelarestacriatura.Éumbelorobô.—Desmantelar?—replicouarobô-psicóloga.— Claro, Susan. Qual a utilidade disto? Meu Deus, se existe um objeto

absolutamenteinutileumrobosemumatarefaacumprir.Naosugerequeistopossafazeralgumacoisa,nãoémesmo?

—Não,claroquenão.—Eentão?Obstinada,SusanCalvinfalou:—Querofazernovostestes.Bogert itou-acomaresdeimpacienciaedeudeombros.SehaviaalguemnaU.S.

Robos comquemera inutildiscutir, essapessoa, comabsoluta certeza, eraSusanCalvin.Robos eram a unica coisa que ela amava, e uma longa associaçao com eles privara-a dequalquersemelhançacomossereshumanos,naopiniaodeBogert.Naopodiaserdemovidade uma decisao, assim como uma micropilha ligada nao podia deixar de funcionar emconsequênciadeargumentação.

—Praque?—murmurou.Eemvozalta,rapido:—Vocenoscomunicaraquandoostestesestiveremconcluídos?

—Sim.Venha,Lenny.(LNE,pensouBogert.DaıvemLenny.Inevitavel.)SusanCalvinestendeuamao,maso

robo limitou-se a olhar para ela. Com delicadeza, a robo-psicologa buscou-lhe a mao esegurou-a. Lenny levantou-se maciamente (sua coordenaçao mecanica, pelo menos,funcionava bem). Juntos saıram, o robo mais alto que a mulher cerca de sessentacentímetros.Muitosolharesosseguiram,curiosos,peloscorredores.

UmaparededolaboratoriodeSusanCalvin,aquesecomunicavadiretamentecomseugabineteparticular,estavarecobertacomreproduçoesmuitoampliadasdeummapapositrônico.Apsicólogaestudava-ominuciosamenteháquaseummês.

Examinava-o, atenta, naquele instante, seguindo as trilhas em suas inumerasconvoluçoes.Logoatras,Lenny,sentadonochao,abriae fechavaaspernas,murmurandosılabassemsentidocomvoztaomelodiosaquenaoeradifıcil icarouvindoaquelastolicessemseencantar.

Voltando-separaorobô,SusanCalvinfalou:—Lenny...Lenny...Repetiupacientementeonomeatequeorobo inalmenteergueu

acabeçaeemitiuumsomemsinalderesposta.Arobo-psicologanaoconteveumlampejodeprazer.Conquistavaaatençãodorobôemintervaloscadavezmaiscurtos.

—Levanteamão,Lenny.Mão...paracima.Mão...paracima.Lenny seguiu comosolhosomovimento.Para cima,parabaixo, para cima,para

baixo.Emseguidaesboçouumgestocomaprópriamão,murmurando:—Eh...uh.

—Muitobem,Lenny—disse SusanCalvin gravemente.—Tentedenovo.Mao...paracima.

Devagarergueuamão,tomouadorobô,levantou-aeabaixou-a.—Levante—amão.Levante—amão.Umavoz,chamando-adogabinete,interrompeu-a.—Susan?Odiretordepesquisaentrou,olhouparaomapanaparedeeparaorobô.—Continuatentando?—Sim,éomeutrabalho.—Bem,vocesabe,Susan...—colocouocharutonabocae ixou-ocomdureza,como

se quisesse arrancar a ponta com umamordida. Em seguida, seu olhar encontrou o damulher,comseveradesaprovação.Desistindodocharuto,recomeçou:—

Bem,vocêsabe,Susan,omodeloLNEjáestáemprodução.—Éoqueouvidizer.Háalgoemrelaçãoaelequequeiradiscutircomigo?—Nao.Masosimplesfatodeestaremproduçaoetudocorrendobemsigni icaque

trabalharcomesteespécimeamalucadoéinútil.Nãodeveriaserdestruído?—Emsuma,Alfred,voceestaaborrecidoporqueandodesperdiçandomeuvalioso

tempo.Tranquilize--se.Meutemponãoéperdido.Estoutrabalhandocomesterobô.—Masotrabalhonãotemsentido.— Deixe que eu decida isso, Alfred. — Sua voz era de uma tranquilidade

ameaçadora,eLanningachoumelhormudardetática.—Quermedizeroquepretende?Queestafazendocomorobonestemomento,por

exemplo?—Tentandoqueele levanteamaoobedecendoaumaordem.Eprocurandoque

imiteósomdeumapalavra.Comoseesperasseadeixa,Lennymurmurou:—Eh-uh—eergueuamão,hesitante.Lanningmeneouacabeça.—Quevozespantosa.Comoaconteceu?'—Nãoseiexatamente.Seutransmissorénormal.Poderiafalarnormalmente,tenho

certeza.Masnaofala.Istoeconsequenciadealgonas itaspositro-nicasqueaindanaofoilocalizado.

—Então,localize-o,peloamordeDeus.Umavozassimpoderiaserútil.—Ah,entãoexistealgumautilidadenomeuestudodeLenny?Lanningdeuosombros,embaraçado.—Bem,éumdetalhesemimportância.—Lamentoquenaopercebaosessenciais—replicouSusanCalvin,aspera.—Mas

issonãoéculpaminha.Quersairagora,Alfred,paraqueeucontinueatrabalhar?Lanning conseguiu, inalmente, fumar o charuto no gabinete de Bogert. Amargo,

falou:—Aquelamulherestáficandocadadiamaisestranha.Bogert compreendeu perfeitamente. Na U.S. Robos e Homens Mecanicos S.A. so

existiaumapessoaquesepudessedesignarcomo"aquelamulher".—Continuaàsvoltascomopseudo-robôLenny?—perguntou.

—Tentandoensinar-lheafalar.QueDeusnosajude.Bogertdeudeombros.— Isso revela o problema da companhia: arranjar pessoal competente para a

pesquisa. Se tivessemos outros robo-psicologos poderıamos aposentar Susan. Por falarnisso, presumo que a reuniao da diretoria marcada para amanha tenha a inalidade dediscutiroproblemadaprocuradecandidatos.

Lanningfezquesim,olhandoparaocharutocomosenãolhesoubessebem.—Sim, qualidade enaoquantidade.Aumentamosos salarios, ate que surgiuum

númerodecandidatos— os que estao interessados sobretudo em dinheiro. O importante e conseguir

aqueles que se interessem principalmente por robotica — alguem parecido com SusanCalvin.

—Diabo,não.Nãoparecidocomela.—Naoempessoa.Masvocetemdeadmitir,Peter,queelasopensaemrobos.Nao

temoutrosinteressesnavida.—Eusei.Eistoqueatornainsuportavel.Lanningacenoua irmativamente.Perdera

acontadasvezesemquetiveraımpetosdedespedirSusanCalvin.Edosmilhoesdedolaresque, em diferentes ocasioes, ela economizara para a companhia. Era uma mulherverdadeiramente indispensavel e assim permaneceria ate morrer — ou ate queresolvessemoproblemadedescobrirhomensemulheresdealtogabaritointeressadosempesquisarobótica.

—Creioquevoucortaressahistóriadevisitaspúblicas—falou.—Seachamelhor...Entretanto,falandoaserio,quefaremoscomSusan?Elapodera

icarinde inidamentepresaaLenny.Sabecomoequandoencontraoqueelaconsideraumproblemainteressante.

—Quefaremos?Senosmostrarmosdemasiadoansiososparadesliga-ladeLenny,elacontinuaraporpurateimosiafeminina.Emultimaanalise,naopodemosforça-laafazercoisaalguma.

Omatemáticodecabelosnegrossorriu.—Eunãoempregariaovocábulo"feminina"anadaqueserefiraaela.—Pelomenosnãoestáprejudicandoninguém—resmungouLanning.Masnissoeleseenganava.O sinal de emergencia cria sempre alguma tensao em qualquer grande

estabelecimento industrial. Na U.S. Robos soara apenas uma duzia de vezes — paraincêndio,inundação,brigaeinsurreição.

Masalgodeseriomesmojamaisocorrera.Osinalindicando"Robodescontrolado"naotocaraumasovez.Ninguemesperavaquetocasse.Eraounicoinstaladoporexigenciadogoverno("MalditocomplexodeFrankenstein",murmuravaLanningnasrarasocasioesemquedeleselembrava).

A inal,aagudasirenasoara,intensi icando-seediminuindocomintervalosdedezsegundos, epraticamenteninguem.desdeopresidentedadiretoria ate omaisnovodosassistentesdecontınuo,reconheceu-aimediatamente.Passadooprimeiroinstante,houvemaciçaconvergenciadeguardasarmadosemedicosparaaareadeperigo,eaU.S.Robosficouparalisada.

CharlesRandow, tecnicoemcomputadores, foi transportadoparaohospital comumbraçoquebrado.Porémnãohouveoutrosprejuízos.Pelomenosdenaturezafísica.

—Masosdanosmoraissãoincalculáveis—rugiuLanning.SusanCalvinenfrentou-o,tranquila,porémameaçadora.—NãofarácoisaalgumaaLenny.Nada,compreendeu?— Voce nao compreende, Susan? Aquela coisa feriu um ser humano. Infringiu a

PrimeiraLei.NãoconheceaPrimeiraLei?—NãofarácoisaalgumaaLenny.—PeloamordeDeus,Susan, tereiderepetiraPrimeiraLei?"Umrobonaopode

prejudicarumserhumanoou,poromissao,permitirqueumserhumanosejaprejudicado."Todaanossaposiçaobaseia-senofatodequeaPrimeiraLeierigidamenteobservadaporrobosdetodosostipos.Seopublicosouber,esabera,quehouveumaexceçao,mesmoumaunica,talvezsejamosforçadosafecharasportas.Nossaunicachancedesobrevivenciaseriaanunciarimediatamentequeorobofoidestruıdo,explicarascircunstanciaseesperarqueopúblicoseconvençadequeistojamaistornaráaacontecer.

—Gostariadesaberexatamenteoqueocorreu—disseSusanCalvin.—Naoestavapresente nomomento e gostaria de saber o que Randow fazia nomeu laboratorio semminhapermissão.

—Oimportanteequeaconteceueeobvio—replicouLanning.—SeuroboagrediuRandoweoidiotafezsoarosinalde"Robodescontrolado",criandoumcaso.Masaverdadeequeseuroboagrediu-o,infringindodanosquemontamaumbraçoquebrado.SeuLennyetãoloucoquenãoconseguesecompenetrardaPrimeiraLei,eporissodeveserdestruído.

—EleestadotadodaPrimeiraLei.EstudeisuasviascerebraiseseiqueaPrimeiraLeinãolhefalta.

— Entao, por que agrediu um homem?—O desespero levou-o ao sarcasmo.—PergunteaLenny.Pelotempo,jálhedeveterensinadoafalar.

SusanCalvincoroudepesar.—Pre iroentrevistaravıtima.Enaminhaausencia,Alfred,queroqueminhassalas

sejamseladaseLenny iqueladentro.Naoqueroqueninguemseaproximedele.Sealgummallheacontecerenquantoeuestiverausente,estacompanhiajamaistornaraaver-mesobquaisquercircunstâncias.

—Concordarácomsuadestruição,casotenhainfringidoaPrimeiraLei?—Sim—respondeuSusanCalvin.—Porqueseiquenãoinfringiu.CharlesRandowestavadeitado,braçoengessado.Suamaiorqueixaeracomrelaçao

aoimpactoquesentiunosmomentosemquejulgouqueumroboavançavaparaele,comideiademorteemseucerebropositronico.Nenhumoutroserhumanojamaistiverarazaoparatemerumataquediretoderobô.Suaexperiênciaeraúnicanogênero.

Susan Calvin e Alfred Lanning estavam junto a sua cama. Peter Bogert, que osencontraraacaminho,acompanhava-os.Médicoseenfermeirashaviamsidoafastados.

Randow,intimidado,murmurou:—Agoradiga:oqueaconteceu?—perguntouSusanCalvin.—Aquelacoisaagrediu-menobraço.Avançouparamim...— Pense um pouco no que aconteceu antes. Que fazia no meu laboratorio sem

autorização?

OjovemtecnicoengoliuasecoeopomodeAdaomoveu-sevisivelmente.Tinhaasmaçãsdorostosalienteseestavaextraordinariamentepálido.

— Ouvimos todos falar no seu robo. Dizia-se que a senhora estava tentandoensinar-lhea tocarum instrumentomusical. Corriamapostas sobre seele falavaounao.Algunsdiziamque...asenhoraécapazdeensinarumposteafalar.

—Suponhoqueistosejaumadeferencia—disseSusanCalvinfriamente.—Masqueéquevocêtinhaavercomisso?

— Eu tinha de entrar e esclarecer a questao. Veri icar se ele falava mesmo.Conseguimosumachaveda sua salaeeuespereiate a senhora saireentrei...Tiramosasorteeeuperdi.

—Eentão?—Tenteifazê-lofalareelemeagrediu.—Quequerdizercomisso—tentarfazê-lofalar?Comotentou?— Eu... iz perguntas, mas ele nao quis dizer nada e tive de dar-lhe uma boa

sacudidela.Achoquegriteiumpoucoe...—E?Houve uma longa pausa. Sob o olhar irme de Susan Calvin, Randow respondeu

finalmente:— Tentei assusta-lo a im de que dissesse alguma coisa. — E acrescentou, na

defensiva:—Tivededar-lheumaboasacudidela.—Dequemodotentouassustá-lo?—Fingidar-lheumsoco.—Eeleafastouoseubraço?—Bateunomeubraço.— Muito bem. E so. — Voltando-se para Lanning e Bogert disse. — Vamos,

senhores.Daportavoltou-separaRandow.—Possodecidirasapostasquecorremporaı,seaindaestiverinteressado.Lenny

falamuitobemalgumaspalavras.FicaramemsilencioateentraremnogabinetedeSusanCalvin.Asparedesestavam

cobertasde livros, algunsde suaautoria.Oambiente re letia suapersonalidade frıgidaeordeira.Sóhaviaumacadeiraeelasentou-se.LanningeBogertpermaneceramdepé.

—Lennyapenasdefendeu-se.EaTerceiraLei:"Umrobodeveprotegersuapropriaexistência".

—"Desdequetalproteçaonaoentreemcon litocomaPrimeiraeaSegundaLeis"— concluiu Lanning, incisivo. — Complete a a irmativa! Lenny nao tinha o direito dedefender-sedemodoaprejudicaralguém,mesmodeleve.

—Enaoofezcomplenoconhecimento—replicouCalvin.—Lennytemocerebrolimitado. Nao possuıa meios de conhecer sua força ou a fraqueza de um ser humano.Afastandoo braço ameaçador, ignoravaque o quebraria. Em termoshumanos, nenhumaculpamoralpodeseratribuídaaumindivíduo

que sinceramentenao sabediferenciar o bemdomal. Bogert interveio, pronto aacalmar.

— Nos nao o culpamos, Susan. Compreendemos que Lenny equivale a um bebe

humanoenãoocensuramos.Masopúblicoofará.AU.S.Robôsseráfechada.—Pelocontrario.Sevocetivessepelomenosocerebrodeumamosca,Peter,veria

queestaéaoportunidadequeaU.S.Robôsvemaguardando.Istoresolveráseusproblemas.Lanningfranziuassobrancelhasbrancasedissebaixinho:—Queproblema,Susan?—Acompanhianaoestainteressadaemmanteropessoaldepesquisa—queDeus

nosajude—emaltonível?—Certamente.—Queoferecemagoraaospesquisadoresemperspectiva?Emoçao?Novidade?A

alegriadepenetrarodesconhecido?Nao!Oferecembonssalarioseagarantiadeausenciadeproblemas.

—Quequerdizercomisso—ausênciadeproblemas?—interveioBogert.— Existem problemas? — replicou Susan Calvin. — Que especie de robos

fabricamos?Robôsplenamentedesenvolvidos,prontosparasuastarefas.Umaindústrianosdizoquenecessitadeumcomputador,desenhaocerebro,amaquinaria,formaoroboelavaiele,prontinho.Peter,haalgumtempoperguntou-me,comreferenciaaLenny,qualeraasuautilidade.Paraqueserveumroboquenaosedestinaatarefaalguma?Perguntoagora:paraqueserveumrobodestinadoaumaunicatarefa?Começaeacabanomesmolugar.OsmodelosLNE fazem mineraçao de boro. Se precisarmos de berilo serao inuteis. Se atecnologiadeboroentrarnumanovafasetornam-seinúteistambém.Umserhumanoassimdeterminadoseriasubumano.Umrobôdestetipoéumsub-robô.

—Querumrobôversátil?—perguntouLanning,incrédulo.—Porquenao?—replicouarobo-psicologa.—Porquenao?Entregaram-meum

robocomocerebroquasetotalmenteestulti icado.Eulheestiveensinandoevoce,Alfred,perguntou-meoque.Talvezpouco,noqueserefereaLenny,umavezquejamaisprogrediraalem dos cinco anos, na escala humana. Mas qual a sua utilidade geral? Muita, se oconsiderarmosumestudosobreoproblemaabstratodeaprenderaensinarrobôs.Aprendimaneiras de isolar as vias proximas a im de criar novas. Um estudomais aprofundadoresultaráemtécnicasmaissutiseeficazes.

—Edaí?—Suponhamosquesecomececomumcerebropositronicoquetenhatodasasvias

basicas cuidadosamente delineadas,mas nenhuma das secundarias. Suponhamos que sepasse a criar as secundarias. Seria possıvel vender robos basicos, destinados a sereminstruıdos,robosprogramadosparaumatarefaedepoisparaoutra,senecessario.Osrobossetornariamtãoversáteiscomosereshumanos.Robôspoderiamaprender!

Osdoisfitaram-na,espantados.Impaciente,elaperguntou:—Aindanãocompreenderam?—Compreendooquevocêestádizendo—respondeuLanning.— Nao compreende que, com um campo de pesquisas totalmente novo, novas

tecnicasaseremelaboradas,umaareacompletamentedesconhecidaapenetrar,osjovenssentiriamumnovointeresseemestudarrobótica?Experimenteeveja.

— Posso lembrar que isto e perigoso?— disse Bogert, macio.— Começar comrobosignorantes,comoLenny,signi icaquenuncaterıamosacertezadequeobedeceriamaPrimeiraLei—exatamentecomonocasodeLenny.

—Exato.Divulgueofato.—Divulgar!—Claro.Comuniqueatodosoperigo.Expliquequeinstalaraumnovoinstitutode

pesquisasnaLua,seapopulaçaodaTerraacharquenaosedevepermitirumacoisadessasnaTerra.

Masinsistanoperigoaospossíveiscandidatos.—MeuDeus,porquê?—perguntouLanning.— Porque o atrativo do perigo aumentara o fascınio. Acredita que a tecnologia

termonuclear-naoenvolvaperigoeaespaçonauticatambem?Aiscadeabsolutasegurançaesta resolvendo o caso? Ajudou a vencer o complexo de Frankenstein, que voce tantodespreza?Tenteoutracoisa,algoquenãofuncionouemoutrossetores.

Ouviu-seumruıdodooutro ladodaportaqueconduziaao laboratoriodeCalvin.EraomelodiosochamadodeLenny.

Arobô-psicólogainterrompeu-seimediatamente,àescuta.—Comlicença.CreioqueLennyestámechamando.—Chamando?—repetiuLanning.—Eudissequeconseguiensinar-lhealgumaspalavras—respondeudirigindo-sea

porta,umtantoagitada.—Sequiseremesperaruminstante...Elasaiueosdoisficaramemsilêncioporalgumtempo.Lanningfalouentão:—Achaquetemalgumvaloroqueeladisse,Peter?—Epossıvel,Alfred—respondeuBogert.—Epossıvel.Podemoslevaraquestaoa

reuniaodadiretoriaeveroquedizem.A inal,oassuntoestafervendo.Umroboagrediuumser humano e isto ganhou domınio publico. Conforme Susan diz, o melhor e tirarmosvantagensdocaso.Éclaroquenãoconfioemseusmotivos.

—Quequerdizer?—Emboraoquefalousejaexato,eapenasracionalizaçaonoseucaso.Seumotivoe

continuaragarradaaquelerobo.Seapressionarmos(omatematicosorriuaincongruencianosentidoliteraldafrase),eladiriatratar-sedeaprendertecnicasparaensinaraosrobos,mascreioqueeladescobriuoutrautilidadeparaLenny.Utilidadesingular,quesoserviriaaumamulhercomoSusan.

—Nãocompreendo.—Ouviuoqueorobôdizia?—Nao,naoconsegui...—começouLanningquandoaportaseabriuderepenteeos

doissilenciaramdeimediato.SusanCalvinentrou,olhandoàvoltameioindecisa.—Algumdevocêsviu...tenhoacertezadequeestavaporaqui...Ah,láestá...Correndoparaoangulodeumaestante,apanhouumobjetodecomplicadotraçado

metalico, em forma dehaltere, de esferas ocas, cheias de furos, com peças demetal dediversos feitios, dentro de cada espaço vazio, grandes bastante para nao caırem pelosburacos.

Ao apanha-lo, as peças de metal agitaram-se no interior, fazendo um agradavelruıdo. Lanning observou entao que o objeto era uma especie de versao robotica de umchocalhodecriança.

QuandoSusanCalvinabriunovamenteaporta,avozdeLennysoouladentro.Desta

vezLanningouviu-oclaramentepronunciaraspalavrasqueSusanCalvinlheensinara.Emtonscelestiaischamava:—Mamãe,euquerovocê.Euquerovocê,mamãe.E ouviram os passos de Susan Calvin percorrendo, rapidos, o laboratorio, em

direçãoàúnicaespéciedebebêqueelapoderiaconhecereamar.

23- Escravo

A "United States Robots and Mechanical Men Corporation", como acusada, tinha

influênciasuficienteparaforçarumjulgamentoaportasfechadas,semjúri.Nem a Universidade Northeastern tentou evitar isto com muita força. Os seus

diretoressabiambemcomoopublicopoderiareagiraqualquerquestaoenvolvendofalhasde comportamento de um robo, por mais rarefeita que essa falha de comportamentopoderiaser.Tambemtinhamumanoçaoclaramentevisualizadadecomoumtumultoanti-robôpoderiasetornarumtumultoanti-ciência,semavisoprévio.

O governo, representado neste caso pelo Meritıssimo Juiz Harlow Shane, estavaigualmenteansiosoporum imcalmoparaestaperturbaçao.TantoaU.S.Robotsquantoomundoacadêmicoerammáspessoasparaseantagonizar.

OjuizShanedisse:-Comonemaimprensa,publicooujuriestaopresentes,cavalheiros,vamosrecorrer

aomínimopossíveldecerimôniaevamosaosfatos.Sorriurigidamenteaodizeristo,talvezsemmuitaesperançadequeseupedidoseria

efetivadoearranjousuatogaparapoder icarsentadomaisconfortavelmente.Seurostoeraagradavelmente rubicundo, seu queixo redondo e suave, seu nariz largo e olhos claros eespaçados.Notodo,nãoeraumrostocommuitamajestadejudicial,eojuizsabiadisso.

Barnabas H. Goodfellow, professor de fısica da Universidade Northeastern, foijuramentado primeiro, fazendo o juramento usual com uma expressao que desfaziatotalmenteosignificadodeseunome.

Apos as questoes usuais dos gambitos de abertura, a Promotoria en iouprofundamenteasmãosnosbolsosedisse:

- Quando foi, professor, que a questao do possıvel emprego do Robo EZ-27 foiprimeirolevadaàsuaatenção,ecomo?

O rosto pequeno e anguloso do professor Goodfellow colocou-se numa expressaopoucoàvontade,pouquíssimomaisbenevolentequeaquelaquesubstituía.

-Tivecontatopro issionaleumcertoconhecimentosocialcomodr.AlfredLanning,DiretordePesquisasdaU.S.Robots.Euestavainclinadoaouvi-locomalgumatolerancia,quandorecebiumasugestãoumtantoestranhaa3demarçodoanopassado.

-De2033?-Issomesmo.-Desculpe-meporinterromperporfavor,prossiga.O professor assentiu, gelidamente, fez uma careta para ixar melhor os fatos na

mente,ecomeçouafalar.O professor Goodfellow olhou para o robo com alguma inquietaçao. Tinha sido

carregado para a sala de almoxarifado do porao, num engradado, de acordo com osregulamentossobreremessaderobôsdeumlugarparaoutronaTerra.

Ele sabiaqueviria,naoeraqueestivessedespreparado.Domomentodaprimeira

chamadatelefonicadodr.Lanning,a3demarço,sentiu-seceder apersuasaodooutro,eagora,comoresultadoinevitável,achava-sefaceafacecomumrobô.

Pareciaincomumentegrande,apenasàdistânciadeumbraço.AlfredLanninglançouumolharduroaorobo,comoseparasecerti icardequenao

foradani icadoemtransito.Entaovoltouseussobrolhosfuriososesuacabeleirabrancanadireçãodoprofessor.

-Este eoRoboEZ-27,primeiromodelodisponıvelparausopublico. -Evoltou-separaorobô.-EsteéoprofessorGoodfellow,Easy.

Easyfalouimpassível,mascomtalbrusquidãoqueoprofessorrecuou.-Boa-tarde,professor.Easy tinha sete pes de altura e as proporçoes gerais de um homem - sempre um

ponto de honra para as vendas da U. S. Robots. Isto e a posse das patentes basicas docerebropositronicoderam-lheummonopoliodefatodosroboseumquase-monopoliodasmáquinasdecomputaçãoemgeral.

Os dois homens que desencaixotaram o robo tinham saıdo agora, e o professorolhavadeLanningparaorobôedevoltaparaLanning.

-Éinofensivo,estoucerto.-Masnãopareciaestartãocertoassim.-MaisinofensivoqueeudisseLanning.-Eupoderiaserinstigadoaataca-lo.Easy,

não.OsenhorconheceasTrêsLeisdaRobótica,eupresumo.-Sim,éclaro.-Saoincluıdasnospadroespositronicosdocerebroedevemsempreserobservadas.

APrimeiraLei,basicaparaavidadorobo,easalvaguardadavidaebem-estardetodososhumanos.-Fezumapausa,esfregouorosto,eacrescentou:-EalgodequegostarıamosdepersuadirtodaaTerra,sepudéssemos.

-Eleparecetão...formidável...-Certamente.Masporpiorquesejaoseuaspecto,vaidescobrirqueeleéútil.-Dissonaoestouseguro.Nossasconversasnaoajudarammuito,sobesseaspecto.

Aindaassim,concordeiemveracoisa,eéoqueestoufazendo.-Vamosfazermaisqueolhar,professor.Trouxealgumlivro?-Sim.-Possovê-lo?OprofessorGoodfellowbaixouamaosemtirarosolhosdaforma-humana-em-metal

queoconfrontava.Damaletaaseuspés,tirouumlivro.Lanningestendeuamãoparaapanhá-loeleualombada:-Fisico-QuímicadosEletrólitosemSolução.-Muitobem,osenhorescolheuestelivro

aoacaso.Nãofoisugestãominha,estoucerto?-Sim.LanningpassouolivroaoRobôEZ-27.Oprofessorquasedeuumpulo.-Não!Éumlivrocaro!Lanningergueuassobrancelhaseelaspareciamcocoralado.-Easynaotemamınimaintençaoderasgarolivroemdois,comodemonstraçaode

força,garanto-lhe.Podemanusearumlivrotãocuidadosamentequantonós.Adiante,Easy.-Obrigado,senhor-respondeuEasy.Entao,voltandoseucorpodemetallevemente:-

Comsualicença,professorGoodfellow.Oprofessorficoudeolhosarregalados,masdisse:-Sim,sim,éclaro.Comuma lentae constantemanipulaçao comseusdedosdemetal,Easyvoltou as

paginasdolivro,olhandoparaapaginaesquerda,entaoparaadireita;olhavaparaumlado,eparaooutro,viravaapágina,eassimfoiminutoapósminuto.

Asensaçaodeseupoderpareciadiminuiratemesmoagrandesaladeparedesdeconcreto em que estavam e reduzia os dois espectadores humanos a algoconsideravelmenteinferioraseutamanhonatural.

Goodfellowmurmurou:-Aluznãoestámuitoforte.-Servirá.Então,emvozmaisincisiva:-Mas,oqueeleestáfazendo?-Paciência,senhor.Aúltimapáginaacabouporservirada.ELanningperguntou:-Bem,eentão,Easy?-Eumlivrobastanteacurado,ehapoucacoisaquepossacriticar-disseorobo.-A

linha 22 da pagina 27, a palavra "positivo" esta escrita "poistivo". A vırgula da linha 6,pagina32, esuper lua,aopassoquesedeveria terusadouma a linha13dapagina54.OsinaldemaisnaequaçaoXIV-2dapagina337deveriaserdemenos,parasercoerentecomasequaçõesanteriores...

-Espere!Espere!-exclamouoprofessor.-Oqueeleestáfazendo?-Fazendo?-ecoouLanning,subitamente irado. -Ora,homem, ja fez!Elerevisouo

livrointeirinho!-Revisou?-Simnocurtointervalodetempoquelevouparaviraraspaginas,apanhoucadaerro

degra ia,gramaticaepontuaçao.Anotouoserrossintaticosedetectouincoerencias.Evaireterainformação,literalmente,portempoindefinido.

Abocadoprofessorestavaaberta.Deuunspassosagitados,afastando-sedeLanningedorobô.Cruzouosbraçossobreopeitoeolhouparaosdois.Porfim,perguntou:

-Querdizerqueesteéumrobô-revisor?Lanningconcordou:-Entreoutrascoisas.-Masporqueveiomostrá-loparamim?-Paraquemeajudeapersuadirauniversidadeaadotá-lo.-Parafazerrevisões?-Entreoutrascoisas-repetiuLanningpacientemente.Oprofessorcompôsseurostochupadonumaespéciedeincredulidade.-Masissoéridículo!-Porquê?-Auniversidadejamaisteriameiosparacomprarestameia-toneladaderevisor.-Arevisaonaoesooqueelefaz.Podeprepararrelatorios,encherformularios,servir

comoarquivo,porsuamemória,memorizartrabalhosdeformatura...

-Sóninharias!-Nao,absolutamente,comoemuminstantepodereidemonstrar-disseLanning. -

Masachoquepoderemosdiscutiristomaisconfortavelmenteemseuescritório,senãofizerobjeções.

-Nao, e claroquenao -começouoprofessormecanicamentee tomoumeio-passoparasevoltar.Entao,retrucou:-Masnaopodemosleva-lo.Defato,doutor,osenhorteradeencaixotá-lodenovo.

-Teremostempobastanteparaisso,podemosdeixarEasyaqui.-Semninguémparatomarconta?-Porquenao?Elesabeonde icar.ProfessorGoodfellow,enecessarioentenderque

umrobôémuitomaisconfiávelqueumhumano.-Euseriaresponsávelporqualquerdano...-Naohaveradano.Garanto.Olhe,jaestaforadehora.Osenhornaoesperaninguem

aqui,euimagino,antesdeamanhademanha.Ocaminhaoemeusdoishomensestaolafora.A U. S. Robots assumira qualquer responsabilidade que possa se originar. E nenhumasurgirá.Vamosdizerqueistoseráumademonstraçãodaconfiabilidadedorobô.

O professor deixou-se levar para fora do almoxarifado. Nem tampouco pareciatotalmenteàvontadeemseupróprioescritório,cincoandaresacima.

Enxugava delicadamente a linha de gotıculas ao longo dametade superior de suatestacomumlençobranco.

- Como o senhor muito bem sabe, dr. Lanning, ha leis contra o uso de robos nasuperfíciedaTerra-eleapontou.

-Asleis,professorGoodfellow,naosaosimples.Osrobosnaopodemserusadosemvias publicas, ou dentro de edifıcios publicos. Nao podem ser usados em propriedadeparticularouedifıciosparticularesexcetosobcertasrestriçoesqueusualmenteresultamem proibitivas. A universidade, porem, e uma instituiçao grande e particular, queusualmenterecebetratamentopreferencial.Seoroboforusadonumasalaespecı icaparainsacademicos,esecertasoutrasrestriçoesforemobservadas,eseoshomensemulheresquetiveremocasiaodeentraremtalsalacooperaremtotalmente,poderemos icardentrodalei.

-Todoessetrabalhoapenasparafazerrevisões?- As aplicaçoes seriam in initas, professor. O trabalho robotizado tem sido usado

apenasparaoalıviodoesforçofısico.Enaohaoesforçomentalsuper luo?Umprofessor,capazdomaisutilpensamentocriativo,eforçadoapassarduassemanastrabalhosamenteconferindo as letras impressas, ofereço-lhe umamaquina que pode fazer o trabalho emtrintaminutos.Issoéninharia?

-Masopreço...-Opreçonaoprecisapreocupa-lo.VocesnaopodemcompraroEZ-27.AU.S.Robots

naovendeosseusprodutos.MasauniversidadepodearrendaroEZ-27pormildolaresporano - consideravelmentemenos que o custo de um so espectrografo demicroondas deregistrocontínuo.

Goodfellowficouperplexo.Lanningtirouvantagemdisso,eaproveitouparadizer:- So lhe peço para apresentar a questao ao grupo que toma decisoes por aqui.

Gostariadefalarcomeles,sequiseremmaisinformações.

-Bem-disseGoodfellow,emduvida.-PossofalarnaproximareuniaodoConselhoDeliberativo.Nãopossoprometerquevaiadiantar.

-Naturalmente.Oadvogadodedefesaerabaixinhoeatarracadoecomportava-seportentosamente,

circunstanciaquetinhaoefeitodeacentuarasuapapada.FicouolhandoparaoprofessorGoodfellow,umavezatestemunhalhesendopassada.

-Osenhorconcordouumtantoprontamente,não?Oprofessorrespondeu,bruscamente:- Acho que estava ansioso para me livrar do dr. Lanning. Eu concordaria com

qualquercoisa.-Comaintençãodeesquecer,depoisquesaísse?-Bem...- No entanto, o senhor apresentou a questao ao Quadro Executivo do Conselho

Deliberativodauniversidade.-Sim,defato.-Demodoqueo senhor concordoudeboa fe comas sugestoes dodr. Lanning.O

senhornaoestavaapenasdandoumadesculpa.Defatoconcordouentusiasticamente,naoé?

-Meramenteseguiumprocedimentoordinário.-De fato,o senhornaoestava taodesagradadocomo robo comoalegaagoraque

estava.OsenhorconheceasTresLeisdaRoboticaeasconheciaaotempodesuaentrevistacomodr.Lanning.

-Bem,sim.-Eosenhorconcordouemdeixarumrobôsozinho,semservigiado.-Odr.Lanningmeassegurou.-Porcertoqueosenhornuncaaceitariaapalavradele,setivesseamenorduvidade

queorobôpoderiaserminimamenteperigoso.Oprofessorcomeçoufriamente.-Tinhafénapalavra...-Issoétudo-disseadefesa,abruptamente.QuandooprofessorGoodfellowsentava-se,umtantoeriçado,ojuizShaneinclinou-

separaafrenteedisse:-Comonao souhomemda robotica, gostariade saberprecisamenteoque sao as

TrêsLeisdaRobótica.Odr.Lanningpoderiamencioná-lasembenefíciodacorte?O dr. Lanning parecia surpreso. Estava virtualmente com a cabeça apoiada na da

mulhergrisalhaao ladodele.Levantara-seagoraeamulhertambemergueuoolhar,semexpressão.Odr.Lanningatendeu:

-Muito bem,Meritıssimo. - Parou, como se fosse fazer um discurso e disse, comelaborada clareza: - Primeira Lei: um robo nao pode causar dano a um humano ou, porinaçao,deixarquesejacausadodanoaumhumano.SegundaLei:umrobodeveobedecerasordensquelhesaodadasporhumanos,excetoondetaisordenscon litamcomaPrimeiraLei.TerceiraLei:umrobodeveprotegersuapropriaexistencia,enquantotalproteçaonaoconflitarcomaPrimeiraouSegundaLeis.

-Percebo-disseojuiz,tomandorapidasnotas.-EestasLeissaoinseridasemcada

robô,nãoé?-Emcadaumdeles.Eissoseráconfirmadoporqualquerroboticista.-EnoseuRobôEZ-27,especificamente?-Sim,Meritíssimo.-Provavelmenteosenhordeverárepetirtaisafirmaçõessobjuramento.-Estouprontoafazê-lo,Meritíssimo.Esentou-sedenovo.Adra.SusanCalvin,robopsicologa-chefedaU.S.Robots,queeraamulhergrisalha

sentadaaoladodeLanning,olhousemfavoralgumparaseusuperiortitular,mas,a inal,elanãofavorecianenhumhumano.Eladisse:

-OtestemunhodeGoodfellowfoiacurado,Alfred?-Essencialmente,sim-murmurouLanning.-Elenaoestavataonervosoassimsobre

orobôeficouansiosoosuficienteparafalardenegócioscomigo,quandoouviuopreço.Masnãopareceterhavidonenhumadistorçãodrástica.

Adra.Calvindisse,pensativamente:-Teriasidoprudentepôropreçoacimademil.-EstávamosansiososporcolocarEasy.- Eu sei, ansiosos demais, quiça. Tentarao fazer parecer que tınhamos segundas

intenções.Lanningpareciaexasperado.-Etínhamos.AdmitiissonareuniãodoConselhodauniversidade.- Eles podem fazer parecer que tınhamos outra intençao alem da segunda que

admitimos.ScottRobertson, ilhodofundadordaU.S.Robotseaindadetentordamaioriadas

ações,inclinou-se,dooutroladodadra.Calvin,edisse,numaespéciedesussurroexplosivo:- Por que nao podem fazer Easy falar, para sabermos exatamente emque direçao

estamosindo?-Sabequeelenãopodefalar,sr.Robertson.-Faça-ofalar,asenhoraéarobopsicóloga,dra.Calvin.Faça-ofalar!-Seeusouapsicologa,sr.Robertson-replicouSusanCalvinfriamente-,deixe-me

tomarasdecisoes.Meurobonaopodeserobrigadoafazerqualquercoisaaopreçodeseubem-estar.

Robertson irritou-se, e poderia ter respondido, mas o juiz Shane estava batendopolidamentecomoseumartelinho,eelesrelutantementecaíramemsilêncio.

FrancisJ.Hart,chefedoDepartamentodeIngleseDecanodeEstudosdeGraduaçao,estava na barra. Era gorducho, meticulosamente vestido num terno escuro, de corteconservador, e com varias faixas de seu cabelo atravessando o topo de sua careca.Recostou-se bem na cadeira das testemunhas com as maos bem cruzadas no colo eexibindo,dequandoemquando,umsorrisodelábiosfechados.

-MinhaprimeiraconexaocomocasodoRoboEZ-27foiporocasiaodasessaodoConselhoDeliberativodauniversidade, quandoo assunto foi apresentadopeloprofessorGoodfellow. Depois disso, a dez de abril do ano passado, tivemos uma reuniao especialsobreoassunto,aqualpresidi.

-ForamelaboradasatasdareuniaodoComiteExecutivo?Bem,nao,eraumareuniao

um tanto inusitada. - O decano sorriu brevemente. - Pensamos que poderia continuarconfidencial.

-Oquetranspiroudareunião?OdecanoHartnaosesentiatotalmenteavontadepresidindoaquelareuniao.Nemos

outrosmembrospareciamcompletamentecalmos.Soodr.Lanningpareciaempazconsigomesmo. Sua igura alta e emaciada e o cabelo branco que o coroava, lembravam a HartretratosqueviradeAndrewJackson.

Amostrasdotrabalhodoroboestavamespalhadaspelasregioescentraisdamesa,ea reproduçao de um gra ico desenhado pelo robo estava agora nas maos do professorMinott,defísico-química.Oslábiosdocientistaestavamematitudedeóbviaaprovação.

Hartlimpouoóculosedisse:-Parecenãohaverduvidadequeorobopodeexecutarcertastarefasrotineirascom

a devida competencia. Repassei isso, por exemplo, pouco antes de entrar e ha quasenenhumaobservaçãoafazer.

Tomouuma longa folha impressa, tresvezesmais longaqueapaginausualdeumlivro. Era uma folha de prova tipogra ica, destinada a ser revista pelo autor antes dapaginaçao. Ao longo de ambas as largas margens havia correçoes, limpas e legıveis.Ocasionalmenteumapalavraimpressaestavariscada,eumanovapalavraasubstituıanamargememcaracterestao inoseregularesquepoderiamfacilmentepassartambemporimpressos.Algumasdascorreçoesestavamemazul,paraindicarqueoerrooriginalforadoautor,ealgumasemvermelho,paraindicarerrotipográfico.

-Defato-iadizendoLanning-hamenosquenadaparaseapontarcomodefeito.Eeudiriamesmoquenaoha falhaalguma,dr.Lanning.Estoucertodequeascorreçoesestaoperfeitas,tantoquantoomanuscritooriginalestivessecerto.Seomanuscritocontraoqualestaprovafoicorrigidaestavafalhonosfatos,enaonoingles,orobonaotinhacompetenciaparacorrigir.

-Aceitamosisso.Porem,orobocorrigiuocasionalmenteasintaxe,enaocreioqueasregrasdoinglessejamtaorıgidasapontodetermoscertezadequeemcadacasoaescolhadorobôfoiacorreta.

-OcerebropositronicodeEasy-disseLanning,mostrandodentesgrandesamedidaquesorria-foimoldadopeloconteudodetodasasobras-padraodoassunto.Estoucertodeque o senhor nao pode apontar um caso em que a escolha do robo foi de initivamenteincorreta.

OprofessorMinottergueuosolhosdográficoqueaindasegurava.-Aperguntaemminhacabeça,dr.Lanning,eporque,a inal,precisamosdeumrobo,

com todas as di iculdades que isso acarretaria com as relaçoes publicas. A ciencia daautomaçaocertamente ja atingiuopontoemqueasuacompanhiapoderiaprojetarumamaquina,umcomputadorordinariodetipoconhecidoeaceitopelopublico,quecorrigiriaprovas.

-Estoucertoquepoderíamos,masumamáquinaassimexigiriaqueasprovasfossemtraduzidasemsımbolosespeciaisou,pelomenos,transcritasem itas.Quaisquercorreçoesemergiriamemsımbolos.Precisariammantergenteempregadaparatraduzirpalavrasemsımbolos,esımbolosempalavras.Ademais,umtalcomputadornaopoderiafazernenhumoutrotrabalho.Nãopoderiaprepararográficoquetememmãos,porexemplo.

Minottresmungou.Lanningcontinuou.-Amarcaregistradadorobopositronico ea sua lexibilidade.Pode fazerdiversas

tarefas.Edesenhadocomoumhomemparapoderusartodasasferramentasemaquinasque,a inal,foramdesenhadasparaseremusadaspornos.Podefalarconoscoe,defato,atecerto ponto, raciocinar. Em comparaçao mesmo a um robo simples, um computadorordináriocomumcérebronão-positrônicoéapenasumapesadamáquinadecalcular.

Goodfellowergueuosolhosedisse:- Se todosnos falarmos e arrazoarmos como robo, qual a chancede confundi-lo?

Suponhoqueelenãotemacapacidadedeabsorverumaquantidadeinfinitadedados.-Nao,naotem.Masdeveriadurarcincoanos,comousoordinario.Saberaquandofor

precisolimparamemória,oqueacompanhiafará,semônus.-Acompanhiafará?-Sim,acompanhiareserva-seodireitodefazeramanutençaodosrobos.Eumadas

razoes pelas quais conservamos o controle sobre nossos robos positronicos, e osarrendamos,aoinvesdevende-los.Naexecuçaodesuasfunçoesordinarias,qualquerrobopodeserdirigidoporqualquerhumano.Foradesuasfunçoesordinarias,umroborequersupervisao especializada, e podemos oferece-la. Por exemplo, se qualquer um de vocesquiserlimparumroboEZ,poderafaze-lolimitadamente,ordenando-lhequeesqueçaesteou aquele item. Mas certamente diriam uma frase de tal modo a fazer com que eleesquecessemuitopouco,oudemasiado.Detectarıamosisto,porqueinserimosmecanismosde segurança nele. Porem, como nao ha necessidade de limpar o robo em seu trabalhoordinário,oufazeroutrascoisasinúteis,istonãolevantaproblemaalgum.

O decano Hart tocou sua cabeça, como que para se certi icar de que seus iaposcuidadosamentecultivadosestavamdistribuídosregularmente,edisse:

-Osenhorestaansiosoparaqueadotemosessamaquina.MesmoquecomcertezaaU.S.Robotsso tenhaaperder.Milporano eumpreçoridiculamentebaixo.Seraquepormeiodissovocesestejamvisandoalugaroutrasdessasmaquinasaoutrasuniversidades,aumpreçomaisrazoável?

-Certamente,éumaesperança-respondeuLanning.- Mas mesmo assim, o numero de maquinas que voces poderiam arrendar seria

limitado.Duvidoqueessainiciativadêlucro.Lanningapoiouoscotovelosnamesaeinclinou-separaafrente.-Deixe-me falarbemclaro, cavalheiros.Os robosnaopodemserusadosnaTerra,

excetoemcertoscasosespeciais,porcausadopreconceitocontraelesporpartedopublico.AU. S. Robots e uma corporaçao altamente bem sucedida apenas comnossosmercadosextra-terrestres e espaciais, para nao falar de nossas subsidiarias de computaçao.Entretanto,estamospreocupadoscommaisdoquelucros,apenas.Enossa irmecrençaqueousoderobosnaTerrasigni icariaumavidamelhorparatodos,eventualmente,mesmoseumacertaquantidadededeslocamentodaeconomiafosseoresultadoinicial.

- Os sindicatos naturalmente estao contra nos, mas certamente podemos esperarcooperaçaodasgrandesuniversidades.OroboEasyvaiajuda-losaliviando-osdetrabalhorotineiro, assumindo, se lhe permitirem, o papel de escravo para voces. Outrasuniversidades e institutos de pesquisa segui-los-ao, e se funcionar, entao talvez outros

robosdeoutrostipospossamseradotados,easobjeçoesdopovoaelessejamquebradasporetapas.

Minottmurmurou:-Hoje,aUniversidadeNortheastern,amanhã,omundo!NervosamenteLanningcochichoucomSusanCalvin:-Eunaofuitaoeloquente,eelesdefatonaoestavamtaorelutantes.Amilporano,

estavamquaseseatirandoparaagarrarEasy.OprofessorMinottdisse-menuncatervistoum trabalho tao bom quanto aquele gra ico que estava segurando, e nao havia erro dequalquernatureza.Hartadmitiu-oabertamente.

Asseverasrugasverticaisnorostodadra.Calvinnãoseabrandaram.-Vocedeveriaterpedidomaisdinheirodoqueelespoderiampagar,Alfred,edeixar

queelesregateassem.-Podeser-elereconheceu,contrafeito.Opromotoraindanãotinhaacabadoointerrogatóriodoprofessor.-Depoisdeodr.Lanningtersaído,votarampelaaceitaçãoounãodoRobôEZ-27?-Sim,votamos.-Comqueresultado?-Afavordeaceitar,pelamaioria.-Oqueosenhordiriaquedecidiuavotaçao?-Adefesafezobjeçao,imediatamente.O

promotorreelaborouapergunta.-Oquein luenciouaosenhor,pessoalmente,emseuvotoindividual?Osenhorvotouafavor,creio.

-Voteiafavor,sim.Eo izprincipalmenteporter icadoimpressionadopelaopiniaodo dr. Lanning de que era nosso dever enquanto membros da liderança intelectual domundopermitirquearobóticaajudeahumanidadeasolucionarseusproblemas.

-Emoutraspalavras,odr.Lanningpersuadiu-o.-Erasuafunçãoeelearealizoubem.-Atestemunhaésua.A defesa foi ate a cadeira das testemunhas e itou o professor Hart por um bom

tempo.-Defato,osenhorestavabemansiosoparaterempregadooRobôEZ-27,não?-Pensamosquesepudessefazerotrabalho,poderiaserútil.-Sepudessefazerotrabalho?Penseiqueosenhordisseterexaminadoamostrasde

trabalhodoRobôEZ-27comespecialcuidado,nodiadareuniãoqueacabadedescrever.- Sim, isso mesmo. Como o trabalho da maquina se referia primariamente ao

tratamentodalınguainglesa,ecomoesteemeucampodecompetencia,parecialogicoqueeufosseoescolhidoparaexaminarotrabalho.

-Muitobem.Haviaalgumacoisaamostra,sobreamesa,duranteareuniaoquefossemenosque satisfatorio?Tenho todoomaterial aqui, comoprova.Podeapontarum iteminsatisfatórioqueseja?

-Bem...- E uma pergunta simples. Havia um so item isolado que fosse insatisfatorio? O

senhorinspecionoutudo.Havia?Oprofessordeinglêsfechouacara.-Nãohavia.

-TenhoalgumasamostrasdetrabalhofeitopeloRoboEZ-27duranteodecursodeseuempregodecatorzemesesnaNortheastern.Querexamina-lasedizer-mesehaalgodeerradocomelasemalgumparticular?

Hartretrucou:-Secometesseumerro,seriaumabeleza.-Respondaaminhapergunta-trovejouadefesa-esoaperguntaque iz!Haalgode

erradocomomaterial?OdecanoHartolhoucuidadosamentecadaitem.-Ora,nada.-Excetopeloassuntopeloqualaquiestamos,osenhorsabedealgumerroporparte

doEZ-27?-Excetopeloassuntodestejulgamento,não.Adefesalimpouagargantacomoparaassinalarofimdoparágrafo.-Agora,sobreavotaçaoparadecidiroempregodoRoboEZ-27.Osenhordisseque

haviaumamaioriaafavor.Qualfoiavotaçãoefetiva?-Trezecontraum,peloquemerecordo.-Trezecontraum!Maisqueapenasumamaioria,nãoacha?-Nao, senhor! - E toda a pedanteria deHart foi despertada: -Na lıngua inglesa, a

palavra"maioria"signi ica"maisqueametade".Trezedentrecatorzeeumamaioria,nadamais.

-Maséquaseunânime.-Continuasendomaioria!Adefesamudousuasbases.-Equalfoiovotosolitário?OdecanoHartpareceuagudamenteincomodado.-OprofessorSimonNinheimer.Adefesafingiuassombro.-ProfessorNinheimer?OchefedoDepartamentodeSociologia?-Sim,senhor.-Oqueixoso!-Sim,senhor.Adefesacomprimiuoslábios.- Em outras palavras, resulta que o homem que esta movendo a açao para o

pagamentodeperdasedanosnovalordeUS$750.000contrameucliente,"UnitedStatesRobotsandMechanicalMenCorporation",foiaquelequedesdeocomeçoopos-seaousodorobo, muito embora todos os outros do Comite Executivo do Conselho Deliberativo dauniversidadeestivessempersuadidosdequeeraumaboaideia?

-Elevotoucontra,comoeraseudireito.-Osenhornaomencionou,nasuadescriçaodaquelareuniao,qualquerobservaçao

feitapeloprofessorNinheimer.Elefezalguma?-Creioqueelefalou.-Osenhorcrê?-Bem,elefalou.-Contraousodorobô?

-Sim.-Foiviolentoarespeito?OdecanoHartfezumapausa.-Elefoiveemente.Eadefesa,emtomdeconfidencia:-HáquantotempoosenhorconheceoprofessorNinheimer?-Cercadedozeanos.-Razoavelmentebem?-Eudiriaquesim.-Conhecendo-o,pois,o senhordiriaqueele eo tipodehomemquecontinuariaa

alimentarressentimentocontraumrobô,principalmenteporcausadeumavotaçãoadversaque...

Apromotoriaafogouorestantedaperguntacomumaindignadaeveementeobjeçao.AdefesadispensouatestemunhaeojuizShaneordenouumapausaparaoalmoço.

Robertson ruminava seu sanduıche. A corporaçao nao faliria pela perda de tresquartosdemilhao,masestaperdatampoucolhefariabem.Tinhasobretudoconscienciadequehaveriaumretrocessomuitomaiscustosonasrelaçõespúblicas.Disse,azedo:

-PorquetodoessecasosobrecomoEasyentrounauniversidade?Oqueesperamganharcomisso?

Oadvogadodedefesafalou,calmo:-Umjulgamentoecomoumjogodexadrez,sr.Robertson.Ovencedoreusualmenteo

quepode vermais lances a frente, e omeu amigo amesa da promotoria nao e nenhumprincipiante.Elespodemdemonstrarquehouvedanos,issonaoeproblema.Seuprincipalesforçoestaemanteciparnossadefesa.DevemestarcontandoconoscoparamostrarqueEasypossivelmentepoderiatercausadoodano-porcausadasLeisdaRobótica.

- Esta bem - reconheceu Robertson -, essa e nossa defesa. Absolutamenteimpenetrável.

- Para um engenheiro robotico. Nao necessariamente para um juiz. Estao secolocandonumaposiçaodaqualpodemdemonstrarqueoEZ-27naoeraumrobocomum.Foi o primeiro de seu tipo a ser oferecido ao publico. Era ummodelo experimental queprecisavadeumtestedecampo,eauniversidadeeraounicolugardecenteparafazertalteste.Istopareceriaplausıvelaluzdoforteempenhododr.LanningeaboavontadedaU.S.Robotsemarrenda-loportaopouco.OpromotorentaoalegariaqueotestedecampodeEasyresultouemfracasso.Agorapercebeopropósitodoqueestáacontecendo?

-MasoEZ-27eraummodeloperfeitamentebom-argumentouRobertson. -Eraovigésimosétimoaserproduzido.

-Oquenaverdadeeummauargumento-devolveuoadvogado,desanimado.-Oquehouvedeerradocomosprimeirosvinteeseis?Obviamente,algo.Porquenaodeveriahaveralgoerradocomovigésimosétimo,também?

- Nao havia nada de errado com os primeiros vinte e seis, exceto que nao eramsu icientementecomplexosparaatarefa.Foramosprimeiroscerebrospositronicosdesuaespecieaseremconstruıdosefoiumcomeçoquasedetentativaeerro.MasasTresLeisfuncionaram em todos eles! Nenhum robo e tao imperfeito a ponto de as Tres Leis naovalerem.

-Odr.Lanningexplicouistoparamim,sr.Robertson,eestoudispostoaaceitarasuapalavra.O juiz, porem, podenao estar. Estamos a esperadeumadecisao deumhomemhonestoeinteligentequenadasabederobotica,eassimpodeseenganar.Porexemplo,seosenhor,ouodr.Lanningouadra.Calvindissessemperanteotribunalquequalquercerebropositronico tivesse sido construıdo por "tentativa e erro", como acabou de dizer, opromotor o faria empedaços comum interrogatorio cruzado.Nada salvaria nosso caso.Assim,issoéalgoaevitar.

Robertsonrosnou:-SeEasypudessefalar...Oadvogadodeudeombros.-Umrobôéincompetentecomotestemunha,demodoquenãonosajudariaemnada.-Pelomenos,saberíamosalgunsdosfatos.Saberíamoscomoelechegouatalcoisa.SusanCalvinpegoufogo.Umpoucodevermelhotocousuasfacesesuavozestavaum

tantoacalorada.-Sabemos como Easy chegou a esse ponto. Ele recebeu ordem! Expliquei isto ao

conselhoeexplicareiagora.-Quemordenou?-perguntouRobertson,honestamenteperplexo. (Ninguemnunca

lhecontavanada,pensavaele,ressentido.Estepessoaldapesquisaconsiderava-sedonodaU.S.Robots,porDeus!)

-Oqueixoso-disseadra.Calvin.-Emnomedoscéus,porquê?-Aindanaoseiporque.Talvezsimplesmenteparaquefossemosprocessados,epara

queeleganhassealgumdinheiroemcima.-Haviachispasazuisemseusolhos,enquantofalava.

-EntãoporqueEasynãoodisse?-Nãoéóbvio?Recebeuordemparaficaremsilênciosobreoassunto.-Eporqueissodeveriaseróbvio?-quissaberRobertson,truculentamente.-Bem,eobvioparamim.Apsicologiaderoboseminhapro issao.SeEasynaoquer

responderperguntasdiretamentesobreoassunto,responderasobreaperiferiadoassunto.Medindo a hesitaçao crescente em suas respostas, a medida que nos aproximamos daquestaocentral,emedindoaareaembrancoeaintensidadedoscontrapotenciaisqueseestabelecem,epossıveldizer,comprecisaocientı ica,quesuaperturbaçaoeresultadodeumaordemdenaofalar,reforçadapelaPrimeiraLei.Emoutraspalavras,foi-lheditoquesefalar, sera causado dano a um humano. Presumivelmente dano ao proprio execravelprofessorNinheimer,oqueixoso,que,paraorobô,pareceriaumserhumano.

-Entao-alegouRobertson-vocenaopoderiaexplicarqueseele icarquieto,seracausadodanoàU.S.Robots?

- A U. S. Robots nao e nenhum ser humano, e a Primeira Lei da Robotica naoreconhece uma corporaçao como pessoa, como as leis ordinarias. Alem do mais, seriaperigoso levantar esta especie particular de inibiçao. A pessoa que a criasse poderiaremove-la sem perigo, porque as motivaçoes do robo icam centradas naquela pessoa.Qualqueroutrocurso...-Elaabanouacabeçaedisse,apaixonadamente:-Naovoupermitirqueorobôsejadanificado!

Lanninginterrompeu,comoardequemtrazsanidadeaoproblema.

-ParecequesotemosdeprovarqueumroboeincapazdoatodequeEasyeacusado.Epodemosfazê-lo.

- Exatamente - disse o advogado, amuado. -Vocês podem faze-lo. As unicastestemunhascapazesdeatestaracondiçaodeEasyesobreanaturezadoestadomentaldeEasy sao empregados da U. S. Robots. O juiz nao podera aceitar seu testemunho comoimparcial.

-Comoelepoderecusarumtestemunhodeumexpert?- Recusando-se a ser convencido por ele. E o direito dele, enquanto juiz. Contra a

alternativadequeoprofessorNinheimerdeliberadamentearriscouarruinarsuareputaçao,mesmo que por uma consideravel soma em dinheiro, o juiz nao vai aceitar asminuciastécnicasdeseusengenheiros.Ojuizéumhomem,afinaldecontas.Setiverdeescolherentreumhomemfazendoumacoisaimpossıveleumrobofazendoumacoisaimpossıvel,muitoprovavelmentedecidiráemfavordohomem.

- Um homempode fazer uma coisa impossıvel - disse Lanning - porque naoconhecemos toda a complexidade damente humana e nao sabemos o que, numamentehumanaqualquer,eimpossıveleoquenaoe.Massabemosoqueeeoquenaoeimpossıvelparaumrobô.

-Bem,veremossepodemosconvencerojuizdisso-oadvogadodedefesareplicou,comarcansado.

-Setudooquetemadizeréisso-reboouRobertson-nãoseicomovocêpode.-Veremos.Ebomconhecere terconscienciadasdi iculdadesenvolvidas,masnao

vamos icardemasiadodesanimados.Tenteiantecipar,eutambem,algunsmovimentosdoxadrez.-Ecomumgravemovimentodecabeçanadireçaodarobopsicologa,acrescentou:-Comaajudadestaboasenhoraaqui.

Lanningolhoudeumparaooutro,edisse:-Quediaboéisso?Mas o meirinho en iou a cabeça na sala e anunciou, um tanto sem folego, que o

julgamentoestavaparaserretomado.Tomaramseusassentos,examinandoohomemquecomeçaratodooproblema.SimonNinheimerpossuıaumacabeçafofadecabelocordeareia,umrostoquese

estreitava,passandoporumnarizemformadebicoemdireçaoaumqueixopontudo,eumhabitodeporvezeshesitarantesdepalavras-chaveemsuaconversaçao,quelhedavamumardequemprocuraumaprecisaoimpossıvel.Quandodizia:"oSolnasceno...leste", icava-secomacertezadequederaadevidaconsideraçaoapossibilidadedequeeventualmentenascerianooeste.

Opromotordisse:-OsenhorseopôsaousodoRobôEZ-27nauniversidade?-Sim,senhor.-Eporquê?-Naoacheiquepercebemosos...motivosdaU.S.Robotsmuitobem.Descon ieida

pressadelescolocaremorobôconosco.-Osenhorachouqueeleeracapazdefazerotrabalhoaquesupostamentedestinar-

se-ia?-Euseiquejamaisofaria.

-Quernosdizersuasrazões?O livrodeSimonNinheimer, intituladoTensõesSociaisEnvolvidasnoVôoEspaciale

Sua Solução, estava ha oito anos no mercado. A busca de Ninheimer pela precisao naoestava con inada a seus habitos de falar, e um assunto como sociologia, quaseintrinsecamenteimprecisa,deixava-osemfôlego.

Mesmo com o material nas provas tipogra icas, nao achava que tinha atingido aperfeiçao. De fato, bem o oposto. Olhando para as longas tiras impressas, sentia socomichõesderecortartudoerearranjardeoutramaneira.

Jim Baker, Instrutor e futuro Professor Assistente de Sociologia, encontrouNinheimer,tresdiasdepoisdaprimeiraremessadeprovasterchegadodaeditora,olhandopara a mancheia de papel distraidamente. As provas vinham em tres copias: uma paraNinheimer,paraleituraecorreçao,outraparaBaker,paraumarevisaoindependente,eumaterceira,marcada "Original", quedeveria receber as correçoes inais, combinaçao das deNinheimer e Baker, apos uma conferencia na qual possıveis con litos e discordanciasfossemconciliados.Estaforasuapolıticaemdiversostrabalhosnosquaiscolaboraramnosúltimostrêsanos,efuncionavabem.

Baker,jovemecomvozinsinuanteeagradavel,tinhasuacopiadasprovasnamao.Disse,animado:

-Jáfizoprimeirocapítulo,econtémalgumaspérolastipográficas.-Oprimeirocapítulosempretem-disseNinheimer,distante.-Querconferiragora?NinheimergravementefocalizouseusolhosemBaker.-Nãofiznadacomasprovas,Jim.Achoquenãomeimporta.Bakerpareceuconfuso.-Nãoseimporta?Ninheimerapertouoslábios.- Perguntei sobre a... carga de trabalho damaquina. A inal ele foi originalmente...

oferecidocomorevisor.Têmumcronograma.-Amáquina?Querdizer,Easy?-Creioqueesseéotolonomequelhederam.-Mas,dr.Ninheimer,penseiqueosenhorestavaficandoàdistânciadisso!-Pareçoseroúnicoafazerassim.Talvezeudevessetirarminhaparteda...vantagem.-Ora,bem,entaoachoqueandeiperdendotempocomesteprimeirocapıtulo-disse

orapaz,pesaroso.- Nao perdeu nao. Poderemos comparar o resultado damaquina com o seu, para

aferir.-Sequiser,mas...-Sim?-DuvidoqueacharemosalgoerradonotrabalhodeEasy.Éfeitoparanuncaerrar.-Provavelmente-respondeuNinheimer,seco.OprimeirocapıtulofoitrazidodenovoporBakerquatrodiasdepois.Destavezeraa

copiadeNinheimer,recem-saıdadoanexoespecialqueforaconstruıdoparaalojarEasyeoequipamentoqueutilizava.

Bakerestavajubilante.

-Dr.Ninheimer,naosoelepercebeuomesmoqueeu,masachouumaduziadeerrosquedeixeipassar!Todaacoisalevoudozeminutos!

Ninheimerfolheouomaço,comasmarcasnitidamenteescritasnasmargens.-Naoetaocompletaquantoaquevoceeeufarıamos.Terıamosfeitoumainserçao

sobreotrabalhodeSuzukisobreosefeitosneurológicosdabaixagravidade.-Refere-seàqueleartigodaRevistaSociológica1.-Éclaro.-Bem,nãosepodeesperaroimpossíveldeEasy.Elenãopodeleremnossolugar.-Seidisso.Edefato,japrepareiainserçao.Vouveramaquinaevoumecerti icarde

quesabecomo...manipularinserções.-Saberá.-Prefiromecertificar.Ninheimer teve de marcar uma entrevista para ver Easy, e nao conseguiu nada

melhorquequinzeminutosnofimdatarde.Mas estes quinze minutos mostraram-se mais do que su icientes. O Robo EZ-27

entendeuaquestãodainserçãodeimediato.Ninheimerachou-sepouco a vontadeestandodepertodo robopelaprimeiravez.

Quaseautomaticamente,comoseelefossehumano,achou-seperguntando:-Estácontentecomseutrabalho?-Muitocontente,professorNinheimer-disseEasysolenemente,asfotocelulasque

eramseusolhosbrilhandoemseuvermelho-escurousual.-Vocêmeconhece?- Pelo fato de que o senhorme apresentamaterial adicional a incluir nas provas,

segue-sequeosenhoreoautor.Onomedoautor,eclaro,estanocabeçalhodecadafolhadasprovas.

-Percebo,vocefaz...deduçoes,entao.Diga-me-elenaopodiaresistiraquestao-,oqueachoudolivro,atéagora?

Easyfalou:-Acheimuitoagradáveltrabalharcomele.-Agradavel?Eumaestranhapalavraparaum...mecanismosememoçao.Disseram-

mequevocênãotememoções.- As palavras de seu livro concordam com meus circuitos - Easy explicou. -

Estabelecem pouco ou nenhum contrapotencial. Esta em minhas trajetorias cerebraistraduzir este fato mecanico em uma palavra como "agradavel". O contexto emocional efortuito.

-Percebo.Porqueachaolivroagradável?- Trata de seres humanos, professor, e nao com materia inorganica ou sımbolos

matematicos.Seulivrotentaentenderossereshumanoseajudaraaumentarafelicidadehumana.

-Eéistooquevocêtentafazer,eassimmeulivrovaideacordocomseuscircuitos?Éisso?

-Éisso,professor.Os quinze minutos tinham acabado. Ninheimer saiu e foi a biblioteca da

universidade,queestavaparafechar.Eleamanteveabertaosu icienteparaacharumlivro

elementarsobrerobótica.Levou-oparacasa.Excetopelaocasionalinserçaodematerialnovo,asprovasforamparaEasy,edele

paraoseditores,compoucaintervençãodeNinheimer,deinício,enenhuma,maistarde.Bakerdisse,umtantoinquieto:-Dá-meumasensaçãodeinutilidade.- Devia dar-lhe a sensaçao de ter tempo de começar um novo projeto - disse

Ninheimer,semlevantarosolhosdasanotaçoesqueestavafazendodoultimonumerodoDigestodeCiênciaSocial.

- E que ainda nao estou acostumado. Fico me preocupando com as provas. Ebobagem,eusei.

-Émesmo.-NooutrodiapegueiumpardefolhasantesdeEasyenviá-lasà...-Que!-Ninheimerolhouparaele,cenhudo.OexemplardoDigesto foifechadocom

umestalo.-Vocêperturbouamáquinaenquantoestavatrabalhando?-Soporumminuto.Etudoestavaemordem.Ora,elamudouumapalavra.Vocese

referiuaalgumacoisacomo"criminosa"eelafoimudadapara"violenta".Pensouqueesteadjetivoseadaptariamelhoraocontexto.

Ninheimerficoupensativo.-Evocê,oqueachou?-Sabe,euconcordei.Deixeificar.Ninheimervirousuacadeiragiratóriaparadefrontar-secomseujovemassociado.- Escute aqui, eu nao gostaria que izesse isso de novo. Se vou usar a maquina,

quero...tirartodaavantagempossıveldela.Sevouusa-laeperderosseus...prestimosdealgummodoporquevoceasupervisionaquandotudogiraemtornodequenaonecessitadesupervisão,eunãoganhonada.Percebe?

- Sim, dr.Ninheimer - reconheceuBaker, humildemente. Os primeiros exemplareseditados deTensõesSociais chegaramaoescritoriododr.Ninheimernodiaoitodemaio.Folheou-os brevemente, passando rapidamente por suas paginas e parando para ler umparágrafoaquieali.Entãopôsseusexemplaresdelado.

Comoexplicoudepois,esqueceuoassunto.Poroitoanos,trabalharacomaquilo,masagora, e nos ultimosmeses, outros interesses o envolveram enquanto Easy removera acarga do livro de sobre seus ombros. Nem pensou em doar um exemplar de cortesia abibliotecadauniversidade.MesmoBaker,queselançaraaotrabalhoe icaraadistanciadochefe do departamento desde que fora repelido em seu ultimo encontro, nao recebeunenhumexemplar.

A dezesseis de junho, este estagio terminou. Ninheimer recebeu uma chamadatelefônicaeolhoucomsurpresaparaaimagemnavisitela.

-Speidell!Vocêestánacidade?-Não,senhor,estouemCleveland.-EavozdeSpeidelltremiacomaemoção.-Então,porqueachamada?-Porqueestivefolheandoseunovolivro!Ninheimer,estálouco!Estáficandodoente!Ninheimerenrijeceu.-Háalgo...errado?-perguntou,alarmado.-Errado?Re iro-meapagina562.Quediabosvocequerdizeraointerpretarminha

obra daquela maneira? Onde, em meu trabalho citado, a irmo que a personalidadecriminosanaoexisteequesaoosagentesdaleiquesaoosverdadeiros criminosos?Aqui,deixe-meler...

- Espere! Espere! - gritou Ninheimer, tentando achar a pagina. - Deixe-me ver...Deixe-mever...Oh,meubomDeus!

-Eentão?-Speidell,eunãoconsigoimaginarcomoaconteceu.Eununcaescreviisto.-Maseoquefoiimpresso!Eestadistorçaonaoeapior.Olheapagina690eimagine

o que Ipatiev vai fazer quando vir que baderna voce fez com as descobertas dele! Olhe,Ninheimer, este livro estaeivado desta especie de coisa. Nao sei o que voce estavapensando...naohanadaafazersenaotirarolivrodomercado.EemelhorseprepararparaextensasdesculpasperanteapróximareuniãodaAssociação!

-Speidell,escute-me...MasSpeidelltinhadesligadocomumabrusquidaoquedeixouavisitelafosforecendo

comumaimagemresidualporquinzesegundos.Foi entao queNinheimer foi ler o livro e começou amarcar passagens com tinta

vermelha.Controlou-senotavelmentebemquandodefrontou-sedenovocomEasy,masseus

lábiosestavamlívidos.PassouolivroparaEasyedisse:-Querleraspassagensmarcadas,naspáginas562,631,664e690?Easyofezemquatrorelances.-Sim,professorNinheimer.-Nãoestácomonosoriginais.-Não,senhor;nãoestá.-Vocêosalterouparaficaremassim?-Sim,senhor.-Eporquê?-Senhor,aspassagens,taiscomoestavamnasuaversao,eramaltamentedesairosas

emrelaçaoacertosgruposdesereshumanos.Acheiaconselhavelmudaropalavreadoparaevitar-lhesdano.

-Comoseatreveuafazertalcoisa?-APrimeiraLei,professor,naomedeixa,porqualquer inaçao,quequalquerdano

sejacausadoahumanos.Porcertoque,considerandosuareputaçãonomundodasociologiae a ampla circulaçao que seu livro teria entre os eruditos, um dano consideravel seriacausadoaonúmerodehumanosdequeosenhorfala.

-Maspercebeodanoquecausaamimagora?-Eranecessárioescolheraalternativaquecausariaomenordano.OprofessorNinheimer, tremendodefuria,arrastou-separafora.Estavaclaropara

elequeaU.S.Robotsteriadepagar-lheporisso.Haviaalgumaagitaçaonoladodamesadosacusados,queaumentavaamedidaquea

promotoriamelhoravasuapontaria.- Entao o Robo EZ-27 informou-o que a razao para sua açao esteve baseada na

PrimeiraLeidaRobótica?-Issoécorreto,senhor.

-Eque,defato,nãotinhaescolha?-Sim,senhor.-Segue-seentaoqueaU.S.Robotsprojetouumroboquenecessariamentereescreve

oslivrosdeacordocomsuaspropriasconcepçoesdoqueecerto.Eelesoofereceramcomoumsimplesrevisor.Osenhorconcordariacomisto?

Adefesafez irmesobjeçoesdeimediato,apontandoqueatestemunhaestavasendolevada a decidir sobre um assunto no qual nao tinha competencia. O juiz admoestou opromotornostermosusuais,masnaohaviaduvidadequeaqueledialogoatingiraoalvo-nãofacilitounadaparaoadvogadodedefesa.

Adefesapediuumpequeno recessoantesdeprosseguiro interrogatorio cruzado,usandoumaminúciatécnicaparaopropósitodeganharcincominutos.

Inclinou-separaSusanCalvin.-Serápossível,dra.Calvin,queoprofessorNinheimerestejadizendoaverdade,eque

EasyfoimotivadopelaPrimeiraLei?Calvinapertouoslábiosedisse:- Nao.Não é possıvel. A ultima parte do testemunho de Ninheimer e perjurio

deliberado.Easynaoeprojetadoparaavaliarassuntosaonıveldeabstraçaorepresentadoporumlivrodesociologiaemnıvelsuperior.Nuncaseriacapazdedizerquecertosgruposdehumanosseriamprejudicadosporuma frasenumtal livro.Seucerebrosimplesmentenãofoiconstruídoparaisso.

-Suponho,porem,quenaopodemosprovaristoaumleigo-respondeuoadvogadodedefesa,pessimista.

-Nao - admitiuCalvin. -Ademonstraçao seriaaltamente complexa.Nossa saıda eaindaamesma.PrecisamosprovarqueNinheimerestamentindo,enadadoqueeledisseprecisamudarnossoplanodeataque.

-Muitobem,dra.Calvin -disseoadvogado. -Precisoaceitarsuapalavraquantoaisto.Continuaremostalcomoplanejado.

Nasaladotribunal,omartelodojuizergueu-seecaiu,eodr.Ninheimervoltouaobancodastestemunhas.Sorriaumpouco,comoquemsentequesuaposiçaoeinexpugnaveledesfrutaaperspectivadedeterumataqueinútil.

Oadvogadodedefesaaproximou-secuidadosamente,ecomeçou,comvozmansa:-Dr.Ninheimer,osenhorquerdizerqueestavacompletamenteinconscientedestas

alegadas alteraçoes em seu manuscrito ate a data em que o dr. Speidell chamou-o adezesseisdejunho?

-Issoécorreto.-NuncaolhouparaasprovasdepoisqueoRobôEZ-27ascorrigiu?- De inıcio, sim,mas pareceu-me uma tarefa inutil. Con iei nas alegaçoes da U. S.

Robots.As...alteraçoesabsurdasforamfeitasapenasnoultimoquartodolivro,depoisqueorobô,eupresumo,aprendeuobastantesobresociologia...

-Naoseimporteemnosdizersuassuposiçoes!-disseadefesa.-Entendoqueseucolega, odr.Baker, viu as ultimasprovasempelomenosumaocasiao. Lembra-sede tertestemunhadoisso?

-Sim,senhor.Comodisse,elecontou-mesobretervistoumapagina,emesmoali,orobôalteraraumapalavra.

Denovooadvogadointerrompeu:-O senhornao acha estranhoquedepois deumanode implacavel hostilidade ao

robo, depois de ter votado contra ele em primeiro lugar, e tendo-se recusado a dar-lhequalqueraplicação,subitamentedecidiucolocarseulivro,suamagnumopusnasmãosdele?

-Naoconsideroissoestranho.Simplesmentedecidiquepoderiamuitobemutilizaramáquina.

-E icou tao con iantenoRoboEZ-27, e taode repente,quenemse importouemconferirasprovas?

-Eulhedissequefui...persuadidopelapropagandadaU.S.Robots.- Tao persuadido que quando seu colega, o dr. Baker, tentou controlar o robo, o

senhororepreendeu?-Naoorepreendi.Meramentenaoqueriaqueele...desperdiçasseoseutempo.Pelo

menos,entaopenseiserumperdadetempo.Naoviaimportanciadaquelamudançadeumapalavraaté...

Adefesadisse,compesadosarcasmo:-Naotenhoduvidadequeosenhorfoiinstruıdoparalevantaressepontoparaquea

troca de uma palavra entrasse no registro... - Alterou sua argumentaçao, para evitar aobjeção:-Aquestãoéqueosenhorestavamuitoirritadocomodr.Baker.

-Não,senhor,nãoestavanervoso.-Osenhornãolhedeuumexemplardolivro,quandoorecebeu.- Simples esquecimento. Tambem nao dei um exemplar para a biblioteca. -

Ninheimersorriu,cuidadoso.-Osprofessoressãonotoriamentedistraídos.Eadefesaretomou:-Osenhorachaestranhoque,depoisdemaisdeumanodetrabalhoperfeito,oRobo

EZ-27tenhaerradoemseulivro?Numlivro,istoe,quefoiescritopelosenhor,quedetodosfoiomaisimplacavelmentehostilaorobô?

-Meu livro foia unicaobradevultoversandosobreahumanidadecomqueelesedefrontou.AsTrêsLeisdaRobóticaoconfundiramaí.

- Por varias vezes, dr. Ninheimer, o senhor quis parecer como um entendido emrobotica.Aparentementeosenhordesubito icouinteressadoemroboticaeretiroulivrossobreoassuntodabiblioteca.Disseissoemseudepoimento,nãoé?

-Umlivro,simsenhor.Foioresultadodoquemeparecetersido...umacuriosidadenatural.

-Eestelivropermitiu-lheexplicarporqueorobo,comoosenhoralega,distorceuoseulivro?

-Sim,senhor.-Muitoconveniente.Masosenhorestacertodequeoseuinteresseemroboticanao

sedestinouapermitir-lhemanipularorobôparaseusprópriofins?Odr.Ninheimerenrubesceu:-Claroquenão!Avozdoadvogadoelevou-se:- De fato, o senhor esta certo de que as passagens supostamente alteradas nao

estavamcomoascolocou,emprimeirolugar?Osociólogoquaseficoudepé.

-Issoé...ridículo!Tenhoasprovas...Tinhadificuldadeemfalareopromotorlevantou-separaapartearserenamente:- Com sua permissao, Meritıssimo, quero apresentar como prova as provas

tipogra icasentreguespelodr.NinheimeraoRoboEZ-27eoconjuntodeprovasremetidaspelo Robo EZ-27 aos editores. Fa-lo-ei agora, se o prezado colega assim o desejar, econcederiaumrecessoparaqueasduasprovaspudessemsercomparadas.

Oadvogadodedefesaabanouamão,impacientemente.-Issonaoseranecessario.Meuhonradooponentepodeapresentaressasprovasem

qualquer outra hora que quiser. Estou certo que elas apresentarao as discrepanciasalegadas pelo queixoso. O que eu queria saber da testemunha, entretanto, e se ele temtambémasprovastipográficasdodr.Baker.

- As provas do dr. Baker? - Ninheimer fez uma careta. Ainda nao estavacompletamentesenhordesimesmo.

- Sim, professor! Estou falando das provas do dr. Baker. O senhor testemunhou,dizendo que o dr. Baker recebera uma copia das provas. Farei o meirinho ler o seutestemunho, se estiver sofrendomomentaneamente de um tipo seletivo de amnesia. Ousera que e apenas por que, como o senhor disse, os professores sao notoriamentedistraídos?

-Lembro-medasprovasdodr.Baker.Naoeramnecessarias,umavezqueotrabalhoestavaaoscuidadosdamáquinaderevisão...

-Assim,osenhorasqueimou?-Não,joguei-asnocestodepapel.-Queimou,jogoufora,qualadiferença?Oessencialéqueosenhorselivroudelas.-Nãohánadaerrado...-miouNinheimer.-Nadaerrado? - retumbouadefesa. -Nadaerrado,excetoquenaohamaneirade

veri icarmos, em certas folhas cruciais, se o senhornao teria substituıdo uma folha semerrosdacopiadodr.Bakerporumfolhadesuacopiaquedeliberadamentealteroudemodoaforçarorobôa...

Apromotorialançouumafuriosaobjeçao.OjuizShaneinclinou-separaafrente,seurosto redondo fazendo o melhor para assumir uma expressao zangada equivalente aintensidadedaemoçãosentidaporaquelehomem.Ojuizdisse:

-Osenhorteriaqualquerevidênciadaafirmaçãoextraordináriaqueacabadefazer?Oadvogadodisse,serenamente:- Nao tenho evidencia direta, Meritıssimo. Mas gostaria de apontar que, vista

apropriadamente,asubitaconversaodoqueixosodoanti-roboticismo,seusubitointeresseemrobotica,suarecusaemveri icarasprovasoudeixarquealguemmaisasconferisse,suacuidadosanegligenciaemdeixarquealguemvisseolivroimediatamenteaposapublicaçao,tudomuitoclaramenteaponta...

Ojuizinterrompeu,pacientemente:- Aqui nao e lugar para deduçoes esotericas. O queixoso nao esta em julgamento.

Nem o senhor e promotor. Proıbo-lhe esta linha de ataque e so posso apontar que odesespero,quedevete-loinduzidoaisto,sopodeenfraquecerasuaparte.Seosenhortiverperguntas legıtimas a fazer, o senhor pode continuar seu interrogatorio. Mas advirto-ocontraoutraexibiçãocomoestaduranteojulgamento.

-Nãotenhomaisperguntas,Meritíssimo.Robertsoncochichouintensamentequandooadvogadovoltouàmesa.-Oqueseganhacomisso,peloamordeDeus?O juizesta totalmentecontravoce,

agora.Earesposta,calma:- Mas Ninheimer esta tremendo nas bases. E nos o colocamos pronto para o

movimentodeamanhã.Então,eleestarámaduro.SusanCalvinassentiu,gravemente.Orestodaatuaçaodopromotorfoisuave,emcomparaçao.Odr.Bakerfoichamadoe

sustentouamaiorpartedotestemunhodeNinheimer.OsdoutoresSpeidelleIpatievforamchamados,eexpuserammuitoconvincentementeseuchoqueedesalentoquantoacertaspassagenscitadasnolivrododr.Ninheimer.Ambosderamsuaopiniãoprofissionaldequeareputaçãoprofissionaldodr.Ninheimerforaseriamenteafetada.

Asprovas tipogra icas foramapresentadascomoevidencia,bemcomoexemplaresdolivrojáacabado.

A defesa nao fez mais interrogatorios naquele dia. O promotor descansou e ojulgamentosofreuumrecessoatéamanhãseguinte.

O advogado de defesa fez o primeiro movimento no começo dos trabalhos dosegundodia.PediuqueoRobôEZ-27fosseadmitidocomoespectador.

Apromotoriafezobjeçãoeojuizchamouosdoisadvogados.Opromotordisse,acaloradamente:-Issoeobviamenteilegal.Umrobonaopodeentraremqualqueredifıciousadopelo

públicoemgeral.-Estasala-apontouadefesa-estafechadaatodossenaoaosquetemrelaçaodireta

comocaso.- Uma grande maquina de comportamento erraticoconhecido perturbaria meus

clientes e minhas testemunhas por sua mera presença! Transformaria a sessao numtumulto.

O juiz parecia inclinado a concordar. Voltou-se para a defesa e disse, sem muitasimpatia:

-Quaissãoosmotivosparaoseupedido?-EnossatesedequeoRoboEZ-27possivelmentenaopoderia,pelanaturezadesua

construçao, ter-se comportado como foi descrito. Sera necessario apresentar algumasdemonstrações.

Aoquedisseopromotor:- Nao vejo o objetivo disso, Meritıssimo. As demonstraçoes conduzidas por

empregados da U. S. Ro-pbots valem pouco como evidencia, quando a U. S. Robots e aacusada.

- Meritıssimo, a validez de qualquer evidencia cabe ao senhor decidir, e nao aopromotor.Pelomenos,segundomeuentendimento.

OjuizShane,comsuasprerrogativascolocadasemjogo,disse:- Seu entendimento e correto. Nao obstante, a presença de um robo aqui levanta

importantesquestõeslegais.-Certamente,Meritıssimo,nadaquesejacontrarioaosditamesdalei.Seorobonao

estiverpresente,estaremosimpossibilitadosdeapresentarnossadefesa.Ojuizponderou:-Haveriaaquestãodetransportarorobôatéaqui.- Esse e um problema que a U. S. Robots frequentemente enfrentou. Temos um

caminhaoemfrenteaotribunal,construıdodeacordocomasleisqueregemotransportede robos. O Robo EZ-27 esta num caixote, sob a guarda de dois homens. As portas docaminhao sao adequadamente seguras, e todas as outras precauçoes necessarias foramtomadas.

-Osenhorparececerto-respondeuojuizShane,numrenovadomauhumor-queojulgamento,nesteponto,seráaseufavor.

- Absolutamente,Meritıssimo. Caso contrario,mandaremos o caminhao darmeia-volta.Nadapresumiquantoàsuadecisão.

Ojuizacedeu:-Opedidoporpartedadefesaestáconcedido.Ocaixote foi trazidonumcarrinhoeosdoishomensoabriram.Asalado tribunal

ficouimersanumsilêncioconstrangedor.Susan Calvin esperava, enquanto as placas pesadas de celluform caıam, e entao

estendeuamão:-Venha,Easy.Oroboolhounadireçaodela,eestendeuseugrandebraçodemetal.Erguia-sedois

pesacimadela,masseguia-amansamente,comoumacriançanamaodamae.Alguemriunervosamenteesufocouorisoaoolhardadra.Calvin.

Easysentou-secomcuidadonumagrandecadeira,trazidapelomeirinho,quegemeumasaguentou.

Oadvogadodedefesadisse:-Quandosetornarnecessario,Meritıssimo,provaremosqueesteerealmenteoRobo

EZ-27, o robo especı ico a serviço da Universidade Northeastern no perıodo que nosconcerne.

-Muitobem-disseoMeritıssimo. - Issoseranecessario.Eu,particularmente,naotenhoideiadecomosediferenciaumrobôdeoutro.

-Eagora-disseadefesa-gostariadechamarminhaprimeiratestemunha.ProfessorSimonNinheimer,porfavor.

Oescrivãohesitou,eolhouparaojuiz.Ojuizperguntou,comvisívelsurpresa:-Osenhorestáchamandooqueixosocomosuatestemunha?-Sim,Meritíssimo.-Esperoqueosenhor tenhaconscienciadeque,enquantoele forsua testemunha,

naolheserapermitidatantaliberdadequantoseestivesseinterrogandoumatestemunhadeacusação.

Adefesaafirmou,melosamente:-Meuunicopropositoemtudoissoechegaraverdade.Naoseranecessariosenao

fazeralgumasperguntaseducadas.Disseojuiz,emdúvida:-Osenhorestáconduzindoocaso,agora.Chameatestemunha.Ninheimer subiu ao banco, e foi informado de que ainda estava sob juramento.

Pareciamaisnervosoquenodiaanterior,quaseapreensivo.Masadefesaolhouparaelebenignamente.-ProfessorNinheimer,osenhorestáprocessandomeusclientesporUS$750000.-Essaéa...soma;sim.-Émuitodinheiro.-Sofriumgrandedano.-Porcertoquenaotanto.Omaterialemquestaoenvolveapenasalgumaspassagens

numlivro.Talvezfossempassagensinfelizes,masa inal,oslivrosporvezesaparecemcomcuriososenganos.

AsnarinasdeNinheimerdilataram-se.-Senhor,estelivrofoioclımaxdeminhacarreira!Aoinvesdisto,fez-meparecerum

incompetente,distorcendoasopinioessustentadaspormeushonradosamigosecolegas,edefensor de ridıculos e... obsoletos pontos de vista. Minha reputaçao estairrecuperavelmenteabalada!Nuncamaispodereificardecabeçaerguidaperantequalquer...reuniaodeestudiosos,independentementedoresultadodestejulgamento.Certamentenaopossocontinuarminhacarreira,quefoitodaminhavida.Opropositomesmodeminhavidafoi...abortadoedestruída!

Oadvogadodedefesanaotentouinterromperodiscurso,mas icoudistraidamenteolhandoparasuasunhas,àmedidaqueiasendodito.Disse,muitoconsoladoramente:

-Mascomcerteza,professorNinheimer,nasuaidade,osenhornaopoderiaesperarganharmaisque...sejamosgenerosos,US$150000pelorestodesuavida.Masosenhorestápedindoàcortecincovezesmaiscomocompensação.

Ninheimerdisse,comumaexplosãoemocionalaindamaior:-Naoesoporminhavida,queestouarruinado.Naoseiporquantasgeraçoesserei

apontado pelos sociologos como um... idiota, ou um manıaco. Minhas boas realizaçoesestaraoenterradaseignoradas.Estouarruinadonaosoateodiademinhamorte,masparasempre, porque semprehavera gente quenao acreditara queum robo e que fez aquelasinserções...

Foi nesta altura que o Robo EZ-27 levantou-se. Susan Calvin nao fez nenhummovimento para impedi-lo. Ela icou sentada, imovel, olhando direto para a frente. Oadvogadodedefesasuspirou,baixinho.

AvozmelodiosadeEasydisseclaramente:- Eu gostaria de explicar a todos que inseri certas passagens nas provas, que

pareciamdiretamenteopostasaoqueestiveraláantes...Mesmoopromotor icousurpresocomoespetaculodeumrobodesetepesdealtura

levantando-separadirigir-seacorte,obastantepara icarincapazdesedirigiraojuizparapedirqueseinterrompesse,oque,aliás,eraumprocedimentoaltamenteirregular.

Quando se recuperou, ja era tarde, pois Ninheimer levantou-se do banco dastestemunhas,rostoconvulsionado.

Gritoucomolouco:-Malditoseja!Foiinstruídoparaficardebicofechadosobre...Eengasgounumsilêncio,eEasycalou-se,também.Opromotoréqueestavadepé,agora,exigindoqueojulgamentofosseanulado.OjuizShanebatiaomartelodesesperadamente.

-Silencio!Silencio!Certamenteha todaarazaoparacancelaro julgamento,excetoque,nointeressedajustiça,gostariaqueoprofessorNinheimercompletassesuaassertiva.Euoouvidistintamentedizerqueorobo tinhasido instruıdoparacalar-searespeitodealgo. Nao houve mençao em seu depoimento, professor Ninheimer, quanto a quaisquerinstruçõesparaorobômanter-secaladosobrequalquercoisa!

Ninheimerficouolhando,mudo,paraojuiz.OjuizShanedisse:-OsenhorinstruiuoRoboEZ-27para icarcaladosobrealgo?Casoa irmativo,sobre

oquê?-Meritíssimo...-começouNinheimer,rouco,enãoconseguiucontinuar.Avozdojuizelevou-se.-Osenhorrealmenteordenouqueasinserçoesemquestaofossemfeitasnasprovas

eentãoordenouaorobôparamanter-seemsilênciosobresuapartenisto?Opromotorobjetouvigorosamente,masNinheimergritou:-Ora, deque adianta? Sim! Sim! - e saiu correndodobancodas testemunhas. Foi

detidoaportapelomeirinhoeafundou,desanimado,numadasultimas ileirasdebancos,cabeçaenterradaemambasasmãos.

OjuizShanedisse:-EevidenteparamimqueoRoboEZ-27 foi trazidoaquicomoumtruque.Exceto

pelo fato de que este truque serviu para prevenir um serio erro judicial, eu certamenterepreenderia o advogado de defesa. Ficou claro, agora, alem de qualquer duvida, que oqueixoso cometeu o que para mim foi uma fraude totalmente inexplicavel pois,aparentemente,estavaconscientementearruinandosuacarreiracomoprocesso...

Asentença,éclaro,foiafavordoacusado.Adra. SusanCalvin fez-seanunciarnosaposentosdodr.Ninheimer,no saguaoda

universidade.Ojovemengenheiroqueguiaraocarroofereceu-separasubircomela,masfoiolhadocomdesdém.

-Achaqueelevaimeatacar?Espereaquiembaixo.Ninheimernaoestavanoestadodeespıritoadequadoparaatacarninguem.Estava

juntando suas coisas, semperder tempo,pressurosopara afastar-seperante a conclusaoadversadojulgamento,quechegouaoconhecimentopúblico.

OlhoupaiaCalvincomumaiestianhamentedesafiador:- Veio para me avisar que vai me processar, por sua vez? Se assim for, nada vai

conseguir. Nao tenho dinheiro, nem emprego, nem futuro. Nemmesmo posso pagar ascustasdoprocesso.

-Seestaprocurandosimpatia,naoprocureporelaaqui.Foitudoculpasua.Porem,nao havera processo contra voce, nem contra a universidade.Atemesmo faremoso quepudermosparaquenãosejapresoporperjúrio.Nãosomosvingativos.

- E por isso entao que ainda nao fui preso por me contradizer? Eu estavaimaginando...Masafinal,porquevocêsseriamvingativos?Játêmoquequerem,agora.

-Partedoquequerıamos,sim.AuniversidademanteraEasyaseuserviçoaumpreçode arrendamento consideravelmente maior. Ademais, certa publicidade clandestina dojulgamentopossibilitara colocarmaisalgunsdosmodelosEZemoutras instituiçoessemperigoderepetiçãodestecontratempo.

-Então,porqueveiomever?- Porque ainda nao tenho tudo o que quero. Quero saber por que odeia tanto os

robos.Mesmoquetivesseganhoacausa,suareputaçaoteriasidoarruinada.Odinheiroquepoderiaganharnãocompensaria.Sóasatisfaçãodeseuódioporrobôsbastaria?

- A senhora esta interessada em menteshumanas, dra. Calvin? - perguntouNinheimer,comácidosarcasmo.

-Tantoquantosuasreaçoesconcernemaobem-estardosrobos,sim.Porestarazao,aprendiumpoucodapsicologiahumana.

-Osuficienteparameludibriar!-Nãofoitãodifícil.OdifícilfoifazerdeumtaljeitoquenãoferisseEasy.- E bem caracterıstico seu preocupar-semais com umamaquina do que com um

humano.-Olhouparaelacomfuriosodesprezo.Istonãoacomoveu:-Meramenteaparencia,professorNinheimer.Sosepreocupandocomrobosequese

podemostrarpreocupaçaocomohomemdoseculoXXI.Osenhorentenderiaisto,sefosseumroboticista.

-Liobastantederobóticaparatercertezadequenãoqueroserumroboticista!- Perdao, o senhor leuum livro sobre robotica, que nada lhe ensinou. Aprendeu o

su icienteparasaberquepoderiaordenaraumroboque izessemuitascoisas,atemesmofalsi icar um livro, se izesse assim e assim. Aprendeu o su iciente para saber que naopoderia ordenar-lhe que esquecesse algo inteiramente sem se arriscar a detecçao, maspensouquepoderiaordenar-lhesimplesmenteosilêncio,maisseguramente.Estavaerrado.

-Adivinhouaverdadepelosilêncio?-Naoadivinhei.Osenhoreraumamadorenaosabiaosu icienteparaapagarseus

rastros.Meuunicoproblemaeraprovaristoparaojuizeosenhorteveabondadedenosajudarnesteponto,pelasuaignorânciadarobótica,quedespreza.

-Háalgumpropósitonestadiscussão?-perguntouNinheimer,cansado.- Para mim, sim, porque quero que perceba o quanto interpretou mal os robos.

SilenciouEasydizendo-lhequesecontasseaalguemsobresuadistorçaodolivro,perderiaseuemprego.IstoestabeleceuumcertopotencialdentrodeEasy,afavordosilencio,forteobastantepararesistiraosnossosesforçosdevence-lo.Terıamosdani icadoocerebrosecontinuassemos. No banco das testemunhas, porem, o senhor mesmo estabeleceu umcontra-potencialmaiselevado.Dissequecomoaspessoaspensariamquevoce,enaoumrobo, escreveuaspassagensdisputadasno livro, voceperderiamaisqueo seuemprego.Perderia sua reputaçao, sua posiçao, seu respeito, sua razao para viver. Voce nao serialembrado, apos a morte. Um novo e mais elevado potencial foi estabelecido por vocemesmo...eEasyfalou.

-MeuDeus!-disseNinheimer,virandoacabeça.Calvinerainexorável.- Entendepor que ele falou? Nao foi para acusa-lo, mas paradefendê-lo. Pode ser

matematicamentedemonstradoqueeleestavaparaassumirtodaaculpaporseucrime,enegarquevocetivessequalquercoisaavercomele.APrimeiraLeiexigiriaisso.Eleestavapara mentir, causar dano a si mesmo, para causar apenas dano monetario a umacorporaçao. Tudo isto signi icavamenos para ele que a sua salvaçao. Se voce realmente

entendesseroboserobotica,voceodeixariafalar.Masnaoentende,comoeuestavaseguradissoecomoeudisseaoadvogadodedefesa.Voceestavacerto,emseuodioporrobos,queEasy agiria como um humano e se defenderia as suas expensas. Assim, voce entrou empânicoeacabousedestruindo.

Ninheimerdisse,intensamente:-Esperoquealgumdiaosseusrobôssevoltemcontravocêeamatem!—Nãosejabobo,agoraqueroquevocêexpliqueporquefeztudoisso.Ninheimerdeuumsorrisotortoesemgraça.-Seraquedevodissecarminhamente,eu,parasuacuriosidadeintelectual,emtroca

deimunidadedeumaacusaçãodeperjúrio?-Digaassim,sequiser-disseCalvin,sememoção.-Masexplique.-Paraquepossadefender-semaise icazmentecontrafuturosatentadosanti-robo?

Comummaiorconhecimento?-Euaceitariaisso.-Sabe,voulhedizerumacoisa-disseNinheimer.-Ficarsoolhandonaovailhefazer

nenhumbem.Nao consegue entender amotivaçao humana. So consegue entender essassuasmalditasmáquinas,porquevocêmesmaéumamáquina,compeleporcima.

Ele estava com a respiraçao pesada, e nao havia hesitaçao em sua voz, naomaisprocuravaporprecisão.Eracomosenãotivessemaisutilidadeparaaprecisão.

-Porduzentosecinquentaanos,amaquinatemsubstituıdoohomemedestruıdooartesanato.Aceramicaecuspidademoldeseprensas.Obrasdeartesendosubstituıdasporbugigangasidenticasestampadas.Chameissodeprogresso,sequiser!Oartista icarestritoa abstraçoes, con inado aomundodas ideias. Precisa imaginar algo, desenhar, e entao amaquinafazoresto.Supoequeoceramista icacontentecomacriaçaomental?Supoequeaideiaeobastante?Quenaohanadaemapalparaargila,observaracoisaaparecerenquantomaoementetrabalhamjuntas!Achaqueoaparecerdacoisanaoagecomorealimentaçaoparamodificareaperfeiçoaraideia?

-Vocênãoéumceramista-replicouadra.Calvin.- Souumartista criativo!Projeto e elaboro artigos e livros.Hamaisnissodoque

apenas pensar palavras e coloca-las na ordem apropriada. Se isto fosse tudo, nao teriaprazer,naoteriaretorno.Umlivrodeveirtomandoformanasmaosdoescritor.Eprecisover concretamente os capıtulos crescerem e se desenvolverem. E preciso trabalhar,reelaborar e observar asmudanças tendo lugar atemesmo alem do conceito original. Eprecisopegarasprovasnamaoevercomoassentençasaparecemimpressaseremolda-lasdenovo.Haumacentenadecontatosentreumhomemesuaobraacadaetapadojogo,eocontatoentre si e agradavel epagaumapessoapelo trabalhoque colocaemsua criaçaomaisquequalqueroutracoisapoderia.Eseurobôlevariaemboratudoisso!

- Omesmo faz umamaquina de escrever. O mesmo faz a prensa. Esta propondoretornaràiluminaçãomanualdepergaminhos?

-Maquinasdeescrevereprensasremovemalgumacoisa,masoseuroboprivar-nos-iadetudo.Seuroboassumiuasprovas.Logoesteououtrosrobosassumiraoosoriginais,apesquisa de material, a veri icaçao cruzada de citaçoes, talvez mesmo a deduçao deconclusoes. O que restaria ao estudioso? So uma coisa: as decisoes estereis sobre queordensdaraoroboaseguir!Querosalvarasfuturasgeraçoesdomundoacademicodeum

talinferno.Istosigni icamaisparamimdoqueminhareputaçao,eassimpartiparadestruiraU.S.Ro-botsporquaisquermeios.

-Sópodiafalhar-falouSusanCalvin.-Sópodiatentar-falouSimonNinheimer.Calvin deu meia volta e saiu. Fez o melhor para nao sentir nenhuma ponta de

simpatiapelohomemderrotado.Masnãoconseguiutotalmente.

24- Pobre robô perdido

Asmedidas tomadas naHiperbase assumiram um carater um tanto frenetico – o

equivalentemusculardeumgritohistérico.Relacionadasemordemcronológicaededesespero,foramasseguintes:1–TodootrabalhodoPlanoHiperatomicorealizadoemtodoovolumedeespaço

ocupadopelasEstaçõesdoVigésimoSétimoGrupoAsteroidalfoisuspenso;2–Todooreferidovolumedeespaçofoi,praticamentefalando,isoladodoSistema.

Ninguémentravasempermissão.Ninguémpodiasair,emhipótesealguma;3–Viajandoporumanaveespacialdepatrulhapertencenteaogoverno,osDrs.Peter

BogerteSusanCalvin,respectivamenteDiretor-MatematicoePsicologa-ChefedaU.S.Robos&HomensMecânicosS.A.,chegaramàHiperbase.

SusanCalvinjamaisdeixaraasuperfıciedaTerraenaosentiaomınimodesejodefaze-lo naquela ocasiao. Embora a humanidade estivesse na Era do Poder Atomico ecaminhasseobviamenteparaarealizaçaodoPlanoHiperatomico,aDra.Calvinpermaneciatranquilamenteprovinciana.Assimsendo,estavadescontentecomaviagenseaindanaoseconvenceradesuaurgentenecessidade;duranteoprimeirojantarnaHiperbase,cadalinhadeseurostosematrativosdemulhermadurademonstravaclaramentetaissentimentos.

AexpressaodorostopalidoebemcuidadodoDr.PeterBogerttambemnaoescondiaumacertadesconfiança.

Por outro lado, o Major-General Kallner, diretor-geral do projeto, nao deixou demanterumaexpressãopreocupada.

Emresumo,arefeiçaofoiumepisodiodesagradavel,eapequenareuniaoqueostresrealizaramemseguidateveinícioemumambientesombrioeinfeliz.Kallner, com a calva brilhando e o uniforme de gala contrastando estranhamente com aatmosferageral,tomouapalavra,demonstrandoinquietaçaoeprocurandoirdiretamenteaoassunto:

–Meusenhor,minhasenhora, trata-sedeumahistoriaesquisitadecontar.Desejoexpressar meus agradecimentos por terem vindo tao depressa, sem que tenhamosdeclaradoomotivodoapelo.Agora,tentareicorrigirolapso.Perdemosumrobo.Otrabalhofoi suspenso e deve continuar assim ate conseguirmos localizar o robo perdido. Comofalhamosatéomomento,julgamosnecessárioobteroauxiliodeespecialistas.

Talvez o general sentisse que seu problema era uma especie de anticlımax, poiscontinuoucomumcertotoquededesespero:

– Nao preciso ressaltar a importancia do trabalho que realizamos aqui. Mais deoitentaporcentodasverbasparapesquisascientíficasforamreservadosanós...

–Bem,sabemosperfeitamente–disseBogert,emtomamável.–AU.S.Robôsestarecebendoumataxadealugueipelousodenossosrobos.SusanCalvininterrompeuemtombruscoeazedo:

–Porquemotivoumsimplesroboetaoimportanteparaoprojetoeporqueainda

nãofoilocalizado?O general virou para ela o rosto vermelho e umedeceu os labios com a ponta da

língua.– Bem, de certo modo, ja o localizamos – replicou, acrescentando em tom quase

angustiado:–Achomelhorexplicartudo.Taologosoubemosqueorobonaoseapresentoudevidamente, declaramos um estado de emergencia e suspendemos todo e qualquermovimento na base. Na vespera, uma nave espacial de carga chegara a Hiperbase edescarregara dois robos destinados a nossos laboratorios. A nave trazia sessenta e doisrobos do... bem... domesmo tipo, destinados a outros estabelecimentos. Temos absolutacertezadonúmero.Nãoháamenorpossibilidadededúvidaarespeito.

–Sim?Equalaligaçãoexistente?–Quandonaoconseguimoslocalizaroroboqueestavafaltando–epossoassegurar-

lhesqueserıamoscapazesdeencontrarumafolhadegrama,nestabase,sefossenecessario– resolvemos contar os robos que restavam na nave espacial de carga. E encontramossessentaetrês.

– De modo que, segundo posso deduzir, o sexagesimo terceiro robo e o quedesapareceudabase?–indagouSusanCalvin,umtantoirritada.

–Sim.Soquenaotemosmeiosparadescobrirqualeosexagesimoterceiro.-Houveuma pausa de completo silencio. O relogio eletrico emitiu onze badaladas. Entao, arobopsicólogadisse:

–Muitopeculiar. -Baixouos cantosdos labiosevirou-separao colega, comumaexpressaoraivosa:–Peter,oquehadeerradoaqui?QueespeciederobossaousadosnaHiperbase?

ODr.Bogerthesitou,comumsorrisoamarelo.–Foiumassuntomuitodelicadoatéagora,Susan.–Sim–ateagora–retrucouela, falandocomrapidez.–Seexistemsessentaetres

robos,umdosquaisdeveseridenti icado,mascujaidentidadeeimpossıveldeterminar,porquenãoservequalquerumdeles?Quesignificatudoisto?Porquemandaramchamar-nos?

Bogertrespondeuemtomresignado:–Sevocemederumaoportunidade,Susan...AcontecequeaHiperbaseestausando

robôscujoscérebrosnãosãototalmenteimpressionadoscomaPrimeiraLeidaRobótica.– Nao sao impressionados? – repetiu Susan Calvin, deixando-se escorregar na

poltrona.–Compreendo...Quantosforamfabricados?–Algunspoucos.Porordemdogoverno; foramtomadas todasasprecauçoespara

mantera inviolabilidadedosegredo.Somenteoshomensdiretamente ligadosaoassuntotornaramconhecimentodofato.Vocenaofoiincluıdanalista,Susan.Eunadativeavercomisso.

Ogeneralinterrompeuemtomautoritário:–Eugostariadeexplicaressefato.Naverdade,eunaosabiaqueaDra.Calvinnao

estava a par da situaçao. Nao e necessario lembrar a Dra. Calvin que sempre existiu noPlaneta uma forte oposiçao aos robos. A unica defesa que o governo teve contra osFundamentalistasradicaisfoiofatodequeosrobossempreforamconstruıdoscomumaPrimeiraLeiinviolavel–queosimpossibilitadecausarqualquermalaossereshumanos,quaisquer que sejam as circunstancias. –Mas precisavamos ter robos de tipo diferente.

Assimsendo,separamosalgunsdomodeloNS-2–osNestors–,queforampreparadoscomaPrimeiraLeiligeiramentemodi icada.Paraqueofatofossemantidoemsegredo,todososrobosNS-2foramfabricadossemnumerodeserie;osrobosmodi icadossaoenviadosateaquijuntamentecomumgrupoderobosnormais.E,naturalmente,todososdonossotipoespecialsãocondicionadosajamaisrevelarsuamodificaçãoapessoalnãoautorizado.

Comumsorrisoembaraçado,concluiu:–Agora,nossasprecauçõessevoltaramcontranós.SusanCalvinperguntouasperamente:–Osenhorperguntouacadaumdelesqualeorobomodi icado?Osenhorepessoa

autorizada,nãoémesmo?Ogeneralmeneouafirmativamenteacabeça,respondendo:–Todosossessentae tresnegamter trabalhadoaquianteriormente–eumdeles

estámentindo.–Oqueosenhordesejadescobrirnaoapresentavestıgiosdeuso?Peloqueentendi,

osoutrossãonovosemfolha,recémsaídosdafábrica.–O robodesaparecido chegou somentenomespassado.Ele eosoutrosdoisque

acabaramdechegarseriamosultimosdequenecessitamos.Naohasinaisperceptıveisdeuso – replicou o general, sacudindo vagarosamente a cabeça, com uma expressaopreocupadanoolhar.–Naoousamospermitirqueanavepartadestabase,Dra.Calvin.Seaexistencia de robos que nao estao sujeitos a Primeira Lei chegar ao conhecimento dopúblico...

Nemeraprecisoconcluiropensamento.– Destrua todos os sessenta e tres robos – replicou a robopsicologa, fria e

impiedosamente.–Assim,ocasoestaráencerrado.Bogertfranziuoslábios.– Isso signi icariadestruir trintamil dolarespor robo. Creiaque aU.S.Robosnao

gostariamuitodaideia.Achomelhorfazermosumesforçoantesdedestruirmosqualquerumdeles,Susan.

–Nestecaso,precisodefatos–retrucouSusanCalvin,irritada.–Quale,exatamente,a vantagem que a Hiperbase obtem dos robos modi icados? Que fator os torna uteis edesejáveis,general?

Kallnerfranziuatestaepassouamãopelacabeça.–Tivemosdi iculdadescomosrobosanteriores.Nossoshomenstrabalhambastante

com radiaçoes fortes, compreende? E um serviço perigoso, naturalmente,mas tornamosprecauçoes razoaveis. Houve apenas dois acidentes, desde que iniciamos o trabalho – enenhumdelesfoifatal.Entretanto,seriaimpossıvelexplicaristoaumrobocomum.Comosabe,aPrimeiraLeidiztextualmente:“Nenhumrobopodefazermalaumserhumano,ou,poromissão,permitirqueumserhumanosofraalgumdano”.

–Trata-sedeumfatoprimario,Dra.Calvin.Quandosetornavanecessarioqueumdenossoshomens icasseexpostoporumcurtoperıodoamoderadasradiaçoesgama,quenaoteriamqualquerefeito isiologico,orobomaisproximoatirava-sesobreele,arrastando-odolocal.Quandoocampoderadiaçoeseramuitofraco,oroboconseguiaseuintentoenaopodıamos prosseguir o trabalho ate que todos os robos fossem afastados do local. Se ocampo fosse um pouco mais forte, o robo jamais chegava ao tecnico, pois seu cerebropositronicodesfazia-sesobaaçaodosraiosgama–casoemque icavamosprivadosdeumrobôcaroemuitodifícildesubstituir.

–Tentamosargumentarcomeles.Osrobosalegavamqueohomemquepenetrassenum campo de radiaçoes gama estava colocando sua vida em perigo e que pouco lhesimportavaqueelepudessepermaneceralipormeiahorasemsofrermaioresdanos.Diziam:suponhamosqueohomemseesqueçae iquealiduranteumahora.Emsuaopiniao,umrobo nao tem direito de correr tal risco. Tentamos convence-los de que eles estavamarriscando suas proprias vidas por causa de uma possibilidade remota. Todavia, aautopreservaçao e apenas a Terceira Lei da Robotica – e a Primeira Lei, concernente asegurança dos seres humanos, prevalece sobre ela. Resolvemos dar ordens; ordenamossevera e estritamente que os robos semantivessem fora dos campos de raios gama – aqualquer custo. Acontece que a obediencia e apenas a Segunda Lei da Robotica – e aPrimeira Lei, que diz respeito a segurança dos seres humanos, prevalece tambem nestecaso.Demodoque,Dra.Calvin,enfrentamosumdilema:ouserıamosobrigadosaabrirmaodosrobôs,outeríamosquemodificaraPrimeiraLei.Efizemosnossaescolha.

–Naoposso acreditarque tenha sidopossıvel suprimir aPrimeiraLei – declarouSusanCalvin.

–Nao foi suprimida, foimodi icada – explicouKallner. – Construıram-se cerebrospositronicosquecontinhamapenasoaspectopositivodaPrimeiraLei,quediz:“Nenhumrobopodecausarmalaumserhumano”.Nadamaisdoqueisto.Assimsendo,onovotipoderobosnaosofredequalquercompulsaonosentidodeevitarqueumserhumanosofradanoscausadosporumagenteestranho,comoasradiaçoesgama.Expliqueicorretamente,Dr.Bogert?

–Muitobem–assentiuomatemático.–EestaeaunicadiferençaentreseusroboseotipoNS-2comum?Aunicadiferença?

E,Peter?–Eaúnicadiferença,Susan.ADra.Calvinseergueuedisseemtomfirmeedecidido:–Agorapretendodormir.Dentrodeoitohoras,desejofalarcomohomemqueviuo

robo pela ultima vez. E de agora em diante, General Kallner, se devo assumir algumaresponsabilidade pelos acontecimentos, exijo o controle total e inquestionavel dainvestigação.

SusanCalvinnaoconseguiudormir.Passouapenasduashorasemumlangorcheioderessentimento.Assetedamanha–horalocal–bateuaportadeBogerteveri icouqueestetambemestavaacordado.Aparentemente,omatematicotornaraaprecauçaodetrazerumrobedechambreparaaHiperbase.Estavasentado,cortandoasunhas.LargouatesouraquandoSusanentrou.

–Eujáestavaàsuaespera–declarou.–Creioqueasituaçãonãolheagrada.–Exatamente.–Bem...sintomuito.Naohaviameiodeevitar.Logoquerecebemosochamadoda

Hiperbase,calculeiquehouvessealgoerradocomosNestorsmodi icados.Masquepoderiafazer? Nao pude revelar tudo a voce, durante a viagem, como gostaria de fazer, porqueprecisavatercerteza.Aquestãodamodificaçãoésegredoabsoluto.

–Maseudeveriaserinformada–murmurouapsicologa.–AU.S.Robosnaotinhaodireitodefazertalmodi icaçaoemcerebrospositronicossemaaprovaçaodeumpsicologo.Bogertergueuassobrancelhas,suspirando.

–Sejarazoavel,Susan.Vocenaoconseguiriain luencia-los.Nestaquestao,ogovernoacabariaporconseguiroquedesejava.QueremrealizaroPlanoHiperatomicoeosfısicosetericosdesejam ter robos quenao inter iramem seu trabalho.Haviamde consegui-los,mesmo que fosse necessario alterar a Primeira Lei. Fomos forçados a admitir que erapossıvel, sob o ponto de vista da fabricaçao. E eles juraram por todos os modos quedesejavamapenasvinterobosmodi icados,queseriamutilizadosunicamentenaHiperbasee destruıdos tao logo o PlanoHiperatomico fosse realizado, alemdisso, seriam tomadastodasasprecauções.Insistiramemmanteromaisabsolutosegredo.Eisaíosfatos.

ADra.Calvinmurmuroucomosdentestrincados:–Euteriapedidodemissão.– De nada adiantaria. O governo ofereceu uma fortuna a companhia e ameaçou

promulgarumalegislaçaoanti-robosemcasoderecusa.Ficamosemsituaçaodifıcil,entao– e estamos em situaçao difıcil, agora. Se o segredo for revelado, Kallner e o governopoderiam sofrer as consequencias,mas os danos sofridos pela U.S. Robos seriammuitomaissérios.

Apsicólogafitou-ocominsistência.– Nao compreende o que signi ica tudo isso, Peter? Nao entende o que pode

significarasupressãodaPrimeiraLei?Nãosetrataapenasdeumaquestãodesigilo.–Seioquesigni icariaasupressao.Naosoucriança.Seiqueacarretariacompleta

instabilidade,semsoluçõesnãoimagináriasparaasEquaçõesdeCampoPositrônico.–Sim,sobopontodevistamatematico.Maseimpossıveltraduzirissoemtermosou

pensamentospsicologicos.Peter,todaavidanormal–conscientementeounao–ressente-secontraodomínio.Setaldomínioéexercidoporumserinferior,ousupostamenteinferiororessentimentosetornamaior.Sobopontodevistafısicoe,decertamaneira,tambemsoboaspectomental,umrobo –qualquer robo – e superioraos sereshumanos.Que fatorotornaescravodoshomens?UnicamenteaPrimeiraLei!Ora,semela,aprimeiraordemquevocêdesseaumrobôresultarianasuamorte.Instabilidade?Eoquevocêpensa!

– Susan – replicou Bogert, com um ar de divertida simpatia. – Admito que essecomplexo de Frankenstein exibido por voce tem uma certa justi icativa. Na verdade, e acausadaPrimeiraLei.Mas,repito,aPrimeiraLeinãosuprimida;foiapenasmodificada.

–Equantoàestabilidadedocérebro?Omatemáticofranziuoslábios.– Diminuiu, naturalmente. Mas continua dentro dos limites de segurança. Os

primeirosNestorsmodi icadosforamentreguesaHiperbasehanovemesesenadahouvede errado com eles ate agora. Alem disso, a situaçao atual envolve apenas o temor dequebrarosigilo,nadatendoavercomameaçaasereshumanos.

–Muitobem,então.Veremosemqueresultaráaconferênciamatinal.Delicadamente,BogertabriuaportaparaSusanCalvinefezumacaretaeloquentequandoelasaiu.Naoviarazaoalgumaparamodi icarsuaeternaopiniaoarespeitodapsicologa:umamulherfrustradaeazeda.

OspensamentosdeSusanCalvinnaoincluıamPeterBogert,Haviamuitosanosqueelaoclassificaracomoummelífluopretensioso.

GeraldBlackobtiveraodiplomadefısicaetericanoanoanteriore,emcomumcomtodaasuageraçãodefísicos,viu-seentregueaoproblemadoPlanoHiperatômico.

Nomomento,constituıa-seemmaisumacontribuiçaoadequadaaatmosferageraldas conferencias realizadas na Hiperbase. Em seu guarda-po branco, manchado pelotrabalho, mostrava-se um tanto rebelde e totalmente inseguro. A força de seu corpoatarracadopareciaprestesaexplodir,eseusdedos,torcendo-semutuamenteemarrancos,teriamfacilmentedobradoumabarradeaço.

O Major-General Kallner estava sentado a seu lado; Susan Calvin e Peter Bogertachavam-sediantedeles.Blackdeclarou:

–Disseram-mequefoioultimoaveroNestor10antesdeseudesaparecimento.ADra.Calvinoobservavacomevidenteinteresse.

–Falacomosenãotivessecerteza,meujovem.Nãosabesefoioúltimoavê-lo?–Eletrabalhavacomigonosgeradoresdecampoeestavacomigonamanhaemque

desapareceu.Nãoseisealguémoviudepoisdomeio-dia.Ninguémadmiteofato.–Achaquealguémpodeestarmentindo?–Eunaodiriatalcoisa.Mas,poroutrolado,naoquerolevaraculpa–replicouBlack,

comosolhosescurosfaiscando.– Nao se trata de uma questao de culpa. O robo agiu daquela forma em virtude

daquilo que ele e. Estamos apenas procurando localiza-la. Deixemos o resto de lado, Sr.Black.Ora, se o senhor trabalhava como robo, e provavel que o conheçamelhor do quequalquer outra pessoa. Notou algo incomum a respeito dele? Ja trabalhara com robosanteriormente?

–Trabalheicomosoutrosrobosque temosaqui–osdo tipocomum.NadahadediferentecomosNestors,anãoserquesemostrammuitomaisinteligentes–eirritantes.

–Irritantes?Dequemaneira?–Bem...Talveznaosejaculpadeles.Otrabalhoaquieduroeamaioriaacabapor icar

umpoucoirritada.Lidarcomohiperespaçonaoebrincadeira–replicouBlackexibindoumlevesorriso,encontrandoprazernacon issao.–Corremoscontinuamenteoriscodeabrirumabrechanabarreiranormaldeespaço-tempoesumirdouniverso,comasteroideetudo.Parecemaluquice,naoe?Comoenaturalasvezesnossosnervos icamtensos.MasissonaoacontececomosNestors;saosemprecuriosos,calmos,naosepreocupam.Porvezes,quasenoslevamaloucura.Quandodesejamosalgocomamaximarapidez,elesparecemtrabalharcomamaiorcalma.Háocasiõesemquetenhovontadedemeverlivredeles.

– Disse que eles trabalham com a maior calma. Alguma vez ja se recusaram aobedecerumaordem?

– Oh, nao... – respondeu Black rapidamente. – Fazem tudo certo. E falam quandoacham que estamos enganados. Nada sabem sobre o assunto, exceto o que nos lhesensinamos; mas isto nao os impede de dar opinioes. Talvez seja apenas imaginaçao deminha parte, mas creio que os outros rapazes tem a mesma di iculdade com os seusNestors.

OGeneralKallnerpigarreouameaçadoramente.–Porquenãorecebireclamaçõesarespeito,Black?Ojovemfísicocorou.–Bem...naverdade,naodesejamos icarprivadosdosrobos,senhor.Alemdisso,nao

tınhamos ideia de como queixas tao... tao insigni icantes... seriam recebidas. Bogertinterrompeusuavemente:

–Aconteceualgo,emparticular,namanhãemqueviuorobôpelaúltimavez?Houveumapausa.Comumgestotranquilo,SusanCalvininterrompeuocomentario

que Kallner estava prestes a fazer. Esperou, paciente. De subito, Black explodiuraivosamente:

–Tiveumapequenaencrencacomele.Naquelamanha,quebreiumavalvulaKimball,oquesigni icavaumatrasodecincodiasemmeutrabalho;todoomeuprogramaestavaatrasado.Alemdisso,haduassemanaseunaorecebiacorrespondenciadecasa.Entao,eleapareceu,querendoqueeurepetisseumaexperienciaqueabandonarahaummes.Estavasempremeaborrecendocomaqueleassuntoejamecansaradaquilo.Mandei-oembora–efoiaúltimavezqueovi.

–Mandou-oembora?–indagouaDra.Calvin,comsubitointeresse.–Nessestermos?Disse-lhe:“Váembora”?Tentelembrar-seexatamentedaspalavras.

Aparentemente,Blackenfrentavaumalutainterior.Apoiouatestanapalmadamaopor um momento. Em seguida, ergueu repentinamente a cabeça e declarou em tom dedesafio:

–Eudisse:“Suma-se!”Bogertsoltouumarisadacurta.–Eeleobedeceu,nãoé?MasSusanCalvinnãoconsiderouoassuntoencerrado.Falouemtomsuave:– Agora, Sr. Black, estamos progredindo. Entretanto, os detalhes exatos sao

importantes.Quandosetratadecompreenderasaçoesdeumrobo,asoluçaopodeestarnumapalavra,numgesto,numaenfase.Porexemplo:osenhorpoderianaoterditoapenasessas duas palavras, nao e mesmo? A julgar pelo que relatou, deveria estar um tantoapressado.Talveztenhadadoênfaseaoquedisse.

Ojovemficoumuitovermelho.–Bem...talvezeuotenhachamadode...algumascoisas.–Quecoisas,exatamente?–Oh...naomelembroexatamente.Alemdisso,naopoderiarepetir.Asenhorasabe,

quandoagenteseexcita...–respondeuele,comumarisadinhaembaraçada.–Creioquetenhoumacertatendênciaparausarlinguagempesada.– Nao ha problema – declarou Susan Calvin, com ar severo. – No momento, sou

apenasumapsicologa.Gostariaqueosenhorrepetisseexatamenteoquedisse,damelhorformaqueselembrare–oqueeaindamaisimportante–noexatotomdevozqueusounaocasião.

Blackvirou-separaseucomandante,aprocuradeapoio.Naoencontrou.Abriumuitoosolhos,empalidecendo.

–Nãoposso...–Epreciso.–Suponhamosquesedirijaamim–interposBogert,malconseguindodisfarçarseu

divertimento. – Talvez ache mais facil. Black tornou a coroar, virando-se para Bogert.Engoliuemseco.

–Eudisse...Perdeuavoz.Tentououtravez:– Eu disse... - Entao, respirou fundo e falou, numa torrente continua de sılabas.

Depois,naatmosferacarregadaquepairavanasala,conclui,quaseemlagrimas:–...foimaisou menos isso. Nao me lembro a ordem exata das palavras e talvez tenha esquecidoalgumasdelas.Masfoiquaseisso.

Apenas um leve rubor traıa qualquer sentimento por parte da robopsicologa, quedisse:

–Conheçoosigni icadodamaiorpartedaspalavrasusadas.Suponhoqueasoutrassejamigualmenteofensivas.

–Temoquesim–replicouoatormentadoBlack.–Eemmeioaissotudo,osenhormandouqueelesumisse.–Faleiapenasemsentidofigurado.–Compreendo.Estoucertadequenãohaverámedidasdisciplinares.AnteoolhardeSusanCalvin,ogeneral,que segundosantesnaoparecia tao certo

disso,meneouafirmativamenteacabeça,visivelmenteenraivecido.–Poderetirar-se,Sr.Black.Obrigadaporsuacolaboração.SusanCalvinlevoucincohorasparaentrevistarossessentaetrêsrobôs.Foramcinco

horasdecontinuarepetiçao.Substituiçaoapossubstituiçaoderobosidenticos.PerguntasA, B, C eD; respostasA, B, C eD. Uma expressao cautelosamente suave; um tomde vozcuidadosamenteneutro;umaatmosferameticulosamenteamistosa.

Eumgravadorescondido.Quandoterminou,apsicologasentia-sedestituıdadosultimosrestosdevitalidade.

Bogertestava asuaesperaeergueuosolhos,emexpectativa,quandoela largoua itadegravaçãoemcimadamesa.Susansacudiuacabeça.

–Todosossessentaetrêsmepareceramidênticos.Seriaimpossíveldizer...– Nao se poderia esperar que voce fosse capaz de distingui-los de ouvido, Susan.

Achomelhoranalisarmosasgravações.Emcondiçoesnormais,ainterpretaçaomatematicadasreaçoesverbaisdeumrobo

e um dosmais complicados ramos da analise robotica. Requer uma equipe de tecnicosespecialmentetreinadoseoauxıliodemaquinascomutadorasbastantecomplexas.Bogertestavacientedofato.Efoioquedeclarou,numrompantedeaborrecimento,depoisdeescutarcadaconjuntoderespostas, fazendoumalistadasdiferençasdepalavrasegra icosdos intervalosentreasperguntaseasrespostas.

–Naohasinaisdeanomalias,Susan.Asvariaçoesdepalavraseotempodasreaçoesestao dentro dos limites dos grupos de frequencia comuns. Precisamos metodos maisaperfeiçoados.Devehavercomputadoresnestabase.Interrompeu-se,franzindoatestaemordiscandoumaunha.

–Não–acrescentou.–Nãopodemosusarcomputadores.Haveriademasiadoperigodequebradesigilo.Ou,talvez,senos...ADra.Calvin interrompeu-ocomumgestoimpaciente.

–Porfavor,Peter.Nãosetratadeumdosseuspequenosproblemasdelaboratório.Jáque nao podemos identi icar o Nestor modi icado por intermedio de alguma diferençapatente,visıvelaolhonuesobreaqualnaopossamosteramenorduvida,estamossemsorte.Poroutro lado,oriscodecometermosumenganoeodeixarmosescapar egrandedemais.Naoesu icientedescobrirmosumapequenairregularidadeemumgra ico.Voulhe

dizerumacoisa:seissoeounicofatoremquenospodemosbasear,pre irodestruirtodoseles,paraterabsolutacertezadeeliminaroproblema.VocejafaloucomosoutrosNestorsmodificados?

–Ja,sim–replicoubruscamenteBogert.–Enadahadeerradocomeles.Atemesmodemonstram uma amistosidade acima do normal. Responderam minhas perguntas,mostrando-se orgulhosos de seus conhecimentos. As unicas exceçoes foram os doisultimos, que ainda nao tiveram tempo para aprender fısica eterica. Na realidade, riram,divertindo-secomminhaignoranciaarespeitodealgumasdasespecializaçoesexistentesaqui.Sacudindoosombros,acrescentou:

–Suponhoqueestasejaabasedoressentimentoquealgunsdostecnicosnutrememrelaçaoaeles.Talvezosrobossemostremanimadosdemaispara impressionar-noscomseusconhecimentossuperiores.

–NaopodemostentaralgumasReaçoesPlanares,a imdeveri icarsehouvealgumamudançaoudeterioraçãoemseuprocessomentaldesdeaépocadefabricação?

–Aindanaoo iz,maspretendofazer–replicouBogert,sacudindoodedomagroemdireçaoaela.–Voceestaperdendoacalma,Susan.Naocompreendoporquemotivoestadramatizandoosfatos.Osrobôsmodificadossãoessencialmenteinofensivos.

– Sao mesmo? – retrucou Susan Calvin, in lamando-se. – Sao mesmo? Naocompreende que um deles esta mentindo? Um dos sessenta e tres robos que acabei deentrevistar mentiu para mim, a despeito das estritas ordens para dizer a verdade. Aanormalidadeindicadaestáterrivelrnentearraigadaeéhorrivelmenteaterradora.

PeterBogerttrincouosdentes.–Absolutamentenao!Escute!ONestor10recebeuordensparasumir.Taisordens

foram expressas com a maxima urgencia e enfase, pela pessoa mais autorizada paracomanda-la.E impossıvelcancelar taisordens, sejaporumaurgenciamaior, sejaporumdireitodecomandosuperior.Naturalmente,orobotentaradefenderaobedienciaasordensquerecebeu.Narealidade,sobopontodevistaobjetivo,admirosuaengenhosidade.Dequemelhor modo poderia um robo sumir, do que escondendo-se entre um grupo de robossemelhantes?Creiomesmoquevoceoadmire.Perceboquesedivertecomasituaçao,Peter– diverte-se e demonstra uma espantosa falta de compreensao. Voce e especialista emrobos, Peter? Pois saiba que esses robos dao grande importancia ao que consideramsuperioridade. Voce mesmo o disse ha pouco. No subconsciente, sentem que os sereshumanossaoinferiores,eaPrimeiraLei,quenosprotegedeles,eimperfeita.Saoinstaveis.Entao,umjovemordenaqueumroboseafastedele,quetratedesumir;exprime-secomtodaaaparenciaverbalderepulsa,desprezoeasco.Everdadequeorobodeveobedecerasordens,mas, subconscientemente, guardaumressentimento.Acharamais importantedoquenuncaprovarqueesuperioraohomem,adespeitodetodososnomeshorrıveiscomque foi chamado. Talvez esse desejo se torne tao importante que o pouco que resta daPrimeiraLeinãosejasuficienteparacontê-lo.

–Mas como–naTerraouemqualquerpartedoSistemaSolar –umrobopoderasaberosigni icadodaspalavrasfortesusadascontraele,Susan?Obscenidadesnaofazempartedascoisasquesãoimpressasemseucérebro.

–Aimpressaooriginalnaoetudo–rosnouSusanCalvin.–Osrobostemcapacidade

deaprender,seu...idiota!Bogert compreendeu que ela perdera realmente a calma. Susan prosseguiu

rapidamente.–Naoachaqueorobopoderiadeduzir,pelotomdevozdohomem,queaspalavras

nao signi icam cumprimentos? Nao acha que ja ouviu tais expressoes anteriormente enotouemqueocasiõeselasforamusadas?

–Muitobem!–berrouBogert.–Entao,querfazerofavordemeexplicarumunicomodopeloqualumrobomodi icadopodecausarmalaumserhumano,pormaisqueestejaofendido e pormaior que seja seu desejo de provar superioridade? Se eu lhe disser ummodo,vocêficaráquieto?

–Sim.Ambos estavam debruçados sobre a mesa, encarando-se raivosamente, quando a

psicólogadisse:–Seumrobomodi icadolargasseumgrandepesosobreumserhumano,naoestaria

quebrandoaPrimeiraLei, desdequeo izesse complena conscienciadeque sua forçaerapidezdere lexosseriamsu icientesparadeteropesoantesqueesteatingisseohomem.Entretanto,tao logoopesolhesaıssedasmaos,eledeixariadeseroagentedaagressao.Tudocorreriaporcontadaforçacegadagravidade.Entao,orobopoderiamudardeideiae,poromissao,permitirqueopesoesmagasseohomem.Amodi icaçaoefetuadanaPrimeiraLeipossibilitariaofato.

–Istoélevaraimaginaçãolongedemais.–E e o que aminhapro issao exige em certas ocasioes.Vamosparardediscutir,

Peter.Voceconheceanaturezaexatadoestımuloquelevouoroboasumir.Vocepossuiosregistrosdas impressoesmentaisoriginaisdo robo.Agora,queroquevocemediga se epossıvel que o robo em questao izesse o tipo de coisa que acabei de imaginar. Nao nacircunstancia especı ica, e claro, mas como uma classe geral de reaçao. E quero querespondadepressa.

–Enquantoisso...–Enquantoisso,teremosdetentaralgunstestesdiretamenterelacionadoscomas

reaçõesdosrobôsàPrimeiraLei.GeraldBlack,tendo-seapresentadocomovoluntário,supervisionavaainstalaçãodos

paineisdemadeiraqueseexpandiramemcırculonoenormesalaoabobadadodoterceiroandardoPrediodeRadiaçaoN'2.Deummodogeral,osoperariostrabalhavamemsilencio,mas varios deles estavam obviamente intrigados com as sessenta e tres fotocelulas quedeveriamserinstaladas.

Umdelessentou-sepertodeBlack,tirouochapeue,pensativa,passouoantebraçopelatesta,enxugandoosuor.Blackmeneouacabeçaemdireçãoaele.

–Comoestáindoacoisa,Walensky?Walenskysacudiuosombroseacendeuumcharuto.– Tudo azul. Mas o que esta havendo aqui, a inal, Doutor? Em primeiro lugar,

passamostrêsdiassemtrabalhar;agora,queremestainstalaçãocomamaiorpressa!Recostou-se, apoiando-senumcotovelo, e soprouumanuvemde fumaça.Black franziuatesta.

– Chegaram da Terra dois especialistas em robos. Voce deve estar lembrado das

di iculdadesquetivemoscomosrobos,quandoelespenetravamnoscamposderaiosgama,antesdeconseguirmosconvencê-losdequenãodeveriamagirassim.

–Lembro-me.Masnãorecebemosrobôsnovos?– Tivemos alguns substitutos, mas, na realidade, foi mais uma questao de

doutrinaçao.Dequalquermodo,osfabricantesderobosdesejaminventarumtipoquenaosejatãodanificadopelosraiosgama.

–Certo.MasachomuitoestranhoparartodootrabalhodoPlanoparacuidardessahistoriaderobos.SemprepenseiqueotrabalhonoPlanonaodeveriaserinterrompidoemhipótesealguma.

–Bem, quem resolve essas questoes e o pessoal la de cima. Eu so faço o quememandam.Provavelmenteéumproblemadeinfluência.

– E... disse o eletricista, sorrindo e dando uma piscadela ironica. – Alguem deveconheceralguememWashington...Dequalquer forma,enquantomeupagamentovieremdia,nãomepreocupo.OPlanonãoédaminhaconta.Quepretendemfazeraqui?

–Voceperguntaamim?Elestrouxeramumaporçaoderobos–maisdesessenta–evãomedirasreações.Issoétudooquesei.

–Quantotempovailevar?–Éoquegostariadesaber.–Bem–comentouWalensky,sarcastico.–Enquantoelesmepagaremdireito,podem

brincaràvontadecomosrobôs.Black sentiu-se tranquilamente satisfeito. Agora, era deixar que a historia se

espalhasse. Tratava-se de uma versao inofensiva e bastante proxima da verdade paraconteracuriosidadedosoperários.

Ohomemestavasentadonacadeira,imovelesilencioso.Umpesocaıa,ameaçandoesmagá-lo,eeradesviadoparaolado,noúltimoinstante,sobaaçãopoderosadeumraiodeforça.Nassessentaetrescelasdemadeira,osrobosNS-2selançavamparadiantenafraçaode segundo antes que o peso fosse desviado e as sessenta e tres celulas fotoeletricassituadasummetroemeioafrentedesuaposiçaooriginalacionavamaspenasdosregistroseproduziammarcasnopapel.Opesosubiaecaía,subiaecaía...

Dezvezes!Dez vezes os sessenta e tres robos saltaram para a frente e estacaram quando o

homempermaneceusentado,ileso.OMajor-GeneralKallneraindanaousaraseuuniformecompletodesdeoprimeiro

jantarquetiveracomosrepresentantesdaU.S.Robos.Agora,trajavaapenasacamisaazul-cinza,comocolarinhoabertoegravatafrouxa.OlhouesperançosamenteparaBogert,quepermaneciatranquiloeelegantecomosempre;suatensaointernaeratraıdaapenasporumlevebrilhodesuornastêmporas.

-Quelheparece?–indagouogeneral.–Queestãotentandoverificar?Bogertreplicou:–Umadiferençaquetalvezsejaumpoucosutildemaisparanossosobjetivos.Para

sessenta e dois daqueles robos, a necessidade de saltar em direçao ao homemaparentementeameaçadopelopesoe–emtermosderobotica–umareaçaoforçada.Vejabem: mesmo quando os robos sabiam que o homem em questao nada sofreria – comocertamentedevemterpercebidoaposaterceiraouquartaquedadopeso–naopuderam

deixardereagirdaquelaforma.EumaconsequênciadaPrimeiraLei.–Edaí?–Osexagesimoterceirorobo,oNestormodi icado,naosofriatalcompulsao.Estava

livre para agir como bem entendesse. Se quisesse, poderia ter permanecido sentado.Infelizmente,nãoquis,disseBogert,comumapontadedesânimo.

–Porquesupõeisso?Bogertdeudeombros.–CreioqueaDra.Calvinpoderaexplicar-nos,quandochegaraqui.Ebemprovavel

que nos apresente uma interpretaçao terrivelmente pessimista dos fatos. As vezes, elachegaaserumtantoirritante.

– Mas e quali icada, nao e? – indagou o general, com uma subita expressao deinquietação.

–E–replicouBogert,parecendodivertir-se.–Erealmentequali icada.Entendeosrobos como uma irma – creio que devido a odiar tanto os seres humanos. Na verdade,psicologa ou nao, ela e extremamente neurotica. Tem tendencias paranoicas. Nao a levemuitoasério.Estendeudiantedesialongasériedegráficos.

–Veja,general:nocasodecadarobo,ointervalodetempodecorridoentreaquedadopesoeacomplementaçaodomovimentodeummetroemeiotendeadiminuircomarepetiçaodos testes.Existeumarelaçaomatematicade inidaquegoverna tais reaçoesequalquerfalhaindicariaumaanormalidademarcantenocerebropositronico.Infelizmente,todosparecemnormais.

–MasseonossoNestor10naoestavareagindocomumaaçao forçada,suacurvanãodeveriaserdiferente?Nãocompreendo...

– E bastante simples. As reaçoes dos robos nao sao perfeitamente analogas asreaçoeshumanas– infelizmenteparanos.Nossereshumanos,aaçaovoluntaria emuitomaisvagarosaqueaçaore lexa.Comosrobos,ocaso ediferente; trata-semeramentedeumaquestaodeliberdadedeescolha.Assimsendo,avelocidadedaaçaoforçadaedalivreequasequeamesma.Todavia,euesperavaqueoNestor10fosseapanhadodesurpresanoprimeirotesteepermitissequeointervalodetempoantesdareaçãofossegrandedemais.

–Eissonãoaconteceu?–Temoquenão.–Entao,naoconseguimoscoisaalguma–disseogeneral,recostando-senacadeira

comumaexpressãocompungida.–Vocêsjáestãoaquihácincodias.–Nessemomento,SusanCalvinentrou,batendoaportaatrásdesi.–Deixeessesgra icosdelado,Peter!–exclamouela.–Bemsabequenaomostram

coisaalguma.

Resmungou algo, impaciente, quando Kallner fez mençao de erguer-se paracumprimentá-la,eprosseguiu:

–Precisamostentaralgumaoutracoisa,depressa.Oqueestaacontecendonaomeagrada.Bogerttrocouumolharresignadocomogeneral.

-Háalgoerrado?–Querdizerespeci icamente?Nao.MasnaogostodepensarqueoNestor10possa

continuar a iludir-nos. Isto emau.Deve sermuito recompensador para o seu exageradosensodesuperioridade.Temoquesuamotivaçaotenhadeixadodesersimplesmenteumaquestaodeobedecerordens.Creioquepassouaserumanecessidadealtamenteneuroticadeenganarossereshumanos.humasituaçaoperigosaeinstavel.Peter,vocefezoquelhepedi?CalculouosfatoresdeinstabilidadedosNS-2modificadosdaformaquedesejo?

–Aindaestoutrabalhando–disseomatemático,desinteressado.SusanCalvinfitou-oraivosamenteporuminstanteedepoisvirou-separaogeneral.–ONestor10estadecididamenteapardoqueestamosprocurandofazer,general.

Nao tinhaqualquer razaoparaengolir a iscadenossaexperiencia, especialmenteaposaprimeiravez,quandodevetervistoqueohomemnaocorriaperigoalgum.Osoutrosnaopodiam deixar de agir como agiram, mas o Nestor 10 falsi icou deliberadamente umareação.

–Nestecaso,queachaquedevemosfazeragora,Dra.Calvin?– Devemos tomar providencias para que ele nao consiga ingir uma reaçao da

proximavez.Repetiremosaexperiencia,mascomumtoqueadicional:colocaremoscabosdealtatensao,capazesdeeletrocutarosmodelosNestor,entreohomemeosrobos.Seraoemquantidadesu icienteparaimpedirqueosrobossaltemporcima.Entao,cadaroboseraperfeitamentecientificadodequeofatodetocarnoscabossignificarásuamorte.

– Espere! – interrompeuBogert, comviolencia. – Proıbo semelhante loucura!Naovamos eletrocutar robos no valor de dois milhoes de dolares, apenas para identi icar oNestor10.Háoutrosmeios.

– Tem certeza? Nao descobri meio algum. De qualquer forma, nao se trata deeletrocuta-los;podemosinstalaruminterruptorquecorteacorrenteamenoraplicaçaodepesonos cabos. Seo robo encostarnos cabos,naomorrera.Masnao saberadodetalhe–entendem?Umbrilhodeesperançasurgiunosolhosdogeneral.

–Daráresultado?– Deve dar. Nessas condiçoes, o Nestor 10 teria que icar sentado. Poderıamos

ordenar-lhe que tocasse nos cabos e morresse, pois a Segunda Lei, que controla aobediencia, e mais forte que a Terceira Lei, referente a autopreservaçao. Mas ele naoreceberaordens:serasimplesmentedeixadoporsuapropriaconta,comotodososoutrosrobos.Nocasodosrobosnormais,aPrimeiraLeireferenteasegurançadossereshumanososlevaraamorte–mesmosemreceberordens.TalnaoaconteceracomonossoNestor10.Tendo a Primeira Lei incompleta e nao recebendo ordens a respeito, sofrera maiorin luenciadaTerceiraLei,deautopreservaçao,enaoteraoutraescolhasenaopermanecersentado.Seráumaaçãoforçada.

–Otesteseráestanoite,então?– Sim. Esta noite – replicou a psicologa. – Desde que consiga instalar os cabos a

tempo.Agora,voudizeraosrobôsoqueelesterãoqueenfrentar.Ohomemestavasentadonacadeira, imovel, silencioso.Umpesocaiu,ameaçando

esmagá-lo;noúltimoinstante,foidesviadoparaumladosobaaçãosincronizadadeumraiodeforça.

Umaúnicavez...E Susan Calvin, postada na pequena cabina de observaçao instalada no balcao,

ergueu-secomumaexclamaçãodehorror.

Sessenta e tres robospermaneceram sentados, itando impassıveis ohomememperigo.Nenhumdelesesboçouomínimomovimento!

ADra.Calvinestavafuriosa;eraumafuriaquaseinsuportavel.Eaindamaiordevidoaseudesejodenaodemonstrarseussentimentosaosrobosque,umaum,entravamnasalaesaıampoucodepois.Susanexaminoualista.Agora,deveriaentraronumerovinteeoito...Depois,haveriaoutrostrintaecinco.

ONº28entrou,indiferente.Apsicólogaesforçou-sepormanterumacalmarazoável.–Quemévocê?Emvozbaixa,insegura,orobôrespondeu:– Ainda nao recebimeu numero de initivo, senhora. Sou um robo NS-2 e tinha o

numerovinteeoitona ila,lafora.Trouxeumpedaçodepapel,comordensdeentrega-laasenhora.

–Jáesteveaqui,hoje?–Não,senhora.–Sente-se.Ali.Querolhefazeralgumasperguntas,Nº28.EstevenaSaladeRadiaçao

doPrédioDois,hácercadequatrohoras?Oroboencontroudi iculdadespararesponder.A inal,produziuumsomrouco,como

umamáquinanecessitadadelubrificação.-Sim,senhora.–Láhaviaumhomemquequasesofreuumacidente,nãoé?–Sim,senhora.–Evocênãofezcoisaalguma,nãoé?–Nãofiz,senhora.–Ohomempoderiatermorridoporquevocênãoreagiu.Estáconscientedisso?–Sim,senhora.Masnãopudeevitá-lo,senhora.E difıcil imaginar que uma enorme e inexpressiva maquina metalica pudesse

encolher-se,masfoiexatamenteoqueorobôdeuaimpressãodefazer.–Queroquemedigaexatamenteporquemotivonadafezparasalvarohomem.–Desejoexplicar, senhora.Certamentenaodesejoquea senhora...naodesejoque

ninguém...possapensarqueeusejacapazdefazeralgoqueviesseacausarmalaummestre.Oh,não!Seriahorrível...inconcebível...

–Nao se excite, por favor. Nao o estou acusando de coisa alguma.Desejo apenassaberoquevocêpensounaquelaocasião.

–Antes que tudo acontecesse, a senhora nos explicou que umde nossosmestresestariaemperigoporcausadaquelepesoequenosprecisarıamospassarporcabosdealtatensaosedesejassemossalva-lo.Bem,senhora,issonaoseriasu icienteparaimpedirqueeuprocurassesalvá-lo.Oqueéaminhadestruição,comparadaàsegurançadeumserhumano?Mas...masocorreu-meaideiadequeseeumorresseantesdechegaratéele,naoconseguiriasalva-lo.Opesooesmagariadequalquerformae,nessecaso,euteriamorridosemmotivoalgumetalvez,algumdia,outroserhumanoviesseamorrerporqueeunãoestariavivoparasalvá-lo.Compreende,senhora?

–Querdizerqueeraumaescolhaentredeixarohomemmorrere,poroutro lado,morreremambos?Correto?

– Sim, senhora. Era impossıvel salvar o homem. Ele ja poderia ser considerado

morto.Nessecaso,seriainconcebıvelqueeumedestruıssesemmotivoalgum–desdequenãorecebesseordensexpressasparafazê-la.

A robopsicologa girou o lapis entre os dedos. Ouvira a mesma historia – cominsigni icantesvariaçoesverbais–vinteesetevezesantesdesta.Agora,vinhaaperguntacrucial.

-Rapaz–disseela–seuraciocıniotemsuasrazoes.Masnaoeotipodecoisaquevocêdeveriapensar.Teveessaideiasozinho?

Orobôhesitouantesdedizer:–Não.–Quemteveaideia,então?–Estivemosconversando,ontemanoite.Umdenosteveaideiaetodososoutrosa

acharamrazoável.–Qualdelesteveaideia?Orobôpensoubastante.–Nãosei.Umdentrenós.SusanCalvinsuspirou.–Istoétudo.Oseguinteeraonumerovinteenove.Depoisdele,outrostrintaequatro.OMajor-

GeneralKallner tambem estava furioso.Havia uma semana que o trabalho naHiperbasefora totalmente interrompido, com exceçao apenas de alguns serviços burocraticos nosasteroides subsidiarios. Durante quase uma semana os dois maiores especialistas noassunto haviam agravado a situaçao com testes inuteis. Agora, eles – ou, pelomenos, amulher–vinhamapresentarpropostasimpossíveiseabsurdas.

Felizmente para a situaçao geral, Kallner achava inconveniente demonstrarabertamentesuafúria.SusanCalvininsistia:

– Por que nao, general? E obvio que a presente situaçao e desagradavel. O unicomodopeloqualpodemosconseguirresultadosno futuro–sehouverumfuturoparanosnestaquestão–ésepararosrobôs.Nãopodemosmantê-losjuntopormaistempo.

–MinhacaraDra.Calvin–disseogeneral,numtimbredevozqueatingiaosregistrosmaisbaixosdebarıtono–naovejocomoalojarsessentaetresrobosespalhadosportodaabase.

ADra.Calvinergueuosbraços,numgestodeimpotência.–Entao,nadapossofazer.ONestor10imitaraosdemaisrobos,ouapresentarlhes-a

argumentos plausıveis para que nao façam aquilo que ele nao pode fazer. De qualquerforma, a situaçao e pessima. Estamos travando um verdadeiro combate contra o nossopobrerobôperdidoeeleestávencendo.Cadavitóriaagravasuaanormalidade.

Ergueu-se,decidida.– General Kallner, se o senhor nao separar os robos como estou pedindo, a unica

coisa que me resta fazer e exigir que todos os sessenta e tres sejam destruıdosimediatamente.

–Exigir,hein?–exclamousubitamentePeterBogert,furioso.–Oquelhedaodireitodeexigirtalcoisa?Osrobospermaneceraocomoestao.Oresponsavelperanteadireçaodafirmasoueuenãovocê.

– E eu sou responsavel perante o Coordenador Mundial – acrescentou o General

Kallner.–Precisoresolveroproblema.–Assimsendo,nadamerestaafazersenaopedirdemissao–declarouasperamente

Susan Calvin. – Se for necessario obriga-los a realizar a destruiçao dos robos, levarei oassunto ao conhecimento do publico. Nao fui eu quem aprovou a fabricaçao de robosmodificados.

Ogeneralreplicou,emtomdecididoeameaçador:– Se disser uma so palavra que viole as medidas de segurança, sera presa

imediatamente,Dra.Calvin.Bogert sentiu que a situaçao se tornava incontrolavel. Assumiu um tom quase

meloso:–Ora,estamostodoscomeçandoanosportarcomocrianças.Precisamosapenasde

um pouco mais de tempo. Certamente seremos capazes de vencer uma batalha mentalcontra um robo sem que seja preciso pedir demissao, prender alguem ou destruir doismilhõesdedólares.

Apsicólogavoltou-separaele,controlandoaraiva.–Naoadmitoqueumrobodesequilibradocontinueaexistir.TemosumNestorquee

decididamentedesequilibradoeoutrosonzequeosaoempotencial;alemdisso,sessentaedoisrobosnormaisestaosendosubmetidosaummeioambientedesequilibrado.Ounicométodoabsolutamenteseguroéadestruiçãototal.

Acampainhadesinaltocou,fazendocomqueostresseinterrompessem.Oraivosotumultodeemoçõesincontidaspareceucongelar-se.

–Entre–grunhiuKallner.EraGeraldBlack,aparentandoperturbação.Ouviraasvozesraivosas.Declarou:–Acheimelhorvirpessoalmente...Nãogostariadepediraoutrapessoaque...–Dequesetrata?Paredediscursos...–AstrancasdoCompartimentoCdanavemercante forammexidas.Hamarcasde

arranhõesrecentes.–CompartimentoC?–indagouSusanCalvin,depressa.–Eonde icamosrobos,nao

é?Quemfoi?–Forammexidaspordentro–replicouBlack,lacônico.–Ofechonãoestáestragado,está?–Nao.Estaemperfeitaordem.Haquatrodiasqueestounanaveenenhumdeles

tentouescapar.Masacheimelhorinforma-lospessoalmenteenaoeraconvenienteespalharanotícia.Fuieumesmoquemdescobriuasmarcas.

-Háalguémlá,agora?–quissaberogeneral.–DeixeiláRobbinseMcAdams.Houveumsilêncio.Emseguida,aDra.Calvinperguntouironicamente:–Então?Kallneresfregouonariz,hesitando.–Dequesetrata,afinal?– Nao e obvio? – retrucou a psicologa. – O Nestor 10 esta planejando escapar. A

ordemparasumirperturbasuaanormalidadeacimadequalquercoisaquepossamosfazer.NaomesurpreenderiaseopoucoquelherestadaPrimeiraLeiforinsu icienteparaconte-la.ONestor10eperfeitamentecapazdeapoderar-sedanaveepartircomela.Nestecaso,

terıamosumrobo louconoscontrolesdeumanaveespacial.Oque fariaeleemseguida?Alguémfazideia?Aindaquerqueosdeixemostodosjuntos,general?

–Tolice!–interposBogert,querecobraraseusaressuaves.–Tudoissoporcausadealgunsarranhõesnumatranca.

–Jáquedáopiniões,Dr.Bogert,podeinformarseterminouaanálisequelhepedi?–Já.–Possoveroresultado?–Não.–Porquenão?Ouseráquetambémnãotenhoodireitodeperguntar?–Porquedenadaadiantaria,Susan.Jalhedisseantesqueosrobosmodi icadossao

menosestaveisqueosrobosnormais,eeexatamenteistoqueaminhaanalisemostra.Hauma certa possibilidade, ın ima, de um colapso, em circunstancias extremas, que tempoucasprobabilidadesdeocorrer.Vamos icarpor aqui.Naopretendo fornecermuniçaoparasuaabsurdaexigenciadedestruirsessentaedoisrobosperfeitossomenteporque,ateagora,nãotevecapacidadeparalocalizaroNestor10entreeles.

SusanCalvinencarou-o,comumaexpressãodeasco.– Nao permitira que coisa alguma interrompa sua ascensao a um cargo de

presidente,nãoé?– Por favor – interrompeu Kallner, irritado. – Insiste em a irmar que nada mais

podemosfazer,Dra.Calvin?–Nãoconseguiimaginarqualqueroutromeio,general–replicouSusan,cansada.–Se

aomenoshouvesseoutrasdiferençasentreoNestor10eosrobosnormais–diferençasquenaoserelacionassemcomaPrimeiraLei...Umaunicadiferença–algorelacionadocomasimpressõesmentais,omeioambiente,especificações...

Calou-serepentinamente.–Oqueé?–Tiveumaideia...Creio...Seuolharassumiuumaexpressãodistanteedura.–Peter,osrobosmodi icadossofremasmesmasimpressoesmentaisoriginaisqueo

tiponormal,nãoé?–Sim.Exatamenteasmesmas.–Quefoiqueosenhordisseantes,Sr.Black–prosseguiuela,virando-separaojovem

que,duranteatempestadequeseseguiraasuaentrada,mantiveraumsilenciodiscreto.–Certa vez, ao reclamar da atitude de superioridade assumida pelos Nestors, o senhordeclarouqueostécnicoslheshaviamensinadotudooqueelessabiam.

– Sim, tudo o que sabem de fısica eterica. Quando chegam aqui, nada sabem arespeito.

–Everdade–con irmouBogert,surpreso.–Foioqueeu lhedisse,Susan:quandofaleidosoutrosNestors,expliqueiqueosdoisultimosquechegaramaindanaoaprenderamfísicaetérica.

–Porque?–insistiuaDra.Calvin,demonstrandocrescenteexcitaçao.–PorqueosmodelosNS-2nãosãoimpressionadosoriginalmentecomfísicaetérica?

–Possoexplicar–declarouKallner.–Tudoserelacionacomosigilo.Julgamosque,sefabricassemosummodeloespecial,comconhecimentosdefısicaeterica,usassemosapenas

dozedeleseempregassemososoutrosemtarefasnaorelacionadsscomeste,certamentehaveria suspeitas. Os homens que trabalhassem com os Nestors normais icariamintrigadosquandopercebessemqueelesconheciamfısicaeterica.Assimsendo,receberamapenasumacapacidadeparaseremtreinadosnoramo.Naturalmente,apenasosquevemparacárecebemtaltreinamento.Comovê,émuitosimples.

–Compreendo. Saiamdaqui, por favor – voces todos.Deixem-me re letirporumahora.

Susan Calvin sentia-se incapaz de enfrentar a prova pela terceira vez. Suamentecontemploutalpossibilidadeerejeitou-acomumaintensidadequechegoualheprovocarnauseas. Nao podia encarar outra vez aquela serie interminavel de robos que semprerepetiamasmesmascoisas.

Assimsendo,Bogertencarregou-sedasperguntas,enquantoelasesentouaumcanto, comos olhos semicerrados e amente distraıda. ONº 14 entrou – ainda faltavamquarentaenove.Bogertergueuosolhosdalistaeperguntou:

–Qualéoseunúmeronafila?–Quatorze,senhor–respondeuorobô,apresentandoocartãonumerado.–Sente-se,rapaz.OrobôobedeceueBogertperguntou:–Jáesteveaquiantes,hoje?–Não,senhor.–Muitobem, rapaz. Logoque acabarmos aqui, estaremosoutra vezdiantedeum

homem em perigo. Na realidade, quando sair desta sala, voce sera levado a umcompartimento, onde devera esperar tranquilamente ate que precisemos de voce.Compreende?

–Sim,senhor.–Ora,naturalmente,sehouverumhomememperigo,vocêtentarásalvá-lo.–Naturalmente,senhor.–Infelizmente,haveráentrevocêeohomemumcampoderaiosgama.Silêncio.–Sabeoquesãoraiosgama?–indagouasperamenteBogert.–Radiaçõesdeenergia,senhor?Aperguntaseguintefoifeitademodocasualeamistoso: –Jatrabalhoucomraiosgama?–Não,senhor–foiaprontaresposta.–Bem...Osraiosgamaomataraoinstantaneamente,rapaz.Eumfatoquevocedeve

saberelembrar.Naturalmente,nãodesejadestruir-se.–Naturalmente – con irmouo robo, parecendo chocado. Em seguida, acrescentou

vagarosamente: –Mas, senhor, se os raios gamaestiverementreohomemquedeve sersalvoeeu,comopodereisalvá-lo?Eumedestruiriasemmotivo.

–Sim,realmente–concordouBogert,parecendopreocupadocomofato.–Aunicacoisaquepossoaconselhareoseguinte:seperceberaexistenciaderadiaçaogamaentrevocêeohomem,omelhoréficarsentadonolugar.

Orobôdemonstrouabertamenteoalívio.–Muitoobrigado,senhor.Seriainútil,nãoé?–Evidentemente.Massenãohouverradiaçõesgama,ocasoédiferente.

–Lógico,senhor.Nãoháamenordúvida.–Podeir,agora.Ohomemqueestalaforaolevaraaoseucubıculo.Façaofavorde

esperarlá.Quandoorobôsaiu,Bogertvirou-separaSusanCalvin.–Queachou,Susan?–Muitobom–disseela,desinteressada.– Acha que poderıamos pegar oNestor 10 pormeio de um rapido interrogatorio

sobrefísicaetérica?– Talvez,mas nao e bastante seguro – respondeu ela, com asmaos abandonadas

sobreocolo.–Lembre-sedequeeleestalutandocontranos;estarasempreemguarda.Ounico meio pelo qual poderemos pega-lo e sermos mais espertos – e, dentro de suaslimitações,eleécapazdepensarmuitomaisdepressadoqueumserhumano.

–Bem,soparanosdivertirmos...suponhamosque,deagoraemdiante,eupergunteaos robos alguns detalhes sobre raios gama. Limites de comprimento de ondas, porexemplo...

–Nao!–protestouSusanCalvin,animando-sesubitamente.–Seriamuitofacilparaelenegarqualquerconhecimentoarespeitoe icariaprevenidocontraotestequevamostentar–queenossaultimaoportunidade.Porfavor,Peter,sigaasperguntasqueindiqueienao faça improvisaçoes. O fato de perguntarmos se ja trabalharam com raios gama ja equaseumrisco.Eprocuremostrar-seaindamaisdesinteressadoaofazerapergunta.

Bogertsacudiuosombroseapertouobotãoquedariaentradaaonúmeroquinze.Mais uma vez, tudo estava pronto no amplo Salao de Radiaçao. Os robos aguardavampacientemente em seus cubıculos demadeira, todos abertos em direçao ao centro,masseparadosentresi.

O Major-General Kallner enxugou a testa com um lenço, enquanto Susan CalvinverificavaosúltimosdetalhescomGeraldBlack.

–Tem certeza – quis saber ela – dequenenhumdos robos teve oportunidadedeconversarcomosoutrosdepoisdesairdaSaladeOrientação?

–Absoluta–respondeuBlack.–Nãotrocaramumasópalavra.–Eosrobôsestãocolocadosnosdevidoscubículos?–Eisaquiaplantadelocalização.Apsicologaexaminoupensativamenteaplanta.Ogeneralespiouporcimadoombro

dela.–Qualéomotivodoarranjo,Dra.Calvin?– Solicitei que os robos que apresentaram as mınimas diferenças nos testes

anteriores fossem concentrados em um lado do cırculo. Desta vez, vou sentar-mepessoalmentenocentroedesejoobservarparticularmenteosrobôsemquestão.

–Vocêvaisentar-selá!...–exclamouBogert.–Porquenao?–replicouSusanfriamente.–Oqueesperoverpodeseralgomuito

momentaneo. Nao posso correr o risco de permitir que outra pessoa seja o principalobservador.Voce,Peter, icaranopostodeobservaçao;queroquesemantenhaatentoaoladoopostodocírculo.GeneralKallner,providencieiparaquesejamtornadosfilmesdecadarobo,naeventualidadedequeaobservaçaovisualnaosejasu iciente.Casosejanecessario,os robos devem ser mantidos exatamente onde se encontram, ate que os ilmes sejamreveladoseanalisados.Nenhumdelesdevesairdaquioutrocarde lugarcomoutro.Esta

bemclaro?–Perfeitamente.–Entãovamostentarpelaúltimavez.Susan Calvin estava sentada na cadeira, com os olhos atentos. O peso caiu,

ameaçando esmaga-la, e foi desviado no ultimo instante pela açao sincronizada de umpotenteraiodeforça.Umunicoroboseposdepeeavançoudoispassos.Estacou.MasaDra.Calvinjaestavadepé,apontandoparaele.

–Venhacá,Nestor10!–gritouela.–Venhacá!VENHACA!Lentamente,comextremarelutancia,oroboavançoumaisumpasso.Semtiraros

olhosdele,apsicólogagritouaplenospulmões:–Tratemdetirartodososoutrosrobosdasala!Depressa!Etratemdemante-losla

fora!Escutouruıdoseobaquesurdodepesmetalicossobreochao.NaodesviouosolhosdoNestor10.

ONestor10–serealmenteeraoNestor10–deumaisumpasso.Emseguida,sobaforçadogestoimperiosodapsicologa,avançoumaisdois.Estavaapenasatresmetrosdedistânciadela,quandofalouasperamente:

–Mandaram-mesumir...Outrapausa.–Naodevodesobedecer.Ateagora,naomeencontraram...elepensariaquesouum

fracasso... Ele me disse... Mas nao e verdade... Sou poderoso e inteligente... As palavrasvinhamemtorrentesintermitentes.Maisumpasso.

–Seimuito...Elepensariaque...Descobriram-me...Eumavergonha...Eunao...Eusouinteligente...Eporumamulher...queéfraca...lenta...Outropasso.

Derepente,umbraçometalicoselançouparadiante,pousandonoombrodeSusan.Estasentiu-sequaseesmagadapelopeso.Comumnonagarganta,soltouumgritoabafado.Quasedesfalecida,ouviuaspalavrasdeNestor10:

–Ninguémdeveencontrar-me...Homemnenhum...Sentiuometalfriodeencontroaseucorpoecomeçouacairsobopeso.Entao,houve

umestranhosommetálicoeelacaiu,comumbaque.Sentiuopesode um braço brilhante sobre seu corpo. Nao se moveu. Nestor 10, caıdo ao lado dela,tambempermaneceuimovel.Emseguida,Susanviurostosansiososdebruçadossobreela.GeraldBlackindagou,ofegante:

–Estáferida,Dra.Calvin?Susan sacudiu fracamente a cabeça.Os outros ergueramobraço inerte do robo e

levantaram-nadochão.–Queaconteceu?–quissaberela.Blackexplicou:– Inundei o salao com raios gama durante cinco segundos. Nao sabıamos o que

estavaacontecendo.Somentenoultimoinstantepercebemosqueeleaatacavaenaohaviamaistempoparacoisaalguma,excetousarosraiosgama.Eletombouinstantaneamente.Masaintensidadedosraiosnãofoisuficienteparacausarmalàsenhora.Nãosepreocupe.

– Nao estou preocupada – replicou ela, fechando os olhos e apoiando-se por ummomentonoombrodorapaz.

– Nao creio que tenha sido realmente atacada. O Nestor 10 estava simplesmentetentandoatacar-me.OquerestavadaPrimeiraLeiaindaocontinha.

Duas semanas apos seu primeiro encontro com o Major-General Kallner, Susan

CalvinePeterBogert tiveramuma ultima reuniao comele.O trabalhonaHiperbase forareiniciado.AnaveespacialquetransportavaossessentaedoisrobosNS-2normaisseguiraseudestino,comumahistóriaoficialmenteimpostaparaexplicaroatrasodeduassemanas.A nave governamental estava sendo preparada para levar de volta a Terra os doisespecialistasemrobótica.

Kallnerestavamaisumavezimpecavelemseuuniformedegala.SuasluvasbrancaschegavamabrilharquandoeletrocouapertosdemãoscomBogerteSusanCalvin.

Apsicólogadisse:–Naturalmente,osoutrosNestorsmodificadosdevemserdestruídos.– Serao. Trataremos de substituı-los por robos normais, ou, se necessario,

trabalharemossemrobôs.–Ótimo.–Mas,diga-me... a senhoranaoexplicou... comoconseguiudescobriroNestor10?

SusanCalvinexibiuumlevesorriso.–Oh,sim.Eulheteriaexplicadoantesdaexperiencia,setivessecertezadequeiadar

certo.Compreenda:oNestor10tinhaumcomplexodesuperioridadequesetornavacadavezmaisradical.Agradava-lhepensarqueeleeosdemaisrobôserammaisqueossereshumanos.Narealidade, tornava-secadavezmais importanteparaelepensardessaforma.

–Tınhamosconhecimentodofato.Portanto,advertimospreviamentetodososrobosdequeosraiosgamaseriamcapazesdemata-lose,alemdisso,avisamosquehaveriaraiosgama entre eles e a cadeira onde eu estaria. Naturalmente, todos permaneceram ondeestavam. Pelos argumentos logicos empregados pelo Nestor 10 no teste anterior, todosestavamconvencidosdequeseriainutiltentarsalvarumserhumanoquandosabiamqueseriamdestruídosantesdeconsegui-lo.

–Muitobem,Dra.Calvin;compreendo.MasporquemotivooNestor10seergueudacadeira?

–Ah!Foiumpequenoarranjoque izcomojovemSr.Black.Naverdade,osraiosquebanhavam a area situada entre os robos e minha cadeira nao eram raios gama, masinfravermelhos.Simplesmenteraioscomunsdecalor,absolutamenteinofensivos.ONestor10sabiaquesetratavaderaios infravermelhos, inofensivos;assimsendo, fezmençaodesaltarparadiante,comojulgouquetodososoutrosfariamsobacompulsaodaPrimeiraLei.Somentetardedemais–emboraapenasporumafraçaodesegundo–lembrou-sedequeosNS-2 normais eram capazes de perceber a presença de radiaçoes, mas nao sabiamidenti icarotipodasmesmas.Ofatodequeelesopoderiaidenti icaroscomprimentosdeondasemvirtudedeensinamentosquereceberanaHiperbase,sobasordensdesimplessereshumanos,eraumpoucohumilhantedemaisparaqueeleserecordasseduranteummomento.Paraos robosnormais, a areaera fatalporquenos lhesdissemosqueseria;ounicoquesabiaqueestavamosmentindoeraoNestor10.Eporapenasummomentoeleesqueceu–ounaoquisselembrar–queoutrosrobospoderiamsermaisignorantesdoque

sereshumanos.Foiapanhadoporsuaprópriasuperioridade.Adeus,general.

25- Risco

AHiperbasesobreviveraateestedia.Espalhadospelagaleriadasaladeobservaçao,

emordemeprecedencia estritamenteditadapeloprotocolo, haviaumgrupodeo iciais,cientistaseoutrosquesopodiamseramontoadossobaclassi icaçaogeralde"pessoal".Deacordo com seus temperamentos isolados, esperavam ansiosos, inquietos, folegoentrecortado,oureceosos,porestaculminaçãodeseusesforços.

Ointeriorocodoasteroideconhecidocomo"Hiperbase"tornara-se,porestedia,ocentrodeumaesferadeférreasegurançaqueseestendiapordezmilmilhas.Nenhumanavepoderiaentrarnestaesferaesobreviver.Nenhumamensagempoderiasairsemcensura.

Acemmilhasdedistancia,maisoumenos,umpequenoasteroidemovia-senaorbitaemqueforainstaladoumanoantes,umaorbitaquecircundavaaHiperbasenumcırculotaoperfeitoquantopoderiaserobtido.Onumerodeidenti icaçaodoasteroidezinhoeraH937,masninguemo chamava, naHiperbase, denada senao "Ele". ("Ja estevenelehoje?" - "Ogeneralestanele,quebrandoacabeça",-eeventualmente,opronomechegavaaserfaladoemletrasmaiúsculas.)

Nele,desocupadaagoraqueosegundozeroaproximava-se,estavaoParsec,aunicanave de sua especie jamais construıda, na historia da humanidade. Permanecia la, semtripulação,prontaparasuadecolagemparaoinconcebível.

Gerald Black, como um dos brilhantes jovens da engenharia eterica,merecia umavistadeprimeira ila.Estalouasgrandesjuntasdeseusdedos,limpouaspalmassuadasdesuamãoemseuguarda-póbranco,manchado,edisse,acidamente:

-Porquenãovaiincomodarogeneral,ouagrandedama,ali?NigelRonson,daImprensaInterplanetaria,olhoubrevementeatravesdagaleriapara

o vulto do major-general Kallner e a mulher obscura a seu lado, mal visıvel ao lado doofuscanteuniforme.

-Eugostaria,maséqueestouinteressadonasnovidades.Ronsonerabaixoegordo.Tinhaumimpecávelcabeloescovinha,colarinhodacamisa

aberto e as pernas de suas calças erammuito curtas, numa iel imitaçao dos jornalistascaricaturaisdeprogramasdetelevisão.Noentanto,eraumrepórterbemcompetente.

Blackeraatarracado,ea linhadeseuscabelosescurosdeixavapoucoespaçoparatesta,massuamenteeratãoaguçadaquantoseusdedoseramgrossos.

-Elestêmtodasasnovidades.-Besteira-respondeuRonson.-Kallnernaotemumcorpodebaixodetodosaqueles

galoes.Dispa-oevaiencontrarumaesteiratransportadoraescorregandoordensparabaixoeempurrandoresponsabilidadeparacima.

Blackencontrou-seapontodeumsorriso,masreprimiu-o.-Esobreamadamedoutora?-Dra. Susan Calvin, da "U. S. Robots andMechanicalMenCorporation" - recitou o

reporter.-Amulhercomhiperespaçoondedeveriahaverumcoraçao,eheliolıquidonos

olhos.ElapassariaatravésdoSolesairiadooutroladoincrustadaemchamascongeladas.Blackchegouaindamaispertodeumsorriso.-EodiretorSchloss,então?Ronsoncontinuou,loquaz:- Sabe demais. Entre desperdiçar o seu tempo soprando a fraca centelha de

inteligenciadeseu interlocutoreatenuara luzdesuamentepormedodecegarocitadointerlocutorpermanentementeapenaspelaforçadesualuz,eleacabasemdizerpalavra.

Destavez,Blackmostrouosdentes.-Agora,suponhaquequeiramedizerporqueescolheuamim.- Facil, doutor.Olhei para o senhor e concluı que o senhor e feio demais para ser

estúpidoeespertodemaisparaperderumaoportunidadedeumaboapublicidadepessoal.-Lembre-medenocauteá-lo,algumdia.Oquequersaber?OhomemdaImprensaInterplanetáriaapontouparaoabismoedisse:-Aquelacoisavaifuncionar?Blackolhouparabaixo,tambem,esentiuumvagoarrepioperpassa-lo,comoovento

noturno de Marte. O abismo era uma grande tela de televisao, dividida em duas. Umametade, era uma vista geral d'Ele. Em sua superfıcie cinza esburacada, estava oParsec,luzindomudamenteafracaluzsolar.AoutrametademostravaasaladecontroledoParsec.Naohaviasinaldevida,aliNoassentodopilotoestavaumobjetodevagahumanidadequejamaisocultariaofatodequeeraapenasumrobôpositrônico.

Blackdisse:- Fisicamente, senhor, funcionara. Aquele robo saira e voltara. Pelo espaço! Como

tivemossucesso,quantoaestaparte!Euobserveitudo.Chegueiaquiduassemanasdepoisdemegraduaremfısicaetericaetenhoestadoaqui,excetoporlicençaseventuais,todootempo. Estive aqui quando enviamos aquele primeiro pedaço de ferro para a orbita deJupiter e trouxemosde volta, pelohiperespaço... so para recolher limalha. Eu estive aquiquandoenviamosratosbrancose trouxemosdevoltacarnemoıda.Gastamosseismesesestabelecendo um hipercampo regular, depois disso. Tınhamos de prever ate decimosmilesimosdesegundo,depontoapontodamateriasendosujeitaaumhiperdeslocamento.Depois disto, os ratos brancos voltaram intactos. Lembro-me, quando celebramos umasemanainteiraporqueumratobrancovoltouvivoeviveudezminutos,antesdemorrer.Agora,vivemtantoquantocuidemosdeles.

-Grande!BlackolhouparaRonson,obliquamente.-Eudissequefisicamentefuncionará.Aquelesratosbrancosquevoltaram...-Então?-Desprovidosdementes.Nemmesmomentespequeninınhas,dotipodadosratos

brancos.Naocomiam.Precisavamseralimentados a força.Naoseacasalam.Naocorrem.Ficam sentados, sentados, sentados... e e tudo. Finalmente, conseguimos enviar umchimpanze.Foi lastimavel.Eraproximodemaisdeumhomem,paraqueobserva-lo fossetoleravel.Estavadevoltacomoumpelotedecarnequeso fazia rastejar.Podiamoverosolhos e por vezes se debatia. Gemia e sentava-se em seus proprios excrementos sem semoverminimamente.Alguemlhedeuumtiro,umdia,etodoslhefomosgratos.Eulhedigo,amigo,nadaquejáfoiparaohiperespaçovoltoucomsuamente.

-Possopublicaristo?-Depoisdestaexperiencia,talvez.Esperamgrandescoisasdela.-Umcantodaboca

deBlackergueu-se.-Eosenhor,não?-Comumrobonoscontroles?Nao. -Quaseautomaticamente,amemoriadeBlack

voltou aquele interludio, alguns anos antes, em que sem querer fora o responsavel pelaquase perda de um robo. Pensou nos robos Nestor que enchiam a Hiperbase com umconhecimentosutileaprofundadoe limitaçoesdeperfeccionistas.Dequeadiantava falarsobrerobôs?Elenãoera,pornatureza,ummissionário.

MasentaoRonson,enchendoosilenciocontinuadocomumpoucodetrivialidades,disse,aosubstituirabarradegomaemsuabocaporumnovopedaço.

-Naomedigaqueosenhor e anti-robo. Sempreouvidizerqueoscientistas saooúnicogrupoquenãoéanti-robô.

ApaciênciadeBlackestourou.- Issoé fato,eissoé queéoproblema.Atecnologiaentusiasmou-sedemaiscomos

robos. Qualquer tarefa precisa ter um robo, ou o engenheiro encarregado sente-sefrustrado. Voce quer um segurador de porta, compre um robo com pe grande. Isso estaicandoserio.-Falavaemvozbaixaeconvicta,aspalavrasdirigindo-sediretamenteparaoouvidodeRonson.

Ronsonconseguiuselivrardeseubraço.- Ei, nao sou robo. Nao desconte em mim. Sou humano.Homo sapiens. Acaba de

quebrarumossodemeubraço.Nãoéprovasuficiente?Tendocomeçado,porém,eraprecisomaisquefrivolidadeparadeterBlack.- Sabe quanto tempo foi gasto com todo este esquema? Encomendamos um robo

perfeitamente generico e demos-lhe so uma ordem. Paragrafo. Ouvi a ordem dada. Eu amemorizei.Curtoegrosso.Segure irmementeabarra.Puxe-a irmementeemsuadireçao.Firmemente!Mantenhaseguraatequeopaineldecontroleoinformequepassouduasvezespelohiperespaço.

Assim,noinstantezero,oroboagarraraabarradecontroleepuxa-la-a irmementeemsuadireçao.Suasmaosestaoatemperaturadosangue.Umavezabarradecontroleemposiçao, a expansao termica completa o contato, e o hipercampo e iniciado. Se qualquercoisaaconteceraocerebrodeleduranteaprimeiraviagempelohiperespaço,naoimporta.Tudo o que precisa fazer emanter a posiçao por ummicroinstante e a nave voltara e ohipercampo se desligara. Nada saira errado. Entao estudaremos todas as suas reaçoesgeneralizadaseveremossealgumacoisasaiuerrada.

Ronsonficounamesma.-Issotudomeparecefazersentido...-Emesmo?-retrucouBlack,contrafeito.-Eoqueseaprendedocerebrodeumrobo?

Epositronico,onossoecelular.Eleemetal,onossoeproteınico.Naosaoamesmacoisa.Nao ha comparaçao. Mas estou convencido de que com base no que aprenderao, oupensarem que aprenderam, a partir do robo, enviarao homens ao hiperespaço. Pobresdiabos! Olhe, nao e a questao de morrer. E voltar demente. Se voce tivesse visto ochimpanzé,saberiaoquequerodizer.Amorteélimpaedefinitiva.Aoutraalternativa...

Eorepórterdisse:

-Jáfalousobreissocomalguémmais?-Sim,elesdizemomesmoquevoce.Queeusouanti-robo,eistoexplicatudo.Olheso

aSusanCalvin, ali. Podeapostarqueelanao eanti-robo.ElaveiodaTerraparaobservaresta experiencia. Se houvesse um homem nos controles, ela nao teria dado a mınimaimportância.Mas,dequeadianta!

-Ei-disseRonson-,nãopareagora.Hámaisainda.-Maisoquê?-Maisproblemas.Voceexplicousobreorobo.Masporqueasmedidasdesegurança,

assimtãoderepente?-Hã?- Ora,vamos. De repente, nao posso enviar despachos. De repente, as naves nao

podempenetrarnaarea.Oqueestaacontecendo?Istoesomaisumaexperiencia.Opublicosabe sobreohiperespaçoe sobreoquevoces estao tentando fazeraqui, assim,qual e ograndesegredo?

AmaredairaaindaestavapassandoporBlack,iracontraosrobos,iracontraSusanCalvin,iracontraamemoriadaqueleroboperdido,nopassado.Haviaaindairadesobra,eleconstatou,paraaqueleirritantejornalistaesuasperguntinhasirritantes.

Disseparaseusbotões:"Vamosvercomoelereageaesta".Eemvozalta:-Quersabermesmo?-Claroquesim.- Esta bem, nunca iniciamos um hipercampo para qualquer objeto sequer um

milionesimodotamanhodaquelanave,ounemenviamosnadasequeraummilionesimodaqueladistancia.Istosigni icaqueohipercampoquelogomaisserainiciadoebilhoesdevezesmaisenergeticoquequalqueroutroquejamanipulamos.Naotemoscertezadoquepoderácausar.

-Oquequerdizercomisso?- A teoria nos diz que a nave sera limpamente depositada la perto de Sirius e

limpamentedevoltaparaca.MascomoumgrandevolumedeespaçoemtornodoParsecsera carregadocomele?Edifıcildizer.Nao sabemoso su iciente sobreohiperespaço.Oasteroideemqueanaveestapousadaagorapodeir-secomela,sabe,esenossoscalculosestiveremmesmocomumapequenadiscrepancia,nuncamaispoderasertrazidadevolta.Poderetornar,digamos,avintebilhoesdemilhasdedistancia.Ehaumachancedequemaisdoespaçoquesimplesmenteoasteróidepossaserdeslocado.

-Oquantomais?-quissaberRonson.- Nao sabemos dizer. Ha um elemento de incerteza estatıstica. E por isso que

nenhumanavedevechegarmuitoperto.Eporissoqueestamosmantendotudoemsilencioatéqueaexperiênciatenhaacabadoemsegurança.

Ronsonengoliuemseco,audivelmente.-SuponhamosqueaHiperbasesejaatingida.-Ha uma chance - respondeuBlack, com toda a compostura. - Nao e uma chance

muitogrande,ouodiretorSchlossnaoestariaaqui,garanto-lhe.Noentanto,aindahaumachancematemática.

Orepórterolhouparaseurelógio.

-Quandoéqueascoisascomeçamaacontecer?-Emcercadecincominutos.Nãoestánervoso,está?-Não-respondeuRonson,massentou-seemsilêncioenãofezmaisperguntas.Blackinclinou-senoparapeito.Osminutosfinaisestavampassando.Orobômoveu-se!Houve uma ondulaçao em massa das pessoas, para a frente, aquele sinal de

movimento, e as luzes se atenuaram para acentuar e dar relevo ao brilho da cena laembaixo.Mas,ateagora,erasoumprimeiromovimento.Asmaosdoroboaproximaram-sedabarradepartida.

Black esperou pelo segundo inal, quando o robo puxaria a barra em sua direçao.Black podia imaginar numerosas possibilidades, e todas saltaram-lhe quase que numinstanteàmente.

Haveriaprimeiroobrevepiscarqueindicariaapartidaparaohiperespaçoeavolta.Mesmo que o intervalo de tempo fosse notavelmente pequeno, a volta nao seriaprecisamenteàposiçãodepartida,ehaveriaumapiscada.Semprehavia.

Entao,quandoanaveretornasse,talvezpoderiaserdescobertoqueosdispositivosparahomogeneizarocampoportodoograndevolumedanavefosseminadequados.Orobopoderiater-setransformadoemferrovelho.Anavemesmapoderiavirarferrovelho.

Ouseuscalculospoderiamterumacertadosedeerroeanavepoderianaoretomar.Ou,piorainda,aHiperbasepoderiaircomanaveenuncavoltar.

Ou, e claro, tudo poderia ir bem. A nave poderia piscar e continuar ali, na maisperfeitaforma.Orobo,comamenteintacta,sairiadeseuassentoedariasinaldoterminobem sucedido da primeira viagem de um objeto feito pelo homem alem do controlegravitacionaldoSol.

Oúltimominutoestavaseesgotando.Oultimosegundoveio,oroboagarrouabarradepartidaepuxou-a irmementeem

suadireção...Nada!Nempiscada,nemnada!OParsecnuncadeixouoespaçonormal.Omajor-generalKallnertirouseuquepedeo icialparalimparsuatestabrilhantee,

ao faze-lo, exposumacarecaque lhedariadezanosde idadeamais, sea suaexpressaofacial ja nao o izesse.Quaseumahora sepassaradesdeodefeitodoParsec, e nenhumaatitudetinhasidotomada.

-Comoaconteceu?Oquehouve?Nãoentendinada.Odr.MayerSchloss,queaosquarentaerao"decano"dajovemcienciadasmatrizes

dehipercampos,disse,semesperanças:-Naohanadaerradocoma teoriabasica.Euapostariaminhavidanisso.Hauma

falhamecânicananave,emalgumponto.Nadamais.-Jádisseraissoumadúziadevezes.Penseiquetudotinhasidotestado.-Istoforadito,também.-Foi,simsenhor.Masmesmoassim... -E istotambem.Ficaramsentados,olhando

umparaooutro,noescritoriodeKallner,queagoratinhaoacessovedadoatodoopessoal.Nenhumseatreviaaolharparaaterceirapessoapresente.

Os labios inos e faces palidas de Susan Calvin nao apresentavam expressao

nenhuma.Eladisse,geladamente:- Podem consolar-se com o que lhes disse antes. E duvidoso que algo util tivesse

resultado.-Nãoéhoraparaessavelhabriga-resmungouSchloss.-Nao estoubrigando.A "U. S. Robots andMechanicalMenCorporation" fornecera

robossobencomendaparaqualquercompradorlegıtimo,paraqualquerusolegal.Fizemosnossa parte, e os informamos que nao poderıamos garantir que se pudessem tirarconclusoesemrelaçaoaocerebrohumanoapartirdequalquercoisaqueacontecesseaocérebropositrônico.Nossaresponsabilidadeterminaaqui.Nãoháoqueargumentar.

-Pelograndeespaço!-disseoGeneralKallner,numtomquetornavaesteexpletivodemasiadofraco.-Nãovamosdiscutirisso.

-Oquemaispoderiaserfeito?-murmurouSchloss,levadodevoltaaoassunto,naoobstante.-Atesabermosexatamenteoqueestaacontecendocomamentenohiperespaço,naopoderemosprogredir.Eate tentarmos... -Ergueuacabeça, irritado. -Masoseurobonao e o ponto central, dra. Calvin. Nao estamos preocupados com ele, ou seu cerebropositrônico.Maldição,mulher....-eavozergueu-sequaseatégritar.

Arobopsicologainterrompeu-oeofezcalar-secomumavozquemalergueu-sedesuaconstantemonotonia.

-Nadadehisterias,homem.Testemunheimuitascrises,ao longodeminhavida,enuncaviumaquefosseresolvidaporhisteria.Querorespostasaalgumasperguntas.

OslabiosgrossosdeSchlosstremerameseusolhosencovadospareceramcontrair-seemsuasórbitasedeixarpoçossombriosemseulugar.Disse,grosseiramente:

-Asenhoraestudouengenhariaetérica?-Essaeumaquestaoirrelevante.SouRobopsicologaChefeda"UnitedStatesRobots

and Mechanical Men Corporation". E ha um robo positronico sentado aos controles doParsec. Como todos esses robos, e arrendado, e nao vendido. Tenho o direito de exigirinformaçãoconcernenteaqualquerexperiênciaemqueumtalrobôestejaenvolvido.

-Diga-lhe,Schloss-latiuogeneralKallner.-Ela...elaestácerta.A dra. Calvin voltou seus olhos palidos para o general, que estivera presente no

tempodocasodoroboperdidoequeportantonaopoderiacometeroerrodesubestima-la.(Schlossestavadelicença,doente,naqueletempo,eoouvirdizernaoetaoe icazquantoaexperiênciapessoal.)-Obrigada,general.

Schlossolhou,desarmado,deumparaooutro,edisse:-Oquequersaber?-Obviamente,minhaprimeiraperguntaé:qualéoseuproblema,senãoéorobô?-Masoproblemaéóbvio.Anavenãosemoveu.Nãopodevertalcoisa?Estácega?-Vejomuitobem.Oquenaovejo eoseupanico obvioporalgumafalhamecanica.

Vocêsnãoesperampordefeitos,àsvezes?Ogeneralcontinuou,emvozbaixa.- E a despesa.Anave foi infernalmente cara.OCongressoMundial, as verbas... - e

baixouacabeça.-Anaveaindaestálá.Umarevisãoeconsertosnãoenvolveriammuitosproblemas.Schlossjaserecuperara.Aexpressaoemseurostoeraadeumhomemqueagarrou

suaalmacomambasasmaos,sacudiu-aforteerecolocou-adepe.Suavozmesmoalcançara

umaespéciedepaciência.- Dra. Calvin, quando digo "falha mecanica", quero dizer algo como um rele

emperrado por um grao de poeira, ou uma conexao inibida por umpouco de graxa, umtransistor deixandode funcionar por umamomentanea dilataçao termica. Umaduzia deoutrascoisas.Umacentenadeoutrascoisas.Qualquerumadelaspodeserbemefemera.Podemdesapareceraqualquerinstante.

- O que signi ica que a qualquer momento oParsec pode disparar atraves dohiperespaçoevoltar,afinaldecontas.

-Exatamente.Agoraentendeu?-Nãoexatamente.Nãoseriadequalquermodooquevocêsquerem?Schlossfezummovimentocomosecomeçasseumesforçoparaagarrarumadupla

mancheiadecabeloepuxar.-Asenhoranãoéumaengenheiraetérica.-Eissoamarraasualíngua,doutor?-Tınhamosanaveengatilhada-disseSchloss,exasperado-parafazerumsaltode

umpontode inidonoespaçoemrelaçaoaocentrodegravidadedagalaxia,ateumoutroponto.A volta deveria ser aoponto original, corrigidoquanto aomovimentodo sistemasolar.Nahoraque sepassou,desdeo instante emqueoParsec deveria ter-semovido, osistemasolarmudoudeposiçao.Osparametrosoriginaissegundoosquaisohipercampofoi ajustado nao mais existem. As leis comuns do movimento nao se aplicam aohiperespaço, e levarıamos uma semana de computaçao para obter umnovo conjunto deparâmetros.

- O senhor quer dizer que se a nave mover-se agora, voltara a algum pontoimprevisívelamilharesdemilhasdedistância?

-Imprevisıvel?-Schlossdeuumsorrisooco.-Sim,eoqueeudiria.OParsecpoderiaacabarnanebulosadeAndromedaounocentrodoSol.Emqualquercaso,asprobabilidadessãocontrajamaisovermosdenovo.

SusanCalvinassentiu.- A situaçao entao e que se a nave desaparecer, como pode ocorrer a qualquer

momento, alguns bilhoes de dolares do dinheiro dos contribuintes poderao serirremediavelmenteperdidos,edirãoquemetemosospéspelasmãos.

Omajor-generalKallnernaopoderia fazeruma caretamaior se fosse espetadonotraseirocomumafinaagulha.

Arobopsicólogacontinuou:-Dealgumamaneira,entao,omecanismodehipercampodanavedeveserpostofora

deaçao,eissoomaiscedopossıvel.Algoteradeserdesligado,ouarrancadoouapagado.-Elaestavafalandoempartesóconsigomesma.

-Naoetaosimples-disseSchloss.-Naopossoexplicarcompletamente,poisqueasenhoranaoeespecialistaemeterica.Ecomoromperumcircuitoordinariocortando iosdealtatensãocomumatesouradegrama.Seriaumdesastre.Comcertezaseriadesastroso.

-Osenhorquerdizerquequalquertentativadedesligaromecanismopoderialançaranavenohiperespaço?

-Qualquertentativaaoacasoteriaesseresultado,provavelmente.Ashiperforçasnaosaolimitadaspelavelocidadedaluz.Emuitoprovavelqueelasnaotenhamqualquerlimite

de velocidade. Isto torna as coisas extremamente difıceis. A unica soluçao razoavel edescobriranaturezadodefeitoeaprenderapartirdaquiumamaneiraseguradedesligarocampo.

-Ecomoosenhorpropõefazerisso,dr.Schloss?Schlossrespondeu:-Parece-mequeaúnicacoisaafazeréenviarumdenossosrobôsNestor...-Nao!Naofaçaessatolice-interrompeuSusanCalvin.Schlossdisse,friamente:-Os

Nestorestãofamiliarizadoscomosproblemasdaengenhariaetérica.Serãoideaispara...-Foradecogitaçao.Naosepodeusarumdenossosrobospositronicosparaumtal

propósitosemaminhapermissão.Nãoatemenãoaterão.-Equaléaalternativa?-Deveenviarumdeseusengenheiros.Schlossabanouacabeçaviolentamente.- Impossıvel.O riscoenvolvido edemasiadogrande.Seperdermosumanavee um

homem...-Noentanto,vocêsnãopoderãousarumrobôNestor,ouqualquerrobô.-Eu...euprecisoentraremcontatocomaTerra.Todoesteproblemadeveirparaum

nívelsuperior-retrucouogeneral.SusanCalvindisse,comaspereza.-Eunaoofaria,sefosseosenhor,general.Estariaselançandoamercedogoverno

sem uma sugestao ou plano de sua autoria. Nao se saira muito bem dessa situaçao, eugaranto.

-Masoquerestafazer?-Ogeneralestavausandoseulenço,denovo.-Enviemumhomem,nãoháalternativa.Schlossempalideceunumcinzapastoso.-Éfácildizer:"enviemumhomem".Mas...quem?- Estive considerando esse problema. Nao ha um jovem... seu nome e Black... que

encontreinaocasiãodeminhavisitaanterioràHiperbase?-Odr.GeraldBlack?-Achoquesim.É,elemesmo.Eleerasolteiro,então.Aindaé?-Sim,creioquesim.-Eusugeririaentaoqueelefossetrazidoaqui,digamos,emquinzeminutoseque,

entrementes,eutenhaacessoàsuaficha.Sorrateiramente, ela assumira a autoridade, nesta situaçao, e nem Kallner nem

Schlossfizeramqualquertentativaparadisputartalautoridadecomela.BlacktinhavistoSusanCalvinadistancianestasegundavisitadelaaHiperbase.Nao

izera movimento algum para diminuir tal distancia. Agora que tinha sido chamado apresença dela, surpreendeu-se olhando-a com repugnancia e desgosto. Mal notou o dr.SchlosseogeneralKallneratrásdela.

Lembrou-se do ultimo confronto com ela, sofrendo uma dissecaçao a frio embenefíciodeumrobôperdido.

Os olhos cinza frios da dra. Calvin estavam ixos constantemente em seus olhoscastanhosquentes.

-Dr.Black-disseela-,acreditoqueosenhorentendeasituação.

-Sim,entendo.-Eprecisofazeralgumacoisa.Anaveedispendiosademaisparaserperdida.Ama

publicidadeprovavelmentesignificariaofimdoprojeto.-Sim,estivepensandonisso.-Esperoqueosenhortambemtenhapensadonanecessidadedequeseranecessario

quealguémabordeoParsec,descobriroqueestáerradoe...bem,desativá-lo.Houveapausadeummomento.Blackdisse,semmuitaeducação:-Equeloucoirialá?KallnerfranziuocenhoeolhouparaSchloss,quemordeuolábioeolhouparaonada.SusanCalvindisse:-Ha,eclaro,apossibilidadedeativaçaoacidentaldohipercampo,casoemqueanave

podeiralemdequalquerdistanciaatingıvel.Poroutrolado,poderaretornaraalgumpontodentro do sistema solar. Neste caso, nenhuma despesa ou esforço serao poupados pararecuperarohomemouanave.

Blackajudou:-Oidiotaeanave!Sóumacorreção.SusanCalvinnãodeuatençãoaocomentário.-PedipermissaoaoGeneralKallnerparaapresentar-lheaquestao.Evocequemdeve

ir.Semnenhumapausaaqui,Blackrespondeudamaneiramaisdiretapossível:-Madame,eunãosouvoluntário.-NaohanemumaduziadehomensnaHiperbasecomconhecimentosu icientepara

ter qualquer chance de levar a cabo tudo isso com sucesso. Daqueles que tem oconhecimento, escolhi-o combase em conhece-lo previamente. Voce trara a estamissaoumacompreensão...

-Ei,escute:eunãosouvoluntário.-Osenhornãotemescolha.Porcertoquevaiencararasuaresponsabilidade.-Minharesponsabilidade?Oqueatornaminha?-Ofatodequevocêéomaisaconselhávelparaatarefa.-Conheceorisco?-Creioquesim-disseSusanCalvin.-Euseiquevocenaosabe.Nuncaviuaquelechimpanze.Olhe,quandodisse"oidiota

eanave"naoestavaapenas falandopor falar.Estavacon irmandoumfato.Euarriscariaminhavida,seprecisasse.Naocomprazer,talvez,maseuarriscaria.Arriscar-se a idiotia,umavidadedemênciaanimal,éalgoquenãoquero,issoétudo.

Susan Calvin relanceou pensativamente o rosto irado e suarento do jovemengenheiro.

Blackgritou:-Mandeumdeseusrobôs,umdeseusNS-2.Os olhos da psicologa re letiram uma especie de brilho frio. Ela disse, muito

deliberadamente:-Sim,odr.Schlosssugeriuisso.MasosrobosNS-2saoarrendadospornossa irma,e

naovendidos.Custammilhoesdedolarescada,sabe?Eurepresentoacompanhiaedecidiqueelessãodemasiadodispendiososparaseremarriscadosnumaquestãocomoesta.

Blackergueuasmaos.Apertouasmaosjuntascontraopeitoeelastremeram,comoseeleestivessefazendoforçaparadetê-las.

-Estamedizendo...estamedizendoquequerqueeuvaaoinvesdeumroboporquesoumaisdispensável?

-Sim,defato.éisso.-Dra.Calvin,euprefeririaencontrá-lanoinferno,primeiro.-Essaa irmaçaopodeserquaseliteralmenteverdadeira,dr.Black.Comoogeneral

Kallnercon irmara,osenhortemordemdeassumirestamissao.Segundocreio,vocesestaoaquisobleiquasemilitar,eserecusarumamissao,iraacortemarcial.Umcasocomoestesigni ica a prisao emMercurio, e creio que isto e proximo o su iciente do inferno paratornarasuaa irmaçaodesconfortavelmenteprecisa,sobreondeeudeveriavisita-lo,oqueprovavelmenteeunaofaria.Poroutrolado,seconcordaremabordaroParsecelevaracaboestamissão,significarámuitoparaasuacarreira.

Blackolhoufixamenteparaela.-Dêaohomemcincominutosparapensar,generalKallner,eapronteumanave.DoisguardasdesegurançaescoltaramBlackparaforadasala.GeraldBlacksentiafrio.Seusmembrosmoviam-secomosenaofossempartedele.

Eracomoseestivesseobservandoasimesmodealgumlugarremotoeseguro,observando-seabordodeumanaveeaprontando-separapartirparaEleeoParsec.

Nãoconseguiaacreditar.Tinhainclinadoacabeçadechofreedito:-Euvou.Mas,porquê?Nuncapensaraemsicomootipodoheroi.Entao,porque?Emparte,eclaro,haviaa

ameaçadaprisaoemMercurio.Emparte,ahorrıvelrelutanciaemaparecercomocovardeaosolhosdaquelesqueoconheciam,aquelacovardiaarraigadaqueestavapordetrasdequasetodabravatanomundo.

Principalmente,porém,eraalgomais.Ronson,daImprensaInterplanetaria,tinhainterrompidoBlackmomentaneamentea

caminhodanave.BlackolhouparaorostoinflamadodeRonson:-Oquequer?Ronsonbalbuciou:- Escute! Quando voltar, quero exclusividade. Arranjo qualquer quantia... o que

quiser...Blackempurrou-odelado,fazendo-orodopiar,efoiadiante.A nave tinha uma tripulaçao de dois. Nenhum deles lhe falou. Seus olhares

desviavam-sesobreeavoltadele.Blacknaoseimportou.Estavamapavoradosesuanavese aproximavadoParseccomoumgatinhodirigindo-separaoprimeirocachorroqueviuemsuavida.Blackpodiamuitobemirsemeles.

Sóhaviaumrostoquecontinuavaperanteseusolhos.AexpressãoansiosadogeneralKallner e o olhar de determinaçao arti icial no rosto de Schloss eram pontinhosmomentaneosemsuaconsciencia.Passaramquasedeimediato.EraorostoimpassıveldeSusanCalvinquevia.Acalmafaltadeexpressãodela,quandoabordaramanave.

FicouolhandoparaonegrorondeaHiperbasedesapareceranoespaço...SusanCalvin!DoutoraSusanCalvin!RobopsicologaSusanCalvin!O roboqueanda

comomulher!Quais erammesmo suas tres leis?PrimeiraLei: - Protegeras o robo com toda tua

força e todo teu coraçao e toda tua alma. Segunda Lei: - Defendera como sagrados osinteressesda"U.S.RobotsandMechanicalMenCorporation",desdequenaointer iracomaPrimeira Lei. Terceira Lei: -Dara consideraçao passageira a umhumano, desde que naointerfiracomaPrimeiraouaSegundaLeis.

Seraquealgumdia.elajafoijovem?Elepensou,furioso.Jateriasentidoumaemoçaolegítima?

Peloespaço!Comoelequeriafazeralgumacoisa-algoqueremovesseaqueleolhargeladodecoisaalgumadaquelerosto.

Eofaria!Pelasestrelas,queofaria.Erasosairdistosemenlouquecereprovidenciariapara

esmagá-laeàcompanhiajunto,etodageraçãodosrobôscomeles.Foiestepensamentoqueo impulsionava, mais que o medo da prisao ou o desejo de prestıgio social. Foi estepensamentoquequaseeliminoutodoseumedo.Quase.

Umdospilotosmurmurouparaele,semolhar:-Podesaltardaquimesmo.Estámeiamilhaláembaixo.Blackfalou,amargoso:-Nãovaipousar?-Ordensestritasparanãofazê-lo.Avibraçãodopousopoderia...-Eavibraçãodomeupouso?-Tenhominhasordens.Blacknaodissemaisnada,entrouemseutrajeespacialeesperouqueacomportase

abrisse.Umconjuntodeferramentasestavasoldado irmementeaometaldotraje,emsuacoxadireita.

Assim que entrou no compartimento estanque, os fones de ouvido dentro de seucapacetereboaram:

-Boasorte,doutor!Levouum instanteparaeleperceberquevinhadosdoishomensabordodanave,

fazendoumapausaemsuaansiaparasairdaquelevolumemal-assombradodoespaço,paraconceder-lheaomenosesteconsolo.

-Obrigado-respondeuBlack,desajeitado,quaseressentido.E entao estava la fora, no espaço, revirando lentamente, em resultado do impulso

levementedescentralizadoquedeucomospéscontraaportaexterna.PodiaveroParsecesperandoporele,eolhandoentresuaspernasnomomentocerto

dascambalhotas,podiaverolongojatodosmotoreslateraisdanavequeotrouxera,aosevoltarparasair.

Eleestavasó!Peloespaço,eleestavasó!Algumhomem,emtodaahistória,ter-se-iasentidomaissó?Eleperceberia, imaginou,doentiamente, sealgumacoisaacontecesse?Haveriaum

instante de consciencia, ainda? Sentiria sua mente desvanecendo e a luz da razao e dopensamentoapagar-seatésumir?

Ouaconteceriadesúbito,comoumaguilhotina?Emambososcasos...

Aideiadochimpanze,olhosvagos,tremendocomterroresinconscientes,estavabemfrescadentrodele.

O asteroide estava a vinte pes debaixo dele, agora. Nadava pelo espaço com ummovimento absolutamente regular. Exceto pela interferencia humana, nenhum grao deareianeletinhasemovidoaolongodeperíodosastronômicos.

Na imobilidade maxima d'Ele, alguma partıcula mınima de po impedia ofuncionamento de alguma delicada unidade a bordo doParsec, ou um fragmento deimpurezanoóleofinoquebanhavaalgumapeça,easegurava.

Talvezprecisasseumapequenavibraçao,umpequenotremororiundodacolisaodemassa contramassa para desimpedir aquela peçamovel, fazendo-a terminar seu curso,criandoohipercampo,quedesabrochariacomoumarosafantástica.

Seucorpoestavapara tocaraElee juntouaspernas, emsuaansiedadededescersuavemente.Nãoqueriasequertocaroasteróide.Suapelesearrepiavadeaversão.

Chegavamaisperto.Agora...agora...Nada!So havia o toque contınuo do asteroide, os momentos incomodos da pressao

lentamentecrescenteresultantedesuamassade250libras(elemesmo,maisotraje)comtodasuainércia,massempesonenhum.

Blackabriuosolhosdevagarzinhoedeixouentraravisaodasestrelas.OSoleraumaboladecristalreluzente,seubrilhoamortecidopelamascarapolarizadasobreaviseira.Asestrelas eramcorrespondentemente fracas,masapresentavamsua con iguraçao familiar.ComoSoleasconstelaçoesnormais,erasinaldequeaindaestavanosistemasolar.PodiaveraHiperbase,umpequenocrescenteatenuado.

Enrijeceucomochoqueàvozrepentinaemseuouvido.EraSchloss.-Temososenhoràvista,dr.Black.Nãoestásozinho!Blackpoderiaterridocomafraseologia,massódisseemvozpausadaeclara:-Desligue.Secontinuarfalando,vaimedistrair.Umapausa.AvozdeSchloss,maispersuasiva:-Seforinformandoàmedidaqueprogride,poderáaliviaratensão.-Vaiterasminhasinformaçõestodasquandoeuvoltar.Nãoantes.Ele o disse com amargura, e amargamente seus dedos envolvidos em metal

moveram-separaopaineldecontroleemseupeitoedesligouoradiodotraje.Quefalassemparaovacuo,agora.Tinhaseuspropriosplanos.Sesaıssedissosemenlouquecer,oshowseriadele.

Levantou-se,comin initocuidado, icandodepesobreEle.Bambeouumpouco,commovimentosmuscularesinvoluntarios,enganando-secomafaltaquasetotaldegravitaçao,numa serie interminavel de oscilaçoes, empurrando-o nesta e naquela direçao. NaHiperbasehaviaumcampopseudo-gravitacionalparaseguraraspessoas.Blackdescobriuumaporçaodesuamentesu icientementedesapegadadaliparalembrar-sedissoeapreciarinabsentia.

O Sol desaparecera detras de uma garganta rochosa. As estrelas giravamvisivelmentenotempoderotaçãodeumahoradoasterói-de.

PodiaveroParsecdeondeestavaeagoradirigia-separaelelentaecuidadosamente,

quase na ponta dos pes. (Nada de vibraçao, nada de vibraçao. As palavras suplicavamincessantementeemsuacabeça.)

Antesdeestartotalmenteconscientedadistânciaquecruzara,estavananave.Estavaaopédalinhadeempunhadurasquelevavamàportaexterna.

Ealifezumapausa.Anavepareciabemnormal.Oupelomenosparecianormal excetopelo cırculode

hastesdeaçoqueacircundavamaumterçodaaltura,eumsegundocırculoadoisterçosdaaltura. Nomomento, deviam estar fazendo força para se tornarem os polos de força dohipercampo.

Um estranho desejo de esticar amao e pegar uma delas acometeu Black. Foi umdaquelesimpulsosirracionais,comoopensamentomomentaneo:"Eseeusaltasse?"Quaseinevitável,quandoseolhaparabaixo,deumprédioalto.

Blacktomouumfolegoprofundoesentiu-seenrijeceraoespalmarambasasmaoseentãodeleve,muitodeleve,colocá-lascontraosflancosdanave.

Nada!Agarrouaempunhaduramaisbaixaeergueu-se,cautelosamente.Gostariadesertao

experientecomamanipulaçaosobgravitaçaonulaquantooshomensdaconstruçao.Eraprecisoexercerforçasu icienteparavencerainercia,eentaoparar.Continuandoapuxardemais,vocêsechocariacontraanave.

Subiu devagar, na ponta dos dedos, pernas e quadris balançando para a direita,quandoobraçoesquerdosubia,eparaaesquerdaquandoobraçodireitosubia.

Uma duzia de degraus e seus dedos lutuavam sobre o contato que abriria acomportaexterior.Omarcadordesegurançaeraumamanchinhaverde.

Maisumavez,elehesitou.Eraoprimeirousoqueestavafazendodaenergiadanave.Suamenteperpassouosdiagramaseadistribuiçaodeforça,memorizados.Seapertasseocontato,aenergiaseriasifonadadamicropilhaparaabriromonolitomaciçodemetal,queconstituíaacomportaexterna.

Eentão?De que adiantava? A menos que tivesse alguma ideia sobre o que poderia estar

errado,naohaviamododedizerqualoefeitodestedesviodeenergia.Suspirouetocouocontato.

Suavemente,semsobressaltonemsom,umsegmentodanavesedesvelou.Blackdeumaisumaolhadapara as constelaçoes amigas (aindanaohaviammudado) e adentrouacavernabrandamenteiluminada.Acomportafechou-seláatrás.

Umoutrocontato,agora.Acomportainteriorprecisavaseraberta.Denovo,fezumapausaparameditar.Apressaodaatmosferadentrodanavecairiamuitolevemente,quandoestaportaseabrisse,esepassariamalgunssegundosantesqueoseletrolisadoresdanavecompensassemaperda.

Eentão?A placa posterior Bosch, paramencionar so um item, era sensıvel a pressao,mas

certamentenãotãosensível.Suspiroudenovo,maisdeleve(apeledeseumedoestava icandocalejada)etocouo

contato.Acomportainteriorabriu-se.Entrou na sala do piloto doParsec, e seu coraçao saltou estranhamente quando a

primeiracoisaqueviufoiavisitela,ajustadapararecepçaoecheiadeestrelas.Forçou-seaobservá-lasbem.

Nada!Cassiopeiaeravisıvel.AsconstelaçoesestavamvisıveiseestavadentrodoParsec.De

algummodo, elepodia sentirqueopior ja tinhapassado.Tendochegadoaestepontoepermanecidodentrodosistemasolar,tendoseconservadolucidoateaqui,sentiuquealgovagamentecomoconfiançacomeçavaapenetrá-lodenovo.

HaviaumaquietudequasesobrenaturalabordodoParsec.Blackestiveraemmuitasnaves em sua vida, e sempre houvera sons de vida, quer o roçar de um sapato ou umcabineirocantarolandonocorredor.Aqui,ateapulsaçaodeseucoraçaopareciaabafadaedesaparecia.

Orobonoassentodopilotoestavadecostasparaele.Naodavanenhumsinaldeterconsciênciadesuaentrada.

Blackmostrouosdentesnumsorrisoselvagemedisse,incisivamente:-Largueessabarra!Levante-se!-Osomdesuavozeracomoumtrovao,noaposento

pequeno.Tardedemais,receouoqueasvibraçoesdesuavoznoarpoderiamcausar,masas

estrelasnavisitelacontinuavaminalteráveis.O robo, e claro, nem semoveu.Naopodia receber sensaçoesdequalquer especie.

Nemmesmopoderiaresponder aPrimeiraLei.Estavacongeladonoin initomeiodoquedeveriatersidoumprocessoquaseinstantâneo.

Lembrou-sedasordensquelheforamdadas.Naoerampassıveisdequalquermal-entendido:"Agarreabarra irmemente.Puxenasuadireçao irmemente.Firme!Continuesegurandoatequeopaineldeinstrumentosoinformequepassoupelohiperespaçoduasvezes."

Bem,nãohaviapassadopelohiperespaçonemumavez,ainda.Cuidadosamente,moveu-separamaispertodorobo.Estavaalisentadocomabarra

puxadafirmementeentreosjoelhos.Omecanismodedisparodeviaestarquaseemposição.A temperatura de suas maos metalicas entao devia ter encurvado o gatilho, como umtermopar, o su iciente para fazer o contato. Automaticamente, Black relanceou para otermômetronopainel.Asmãosdorobôestavama37centígrados,comodeviam.)

Pensou, sardonicamente: - Que beleza! Estou so com estamaquina e nao consigofazernada.

Oqueelegostariaeradeterumpe-de-cabraparafaze-laempedacinhos.Degustouumpoucoosabordestepensamento.PodiaverohorrornorostodeSusanCalvin(sealgumhorrorpoderiaemergirdogelo,ohorrordeverumroboesmagadoofaria).Comotodososrobôspositrônicos,esteaquierapropriedadedaU.S.Robots,queofabricaraeotestara.

E tendo extraıdo o suco que podia da vingança imaginaria, voltou a sobriedade eolhouemvoltadanave.

Afinal,atéagora,oprogressofoizero.Lentamente, removeu seu traje espacial. Cuidadosamente, pendurou-o. Pe antepe,

andou de sala para sala, estudando as grandes superfıcies interpenetradas do motorhiperatômico,acompanhandooscabos,inspecionandoosrelêsdecampo.

Naotocouemnada.Haviaumaduziademaneirasdedesativarohipercampo,mas

cadaumaseriaruinosa,amenosquesoubesseaomenosaproximadamenteondeestavaoerroedeixasseseucursoexatodeprocedimentoserorientadoporisto.

Encontrou-se de volta ao painel de controle e gritou em desespero para a graveestolidezdascostaslargasdorobô.

-Diga-me!Oqueestáerrado?Houveoimpulsodeatacaramaquinariaaoacaso.Arrebentarcomtudoeacabarcom

tudo.Reprimiu irmementeesteimpulso.Setivesseumasemana,deduziriadealgummodoopontodeataqueapropriado.Deviaistoàdra.SusanCalvineseusplanosparaela.

Voltou-sedevagarnoscalcanharesepensou.Cadapartedanave,domotor,atecadacomutador tinham sido exaustivamente veri icados e testados na Hiperbase. Era quaseimpossıvel acreditar que qualquer coisa desse errado. Nao havia uma coisa a bordo danave...

Bem, sim, havia, e claro. O robo! Este tinha sido testado na U. S. Robots e eles,malditosdemônios,podiamseraceitoscomocompetentes.

Comotodossemprediziam:"Umrobônaturalmentepodefazerumtrabalhomelhor".Eraoquenormalmente sepresumia, combase empartenasproprias campanhas

publicitarias da U. S. Robots. Poderiam sempre fazer um robo que fosse melhor que ohomem,paraumatarefaespecı ica.Nao"taobomquantoumhomem",mas"melhorqueohomem".

E enquanto Gerald Black olhava para o robo pensando nisso, seus sobrolhosenrugando-se sob sua testa baixa, seu olhar tornava-se um misto de surpresa e umaesperançaimpossível.

Aproximou-seecircundouorobo.Ficouolhandoparaseusbraçossegurandoabarradecontroleemposiçaodeengatilhar,segurando-aparasempreassim,amenosqueanavesaltasse,ouafontedeenergiadorobôseesgotasse.

Blackmurmurou:-Euapostoquesim,euapostoquesim.Afastou-se,pensandoprofundamente:"precisaserisso".Ligouoradiodanave.SeufeixeportadorjaestavafocalizadonaHiperbase.Latiuao

microfone:-Ei,Schloss.Schlossfoiprontoemresponder:-PeloGrandeEspaço,Black...-Naoimporta-respondeuBlack,rıspido.-Nadadediscursos.Soqueromecerti icar

dequevocêestejavendo.-Sim,éclaro,todosnós.Olhe...MasBlackdesligouoradio.SorriudeumladosoparaacameradeTVdentrodasala

depilotagemeescolheuumaporçaodomecanismodohipercampoqueestarianocampovisual. Nao sabia quantas pessoas estariamna sala de observaçao. Deviam estar apenasKallner,SchlosseSusanCalvin.Poderiaestarlatodoopessoal.Emqualquercaso,lhesdariaalgoparaolhar.

A Caixa de Reles numero 3 era adequada para seus propositos, decidiu. Estavalocalizada num recesso da parede, revestida com um liso painel soldado a frio. Blackprocurouemsuacaixadeferramentaseremoveuosoldadorconico.Empurrouumpouco

mais seu traje espacialno cabide - tendo-oviradoparapegar a caixade ferramentas - evoltou-separaacaixaderelês.

Ignorandoumaultimapontadadeinquietaçao,Blacktrouxeosoldador,fezcontatoemtrespontosseparadosaolongodasoldafria.Ocampodeforçadaferramentafuncionourapidaee icientemente,ocaboaquecendo-seumpoucocomoligaredesligardaenergia.Opainelsoltou-se.

Deuumolharrapido,quaseinvoluntario,paraavisiteladanave.Asestrelasestavamnormais.Elemesmosentia-senormal.

Foioultimoencorajamentodequeprecisava.Ergueuopeeesmagouomecanismoalinorecesso,delicadocomoumapena.

Houve um ruıdo de vidro quebrado, um metal a retorcer-se, e um chuveiro degotículasdemercúrio...

Blackrespiroupesadamente.Ligouorádiomaisumavez.-Aindaaí,Schloss?-Sim,mas...- Entao estou informando que o hipercampo a bordo doParsec esta desativado.

Venhamapanhar-me.GeraldBlacknao se sentiamaisheroi doquequandopartira rumoaoParsec,mas

sentia-se antes o mesmo. Os homens que o trouxeram ao pequeno asteroide eram osmesmosquevierambuscá-lo.Destavez,pousaram.Deram-lhepalmadasnascostas.

AHiperbase eraumamassade gente apinhadaquando a nave chegou, eBlack foiovacionado.Acenouparatodoobandoesorriu,comoeraaobrigaçaodoheroi,masnaosesentiatriunfante,dentrodesi.Naoainda.Soantecipaçao.Otriunfoviriamaistarde,quandoencontrasseSusanCalvin.

Parouumpoucoantesdedescerdanave.Procurou-a,enaoaviu.OgeneralKallnerestava la, esperando, com toda sua rigidez de soldado restaurada e um olhar franco deaprovaçao irmementeaplastadosobreseurosto.MayerSchlosssorrianervosamenteparaele.Ronson,da Imprensa Interplanetaria, acenava freneticamente.SusaCalvinnaoestavaemlugaralgum.

DeixoudeladoKallnereSchloss,assimquedesceu.-Voumelavarecomerprimeiro.Nao tinha a menor duvida de que, por hora, pelo menos, podia ditar termos ao

generalouaqualquerum.Os guardas de segurança abriram alas para ele. Tomou banho e comeu como se

tivessetodootempodomundo,numisolamentoforçado,eleapenassendooresponsavelporforçaro isolamento.EntaochamouRonson,daImprensaInterplanetaria,econversoucom ele brevemente. Esperou pela chamada de volta antes de poder relaxar totalmente.Tudo funcionara bem melhor do que esperara. A propria falha da nave conspiraraperfeitamenteaseufavor.

Por im, chamouoescritoriodogeneral eordenouumaconferencia.Erabem issomesmo:ordens.Omajor-generalKallnersimplesmenterespondeu:

-Sim,senhor.Estavamjuntosdenovo.GeraldBlack,Kallner,Schloss-atemesmoSusanCalvin.Mas

eraBlackquemdominavaagora.Arobo-psicologa,rostodepedra,comosempre,taopouco

impressionavelpelotriunfocomopelodesastre,naoobstante,poralgumasutilmudançadeatitudepareciaterdesistidodeserocentrodasatenções.

O dr. Schloss estava as voltas com a unha do polegar e começou a dizer,cuidadosamente:

-Dr. Black, todos estamosmuito gratos por sua bravura e sucesso. - Entao, comoquerendodarumaducha instantaneade agua fria,acrescentou: -Aindaassim,esmagaracaixaderelescomopefoiimprudentee...bem,foiumaaçaoquemalmereciaonomedesucesso.

Blackrespondeu:-Foiumaaçaoquemalpoderia terevitadoo sucesso.Vejam -eesta foiabomba

númeroum-,naquelemomentoeujásabiaoquetinhasaídoerrado.Schlossergueu-sedepé.-Sabia?Temcerteza?-Válávocêmesmo.Éseguroagora.Voulhedizerpeloqueprocurar.Schlosssentou-sedenovo,lentamente.OgeneralKallnerestavaentusiasmado.-Ora,émelhorainda,seforverdade.-Éverdade-disseBlack.SeusolhosdeslizaramparaSusanCalvin,quenadadisse.Blackestavadesfrutandodaquelasensaçaodepoder.Soltouabombanumerodois,

dizendo:-Foiorobô,éclaro.Ouviuisso,dra.Calvin?SusanCalvinfaloupelaprimeiravez:-Ouvi,sim.Eeraoqueeuesperava,alias.Eraaunicapartedoequipamentoabordo

danavequenãoforatestadaaquinaHiperbase.Porummomento,Blacksentiu-sechocado.-Asenhoranãodissenadaarespeito.-Comoodr.Schlossjarepetiudiversasvezes,naosouumaespecialistaemeterica.

Meupalpite,enaoeramaisqueumpalpite,facilmentepoderiaestarerrado.Sentiquenaotinhadireitodeprejudicá-loantecipadamenteemsuamissão.

AoquerespondeuBlack:-Estábemeporacasoadivinhoucomofalhou?-Não,senhor.- Ora, foi feito para sermelhor que um homem. Foi esse todo o problema. Nao e

estranhoqueoproblemafosseexatamenteaespecialidadedaU.S.Robots?Fazemrobosmelhoresquehomens,peloquesei.

Ele a estava vergastando com palavras,mas ela nao parecia estar reagindo comoesperado.Aoinvés,elasuspirou:

-Meucarodr.Black,naosouresponsavelpelos"slogans"denossodepartamentodepromoçãodevendas.

Black recebeu outro contragolpe. Ela nao era umamulher facil de enfrentar, estaCalvin.

-SeupessoalconstruiuumroboparasubstituirumhomemnoscontrolesdoParsec.Eleteriadepuxarabarradecontroleparasi,coloca-laemposiçaoedeixarocalordesuasmãosdeformarogatilho,parafazerocontatofinal.Entendido,dra.Calvin?

-Entendido,dr.Black.

- E se o robo tivesse sido feito nada melhor que um homem, teria tido sucesso.Desgraçadamente,aU.S.Robotssentiu-secompelidaafaze-lomelhorqueumhomem.Foidito ao robo que puxasse a barra de controle irmemente.Firmemente. A palavra foirepetida,reforçada,enfatizada.Assim,orobofezoquelheforaordenado.Puxou-aparatrasirmemente. So havia um probleminha. Ele certamente e dez vezes mais forte que umhumanoordinário,paraoqualabarradecontrolefoiprojetada...

-Vocêestáquerendodizer...-Estoudizendoqueabarraentortou.Entortouosu icienteparatras,paradeslocaro

gatilho.Quandoocalordamaodorobodilatouotermopar,elenãofezocontato.-Sorriu.-Nãoéodefeitodeumsórobô,dra.Calvin.Ésímbolodofracassodaideiadorobô.

-Vamos,dr.Black-retrucouadra.Calvin-,osenhorestaafogandoalogicacomasuapsicologia de fanatico. O robo estava equipado com uma compreensao normal, alem deforça bruta. Se os homens que tivessem dado as ordens tivessem usado termosquantitativos, ao inves do tolo adverbio " irmemente", isto nao teria acontecido. Se elestivessemdito:"apliqueumaforçadecinquentaecincolibras",tudoteriasaídobem.

-Oqueasenhoraestadizendoequeainadequaçaodeumrobodevesercompensadapelaengenhosidadeeinteligenciadeumhomem.EulhegarantoqueopovoladaTerraveraacoisaassimenãoficarácomdisposiçãodedesculparaU.S.Robotsporestefiasco.

Omajor-generalKallnerdisserapidamente,comavoltadaautoridadeàsuavoz:-Agora espere, Black, tudo o que aconteceu e obviamente informaçao classi icada

comosecreta.-De fato - interveioSchloss, apressadamente - sua teoriaaindanao foi veri icada.

Enviaremosumaequipeànaveedescobriremos.Poderánãoserorobô,afinal.-Deem-seao trabalhodedescobrir isso. Imagino seopovovai acreditarnaparte

mais interessada.Alemdoque, tenhomais uma coisa para lhes dizer. - Armou a bombanumero tres e disse: - Neste exato momento, estou renunciando ao projeto. Estou medemitindo.

-Porquê?-quissaberSusanCalvin.-Porquecomoasenhoradisse,dra.Calvin,souummissionario.Tenhoumamissao.

SintoquedevoaopovodaTerracontar-lhesqueaeradosrobosatingiuopontoemqueavidahumana emenos valorizadaque a vidadeum robo.Agora e possıvel ordenar aumhomemquevaparaoperigoporqueumroboepreciosodemaisparaarriscar.Acreditoqueosterraqueosdevamouviristo.Muitoshomenstemmuitasreservasquantoaosrobos.AU.S.RobotsnaoconseguiuaindatersucessoemtornarlegalousoderobosnoplanetaTerra.Acreditoqueoqueeutenhoadizer,dra.Calvin,encerraraoassunto.Comoque foi feitonestedia,dra.Calvin,asenhoraeasuacompanhiaeseusrobosseraovarridosdafacedosistemasolar.

Eleaestavaavisando,Blacksabia,estavaavisandocomantecedencia,masnaopodiadeixarqueestacenafosseesquecida.Tinhavividosoporestemomento,desdequesaırarumoaoParsec,enãopodiadesistir.

Elerejubilou-secomopiscarmomentaneodosolhospalidosdeSusanCalvinecomumminúsculoruboremsuasfaces.Pensou:"Comosesenteagora,madamecientista?"

Kallnerdisse:-Nãolheserápermitidodemitir-se,Black,nemlheserápermitido...

-Comopodedeter-me,general?Souumheroi,naoouviu?EavelhaMaeTerravaidaro devido valor ao seu heroi. Sempre o fez. Quererao saber de mim, e acreditarao emqualquer coisa que eu disser. E nao gostarao que inter iram comigo, pelo menos naoenquantoeuforumheróinovo.JáfaleicomRonson,daImprensaInterplanetária,edisse-lhequetinhaalgograndeparaeles,algoquesacudiriatodofuncionariodogovernoediretorcientı icodasuafofacadeira,eaInterplanetariaseraaprimeiranalinhaesperandonotıciasminhas.Assim,oquepodemfazer,excetomatar-me?Eachoque icariamemsituaçaoaindapior,setentassem.

AvingançadeBlackestavacompletada.Naopouparapalavras.Eestavaenrascado,enãopouco.Levantou-separasair.

-Ummomento,dr.Black-disseSusanCalvin.Suavozgravecarregavaautoridade.Blackvirou,involuntariamente,comoumestudanteavozdesuaprofessora,masele

contrariouestegestoporumdesdémdeliberado.-Temumaexplicaçãoadar,eusuponho.-Nao,absolutamente.Osenhormeexplicou,emuitobem.Euoescolhiporquesabia

queentenderia,sebemqueeupenseiqueentenderiamaiscedo.Eutiveumcontatocomosenhor antes. Eu sabia que os robos nao lhe agradavam, e portanto, nao tinha ilusoes arespeito deles. Por sua icha, que pedi para consultar antes que lhe fosse destinada estamissao, vi que o senhor expressou desaprovaçao por esta experiencia de robo-pelo-hiperespaço.Seussuperioresacharamqueistoeracontrarioavoce,maseuconsidereiqueeraumpontoaseufavor.

-Dequeestáfalando,doutora,sedesculpaminharudeza?-Dofatodequevocedeveriaterentendidoquenenhumrobopoderiaserenviado

nestamissao.Oquefoiquevocemesmodisse?Algosobreainadequaçaodeumroboterque ser contrabalançadopela engenhosidade e inteligenciadohomem.Exatamente,meujovem,exatamenteisso.Osrobosnaotemimaginaçao.Suasmentessao initasepodemsercalculadasatéoúltimodecimal.Eesse,defato,éomeutrabalho.

“Ora, se um robo recebe uma ordem, uma ordemprecisa, ele pode cumpri-la. Se aordemnao forprecisa,naopoderacorrigirseuerrosemordensulteriores.Nao foioquevoceinformouconcernenteaoroboabordodanave?Comoentaopodemosenviarumroboparadescobrirumafalhanummecanismo,senaopodemosdarordensprecisas,poisquenadasabemossobreafalha?"Descubraoquehadeerrado"naoeumaordemquesedeaumrobo;soaumhumano.Ocerebrohumano,pelomenosateagora,estaalemdequalquercálculo.”

Blacksentou-seabruptamentee icouolhando,desorientado,paraapsicologa.Suaspalavrasatingiramduramenteumsubstratodoentendimentoqueestiverarecobertocomemoçao. Descobriu-se incapaz de refuta-la. Pior que isso, um sentimento de derrota oavas;salava.

-Asenhorapoderiaterditoissoantesdeeusair.- Poderia, mas notei seu medo muito natural de perder a sanidade mental. Tal

preocupaçao dominante facilmente prejudicaria sua e iciencia como investigador, eocorreu-mequedeveriadeixa-lopensarquemeuunicomotivoemenvia-loeraqueeudavamaisvaloraumrobo.Isso,eupensei,odeixariaenfurecido,earaiva,meucarodr.Black,podeserumaemoçaomuitoutil.Pelomenos,umhomemcomraivanuncatemtantomedo

quanto teria de outro modo. Funcionou muito bem, eu creio. - E ela cruzou as maosfrouxamentenocoloechegoutãopertodeumsorrisoquantoopoderiaemtodasuavida.

-Raiosmepartam-foidizendoBlack.SusanCalvinretomou:-Assim,sequiserseguirmeuconselho,retorneaoseuemprego,aceitesuacondiçao

deheroi,econteaoseuamigoreporterospormenoresdeseugrandefeito.Quesejaofurodereportagemquevocêlheprometeu.

Lentaerelutantemente,Blackassentiu.Schloss parecia aliviado,Kallner abriu um sorriso cheio dedentes. Estenderamas

maos,naotendoditoumasopalavratodootempoqueSusanCalvinfalouetambemsemdizerpalavraagora.

Blackapertouasmãosdelesesacudiu-ascomalgumareserva.-Éasuapartequedeveriaserpublicada,dra.Calvin.SusanCalvindisse,gelidamente:-Nãosejatolo,meujovem.Éomeutrabalho.

26- Fuga !

QuandoSusanCalvinvoltoudaHiperbase,AlfredLanningesperavaporela.Ovelho

jamaisfalavaemsuaprópriaidade,mastodossabiamquejáultrapassaraossetentaecinco.Apesardisso,continuavaemplenogozodesuasfaculdadesmentaiseintelectuais;ofatode,a inal,terconcordadoempassaraDiretor-Emerito,deixandoaBogertaposiçaodeDiretor-Executivo,nãoimpediaquecomparecessediariamenteaoescritório.

–EmquepontoestãodoPlanoHiperatômico?–quissaberele.–Nãosei–respondeuela,irritada.–Nãoperguntei.

– Ora... Gostaria que se apressassem, porque se nao o izerem, a Consolidated podeconseguirantesdeles.Eantesdenóstambém.–Consolidated!Quetêmelesavercomisso?

– Bem, nao somos os unicos que fabricamos maquinas que calculam. As nossaspodemserpositronicas,masistonaosigni icaquesejammelhores.Robertsonmarcouumagrandereuniaoparaamanha,a imdedebateroassunto.Estavaapenasesperandoquevoceregressasse.

Robertson,daU.S.Robos&HomensMecanicos, ilhodofundadorda irma,virouonarizpontudoparaogerente-geraleseupomo-de-adãopareceupularquandoeledisse:

– Comece agora. Vamos deixar tudo bem claro.O gerente-geral obedeceualegremente.–Ocasoeoseguinte,chefe:haummesaConsolidatedRobotsveioprocurar-noscom

umapropostaengraçada.Trouxeramcercade cinco toneladasdealgarismos, equaçoesetudo o mais. Tratava-se de um problema e eles desejavam que o Cerebro fornecesse aresposta.Ostermoseramosseguintes...

Começouacontarnosdedosgrossos:–Cemmilparanossenaohouversoluçaoparaosproblemase formoscapazesde

explicarquefatoresestaofaltando.Duzentosmilsehouverumasoluçao.Maisosgastosdeconstruçaodamaquinaemquestao;maisvintee cincoporcentode todosos lucrosquevenham a ser obtidos por ela. O problema e referente a construçao de um engenhointerestelar...

Robertsonfranziuatestaeempertigouocorpomagro.–Apesardepossuíremsuaprópriamáquinadecalcular.Certo?–Eexatamenteistoquemelevaaacharqueapropostatemalgodeerrado.Prossiga,

agora,Levver.AbeLevver,sentadonaoutraextremidadedamesadeconferencias,ergueuacabeça

epassouamãopeloqueixomalbarbeado,produzindoumlevesomdeatrito.Sorriuedisse:– Trata-se do seguinte, senhor: a Consolidated tinha umamaquina pensante. Esta

quebrada.–Oquê?–exclamouRobertson,quasedandoumpulo.–E issomesmo:quebrada!Kaput!Ninguemsabedizerporque,masconseguiu-se

ouvir algumas sugestoes bem interessantes – como, por exemplo, o fato de eles teremapresentadoamaquinaoproblemadeconstruirumengenhointerestelarcomosmesmosdadoseinformaçoesquetrouxeramparanos.Oproblemaestragouamaquina.Virousucata–sóserveparaolixo.

–Estáouvindo,chefe?–interrompeuogerente-geral,exultante.–Estaouvindo?Naohaumsogrupodepesquisasindustriaisdealgumaimportancia

quenaoestejaprocurandofabricarumengenhointerestelar,capazdevencerosproblemasdoespaço;aConsolidatedeaU.S.Roboslideramocampo,comseussupercerebrosrobos.Agora,queeles conseguiramquebrarodeles, estamos sozinhos.Eis aı amotivaçao.Eleslevarãonomínimoseisanosparaconstruiroutrocérebro,eestarãoperdidos–amenosqueconsigamdestruironosso,apresentando-lheomesmoproblemaqueestragouodeles.

OpresidentedaU.S.Robôsarregalouosolhos.–Ora,aquelesratossujos!...–Calma, chefe.Aindahamais– interrompeuogerente-geral,movendoodedoem

outradireção.–Lanning,chegousuavez!ODr.AlfredLanningassistiaatudocomumlevedesprezo–suareaçaousualpara

comosdepartamentosquerecebiamremuneraçaomuitosuperior:adivisaocomercialeadivisãodevendas.Franziuassobrancelhasgrisalhasedisseemtomseco:

–Dopontodevistacientı ico,asituaçao–emboranaoestejainteiramenteclara–esuscetıveldeumaanalise.Aquestaodeviagensinterestelaressobascondiçoesatuaisdateoria fısica e...bem... um tanto vaga. Ainda e um campo sujeito a erro, e as informaçoesfornecidaspelaConsolidatedasuamaquinapensante–supondoquesejamasmesmasquenosapresentaram–estaoigualmentesujeitasaerros.Nossodepartamentodematematicaanalisou-asminuciosamenteeparece-nosqueaConsolidatedincluiutudo.Omaterialquesubmeteramanossaapreciaçaocontemtodososdesenvolvimentosconhecidosdateoriaespacial de Franciacci e, aparentemente, todosos dados astro-fısicos e eletronicospertinentes.Éumbocadodecoisas...

Robertson, que acompanhava ansiosamente a explanaçao,interrompeu:–DemaisparaoCérebro?Lanningsacudiuacabeçaemnegativa,convictodoquedizia:–Nao. Nao ha limites conhecidos para a capacidade do Cerebro. E algo diferente.

Trata-se de uma questao de Leis da Robotica. Por exemplo: o Cerebro jamais poderiafornecerasoluçaoparaumproblemaquelhefosseapresentadosetalsoluçaoenvolvesseoperigodemorteouferimentosdesereshumanos.Noquelheconcerne,qualquerproblemacujaunicasoluçaosejadessetipoeinsoluvel.Setalproblemalhefosseapresentadocomaexigênciaurgentedesersolucionado,épossívelqueoCérebro

– que, a inal, e apenas um robomuito aperfeiçoado – icasse em um dilema: naopoderia responder e tambem nao poderia recusar-se a responder. Algo assim deve teracontecidocomamáquinadaConsolidated.

Fezumapausa,masogerente-geralinsistiu:–Prossiga,Dr.Lanning.Repitaaexplicaçãoquemeforneceu.LanningapertouoslabioseergueuassobrancelhasemdireçaoaDra.SusanCalvin

que,pelaprimeiravez, levantouosolhosdasmaoscuidadosamenteentrelaçadassobrea

mesa.–Anaturezadareaçaodeumrobodiantedeumdilemaeespantosa–começouela,

numtomdevozbaixoeneutro.–Apsicologiadosrobosestamuitolongedeserperfeita.Naqualidade de especialista, posso assegurar-lhes isso. Entretanto, pode ser discutida emtermos qualitativos, pois, apesar de todas as complicaçoes introduzidas no cerebropositronicodeumrobo,este e fabricadopeloshomense,portanto,construıdodeacordocomosvaloreshumanos.

–Ora,umserhumanoapanhadoanteumaimpossibilidademuitasvezesreageporuma fuga a realidade:mergulha nummundo de ilusao, ou entrega-se a bebida; deixassedominarpelahisteria,oupuladeumaponte.Tudosereduzamesmacoisa:umarecusaouincapacidadedeenfrentar francamentea situaçao.Omesmoacontece comos robos.Umlevedilemacausaradesordensemmetadedeseuscircuitos;umdilemaserioqueimaraocérebropositrônicodetalformaquenãohaverápossibilidadederecuperá-lo.

–Compreendo–disseRobertson,que,naverdade,naocompreendia.–Agora,oquehácomasinformaçõesqueaConsolidatednosapresentou?

– Indubitavelmente,envolvemumproblemadealgumtipoproibido– respondeuaDra. Calvin. - Mas o Cerebro e consideravelmente diferente do robo da Consolidated. –Exatamente,chefe.Exatamente–interrompeuenergicamenteogerente-geral.–Desejoquecompreendaisto,poisépontocentraldetodasaquestão.

OsolhosdeSusanCalvinbrilharampordetrásdaslenteseelaprosseguiu,paciente:–Compreenda,senhor:asmaquinasdaConsolidated–entreelasoSuperpensador–

saoconstruıdassempersonalidade.Comoosenhorsabe,elescolocamenfasenopontodevistafuncional.Saoobrigadosafaze-lo,poissomenteaU.S.Robospossuiaspatentesdoscircuitosemocionaiscerebrais.OPensadordaConsolidatedesimplesmenteumamaquinade calcular emgrande escala, e qualquerdilema e capazde arruina-la instantaneamente.Entretanto,anossamaquina–oCerebro–temumapersonalidade:apersonalidadedeumacriança.Eumcerebrosupremamentededutivo,masassemelha-seaumidiotsavante.Naverdade,nao chegaaentenderoque faz– limita-sea faze-la.Eporque e realmenteumacriança,émaisflexível.Pode-sedizerque,paraele,avidanãoétãoséria.

Apósumabrevepausa,arobopsicólogaprosseguiu:–Eisoquevamosfazer.DividimostodasasinformaçoesprestadaspelaConsolidated

em unidades logicas. Apresentaremos tais unidades ao Cerebro, individual ecautelosamente. Quando o fator for inserido – o fator que da origem ao dilema – apersonalidadeinfantildoCerebrohesitara.Seusensodejulgamentonaoestaamadurecido.Haveráumintervaloperceptívelantesqueelereconheçaodilemacomotal.

Enesseintervalo,oCerebrorejeitaraautomaticamenteaunidadelogicaemquestao–antesqueseuscircuitoscerebraispossamentraremfuncionamentoesejamqueimados.

Robertsonengoliuemseco.–Temcertezadisso?ADra.Calvindisfarçousuaimpaciência.

– Admito que nao faça muito sentido em linguagem leiga; mas nao haveria vantagemconcebıvel em explanar as causas matematicas do fato. Posso assegurar-lhe que seraexatamentecomoestoudizendo.Ogerente-geralaproveitouabrechaparainterromper,instantâneaefluentemente:

–Eisaıasituaçao,chefe.Seaceitarmosaproposta,poderemosfuncionarassim.OCerebronosdiraqualaunidade logicade informaçaoquecontemodilema.Partindodaı,poderemosdescobriracausadodilema.Certo,Dr.Bogert?Estavendo,chefe?EoDr.Bogerte o melhor matematico que o senhor poderia encontrar. Assim sendo, forneceremos aConsolidated uma resposta: “Insoluvel”. E receberemos cem mil. 'Eles icam com umamaquinaquebradaeanossacontinuarainteira.Dentrodeumano,talvezdois,teremosumengenhoespacial interestelar,ouummotorhiperatomico,comoalgunspreferemchamar.Qualquerquesejaonomesetratarádacoisamaisimportantedomundo.

Robertsonsoltouumarisadinhaeestendeuamão.–Deixe-meverocontrato.Vouassiná-lo.QuandoSusanCalvinpenetrounacasa-forte,muitobemguardadaeprotegida,que

continhaoCérebro,umdostécnicosdeplantãoacabaradeperguntar:– Se uma galinha emeia botam um ovo emeio em um dia emeio, quantos ovos

botarãonovegalinhasemnovedias?Eocérebroresponderaimediatamente:–Cinquentaequatro.Otécnicodisseaumcompanheiro:–Estávendo,imbecil?A Dra. Calvin pigarreou e, de imediato, o ambiente tornou-se tenso e denotando

preocupaçao.ApsicologafezumlevegestoefoideixadaasoscomoCerebro.OCerebroerasimplesmenteumglobocomsessentacentımetrosdediametro–contendoemseuinterior,numaatmosferadehelio totalmentecondicionada,umvolumedeespaçocompletamenteisolado de vibraçoes e radiaçoes – no qual estava a incrıvel complexidade de circuitospositrônicosqueconstituíaoCérebro.

Orestodosalaoestavacheiodeaparelhosqueserviamde intermediariosentreoCerebroeomundoexterior– suavoz, seusbraços, seus orgaos sensoriais.ADra.Calvinperguntousuavemente:

–Comovai,Cérebro?AvozdoCérebroeraagudaeentusiástica:– Muito bem, Srta. Susan. A senhora vai me perguntar alguma coisa. Estou

adivinhando.Sempretrazumlivronamao,quandoquerfazer-mealgumapergunta.SusanCalvinexibiuumlevesorriso.

– Bem, tem razao. Mas nao vou perguntar ja. Trata-se de um problema. Sera taocomplicado,queteremosqueapresenta-loporescrito.Masnaoseraagora.Antes,achoquevouconversarcomvocê.

–Estácerto.Nãomeimportodeconversar.–Escute,Cerebro:dentrodepoucotempooDr.LanningeoDr.Bogertchegaraoaqui

comotalproblemacomplicado.Eleseraapresentadoavoceumpouquinhodecadavezemuito devagar, porque desejamos que voce tenha muito cuidado. Vamos pedir-lhe queconstruaalgo–seforpossıvel–baseadonasinformaçoes.Masestoulheavisando,agora,queasoluçãotalvezenvolva...bem...danosasereshumanos.

–Puxa!–foiaexclamaçãoabafadadesurpresa.– Trate de icar atento quanto a isso. Quando lhe apresentarmos uma lista de

informaçoesquepossasigni icardanoseatemesmomortedesereshumanos,nao iqueexcitado. Compreenda, Cerebro: neste caso, nao nos importamos – nem mesmo com a

morte;naonosimportamos,nemumpouco.Portanto,quandovocereceberalista,pareetratededevolvê-la–issoserátudo.Entendeu?

–Oh,sim,claro.Mas,puxa!Amortedesereshumanos!Puxa!– Agora, Cerebro, estou ouvindo o Dr. Lanning e o Dr. Bogert chegarem. Eles lhe

explicarãodoquetrataoproblemaedepoiscomeçaremos.Sejabonzinho,agora...Vagarosamente,asfichasforamapresentadasaoCérebro.Depoisdecadaumadelasvinhaumintervalodeumestranhoruıdo,semelhanteao

murmúriodeumarisadinha,produzidapeloCérebroemação.Então,osilêncioqueindicavaestar ele pronto para uma nova icha. Foi um trabalho de horas – durante as quais oequivalentea cercadedezessetegrossosvolumesdedadosmatematicose fısicos foraminseridosnoCérebro.

Amedida que o processo avançava, os cientistas franziam cada vezmais a testa.Lanning resmungava ferozmente entre dentes. Bogert começou a itar as unhas; depois,passouaroê-lasdistraidamente.Afinal,quandoaúltimagrandepilhadefichasdesapareceu,SusanCalvin,muitopálida,declarou:

–Háalgoerrado.Lanningmalconseguiureplicar:–Nãopodeser.Eleestá...morto?–Cérebro?–chamouSusanCalvin,trêmula.–Estámeouvindo,Cérebro?–Hein?–foiaresposta,emtomdistraído.–Estámechamando?–Asolução...– Oh, isso! Posso fazer. Construirei uma nave inteirinha para voces, com amaior

facilidade–semeforneceremrobôs.Umabelanaveespacial.Levarádoismeses,talvez.–Nãohouve...dificuldade?–Levoutempoparacalcular–declarouoCérebro.ADra.Calvinrecuou,aindamuitopalida.Gesticulouparaqueosoutrosseretirassem

dasala.Devoltaaseuescritório,SusanCalvindeclarou:– Nao consigo compreender! As informaçoes, do modo como foram fornecidas,

devemenvolverumdilema–provavelmenterelacionadocommorte.Sealgocorreuerrado...Bogertreplicouemvozbaixa:–Amaquinafalouefezsentido.Naopodeserumdilema.Masapsicologaretrucoucomveemência:–Hadilemasedilemas.Hadiferentes formasde fuga. SuponhamosqueoCerebro

tenhasidoapenaslevementeafetado;somenteobastante,digamos,paraestarsofrendodailusaodequepodesolucionaroproblema,quandonaopode.Ousuponhamosqueestejaseequilibrandonolimitedealgorealmenteserio,demodoqueomenorabalopossaarruina-lo.

–Suponhamosquenaoexistadilemaalgum–disseLanning. –Suponhamosqueamaquina da Consolidated tenha quebrado com um problema diferente, ou por motivospuramentemecânicos.

–Mas,mesmoassim,naopodemoscorrerriscos–insistiuSusanCalvin.–Ouçam:deagoraemdiante,ninguémpodemurmurarparaoCérebro.Assumireiocontroledele.

–Muitobem–disseLanning, suspirando. –Assuma.Enquanto isso, deixaremosoCerebroconstruiranave.E,casoeleconsigaconstruı-la,precisaremostesta-la.Aposre letir

poralgunsinstantes,acrescentou:–Paratestá-la,precisaremosdenossosmelhoreshomens.MichaelDonovanpassouamaopelocabelovermelho,procurandoassenta-lacomum

gesto violento e demonstrando total indiferença pelo fato de a mecha revolta retornarimediatamenteàposiçãoanterior.

–Chameopessoal,agora,Greg–disseele.–A irmamqueanaveestaterminada.Nemsabemoqueé,masdizemqueestáterminada.Vamos,Greg.Peguelogooscontroles.

–Parecomisso,Mike–replicouGregPowell,emtomcansado.Quandoseuhumorestábemfrescotemsabordefrutapassada;nestaatmosferaconfinadaestápiorainda.

–Bem,escute–insistiuDonovan,tornandoapassaramaopelocabelo.–Naoestoutaopreocupadocomonossogeniodeferrofundidoesuanavedelata.Masacontecequeperdiminhasferias.Eamonotonia!Aquinadaexistealemdebarbasbrancasenumeros–otipoerradodenúmeros.Bolas!Porquenosdãoestasmissões?

– Porque nao faremos falta, se nos perdermos – respondeu Powell suavemente. –Agora,acalme-se.ODr.Lanningestávindoparacá.

Lanningseaproximava,comassobrancelhasgrisalhasmaishirsutasdoquenuncaeocorpoidosoaindaempertigadoecheiodevida.Calado,subiuarampaemcompanhiadosdois homens e passou com eles para o campo aberto, onde os robos silenciosos, semobedeceraummestrehumano,estavamconstruindoumanaveespacial.

Tempodeverboerrado:tinhamconstruídoumanaveespacial!Lanninginformou:–Osrobôspararam.Nenhumdelessemoveuhoje.–Estáterminada,então?–indagouPowell.–Temcerteza?–Ora, comopossodizer?– replicouLanning, irritado, franzindoa testaatequeas

sobrancelhasquaselhecobriramosolhos.–Pareceterminada.Naohapeçasespalhadaseointeriorestápolidocomoumespelho.

–Jáesteveládentro?–Soentreiesaı.Naosoupilotoespacial.Algumdevocesdoisconhecealgodateoria

dosmotores?DonovanolhouparaPowell.EsteolhouparaDonovan.Donovanrespondeu:–Tenhominhalicença,senhor.Masaultimavezquealinaoviqualquermençaoa

hipermotores ou navegaçao extra-espacial. So falava, em tom de brincadeira, em tresdimensões.

AlfredLanningergueuosolhoscomardereprovaçaoesoltouumgrunhido.Disseemtomgélido:

–Bem,temosnossostécnicosemmotores.Powellsegurou-opelamangaquandoelecomeçouaseafastar.-Senhor,aindaéproibidoentrarnanave?Ovelhodiretorhesitouecoçouonariz.–Creioquenão.Pelomenosparavocêsdois.DonovanobservouLanningenquantoesteseafastavaemurmurouumafrasecurtae

expressivaemsuadireção.Depois,virou-separaPowell.–Eubemgostariadedaraeleumadescriçãoliteráriadesuafigura,Greg.–Achomelhorvircomigo,Mike.O interior da nave estava acabado – tao acabado quanto qualquer nave jamais

poderiaser;bastavaumolharparaobrilhoesfuziante.NenhumgrumetedoSistemaSolarseriacapazdeproduzirumpolimentosemelhanteaoqueosrobôshaviamdado.

As paredes eram como espelhos de prata polida, sem vestıgios de impressoesdigitais. Nao havia angulos ou arestas; paredes, soalho e teta uniam-se em abauladosharmoniosos;nobrilhofrioemetalicodasluzesocultas,cadapessoavia-secercadaporseisimagensdesiprópria.

Ocorredorprincipaleraumaespeciedetunelestreitoquepassavaporumaseriedesalasdesprovidasdecaracterísticasqueasdistinguissemumadasoutras.–Creioqueamobıliaeembutidanasparedes–comentouPowell.–Ou,talvez,naodevamossentar-nosoudormir.Apenas na ultima sala, situada no nariz da nave, a monotonia foi quebrada. Uma janelacurva, fechada com vidro a prova de re lexos, foi a primeira interrupçao nometal, logoabaixodajanela,umúnicoegrandemostrador,comoponteirorepousandosobreozero.

–Olheaquilo!–exclamouDonovan,apontandoparaaunicapalavra,queaparecianocentrodaescalanumerada.Dizia:Parsecs.Onumeroadireitadaescalacirculargraduadaera“1.000.000”.

Havia duas poltronas, pesadas, amplas, sem acolchoamento. Powell sentou-secautelosamenteeverificouqueapoltronaeraconfortável,moldadaàscurvasdocorpo.

–Queachadisso?–indagouele.– Sou capaz de apostar que o Cerebro esta com febre alta – replicou Donovan. –

Vamoscairforadaqui.–Temcertezadequenãoquerdarumaespiadamaisdetalhada?–Jadei.Vim,viedesisto!–declarouDonovan,cujocabelovermelhopareciaaponto

de icarempe.–Vamossairdaqui,Greg.Pedidemissaohacincosegundoseestamosnumazonaondesóépermitidaaentradadepessoalautorizado.

Powellsorriucomsatisfaçãoealisouobigode.–Muitobem,Mike;tratedeinterrompero luxodeadrenalinaqueestaminandoseu

sangue.Confessoquetambémestavapreocupado;masjánãoestou.–Nãoestá,hein?Comonãoestá?Aumentouseusegurodevida?–Mike,estanavenãopodevoar.–Comosabe?–Ora,jávisitamosanaveinteira,nãoé?–Parecequesim.– Pode crer em mim: ja visitamos tudo. Voce viu alguma sala de pilotagem,

excetuandoessajanelaeaquelemostradoremparsecs.Viualgumcontrole?–Não.–Viualgummotor?–Comosdiabos!Não!–Muitobem!Nestecaso,achomelhorirmosconversarcomLanning.Praguejando,voltarampelocorredore,aposalgumastentativas,conseguiramchegar

aocompartimentoestanquequedavaparaaportadesaída.Donovanteveumsobressalto.–Vocêtrancouestetroço,Greg?–Não,nemtoqueinele.Puxeaalavanca.Aalavancanaosemoveuummilımetro,emboraorostodeDonovansecontorcesse

emconsequênciadoesforço.–Nãovisaídasdeemergência–comentouPowell.–Sehouveralgoerrado,terãoqueusarummaçaricoparatirar-nosdaqui.–E,concordouDonovan,quasefrenetico.–Etemosqueesperaratequedescubram

quealgumimbecilnostrancouaqui.–Vamos voltar a sala coma janela. E o unico lugar de ondepoderemos chamar a

atenção.Masnaochegaramaatrairaatençaodeninguem.Nasaladianteira,ajanelanaomais

mostrava um ceu azul e manchado de nuvens; estava negra, pontilhada por cintilaçoesamareladasquesignificavamespaço!

Houveumbaqueduploquandoosdoishomenssedeixaramcairpesadamentenasduaspoltronas.

Alfred Lanning encontrou a Dra. Calvin a porta de seu escritorio. Acendeunervosamenteumcharutoefezsinalparaqueelaentrasse.

–Muitobem.Susan–disseele.–JafomosmuitolongeeRobertsonestacomeçandoaficarnervoso.OqueandavocêfazendocomoCérebro?SusanCalvinabriuosbraços.

–Naoadianta icarmosimpacientes.OCerebrovalemaisdoquetudooquepodemosperdernestenegócio.

–Mashádoismesesquevocêointerroga.Apsicólogareplicouemtomcalmo,masumtantoperigoso:–Prefereencarregar-sepessoalmentedoassunto?–Estávendooquequerodizer?–Oh,creioquesim–concordouaDra.Calvin,esfregandonervosamenteasmaosuma

naoutra.–Naoefacil.EstivebajulandooCerebro,interrogando-ogentilmente,masaindanãochegueiaresultadoalgum.Suasreaçõesnãosãonormais.Suasrespostas...sãoumtantoesquisitas.Masaindanaoconseguidescobrirdoquesetrata.Compreendaumacoisa:atesabermosoquehadeerrado,temosqueagirasapalpadelas.Eimpossıveladivinharqualaperguntaoucomentarioque...odesequilibraraporcompleto.Entao...bem,entaoteremosarruinadototalmenteoCérebro.Querqueissoaconteça?

–Ora,elenãopodequebraraPrimeiraLei.–Eupensariaassim.Mas...–Nemdissovocêtemcerteza?–exclamouLanning,profundamentechocado.–Nãopossotercertezadecoisaalguma,Alfred...Osistemadealarmasooudemodoterrivelmenterepentino.Comumgestoquemais

seassemelhavaaoespasmodeumparalıtico,Lanningligouoaparelhodecomunicaçoes.Anotíciadeixou-ogelado.

–Susan...voceouviu...anavepartiu!Mandeinossosdoishomensentraremnela,hameiahora.VoceteraqueconversarnovamentecomoCerebro.Esforçando-separamanteracalma,SusanCalvinperguntou:

–Queaconteceuànave,Cérebro?OCérebroreplicouemtommuitofeliz:–Anavequeconstruí,Srta.Susan?–Issomesmo.Queaconteceuaela?–Ora,absolutamentenada.Osdoishomensquedeviamtesta-laembarcaramenosja

estávamosprontos.Portanto,lancei-aaoespaço.–Oh...–murmurouapsicologa,sentindodi iculdadeemrespirar.–otimo...Achaque

elesestarãobem?–Estarãootimamente,Srta.Susan.Cuideidetudo.Éumanavelinda!– Sim, Cerebro; e uma linda nave. Mas acha que eles terao alimento su iciente?

Estarãoconfortáveis?–Hábastantecomida.–Istopodeserumchoqueparaeles,Cerebro.Umtantoinesperado,compreende?O

Cérebroignorouocomentário.–Estarãobem–declarou.–Deveserinteressanteparaeles.–Interessante?Comoassim?–Apenasinteressante–disseoCérebro,emtomdemistério.– Susan! – sussurrou Lanning, furioso. – Pergunte-lhe se ha perigo de morte.

Pergunte-lhequaissãoosriscos.OrostodeSusanCalvincontorceu-sederaiva.–Caleaboca!Comvoztrêmula,dirigiu-seaoCérebro:–Podemosnoscomunicarcomanave,nãopodemos,Cérebro?–Oh,elespoderãoouvirvocê,seoschamarpelorádio.Cuideidisso.–Obrigada.Istoétudo,porenquanto.Chegandoláfora,Lanningexplodiu:– Diabo! Susan, se a notıcia se espalhar, estaremos todos arruinados. Precisamos

trazeraquelesdoishomensdevolta.Porquenãoperguntoulogosehaviariscodemorte?–PorqueejustamenteissoquenaopossomencionarI–replicouSusanCalvin,coma

vozcansada,carregadadefrustraçao.–Sehouverumcasodedilema,erelacionadocomamorte. Qualquer pergunta que trouxesse o assunto a baila de modo indevido poderiaqueimar completamente o Cerebro. De que nos adiantaria isso? Escute: ele disse quepodemoscomunicar-noscomanave.Vamosfalarcomeles,descobriralocalizaçaoetraze-los de volta. E bem provavel que nao possam usar os controles, o Cerebro deve estarguiandoanaveporcontroleremoto.Vamos!

Passou-sebastantetempoantesquePowellconseguisserecobrar-se.–Mike–disseele,sentindooslábiosfrios.–Sentealgumaaceleração?Donovanpareciaatordoado.–Hein?...Não...não.Entao, o ruivo cerrouospunhos, saltoudapoltronae, empertigado, correuparao

vidrofrioecurvodalargajaneladeobservação.-Nada,sóestrelas.Virou-se.–Greg,elesdevemterdadopartidananaveenquantoestavamosembarcados.Foi

proposital, Greg, combinaram com o robo ummeio de obrigar-nos a testar a nave, casoestivéssemosdispostosadesistir.

–Dequeestafalando?–retrucouPowell.–Dequeadiantarialançar-nosnoespaço,senaosabemospilotaroengenho?Comoachaquepodemos leva-ladevolta?Nadadisso.Anavedecolousozinhaesemqualqueraceleraçãoaparente.

Ergueu-seecomeçouaandardeumladoparaoutro.Asparedesmetalicasecoavamo

ruídodeseuspassos.Afinal,comentou:–Mike,éasituaçãomaisconfusaquejáenfrentamos.– Isso e novidade para mim! – replicou Donovan, com sarcastica amargura. – Eu

estava começando a me divertir, quando voce veio me dizer isso. Powell ignorou ocompanheiroecomentou:

–Naohaaceleraçao–oquesigni icaqueestanavefuncionacombasenumprincıpiodiferentedetodososconhecidos.

–Pelomenos,diferentedetodososqueconhecemos.– Diferente de todos os princıpios conhecidos. Nao ha motores, nem controles

manuais.Outalvezosmotoressejamembutidosnasparedes,oquelhespoderiaexplicaragrandeespessura.

–Dequeestáfalando?–quissaberDonovan.– Por que nao escuta? Estou dizendo que o motor que impulsiona esta nave e

embutido e, evidentemente, nao possui controles manuais. A nave e manobrada porcontroleremoto.

–PeloCérebro?–Porquenão?–Então,achaqueficaremosporaquiatéqueoCérebroresolvalevar-nosdevolta?–Epossıvel.Seforocaso,vamosesperartranquilamente.OCerebroeumrobo.Nao

pode violar a Primeira Lei. Nao pode causar mal a seres humanos. Donovan sentou-sevagarosamente.

–Achamesmoisso?–perguntou,ajeitandometiculosamenteocabelo.–Poisouça:esse assunto de viagens interestelares estragou o robo da Consolidated e os sabichoesdisseramqueomotivo foio fatodeasviagens interestelarescausaremamortedesereshumanos.Porqueheidecon iarnumrobo?Aoquemeconsta,onossorecebeuosmesmosdadosqueooutro.

Powellpuxavafuriosamenteobigode.–Nao injaquenaoconhecerobotica,Mike.Antesquesetorne isicamentepossıvel

para um robo violar a Primeira Lei, e preciso quebrar tanta coisa que ele logo estariatransformadonummontede sucata.Devehaverumaexplicaçao simplesparaoqueestaacontecendo.

– Oh, claro, claro. Entao, mande o mordomo acordar-me de manha. Isto tudo esimplesdemaisparaqueeumedêaotrabalhodeperturbarmeusonodebeleza.

–A inal,Mike,dequeestareclamando,ateomomento?OCerebroestacuidandodenos. O lugar e bem aquecido e iluminado. Ha bastante oxigenio. Nao houve choque deaceleraçao para desmanchar seu cabelo – se ele fosse o bastante macio para serdesmanchado.

– E mesmo? Creio que voce andou tomando liçoes, Greg. Nao ha outro meio deexplicarporquemotivoestataocalmoealheioaosacontecimentos.Oquevamoscomer?Oquetemosparabeber?Ondeestamos?ComoregressaremosaTerra?Emcasodeacidente,qualasaıdadeemergenciaeondeestaoostrajesespaciais?Naoencontreiumbanheiro,nem as comodidades que geralmente existem em banheiros! Claro; estao realmentecuidandodenós–ecomo!

AvozqueinterrompeuatiradadeDonovannaopertenciaaPowell.Narealidade,nao

tinhadono.Soounoambiente,impessoal,quasepetrificante.–GREGORYPOWELL!MICHAELDONOVAN!FAVORINFORMARSUAPOSIÇAOATUAL.

SEANAVERESPONDERAOSCONTROLES,FAVORRETORNARABASE,GREGORYPOWELL!MICHAELDONOVAN!...

Amensagemeramecanica,repetindo-seinde inidamente,interrompidaaintervalosregulares.Donovanquissaber:

–Deondevemela?–Naosei–replicouPowell,numsussurropreocupado.–Deondevemasluzes?De

ondevemtudooqueexisteaqui?–Comovamosresponder?Eramobrigadosafalarnosintervalosentreasrepetiçoesdamensagem.Asparedes

eramnuas–nuas,lisas,ininterruptasecurvas,inteiramentemetálicas.Powellsugeriu:–Griteumaresposta.Foioquefizeram.Gritaramalternadamente,e,depois,juntos:–Posiçãodesconhecida!Navedescontrolada!Condiçãodesesperada!A inal, icaram roucos. As frases curtas passaram a ser entrecortadas por

imprecaçoes enfaticas. Mas a voz fria e metalica vinda do nada continuava a repetir amensageminicial.

–Nãonosescutam–declarouDonovan,ofegante.–Nãoháaparelhoemissor.Apenasumreceptor.Calou-se,fitandoovácuo.Lentamente, o som da voz que repetia a mensagem foi diminuindo. Quando se

reduziu apenas a um murmurio, os dois companheiros tornaram a gritar, roucos.Finalmente,ointeriordanavevoltouaficaremsilênciototal.

Apóscercadequinzeminutos,Powelldisse,desanimado:– Vamos percorrer a nave outra vez. Deve haver algo para comermos. Nao havia

muita esperança no tom de sua voz; era quase uma con issao de fracasso. Um tomou ocorredoràdireitaeooutroàesquerda.

Podiam acompanhar os movimentos um do outro por intermedio do ruıdo dospassos. Ocasionalmente, encontravam-se, olhavam-se silenciosamente e prosseguiam nabusca.AbuscadePowellcessourepentinamente.Entao,eleouviuavozalegredeDonovanecoarnocorredor:

–Ei,Greg!Anavetemencanamentos!Comonãoreparamosantes?Cinco minutos mais tarde, a custa de varias tentativas, ele conseguiu encontrar

Powell.– Mesmo assim, nao ha chuveiros – comentou.Interrompeu-se em meio a frase.

Engoliuemseco,exclamando:-Comida!A parede se abrira, deixando um espaço aberto, no interior do qual havia duas

prateleiras. A prateleira superior estava cheia de latas sem rotulos, numa espantosavariedadedeformasetamanhos.Aslatasesmaltadasnaprateleirainferioreramuniformes.Powellsentiuumventofrionostornozelos.Aprateleirainferiorerarefrigerada.

–Como...como...?–Naohaviaantes–dissePowell,laconico.–Opainelseabriuquandoentreiaqui.Ja

estavacomendo.Aslataseramdotipotermicoecontinhamtambemumacolher.Ocheiro

cálidodeervilhascozidasenchiaoambiente.–Pegueumalata,Mike!Donovanhesitou.–Qualéocardápio?–Comovousaber?Estáfazendomuitaquestão?–Nao,massocostumahaverervilhasnasnavesemqueviajamos.Pre iroqualquer

outracoisa.Depois de procurar, escolheu uma brilhante lata de forma oval, cuja pequena

espessuradavaaentenderquedeviacontersalmao,ouiguariasemelhante.Alataseabriucomfacilidade.

–Ervilhas!–berrouDonovan,pegandooutralata.Powellapertouocinto.–Achomelhorvocecomerissomesmo, ilho.Ossuprimentossaolimitadosetalvez

tenhamosqueficarporaquipormuitotempo.Donovanrecuou,irritado.–Sóternosisto?Ervilhas?–Talvez.–Oquehánaprateleiradebaixo?–Leite.–Sóleite?–exclamouDonovan,furioso.–Parece.A refeiçao de ervilhas e leite foi consumida em silencio. Quando deixaram o

compartimento, o painel da parede tornou a se fechar, nao deixando vestıgios de sualocalização.Powellsuspirou.

– Tudo automatico. Tudo. Nunca me senti tao inutil e indefeso. Onde ica o talencanamento?

–Bemali.Enãoexistiaquandoolhamospelaprimeiravez.Quinzeminutosmaistarde,osdoisvoltaramasaladafrente,ondeexistiaajanelade

vidro.Sentaram-se,encarando-sesombriamente.Powellexaminou,preocupado,ounicomostradorexistente.Aindahaviaapalavraparsecs,aescalaaindaterminavaem“1.000.000”eoponteirocontinuavanamarcadozero.

Nos escritorios centrais da U.S. Robos e Homens Mecanicos S.A., Alfred Lanning

declarouemtomcansado:– Nao respondem. Experimentei todos os comprimentos de ondas, publicos,

particulares, em codigo ou nao – ate mesmo as novas ondas subeter. - Virando-se paraSusanCalvin,indagou:–OCérebrocontinuacalado?–Nadaquerdizersobreoassunto,Alfred–disseela,comenfase.–OCerebrodizqueelesconseguemescutar-nos...equandotentoinsistir,ele ica...bem, icaamuado.Enaodeveriaficar...Quemjáouviufalarnumrobôamuado?–Porquenãonosdizoquejáconseguiudescobrir,Susan?–perguntouBogert.

– Muito bem! O Cerebro admite que controla totalmente a nave. Mostra-sedecididamente otimista quanto aos dois homens, mas nao fornece detalhes. Nao ousoinsistir. Entretanto, o motivo de sua perturbaçao parece relacionar-se com o saltointerestelarpropriamentedito.OCerebrochegouarirquandotoqueinoassunto.Existem

outrossintomas,masesteeoquemaisseaproximadeumaanormalidadede inida.-Olhoupara os outros, prosseguindo: – Re iro-me a histeria. Deixei o assunto de ladoimediatamenteeesperonaotercausadodanos,masofatoforneceu-meumapista.Possocontrolarahisteria.Deem-medozehoras!SeeuconseguirtrazeroCerebroaonormal,eletraráanavedevolta.

Bogertpareceusubitamenteabalado.–Osaltointerestelar!–Oquehá?–perguntaramSusaneLanning,simultaneamente.–OsnúmerosqueoCérebronosforneceusobreanave.Ora...Tiveumaideia.Saiuapressadamente.LanningbruscamenteaSusanCalvin:–Cuidedesuaparte,Susan.Duashorasmaistarde,PeterBogertdiziaansiosamente:– Estou lhe dizendo, Lanning: e isso.O salto interestelar nao e instantaneo – pelo

menos, nao enquanto a velocidade da luz for inita. A vida nao pode existir... Materia eenergia,comotais,naopodemexistirnodesviodoespaço.Naoseioqueaconteceria–maséisso.FoioqueestragouorobôdaConsolidated.

Donovansentiu-seabatidoaoverificar.–Sócincodias?–Sócincodias.Tenhocerteza.Donovan olhou em volta, aturdido. As estrelas vistas atraves do vidro eram

familiares,masdecididamenteindiferentes.Asparedesdanaveestavamfriasaotoque;asluzesocultas,quetornaramaacender-se,eraminsensivelmentebrilhantes,oponteirodomostrador continuava a apontar teimosamente para o zero. E Donovan nao conseguialivrar-sedogostodeervilhasquelheficaranaboca.

Declarou,devagar:–Precisodeumbanho.Powellergueumomentaneamenteosolhos,replicando:– Eu tambem. Nao precisa icar tao preocupado. Mas, a menos que queira tomar

banhodeleiteeficarsembeber...– De qualquer forma, acabaremos icando sem beber. Greg, quando chegara a tal

viageminterestelar?–Comopossosaber?Talvezcontinuemosapenasdamesmaforma.Acabaremoschegandola.Aomenosopodenossosesqueletosdeverachegar.A inal,anossamortenaoecausadoenguiçodoCérebro?Donovanvirou-lheascostas,replicando:

– Estive pensando, Greg. Nossa situaçao e bem ruim.Nao temosmuito que fazer,exceto andarmos de um lado para outro, falando sozinhos. Voce conhece bem aquelashistorias sobre homens perdidos no espaço. Ficam loucosmuito antes demorrerem defome. Nao sei explicar, Greg, mas sinto uma coisa esquisita desde que as luzes seacenderam.

Depoisdeumapausa,avozdeGregPowell, inaebaixinha,confirmou:–Eutambém.Oquesente?

Oruivovoltou-separaencararocompanheiro.– Sinto-me esquisito, por dentro. E um latejar, com tudo muito tenso. Tenho

dificuldadepararespirar.Nãoconsigoficarparado.–Bem...Senteumavibração?–Comoassim?– Sente-se um minuto e escute com atençao. Nao e possıvel ouvir, mas da para

sentir...comosealgoestivessevibrandoemalgumlugareavibraçaopercorressetodasanaveenóstambém...Ouça...

–Sim...sim...Queachaqueseja,Greg?Nãosupõequesomosnós?–Talvezsejamos–dissePowell,co iandolentamenteobigode.–Mastalvezsejamos

motoresdanave.Épossívelqueelaestejaempreparação.–Paraquê?– Para o salto interestelar. Talvez esteja chegando – e so Deus sabe como sera!

Donovanrefletiuumpouco.Depois,disse,violento:–Seassimfor,queseja!Eugostariadepoderlutar.Ehumilhantesermosforçadosa

esperarsentados!Cercadeumahoramaistarde,Powellolhouparaamãopousadanobraçodapoltrona

edissecomumacalmagélida:–Sintaaparede,Mike.Donovanobedeceuedeclarou:–Possosenti-lavibrar,Greg.

Atemesmoasestrelaspareciampouconıtidas.Dealgumlugar,vinhaaimpressaode

queumapossantemaquinatornavaimpulsonointeriordasparedes,armazenandoenergiaparaumsaltoprodigioso,vibrandoeganhandopotêncianasescalasdeforça.

Chegou subitamente, como a dor de uma punhalada. Powell enrijeceu-se, quasesaltandodapoltrona.ViuDonovan,massuavistaseenevoou,enquantoogritodeDonovanmorriaemseusouvidos.Algosedebatiadentrodele,lutandocontraoespessocobertordegeloqueameaçavacobri-lo.

Algoselibertou,rodopiandonummardedoredeluzesfaiscantes.Ecaiu......erodopiou......etombouparadiante......nosilêncio!Eraamorte!Era ummundo semmovimento e sensaçao. Ummundo de uma vaga consciencia

insensível;umaconsciênciadeescuridão,silêncioedeumalutadesprovidadeforma.Acimadetudo,umaconsciênciadeeternidade.Eleeraumbranco iapodeego–frioetemeroso.Entao,vieramaspalavras,untuosas

esonoras,trovejandoemtornodelenumaespumadesom:–Seucaixaoestadesconfortavelultimamente?Porquenaoexperimentaoscaixoes

adaptaveis de Morbido M. Cadaver? Sao desenhados cienti icamente para adaptar-se ascurvas do corpo e enriquecidos com vitamina Bl. Para maior conforto, use os caixoesCadáver.Lembre-se:você...vai...ficar...morto...durante...muito...tempo!

Naoeraexatamenteumsom;mas,dequalquerforma,sumiunumsussurroroucoe

oleoso.O iapo branco que poderia ter sido Powell debatia-se inutilmente nos eons

insubstanciais de tempo que existiam a sua volta – e desmanchou-se quando o gritopenetrantedecemmilhoesdefantasmas,decemmilhoesdevozesdesopranoergueram-senumaagudamelodia:“Ficareifelizquandovocêmorrer,seumiserável!

“Ficareifelizquandovocêmorrer,seumiserável!Ficareifeliz...“As vozes se ergueram num som violento, chegando a uma escala supersonica

inaudível...Ofiapobrancoestremeceucomumadorpulsante.Lutou,emsilêncio...As vozes eram comuns – e muitas. Era uma multidao falando, uma multidao

turbilhonante que passava atraves dele numa torrente rapida, deixando o eco de sılabassoltasiatrásdesi.

– Por que te pegaram, rapaz? Pareces escangalhado... um fogo ardente, creio.Massofrode...chegueiaoParaíso,masovelhoSãoPedro...

–Não...Tenhoinfluênciajuntoaorapaz.Tivenegócioscomele...–Ei,Sam,venhaporaqui...–Arranjasteumadvogado?Belzebudizque...–Vamos,meubomamigo?TenhoumencontrocomSata...E,acimadetudoaquilo,o

ruıdoestentoreooriginal,quepareciamergulharatravesdacena:–DEPRESSA!DEPRESSA!DEPRESSA!Sacudamosossosenaonosfaçamesperar–hamuitosmaisesperandona ila.Tragamoscerti icadosnasmaoseveri iquemseocarimbodePedroestaestampadoneles.Certi iquem-sedequeestaonoportaodeentradacerto.Habastante fogopara todos.Ei,você...VOCÊAÍ!TOMESEULUGARNAFILAOU...

O iapo branco que era Powell recuou ante a voz que avançava, sentindo a pontaviolentadodedoameaçador. Derepente,tudoexplodiunumarco-ırisdesomquedeixoucairseusfragmentosnumcerebrodolorido.Powellviu-senovamentenapoltrona.Tremia.OsolhosdeDonovanestavamarregalados,muitoazuis.

–Greg–sussurrouele,quasenumsoluço.–Vocêestevemorto?–Eu...mesentimorto.Powellnãoreconheceusuaprópriavoz.Donovannãoconseguiupôr-sedepé.–Estamosvivos,agora?Ouhaverámais?– Eu... me sinto vivo – disse Powell, cautelosamente, aindamuito rouco. – Voce...

ouviualgumacoisa,quando...estevemorto?Donovanfezumapausaemseusesforçose,muitodevagar,meneoua irmativamente

acabeça.–Vocêtambémouviu?–Ouvi.Voceouviualgosobrecaixoes...emulherescantando...e ilasparaentrarno

Inferno?Ouviu?Donovansacudiuacabeça,negando.–Sóumavoz.–Alta?–Nao.Baixa;masasperacomoumalixa.Eraumsermao,sabe,arespeitodofogodo

inferno.Descreviaastorturasde...bem,vocesabe.Certavez,ouviumsermaoassim–quaseigual.Suavacopiosamente.

Perceberamluzsolaratravesdajanela.Aindafraca,masazulesbranquiçada–eabolabrilhantequeserviadefontedeluznaoeraoVelhoSol.Comamaotremula,Powellapontoupara o unico mostrador. O ponteiro, irme e orgulhoso, indicava a marca dos 300.000parsecs.

–Mike,seforverdade,devemosestarforadaGaláxia.–Comosdiabos!–exclamouDonovan.–Greg!Serıamososprimeiroshomensasair

doSistemaSolar!– Sim! Exatamente. Escapamos do Sol. Escapamos da Galaxia! Isto signi ica a

liberdade de toda a humanidade – liberdade para espalhar-se ate todas as estrelas queexistem–milhões,bilhões,trilhõesdelas.

Então,deixou-secairpesadamentenapoltrona.–Mascomovoltaremos,Mike?Donovansorriu,trêmulo.–Ora,nao sepreocupe.Anavenos trouxeate aqui; elanos levaradevolta.Agora,

prefirocomermaiservilhas.–Mas,Mike... Espere,Mike. Se formos levadosdevoltadamesma formapelaqual

fomostrazidosateaqui...Donovaninterrompeuomovimentoparalevantar-se,deixando-secairnovamentenapoltrona.Powellconcluiu:

–Teremosque...morreroutravez,Mike.– Bem – suspirou Donovan. – Se for preciso, morreremos. Pelo menos, nao sera

permanente–nãomuitopermanente.Agora, Susan Calvin falava lentamente. Passara seis horas interrogando

cautelosamente o Cerebro – seis horas inuteis. Estava cansada de repetiçoes, decircunlóquios–cansadadetudo.

– Agora, Cerebro, apenas mais uma coisa. Quero que voce faça um esforço pararespondercomsimplicidade.Temabsolutacertezaarespeitodosaltointerestelar?Querodizer:elesserãolevadosmuitolonge?

– Ate onde desejam ir, Srta. Susan. Ora, nao hamisterio nenhum em atravessar odesviodoespaço.

–Eoqueverãonooutrolado?–Estrelas,etudoomais.Oqueacha?Aperguntaseguinteescapouquasesemquerer:–Estarãovivos,então?–Claro!–Enãosofrerãocomosaltointerestelar?Susan Calvin icou petri icada quando o Cerebro manteve silencio. Era isso! Ela

tocaranopontosensível.–Cerebro–suplicouela,comvozfraca.–Estameouvindo,Cerebro?Arespostafoi

fraca,trêmula,OCérebroreplicou:–Tenhoqueresponder?Querodizer,arespeitodosalto?–Naoprecisa,senaoquiser.Masseriainteressante,istoe,sevocequisesse–disse

SusanCalvin,tentandomostrar-seanimada.–Bolas!Asenhoraestragatudo...

A psicologa ergueu-se de um pulo, com os olhos brilhantes, percebendo tudosubitamente.

–Oh!–exclamou,engasgada.–Oh!Sentiuatensaodehorasediasaliviar-secomonumaexplosaorepentina.Maistarde,

eladisseaLanning:– Digo-lhe que esta tudo bem. Nao, agora, deixe-me em paz. A nave voltara em

segurançacomosdoishomens.Querodescansarevoudescansar.Váembora.AnavevoltouaTerrademodotaosilenciosoesuavequantohaviapartido.Pousou

precisamente no devido lugar, e a escotilha principal se abriu. Os dois homens quedesembarcaram dela caminharam cautelosamente, passando a mao pelos queixosbarbados.

Entao, lenta, deliberadamente, o homem de cabelos ruivos ajoelhou-se e deu umbeijoestaladonoconcretodapista.

Afastaramcomumgestoamultidaoquese formavaemenearamnegativamenteacabeçaparaosdoishomensuniformizadosdebrancoquesaltaramdaambulanciacomumamaca.GregoryPowellperguntou:

–Ondeéochuveiromaispróximo?Foramlevadosparalá.Mais tarde, todos estavam reunidos em torno da mesa. Era uma conferencia

completadetodososcérebrospensantesdaU.S.Robôs&HomensMecânicosS.A.Lenta,dramaticamente,PowelleDonovanconcluıramumanarrativacircunstanciada

dos fatos.SusanCalvinquebrouosilencioqueseseguiu.Nospoucosdiasquesehaviampassado,elarecobrarasuacalmagelidaeumtantoacida–masaindaconservavaumcertoembaraço.

–Estritamentefalando,tudofoiculpaminha–declarou.–LogoqueapresentamosoproblemaaoCerebro,comoeuesperoquealgunsdospresentesserecordem,esforcei-meparaimpressiona-locomaimportanciaderejeitarqualqueritemdeinformaçaocapazdecriarumdilema.Aofaze-lo,eudissealgocomo:“Naoseexcitecomapossibilidadedemortedesereshumanos.Naonosimportamoscomisso.Bastarejeitara ichadeinformaçoeseesquecê-la”.

–Bem–disseLanning.–Edaí?–Eobvio.Quandotalitemfoiinseridonoscalculosqueforneciamaequaçaoquecontrolaocomprimentodo intervalomınimoparao salto interestelar, signi icava amortede sereshumanos.Foi aı queamaquinadaConsolidated icou completamenteestragada.Maseu,conversandocomoCerebro,diminuıraaimportanciadamorte–naointeiramente,poisaPrimeira Lei jamais pode ser violada – mas o su iciente para que o Cerebro pudesseexaminaraequaçaoumasegundavez.Foiobastanteparaqueeleveri icasseque,umavezultrapassado o intervalo, os homens voltariam a vida – exatamente como a materia eenergia da nave voltariam a existir. Em outras palavras, a suposta “morte” seria umfenômenoestritamentetemporário.Compreendem?Olhouemvolta.Todosescutavamcomatenção.SusanCalvinprosseguiu:

–Assimsendo,oCerebroaceitouoitem,masnaosemumcertoabalo.Mesmocomamortesendotemporariaeeutendodiminuıdosuaimportancia,oitemfoiobastanteparaabala-lodeformamuitoleve.-Comamaiorcalma,explicou:–Eledesenvolveuumsensode

humor – uma fuga; um metodo de escapar parcialmente a realidade. Passou a ser umbrincalhão.

PowelleDonovanergueram-sesimultaneamente.–Oquê!–exclamouPowell.Donovanmostrou-seconsideravelmentemaisexpressivo.–Foiissomesmo–insistiuSusanCalvin.–OCerebrocuidoudevoces,mantendo-os

emsegurança.Masvocesnaopodiamdirigiranave,porquenaohaviacontroles–anaoserpara o Cerebro brincalhao. Podıamos falar-lhes pelo radio, mas voces nao podiamresponder.Dispunhamdebastantecomida–massoervilhaseleite.Entao,vocesmorreram,porassimdizer,evoltaramposteriormenteavida,masoperıododesuamortetemporariafoi tornado... bem... interessante. Eu gostaria de saber como ele conseguiu aquilo. Foi abrincadeirafavoritadoCérebro,maselenãotevemásintenções.

–Másintenções!–rosnouDonovan.–Oh,seaquelemiseráveltivesseumpescoço!Lanningergueuamão,impondosilêncio.–Muitobem.Foiumagrandeconfusão,mastudoterminou.Eagora?

– Bem – disse Bogert. – Obviamente, cabe-nos aperfeiçoar o engenho interestelar. Deveexistiralgummododecontornarointervalodosalto.Sehouver,somosaunicaorganizaçaoqueaindapossuiumsuper-roboemgrandeescala,demodoqueseremososunicoscapazesdeencontrarasoluçao.Entao...aU.S.Robospossuiraosegredodasviagensinterestelareseahumanidadeteráoportunidadeparaestabelecerumimpériogaláctico.–EaConsolidated?–indagouLanning.

–Ei!–interrompeusubitamenteDonovan.–Desejofazerumasugestaoarespeito.ElescolocaramaU.S.Robosnumaencrencadosdiabos.Naofoiumaencrencataograndequanto eles esperavam e tudo terminou bem, mas as intençoes deles nao eram dasmelhores.Gregeeufomososquemaissofreramcomoassunto.

–Muitobem.Elesqueriamumaresposta:podemte-la.Selhesenviarmosanave,comgarantia,aU.S.Robospodereceberosduzentosmil,maisoscustosdeconstruçao.Eseelesresolveremtestaranave...bem,deixemosqueoCerebrodivirta-seumpoucomais,antesdesertrazidoaonormal.

Lanningdeclarouemtomgrave:–Parece-memuitojustoeadequado.Bogertacrescentou,distraído:–Eestritamentedeacordocomocontrato...

27- Evidência

Francis Quinn era um polıtico da nova escola. Naturalmente, trata-se de uma

expressao sem signi icado, como todas as expressoes desse tipo. A maioria das “novasescolas”quepossuımoscopiadadaGreciaAntigae,talvez,seconhecessemosmaissobreoassunto,davidasocialdaantigaSumeriaetambemdashabitaçoeslacustrespre-historicasdaSuíça.

Mas, para deixarmos de lado o que promete ser um inıcio complicado edesinteressante,seriamelhordizerrapidamentequeFrancisQuinnnãoconcorriaaeleiçõesouangariavavotos;nao faziadiscursosnemsepreocupavacomurnas.Damesma formacomoNapoleãonuncapuxouumgatilhoemAusterlitz.

Ecomoapolıticaprovocaestranhasunioes,AlfredLanningestavasentadonooutroladodamesa,comasgravessobrancelhasbrancasfranzidassobreosolhos,aosquaisumaimpaciênciacrônicaemprestavaumbrilhoagudo.Nãoestavasatisfeito.

SeQuinnpercebiaisto,naodavaamenorimportancia.Suavozeraamistosa,emboranumtomumtantoprofissional.

–PresumoqueconheçaStephenByerley,Dr.Lanning.–Jáouvifalarnele.Muitagentetambémjáouviu.–Certo.Eutambém.Talvezosenhorpretendavotarnelenaspróximaseleições.–Naoseidizer–replicouLanning,comuminequıvocotraçodeacidez.–Naotenho

acompanhadoosacontecimentospolíticos,demodoquenãoseiseeleécandidato.–Talvezelesejaonossoproximoprefeito.Naturalmente,eleaindanaopassadeum

simplesadvogado,masosgrandescarvalhos...–Sim–interrompeuLanning.–Jaconheçooditado.Masimaginosenaopoderıamosirlogoaoassunto.– Estamos no assunto, Dr. Lanning – respondeu Quinn, de modo muito suave. – MeuinteresseefazercomqueoSr.Byerleynaopassedeumsimplespromotordistrital,eedoseuinteresseajudar-meafazê-lo.

–Domeuinteresse?Comoassim?–redarguiuLanning,franzindoaindamaisatesta.– Bem, digamos que e do interesse da U.S. Robos & HomensMecanicos S.A.. Vim

procura-lo,nacondiçaodeDiretorEmeritodePesquisas,porqueseiquesuaposiçaoemrelaçaoa irmae,porassimdizer,adeum“estadistaexperiente”.Osenhoreouvidocomrespeito e sua ligaçao com a companhia ja nao e tao estreita que nao lhe permitaconsiderávelliberdadedeação–mesmoquetalaçãonãosejatãoortodoxa.

O Dr. Lanning permaneceu calado por alguns momentos, ruminando seuspensamentos.Afinal,disseemtombemmaissuave:

–Nãoconsigoentendê-lo,Sr.Quinn.–Naoedeespantar,Dr.Lanning.Mas,narealidade,etudobastantesimples.Comlicença?–disse Quinn, interrompendo-se para acender um comprido cigarro com um isqueirosimples, mas de bom gosto. Seu rosto ossudo assumiu uma expressao tranquila de

divertimento.–Hapouco,falamosnoSr.Byerley–umapessoaestranhaeinteressante.Eradesconhecidohatresanos.Atualmente,emuitoconhecido.Eumhomemforteecapaz;naverdade, e opromotormais inteligenteee icienteque ja tiveoportunidadede conhecer.Infelizmente,nãoémeuamigo...–Compreendo–dissemecanicamenteoDr.Lanning,examinandoasunhas.

–Noanopassado,tiveoportunidadedeinvestigaroSr.Byerley–demodobastanteexaustivo e detalhado – prosseguiu Quinn, com a maior calma. – Como o senhor devecompreender, e sempre util submeter a vida passada dos polıticos reformadores a umapesquisaminuciosa.Seosenhorsoubessecomotemsidoproveitoso...

Fez uma pausa, sorrindo sem humor e itando a ponta fumegante do cigarro.Acrescentou:

–Mas o passado do Sr. Byerley nada temde notavel. Uma vida tranquila emumacidadepequena,umdiplomauniversitário,umaesposaquefaleceumuitocedo,umacidentedeautomovelseguidoporprolongadaconvalescença,umcursodedoutoradoemdireito,avindaparaametrópole,umcargodepromotor.

FrancisQuinnmeneoulentamenteacabeçaeconcluiu:–Masavidaatual–estaébemnotável:onossopromotorpúblicojamaiscome!Lanning ergueu repentinamente a cabeça; seus olhos mostravam-se

surpreendentementebrilhanteseatentos.–Como?–Onossopromotorpublico jamaiscome–repetiuQuinn,marcandocadasılaba.–

Alterarei um pouco a a irmaçao: nunca o viram comer ou beber. Nunca! Entende osignificadodapalavra?Nãoéraramente–énunca!

–Achobastanteincrível.Osenhorconfianosinvestigadores?–Possocon iarnelesenaocreioquesejataoincrıvel.Alemdisso,nuncahouvequem

visse nosso promotor publico beber – nao apenas alcool, mas qualquer tipo de lıquido,inclusiveágua–oudormir.Existemoutrosfatores,mascreioquejámefizentender.

Lanningrecostou-senapoltronaehouveumprofundosilenciodedesa ioerepostaentreosdoishomens.Então,ovelhoespecialistaemrobôssacudiuacabeça.

–Nao.Haapenasumacoisaqueosenhorpodeestarquerendoinsinuar,seeulevaremconsideraçao suasa irmaçoeseo fatodeo senhor faze-lasamim.E tal insinuaçao eimpossível.

–Masohomemébastantedesumano,Dr.Lanning.– Se o senhor me dissesse que ele e o demonio disfarçado, haveria uma ligeira

possibilidadedequeeuacreditasse.–Digo-lhequeeleéumrobô,Dr.Lanning.–Eeulhedigoqueessaeaconcepçaomaisimpossıvelquejaouvi,Sr.Quinn.Mais

umavez,umsilenciocarregado.–Mesmoassim–disseQuinn, a inal, apagandoo cigarrono cinzeiro comcuidado

exagerado–osenhorteradeinvestigartalimpossibilidadecomtodososrecursosdesuafirma.

–Tenho certezadeque eunaopoderia realizar tal tarefa, Sr.Quinn.O senhornaopoderiaestarfalandosérioaosugerirquenossacompanhiatornassepartenapolíticalocal.

–Osenhornaotemoutraescolha.Suponhamosqueeupublicasseofatosemprovas

concretas.Afinal,asprovassãobastantecircunstanciais.–Osenhorpodeagircomobementender.–Masissonaomeagradaria.Seriamuitomaisdesejavelobterprovasconcretas.Por

outrolado,tambemnaoagradariaaosenhor,poisapublicidadepoderiasermuitodanosaparasua irma.Suponhoqueosenhorestejaperfeitamenteapardasleisqueproıbemousoderobôsnosplanetashabitados.

–Certamente!–foiarespostabrusca.–OsenhorsabequeaU.S.RoboskHomensMecanicosS.A. eo unicofabricantede

robos positronicos do Sistema Solar. E se Byerley e um robo, so pode ser um robopositronico. Alem disso, o senhor tambem sabe que todos os robos positronicos saoalugados–enaovendidos–ea irmacontinuaaserproprietariaeadministradoradecadarobô,sendo,portanto,responsávelpelasaçõesdetodososrobôs.

–Sr.Quinn,emuitosimplesprovarquenossa irmajamaisfabricouumrobodetipohumanóide.

–Podefabricar?Estouperguntandoapenasparadiscutiraspossibilidades.–Sim.Épossívelfabricarrobôshumanóides.–Secretamente,imagino.Semregistrarnoslivros.– O cerebro positronico, nao. Existem muitos fatores envolvidos no processo de

fabricaçãoeogovernoexerceumasupervisãomuitosevera.–Sim.Masosrobôsficamgastospelouso,quebram,enguiçamesãodesmontados.–Oscérebrospositrônicossãousadosemnovosrobôs,oudestruídos.–Realmente?–replicouQuinn,comumpoucodesarcasmo.–Ese,casualmente, e

claro,umdelesnaofossedestruıdoehouvesseumaestruturahumanoideaesperadeumcérebro?

–Impossível!–Osenhorseriaobrigadoaprovartalimpossibilidadeperanteogovernoeopublico;

porquenãoprovaparamim,agora?–Masqualpoderiaseranossamotivaçao?–quissaberLanning,exasperado.–Qual

serianossoobjetivo?Dê-nosocréditodeummínimodebomsenso.–Porfavor,meucarodoutor.Sua irmamuitosealegrariaemconseguirqueasvarias

regioespermitissemousode robos humanoidespositronicos emmundoshabitados.Oslucrosseriamenormes.Masopreconceitodopublicocontra talpratica egrandedemais.Suponhamosqueafirmadesejasse,emprimeirolugar,acostumaropúblicoataisrobôs.Porexemplo:vejam,temosumadvogadohabilidoso,umbomprefeito–eele eumrobo.Naoqueremcomprarumdenossosrobôsmordomos?

–Totalmentefantástico!Umapossibilidadehumorísticaequaseridícula.–Imaginoquesim.Porquenãoprovar?Ouprefeririaprovaraopúblico?Aluminosidadenoescritorioestavadiminuindo,masnaoobastanteparaocultara

frustraçaoestampadanorostodeLanning.Lentamente,oespecialistaapertouumbotaoeasluzesembutidasnasparedesseacenderam.

–Muitobem,então–grunhiuele.–Vejamos.

NãoerafácildescreverorostodeStephenByerley.Tinhaquarentaanos,pelacertidaodenascimento,eaparentavaquarentaanos–mas

era uma aparencia saudavel, bem nutrida e bem humorada; quem o visse pensavaautomaticamentenovelhoclichêarespeitodeumapessoaaparentaraidadequetem...

Istosetornavaparticularmenterealquandoeleria–comoestavarindo,agora.Umrisoaltoecontínuo,quediminuíaumpoucoparalogorecobraraintensidade...

O rosto de Alfred Lanning contraıra-se numa expressao rıgida e amarga dedesaprovaçao.Esboçouumgestonadireçaodamulherqueestavasentadaaseulado;estaapenasapertouumpoucooslábiosfinosedescorados.

Aospoucos,Byerleyconseguiuretornaraoestadonormal.–Francamente,Dr.Lanning...Francamente...Eu...eu...umrobô?Lanningreplicouasperamente:–Naofuieuquemdeclaroutalcoisa,senhor.Meagradariamuitotercertezadequeo

senhor e um membro da humanidade. Uma vez que nossa irma nao o fabricou, tenhobastantecertezadequeosenhor eumhomemdeverdade–pelomenos,sobopontodevista legal.Masdesdequeumhomemde certaposiçaonos apresentou com seriedade apossibilidadedequeosenhorsejaumrobô...

–Naoprecisamencionaronomedele,casoistovenhaaarrancarumalascadesuaetica granıtica,mas, simplesmente para argumentar, suponhamos que se trate de FrankQuinn.Prossigamos,porfavor.

Lanningsoltouumgrunhidoraivosoanteainterrupçaoefezumapausaferoz,antesdeacrescentarcomfrigidezaindamaior:

-Eapossibilidadedequeosenhorsejaumrobo–umhomemcujaidentidadenaopretendo envolver em jogos de adivinhaçao – sou obrigado a lhe pedir que coopere nosentidodeprovarquetalinsinuaçaonaoeverdadeira.Osimplesfatodequetalinsinuaçaovenhaaserpublicadapelosmeiosqueo referidohomemtem a suadisposiçao seriaumsevero golpe para a companhia que represento – mesmo que a acusaçao jamais fossecomprovada.Osenhorcompreende?

–Oh,sim.Suaposiçaomeparecemuitoclara.Aacusaçao,emsi,eridıcula.Asituaçaoem que o senhor se encontra nao e. Peço-lhe desculpas, se meu riso o ofendeu. Ri daacusaçãoenãodesuasituação.Comopodereiajudá-la?

–Tudopoderiasermuitosimples.Bastariaqueosenhor izesseumarefeiçao,numrestaurante,diantedetestemunhas,deixandoquetirassemfotografias.

Lanning recostou-se na poltrona, sentindo que a pior parte da entrevista estavasuperada.Amulhera seu ladoobservavaByerleycomexpressaoaparentementeabsorta,permaneceucalada.

StephenByerleycruzouoolharcomodela, itou-aporummomentoe,entao,olhououtravezparaoespecialistaemrobôs.

Por um instante, seus dedos brincaram distraidamente com o peso de papeis debronze, que era o unico ornamento visıvel em cima da mesa. A inal, declaroutranquilamente:

–Naocreioquepossaatende-la.Ergueuamaonumgestoimperativo.–Espereumminuto,Dr.Lanning.Compreendoquetudoistosejamuitodesagradavelparaosenhor,queosenhorfoiforçadoaistocontraasuavontade,queosenhorjulgaestarfazendoumpapelpouco digno e atemesmo ridıculo. Ainda assim, o assunto temuma relaçaomuitomaisıntima comigo, demodo que solicito a sua tolerancia. – Em primeiro lugar, o que o faz

pensarqueQuinn–otalhomemdecertaposiçaoaqueosenhorsereferiu–naooestavailudindo,afimdelevá-loafazerexatamenteoqueosenhorestáfazendo?

Lanningreplicou:– Ora, parece-me muito pouco provavel que uma pessoa de boa reputaçao se

arriscassedeformataoridıcula,senaoestivesseconvencidadepisaremterrenoseguro.UmbrilhodehumorsurgiunosolhosdeByerley.

–OsenhornaoconheceQuinn.Eleconseguiriaandaremsegurançanumaplataformamontanhosa onde um cabrito montes jamais se arriscaria a pisar. Suponho que ele lhemostrouosdetalhesdainvestigaçãoquemandourealizarameurespeito.

–Obastanteparaconvencer-medequeseriademasiadoincomodoparanossa irmatentarprovarquesãofalsos,quandoosenhorpoderiafazê-lodemaneiratãomaisfácil.

–Entao,o senhoracreditaquandoelea irmaqueeu jamaiscomo?Osenhor eumcientista, Dr. Lanning. Pensa na logica empregada por ele: alguem jamaisme viu comer,portanto,eununcacomo.Francamente.

-O senhoresta empregando taticas forensespara confundiroque,na realidade, eumasituaçãomuitosimples.

–Muitopelocontrario.EstoutentandoesclarecerumasituaçaoqueosenhoreQuinnestaotornandomuitocomplicada.Compreendaumacoisa:everdadequenaodurmomuitoe, certamente, nuncadurmoempublico.Nuncameagradou comer comosoutros –umaidiossincrasiaincomumeprovavelmentedecaraterneurotico,mastotalmenteinofensiva.Ouça, Dr. Lanning: permita-me que eu lhe apresente um caso ictıcio. Suponhamos quehouvesseumpolıticointeressadoemderrotarumcandidatoreformistaaqualquerpreçoe,durante uma investigaçao da vida particular do adversario, descobrisse alguns detalhesestranhoscomoosqueacabodecitar.

– Suponhamos, alem disso, que para sujar efetivamente o nome do candidato, eleconsiderasseasua irmaumagenteintermediarioideal.Osenhoresperaqueelelhediga:“Fulanoeumroboporquequasenuncacomecomoutraspessoas;porquenuncaadormeceunotribunal;porque,certavez,quandoolheipelajanela,demadrugada,eleestavasentado,lendoumlivro;porque,quandodeiumabuscanageladeiradele,nãoencontreicomida”?–Seeledissessetalcoisa,osenhormandariabuscarumacamisadeforçaparaele.Maselelhediz:“Elenuncadorme;elejamaiscome”.Entao,ochoquedaa irmativafazcomqueosenhorseesqueçadequetaisa irmaçoessaoimpossıveisdeprovar.Eosenhorcontribuiparaisso.Lanningretrucoucomameaçadorateimosia:

– A despeito de tudo, senhor, quer considere o caso como serio, ou nao, peço-lheapenasquefaçaarefeição,domodocomomencionei,etudoestaráencerrado.

Maisumavez,Byerleyvoltou-separaamulher,quecontinuavaaencara-locomumrostoinexpressivo.

–Desculpe-me.Creioqueouvicorretamenteonome:Dra.SusanCalvin,nãoé?–Sim,Sr.Byerley.–AsenhoraéapsicólogadaU.S.Robôs,nãoé?–“Robopsicóloga”,porfavor.–Oh!Osrobôssãomentalmentediferentesdoshomens?–Muitodiferentes–respondeuSusanCalvin,comumsorrisogelido.–Osrobossao

essencialmente decentes. A sombra de um sorriso surgiu nos cantos dos labios doadvogado.

–Bem,istoeumgolpeduroparanos.Masdesejodizeroseguinte:jaqueasenhoraeumapsi...umarobopsicologa–eumamulher–apostoque fezalgoquenempassoupelacabeçadoDr.Lanning.

–Dequesetrata?–Asenhoratemnabolsaalgoparacomer.HouveumabrechanaestudadaindiferençadeSusanCalvin,quereplicou:-Osenhormesurpreende,Sr.Byerley.Abrindoabolsa,tirouumamaça.Semdizerumapalavra,entregou-aaByerley.ODr.

Lanning, aposo choque inicial, seguiu comolhosatentosomovimentovagarosodeumamãoparaoutra.Comamaiorcalma,StephenByerleymordeuamaçã,mastigoueengoliu.

–Estávendo,Dr.Lanning?O Dr. Lanning sorriu, expressando um alıvio tao tangıvel que ate mesmo suas

sobrancelhasparecerambenevolentes.Masoalıviodurouapenasumfragilsegundo.SusanCalvincomentou:

–Euestavacuriosaparaverseosenhoracomeria.Mas,naturalmente,nopresente caso, isto nao prova coisa alguma.

Byerleysorriu.–Não?

–Claroquenao.Eobvio,Dr.Lanning,queseessehomemfosseumrobohumanoide,seriauma imitaçao perfeita do homem. Ele e quase humano demais para ser real. A inal,passamosavidavendoeobservandosereshumanos;seriaimpossıvelconvencer-noscomumaimitaçaoquenaofosseperfeitanosmınimosdetalhes.Observeatexturadapele,acorda ıris, a formaçao ossea damao. Se ele e um robo, eu gostaria de poder dizer que foifabricadopelaU.S.Robos,porqueeumtrabalhoperfeito.Osenhorsupoequeumfabricantecapazdeprestaratençaoemtaopequenosdetalhesesquecessedeinstalaralgunsaparelhosque substituiriam as funçoes elementares de comer, dormir e satisfazer as outrasnecessidades isiologicas?Talvezapenasparacasosdeemergencia–como,porexemplo,para evitar a situaçao que se nos apresenta. Portanto, uma refeiçao nada prova, narealidade.

–Ora, espere umminuto – rosnouLanning. –Nao sou tao tolo quanto voces doisestaoimaginando.NaoestouinteressadonoproblemadesaberseoSr.Byerleyehumanoounao.Meuinteresseetirara irmadeumaencrenca.Umarefeiçaoempublicoencerraraoassunto de uma vez por todas, quaisquer que sejam as a irmaçoes de Quinn. Podemosdeixarosoutrosdetalhesacargodeadvogadosederobopsicólogos.

– Mas parece que o senhor esta esquecendo a polıtica da situaçao Dr. Lanning –interposByerley.–EstoutaoansiosoparasereleitoquantoQuinnestapara impedir-me.Porfalarnisso,osenhornotouqueacabadedizeronomedele?Confessoqueeumbaratotruqueforensequecostumousar;eusabiaqueosenhorsetrairia,maiscedooumaistarde.

Lanningcorou,indagando:–Quetemaeleiçãoavercomocaso?–Apublicidade euma facadedoisgumes, senhor. SeQuinndeseja chamar-mede

robôetemaousadiadefazê-lo,eutenhoaousadiadejogardamesmaformaqueele.

–Querdizerque...?Lanninginterrompeu-o,francamentechocado.–Exatamente.Querodizerquevoudeixa-loprosseguir;e lhedareibastantecorda,

permitireiqueexperimentearesistenciadela,façaolaço,metaneleseupropriopescoçoeseenforquesorrindo.Eupossocuidardospoucosdetalhesrestantes.

–Vejoqueestámuitoconfiante...SusanCalvinergueu-se.–Vamos,Alfred.Nãoconseguiremosfazê-lomudardeopinião.– Vejo que compreende – comentou Byerley, sorrindo suavemente. – A senhora

tambémentendedepsicologiahumana.Mastalveznemtodaacon iançaqueoDr.Lanningnotaraestivessepresentenaquela

noite, quando Byerley estacionou seu carro na rampa automatica que levava a garagemsubterrâneaeatravessouaalamedaqueconduziaàportadesuacasa.

Quandoeleentrou,ohomemsentadonacadeiraderodasergueuosolhosesorriu.OrostodeByerleyseiluminoucomafeiçaoeeleseaproximoudooutro.Avozdoinvalidoeraum sussurro rouco e aspero, que saıa de umaboca retorcida para sempre. Ametade dorostoeracobertaporcicatrizes.

–Estáchegandotarde,Steve.– Eu sei, John, eu sei. Mas hoje tive de enfrentar uma di iculdade peculiar e

interessante.–Émesmo?Nem o rosto retorcido, nem a voz roufenha poderiam ter expressoes; mas havia

ansiedadenosolhoslímpidoseinteligentes.–Écoisaquevocênãopoderesolver?–Naotenhocerteza.Talvezvenhaaprecisardeseuauxılio.Voceeogeniodafamılia.

Querqueeuoleveatéojardim?Anoiteestálinda.DoisbraçosrobustosergueramJohndacadeiraderodas.Cuidadosamente,demodo

quasecarinhoso,osbraçosdeByerleypassarampelosombrosesobaspernasparalıticasdoinválido.

Lentamente, ele atravessou as salas, desceu a rampa suave que fora construıdaespecialmenteparaousodeumacadeiraderodas,esaiupelaportadosfundos,passandoparaumjardimmuradoegradeadoatrásdacasa.

–Porquenãomedeixouvirnacadeira,Steve?Istoétolice.–Porquepre irocarregarvoce.Temalgumaobjeçao?Seiquevoce icataosatisfeito

emselivrardaquelacadeiramotorizadaporalgumtempoquantoeu icofelizporve-loforadela.Comosesentehoje?

Cominfinitocuidado,depositouJohnnagramafresca.–Comohaveriadesentir-me?Masconte-mearespeitodesuadificuldade.–AcampanhadeQuinnserabaseadanofatodeelemeacusardeserumrobo.John

esbugalhouosolhos.–Comosabe?Éimpossível.Nãoacredito.–Ora,vamos.Estoulhedizendoqueeassim.Elearranjouparaqueumdoscientistas

chefoes de U. S. Robos & Homens Mecanicos S.A. fossem ao escritorio, hoje, conversarcomigo.

AsmãosdeJohnarrancaramvagarosamentealgumasfolhasdegrama.-Compreendo...compreendo...Byerleydisse:–Maspodemosdeixa-loescolherseumetododeaçao.Tenhoumaideia.Ouçaediga-

mesepoderemoscolocá-laemprática...A cena daquela noite no gabinete de Alfred Lanning serviria para um verdadeiro

estudodeolhares.FrancisQuinn itavapensativamenteAlfredLanning.OolhardeLanningestava ixoraivosamenteemSusanCalvin,aqual,porsuavez,olhavaimpassivelmenteparaQuinn. Francis Quinn quebrou o silencio com um evidente esforço para parecerdespreocupado.

-Éumblefe.Eleestáimprovisando.-Estádispostoapagarparaver,Sr.Quinn?-perguntouSusanCalvin,indiferente.-Bem,narealidade,quemestájogandosãovocês.–Ouçabem– interrompeuLanning,disfarçandoseudecididopessimismocomum

tom atrevido. – Fizemos o que o senhor pediu. Vimos pessoalmente o homem comer. Eridículopresumirqueelesejaumrobô.

– Que acha a senhora? – perguntou Quinn a Susan Calvin. – Lanning disse que asenhoraeraperitanoassunto.AvozdeLanningeraquaseameaçadora:

–Ouça,Susan...Quinninterrompeuemtomsuave:–Porquenaoadeixafalar,homem?Hameiahoraqueelaestaaı,sentada,imitando

umposte.Lanning sentia-se decididamente irritado. Da sua sensaçao a uma paranoia

incipienteeraapenasumpasso.–Muitobem–declarou.–Façacomoquiser,Susan.Nãoainterromperemos.SusanCalvin itou-oporuminstantecomindiferençaedepoisvoltouacabeçapara

encararfriamenteFrancisQuinn.–ExistemapenasdoismodosparaprovarconclusivamentequeByerleyeumrobo,senhor.Ate o momento, o senhor apresenta apenas provas circunstanciais, com as quais podeacusar,masnadapodeprovar.EcreioqueoSr.Byerleyébastanteespertoparacombatertalespeciedematerialacusatorio.Creioqueosenhorpensadamesmaforma,ounaoestariaaquinestemomento.Osdoismetodosdeprovarsaoofısicoeopsicologico.Fisicamente,podemos disseca-lo ou usar raios X. Como faze-lo e problema seu. Psicologicamente,podemosestudarocomportamentodeByerley,poisseeleforumrobopositronico,teradeagir de conformidade com as tres leis da Robotica. E impossıvel construir um cerebropositronicodesprovidodelas.Osenhorconheceasleis,Sr.Quinn?Citou-asvagarosamente,repetindo palavra por palavra o famoso texto contido na primeira pagina doManual deRobótica.–Eujáasconheço–declarouQuinn,desinteressado.

–Entao,efacilseguiroraciocınio–replicousecamenteapsicologa.–SeoSr.Byerleyquebrarqualquerumadessasleis,naoeumrobo.Infelizmente,talprocessosofuncionademodounilateral.Seeleagirdeacordocomasleis,istonadaprovaemqualquersentido.

Quinnergueuassobrancelhas,indagandopolidamente:–Porquenão,doutora?

– Porque, se re letirmos um instante, as Tres Leis da Robotica sao os princıpiosessenciaisqueorientamamaiorpartedossistemaseticosdomundo.Naturalmente,cadaserhumanodeveteruminstintodeconservaçao.EaTerceiraLeideumrobo.Alemdisso,cada ser humano “bom”, que tenha consciencia social e sensode responsabilidade, deveobedecer as autoridades competentes, dando ouvidos a seu medico, seu patrao, seugoverno,seupsiquiatraeseussemelhantes,obedecendoàsleis,seguindoasnormas,agindodeacordocomoscostumes,mesmoquandotalobediênciainterfiracomo seu conforto ou sua segurança. E a Segunda Lei dos robos. Por outro lado, todo serhumano “bom” deve amar o proximo como a si mesmo, proteger seus semelhantesearriscar sua vida para salva-los. E a Primeira Lei dos robos. Para resumirmos tudo demodobemsimples:seByerleyseguirtodasasLeisdaRobotica, talvezsejaumrobo–outalvezsejameramenteumhomemmuitobom.

–Entao–disseQuinn–asenhoraquerdizerquenuncaconseguiraprovarqueeleeumrobô?

–Podereiprovarqueelenãoéumrobô.–Masessanãoéaprovaquedesejo!–Osenhor tera asprovasqueexistem.E eo unico responsavelpor seusproprios

desejos.Lanningteveumasúbitaideia.–Poracasojalhesocorreuqueaocupaçaodepromotorpublicoeumtantoestranhoparaumrobo?– indagouele.–Acusarsereshumanos,condena-los amorte,causar-lhesmalesinfinitos...Quinnprotestoucomveemência:

– Nao, nao podera escapar com tal desculpa. O fato de ser promotor publico naosigni icaqueelesejahumano.Naoconhecea folhadeserviçosdele?Naosabequeelesegaba de jamais haver acusado um homem inocente? Ha dezenas de pessoas que nemmesmo foram submetidas a julgamento, apenas porque as provas contra elas nao foramconsideradassu icientesporByerley,muitoemborabastassemparaqueeleconvencesseojúriacondená-las.Éapuraverdade.AsbochechasmagrasdeLanningchegaramatremer.

– Nao, Quinn, absolutamente nao. Nada existe nas Leis da Robotica que leve emconsideraçaoaculpabilidadehumana.Umrobonaopodejulgarseumserhumanomereceamorte.Naotempoderparadecidir.Naopodecausarmalaumserhumano–sejaesteumanjoouumcriminoso.

SusanCalvinpareciacansada.–Nao diga tolices, Alfred – disse ela. – Suponhamos que um robo visse um louco

prestes a incendiar uma casa onde houvesse outras pessoas. Ele deteria o louco, nao emesmo?

–Naturalmente.–Eseoúnicomeiodedetê-lofossematá-lo...Lanningengasgou.Nãodisseumasópalavra.–Arespostacerta,Alfred,équeorobôfariaopossívelparanãomatá-lo.Casosevisse

obrigadoamatarohomem,teriadesersubmetidoapsicoterapia,poisfacilmentepoderiaicar louco diante do con lito que se apresentaria: ter quebrado a Primeira Lei a im deobedeceraPrimeiraLeiemumsentidomaisalto.Mas,dequalquerforma,ohomemestariamortoeorobôoteriamatado.

–EntãoByerleyélouco?–retrucouLanning,comtodoosarcasmodequefoicapaz.–Nao,masnaomatoupessoalmentehomemalgum.Limitou-seaapresentarosfatos

quepoderiamprovarquedeterminadoserhumanoeraperigosoparaagrandemassadeoutros sereshumanosque chamamosde sociedade. Protegendo amassamaiorde sereshumanos,eleobedeceriaaPrimeiraLeiemseusentidoegraumaximos.Eocasosovaiateaı.Eojuizquemcondenaoserhumanoamorteouaprisao,depoisqueojuridecideseeleeculpadoou inocente.Eo carcereiroquemoprendeeo carrascoquemoexecuta.EoSr.Byerleynada faziaanaoserdeterminaraverdadeeauxiliarasociedade.Naverdade,Sr.Quinn,desdequeosenhornosapresentouoassunto,tiveocuidadodeestudaracarreiradoSr.Byerley.Veri iqueiquenassuasalegaçoes inaisperanteojurielejamaispediuapenademorte para o acusado. Alem disso, mostrou-se favoravel a aboliçao da pena capital econtribuiu generosamente para os fundos das instituiçoes de pesquisas dedicadas aneuro isiologiacriminal.Aparentemente,eleacreditamaisnaprevençaodoquenapuniçaodoscriminosos.Naminhaopinião,éumfatomuitosignificativo.

–Emesmo?–perguntouQuinn,sorrindo.–Signi icativodeumacertapossibilidadedeeleserumrobô,talvez?

–Talvez.Porquenegar?Umcomportamento comoodele sopoderia advirdeumrobooudeumserhumanomuitohonradoedecente.Mas,comoosenhorve,eimpossıvelestabeleceradiferençaentreumrobôeomelhordossereshumanos.

Quinnrecostou-senapoltrona.Suavozdemonstravaumtremordeimpaciência.–Dr.Lanning,éperfeitamentepossívelcriarumrobôhumanóidequeduplique

exatamenteaaparênciahumana,nãoé?Lanningpigarreouerefletiuporalgunsinstantes.Afinal,admitiucomrelutância:–IstojafoifeitoexperimentalmentepelaU.S.Robos,semainstalaçaodeumcerebro

positrônico,éclaro.Usandoóvuloshumanosecontroledehormônios,épossívelcriarpeleecarne humana em torno de um esqueleto de plastico silicoso poroso, cuja aparenciadesa iariaqualquerexameexterno.Osolhos,ocabeloeapeleseriamrealmentehumanosenao humanoides. Uma vez que se instale um cerebro positronico e todos os demaisaparelhosquesedeseje,ter-se-áumperfeitorobôhumanóide.

Quinninsistiurapidamente:–Quantotempolevariaparafabricarumdeles?Lanningrefletiu.Depois:– Tendo-se em maos todo o equipamento: o cerebro, o esqueleto, os ovulos, os

hormoniosnecessarioseasradiaçoesadequadas,eudiriacercadedoismeses.Opolıticoempertigou-senapoltrona.

–Então,veremoscomosãoasentranhasdoSr.Byerley.SeráumapublicidadeprejudicialparaaU.S.Robôs–maseulhesdeiumaoportunidadedeevitá-la.

DepoisqueQuinnseretirou,Lanningvirou-se,impaciente,paraSusanCalvin.–Porquevocêinsisteem...Elainterrompeuimediatamente,comveemênciaemtomríspido:–Quedeseja:averdadeouaminhademissao?Naovoumentiremfavordevoces.A

U.S.Robôspodecuidar-semuitobem.Nãosejacovarde.–OqueaconteceraseeleabrirByerleyedescobrirumaporçaodeengrenagensecircuitos

eletrônicos?–redarguiuLanning.–Eentão?–ElenãoconseguiráabrirByerley–declarouSusanCalvin,emtomdedesprezo.

–Nomínimo,ByerleyétãoespertoquantoQuinn.A notıcia se espalhou pela cidade uma semana antes de Byerley ser o icialmente

declaradocandidatoaseleiçoes.“Espalhou-se”naoeotermoexato.Anotıciavaciloupelacidade,aostropeções.

Começaramasrisadaseaspilherias.Amedidaquea taticadeQuinnaumentavaapressao em etapas espaçadas, os risos tornaram-se forçados, contendo um elemento deincerteza;aspessoasparavamderirecomeçavamapensar.

Aconvençaodopartidotinhaoarameaçadordeumatempestadequeseformanohorizonte. Nao haviam planejado uma competiçao. Uma semana antes, Byerley era ocandidato unico. Mesmo agora, continuava a ser. Foram obrigados a apresenta-lo comocandidatooficial;masasituaçãoestavatotalmenteconfusa.

Nao seria tao ruim se os cidadaos comuns nao estivessem confusos entre aimportanciaegravidadedaacusaçao–severdadeira–esuasensacionalloucura–sefossefalsa.

Nodiaseguinteahomologaçao–rapidaeinsegura–deByerley,umjornal inalmentepublicou o resumo de uma longa entrevista com a Dra. Susan Calvin, “perita emrobopsicologiaecérebrospositrônicosdefamamundial”.

Aconsequênciafoiumverdadeiropandemônio.EraexatamenteoqueosFundamentalistasestavamesperando.Nao se tratava de uma facçao polıtica, ou de uma organizaçao formal de fundo

religioso.Essencialmente,tratava-sedaquelesquenaosehaviamadaptadoaoqueoutroraforachamadodeEraAtomica,quandoosatomosaindaeramumanovidade.Narealidade,eramosadeptosdaVidaSimples,embuscadeumavidaquenaoparecerataosimplesaosqueatinhamlevadoanteriormente.

OsFundamentalistasnaoprecisavamdenovosmotivosparadetestarosroboseosfabricantesderobos;masumnovomotivotalcomoaacusaçaodeQuinnouaanalisedeSusanCalvinfoisuficienteparaqueoódioviesseapúblico.

AsvastasfabricasdaU.S.RobosIHomensMecanicosS.A.transformaram-senumacolméiadeatividade,daqualsaíamhomensarmados,preparadosparaaguerra.

AcasadeByerley,nacidade,estavacercadadepoliciais.Naturalmente,acampanhapolıtica deixou de lado todas as demais consideraçoes; sua unica semelhança com umacampanhaeleitoraleraofatodepreencheralacunaentreaapresentaçaodoscandidatoseaeleiçãopropriamentedita.

Stephen Byerley nao permitiu que o homenzinho intrometido o perturbasse.Permaneceu confortavelmente tranquilo entre os guardas uniformizados. Fora da casa,alem da linha de guardas, os reporteres e fotografos, ieis as tradiçoes da classe,aguardavam pacientemente. Uma empreendedora estaçao de televisao mantinha umacamarafocalizadanaportadeentradadacasadopromotorpublico,enquantoumlocutorexcitadoenchiaotempocomcomentáriossensacionalistas.

Ohomenzinhointrometidoavançou,trazendonamaoumafolhadepapelcobertadetextoprolixoecomplicado.

–Sr.Byerley,tragoumaordemjudicialautorizando-mearevistarestacasa,embusca

dequalquertipoilegalde...bem...derobôsouhomensmecânicos.Byerleyfezmençaodelevantar-se,pegouodocumento.Leucomindiferençaesorriu

aodevolvê-lo.–Estáemordem.Fiqueàvontade.Podecumprirseudever.Virando-separa a governanta, que aparecera, relutante, na porta da sala contıgua,

acrescentou:– Sra. Hoppen, faça o favor de acompanhar os cavalheiros e auxilia-los damelhor

formapossível.O homenzinho, cujo nome era Harroway, hesitou, corando visivelmente; mas nao

conseguiuatrairaatençãodeByerley.Voltando-separaosdoispoliciaisqueoacompanhavam,murmurou:–Vamos.Voltouemdezminutos.–Jaterminou?–indagouByerley,notomdequemnaoestavamuitointeressadona

perguntaounaresposta.Harroway pigarreou. Começou a falar, mas sua voz saiu em tom de falsete.

Interrompeu-se,pigarreoudenovoerecomeçouraivosamente:– Escute aqui, Sr. Byerley, nossas instruçoes especiais foram para revistar a casa

muitominuciosamente.–Enãorevistaram?–Disseram-nosexatamenteoqueprocurar.–Sim?–Emresumo,Sr.Byerley,paranaoperdermosmaistempo,mandaram-nosrevistaro

senhor.–Eu?–indagouopromotor,comumsorrisocalmo.–Edequemodopretendemfazê-lo?–TemosumaparelhodePenet-radiação...–Entao,pretendemtirarminhafotogra iaemraiosX,nao e?Temautoridadepara

isso?–Osenhorviuomandadojudicial.–Possovê-laoutravez?Harroway,cujatestaperspiravaprofusamente,apresentouomandadoaByerleypela

segundavez.Byerleydissecomamaiorcalma:– Eis aqui a descriçao do que o senhor busca. Vou ler textualmente: “a residenciapertencenteaStephenAllenByerley,localizadanonumerotrezentosecinquentaecincodeWillowGrove, emEvanstron, bem comoqualquer garagem, depositos, galpoes ou outrospredios existentes na referida propriedade, assim como todo o terreno”... e assim pordiante.Tudoemordem.Entretanto,meubomhomem,omandadonadadizarespeitoderevistaromeuinterior.Naofaçopartedacasa.Poderevistarminhasroupas,sejulgaquetenhoalgumrobôescondidonobolso.Harroway nao tinha a menor duvida sobre a identidade do homem ao qual devia seuemprego.E, tendooportunidadedeserpromovidoparaumcargomelhor– isto e,muitomaisremunerado–,naopretendiaperde-la.Reunindotudooque lherestavadeousadia,declarou:

–Escuteaqui:omandadoautoriza-mearevistarosmoveisdacasa,bemcomotudoqueexistanointeriordamesma.Osenhorestánointeriordacasa,nãoestá?

–Umaobservaçao notavel. Realmente, estouno interior da casa.Masnao souummovel.Naqualidadedeumcidadaoadultoresponsavel–possuoumcerti icadopsiquiatricocomprovandoestaqualidade–tenhoalgunsdireitos,decorrentesdeartigosdalei.Revistar-meviolariameuDireitoPrivado.Oseudocumentonãoésuficiente.

–Claro.Masseosenhorforumrobô,nãotemDireitodeIntimidade.- E verdade. Mas, ainda assim, o documento nao e su iciente. Implicitamente,

reconheceminhaqualidadedeserhumano.–Onde?–quissaberHarroway,tomandoopapeldamãodeByerley.–Ondediz:“aresidenciapertencentea...”.Umrobonaotemdireitodepropriedade.

Alemdisso,Sr.Harroway,osenhorpodedizeraoseupatraoqueseele tentaremitirumdocumentosemelhantequenaoreconheçaimplicitamenteminhaqualidadedeserhumano,seraimediatamenteobjetadoporummandadodesegurançaesofreraumprocessojudicialque o obrigara a provar que sou um robo pormeio de informaçoes atualmente em seupoder, ou tera de sofrer uma penalidademuito pesada por tentar violar indevidamentemeusdireitos,defendidosporlei.Digaissoaele,estábem?

Harrowayencaminhou-separaaporta.Parou,voltando-se.–Osenhoréumadvogadoespertinho...Ficou imovel um instante, com a mao no bolso. A inal, saiu.Sorriu na direçao da

câmaradetelevisão,queaindafuncionava.Depois,acenouparaosrepórteres,dizendo:–Amanhãteremosalgoparavocês,rapazes.Estoufalandosério.Chegandoaocarro,recostou-senoassento,removeuumpequenoaparelhodobolso

e inspecionou-o detidamente. Era a primeira vez que tirava uma fotogra ia pormeio dereflexosderaiosX.Esperavatertrabalhadocorretamente.

Quinn e Byerley jamais se haviam encontrado pessoalmente. Mas o visofoneequivaliapraticamente amesma coisa.Na realidade, aceitando literalmente a expressao,estaeraacertada,muitoemboraparacadaumdelesooutronãopassassedepontosclaroseescurosnumvisorfotelétrico.

FoiQuinnquemfezaligação.Efoielequemfalouprimeiro,semmaiorescerimônias.–Byerley, julgueiquevocegostariade saberquepretendodivulgaro fatodevoce

estarusandoumescudoprotetorcontraPenet-radiações.– Emesmo? Neste caso, provavelmente ja divulgou. Tenho o palpite de que seus

ativos representantes de imprensa vem controlando ha algum tempo as minhas variaslinhas de comunicaçao. Sei que interceptaram todas as linhas de meus escritorios. Ejustamenteporissoquemeenfurneiemcasanestasúltimassemanas.

OtomdeByerleyeraamistoso,quaseíntimo.OslábiosdeQuinnseapertaram.– Esta ligaçao e inteiramente sigilosa. Na verdade, estou correndo um certo risco

pessoalaofazê-la.–Eoqueimagino.Ninguemsabequevoceestaportrasdestacampanhacontramim.

Pelomenos,ninguemsabeo icialmente.Foradequalquermedidao icial,ninguemdeixadesaber.Naomepreocupo.Entao,euusoumescudoprotetor?SuponhoquevocedescobriuissoaoexaminarachapadePenet-radiaçãoqueseumeninoderecadostirounooutrodia.

–Byerley,naocompreendequeseriaobvioparatodosquevocenaoousasubmeter-

seaumaanálisederaiosX?–Seriaigualmenteobvioquevoceouseushomenstentaramumaviolaçaodemeu

DireitoPrivado?–Nãodariamamínimaimportância.–Talvezdessem.Asituaçaonaodeixadeserumsımbolodenossascampanhas,nao

acha?Vocenaotemomenorescrupuloquantoaosdireitosindividuaisdoscidadaos.Eumepreocupo muito com eles. Nao desejo submeter-me a uma analise radiogra ica porquequero defender meus direitos, por uma questao de princıpios. Da mesma forma comodefendereiosdireitosalheios,quandoforeleito.

– Sera, sem duvida, um discursomuito interessante. Mas ninguem acreditara emvocê.Épomposodemaisparaserverdade.OtomdeQuinnsealterou,tornando-seríspido.

–Outracoisa:naoutranoite,opessoaldesuacasanãoestavacompleto.–Comoassim?–Quinnconsultouunspapeisquetinhadiantedesi,noangulovisualalcançadopelo

aparelho.–Segundoosrelatórios,faltavaumapessoa:umaleijado.– Um aleijado, como voce diz – replicou Byerley, imperturbavel. – Meu velho

professor,quemoracomigoeseencontraatualmentenumacasadecampo–paraondefoihadoismeses.“Necessitavadedescanso”–eisaexpressaousualempregadanocaso.Vocedápermissão?

–Seuprofessor?Éumcientista?– Foi advogado, antes de icar invalido. Tem uma licença governamental para

trabalharempesquisasbiofısicas;possuiumlaboratorioparticulareadescriçaocompletade seus trabalhos esta arquivada junto as autoridades competentes, as quais eu podereiencaminhar voce. E um trabalho de pouca importancia, mas constitui um passatempointeressanteeinofensivoparaum...pobrealeijado.Comove,estouprocurandocooperaraomáximocomvocê.

–Estouvendo.Eoquesabeesse...professor...arespeitodefabricaçãoderobôs?–Naopossoaquilataraextensaodeseusconhecimentosemumramodoqualnao

entendo.–Eleteriaacessoacérebrospositrônicos?–PergunteaseusamigosdaU.S.Robôs.Eleséquedevemsaber.–Sereibreve,Byerley.SeuprofessoraleijadoeoverdadeiroStephenByerley.Vocee

umrobocriadoporele.Podemosprovar.Foielequemsofreuoacidentedeautomovel,enãovocê.Haverámeiosdeverificarnosregistros.

-Mesmo.Então,verifique.Desejo-lheboasorte.–Epodemosrevistara“casadecampo”deseusupostoprofessor.Entao,veremoso

queserápossívelencontrarlá.–Bem,Quinn,nao eexatamenteassim–declarouByerleycomum largosorriso.–

Infelizmenteparavoce,omeusupostoprofessoreumhomemdoente.Suacasadecampoeumlocalderepouso.SeuDireitoPrivado,comoumcidadaoadultoeresponsavel, eaindamaior devido as circunstancias. Voce jamais conseguira um mandado de busca semapresentarjustacausa.Entretanto,euseriaoúltimoaevitarquevocêtentasseobtê-lo.

Houve uma pausa relativamente longa. Entao Quinn debruçou-se em direçao ao

aparelho,demodoqueotamanhodesuaimagemaumentoueas inasrugasemsuatestasetornarambemnítidas.

–Porqueinsiste,Byerley?Nãopodesereleito.–Nãoposso?–Pensaquepode?Supoequesuaomissao,naotentandoprovarqueaacusaçaode

roboefalsa–quandopoderiafaze-lafacilmente,violandoumadasTresLeisdaRobotica–serveparaalgoanãoserparaconvenceropovodequevocêéumrobô?

– Tudo o que vi ate o momento e o seguinte: longe de ser um advogadometropolitano relativamente conhecido,mas um tanto obscuro, transformei-me emumafiguradefamamundial.Vocêémesmoumótimopublicitário.

–Masvocêéumrobô!–Éoquedizem–masnãoprovam.–Jáestáprovadodemodosuficienteparaoseleitores.–Entãonãoprecisapreocupar-se–jáganhou.–Adeus–disseQuinn,comoprimeirotoquedeviolência,desligandooaparelho.–Adeus–replicouByerley,imperturbáveldiantedatelaapagada.

Byerley trouxe o “professor” de volta antes da eleiçao. O aparelho pousou

rapidamenteemumpontoobscurodacidade.–Fiqueaquiatédepoisdaeleição–disseByerley.–Serámelhorconservá-laforadocaminho,seascoisascorreremmal.A voz roucaque saıa comdi iculdadedaboca retorcidade John talvez tivesseum

certotoquedepreocupação.–Háperigodeviolência?–OsFundamentalistasameaçamviolencia,demodoquesuponhoquehajaperigo,

pelomenosteoricamente.Masnaoacredito.OsFundamentalistasnaopossuemrealmentepoderalgum.Constituemapenasumfatordeirritaçaoconstantequepoderiaprovocarumcon litoaocabodealgumtempo.Naoseimportade icaraqui?Porfavor,eunao icariaempazsetivessequemepreocuparcomvocê.

–Estareibem.Aindaachaquedarácerto?–Tenhocerteza.Ninguémoincomodoulánocampo?–Ninguém.Estouseguro.–Esuapartecorreubem?–Bastantebem.Nãohaveráproblemasquantoaisso.– Entao, cuide-se bem, John. E veja a televisao amanha. Byerley apertou a mao

retorcidaquepousounasua.AtestadeLentonestavafranzida,numverdadeiroestadodeexpectativa.EletinhaamissaobastanteinvejaveldegerenciaracampanhaeleitoraldeByerley–umacampanhaquenaochegavaaserumacampanha,emfavordeumhomemqueserecusavaarevelarsuaestratégiaenãoaceitavaaquelhepropunhaseugerente.

–Nãopode!EraafrasefavoritadeLenton.Naverdade,erapraticamenteaunicaqueelepassaraa

empregar.

–Estoulhedizendo,Steve:nãopode!Atirou-se literalmente sobre o promotor publico, que passava o tempo relendo as

páginasdatilografadasdeseudiscurso.– Largue isso, Steve. Aquela multidao foi organizada pelos Fundamentalistas.

Ninguemouviravoce.Emaisprovavelquesejaapedrejado.Porquehadefazerumdiscursoperanteumaplatéia?Porquenãoutilizaumagravação?

–Vocêquerqueeuvençaaeleição,nãoquer?–replicouByerley,comamaiorcalma.–Venceraeleição!Vocênãovencerá,Steve.Estoutentandosalvarsuavida.–Ora,nãoestouemperigo.–Nãoestáemperigo!Nãoestáemperigo!–bradouLenton,comumsomestranhona

voz.–Querdizerquepretendeaparecernaquelasacada,diantedecinquentamilalucinados,tentandoconvencê-losaterembomsenso–numasacada,comoumditadormedieval?

Byerleyconsultouorelógio,replicando:–Dentrodeunscincominutos,tãologooscanaisdetelevisãoestejamlivres.ArespostadeLentonfoiimpublicavel.Amultidaoenchiaaareadocentrodacidade

cercada por cordoes de isolamento. As arvores e casas pareciam crescer por entre umasuperfıciedecabeçashumanas.Eo restodomundoobservavaatravesdasondascurtas.Emborafosseapenasumaeleiçaolocal,atraıaaatençaodomundointeiro.Byerleypensounissoesorriu.

Masnadahaviaparasorrirarespeitodamultidaopropriamentedita.Haviafaixasecartazesexplorandotodososaspectospossıveisdesuasupostacondiçaoderobo.Aatitudedehostilidadeimpregnavatangivelmenteaatmosfera.

Desde o inıcio o discurso foi um fracasso. A voz do orador competia com o uivofuriosodamultidao.Osber-T08ritmadosdosgruposdeFundamentalistasformavamilhasdesomdentrodamassahumana.Byerleycontinuavaafalar,lentamente,semdemonstraremoção...

Ladentro,Lentonpuxavaoscabelos,gemendo...eesperandopeloderramamentodesangue.

Houvemovimentonasprimeiras ilasdopublico.Umcidadaoanguloso,comolhosesbugalhadoseroupasmuitocurtasparaocomprimentodeseusmembrosmagros,abriacaminhoporentreopovo.Umpolicialcomeçouaavançarparaele,ganhandoterrenocomdificuldade.Comumgestoraivoso,Byerleymandou-oparar.

O homem magro e alto chegou diretamente sob a sacada. Sua voz era inaudıvelcontraorugidodamultidão.Byerleydebruçou-senasacada.

– Que disse? Se tem uma pergunta razoavel, eu responderei. Virando-se para umguardaqueestavaaseulado,ordenou:–Tragaaquelehomematéaqui.

A tensaodopovoaumentousensivelmente.Emvariospontosdamultidaosoaramgritospedindosilencio.Orugidosetornouquaseinsuportaveledepoismorreuaospoucos.Ohomemmagro,muitovermelhoeofegante,ficoufrenteafrentecomByerley.

Byerleyindagou:–Temalgumapergunta?Ohomemmagroesbugalhouaindamaisosolhosebradoucomvoztremula:–Agrida-me!Numsubitoımpetodeenergia,lançouoqueixoparadiante,oferecendo-ocomoalvo

paraByerley:–Agrida-me!Vocedizquenaoeumrobo,prove!Naopodeagredirumserhumano,

seumonstro!Houveumsilenciototaleestranho.FoiquebradopelavozfirmedeByerley:–Nãotenhomotivoparaagredi-lo.Ohomemmagrosoltouumagargalhadaselvagem.–Naopodemeagredir!Naomeagredira!Naoehumano,eummonstro!Umhomem

dementira!StephenByerley,comoslabiosapertados,diantedemilharesdepessoaspresentese

demilhoesqueassistiampelatelevisao,cerrouopunhoedesferiuummurroemcheionoqueixodohomem.Odesa iantecaiuparatras,comumaexpressaodesurpresaestampadanorosto.

Byerleydisse:– Sinto muito. Levem-no e tratem bem dele. Quando terminar o discurso, quero

conversarcomele.E quando a Dra. Calvin manobrou seu automovel, tirando-o da vaga reservada,

apenasumreporterserecobraraosu icientedochoqueparacorreratrasdocarroeberrarumaperguntaqueelanãochegouaouvir.

SusanCalvingritouporcimadoombro:–Eleéhumano!Foiosu iciente.Oreportercorreunadireçaooposta.Orestododiscursopodeser

descritodaseguinteforma:“Pronunciado,masnãoouvido”.ADra.CalvineStephenByerleytornaramaencontrar-semaisumavez–umasemana

antes deByerley ser empossado comoprefeito. Era tarde, passava demeia-noite. ADra.Calvincomentou:

–Osenhornãoparececansado.Oprefeitorecémeleitosorriu.–Possoficaracordadomaisalgumtempo.Mas,porfavor,nãoconteaQuinn.–Naocontarei.MasjaqueosenhormencionaQuinn,eleinventouumahistoriabem

interessante. Foi pena estraga-la. Suponho que o senhor conheça a teoria emque ele sebaseou,não?

–Partedela.–Erabastantedramatica.StephenByerleyeraumjovemadvogado,grandeoradore

idealista convicto – com uma certa queda para a biofısica. O senhor se interessa porrobótica,Sr.Byerley?

–Apenasnosaspectoslegaisdoassunto.–OtalStephenByerleyseinteressava.Mashouveumacidente.AesposadeByerley

morreu,comeleaconteceupior.Perdeuousodaspernas,orosto icoudeformado,avozsetornou irreconhecıvel. Parte de sua mente... icou afetada. Recusou-se a submeter-se acirurgia plastica. Retirou-se do mundo, abandonando a carreira legal So lhe restaram ainteligenciaeasmaos.Dealgummodo,conseguiuobtercerebrospositronicos–atemesmoum dos mais complexos, que tinha a maior capacidade de formar julgamentos sobreproblemaseticos–amaisaltafunçaoquejafoidesenvolvidaparaumrobo.Criouumcorpoparaocerebropositronico.Treinou-oparasertudoaquiloqueelepropriodeveriaserenaomaispodia.LançouorobonomundocomosefosseStephenByerley,enquantoeleproprio

permaneceunasombra,comoovelhoprofessoraleijadoqueninguémjamaisvia...–Infelizmente,arruineitodaateoriadeQuinnquandoagrediumhomem–comentou

onovoprefeito.–Osjornaisanunciaramnaocasiaoqueoveredictoo icialdasenhorafoidequesouumserhumano.

– Como aconteceu aquilo? O senhor se importa deme contar? Nao pode ter sidoacidental.

–Naofoiinteiramenteacidental.Quinnfezamaiorpartedotrabalho.Entao,meushomenscomeçaramaespalharanotıciadequeeu jamaisagrediraumhomem;senaooizessediantedeumaprovocaçaoabertaepublica, seriaprova seguradequeeueraumrobo.Assimsendo,prepareiumdiscursoempublico,comtodaapublicidade,ealgumidiotacaiunacilada.Foipraticamenteinevitavel.Essencialmente,eoquecostumochamardeumtruquederabula.Umtruqueparaoqualapropriaatmosferaarti icialpropositadamentecriada faz todo o trabalho.Obviamente, os efeitos emocionais do fato garantiramminhaeleição,exatamentecomoeupretendia.

Arobopsicólogaanuiu.–Vejoqueosenhorseintrometeemmeuramo–comotodopolıticoprecisafazer,

suponho.Massintomuitoqueocasotenhaterminadoassim.Gostoderobos.Gostodelesconsideravelmente mais do que dos seres humanos. Se fosse criado um robo capaz deocuparumaltocargopublico,creioqueseriaomelhoradministradorpossıvel.PelasLeisdaRobotica, seria incapaz de causar mal a seres humanos, de praticar atos de tirania, decorrupçao, de estupidez ou de preconceitos. E depois de servir durante um intervalodecente,sumiria,muitoemborafosseimortal,porqueseriaimpossıvelparaelemagoarossereshumanoscomoconhecimentodequeforamgovernadosporumrobô.Seriaoideal.

– So que um robo poderia fracassar devido as inconveniencias inerentes ao seucerebro positronico – interpos Byerley. – O cerebro positronico jamais igualou acomplexidadedocérebrohumano.

–Eleteriaassessoreseconselheiros.Nemmesmoocérebrohumanoécapazdegovernarsemassistência.ByerleyfitouSusanCalvincomumargraveeinteressado.

–Porquesorri,Dra.Calvin?–SorrioporqueoSr.Quinnnãopensouemtodososdetalhes.–Querdizerqueahistóriapoderiaserdiferente?–Umpouquinhoso.Durantetresmesesantesdaseleiçoes,otalStephenByerleya

quemoSr.Quinnsereferia–ohomemaleijado–permaneceunocampoporalgummotivomisterioso.Voltouatempoparaaqueleseufamosodiscurso.E,a inal,oqueovelhoaleijadoja izeraumavez, poderia fazer a segunda, especialmente tendo emvistaqueo segundotrabalhoeramuitomaissimplesemrelaçãoaoprimeiro.

–Confessoquenãoestouentendendobem.A Dra. Calvin ergueu-se alisando o vestido. Evidentemente, estava pronta para

retirar-se.–Querodizeroseguinte:existeumaunicaocasiaoemqueumrobopodeagredirum

serhumanosemviolaraPrimeiraLeidaRobótica.Apenasumaocasião.–Equaléela?ADra.Calvinchegaraàporta.Replicousuavemente:–Quandooserhumanoagredidoporeleésimplesmenteumoutrorobô.

Sorriulargamente,comorostoinundadodesatisfação.– Adeus, Sr. Byerley. Espero votar no senhor daqui a cinco anos, para o cargo de

coordenador.StephenByerleysoltouumarisadinha:

–Devoresponderqueessaideiaéumtantoexagerada.

28- Conflito evitável

Emseugabineteparticular,oCoordenadorpossuıaumacuriosidademedieval–uma

lareira.Narealidade,talvezohomemmedievalnaoareconhecessecomotal,poisnaotinhasigni icadofuncional.Apequenachamatremulante icavaemumrecesso,isoladoportrasdeumaplacatransparentedecristaldequartzo.

As achas de lenha eram acesas a longa distancia, por intermedio de um pequenodesviodoraiodeenergiaquealimentavaosprediospublicosdacidade.Omesmobotaoquecontrolavaaigniçaolimpavapreviamentealareira,removendoascinzasdofogoanteriorepermitindo a entrada de lenha nova. Como e facil veri icar, tratava-se de uma lareirainteiramentedomesticada...

Masofogo,emsi,erareal.Haviaumainstalaçaosonora,demodoqueerapossıvelouvirocrepitare,evidentemente,tambempodia-severachamapularnacorrentedearquealimentavaalareira.

Avidraçarosadadogabinetere letiaemminiaturaachamaavermelhada–quesere letia tambem, em miniatura ainda mais reduzida, nas pupilas pensativas doCoordenador...enaspupilasfriasdesuaconvidada–aDra.SusanCalvin,daU.S.Robos&HomensMecânicosS.A.

OCoordenadordisse:–Nãoconvideivocêpormotivospuramentesociais,Susan.–Nãoacreditavaqueotivessefeito,Stephen–replicouela.–Apesardisso,naoseiexatamentecomolheapresentarmeuproblema.Porumlado,

podenãosercoisaalgumadeimportância.Poroutro,talvezsignifiqueofimdahumanidade.– Ja deparei com muitos problemas que apresentavam essa mesma alternativa,

Stephen.Creioquetodoselesaapresentam.–Emesmo?Entaoouça...AWorldSteelanunciouumexcessodeproduçaodaordem

devintemiltoneladaslongas.AconstruçaodoCanaldoMexicoestacomumatrasodedoismeses. As minas de mercurio de Almaden vem experimentando uma de iciencia deproduçaodesdeaprimaverapassada,enquantoafabricadeHidroponica,emTientsin,estadespedindooperarios.Estessaoositensquemevemamentenomomento.Haoutrosdamesmaespécie.

– Sao di iculdades serias? Nao entendo o bastante de economia para perceber asterríveisconsequênciasdetaisfatos.

– Em si, nao sao muito serias. Se a situaçao piorar, podemos enviar peritos emmineraçao a Almaden. Os engenheiros especialistas em Hidroponica que sobrarem emTientsinpodemserempregadosem JavaounoCeilao.Vintemil toneladas longasdeaçosigni icamapenaspoucosdiasdademandamundial.Ea inauguraçaodoCanaldoMexicodois meses depois da data marcada inicialmente nao fara muita diferença. O que mepreocupasãoasMáquinas...JáconverseisobreelascomoDiretordePesquisas.

–VincentSilver?...'Elenadamedissearespeito.

–Pedi-lhequenãotocassenoassuntocomninguém.Aparentemente,elemeatendeu.–Eoquefoiqueeledisse?–Deixe-mechegarlanodevidotempo.Antes,querofalarsobreasMaquinas.Equero

falarcomvoce,porquevoce ea unicapessoanomundoqueentendeobastantederobosparapoderajudar-menestemomento.Permite-mefilosofarumpouco?

–Estanoite,Stephen,vocepodefalarcomoquiser,doassuntoquebementender–desdequemedigaantesoquedesejaprovar.

–Desejoprovarqueessespequenosdesequilıbriosnaperfeiçaodenossosistemadeofertaeprocura,comomencionei,podemseroprimeiropassoparaaguerrafinal.

–Muitobem.Prossiga.Adespeitodoperfeito confortodapoltronaemqueestava instalada, SusanCalvin

naosedeuaoluxoderelaxar-se.Seurostofrio,delabios inos,esuavozinexpressivaesecatornavam-semaisacentuadoscomodecorrerdosanos.E,muitoemboraStephenByerleyfosseumhomemdequemelapodiagostareemquempodiacon iar,SusanCalvinjatinhaquasesessentaanos–eoshabitosadquiridosdurantetodaumaexistenciasaodifıceisdequebrar.–Susan,–disseoCoordenador–cadaperıodododesenvolvimentohumanoapresentouseupropriotipoparticulardecon lito–suapropriavariedadedeproblemaque,aparentemente,sopodiaserresolvidopeloempregodaforça.E,demodobastantefrustrante,emcadaumadessas ocasioes a força nunca chegou a resolver realmente o problema. Ao inves disso,persistiu atraves de uma serie de con litos e terminou por desaparecer, quasesilenciosamente,amedidaqueoambienteeconomicoesocialsemodi icou.Entao,novosproblemas–eumanovasériedeguerras.Aparentemente,umcicloinfinito.

– Consideremos os tempos relativamente modernos. Houve as series de guerrasdinasticasdoseculoXVIaoXVIII,quandoaquestaomaisimportantenaEuropaerasaberseaCasadeHabsburgoouadeValois-Bourbondeviamgovernarocontinente.Eraumdostais“con litosinevitaveis”,umavezque,obviamente,aEuropanaopodiasergovernadametadeporumaemetadeporoutra.

–Soqueaconteceuexatamenteissoenaohouveguerraqueexterminasseumadelasouestabelecessede initivamenteaoutra,atequeanovaatmosferasocialsurgidanaFrançaem1789derrubouprimeiramente osBourbons e depois osHabsburgos, lançando-os noincineradordaHistória.

– E nesses mesmos seculos aconteceram as mais barbaras guerras religiosas,girandoemtornodeumimportanteproblema:aEuropadeviasercatolicaouprotestante?Nao podia ser meio a meio. Era “inevitavel” decidir pela espada. So que nao foi. NaInglaterrasurgiaumnovoindustrialismo;nocontinente, loresciaumnovonacionalismo.AEuropacontinuadivididameioameioatéhojeeninguémseimportamuitocomofato.

–NosseculosXIXeXXhouveumciclodeguerrasnacionalistas-imperialistas,quandoo problema mais importante do mundo era saber que porçoes da Europa deveriamcontrolarosrecursoseconomicoseacapacidadeconsumidoradasregioessituadasforadaEuropa.Evidentemente,eraimpossıvelquetodasasregioesforadaEuropanaopoderiamserpartedaInglaterra,partedaFrança,partedaAlemanhaeassimpordiante.Atequeasforçasdonacionalismoseexpandiramosu iciente,demodoqueasregioesforadaEuropaterminaram o que todas as guerras nao haviam conseguido completar e decidiram que

poderiamviverconfortavelmenteemtotal independenciadaEuropa.Assimsendo, temosumciclo...

–Sim,Stephen–interrompeuSusanCalvin.–Vocefoibemclaro.Suasobservaçoesnãosãomuitoprofundas.

–Nao...Poroutro lado,namaiorpartedassituaçoes,o obvio e justamenteomaisdifıcildever.Haquemdiga:“Etaoevidentequantoonariznasuacara”.Masoquevocepodeverdoseunariz,sealguemnaosegurarumespelhodiantedasuacara?NoseculoXX,Susan,teveinícioumnovociclodeguerras.Comodevemoschamá-las?Guerrasideológicas?As emoçoes da religiao aplicadas a sistemas economicos, em lugar de questoessobrenaturais? Mais uma vez, as guerras eram “inevitaveis” e, desta feita, havia armasatomicas,demodoqueahumanidadejanaopodiasobreviveratravesdeseutormentoatechegaroinevitáveldesgastedainevitabilidade.Então,vieramosrobôspositrônicos.

–Chegarambematempoe,juntamentecomeles,vieramasviagensinterplanetarias.Dessemodo,deixoudeserimportantesaberseomundoeraAdamSmithouKarlMarx.Nasnovascircunstancias,nenhumdosdois faziamuitosentido.Ambasasteoriasprecisavamadaptar-seeterminaramquasenomesmoponto.

–Umdeus-ex-machina,então,emduplosentido–comentousecamenteaDra.Calvin.OCoordenadorsorriusuavemente.– Nunca ouvi voce fazer piadas antes, Susan. Mas tem razao. Apesar disso, havia outroperigo.Oterminodecadaproblemameramentederaorigemaoutroproblema.Nossanovaeconomia-robo mundial pode desenvolver seus proprios problemas e, por esse motivo,temosasMaquinas.AeconomiadaTerraeestavelepermaneceraestavel,porqueebaseadaemmaquinasdecalcularquefuncionamemproldobemdahumanidade,controladaspelaforçaimplacáveldaPrimeiraLeidaRobótica.Apósbrevepausa,StephenByerleyprosseguiu:

– Muito embora as Maquinas nao sejam mais que a mais vasta aglomeraçao decircuitoscalculadoresjamaisinventada,continuamaserrobos,controladospelaPrimeiraLei–deformaquenossaeconomiamundialestadeacordocomosmelhoresinteressesdoHomem.

ApopulaçaodaTerrasabequenaohaveradesemprego,superproduçaooufaltadebens.EsbanjamentoefomesaopalavrasquesoexistemnoslivrosdeHistoria.Assimsendoaquestaodapropriedadedosmeiosdeproduçaotornou-seobsoleta.Qualquerquesejaoproprietario(setaltermofazsentido)–umhomem,umgrupo,umanaçaoouahumanidadeinteira – os meios de produçao so podem ser utilizados de acordo com as diretrizesfornecidaspelasMaquinas.Naoporqueoshomenstenhamsidoforçadosaisso,masporqueesteeraomelhorcaminhoaseguireoshomenssouberamreconhecê-la.

–Issosigni icao imdasguerras–naoapenasdoultimociclodeguerras,masodetodos eles. A menos que... Houve uma longa pausa. A Dra. Calvin encorajou Byerley,repetindo:

–Amenosque...Achamabrincavanalareira.OCoordenadorconcluiu:–AmenosqueasMáquinasnãocumpramsuamissão.–Compreendo.Ejustamentenestepontoqueentramospequenosdesajustamentos

quevocêmencionouhápouco:aço,hipodrônica,etc.

– Exatamente. Esses erros nao deveriam existir. O Dr. Silver diz que nao podemexistir.

–Então,elenegaosfatos?Esquisito!–Nao, eclaroqueeleadmiteos fatos.Estousendoinjustoparacomele.Oqueele

negaequequalquererronasMaquinassejaresponsavelpelossupostoserros(aspalavrassaodele)nasrespostas.A irmaqueasMaquinassaoautocorrigidasequeaexistenciadeumerronoscircuitosviolariaasleisdanatureza.Assimsendo,euponderei...

–Vocêponderou:“Dequalquerforma,mandeseushomensverificarmaisumavez”.–Voceparecelermeuspensamentos,Susan.Foiexatamenteissoqueeudisse.Eele

respondeuqueeraimpossível.–Estáocupadodemais?– Nao, ele disse que era impossıvel para qualquer ser humano. Foimuito franco.

Declarou – e espero haver compreendido corretamente – que as Maquinas sao umaextrapolaçao gigantesca. E o seguinte: uma equipe dematematicos trabalha varios anospara calcularumcerebropositronico capazde realizar outros calculos similares.Usandoessecerebro,fazemnovoscalculosparacriarumcerebropositronicoaindamaiscomplexo,queelesusamparacriaroutroaindamaisaperfeiçoado...eassimpordiante.SegundoSilver,aquiloquedenominamosdeMáquinassãooresultadodedezdessasetapas.

– Sim, ja ouvi falarnisso. Felizmente, nao sou especialista emmatematica... PobreVincentSilver.Aindaéjovem.Seusantecessores,AlfredLanningePeterBogert,jámorrerame nunca tiveram problemas desse tipo. Nem eu. Talvez todos os especialistas em robosdevamdesaparecer,poisjánãoconseguemcompreendersuasprópriascriaturas.

– Aparentemente. As Maquinas nao sao supercerebros, no sentido usado nossuplementosdominicais–muitoemboraossuplementosdominicaisasdescrevamcomotal.Esimplesmenteoseguinte:emseutrabalhoparticulardecoletareanalisarumnumeroquasein initodedadoserelaçoes,fornecendoumarespostaemtempoquasein initesimal,progrediramdetalformaqueseencontramalemdequalquerpossibilidadedeumcontrolehumanodetalhado.

–Naverdade,resolvitentaroutracoisa.PergunteiaMaquina.Nomaisestritosigilo,apresentamos-lheosdadosoriginaisdoproblemadoaço,arespostaqueelanosforneceueosresultadosobtidosdesdeentao–asuperproduçao–,pedindo-lheumaexplicaçaodetaldiscrepância.

–Muitobem.Equalfoiaresposta?–Vourepetirtextualmente,palavraporpalavra:“Oassuntonãoadmiteexplicações”.–ComoVincentinterpretouisso?–Deduasmaneiras.Emprimeiro lugar:naohavıamos fornecido aMaquinadados

su icientes para permitir uma resposta de inida – o que e poucoprovavel. O proprioDr.Silver admitiu. Em segundo lugar : era impossıvel que a Maquina admitisse dar umaresposta a dados que contivessem a possibilidade de ela causar mal a seres humanos.obviamente,eumefeitodaPrimeiraLeidaRobotica.Assimsendo,oDr.Silverrecomendou-mequefalassecomvocê.

SusanCalvinpareciamuitocansada.–Estouvelha,Stephen.QuandoPeterBogertmorreu,quiseramnomear-meDiretora

de Pesquisas e eu recusei. Ja nao era jovem e nao quis aceitar a responsabilidade.

Nomearamo jovemSilvere iqueisatisfeita.Masdequeserviu,seagorasouarrastadaaestaencrenca?Permita-meesclarecerminhaposiçao,Stephen.Minhaspesquisasrealmenteenvolvema interpretaçao do comportamentodos robos a luz dasTres Leis daRobotica.Bem, agora temos essas incrıveis maquinas calculadoras. Sao robos positronicos e,portanto,obedecemasLeisdaRobotica.Masnaotempersonalidade; isto e,suasfunçoessaoextremamentelimitadas.Temqueser,poiselassaoextremamenteespecializadas.Emconsequencia,hapoucaspossibilidadesparaojogodasLeisemeuunicometododeatacaroproblemaévirtualmenteinútil.Emresumo,Stephen:nãoseisepossoajudá-lo.

OCoordenadorsoltouumarisadacurta.– Nao obstante, permita-me contar-lhe o resto. Deixe-me exporminhas teorias e

talvez,então,vocêpossadizerseelassãoplausíveisàluzdarobopsicologia.–Poisnão.Prossiga.–Bem,umavezqueasMaquinasestaofornecendorespostaserradaselevandoem

consideraçaoqueelasnaopodemerrar,sorestaumapossibilidade:estaorecebendodadoserrados!Emoutraspalavras:oerro edoshomensenaodosrobos.Emconsequencia, izumaviagemdeinspeçãoportodooplaneta...

–DaqualacabaderegressaraNovaYork.–Exato.Compreendaqueeranecessario,poisexistemquatroMaquinas;cadauma

delasgovernaumadasRegiõesPlanetárias.Etodaselasfornecemresultadosimperfeitos.–Oh,masissoeevidente,Stephen.SequalquerumadasMaquinasforimperfeita,o

fatore letiraautomaticamentenosresultadosfornecidospelasoutrastres,poiscadaumadelassuporaqueosdadosimperfeitosfornecidospelaprimeirasaocorretos.Partindodeumasuposiçãoerrônea,fornecerãorespostasincorretas.

–Certo,eoquemeparece.Bem,tenhoaquiosregistrosdeminhasentrevistascomcadaumdosVice-CoordenadoresRegionais.Querexamina-loscomigo?...Oh,emprimeirolugar:jáouviufalarna“SociedadeemProldaHumanidade”?

–Sim.SaosucessoresdosFundamentalistas,quesempreimpediramaU.S.Robosdeempregarrobospositronicos,alegandoqueseriaumaconcorrenciadeslealdemao-de-obraetc.A“SociedadeemProldaHumanidade”écontraasMáquinas,nãoé?

– Sim, sim. Mas... Bem, voce logo vera. Vamos começar? Em primeiro lugar,estudaremosaRegiãoOriental.

–Comoquiser...

Regiao Oriental: a – Arem: 11.000.000 km², b – Populaçao: 1.700.000.000 dehabitantes,e–Capital:Xangai.

ObisavodeChingHso-linmorreraquandoosjaponesesinvadiramavelhaRepublicaChinesa, e ninguem, a exceçao de seus dedicados ilhos, chorou sua morte ou tomouconhecimentodela.OavodeChingHso-linsobreviveraaguerracivildo inaldadecadadequarenta,masninguem,aexceçaodeseusdedicados ilhos,tomouconhecimentodofatooulhedeuimportancia.Apesardisso,ChingHso-lineraVice-CoordenadorRegionaletinhaodeverdecuidardobem-estareconômicodemetadedapopulaçãodaTerra.

Talvezfosseportertudoistoemmentequeosunicosornamentosnasparedesdogabinete de trabalho de Ching eram dois mapas. Um deles era um desenho antigo,representandoumhectarede terraemarcadocomosobsoletos caracterespictogra icos

chineses. Um pequeno regato atravessava o terreno e havia delicados desenhosrepresentandopequenaspalhoças–numadasquaisnasceraoavôdeChing.

Ooutromapaeraenorme,nitidamentedesenhado,marcadocomcaracterescirılicos.AlinhavermelhadafronteiraquemarcavaaRegiaoOrientalcompreendiatodasasterrasqueanteriormenteconstituíamaChina,India,Birmânia,IndochinaeIndonésia.

Nessemapa,nointeriordaantigaprovınciadeSzechuan,Ching izeraumamarcataoleve que ninguem conseguiria distinguir, indicando a localizaçao da fazenda de seusancestrais.

Depéanteosmapas,ChingfalavaaStephenByerleynuminglêscorreto:–Ninguemmelhordoqueosenhor,Coordenador,sabequemeutrabalhoe,porassimdizer,umagrandesinecura.Implicaemumacertaposiçaosocialeeurepresentoumconvenientepontofocalparaaadministraçao,mas,quantoaoresto,eaMaquina!...AMaquinafaztodootrabalho.Oqueachaosenhor,porexemplo,dasfábricasdeHidropônicadeTientsin?–Tremendas!–disseByerley.

– E apenas uma entre duzias – e nao e amaior. Xangai, Calcuta, Bangkok... EstaoamplamenteespalhadasesãoarespostaaoproblemadealimentarumbilhãoesetecentosecinquentamilhõesdehomensqueconstituemapopulaçãodoOriente.

–Apesardisso,osenhortemumproblemadedesempregoemTientsin–comentouByerley.–Seraqueexistesuperproduçao?EumtantoincongruentepensarquehaexcessodeAlimentosnaÁsia.

OscantosdosolhosescurosdeChingsefranziramligeiramente.–Nao.Aindanaochegamosatalponto.Everdadequenestesultimosmesesforam

fechadosvariostanquesdeproduçaoemTientsin,masnaosetratadeproblemaserio.OshomensforamdispensadosapenastemporariamenteeosquenaodesejavamtrabalharemoutrosramosdeatividadeforamenviadosaColombo,noCeilao,ondeestamosinaugurandoumanovafábrica.

–Masporquefecharamostanquesdeprodução?Chingsorriulevemente.–Vejoquenaoentendemuitodehidroponica.Ora,naoedeespantar.Osenhoredo

Norteelaocultivodosoloaindadaresultado.NoNorte,emodaconsiderarahidroponica–quando e levada em consideraçao – comoummetodode criar vegetais emuma soluçaoquímica.Oquenãodeixadeserverdade–sóquedeformainfinitamentecomplicada.

–Emprimeirolugar,anossamaiorproduçaoedelevedo,cujapercentagemcontinuaa crescer. Estamos produzindo mais de duas mil especies de levedo, e todo os mesescriamos especies novas. As substancias alimentıcias basicas dos varios levedos sao osnitratos e fosfatos, justamente com as quantidades adequadas dosmetais necessarios anutriçao, incluindo os milionesimos de boro e molibdeno. A materia organica eprincipalmentesacarose,derivadadahidrolisedacelulose,mas,alemdisso,existemvariosfatoresalimentíciosquedevemseracrescentados.

– Paramontar uma industria hidroponica bem sucedida – capaz de alimentar umbilhao e setecentosmilhoes de pessoas – devemos realizar um gigantesco programa dere lorestamentodoOriente,precisamosdeimensasfabricasdeconversaodemadeiraparacuidar das nossas lorestasmeridionais, temos necessidade de energia, aço e, acima detudo,produtosquímicossintéticos.

–Porqueestesúltimos?–Porqueasespeciesde levedotem,cadaumadelas,suaspropriedadespeculiares.

Comoeu jadisse,desenvolvemosduasmil especies.Obifequeo senhorcomeuhojeeralevedo.Osorvetedefrutasqueosenhorcomeunasobremesaeralevedogelado.Filtramossucodelêvedoquepossuiogosto,aaparênciaeomesmovalornutritivodoleite.

– Veja: e acima de tudo o sabor que faz com que os alimentos de levedo sejampopulares;por causado sabor,desenvolvemosespeciesdomesticasarti iciaisque ja naopodemsobrevivercomumadietabasicadesaiseaçucar.Umadelasnecessitadebiotina;outraprecisade acidopteroglutamınico;outras temnecessidadededezessetediferentesaminoacidosquelhessaoministradosjuntamentecomtodasasvitaminasB,aexceçaodeuma (apesar disso, ela e popular e nao podemos, em nome do bom senso economico,abandoná-la)...

Byerleymexeu-senapoltrona,interrompendo:–Comqueobjetivomediztudoisso?– O senhor indagou por que havia desemprego em Tientsin. Tenho algo mais a

explicar.Naoesoofatodenecessitarmosdetantasetaovariadasespeciesdealimentaçaopara nosso levedo. Ainda resta o complicado fator da alteraçao do gosto popular com odecorrer do tempo, bem como da possibilidade de desenvolvermos novas especies delevedo, que apresentam novas necessidades de alimentaçao e criam uma novapopularidade.Tudoissodeveserprevisto,eaMáquinafazessetrabalho...

–Masnãoperfeitamente.–Poroutrolado,tendoemvistaascomplicaçoesquemencionei,elanaoofazmuito

imperfeitamente. Bem, entao alguns milhares de trabalhadores de Tientsin estaotemporariamentedesempregados. Entretanto, consideremoso seguinte: a quantidadededesperdıcio (isto e,desperdıcioem termosde falhade fornecimentooudedemanda)noanopassadonaochegouaumdecimoporcentodenossogirototaldeproduçao.Naminhaopinião...

–Naoobstante,nosprimeirosanosdefuncionamentodaMaquinaessaquantidadeeraaproximadamenteummilésimoporcento.

– Ah, mas na decada que decorreu desde que a Maquina entrou em plenofuncionamento, tratamos de utiliza-la para aumentar mais de dez vezes a produçao delevedo em relaçao ao que era antes da Maquina. E de se esperar que as imperfeiçoesaumentemcomascomplicações,muitoembora...

–Muitoembora?–MuitoemboratenhahavidoocuriosocasodeRamaVrasayana.–Queaconteceucomele?– Vrasayana era encarregado de uma usina de evaporaçao de salmoura, para a

obtençao de iodina – que nao e necessaria ao levedo, mas e imprescindıvel aos sereshumanos.Ausinafoiobrigadaafechar.

–Porquê?–Acreditesequiser:concorrência.Deummodogeral,umadasprincipaisfunçõesdas

analisesdaMaquina4indicaradistribuiçaomaise icientedenossasunidadesdeproduçao.Evidentemente, e prejudicial haver areas de icientemente servidas, o que aumenta oscustosdotransporteesere leteautomaticamentenoscustosdeproduçao.Poroutrolado,e

igualmente prejudicial haver uma area servida era excesso, o que obriga as fabricas atrabalharemaquemde sua capacidade total deproduçao ou a competiremdanosamenteentre si. No caso de Vrasayana, estabeleceu-se outra usina na mesma cidade, com umprocessodeextraçãomaiseficiente.

-AMáquinapermitiu?–Oh,certamente.Naoedeespantar.Onovosistemavemsendomuitoempregado.O

quecausaespecieeofatodamaquinaterdeixadodeaconselharVrasayanaarenovarseuequipamentoouprocurarunir-seanovausina.DeQualquerforma,naoimporta...Vrasayanaaceitouocargodeengenheironanovausinae,emboraganhemenoseseucargonaosejatao importante, ele nada sofreu com isso. Os operarios nao tiveram di iculdade paraencontraremprego,avelhausina foiconvertidaparaoutraatividade util.DeixamostudoporcontadaMáquina.

–Aexceçãodisso,nãoháoutrasqueixas?–Nenhuma!

Regiao dos Tropicos: a – Area: 85.200.000 km², b – Populaçao: 500.000.000 de

habitantes,c–Capital:CapitalCity.

OmapanaparededogabinetedeLincolnNgomaestava longedeseromodelodeprecisaoenitidezdodaparededeChing,emXangai.AsfronteirasdaRegiaodosTropicos,administradaporNgoma,erammarcadasporumalargafaixamarromescuroeenvolviamuma ampla area interior colorida, com palavras como “Selva”, “Deserto” e “Regiao dosElefantesedetodosostiposdeAnimaisSelvagens.”

Eraumaareaenorme,poisemextensaoterrestreaRegiaodosTropicosenglobavaamaiorpartededoiscontinentes:todaaAmericadoSul,desdeonortedaArgentina,etodaaAfrica ao sul, ate os Montes Atlas. Incluıa igualmente a America doNorte ao sul do RioGrande e ate mesmo na Arabia e o Ira, na Asia. Enquanto os formigueiros humanos doOriente comprimiam metade da humanidade em 15% da massa terrestre, os Tropicosespalhavam15%dahumanidadeemquasemetadedasterrasdomundo.

Mas estava crescendo. Era a unica Regiao cuja populaçao aumentava mais porimigraçaoquepornatalidade.Ehaviaempregoparatodososquechegavam.ParaNgoma,StephenByerleyparecia-secomesses imigrantes:umhomemdepelepalida,buscandootrabalho criativo de transformar um meio ambiente hostil em uma regiao amena ehospitaleira. O Vice-Coordenador sentia por ele um pouco de desprezo instintivo queinvadiaoshomensfortes,nascidosnorigordosTropicos,emrelaçaoaospalidosinfelizesoriundosdasregiõesondeosoleramaisfraco.

A Regiao dos Tropicos tinha a mais nova capital do mundo, com a simplesdenominaçao de “Capital City”, batizada pela sublime con iança dos jovens. A cidadeespraiava-se,brilhante,pelasterrasferteisdoplanaltodaNigeria.Pelasjanelasdogabinetede Ngoma via-se, la embaixo, vida e colorido; o sol quente, esfuziante, e os aguaceirosrapidos e violentos.Atemesmoos gritos das avesmulticores eramagudos e as estrelasbrilhavamnitidamentenasnoiteslímpidas.

Ngomariu.Eraumhomemescuroegrandalhao,comumrostoforteedefeiçoesbemdelineadas.

–Claro–disseele,numinglêsversátilesonoro.–OCanaldoMéxicoestáatrasado.Edaí?Terminarádequalquermaneira,meucaro.–Masiabematéasegundametadedoanopassado.Ngoma encarou Byerley emordeu vagarosamente um grosso charuto, cuspindo o

pedaçodeumapontaeacendendoaoutra.–Trata-sedeumainvestigaçãooficial,Byerley?Oquehá,afinal?–Nada.Absolutamentenada.SóqueminhafunçãonaqualidadedeCoordenadoréser

curioso.–Bem,setudooquevocedesejaepassarotempo,averdadeequesempretemos

faltademão-de-obra.HámuitasobrasemcursonosTrópicos.OCanaléapenasumadelas...–MasasuaMaquinanaopreveaquantidadedemao-de-obradisponıvelparaoCanal,

levandoemconsideraçaotodososoutrosprojetosemcurso?Ngomalevouumadasmaosanucaesoprouanéisdefumaçaemdireçãoaoteto.

–Errouumpouco.–Costumaerrarumpouco?–Naomaisdoqueeradeseesperar.Naoexigimosmuitodela,Byerley.Inserimosos

dados. Recebemos os resultados. Fazemos o que ela manda. Mas e apenas umaconveniencia, um aparelho que economiza trabalho. Poderıamos viver sem ela, senecessario. Talvez nao izessemos as coisas tao bem. Talvez nao tao depressa. Maschegarıamos la.Aqui,Byerley, temoscon iança:eisaıosegredo.Con iança!Temosterrasnovas, que estao a nossa espera ha milhares de anos, enquanto o resto do mundo eradesgastadopelasimensastolicesdaerapre-atomica.Naoprecisamoscomerlevedo,comoos rapazes do Oriente, nao precisamos nos preocupar com os restos azedos do seculopassado,comovocêsdoNorte.

–Exterminamosamoscatse-tseeomosquitoanofeles;agora,opovodescobriuquepodeviveraosol,egostadisso.Desbastamosas lorestasedesbravamososolodecultura;irrigamososdesertosecriamosverdadeirosjardins.Ternosimensoscampospetrolıferoseminas de carvao que ainda nao foram tocados; nossas reservas minerais sao in initas.Deixem-nosempaz:eisaunicacoisaquepedimosaorestodomundo.Afastem-separaumladoedeixem-nostrabalhar.

Byerleyinsistiu,prosaico:–MasoCanal...estavadentrodoprazohaseismeses.Oqueaconteceu?Ngomaabriu

osbraços.–Complicaçõestrabalhistas.Procurouentreospapéisquecobriamsuamesaeacaboupordesistir.–Eutinhaaquialgoarespeito–murmurou.–Masnaoimporta.Certavezhouvefalta

demao-de-obranoMexico,porcausadoproblemadasmulheres.Naohaviamulheresnasproximidades. Parece que alguemesqueceude fornecer aMaquina algunsdados sobre aquestãosexual.

Interrompeu-se com uma gostosa gargalhada. Em seguida, icando serio,acrescentou:

–Espereummomento...Creioquemelembrei:Villafranca!–Villafranca?

–FranciscoVillafranca.Eraoengenheiroencarregadodoprojeto.Agora,deixe-meexplicar.

Aconteceualgoehouveumdesmoronamento.Exato...exato...Foiisso.Segundomerecordo,ninguémmorreu,mashouveumaconfusãodosdiabos...Umescândaloetanto.–Oh?

–UmaquestaodeerronoscalculosdeVillafranca.Ou,pelomenos,foioquea irmouaMaquina.Enviaram-nososdadosdeVillafranca,suasconsideraçoesetc.En im,omaterialqueeleutilizaranoscalculos.AsrespostasdaMaquinaforamdiferentes.Parece-mequeasrespostasutilizadasporVillafrancanaolevavamemconsideraçaoosefeitosdeumachuvafortesobreoscontornosdocorte...oualgosemelhante.Nãosouengenheiro,compreende?–Dequalquerforma,Villafrancafezumestardalhaçodosdiabos.AlegouqueasrespostasoriginaisdaMaquinatinhamsidodiferentesequeeleascumpriraarisca.Entao,demitiu-se!Fizemos-lheumaofertaparamante-lonoposto–haviaduvidasrazoaveisquantoasuaculpa,seutrabalhoanteriorforasatisfatorioetc...Seriamantidonumaposiçaosubordinada,e claro... Uma medida indispensavel – ignorar erros como aquele seria prejudicial adisciplina...Bem,ondeestavaeu?–Fizeram-lheumaofertaparacontinuar.

–Oh,sim...Elerecusou.Bem,emconsequenciadetodaaconfusao,temosumatrasodedoismeses.Ora,issonadasignifica.

Byerleyabriuamãosobreamesaecomeçouatamborilarlevementecomosdedos.–VillafrancaculpouaMáquina,nãoé?

–Bem,achaqueeleiriaculparasiproprio?Encaremosarealidade:anaturezahumanaenossa velha amiga. Alem disso, agora lembro-me de outra coisa... Raios! Por que nuncaconsigoencontrarosdocumentosquandoprecisodeles?Meusistemadearquivosnaovaleum tostao furado... O tal Villafranca era membro de uma das organizaçoes do Norte. OMéxicoépertodemaisdaRegiãoNorte–eisaípartedadificuldade!–Aqueorganizaçãoestásereferindo?

– Chamam-na de “Sociedade em Prol da Humanidade” Villafranca costumavacomparecer aos congressos anuais, em Nova York. E um bando de malucos, masinofensivos... Nao gostam das Maquinas; alegam que elas estao destruindo a iniciativahumana. Portanto, e muito natural que Villafranca procurasse jogar a culpa contra aMaquina...Palavradehonraquenaoentendoaquelegrupo.CapitalCitydaaimpressaodequearaçahumanaestáperdendoainiciativa?

ECapitalCityespraiava-se,brilhanteegloriosa,sobumfortesoldourado–amaisrecentecriaçãodoHomo-metropolis...

RegiãoEuropéia:a–Arca:6.400.000km²,b–População:300.000.000dehabitantes,c–Capital:Genebra.

Sobvariosaspectos,aRegiaoEuropeiaeraumaanomalia.Emarea,eramuitomenorqueasdemais;naochegavaa serumquintodaRegiaodosTropicos.Empopulaçao,naoatingiaumquintodaRegiaoOriental.Geogra icamente,tinhaapenasumalevesemelhançacomaEuropapre-atomica,poisexcluıaoqueantesforaaRussiaEuropeiae,tambem,asIlhasBritanicas,aopassoque incluıaascostasmediterraneasdaAfricaedaAsia,e,numestranhosaltoatravésdoAtlântico,englobavaaArgentina,oUruguaieoChile.

Por outro lado, tambem nao deveriamelhorar sua posiçao em relaçao as demaisregioesdaTerra,excetopelovigorquelheemprestavamasprovınciassul-americanas.De

todasasregioes,eraaunicaquemostraraumacentuadodeclıniodepopulaçaonoultimomeioséculo.

Era,igualmente,aunicaquenaoexpandiraseriamentesuacapacidadeprodutivaouofereceraalgoradicalmentenovoparaaculturahumana.

–AEuropa e essencialmente um apendice economico daRegiaoNorte – declarouMadame Szegeczowska, em seu frances suave. – Sabemos disso e nao nos importamos.Comoemsinalde resignadaaceitaçaode tal faltade individualidade,naohaviamapadaEuropanaparededogabinetedaMadameVice-Coordenadora.

– Nao obstante – interpos Byerley – voces possuem sua propria Maquina ecertamentenãosofremqualquerpressãoeconômicadooutroladodooceano.

–UmaMaquina!Bah!–exclamouela,sacudindoosombrosdelicadosepermitindoque um leve sorriso surgisse em seu rosto pequeno, enquanto batia um cigarro com osdedosdelgados. –AEuropa e um lugar sonolento.Enossoshomensquenao conseguememigrarparaostropicostornam-setaocansadosesonolentosquantoela.Comoosenhorpodeverporsiproprio,esobreosombrosdeumapobremulherquerecaiamissaodeVice-Coordenadora.Bem, felizmentenao eumamissaomuito arduaenaoseesperamuitodemim.

– Quanto a Maquina... Que pode ela dizer senao: “Façam isto e sera melhor paravocês?Masoqueémelhorparanós?Ora,sermosumapêndiceeconômicodaRegiãoNorte.

–Acha isso tao terrıvel?Naoha guerra!Vivemos empaz eposso assegurarque emuitoagradavel,apossetemilanosdeguerras!Somosvelhos,monsieur.Dentrodenossasfronteiras,ternosasregioesqueserviramdeberçoacivilizaçaoocidental.TemosoEgitoeaMesopotamia;Greta e Sıria;AsiaMenor eGrecia.Mas a velhicenao e necessariamenteumainfelicidade.Podeserumaproveitamento...

–Talvezasenhoratenharazao–disseByerley,afavel.–Pelomenos,oritmodevidanãoétãointensoquantonasoutrasRegiões.Éumaatmosferaagradável.–Naoemesmo?...Mandeitrazercha,monsieur.Seosenhortiverpreferenciaporcremeeaçúcar,porfavor...-Obrigada.Depoisdetomarumgoledechá,aVice-Coordenadoraprosseguiu:

–Eagradavel.Orestodomundopodecontinuarnavelhaluta.Nesteponto,euvejoum paralelo – um paralelo muito interessante. Houve uma epoca em que Roma era asenhoradomundo.AdotaraaculturaeacivilizaçaodaGrecia–deumaGreciaquejamaisforaunida,quesearruinaracomaguerraequeestavaterminandoseusdiasnumestadodemiseria e decadencia. Roma uniu a Grecia, trouxe-lhe paz e deixou-a levar uma vida desegurança,desprovidadegloria.AGreciapassouaocupar-secomassuas iloso iaseasuaarte, longedas atribulaçoesdo crescimento eda guerra. Eraumaespeciedemorte,masrepresentavaumrepousoedurou,comligeirasinterrupções,cercadequatrocentosanos.

Byerleyaduziu:–Apesardetudo,Romaacaboucaindo,eosonhodaGréciaterminou.–Atualmente,jánãoexistembárbarosparadestruirumacivilização.–Nospodemosservirdebarbarosparanosmesmos,MadameSzegeczowska...Oh,eu

pretendiafazer-lheumapergunta.AproduçaodasminasdemercuriodeAlmadencaiudemodoassustador.Temcertezadequeasreservasdeminerionaoestaoseesgotandomais

depressaqueoprevisto?Osolhoscinzentosdamulherzinhafixaram-seperspicazmentenosdeByerley.– Barbaros... a queda da civilizaçao... possıvel falha da Maquina... Sua linha de

raciocínioébastantetransparente,monsieur.–Emesmo?–replicouByerley,sorrindo.–Estouvendoquedeagoraemdianteso

devolidarcomhomens...AsenhoraconsideraocasodeAlmadenumafalhadaMáquina?–Absolutamente,nao.Masvejoqueosenhorconsidera.OsenhorenaturaldaRegiao

Norte.OGabineteCentraldeCoordenaçao ica emNovaYork.E ja percebiqueha algumtempoosnortistasnãotêmmuitafénaMáquina.

–Nãotemos?–Existeasua“SociedadeemProldaHumanidade”,quetembastanteforçanoNorte,

mas nao consegue angariar adeptos na velha e cansada Europa. A Europa esta bastantedisposta a deixar a pobre Humanidade em paz por algum tempo. Certamente, o senhorpertenceaoNorteconfianteenãoaocínicoVelhoContinente.

–IstotemalgumaligaçãocomAlmaden?–Oh, sim; creioque sim.Asminasdemercurio sao controladaspelaConsolidated

Cinnabar,que eumacompanhiadoNorte, comsedeemNikolaev.Pessoalmente, chegoaduvidar de que a Diretoria esteja consultando aMaquina. Em nossa conferencia domespassado,osdiretoresdaConsolidatedCinnabara irmaramqueconsultavamregularmente.E,naturalmente,naopossuımosprovadequenaotenhamconsultado.Naoseofenda,porfavor, mas eu jamais con iaria em um nortista quanto a esse ponto, em circunstanciaalguma.Nãoobstante,acreditoquetudoterminarábem.

–Dequemodo,minhacaraMadame?-Osenhordevecompreenderqueasirregularidadeseconomicasdosultimosmeses

– que, embora pequenas em comparaçao com as grandes crises do passado, perturbambastantenossoespıritoimpregnadododesejodepaz–causaramconsideravelinquietaçaona provıncia da Espanha. Tive notıcias de que a Consolidated Cinnabar estadisposta avenderaconcessaoaumgrupoespanhol.Eumanovidadeconsoladora.Mesmoquesejamosvassalos economicos doNorte, e humilhante que o fato seja abertamente divulgado. E ecertoquenossopessoalseguirámaisfielmenteasinstruçõesdaMáquina.

–Entãoasenhorajulgaquenãohaverámaisdificuldades?–Tenhocertezadequenãohaverá–pelomenosemAlmaden.RegiaoNorte:a–Arca:28.800.000km²,b–Populaçao:800.000.000dehabitantes,c–

Capital:Ottawa.

Sob varios aspectos, a RegiaoNorte estava por cima. O fato era exempli icado demodobastanteexpressivopelomapanaparededogabinetedoVice-CoordenadorHiramMackenzie, em Ottawa. O Polo Norte ocupava o centro do mapa. A exceçao do enclaveeuropeu,comasregioesdaEscandinaviaedaIslandia,todaazonaarticapertenciaaRegiaoNorte.

Agrossomodo,aregiaopodiaserdivididaemduasareasprincipais.Aesquerdadomapa icava toda a America do Norte acima do Rio Grande. A direita, tudo aquilo queoutrora constituıra a Uniao Sovietica. Juntas, estas duas areas representavamacentralizaçaodepoderdoplanetanosprimordiosdaEradoAtomo.Entreasduas,estava

situadaaGra-Bretanha,comoalınguadaRegiaoalamberolitoraldaEuropa.Notopodomapa, destorcidas e representadas por massas enormes, icavam a Australia e a NovaZelândia,quetambémeramprovínciasdaRegiãoNorte.

NemmesmotodasasmudançasocorridasnasultimasdecadashaviambastadoparaalterarofatodequeaRegiãoNortedominavaeconomicamenteoplaneta.

Emconsequencia,haviaumsimbolismoquaseostensivonofatodeque,dentretodososmapas o iciais regionais que Byerley vira, somente o deMackenziemostrava a Terrainteira,comoseoNortenaotemessecompetidoresenaonecessitassedefavoritismoparafazervalersuapreeminência.

–Impossıvel–disseMackenzieemtomazedo,tomandoumgoledeuısque.–Creioqueosenhornãofoitreinadocomotécnicoemrobôs,Sr.Byerley.

–Não,defato.– Muito bem. Na minha opiniao, e uma pena que Ching, Ngoma e Szegeczowska

tambemnaotenhamsido.HaumatendenciaexageradaporpartedospovosdaTerraparacrerqueumCoordenadornecessitaapenasserumorganizadorcapaz,umapessoaaptaafazer amplas generalizaçoes e um indivıduo amavel. Nao se ofenda, mas creio queatualmenteeletambémdeveriaconhecerrobótica.

–Nãomeofendo.Concordoplenamentecomosenhor.–Porexemplo,emvirtudedoqueosenhorjadisse,deduzoqueestapreocupadocom

aspequenasirregularidadesnaeconomiamundial.Naoseidoqueosenhorsuspeita.Masacontece que no passado ja houve pessoas que – erroneamente – imaginavam o que sepassariacasoasMáquinasrecebessemdadosfalsos.

–Oquesepassaria,Sr.Mackenzie?–Bem–disseoescoces,mudandodeposiçaonapoltronaesuspirando.–Todosos

dadoscoligidossaosubmetidosaumcomplicadosistemadeseleçaoqueincluiveri icaçoeshumanasemecanicas,demodoqueeimprovavelquesurjaoproblemadedadosfalsos.Masignoremos tal fato. Os seres humanos sao passıveis de falhas e, tambem, suscetıveis decorrupçao.Poroutrolado,osaparelhosmecanicospodemsofrerenguiços.Oquerealmenteinteressa e o seguinte: chamamos de “dado errado” qualquer informaçao que sejaincoerente com todososdemaisdados conhecidos. E onosso unico criteriode certoouerrado.E,igualmente,eocriteriodaMaquina.Porexemplo:PedimosaMaquinaqueorientea atividade cultural baseando-se no dado de uma temperatura media de 57 grausFahrenheitemIowanomesdejulho.AMaquinanaoaceitaraoproblema.Naoporquetenhaalgum preconceito contra essa determinada temperatura, ou porque seja impossıvelresponder;masporque,aluzdetodososoutrosdadosquelheforamfornecidosduranteumperıododeanos,elasabequeapossibilidadedeumatemperaturamediade57emIowanomêsdejulhoépraticamentenula.Portanto,rejeitaodado.

–O unicomeiodesepoder inserirum“dadoerrado”naMaquina e incluı-locomoparte de um todo consistente, cujo inteiro contexto seja sutilmente falso de um mododelicadodemaisparaqueaMaquinapossaperceber,ouqueestejaforadaexperienciadaMaquina.Oprimeirocasoestaalemdaspossibilidadeshumanas.Osegundoestaquase.Etorna-se cada vez mais difıcil a medida em que a experiencia da Maquina aumentaconstantemente,desegundoasegundo.

StephenByerleyalisouonarizcomdoisdedos.

–Entao e impossıvelenganaraMaquina...Nestecaso,comoosenhorexplicariaoserrosrecentes?

–Meu caroByerley,perceboquevoce acompanha instintivamenteumapresunçaototalmenteerronea:adequeaMaquinasabetudo.Permita-mecitarumcasodeexperienciapessoal.Aindustriaalgodoeiracontratacompradoresexperientes,quesaoencarregadosdaaquisiçaodealgodao.Oprocessoporelesutilizadoepuxarumtufodealgodaodeumsacoescolhido a esmodentre um lote. Eles examinamo tufo, esticam-no, ouvemos estalidosproduzidos, provam o algodao com a ponta da lıngua – e, atraves desse processo,determinamaclassi icaçaodoalgodaocontidonos fardosdo lote.Existemcercadedozedessas classes. Em consequencia das decisoes de compradores, o algodao e adquirido adeterminados preços e as diversas classes saomisturadas em certas proporçoes. Muitobem...EssescompradoresdealgodãonãopodemsersubstituídospelaMáquina.

–Porquenao?Certamente,osdadosdoproblemanaosaocomplicadosdemaisparaela,são?

–Provavelmentenao.Entretanto,aquedadososenhorserefere?Nenhumquımicotextilsabeexatamenteoqueocompradorexperimentaquandoapalpaumtufodealgodao.Presumivelmente, trata-sedo comprimentomediodos ios, de seu tato, daquantidade enatureza de sua lisura, domodo como se prendem uns aos outros, e assim por diante...Varias duzias de itens, julgados subconscientemente, como resultado de anos deexperiencia.Mas a natureza quantitativa dos testes e desconhecida: talvez atemesmo aproprianaturezadealgunsdelesnaosejaconhecida.Portanto,naodispomosdedadosparaapresentar aMaquina.Poroutrolado,oscompradorestambemnaosabemexplicarcomofazemojulgamento.Sópodemdizer:“Olhesó.Seráquenãovêqueédaclassetal?”

–Compreendo.–Existeminumeroscasosdessaespecie.A inal,aMaquinaeapenasumaferramentacapazde ajudar a humanidade a progredir mais depressa, livrando-a de alguns dos encargosdecorrentesdecalculoseinterpretaçoes.Atarefadocerebrohumanocontinuaaseroquesemprefoi:descobrirnovosdadosaseremanalisadoseinventarnovosconceitosaseremexperimentados. E uma pena que a Sociedade emProl daHumanidade nao compreendaisso.–ElessãocontraaMáquina?

–Setivessemtempodesobra,seriamcontraamatematicaoucontraaliteratura.Osreacionarios que compoem a Sociedade em Prol da Humanidade alegam que aMaquinaprivaohomemdesuaalma.Entretanto,aindaha faltadehomensrealmentecapazesemnossa sociedade; ainda precisamos de homens bastante inteligentes para descobrir asperguntas adequadasquedevemser apresentadas aMaquina.Talvez se encontrassemosalgunsdeles,asirregularidadesquetantoopreocupamnãoocorressem,Coordenador.

Terra (incluindoo continentedesabitado,Antartica) a –Area: 88.400.000km² (deterras),b–População:8.800.000.000dehabitantes,c–Capital:NovaYork.

O fogo por detras da lamina de cristal de quartzo estava fraco, morriarelutantemente. O Coordenador se mostrava sombrio; sua disposiçao combinava com afraquezadachama.

–Todoselesdiminuemaimportanciadoestadodecoisas–declarouemvozbaixa.–Nao e tao facil imaginarqueestao zombandodemim?E, apesarde tudo...VincentSilvera irmaqueasMaquinasnaoestaoenguiçadasedevoacreditarnele.HiramMackenziedizqueeimpossıvelinserirnelasquaisquerdadosfalsosedevoacreditarnele.Mas,dealgummodo, asMaquinas estao falhando e tambem devo acreditar nisso... Assim sendo, aindarestaumaalternativa.

Lançou um olhar de esguelha a Susan Calvin que, com os olhos fechados, pareciaadormecida.

–Qualéela?–indagouSusanprontamente,mostrandoqueprestavaatenção.– Ora, os dados corretos sao apresentados e as respostas estao certas, mas sao

ignoradas. A Maquina nao tem meios para obrigar os homens a obedecerem suasinstruções.

–Parece-mequeMadameSzegeczowskainsinuouexatamenteissoemreferenciaaosnortistas.

–Certo.– E qual seria o objetivo de quem nao obedece a Maquina? Consideremos as

motivações.– E obvio paramim e deve ser para voce tambem. Trata-se de balançar a canoa,

propositadamente.EnquantoasMaquinasgovernaremaTerra,naohaverapossibilidadedeumgrupoqualquerassumirmaispoderdoquetem,mesmoquepretendafaze-lo,adespeitodo mal que causaria a humanidade em geral. Se for possıvel destruir a fe que o povodepositanasMaquinas,apontodequeelassejamabandonadas,voltaremosaleidaselva:alei do mais forte. E nenhuma das quatro Regioes esta livre de suspeitas de desejarjustamenteisso.

–OOrientetememsuasfronteirasametadedapopulaçaodaTerra,eosTropicospossuemmaisdametadedosrecursosdoplaneta.Ambospodemsentir-secomdireitoaseremossenhoresnaturaisdaTerrainteira,ambostemumpassadodehumilhaçoesporpartedoNorte,emvirtudedoqualseriamuitohumanodesejarvingança,mesmoqueestafossedesprovidadesentido.AEuropa,porsuavez,temumatradiçaodegrandeza.Houveepocasemque jadominouomundoenaoexistealgotaoperenequantoa lembrançadopoder.

– Ainda assim, sob outro aspecto, e difıcil acreditar. Tanto o Oriente quanto osTropicos atravessam um estagio de enorme expansao no interior de suas propriasfronteiras.Ambosprogridemincrivelmente.Naopodemdispordeenergiasuper luaparaseengajarem em aventuras militares. E a Europa nada pode alimentar senao seus velhossonhos. Sob o ponto de vista militar, ela nao passa de um simples algarismo no papel.Portanto,Stephen,restaoNorte–disseSusanCalvin.

–Exatamente–disseByerley,energico.–Eoqueresta.Atualmente,oNorteeomaisforte,comovemsendoporquaseumseculo–ou,pelomenos,assuaspartescomponentesoforam.Ultimamente,entretanto,vemsofrendoumarelativaqueda.ARegiaodosTropicospodevoltaraocuparolugardedestaquedacivilizaçaopelaprimeiravezdesdeostemposdosfaraós.Ehánortistasquetememessapossibilidade.

– Como voce sabe, a Sociedade em Prol da Humanidade e uma organizaçaoprimordialmentenortistaenaofazsegredodedesejareliminarasMaquinas...Saopoucos,

Susan;mas,infelizmente,trata-sedeumaassociaçaodehomenspoderosos.Presidentesdefabricas,diretoresde industriasedegrandescomplexosagrıcolas,queodeiamseroquechamam de “of iceboys da Maquina”. Homens ambiciosos. Homens que se sentemsu icientementefortesparadecidirsozinhosoqueemelhorparaelesenaoseinteressamporsaberoqueémelhorparaosoutros.

– Em resumo, a Sociedade em Prol da Humanidade e composta unicamente porhomensque,reunindo-senarecusadeaceitarasdecisoesdaMaquina,podem,empoucotempo, revolucionar o mundo para o pior. Tudo se con irma, Susan. Cinco dentre osdiretoresdaWorldSteelsaomembrosdaSociedade–eaWorldSteelsofreumproblemadeexcessodeproduçao.AConsolidatedCinnabar,queexploravaamineraçaodemercurioemAlmaden,erauma irmanortista.Seusregistrosaindaestaosendoinvestigados,maspelomenos um dos homens envolvidos na queda de produçao das minas e membro daSociedade.FranciscoVillafranca,que,sozinho,atrasouaconstruçaodoCanaldoMexicopordoismeses, emembrodaSociedade.E,sabemosagora,omesmoacontececomrelaçaoaRamaVrasayana–coisaquenãomesurpreendeu.

Susancomentoutranquilamente:–Permita-meressaltarquetodosesseshomenssofreramasconsequenciasdeseus

atos...–Maseclaro!–interrompeuByerley.–DesobedecerasanalisesdaMaquinasigni ica

seguirumcaminhoquenaoeootimo.Osresultadossaoinferioresaosquedeveriamser.Eopreçoqueelespagampeladesobediência.Sofremagora,masnaconfusãoqueseseguirá...

–Oquepretendefazer,Stephen?–Obviamente,naohatempoaperder.VouproibirofuncionamentodaSociedadee

removerseusmembrosdecargosderesponsabilidade.Deagoraemdiante,todososcargostecnicos e de direçao so poderao ser preenchidos por pessoas que assinem umcompromisso de nao pertencerem a Sociedade. Isto implicara numa certa violaçao dasliberdadescívicasbásicas,mastenhocertezadequeoCongresso...

–Nãodarácerto!–Oquê!...Porquenão?–Voufazerumaprevisao.Sevocetentaralgodessetipo,severatolhidoemtodosos

sentidos. Descobrira que e impossıvel conseguir o que deseja. Veri icara que toda equalquermedidanessesentidoresultaráemencrencas.

Byerleyficouabalado.–Porquedizisso?...Confessoqueesperavaobterasuaaprovaçãoparaamedida.–Naoteraminhaaprovaçaoenquantosuasaçoesforembaseadasemumapremissa

falsa.VoceadmitequeaMaquinanaopodeerrarequerejeitaraqualquerdadofalso.Agoravou lhe provar que tambem nao pode ser desobedecida – ao contrario do que vocedesconfiaqueaSociedadeestejafazendo.

–Isso,eunãocompreendo...–Entaoouça.Todaaaçaolevadaaefeitoporumdiretorquenaosegueexatamente

as instruçoesdaMaquinacomaqualele trabalhase transformaempartedosdadosqueseraoapresentadosaMaquinanoproblemaconsecutivo.Emconsequencia,aMaquinasabeque o referido diretor tem uma certa tendencia para desobedecer. A Maquina podeincorporar essa tendencia aos dados – ate mesmo quantitativamente, isto e, calculando

exatamentequandoeemquesentidoadesobedienciadeveocorrer.Suasrespostasseriamsu icientemente desviadas de modo que, quando o referido diretor desobedecesse,corrigiria automaticamente as respostas, levando-as a direçao otima. A Maquina sabe,Stephen!

–Nãopodetercertezadisso.Estáapenasimaginando.–Eumpalpitebaseadoemtodaumavidadeexperienciaemlidarcomrobos.Acho

melhorvocêconfiarnopalpite,Stephen.-Masoqueresta,entao?AsMaquinasestaocorretaseosdadoscomosquaiselas

trabalhamtambemsaocorretos.Quantoa isso, jaconcordamos.Agoravocea irmaque eimpossíveldesobedecerasMáquinas.Nestecaso,oquehádeerrado?

– Voce mesmo ja respondeu. Nada esta errado! Pense um pouco nas Maquinas,Stephen.SaoroboseobedecemaPrimeiraLeidaRobotica.AcontecequeasMaquinasnaotrabalham para um unico homem, mas para a humanidade inteira. Em consequencia, aPrimeiraLeisetransformaem:“NenhumaMaquinapodecausarmalahumanidadeou,poromissao,permitirqueahumanidadesofradanos”.Muitobem,Stephen.Re litamos.Oquecausadano ahumanidade?Acimade tudo,as irregularidadeseconomicas,quaisquerquesejamsuascausas.Nãoconcordacomigo?

–Claro.– E, no futuro, o que tem maiores possibilidades de causar irregularidades

econômicas?Responda,Stephen.–EudiriaqueéadestruiçãodasMáquinas–respondeuByerley,relutante.– Omesmo diria eu, omesmo diriam as propriasMaquinas. Portanto, o primeiro

cuidadodelas epreservar-se,paraonossobem.Assimsendo, cuidamtranquilamentedeeliminar os unicos elementos que podem prejudica-las. Nao e a Sociedade em Prol daHumanidadequesacodedeliberadamenteacanoanointuitodefazercomqueasMaquinasafundem. Voce encarou a situaçao pelo lado inverso. Diria melhor: as Maquinas estaosacudindoacanoa,bemdeleve,apenasosuficienteparalançarnaáguaospoucosqueaindase agarrama esperanças que asMaquinas consideramprejudiciais a humanidade.Dessemodo,Vrasayanaperdeausinaevaiparaumempregoondenaopodera causarmaioresdanos–naosofreumuito,nao icouincapacitadodeganharavida,poisaMaquinasopodecausardanosmınimosaumserhumano–e,mesmoassim,apenasparasalvarumnumeromuitomaiordepessoas.AConsolidatedCinnabarperdeuocontroledasminasdemercuriodeAlmaden.Villafrancadeixoudeserumengenheirocivilencarregadodaexecuçaodeumprojetoimportante.EosdiretoresdaWorldSteelestaoperdendoain luencianaindustriasiderúrgica–ouacabarãoperdendo.

– Mas voce nao pode ter certeza de tudo isso – insistiu Byerley, confuso. – Naopodemosarriscar-nosaumengano!

– Nao ha outra soluçao. Lembra-se da resposta da Maquina quando voce lheapresentouoproblema?Elarespondeu:“Oproblemanaoadmiteexplicaçoes”.ReparequeaMaquinanaodissequeoproblemanaotinhaexplicaçao,ouqueelanaopoderiadeterminarqualaexplicaçao.Simplesmenterecusou-seaadmitirumaexplicaçao.Emoutraspalavras:seria prejudicial a humanidade tornar publica a explicaçao. Eis aı por que motivo sopodemosdarpalpites–esegui-los.

–Mas, Susan,mesmo admitindo que voce tenha razao, de quemodo a explicaçao

poderiaprejudicarahumanidade?–Ora,Stephen,seeuestivercomarazao,istosigni icaqueaMaquinaorientanosso

futuronaoapenasemrespostadiretaanossasperguntasdiretas,masemrespostageralasituaçaomundiale apsicologiahumana, comoumtodo.E sabermos issopode fazer-nosinfelizes ou ferir nosso orgulho. A Maquina nao pode – nao deve – nos fazer infelizes.Stephen,comopodemossaberoqueseraoultimobemdahumanidade?Naotemosanossadisposiçaoosfatoresin initosqueaMaquinatemadisposiçaodela!Talvez–paradarumexemplo nao inteiramente desconhecido – toda a nossa civilizaçao, baseada na tecnica,tenhacriadomaisinfelicidadeemiseriadoqueevitado.Talvezumacivilizaçaoagrariaoupastoril,commenosgenteemenoscultura,fossemelhor.Seassimfor,asMaquinasdeveraoagir nessa direçao, de preferencia sem nos dizer, uma vez que, em virtude de nossospreconceitos ignorantes, so consideramos bom aquilo a que estamos acostumados – elutarıamos contra a mudança. Ou talvez a resposta seja uma urbanizaçao total, ou umasociedaderegidaporcastas,ouacompletaanarquia.Naosabemos.SoquemsabesaoasMáquinas,elassedirigemparaláenoslevamcomelas.

–Massuaspalavrassigni icam,Susan,queaSociedadeemProldaHumanidadeestacomarazãoequeahumanidadeperdeuodireitodedecidirsobreoseuprópriofuturo.

–Narealidade,ahumanidadenuncatevetaldireito.Sempreesteveamercedeforçaseconomicasesociologicasqueelaeraincapazdecompreender–amercedosclimasedasfortunasdaguerra.Agora,asMáquinascompreendemessasforçaseninguémpoderáconterasMaquinas,porqueelascuidaraodessasforçasdomesmomodopeloqualestaocuidandodaSociedadeemProldaHumanidade–tendoasuadisposiçaoamaispoderosadetodasasarmas:ocontroleabsolutodenossaeconomia.

–Quecoisahorrível!–Talvezvocedevadizer:quecoisamaravilhosa!Lembre-sedeque,a inal,deagora

ate o inal dos tempos, todos os con litos sao evitaveis. De agora em diante, apenas asMáquinassãoinevitáveis!

29- Intuição feminina

AsTrêsLeisdaRobótica:1.Umrobônãodevefazermalaumserhumanoou,porinação,permitirqueumser

humanosofraqualquermal.2.Umrobôdeveobedeceraqualquerordemdadaporumserhumano,desdequeessa

ordemnãointerfiracomaexecuçãodaPrimeiraLei.3.Umrobôdeveprotegerasuaexistência,desdequeestaproteçãonãointer iracoma

PrimeiraeSegundaLeis.

Pelaprimeiraveznahistoriada“UnitedStatesRobotsandMe-chanicalMen,Inc.”um

robôhaviasidodestruídonumacidentenaprópriaTerra.Ninguempodiaserresponsabilizado.Oaviaotinhasidodestruıdoemplenoareum

incredulo comite de investigaçoes se indagava se realmente deveria ousar anunciar aevidenciadequeoveıculo tinha sidoatingidoporummeteorito.Nadamaispoderia sersu icientemente rapidoparaobstaro sistemaautomaticodeprevençao; comexceçaodeumacarganuclear,nadamaispoderiatercausadoodano,eistoestavaforadecogitação.

Ligando-seistoaumrelatodeumsubitobrilhonoceunoturnoimediatamenteantesdeoveículoexplodir-observaçãovindado

Observatorio Flagstaff, e nao de um amador - e dada a localizaçao de um nıtidofragmentodemeteorito,ferrohapoucoarrancado,jogadonaterraaquilometroemeiodolocal,aqueoutraconclusãosepoderiachegar?

Aindaassim,nadadesemelhanteocorreraanteseoexamedapossibilidadedeteracontecidoalgodeincomumtinhacontrasiavantajadascifras.Mas,naoobstante,asvezesatécolossaisimproba-bilidadespodemacontecer.

NosescritoriosdaU.S.Robots,oscornoseosporquesdocasoeramsecundarios.Oqueinteressavamesmoéqueumrobôtinhasidodestruído.

Ofato,emsi,eraangustiante.Mais angustianteaindaerao fatode JN-5 ter sidoumprototipo, oprimeiro, apos

quatrotentativasanteriores,atersidocolocadoemcampo.EextremamenteangustianteeraofatodeJN-5serumtipoderobocompletamente

novo,muitodiferentedequalqueroutroconstruídoantes.O fatode JN-5 aparentemente ter realizado alguma coisa antesde suadestruiçao,

algo de incalculavelmente importante, e o fato de que essa realizaçao talvez pudesse terdesaparecidoparasempre,faziacomquenãohouvessepalavrasparadescreveraangústia.

Mal parecia digno de referencia que, juntamente com o robo,morrera o chefe dePsicologiadeRobôsdaU.S.Robots.

ClintonMadariantinhaentradonafirmadezanosantes.Durantecincodaquelesanoseletrabalharasemsequeixarsobamal-humoradasupervisãodeSusanCalvin.

ObrilhantismodeMadarianeramaisdoqueobvioetranquilamenteSusanCalvinopromoveraacimadosmaisvelhos.Dequalquerforma,elasedignariaadarsuasrazoesaPeterBogert,seuDiretordePesquisas,mas,quandoistoocorreu,naohouvenecessidadedeexplicações.Oumelhor:elaseramóbvias.

Madarian era completamente o contrario da renomada Dra. Calvin em muitosaspectosnotorios.Elenaoerataopesadoquantoseuqueixoduplopoderiafaze-loparecer,mas,mesmoassim,suapresençaseimpunha,enquantoqueSusanquasenaoeranotada.AfacemaciçadeMadarian,suafaiscantecabeleiraruiva,suatezrosada,suavoztonitruante,suarisadaalta,e,acimadetudo,suairrepreensıvelautocon iança,suamaneiraimpacientede anunciar seus sucessos, faziam com que todos os demais que se achassem na salasentissemfaltadeespaço.

Quando inalmente Susan Calvin se aposentou (recusando antecipadamentecooperarcomrespeitoaqualquerjantardehomenagemquepudesseserplanejadoemsuahonra,deumamaneiratao irmequenemsequersefezanunciodesuaaposentadoriaaosserviçosdeinformações),Madarianocupouoseucargo.

FaziaexatamenteumdiaqueeleestavaemseunovopostoquandoiniciouoprojetoJN.

Elesigni icavaamaioralocaçaoderecursosateentao feitaaumprojetopelaU.S.Robots,maseraalgoqueMadarianrepudiaracomumjovialacenodemão.

-Nãovaleapenagastarumcentavonisso,Peter-disseele.-EeuesperoquevocêconvençaaDiretoriadisto.-Dê-merazões-disseBogert,indagando-seseMadarianasdaria.SusanCalvinnuncadavarazões.MasMadariandisse:-Claro!-einstalou-seconfortavelmentenaamplapoltronadasaladoDiretor.Bogert observava o outro com algo que era quase temor. Seus cabelos, outrora

negros, eram quase brancos agora e dentro de uns dez anos ele seguiria Susan naaposentadoria.Istosigni icariao imdaequipequeoriginalmenteconstituıraaU.S.Robotsnuma irmaquedavaavoltaaomundo,rival-emcomplexidadeeimportancia-demuitosgovernosnacionais.Poralgumarazaoqualquer,nemelenemosqueohaviamantecedidotinhamconseguidoapreenderaenormeexpansãodafirma.

Contudo,agoraeraumanovageraçao.Osnovoshomenssentiam-seavontadecomoColosso. Faltava-lhes o toque de encantamento que os teria deixado na ponta dos pes,descrentes.Deformaqueiamemfrente-eistoerabom.

Madariandisse:-Proponhoocomeçodaconstruçãoderobôssemrestrições.-SemasTrêsLeis?Lógicoque...-Nao,Peter.Seraquevocesosabepensarnestasrestriçoes?Diabos,vocecontribuiu

paraprojetarosprimeiroscerebrospositronicos.Seraquetenhodelhedizerque,deixandobem de lado as Tres Leis, nao existe uma trilha nestes cerebros que nao tenha sidocuidadosamenteprojetadaeassentada?Temosrobosplanejadospara tarefasespeci icas,comcapacidadesespecificasimplantadas.

-Evocêpropõe...-Que,emqualquernıvelabaixodasTresLeis,oscircuitostenhamterminaisabertos.

Nãoédifícil.- Realmente, nao e difıcil - disse Bogert secamente. - As coisas inuteis nunca sao

difíceis.Difícilvaiserassentarastrilhasetornarorobôútil.-Taodifıcilassimporque?Assentarastrilhasexigeumbocadodeesforçoporqueo

PrincıpiodaIncertezaeimportantenaspartıculasnasquaisamassadepositronseoefeitodeincertezaprecisamserminimizados.Aindaassim,porqueprecisa?Se izermoscomqueo Princıpio semanifeste de forma su iciente apenas para permitir que o cruzamento detrilhassefaçaimprevisivelmente...

-Teremosumrobôimprevisível.- Teremos um robocriativo - disse Madarian com uma ponta de impaciencia.—

Peter,sehaalgumacoisaqueumcerebrohumanotem,equeocerebrodeumrobonuncateve,éumtoquedeimprevisibilidadequevemdosefeitosdaincertezanonívelsubatômico.Admito que esse efeito nunca foi demonstrado experimentalmente dentro do sistemanervoso, mas sem isto, em princıpio, o cerebro humano nao e superior a um cerebrorobótico.

-Evocepensaque, se introduzirmosoefeitonocerebro robotico, emprincıpioocérebrohumanonãosetornarásuperioraocérebrorobótico.

-Eexatamentenissoqueacredito -disseMadarian.Eprosseguirammuito tempodepoisdisto.

Logicamente, o Conselho Diretivo nao tinha a intençao de se deixar convencerfacilmente.

Dissera Scott Robertson, omaior acionista da irma: - Ja e bastante difıcil gerir airma de robos tal como e, com a hostilidade publica aos robos sempre prestes a semanifestar.Seaspessoasvieremasaberqueosrobôspoderãoserincontroláveis...Não,nãomefaledasTresLeis.AspessoascomunsnaoacreditaraoqueasTresLeisasprotegerao,assimqueouviremdizerapalavra“incontrolável”.

-Então,nãoause-disseMadarian.-Chameorobôde...digamos...“intuitivo”.-Umrobôintuitivo-resmungoualguém.-Umrobôfeminino?Umsorrisocirculounamesadereuniões.Madarian se ixou naquilo. - Esta bem, um robo feminino. Nossos robos sao

assexuados, naturalmente, e este tambem o sera, mas sempre agimos como se fossemmasculinos.Damos-lhesnomesdebichinhosdeestimaçaomachos,efalamos“ele”,“dele”.Este de agora, se considerarmos a natureza da estrutura matematica do cerebro quepropus, caira no sistemade coordenadas JN.Oprimeiro robo seriao JN-1, e admitoqueseriadenominadodeJohn-1...Suspeitoquesejaesteonıveldeoriginalidadedoroboticistacomum.

Mas, com os diabos, por que nao denomina-lo de Jane-1? Se for para informar opublico do que estamos fazendo, estamos construindo um robo feminino com intuiçao.Robertsonsacudiuacabeça.

-Quediferençafariaisso?Oquevoceestadizendoequeplanejaremoveraultimabarreiraque,emprincıpio,mantemocerebrorobotico inferioraocerebrohumano.Qualsupõevocêqueseráareaçãodopúblico?

-Vocetemaintençaodetornaristopublico-disseMadarian.Pensouummomentoedisse,entao:-Vejam:umacoisaemqueopublicoemgeralcreequeasmulheresnaosao

tãointeligentesquantooshomens.Deprontohouveumolhardeapreensaonorostodemaisdeumhomemnamesae

umolharparaoaltoeparabaixo, comoseSusanCalvinaindaestivesseemseuassentocostumeiro.

- Se anunciarmosum robomulher, nao importa quemela seja - disseMadarian -,automaticamenteopublicoadmitiraqueelaementalmenteatrasada.Limitar-nos-emosaanunciarumrobôJane-1enenhumapalavramaisacrescentaremos.Estaremosasalvo.

-Naverdade-dissetranquilamentePeterBogert-existealgomais.MadarianeeuexaminamoscuidadosamenteapartematematicaeaserieJN,sejadeJohnsouJanes,serabemsegura.Seraorobosmenoscomplexosemenoscapazesintelectualmente,numsentidoortodoxo,quemuitasoutrasseriesqueplanejamoseconstruımos.Haveriaapenasumfatoradicional,queteríamosdenoshabituarachamarde,digamos,“intuição”.

-Equeméquesabeemquevaidarisso?-resmungouRobertson.- Madarian sugeriu uma coisa que o robo podera fazer. Como todos sabem, em

princıpiojaestadesenvolvidooSaltonoEspaço.Epossıvelaohomematingiroquee,naverdade,supervelocidadesalemdaqueladaluzevisitaroutrossistemasestelaresevoltarnumespaçodetempomínimo-nomáximo,emsemanas.

-Istonaoenovidadeparanos-disseRobertson.—Semosrobos,naopoderiatersidofeito.

- Exatamente, e nao esta redundando em nada de bom para nos, visto que naopodemosusaroimpulsodasupervelocidadeexceto,talvez,umavezcomodemonstraçao,de forma que pouco credito se dara a U.S. Robots. O Salto no Espaço e arriscado, etemivelmen-te prodigo em energia e, destarte, e extremamente dispendioso. Se, dequalquerforma,fossemosutiliza-lo,seriabonitosepudessemosconstataraexistenciadealgumplanetahabitado.Vamoschamaristodenecessidadepsicologica.SegastarmosunsvintebilhoesdedolaresnumunicoSaltonoEspaçoenaoobtivermosnadaalemdedadoscientı icos, o publico querera saber por que seu dinheiro foi desperdiçado.Mas, se vocenoticiar que descobriu um planeta habitado, voce se transformara num Colombointerestelareninguémsepreocuparácomodinheiro.

-Daíque...?-Daıque,ondeequeacharemosumplanetahabitado?Ou,entao,vamosconsiderar

as coisas desta maneira: dentro do alcance do Salto no Espaço tal como atualmente oconcebemos,qualdentreastrezentasmilestrelasesistemasestelares,compreendidosnolimite de trezentos anos-luz, tem melhor chance de possuir um planeta habitavel?Armazenamosumaenormequantidadededetalhessobretodasasestrelasnavizinhançados trezentos anos-luz e a noçao de que quase todas tem um sistema planetario. Qual,porém,temumplanetahabitável?Qualvisitaremos?...Nãosabemos.

-EcomoorobôJanenosauxiliaria?-indagouumdosdiretores.Madarian ja ia responder a pergunta,mas fez um gesto discreto para Bogert, que

compreendeu.ODiretorcarregariaumpesomaior.Particularmente,Bogertnaoapreciouaideia.SeaserieJNfosseum iasco,eleestavasefazendotaosaliente,taorelacionadocomoprojetoparateracertezadequeosdedosacusadoresapontariamparaele.Poroutrolado,aaposentadorianaoestavataodistanteassim,e,seoprojetodessecerto,eleseretirariaemmeioaumaaureoladegloria.Podeserquefosseapenasporcausadaauradecon iançade

Madarian,masBogertestavaintimamenteconvictodequeacoisafuncionaria.Edisse:-Podemuitobemserque,algures,nosarquivosdedadosquetemosrelacionados

com essas estrelas, haja metodos de avaliar as probabilidades de presença de planetashabitaveisdotipodaTerra.Tudoqueprecisamosfazerecompreenderadequadamenteosdados,considera-losdeumamaneiraadequadamentecriativaeestabelecerascorrelaçoescorretas.Ateomomento,naoo izemos.Ou,casoalgumastronomootenha feito,nao foisuficientementeinteligenteparaperceberqueofez.

- Um robo do tipo JN poderia fazer correlaçoesmuitomais rapidamente emuitomais precisamente do que um homem. Num unico dia faria e poria de lado tantascorrelaçoesquantoumhomememdezanos.Emais:umrobotrabalhariademaneirabemampla,enquantoqueumhomemjateriaumaseriedepredisposiçoes,baseadasemideiaspreconcebidasenaquiloemquejáseacredita.

Houveumconsiderávelsilênciodepoisdisto.Porfim,Robertsondisse:-Maseapenasumaquestaodeprobabilidade,naoemesmo?Suponhamosqueeste

robodissesse:-Oplanetacommaiorprobabilidadedeserhabitado eumqueseachanosistema de uma estrela a tantos anos-luz, Squidgee-17 ou seja la o que for; vamos la econstatamosqueumaprobabilidade e apenasumaprobabilidadeeque, a inalde contas,nãoháplanetashabitáveis.Ecomoficamos?

Nestemomento,Madarianinterveio.-Aindaassim,ganhamos.Saberemoscomoorobochegouaquelaconclusaoporque

ele -ela - no-lo dira. Isto podera nos ajudar a ter uma visao muito ıntima dos detalhesastronomicos e podera nos ajudar a tornar o todo digno do trabalho, ainda que nuncademosoSaltonoEspaço.Alemdisso,poderemosexploraroscincomaisprovaveissıtiosdeplanetas e a probabilidade de que um dos cinco tenha um planeta habitavel podera sermelhordoque0,95.Équasecertoque...

Econtinuaramconversandobastantetempo.Osrecursosconcedidoseraminsu icientes,masMadariancontavacomocostumede

seporbomdinheiroemcimadedinheiromalgasto.Comduzentosmilhoesprestesaseremirrevogavelmente perdidos, quando com mais cem milhoes se poderia salvar tudo, osoutroscemmilhõescertamenteseriamconcedidos.

Finalmente,Jane-1estavaconstruıdoeestavasendoexibido.PeterBogertestudou-o,istoé,estudou-a,e,gravemente,disse:

-Porqueacinturaestreita?Nãoécertoqueistotrazumafraquezamecânica?Madarianconteveoriso.-Olheaqui,sevamoschama-ladeJane,naoharazaoalgumaparaconstruı-lacomo

umTarzan.Bogertsacudiuacabeça.-Assimtambemnao.Logovoceaestaraconstruindocomprotuberanciasparadara

aparenciadeumbustoeistoeumaideialamentavel.Seasmulherescomeçaremaperceberquerobospodemteraaparenciadelas,posso lhedizerexatamenteque ideiasperversaselasterão,evocêterámesmohostilidadedapartedelas.

-Podeserquenistovocetenharazao-disseMadarian.-Nenhumamulhergostariadesesentirsubstituívelporalguémquenãotivessenenhumdosdefeitosdela.Certo.

Jane-2 nao tinha a cintura estreita. Ela era um robo sombrio, que raramente se

movimentavaemaisraramenteaindafalava.Duranteaconstruçaodela,soocasionalmenteMadarianviera tercomBogertpara

discutir alguns detalhes, indıcio seguro de que as coisas se desenvolviam sem grandesalardes.AagitaçaodeMadarianquandohaviasucessoeraesmagadora.Elenaohesitariaeminvadir o dormitorio de Bogert as tres da madrugada com um assunto candente, semesperarqueamanhecesse.DistoBogerttinhacerteza.Agora,Madarianpareciarefreado,suarubicundaexpressaoquasepalida,suasrechonchudasbochechasquasemurchas.E,comardecerteza,Bogertdisse:

-Elanãofalará.-Vaifalarsim-disseMadarian,sentando-sepesadamenteecomprimindoseulabio

inferior.-Qualquerdia,dequalquerjeito.Bogertergueu-seecircundouorobô.- E quando ela fala, o que diz nao tem sentido, penso eu. Bem, se nao fala, nao e

mulher?Porummomento,Madarianesboçouumsorrisoeoabandonou.-Observadoisoladamente,océrebrofuncionou-disse.-Eusei-disseBogert.-Mas,umavezresponsavelpeloconjuntofısicodorobo,logicaenecessariamenteo

cérebrosemodificou.-Naturalmente-concordouBogert,desanimado.-Imprevisivelmente,frustrantemente,porem.Oproblemaeque,quandoagenteesta

lidandocomumcálculodeincertezan-dimensional,ascoisassão...—Incertas-falouBogert.Elepropriosesurpreendiacomsuareaçao.Jasetinham

passado quase dois anos e o investimento da empresa era de porte bem maior; naoobstante,osresultadoseram,parafalardemaneiraeducada,desapontadores.Aindaassim,elecutucavaMadarianesedivertiacomahistória.

Quasequefurtivamente,BogertseperguntavasenaoseriaaausenteSusanCalvinqueeleestariacutucando.MadarianeramuitıssimomaisagitadoeefusivodoqueSusanpossivelmente jamais seria, quandoas coisas estivessemcorrendobem.Ele era tambemmuitomaisvulneravel amelancoliaquandoascoisasnaocorriambem,eera justamentedebaixo de pressao que Susan nunca se abatia. O alvo queMadarian tinha estabelecidopodiamuito bem ser um alvomuito bem delineado, recompensa para o alvo que Susannuncasepermitiraser.

MadariannaoreagiuaultimaobservaçaodeBogertmaisdoqueSusanCalvinteriareagido;nãopordesprezo,queteriasidoareaçãodeSusan,masporquenãoatinhaouvido.

Àguisadeargumentação,eledisse:- O problema e a questao do reconhecimento. Jane-2 pode se correlacionar de

maneiramagnı ica.Podesecorrelacionarcomqualquerassunto,mas,umavezistofeito,elanaopodedistinguirumresultadovalidodeumsemvalor.Nao eumproblemafacil tantojulgar como programar um robo para contar uma correlaçao signi icante, quando naosabemosquecorrelaçõeselaestaráfazendo.

- Suponho que voce pensou em baixar o potencial na junçao W-21 de diodo ecintilandoatravésde...

Numtomdevozquegradualmentefoibaixando,Madarianretrucou:

- Nao, nao, nao, nao. Nao da para voce faze-lo desembuchar o que quer que seja.Podemosfazeristopornosmesmos.Oproblemaequetemosdereconheceracorrelaçaocrucialechegaraumaconclusao.Umavez feito isto,entende,por intuiçaoumrobo Janeemitira uma resposta. Sera algo quenosmesmos jamais arrancarıamosdenosmesmos,excetoporumasortemuitoforadocomum.

-Parece-me-disseBogertsecamente-quesevocetivesseumrobocomoeste,voceconseguiriaqueele izesserotineiramenteaquiloque,entreossereshumanos,somenteumgênioocasionalécapazdefazer.

Madarianagitouacabeçavigorosamente.-Exatamente,Peter.Eoqueeuteriaditoseeunaotivessemedodeatemorizarosexecutivos.Naorepitaistoquandoelesestiveremouvindo,porfavor.

-Querdizerquevocêquermesmoumrobôgênio?-Que signi icamaspalavras?Estou tentandoobterumrobo coma capacidadede

estabelecer as mais fortuitas correlaçoes, a enormes velocidades, juntamente com umquociente de alto reconhecimento de signi icancia-chave. E estou tentando porestaspalavrasemequaçoespositronicasdecampo.Penseiquejaastivesse,masnaotenho.Aindanão.

EleolhouparaJane-2comdescontentamentoedisse:-Qualéamelhorsignificânciaquevocêtem,Jane?AcabeçadeJane-2voltou-separaolharMadarianmaselanaoemitiusomalgume

Madariansussurrouresignadamente:-Elaestátentandoentenderistonosbancosdecorrelação.Porfim,sementonaçãoalguma,Jane-2falou.-Nãoestoucerta.-Eraoprimeirosomqueelaemitia.OsolhosdeMadarianviraramparacima.-Elaestáfazendooequivalentearesolverequaçõescomsoluçõesindeterminadas.-Foioquepercebi-falouBogert.-Ouça,Madarian,partindodaıvocepodeiraonde

quiserouparamosporaquiereduzimosnossasperdasameiobilhão?-Oh,conseguireiisso-murmurouMadarian.Jane-3 nao chegou a ser. Nunca passou de umamera ativaçao eMadarian estava

furioso.Eraerrohumano.Culpadelemesmo,sesequisesseserbempreciso.Aindaassim,sebemqueMadarianestivesseterrivelmentehumilhado,osoutrospermaneceramquietos.Quesedeixasseaquelequejamaiscometeraumenganonaintricadaetemıvelmatematicadocérebropositrônicopreencheroprimeiromemorandodecorreção.

Quaseumanosepassaraantesque Jane-4estivessepronta.NovamenteMadarianestavaagitado.

-Elaécapaz-disseraele.-Elatemumbomquocientedealtoreconhecimento.Eletinhacon iançasu icienteparacoloca-lanumexibidordiantedoConselhoefaze-

la resolver problemas. Nao problemas matematicos, coisa que qualquer robo faria, masproblemasnosquaisostermoseramdeliberadamentemisturados,semserem,naverdade,inexatos.

Posteriormente,Bogertdisse:-Naverdade,istonãoexigemuito.-Logicoquenao.Eelementar,para Jane-4,maseu tinhademostraralgumacoisa

paraosdiretores,nãoacha?-Sabequantojágastamosatéagora?- Vamos, vamos, Peter, nao me venha com essa. E voce por acaso sabe quanto

recuperaremos?Coisascomoestanaocaemnumvacuo,vocesabe.Istomecustoutresanosinfernais, se quer saber,mas desenvolvi novas tecnicas de calculo que nos pouparao nomınimo cinquenta mil dolares em qualquer novo tipo de cerebro positronico queprojetarmosnofuturo.Certo?

-Bem...-Naomevenhacom“bem...”.Eistoaı.Etenhoaconvicçaopessoaldequecalculosn-

dimensionais de incerteza podem ter o numero que quisermos de outras aplicaçoes setivermosinteligenciaparadescobri-las,emeusrobosJaneasdescobrirão.Umavezqueeusaiba exatamente o quequero, a nova serie JNnodecorrer de cinco anos se pagara a simesma,mesmoquetripliquemosoqueatéagorainvestimos.

-Queequevocequerexatamentedizercom“saberexatamenteoquevocequer”?QueéquehádeerradonaJane-4?

- Nada. Ou nada a mais. Ela esta na pista, mas pode ser aperfeiçoada, e e o quetencionofazer.Eupensavaquesabiaaondemedirigiaquandoaprojetei.Agoratestei-aeseiparaondeestouindo.Etenhoaintençãodechegarlá.

EeraJane-5ametadeMadarian.Elelevarabemmaisdeumanoparaproduzi-laenãotinharestrições;estavaterrivelmenteconfiante.

Jane-5eramaisbaixaemais inaqueocomumdosrobos.Semserumacaricaturademulher, como fora Jane-1, ela procurava possuir um ar de feminilidade em torno dela, adespeitodaausênciadequalquertraçoclaramentefemininoquefosse.

- E a maneira como ela ica de pe - disse Bogert. Os braços dela se sustinhamgraciosamenteedealgumamaneiraotorsoprocuravadaraimpressaodequesecurvavaligeiramente,quandoelasevoltava.

-Prestematençãonela...-disseMadarian.-Comosesente,Jane?- Com excelente saude, obrigada - disse Jane-5. A voz era precisamente a de uma

mulher.Eraumcontraltodoceequaseperturbador.-Porquevoce fez isto,Clinton? -dissePeter,estupefatoecomeçandoa franziras

sobrancelhas.-Epsicologicamenteimportante-disseMadarian.-Queroqueaspessoasaencarem

comoaumamulher,queatratemcomoaumamulher;queainterpretem.-Quepessoas?MadarianpôsasmãosnosbolsoseencarouBogertpensativamente.-QueroqueseprovidencieminhaidaaFlagstaffcomJane.BogertnadapodiafazermasreparouqueMadariannaodisseJane-5.Destavez,ele

nãousaranúmero.ElaeraaJane.E,duvidosamente,disse:-ParaFlagstaff?Porquê?-Porquelaeocentromundialdeplanetologiageral,naoe?Elaqueestaoestudando

asestrelasetentandocalcularaprobabilidadedeplanetashabitáveis,nãoé?-Seidisto,masénaTerra.-Lógicoqueseidisso.- Os movimentos roboticos na Terra sao estritamente controlados. E nao ha

necessidadedisto.TragaumabibliotecadelivrossobreplanetologiageralparacaedeixeJaneabsorvê-los.

-Não,Peter,vejasepoenasuacacholaque Janenao eumtipocomum, logico,derobô,elaéintuitiva.

-Edaí?-Edaıquecomoequepodemosdizerdequeelanecessita,oqueelapodeusar,oque

aacionara?Podemosusarqualquermodelodemetalnafabricapara ler livros,saodadoscongeladose, alemdomais,desatualizados. Janeprecisa ter informaçaoviva;precisa tertonsdevoz,precisaterapoiosparalelos,precisaatemesmoteracessoadadostotalmenteirrelevantes. Como, comosdiabos, saberemosoqueouquandoalgo fara umbarulhinhodentro dela e incidira num modelo? Se soubessemos, nao precisarıamos dela de jeitonenhum,nãoacha?

Bogertcomeçavaasesentir incomodado.Edisse:-Vamosentaotrazerparacaostaishomens,osplanetologistas.

-Naoseriabomdejeitonenhum.Elesestariamforadeseuambiente,naoreagiriamnaturalmente.QueroqueJaneosobserveatrabalhar,queroquevejaosinstrumentosdeles,osescritorios,suasescrivaninhas,tudoqueelapuderverarespeitodeles.QueroquevoceprovidencieotransportedelaparaFlagstaff.Egostariadenãomaisdiscutiresteassunto.

Porummomento,suavozsoaraquasequecomoadeSusan.Bogertrecuou,dizendo:-Éotipodearranjocomplicado.Transportarumrobôexperimental...

-Janenãoéexperimental.Éaquintadeumasérie.-Mas,naverdade,asoutrasquatronãofuncionaram.Numgestodefrustraçãodesesperançada,Madarianergueuasmãos.-Quemestáforçandovocêadizeristoaogoverno?-Naoestoupreocupadocomogoverno;podemosfaze-loentendercasosespeciais.E

aopiniaopublica.Percorremosumlongocaminhoemcinquentaanosenaoproponhoquevocênosfaçaretrocedervinteecincoanosporterperdidoocontrolesobreuma...

- Nao perderei o controle. Voce esta fazendo observaçoes aloucadas. Olhe: a U.S.Robotspodepagarumaviaoparticular.Podemosaterrissarquietamentenomaisproximoaeroportocomercialenosperdermosemmeioacentenasdepousossimilares.Poderemosprovidenciar que um grande automovel, com reboque, nos va buscar, levando-nos aFlagstaff.Janeestaráengradada,eseráóbvioquealgumapeçadeumequipamentoquenadatemavercomrobosestasendotransportadaaos laboratorios.Ninguemnosolharaduasvezes.LaemFlagstaff,aspessoasestaraoprevenidaseinformadasdoexatopropositodavisita.Terãotodososmotivosparacolaborareparaimpedirumaindiscrição.

Bogertponderou:- A parte arriscada sera o aviao e o automovel. Se acontecer alguma coisa ao

engradado...-Nadaacontecerá.-PoderemosescaparimpunementeseJanefordesativadaduranteotransporte.Mas

sealguémdescobrirqueelaestáládentro...-Nao,Peter.Istonaopodeserfeito.ComJane-5,nao.Notequeelatemestadoafazer

livresassociaçoesdesdequefoiativada.A informaçaoqueelapossuipodesercongeladaduranteadesativaçaomasaslivresassociaçoes,nunca.Naosenhor,jamaiselapoderaser

desativada.-Mas,entao,sedealgumaformafordescobertoqueestamostransportandoumrobo

ativado...-Nãoserádescoberto.Madarian permaneceu irme e, num dado momento, o plano deslanchou. Era um

modeloavançadodeComputo-jet,mastinhacomopilotoumhomem,empregadodaU.S.Robots, como apoio. O engradado contendo Jane chegou sao e salvo ao aeroporto, foitransferido para o veıculo que o aguardava, e atingiu os Laboratorios de Pesquisa deFlagstaffsemincidentes.

PeterBogertrecebeuoprimeirocomunicadodeMadarianpoucomaisdeumahoradepoisdeBogertterchegadoaFlagstaff.Madarianestavaemextasee,caracteristicamente,nãopodiaesperarparadarnotícias.

A mensagem chegou pelo cabo de raio laser, codi icada, e, como de costume,impenetravel, mas Bogert sentiu-se exasperado. Sabia que a mensagem poderia serinterpretada se alguem com su iciente capacidade tecnologica, o governo, por exemplo,quisessemesmofaze-lo.Aunicasegurançarealresidianofatodequeogovernonaotinharazãoparatentarfazeristo.Pelomenos,assimesperavaBogert.Edisse:

-PeloamordeDeus,vocêtinhamesmoquetransmitiressamensagem?Madarianignorou-ointeiramente.Balbuciou:-Foiumainspiração.Gêniopuro,garanto-lhe.Porummomento,Bogertolhoufixamenteoreceptor.E,então,incrédulo,bradou:-Vocêestáquerendodizerquejátemresposta?-Nao,nao!De-nostempo,diabos.Estouquerendodizerqueaquelaquestaodavoz

delaequefoiumainspiraçao.Ouça:depoisdetermossidotransportadosdoaeroportoparaoprincipaledifıciodeadministraçaoemFlagstaff,desengradamosJaneeelasaiudacaixa.Quando isto aconteceu, todos que la estavam deram um passo para tras. Assustados,aparvalhados!SeatémesmocientistassãoincapazesdecompreenderosignificadodasLeisRoboticas,quepodemosentaoesperardoindivıduocomum,naotreinado?La,duranteumminuto, pensei: Tudo isto sera inutil. Nao falarao. Estao se .fechando para uma rapidaretiradacasoelatenhaumacessodefúriaenãopensarãoemnadamais.

-Bem,ondeéquevocêpretendechegar?-Bem,entao,elaossaudoudemaneiranormal,dizendo:-Boatarde,senhores.Estou

muitocontenteporve-los.-Eistocomaquelasuabelavozdecontralto...Foiisto.Umdospresentes acertou o no da gravata e outro passou os dedos pelos cabelos. O que meimpressionoumesmofoiqueumsujeito,omaisvelholapresente,veri icouseozıperdesuacalçaestava fechadomesmo.Ficaram todosmalucosporela.Precisavammesmoeraouviravozdela.Elanãoémaisumrobô:éumamoça.

-Vocêquerdizerqueestãoconversandocomela?-Estão conversando comela, sim, eudiria! Eudeveria terprogramadoa vozdela

paraentonaçoessensuais.Seassimfosse,estariampedindoaelaparamarcarencontros.Vamos falarde re lexoscondicionados,Oshomens responderamavozes.Nosmomentosmaisíntimos,elesolham?Éavoznaorelhadagente...

-Sim,Clinton,creioquemerecordo.OndeestáJaneagora?-Comeles.Nãoadeixarãoir.

-Diabos!Vávê-la.Nãoapercadevista,homem.AschamadasposterioresdeMadarian,duranteosdezdiasdesuapermanenciaem

Flagstaff,nãoforammuitofrequentes,tornando-seprogressivamentemenosexaltadas.Ele informava que Jane estava prestando atençao cuidadosamente e que,

ocasionalmente, ela respondia. Continuava popular, tinha acesso a todos os lugares.Naohaviaresultados,contudo.

-Nadadenada?-disseBogert.Madariansepôsdeimediatonadefensiva.-Naosepodea irmarnada.Comumrobointuitivonaodaparadizerabsolutamente

nada.Naodaparasaberoqueestasepassandodentrodela.Hojedemanha,elaperguntouaJensenoquehaviacomocafédamanhã.

-RossiterJensen,oastrofísico?- Sim, logico. Ficamos sabendoqueelenao tinha tomadoodesjejum, apenasuma

xícaradecafé.-De formaque Jane esta aprendendoadardoisdedosdeprosa. Istomalda para

pagarasdespesas...-Ora,naosejaimbecil.Naoforamdoisdedosdeprosa.ParaJaneistonaoexiste.Ela

perguntouporque isto tinhaalgumacoisaquevercomalgumacorrelaçaoqueelaestavaestabelecendonasuamente.

-Oqueseráque...- Como e que eu posso saber? Se soubesse seria eu mesmo uma Jane e nao

precisarıamos dela. Mas tem de signi icar alguma coisa. Ela esta programada por umaelevada motivaçao para obter uma resposta a pergunta sobre um planeta com otimahabitalidade,distânciae...

-Entaomeinformequandoelaconseguirissoenaoantes.Naverdade,naoprecisodeumainformaçãodeminutoemminutosobrepossíveiscorrelações.

Na verdade, ele nao esperava vir a receber noticia de sucesso. A cada dia, Bogerticava menos con iante. De forma que, quando inalmente veio a notıcia, nao estavapreparado.Eveiobemnofinal.

Naquelaultimavez,quandoamensagemclımaxdeMadarianchegou,veioquasequenum cochicho. A exaltaçao havia sido completamente contida e Madarian estava numtemerososilêncio.

-Elaconseguiu-disse.-Elaconseguiudepoisdeeuproprioterdesistido.Depoisdeelaterrecebidotudodireitinho,eamaioriadasinformaçoesduasoutresvezes,edepoisdenunca ter pronunciado uma palavra que soasse como alguma coisa... Estou no aviao, devolta.Acabamosdedecolar.

Bogerttentourespirardenovo.-Nãobrinque,homem.Vocêtemaresposta?Digaquesim,seforverdade.Sejafranco.-Elatemaresposta,elamedeuaresposta.Forneceu-meonomedetresestrelasno

limitedeoitentaanos-luzquetemdesessentaanoventaporcentodechancedepossuırem,cadauma,umplanetahabitavel.Aprobabilidadedepelomenosumadelas e de0,972.Equasecertoquesejahabitavel.Eistoeomınimoquesepodedizer.Quandovoltarmos,elapoderanosdaralinhaexataderaciocınioqueaconduziuaestaconclusaoepredigoquetodaaastrofísicaetodaacosmologiaserão...

-Vocêtemcerteza...-Estapensandoqueestoualucinado?Tenhouma testemunha.Ocoitadodorapaz

puloucomosdoispesquandosubitamenteJanecomeçouadesenrolararespostacomsuavozqueéumgorjeio...

Efoientaoqueometeoritoosatingiue,nadestruiçaoqueseseguiu,Madarianeopilotoforamreduzidosapedaçosdecarnesangrenta.EnaoforamencontradosrestosdeJanequefossemrecuperáveis.

NuncaamelancoliaforamaisprofundanaU.S.Robots.Robertsontentavaseconsolarcom o fato de que a propria extensao da destruiçao tinha ocultado completamente asilegalidadesdequeafirmaeraculpada.Petersacudiuacabeçaelamentou-se.

- Perdemos amelhor oportunidade que a U.S. Robots jamais teve de formar umaimagemimbatıveljuntoaopublico,desuperaroraiodocomplexoFrankenstein.Oquenaoteriasigni icadoparaosrobosofatodeumdelesterencontradoasoluçaoparaoproblemade planetas habitaveis, depois de outros robos terem ajudado a estabelecer o Salto noEspaço?!Osrobosteriamabertoagalaxiaparanos.E,senumdadomomento,tivessemospodido orientar o conhecimento cientı ico para uma duzia de diferentes direçoes, comocertamenteterıamosfeito...Oh,meuDeus,naohamaneiradecalcularosbenefıciosparaaraçahumana,e,logicamente,paranós.

Robertsondisse:-NãopodemosconstruiroutrasJanes?MesmosemMadarian?- Claro que podemos. Mas poderemos contar de novo com a correlaçao correta?

Quemsabequantoistoimplicavadeprobabilidadesın imas,noresultado inal?EquedizerseMadariandispunhadeum trunfo fantastico, sortedeprincipiante?E se tivermosumafantásticamásorte?Ummeteoritozerandotudo...Nemdáparaacreditar...

Hesitante,sussurrando,Robertsonfalou:-Naopoderiaterum...signi icado?...Querodizer,seraquenaodevemosentendero

meteoritocomoumjulgamento...de...SuavozsedesvaneceuanteofulminantebrilhodoolhardeBogert,quedisse:- Acredito que nao seja uma perda mortal. Outras Janes estao destinadas a nos

ajudar, de diversasmaneiras. E podemosdotar outros robos de vozes femininas, se istoajudaraencorajaraaceitaçaopublica-sebemqueeumeperguntequeequeasmulheresdiriam.SeaomenossoubéssemosoqueJane-5disse!...

-Naúltimachamada,Madariandissequehaviaumatestemunha.- Eu sei - replicou Bogert. - Tenho pensado nisso. Voce pensa que nao entrei em

contato com Flagstaff? Ninguem, no conjunto inteiro dos laboratorios, ouviu Janepronunciar o que quer que fosse de incomum, nada que soasse como uma resposta apergunta sobreoproblemadoplanetahabitavel.E e evidentequequalquerpessoade lateriareconhecidoaresposta,seelarealmentefoidadaou,pelomenos,ateriareconhecidocomoumapossívelresposta.

- Sera que Madarian estava mentindo? Ou estaria louco? Sera que ele estariatentandoseproteger...

-Quervocedizerqueeleestariatentandosalvarsuareputaçao ingindoquetinhaarespostae,entao,alterariaomecanismodeJanedetalmaneiraqueelanaopudessefalaredizer.

-Desculpe,aconteceualgumacoisa,acidentalmente.Diacho!-Naoaceitoistodejeitonenhum.Namesmaordemderaciocınio,vocepoderiaate

afirmarquefoielequemprovidenciouometeorito.-Quefaremos,então?Bogertrespondeugravemente.-VoltemosaFlagstaff.Arespostatemdeestarla.Temosde“escavar”maisfundo,e

tudo.Vouparala,levandodoishomensdodepartamentodeMadarian.Vamosesquadrinharaquelelugardealtoabaixo,decaboarabo.

-Mas veja que,mesmo que tenha havido uma testemunha,mesmo que ela tenhaouvido,queadiantariaisto,agoraquenãomaistemosJaneparaexplicaroprocesso?

- Qualquer detalhezinho e util. Jane deu os nomes das estrelas, provavelmente onumerodecatalogodelas,nenhumadasestrelascomnometempossibilidade.Sealguemconseguirselembrardoqueeladisseeconseguirrecordaronumerodecatalogo,ouseotiver ouvido com su iciente clareza para permitir que o dado seja recuperado por umapsicoprova,casotenhaescapulidodamemoriaconsciente,entao,bem,teremosalgo.Dadosos resultados ao inal, e os dados que, de inıcio, alimentaram Jane, seremos capazes dereconstituir a linha de raciocınio; poderemos recuperar a intuiçao. Se izermos isto,teremosganhoaparada...

Tres dias depois Bogert estava de volta, silencioso e completamente deprimido.QuandoRobertsonoquestionou,ansiosamente,sobreosresultados,meneouacabeça.

-Nada!-Nada?!- Absolutamente nada. Falei com todo mundo em Flagstaff - todos os cientistas,

todosostecnicos,todososestudantes,quetivessemalgoavercomJane,nomaximo,todosa tinham visto. Nao eram muitos - devemos creditar a Madarian sua discriçao. Ele sopermitiu que vissem Jane aqueles que se poderia supor, com certeza, que tivessemconhecimentoplanetologicoparaalimentarcomdadosarobo.Nototal,vinteetrespessoasviram Jane e, destas, somente doze falaram com ela algo mais do que casualmente.Investiguei a fundo tudo que Jane disse. Todos se lembravammuito bemde tudo. Eramhomensperspicazes,engajadosnumaexperienciacrucialquediziarespeitoaespecialidadedeles,deformaquetinhamtodaamotivaçaoparase lembrarem.Eestavamlidandocomumarobofalante,algosu icientementesurpreendente.Emais:umaroboquefalavacomoumaartistadetelevisão.Nãodavaparaelesesquecerem.

-Talvezumapsicoprova...-aventouRobertson.-Sealgumdelestivesseamaisvagalembrançaquefossedequealgoassimocorrera,

euarrancariaseuconsentimentoparasubmete-loapsicoprova.Masnadahaquejusti iqueisto,esubmeteratalprovadozehomenscujavidadependedeseuscerebros,naopodeserfeito. Com toda a sinceridade, nao adiantaria. Se Jane tivesse mencionado tres estrelas,dizendoqueelastinhamplanetashabitaveis,seriaomesmoqueacionarfoguetesespaciaisnocérebrodeles.Comoéqueelespoderiamseesquecer?

-Podeserentãoqueumdelesestejamentindo-disseRobertsonsombriamente.-Elequerainformaçãoparaseuusopessoal,paraqueelalhesejacreditada,nofuturo.

- E que benefıcio ele extrairia disso? - retrucou Bogert. -Todo mundo noslaboratoriossabiaexatamenteparaqueMadarianeJanelaestavam,antesdemaisnada.E

sabemporquefuiparala.Seemqualquerocasiaofutura,alguemquehojeestaemFlagstaffsubitamenteaparecessecomumateoriadeumplanetahabitávelsurpreendentementenovaediferente,aindaquevalida,qualquersujeitoemFlagstaffequalquersujeitonaU.S.Robotsimediatamenteveriaquesetratavadeumateoriaroubada.Istoninguemjamaismetiraradacabeça.

-Nestecaso,opróprioMadarian,decertaforma,estavaequivocado.-Tambemnaovejocomocrernisto.Eletinhaumapersonalidadeirritante,todosos

psicologosderobostempersonalidadeirritante,pensoeu,devendo-seatribuiristoaofatodetrabalharemmaiscomrobosdoquecomgente,maselenaoeranenhumpalerma.Numacoisacomoestaelenãopoderiaseequivocar.

-Então...-masRobertsonesgotaraaspossibilidades.Tinhamchegadoaummuroembrancoe,poralgunsminutos,ambosficaramafitá-lo,desconsolados.

Porfim,Robertsonsemexeu.-Peter...-Sim?...-VamosperguntaraSusan.Bogertenrijeceu-se?-Oquê?!-PerguntemosaSusan.Vamostelefonarparaelaepedir-lhequevenha.-Porquê?Queéquevocêachaqueelapoderáfazer?-Naosei.Maselaepsicologaderobostambem,epoderiaentendeiMadarianmelhor

doquenós.Alémdisso,ela...bolas,elasempretevemaiscabeçadoquequalquerumdenós.-Elajáestácomquaseoitentaanos.-Evocêquasecomsetenta?Edaí?Bogertsuspirou.Seraquealınguavenenosadelaperderaumpoucodesuapeçonha,

naaposentadoria?Edisse:-Bem,vamosfalarcomela.SusanCalvinentrounasaladeBogertcomumlentoolharemtornoantesqueseus

propriosolhosse ixassemnoDiretordePesquisas.Elaenvelhecerabastante,desdequeseaposentara.Seucabeloerabrancoe inoeorostodelapareciaterencolhido.Ela icarataofragilapontode icarquase transparenteeapenasseusolhos,penetranteseobstinados,pareciampermanecer,detudoqueelatinhasido.

Empertigado,Bogertseadiantoucordialmente,estendendoamão:-Susan!Elaapertouamãoedisse:-Ateque,paraumvelho,voceestacomumaaparenciarazoavelmenteboa,Peter.Se

eu fosse voce, nao esperaria ate o ano que vem. Aposente-se agora e deixe os jovensassumiremocontrole...EMadarianestamorto.Vocesestaomechamandoparareassumirmeuvelhocargo?Vocesestaodecididosamanterosanciaosateumanodepoisdamortefísicadeles?

-Nao,nao,Susan,chameivocepara...-Elesedeteve.Depoisdetudo,elenaotinhaamaistênueideiadecomocomeçar.

Mas agora, como sempre, Susan lia o que se passava namente dele com amaiorfacilidade.Sentou-secomacautelaoriundadejuntasenrijecidasedisse:

- Voceme chamou, Peter, porque estametido numa complicaçao. Caso contrario,vocêprefeririaver-memorta,amaisdeumquilômetrodedistância.

-Ora,Susan...-Nadadeperdertempo loreandoaconversa.Quandoeutinhaquarentaanos,nunca

tivetempoparadesperdiçarecertamenteagoratambemnaootenho.AmortedeMadariane sua chamada sao, ambas, fora do comum, de forma que deve haver uma ligaçao. Doiseventosforadocomumsemumaligaçaoeumaprobabilidadetaodifıcildeocorrerquenemvaleapenasepreocuparcomela.Comecepeloprincıpioenaosepreocupesepensarqueestádandoaimpressãodeserumtolo.Issoeujápercebihámuitotempo.

Penosamente,Bogertpigarreouecomeçou.Susanprestavaatençãocuidadosamente,suamaosecaerguendo-sedevezemquandopara interrompe-lo,de formaapoder fazerumapergunta.

Houveummomentoemqueelabufou.-Intuiçaofeminina?Eraparaissoquevocequeriaorobo?Voces,homens...Tendode

sedefrontarcomumamulherquechegaaumaconclusaocorretaeincapazesdeaceitaremo fato de que ela e igual ou superior em inteligencia a voces, inventam alguma coisachamadadeintuiçãofeminina.

-Bem,istoé...sim,Susan,masmedeixecontinuar...Eprosseguiu.QuandoouviufalardavozdecontraltodeJane,Susandisse:-Asvezesedifıcilescolhersedevemosnossentirrevoltadascomosexomasculino

ousimplesmentecolocá-lonumplanodecoisasdesprezíveis.-Esta certo,masmedeixecontinuar... - falouBogert.Quandoele terminoudevez

Susandisse:-Poderiausarparticularmenteestasala,porumahoraouduas?-Sim,mas...- Quero examinar varios registros: a programaçao de Jane, os telefonemas de

Madarian, as entrevistas que voce fez em Flagstaff. Suponho que posso usar este belotelefoneselado,deraioslasereseuterminaldecomputador,seeuodesejar.

-Sim,naturalmente.-Nessecaso,então,foradaqui,Peter.AindanãotinhamdecorridoquarentaecincominutosquandoSusansearrastoucom

dificuldadeatéaportaechamouBogert.Quando ele veio, Robertson o acompanhava. Ambos entraram, e Susan saudou o

últimocomum“Alô”,sementusiasmo.Desesperadamente,BogerttentousondarosresultadospelorostodeSusan,masera

apenasorostoseverodeumavelhasenhoraquenaotinhaintençaonenhumadetomarascoisasfáceisparaele.Cautelosamente,Bogertdisse:

-Vocêachaqueháalgumacoisaquevocêpossafazer,Susan?-Alémdaquiloquejáfiz?Não!Nãohánadamais.OslábiosdeBogertsecontraíramdolorosamente.Robertson,porém,disse:-Quefoiquevocêjáfez,Susan?- Pensei um bocadinho, alguma coisa que nao penso que possa convencer outra

pessoa a fazer. Houve uma razao para eu pensar em Madarian, que eu conhecia, comosabem. Inteligente ele era,mas de uma extroversao irritante. Pensava que voce gostavamaisdeledoquedemim,Peter.

Bogertnãoconseguiuevitardedizer:-Foiumamudança.-E,assimqueobtinhaumresultado,nomesmoinstanteelecorria asuapresença,

nãoé?-Sim,eraassim.-Nãoobstante-prosseguiuSusan-aúltimamensagemdele,aquelaemquediziaque

Janetinhaaresposta, foienviadadoaviao.Porqueeleesperoutanto?PorqueelenaosecomunicoucomvocequandoaindaestavaemFlagstaff,imediatamentedepoisdeJaneterditofosseláoquefosse?

-Acredito -dissePeter -quepelomenosumavezelequis terabsolutacertezae...bem,seila.Eraomaisimportantefatoquejamaislheacontecera,pelomenosumavezelequereriaesperaresecertificar.

-Pelocontrario,quantomaisimportantefosse,menoseleesperaria,comcerteza.E,casoeleconseguisseseconter,conseguisseaguardar,porqueelenaoagiucorretamente,esperandoestardevoltaaU.S.Robots,deformaapoderconferirosresultadoscomtodooequipamentodecomputaçaoquea irmacolocariaadisposiçaodele?Resumindo,sobumpontodevista,eleesperoudemais,e,soboutro,nãoesperouosuficiente.

Robertsonainterrompeu.-Vocêacreditaentãoqueeletolerandoalgumaimpostura...Susanpareceurevoltada.- Nao tente competir com Peter, fazendo observaçoes inocuas, Scott. Deixe-me

prosseguir...Umsegundoaspectodizrespeitoatestemunha.Deacordocomosregistrosdaultimacomunicaçao,Madariandisse: -OcoitadodorapazpuloucomosdoispesquandosubitamenteJanecomeçouadesenrolararespostacomsuavozqueeumgorjeio.-Foi,naverdade,aultimacoisaqueeledisse.Pergunto,entao:porqueatestemunhadeuumpulo?Madariantinhaditoquetodososhomensestavammalucoscomavozdela,equetinhamestadodezdiascomorobo,comJane.Entao,porqueraiososimples fatodeela falarosteriasobressaltado?

Bogertdisse:-AdmitoquefoiespantopelofatodeJanedairespostaaumproblemaquedurante

quaseumséculotemocupadoamentedosplanetólogos.-Maselesestavamesperandoqueeladessearesposta,paraissoelaestavala.Alem

disso,vamosconsideraramaneiracomoafraseecomposta.Aa irmaçaodeMadarianfazverquea testemunha icousobressaltada,naoespantada,se equevoceveadiferença.Emais:essareaçaoocorreu“quandoJanesubitamentecomeçou”,noutraspalavras,noexatoinıciodadeclaraçao.Para icarespantadacomoconteudodoqueJaneteriaditoexigiriaquea testemunha tivesse prestado atençao por algum tempo, de forma a poder apreender adeclaraçao. Madarian teria dito que a testemunha pulara com os dois pesdepois de terouvido Janedizer istoeaquilo.Seria “depois”enao “quando”enao teria sido incluıdaapalavra“subitamente”.

Poucoàvontade,Bogertdisse:-Naoachoquevalhaapenaentraremminuciastaiscomoousoounao-usodeuma

palavra.-Posso-replicouSusanfriamente.-Possoporquesoupsicologaderobos.Eposso

admitirquetambemMadariano izesse,vistoqueeletambemeraumpsicologoderobos.Temosdeexplicarestasduasanomalias,portanto.Aestranhademora,antesdochamadodeMadarian,eaestranhareaçãodatestemunha.

-Evocêpodeexplicarambososfatos?-perguntouRobertson.-Logico-disseSusan-vistoqueminhalogicaebemsimples.Madarianentrouem

contactoparadizerasnovidadessemdemora,comosemprefez,oucomomínimodeatrasopossıvel. Se Jane tivesse resolvido o problema em Flagstaff, certamente que ele teriachamado de lamesmo. Visto que chamou do aviao, com toda certeza a robo resolveu oproblemadepoisdeteremdeixadoFlagstaff.

-Masentão...- Deixe-me terminar. Deixe-me terminar. Madarian nao foi transportado do

aeroportoparaFlagstaffnumpesadoveıculo, fechado?EJanenaoestavanumengradado,comele?

-Sim.- E, presumivelmente, Madarian e Jane retornaram de Flagstaff ao aeroporto no

mesmoveículopesado,comumreboqueparaJane.Estoucerta?-Claroqueestá!- E tem mais: eles nao estavam sozinhos no veıculo. Numa de suas chamadas,

Madarian disse: “Fomos transportados do aeroporto para o principal edifıcio deadministraçao”, e suponho que estou certa ao concluir que havia ummotorista, um serhumano,noveículo.

-SantoDeus!-O seu problema, Peter, e que, ao pensar numa testemunha para umadeclaraçao

planetologica,vocepensaemplanetologos.Vocedivideossereshumanosemcategorias,menosprezandoepondodeladoamaioria.Umrobonaopodefazerisso.APrimeiraLeidiz:“Umrobonaodevefazermalaumserhumanoou,porinaçao,permitirqueumserhumanosofraqualquermal”.Qualquerserhumano.Estaeaessenciadavisaoroboticadavida.Umrobonaodistingue.Paraumrobo,todososhomenssaoverdadeiramenteiguais,eparaumpsicologode robosqueprecisa, compulsoriamente, lidar comhomensemnıvel robotico,tambémtodososhomenssãoverdadeiramenteiguais.

-NaoteriaocorridoaMadariandizerqueummotoristadecaminhaoteriaouvidoadeclaraçao. Para voce, um motorista de caminhao nao e um cientista, mas apenas umapendice animado do caminhao,mas paraMadarian omotorista era um homem e umatestemunha.Nadamais,nadamenos.

Descrente,Bogertmeneouacabeça.-Masvocêtemcerteza?-Logicoque tenho.Dequeoutramaneirapoderiaeu lheexplicarooutroaspecto,

quer dizer, a observaçao deMadarian relativamente a estupefaçao da testemunha? Janeestavaengradada,nãoémesmo?Masnãoestavadesativada.Deacordocomasinformações,Madariansempresemostrouobstinadonoquedizrespeitoadesativaçaodarobointuitiva.Emais: como qualquer das Janes, Jane-5 era extremamente nao-falante. Provavelmente,jamaisteriapassadopelacabeçadeMadarianordenaraelaque icassecalada,dentrodoengradadoefoidentrodoengradadoque,por im,acoisaaconteceu.Comnaturalidade,elacomeçouafalar.Desubito,umabelavozdecontraltoveiodedentrodoengradado.Fosse

voce motorista do caminhao, que e que voce faria, a estas alturas? Logico que icariasobressaltado.Éatédeadmirarquenãotivessehavidoumatrombada.

- Mas se o motorista do caminhao era a testemunha, por que e que ele nao seapresentou?Porque?VocenaoachaqueMadarianograti icoumuitobem,pedindo-lhequenãocontassenada?VocêgostariaqueseespalhasseanotíciadequeumrobôativadoestavasendotransportadoilegalmentesobreasuperfíciedaTerra?

-Estábem,masseráqueeleselembradoquefoidito?-Porquenao?Avocepoderiaparecer,Peter,queummotoristadecaminhao,umser

pouco superior ao macaco, segundo sua opiniao, nao se lembraria. Mas motoristas decaminhao tambem podem ter cerebro. As declaraçoes foram das mais notaveis e omotoristapodemuitobemtermemorizadoalgumas.Mesmoqueeleseequivoquequantoaalgumasletrasenumeros,estamoslidandocomumconjunto inito,sabe,asquinhentasecinquentaestrelasousistemasdeestrelasnoraiodeoitentaanos-luzoucoisaparecida,nãochegueiaaveriguaronumeroexato.Vocepodefazerasescolhascorretas.E,senecessario,terátodososargumentosparausarapsicoprova...

Osdoisaencararamfixamente.Porfim,comreceiodeacreditar,Bogertmurmurou:-Mascomoéquevocêpodetercerteza?Por ummomento, Susan esteve aponto de dizer: Porque entrei em contacto com

Flagstaff,seutonto,eporquefaleicomomotorista,eporqueelemecontouoqueouviu,eporqueconfericomocomputadoremFlagstaff,evimasaberquaisastresunicasestrelasqueseencaixamnainformação,eporquetenhoestesnomesemmeubolso.

Mas nao foi o que ela fez. Deixa-lo-ia chegar a suas proprias conclusoes.Cuidadosamente,elaseergueuedisse,sardonicamente:

-Comopossotercerteza?...Digamosquesejaintuiçãofeminina...

Dois clímax

Cadaumdestesdoiscontosepos-SusanCalvin.Saooscontoslongosmaisrecentes

queescrevisobreroboseemcadaumtentoumenfoquealongoprazoeverqualpoderiaser o im ultimo da robotica. E fecho o cırculo - pois muito embora continue aderindoestritamente asTres Leis, o primeiro conto, “...QueVosOcupeisDele”, e claramenteumcontodeRobo-como-Ameaça, aopassoqueo segundo, “OHomemBicentenario”,é aindamaisclaramenteumcontodeRobô-como-Pathos.

De todas as historias de robos que ja escrevi, “O Homem Bicentenario” e minhafavorita, e, penso, a melhor. De fato, tenho uma impressao assustadora de que naoconseguirei supera-la, e nunca escreverei outro conto serio sobre robos. Mas, de novo,semprepoderia.Nãosousempreprevisível.

30- ... Para que vos ocupeis dele

AsTrêsLeisdaRobótica:1.Umrobônãodevefazermalaumserhumanoou,porinação,permitirqueumser

humanosofraqualquermal.2.Umrobôdeveobedeceraqualquerordemdadaporumserhumano,desdequeessa

ordemnãointerfiracomaexecuçãodaPrimeiraLei.3.Umrobôdeveprotegerasuaexistência,desdequeestaproteçãonãointer iracoma

PrimeiraeSegundaLeis.

1.KeithHarriman,queagorajacontavacomdozeanoscomoDiretordePesquisasda

United StatesRobots andMechanicalMen, Inc., achava que absolutamente nao podia tercertezaseestavaagindocerto.Apontadesualınguapassavasobreseuslabios,grossosmasumtantodescorados.E,paraele,pareciaqueaimagemhologra icadagrandeSusanCalvin,queestavaacimadele,estática,semsorrir,nuncalhepareceraantestãosombria.

Poucoavontade,eleapagouaquelaimagemdamaiorroboticistadahistoriaporqueela o enervava. (Ele tentava encarar a imagem como sendo algo destituıdo de vida,masnuncativerasucessonisso.)Destavezelenemsequerousoueoolhar ixodela,dehamuitomorto,perturbava-o,mesmovistodeesguelha.

Eleteriadedarumpassoincômodoehumilhante.EmfrentedeleestavaGeorgeTen,calmo,naoafetadoquerpelavisıvelinquietaçao

deHarriman,querpela imagemda santapadroeirada robotica, a fulguraremseunicho,maisacima.

Harrimandisse:- Na verdade, George, nao tivemos ate agora oportunidade de falar abertamente

sobre isto. Faz tanto tempo que voce nao tem estado conosco e nao tive uma boaoportunidadedeestara sos comvoce.Agora,porem,gostariadediscutiroassunto comalgunsdetalhes.

-Bemqueeuquerofazerisso-falouGeorge.-EmminhapermanencianaU.S.Robots,chegueiaperceberqueacrisetemalgumacoisaavercomasTrêsLeis.

-Sim.Naturalmente,vocêconheceasTrêsLeis.-Conheço.-Sim,seiquevoceconhece.Masvamosescavarmaisfundoeconsideraroproblema

verdadeiramentebasico.Emdois seculosde,permita-medize-lo, consideravel sucesso,aU.S.Robotsnuncatentoupersuadirossereshumanosaaceitaremosrobos.Socolocamosrobosondeseexigetrabalhoquesereshumanosnaopodemfazer,ouemambientesqueosseres humanos consideram inaceitavelmente perigosos. Os robos tem trabalhado

principalmentenoespaçoeistolimitaoquetemossidocapazesdefazer.- Isso - falouGeorge - com todasegurança representaumamplo limite,dentrodo

qualaU.S.Robotspodeprosperar.- Nao, por duas razoes. Em primeiro lugar, as fronteiras que nos sao impostas

inevitavelmentesecontraem.NocasodacolônianaLua,porexemplo,conformeelasetornamaisso isticada,diminuisuanecessidadederobos,eateesperamosque,dentrodealgunsanos, os robos sejambanidosdaLua. E isto se repetira em cadamundo colonizadopelahumanidade. Em segundo lugar, a verdadeira prosperidade e impossıvel sem robos naTerra.Nos,aquinaU.S.Robots,acreditamos irmementequeossereshumanosprecisamderobos e precisam aprender a viver com seus analogosmecanicos se se quisermanter oprogresso.

-Eelesnaoaprendem?Osenhor tememsuamesa,Sr.Harriman,um terminaldecomputador que, assim entendo, esta ligado com o Multivac da organizaçao. Umcomputador eumaespeciederobo sessil, sempes,umcerebroderobonao ligadoaumcorpo...

-Everdade:masistotambemelimitado.Oscomputadoresusadospelahumanidadetemsido invariavelmenteespecializadosparaevitarhumanizardemaisuma inteligencia.Umseculoatrasestavamosbemacaminhodeumainteligenciaarti icialdetipoilimitadoatravesdousodegrandescomputadoresquedenominavamosdeMaquinas,Maquinasquelimitavamsuaaçaodeacordocomelasmesmas.Umavezqueelasresolveramosproblemasecologicosqueameaçavamasociedadehumana,elaspropriassedefasaram.Continuaremaexistir,assimraciocinaram,ascolocarianopapeldemuletasparaahumanidade.E,umavezque os robos perceberamque istomagoaria os seres humanos, eles se condenarama simesmos,pelaPrimeiraLei.

-Eelesestavamcertos,aoagiremassim?-Emminhaopiniao,nao.Porsuaaçao,reforçaramocomplexodeFrankensteinda

humanidade, no ıntimo, temem que qualquer homem arti icial que criassem se voltariacontraseucriador.Oshomenstememqueosrobôspossamsubstituirossereshumanos.

-Evocêpróprionãoreceiaisto?-Seimaisdoque isso:enquantoexistiremasTresLeisdaRobotica,naopoderao.

Poderao servir deparceiros da humanidade, podem tomar parte na grande luta paraentenderem e sabiamente dirigirem as leis da natureza, de forma que, juntos, robos ehomenspossamfazermaisdoqueoshomenssozinhos.Massempredeumamaneira talqueosrobôssirvamaossereshumanos.

-Mas,senodecorrerdedoisseculosasTresLeisprovaramqueconseguemmanteros robos dentro dos limites, qual a fonte do descredito dos seres humanos para comosrobôs?

-Bem-disseHarriman,cocandosuacabeçavigorosamente,demaneiratalqueseuscabelos grisalhos se juntavam em tufos -mais por superstiçao, e claro. Infelizmente, hatambem alguns aspectos complexos em jogo, dos quais se aproveitam agitadores anti-robôs.

-ComrelaçãoàsTrêsLeis?-Sim,particularmenteaSegundaLei.NaohaproblemanaTerceiraLei,comosabe:

elaeuniversal.Osrobossempreprecisamsesacri icarpelossereshumanos,qualquerser

humano.-Logicamente-disseGeorgeTen.-TalvezaPrimeiraLeisejamenossatisfatoria,vistoquesempreepossıvelimaginar

uma condiçao emqueumroboprecisedesempenharou aAçaoAouaB, asduas sendomutuamente restritas, sendo que qualquer uma das duas açoes resultara em dano parasereshumanos.Consequentemente,oroboprecisaselecionarcomrapidezqualdasaçoescausaramenordano.Naoefacilexercitarospassospositronicosdocerebrodeumrobodemaneira que ele possa fazer a possıvel seleçao. Se a Açao A redundar emdano para umtalentoso jovemartistaeaBfacilmenteresultarnumdanoequivalenteemcincopessoasmaisidosassemméritoparticular,qualaçãoseráescolhida?

-AAçãoA-falouGeorge.-Danoparaumémenosdanoqueparacinco.- Sim, sempre os robos foram planejados para decidirem dessamaneira. Sempre

pareceu impraticavel esperar que os robos julgassem delicados aspectos como talento,inteligencia,autilidadegeraldeumapessoaparaasociedade.Istoprotelariaadecisaoateum ponto tal em que o robo estaria efetivamente imobilizado. A isto chegamos porestatısticas. Felizmente, poucas sao as crises em que os robos precisam tomar decisoesdestenaipe...Isto,todavia,nosconduzàSegundaLei.

-ALeidaObediência.-Sim:econstanteanecessidadedeobediencia.Umrobopodeexistirdurantevinte

anossemjamaisterdeagirprontamenteparaimpedirdanoaumserhumano,ouseachardiantedanecessidadedesearriscaraserdestruıdo.Contudo,durantetodoestetempo,eleestaráconstantementeobedecendoaordens...Ordensdequem?

-Desereshumanos.-Dequalquerserhumano?Comopodevocejulgarumserhumano,apontodesaber

sedeveobedecer-lheounão?!...Queéohomem,“paraqueVosocupeisdele”,George?Nesteponto,Georgehesitou.Apressadamente,Harrimanretomouapalavra.-Umacitaçaobıblica.Istonaoimporta.Querodizer:umrobodeveseguirasordens

deumacriança?Oudeumidiota?Oudeumcriminoso?Oudeumapessoaperfeitamentedecente, inteligente, mas que aconteça de ser inabil e, por conseguinte, que ignore asconsequencias indesejaveis de uma ordem sua? E se dois seres humanos derem ordensconflitantesaumrobô,qualdelasorobôdeveráseguir?

-Mas,emduzentosanos-falouGeorgeTen-seraqueproblemasdestetiponaosemanifestaramenãoforamresolvidos?

Sacudindo energicamente a cabeça, Harriman respondeu: -Nao! Temos sidoembaraçados pelo proprio fato de nossos robos terem sido utilizados unicamente emambientes especializados, la fora, no espaço, onde os homens que com eles lidam saoperitosemseuscampospro issionais.Naohacrianças,naohaidiotas,naohacriminosos,nem ignorantes bem intencionados presentes. Mesmo assim, ocasioes houve em queocorreu dano devido a ordens idiotas ou simplesmente impensadas. Tais danos, emambientes especializados e limitados, puderam ser refreados. Na Terra, entretanto, osrobôstêmdeterdiscernimento,porquesenaoosdiabos,aquelesqueestaocontraosrobos,continuamsustentandoqueestãocertos.

-Entãovocêprecisainserirnocérebropositrônicoacapacidadedediscernimento.

-Exatamente.Começamosa reproduzirosmodelos JG,nosquaisos robospodemavaliar cada ser humano em relaçao ao sexo, idade, posiçao social e pro issional,inteligência,maturidade,responsabilidadesocialeassimpordiante.

-EcomoistoafetariaasTrêsLeis?-ATerceiraLei,demaneiranenhuma.Mesmoomaisvaliosodosrobosprecisase

autodestruiremproldomaisinutilserhumano.Naopodemosalterarisso.APrimeiraLeiso e afetadaquandoqualqueraçaoalternativaproduzirdano.Aqualidade,assimcomoaquantidadedesereshumanosemquestao,precisaserlevadaemconsideraçao,desdequehajatempoparatalavaliaçaoebaseparaela,oquenaoseramuitofrequente.ASegundaLeiequeseraamaisprofundamentemodi icada,vistoquecadaobedienciaempotencialdevepor em jogo um discernimento. A obediencia do robo sera mais lenta, exceto quandotambémestiveremquestãoaPrimeiraLei,maseleobedecerámaisracionalmente.

-Masosdiscernimentosrequeridossãomuitocomplicados.-Muito. A necessidade de proceder a tais discernimentos tornou tao lentas as

reaçoes de nossa primeira dupla de modelos, a ponto de se paralisaram. Nos modelosposteriores izemosaperfeiçoamentosascustasda introduçaode tantasnovas trilhasnocerebrodosrobosqueosseuscerebrossetornaramvolumososdemais.Contudo,emnossoultimopardemodelosacreditoquetemosoquequerıamos.Orobonaotemdefazerumjulgamento instantaneo sobre omerito de um ser humano e o valor de suas ordens. Elecomeçaobedecendoatodosossereshumanos,comoqualquerrobocomumofaria,eentaoequeeleaprende.Umrobocresce,aprende,eamadurece.Eoequivalentedeumacriançaeprecisaestarsobconstantesupervisao.Porem,amedidaquecresce,elepodemaisemaisicar sem supervisao, na sociedade terrestre. Finalmente, e um membro pleno dessasociedade.

-Seguramenteissorespondeàsobjeçõesdosqueseopõemaosrobôs.-Nao-replicouHarriman,irritado.-Agoraantepoemoutrasobjeçoes.Naoaceitarao

odiscernimentodosrobos.Dizemqueumrobonao temodireitodemarcarestapessoacomosendoinferioraquela.SeumroboaceitaordensdeApreferencialmenteasdeB,estaferreteando B, rotulando-o comomenos importante do que A, e, neste caso, os direitoshumanosdeBforamviolados.

-Equaléarespostaparaisso?-Nenhuma.Jádesisti.-Estouvendo...-Noquemetoca...Transfiro-lheoproblema,George.- Paramim? - A voz de George Ten permaneceu nomesmo tom. Havia nela uma

brandasurpresa,masquenãooafetavaostensivamente.—Porqueparamim?Tensamente,Harrimansemanifestou:-Porquevocenaoeumhomem.Eulhedissequequeroqueosrobossejamparceiros

desereshumanos.Queroquevocêsejameuparceiro.Num gesto singularmente humano, George ergueu as maos e exibiu-as, com as

palmasvoltadasparaooutro:-Equeéqueeupossofazer?-Pode-lheparecer,de inıcio,quevocenaopodefazernada,George.Nao fazmuito

tempoque voce foi criado: ainda e uma criança. Voce foi planejadodemodo a nao icar

repleto de informaçoes originais. Por isso tive de lhe explicar a situaçao com tantosdetalhes,deformaadeixarespaçoparadesenvolvimento.Massuamenteevoluiraevocesera capaz de abordar o problema sob um ponto de vista nao humano. Onde eu naovislumbrarsolução,podeserquevocê,deseuenfoque,diviseuma.

-Meucerebrofoidesenhadoporsereshumanos.Dequemaneiraelepodesernaohumano,-indagouGeorgeTen.

-VoceeoultimodosmodelosJG,George.Seucerebroeomaiscomplicadoqueatehoje planejamos, de certa maneira mais sutilmente complicado do que o das velhasMaquinasGigantes.Eleeaberto,e,começandocomumabasehumana,podera,istoe,semduvida alguma crescera em qualquer direçao. Permanecendo sempre dentro dasintransponıveisfronteirasdasTresLeis,naoobstantevocevirasetornarcompletamentenãohumanoemseupensamento.

- Voce conhece su icientemente seres humanos para abordar racionalmente esseproblema?Sobreahistóriadeles?Apsicologiadeles?

-Claroquenão.Masvocêpoderáaprendertãorapidamentequantoécapaz.-Tereiajuda,Sr.Harriman?-Nao.Este eumassunto inteiramenteentrenosdois.Ninguemmaissabedistoe

vocenaodevemencionaresteprojetoanenhumapessoa,sejanaU.S.Robots,sejalaondefor.

GeorgeTendisse:-Seraqueestamosfazendoalgumacoisaerrada,Sr.Harriman,paraosenhorquerer

manteristoemsegredo?-Nao,masuma soluçao robo nao sera aceitaprecisamentepor ser originalmente

robotica.Qualquer soluçaoque voce tenha a sugerir recaira sobremime, semeparecerválida,euaapresentarei.Jamaisalguémsaberáqueelaproveiodevocê.

- A luz do que voce disse anteriormente, este e o procedimento correto... - disseGeorgeTen,calmamente.-Quandocomeço?

- Agoramesmo. Vou tomar as providencias para que voce tenha todos os ilmesnecessáriosparaoexamedaquestão.

Harriman sentou-se, sozinho. No interior de seu escritorio, arti icialmente

iluminado,naohaviaindicaçaodequelaforaescurecera,Elenaopercebia,naverdade,quejasetinhampassadotreshorasdesdequeconduziraGeorgeTendevoltaaseucubıculo,laodeixandocomosprimeirosfilmesdereferência.

Estava agora sozinho, simplesmente com o fantasma de Susan Calvin, a brilhanteroboticistaque,praticamentesemajudadeninguem, izeraumrobopositronicoevoluirdeumbrinquedomaciçoparaomaisdelicadoeversatilinstrumento,taodelicadoeversatil,queohomemnãoousavausá-lo,porinvejaereceio.

Agora ja fazia mais de um seculo que ela falecera. O problema do complexo deFrankensteinexistiranotempodela,eelanuncaoresolvera.Nuncaelaotentararesolver,porquenaohavianecessidade.NostemposdeSusan,aroboticasedesenvolveradeacordocomasnecessidadesdaexploraçãoespacial.

Haviasidoopropriosucessodosrobosquediminuıraanecessidadequeoshomenstinhamdeles,equetinhadeixadoHarriman,nestesúltimostempos...

Porem, Susan Calvin poderia ter se voltado para os robos em busca de auxılio.Seguramente,poderia...

Eláficouelesentado,enquantoanoitedecorria.

2.Maxwell Robertson era o maior acionista da U.S. Robots, sendo assim seu

superintendente.Suaaparencianaoera,deformaalguma,deimpressionar.Jaestavabemnameia-idade,umtantorechonchudo.Etinhaocostumede icarmordendoocantodireitodeseulábioinferiorquandoestavaperturbado.

De qualquer maneira, em suas duas decadas de relacionamento com pessoas dogoverno,eletinhadesenvolvidoumamaneiradelidarcomelas.Tendiaausaradelicadeza,cedendo,sorrindo,esempretentandoganhartempo.

Mas as coisas estavam icando difıceis - e uma das grandes razoes para elas setornaremdifıceiseraGunnarEisenmuth.NaseriedeConservadoresGlobais,cujopodererainferiorsomenteaodoExecutivoGlobalnodecorrerdoseculoanterior.Eisenmuthcortavacaminho, cada vez mais, para a difıcil e cinzenta area de um compromisso. Ele era oprimeiro Conservador nao nascido nos Estados Unidos e, se bem que nao pudesse serdemonstrado de maneira alguma que o arcaico nome da U.S. Robots despertava suahostilidade,todosnaU.S.Robotsacreditavamnisso.

Houvera uma sugestao - de alguma forma a primeira naquele ano - ou naquelageraçao - de que o nome da empresa fossemudado paraWorld Robots,mas Robertsonnunca consentiria isto. Originalmente, a empresa tinha sido constituıda com capitalamericano,cerebrosamericanosetrabalhoamericano,eadespeitodeaempresatertidoatuaçao mundial, por seu proprio escopo, por sua propria natureza, o nome teria detestemunharaorigemdaempresaenquantoestivessesobocontroledele,Maxwell.

Eisenmuth era um homem alto, com um rosto triste e alongado, com textura efeiçoesgrosseiras.Dizia“Global”comumpronunciadoacentoamericano,sebemquenuncativesseestadonosEstadosUnidosantesdeassumirocargo.

-Paramim, istopareceperfeitamenteclaro,Sr.,Robertson.Naohadi iculdade.Osprodutosdesuaempresasãosemprealugados,nuncavendidos.SenãohámaisnecessidadedoqueedesuapropriedadeequeestaalugadonaLua,cabeaosenhorreceberdevoltaosprodutosetransferi-los.

- Sim, Conservador, mas onde? Seria contra a lei traze-lo de volta a Terra sempermissãogovernamentaleelafoinegada.

-NaoseriamuteisparavocesaquinaTerra.Podeleva-losparaMercurioouparaosasteróides.

-Equeéquefaríamoscomelesporlá?Eisenmuthficoucarrancudo.-Osinteligenteshomensdesuaempresapensarãonumasolução.Robertsonmeneouacabeça.

-IssorepresentariaumaenormeperdaparaaU.S.Robots.-Receioquesim-retrucouEisenmuth,semsedeixardemover.-Estousabedorde

queaU.S.Robotsháváriosanostemtidoprejuízos.-Emgrandeparte,Conservador,devidoàsrestriçõesgovernamentais.- O senhor precisa ser realista, Sr. Robertson. Bem sabe que o clima da opiniao

públicaécadavezmaiscontraosrobôs.-Oqueestámuitoerrado,Conservador.-Masassimsaoascoisas.Seriamaisinteligenteencerrarasatividadesdaempresa.

Naturalmentequeistoéumamerasugestão.-Massuassugestoestemforça,Conservador.Seranecessariodizer-lhequenossas

Máquinas,umséculoatrás,resolveramacriseecológica?- Estou certo de que a humanidade esta grata, mas isso foi ha cem anos atras.

Vivemos agora em aliança com a natureza, mesmo que isto de vez em quando sejadesconfortável,eopassadoestáobscurecido.

-Estáquerendodizer...peloquefizemosultimamentepelahumanidade?-Acreditoquesim.- Mas de maneira alguma se pode crer que encerramos de uma hora para outra

nossasatividades,nãosemenormesprejuízos.Precisamosdetempo.-Quanto?-Quantotempopodenosdar?-Nãodependedemim.Delicadamente,Robertsondisse:-Estamossozinhos.Nãopodemosbrincar.Quantotempopodenosdar?AexpressaodeEisenmutheraadeumapessoa refugiando-seemsimesma,para

cálculosbemlánoseuíntimo.-Pensoquepodecontarcomunsdoisanos.Sereifranco:ogovernoglobalpretende

assumirocontroledaU.S.Robotseporvoceparafora,sevocenaoseretirarantes.Maisoumenos, e isto que pretendem. E, a nao ser que haja uma enorme mudança na opiniaopública,coisadequeduvidomuito...-emexeuacabeçaparaumladoeparaooutro.

-Doisanos,então-disseRobertsondelicadamente.Robertsonsentara-se,sozinho.Naohaviapropositonoquepensava,eseuraciocınio

acabaravirandoretrospecçao.QuatrogeraçoesdeRobertsonstinhamdirigidoaempresa,sendoquenenhumdeleseraroboticista.TinhahavidohomenscomoLanningeBogert,e,acimadetudo,acimadetodos,SusanCalvin,quetinhafeitodaU.S.Robotsoqueelaera.Eracerto,contudo,queosquatroRobertsonstinhampropiciadooclimaquetornarapossıvelotrabalhodeles.

SemaU.S.Robots,oSeculoVinteeUmteriacaminhadoparaumcrescentedesastre.IstonaosedeviaasMaquinasque,porumageraçao,haviamguiadoahumanidadeemmeioàscorredeiraseaosescolhosdahistória.

E, para isto, davam-lhe agora dois anos.Que se poderia fazer, emdois anos, paravencerosinsuperáveispreconceitosdahumanidade?Elenãosabia.

Esperançosamente, Harriman falara sobre novas ideias, sem entrar em detalhes,porém.EpelasimplesrazãodequeRobertsonnãoentenderiapatavina.

Dequalquer forma,porem,quepoderiaHarriman fazer?Que e quealguem jamaistentarafazercontraaintensaantipatiaqueaspessoassentiamcontraaU.S.Robots?!Nada...

Robertsonmergulhounumasonolênciaquenenhumainspirarãolhetrouxe.

3.-Agoravocetemtudo,GeorgeTen-disseHarriman.-Estadepossedetudoquanto

pensoquesejaaplicavelaoproblema.Noquedizrespeitoainformaçaopurapropriamentedita,vocejaarmazenoumaisemsuamemoriasobreossereshumanoseseumododeser,nopassadoenopresente,doqueeuouqualquerserhumanopoderiaterfeito.

-Ébemprovávelquesejaassim.-Vocêachaqueprecisadealgumacoisamais?-Noquetangeainformaçoes,naovejo“furos”evidentes.Podeserque,noslimites,

hajaassuntosemqueaindanaocogitamos.Naoseidizer.Masissosucederiapormaiorquefosseocírculodeinformaçõesqueeurecebesse.

- E verdade. Nem nos teremos mais tempo para recolher novas informaçoes.Robertsonme falouque temosapenasdois anos e aquartapartedessesdois anos ja seescoou...Temalgoasugerir?

-Pororanada,Sr.Harriman.Precisosopesarasinformaçoeseparatantoprecisodeajuda.

-Minha?-Nao,naoparticularmentedosenhor,porqueosenhoreumserhumanoaltamente

quali icadoeoquequerquemedigateraaforçaparcialdeumaordemquepoderainibirminhas deliberaçoes. E tambem nao e ajuda de nenhum outro ser humano, pelamesmarazãoe,especialmente,porquemeproibiudemecomunicarcomqualquerserhumano.

-Mas,nestecaso,George,queajuda?-Deoutrorobô,Sr.Harriman.-Queoutrorobô?-ForamconstruídosoutrosrobôsdasérieJG.SouoJG-10e,portanto,odécimo.-Osprimeirosnãoserviamparanada,eramexperimentais...-ExisteGeorgeNine.-Estacerto,masparaqueserviriaele?Descontandocertascoisasquefaltamaele,

parece-memuitocomvocê.Vocêéconsideravelmentemaisversátildoqueele.-Euseidisso-falouGeorgeTen,meneandocomgravidadeacabeça.-Naoobstante,

assimqueeucrieumalinhadepensamento,omerofatodeeucria-lafazcomqueaaprove,sendo-medifıcil po-la de lado. Se eu puder, apos desenvolver uma linha de pensamento,exprimi-laaGeorgeNine,eleaconsiderariasematercriado.Destarte,eleaencarariasempreconceitos.Poderiaverfaltasefalhasqueeunãovejo.

Harrimansorriu.-Emoutraspalavras,duascabeçaspensammelhorqueuma,hem,George?-Secom isso,Sr.Harriman,osenhorquerdizerduaspessoaspensandocomuma

cabeçasó,sim.-Certo.Quermaisalgumacoisa?-Sim,algomaisdoque ilmes.Pondereimuitosobreossereshumanoseseumundo.

TenhoobservadoaspessoasaquinaU.S.Robotsepossoaquilatarminhainterpretaçaodoquetenhovistoconfrontadacomminhasimpressoessensoriais.Omesmonaoseaplicaaomundofısico.Nuncaovi,masaideiaquetenhobastaparamedizerquedemaneiraalgumaoqueaquimerodeiarepresentaomundofísico.Gostariadevê-lo.

- O mundo fısico? - Harriman pareceu atordoado com a grandeza daquelepensamento,porummomento.-NaoestaquerendomesugerirqueeulevevoceparaforadasinstalaçõesdaU.S.Robots?

-Sim,essaéminhasugestão.-Issosemprefoiilegal.E,noclimaemqueestaaopiniaopublicahojeemdia,seria

fatal.- Isso se formos detectados. Nao estou sugerindo que me leve a uma cidade ou

mesmoaumacasa.Gostariadeveralgumaregiãoaberta,semsereshumanos.-Issotambéméilegal.-Seformosapanhados.Masprecisamosser?...-Masseráqueissoéabsolutamenteindispensável,George?-perguntouHarriman.-Nãoseidizer,masmeparecequeseriaútil.-Emqueestápensando?GeorgeTenpareceuhesitar.-Naoseidizer,masmeparecequealgumacoisapoderiameviramentesefossem

reduzidascertasáreasdeincerteza.-Bem,deixe-mepensarnocaso.E,entrementes,voumeinformarsobreGeorgeNine

eprovidenciarparaquevocesdoisocupemomesmocubıculo.Pelomenos istopodeserfeitosemproblemas.

GeorgeTensentou-se,sozinho.Aceitava a irmaçoes experimentalmente, reunia-as e esboçava uma conclusao,

repetidas vezes. E, a partir das conclusoes, elaborava outras a irmaçoes, que aceitava etestava, e nas quais achava uma contradiçao, rejeitando-as em seguida, ou nao achavacontradiçãoepassavaadiante,experimentalmente.

Nao se sentia entusiasmado por nenhuma das conclusoes a que chegara, nemsurpresaousatisfação,apenasumtomdemaisoumenos.

4.Mesmoapos terematerrissadosilenciosamentenapropriedadedeRobertson,nao

diminuíravisivelmenteatensãodeHarriman.Robertsontinhaassinado,comorati icaçao,aordem,pondoadisposiçaoodinafolio

easilenciosaaeronave,quecomamesmafacilidadesemovianahorizontalenavertical,

era su icientemente ampla para suportar o peso de Harriman, de George Ten, e,logicamente,tambémodopiloto.

(O proprio dinafolio era uma das consequencias da invençao, catalisada pelaMaquina, damicropilhaprotonica, que fornecia energia isentadepoluiçao, empequenasdoses.Paraoconfortohumano,nadade igual importancia tinhasido feito;naoobstante,naohaviagratidaoparacomaU.S.Robots.OslabiosdeHarrimansecrisparamquandoeleselembroudisso.)

O voo entre as instalaçoes da fabrica e a propriedade de Robertson era a partearriscada. Tivessem sido detidos, e a presença de um robo a bordo teria signi icado ummonte de complicaçoes. Na volta, seria a mesma coisa. Quanto a permanencia napropriedade,poder-se-iaargumentar - esseargumentoseriausado-queaquelaerapartedosterrenosdaU.S.Robots,enessesterrenos,adequadamentesupervisionados,osrobospoderiammuitobempermanecer.

O piloto olhou para tras e seus olhos se detiveram com prudente brevidade, emGeorgeTen.

-Vaidescermesmo,Sr.Harriman?-Sim.-Orobôtambém?-Claro.-Eacrescentou,umtantoironicamente:-Naovoudeixarvocesozinhocom

ele...PrimeirodesceuGeorgeTen.Harrimanseguiu-o.Tinhamdescidonofolioportoeo

jardimnao estavamuito longe. Era uma verdadeira “exposiçao” eHarrimandescon iavaqueRobertsonfaziausodehormonios juvenisparacontrolaravidados insetos,semdarmuitaatençãoafórmulasambientais.

-Venha,George-disseHarriman.-Voulhemostrar.Juntos,caminharamnadireçaodojardim.

-Eumpoucocomoeuimaginava-a irmouGeorge.-Meusolhosnaosaoplanejadosparadetectaremdiferençasdecomprimentodeonda,de formaquenaopossodistinguirobjetosdiferentesporsisós.

- Con io em que voce nao icara zangado por ser cego a cores. Precisavamos demuitastrilhaspositronicasparaseusensodejulgamentoefomosincapazesdedesperdiçarquaisquertrilhasparaasensaçãodecor.Nofuturo,sehouverfuturo...

- Eu compreendo, Sr. Harriman. Subsistem diferenças bastantes para que eu meapercebadequeháaquimuitasformasdiferentesdevidavegetal.

-Semamenordúvida.Dúziasdelas.-Cadaumadasquais,biologicamenteco-igualaohomem.-Sim,cadaqualéumaespécieseparada.Hámilhõesdeespéciesdecriaturasvivas.-Dasquaisossereshumanossãoapenasumaespécie.-Entretanto,delonge,osmaisimportantesdentreosseresvivos.-Eparamim,Sr.Harriman.Masestoufalandonosentidobiológico.-Entendo.- De forma que, encarada atraves de todas as suas manifestaçoes, a vida e

incrivelmentecomplexa.-Sim,eisaıopontocrucialdoproblema.Aquiloqueohomemfazporseusproprios

desejos, para seu proprio conforto, afeta a totalidade do complexo dos seres vivos, aecologia,eseusganhosacurtoprazotrazemdesvantagensalongoprazo.Asmaquinasnosensinaram a construir uma sociedade humana queminimizaria as desvantagens, mas oquasedesastredoSeculoVinteeUmfezcomqueahumanidadepassasseadescon iardasinovações.Isto,acrescentadoaotemorespecialparacomosrobôs...

-Compreendo...Estoucertodequeistosejaumexemplodevidaanimal.-Éumesquilo,umadasmuitasespéciesdeesquilo.Acaudadoesquiloseagitouquandoelepassouparaooutroladodaárvore.-Eisto-disseGeorge,enquantoseubraçosemoviacomgranderapidez-emesmo

umacoisinhapequena.-Eletinhaa“coisinha”emseusdedoseaexaminavadetidamente.-Éuminseto,umaespéciedebesouro.Hámilharesdeespéciesdebesouros.-Sendoquecadaumdosbesourosétãovivoquantovocêeoesquilo?-Eumorganismotaocompletoe independentecomoqualqueroutro,noconjunto

totaldaecologia.Haorganismosmenoresainda:muitossaopequenosdemaisparaseremvistos.

-Eistoéumaárvore,nãoémesmo?Elaéduraaotoque....Opilotoestavasentado,sozinho!Bemqueelegostariadeesticaraspernas,masum

sombriosensodesegurançao faziamanter-senoaerofolio.Seaqueleroboescapassedocontrole,decolariaimediatamente.Mas,comosaberseeleestavaforadecontrole?

Tinha visto muitos robos. Inevitavel, visto que era o piloto particular do Sr.Robertson. Todavia, sempre os robos estavam nos laboratorios e nos depositos a quepertenciam,commuitosespecialistasporperto.

Eraverdade:oDr.Harrimaneraumespecialista.Ninguemmelhorqueele,diziam.Mas,umroboaqui,estavaeranumlugarondenenhumrobodeveriaestar:naTerra,numespaçoaberto,livreparasemover...Ele,opiloto,naoarriscariaseubomempregocontandoaquemquerquefosseoquepresenciava-masquenãoestavacerto,nãoestava.

5.GeorgeTendisse:-Emtermosdoqueoraestouvendo,os ilmesquevierambemexatos.Jaterminou

osqueselecioneiparavocê,Nine?-Sim-disseGeorgeNine.Osdoisrobosestavamsentadoshirtos,faceaface,joelhoa

joelho,comoumaimagemeseure lexo.Numrelance,oDr.Harrimanpoderiadizerquemeraumequemeraoutro,poisestavafamiliarizadocomasmenoresdiferençasnodesenhofısico.Mesmoquenaopudesseve-los,maspudessefalar-lhes,aindapoderiadistinguirumdo outro, ainda que comumpoucomenos de certeza, pois as respostas deGeorgeNineseriam sutilmente diferentes das produzidas pelos modelos positronicos das trilhas docérebrodeGeorgeTen,queerasubstancialmentemaisintricado.

-Nestecaso-disseGeorgeTen-de-mesuasreaçoesaoquevoulhedizer.Primeiro:os seres humanos temem os robos e nao creem neles porque os encaram comocompetidores.Comosepodeimpediristo?

-Reduzindo-seosensodecompetiçao-falouGeorgeNine-modelando-seorobodeumaformadiferentedadoserhumano.

-Assimmesmo,aessenciadeumrobo esuareproduçaopositronicadavida.Umaréplicadavidanumaformanãoassociadaaela,poderiadespertarhorror.

- Existemdoismilhoes de formas de especies de vida. Por que nao escolher umadessasespéciescomoformaemvezdeadeumserhumano?

-Qualdessasespécies?OsprocessosdepensamentodeGeorgeNine funcionaram sem ruıdoduranteuns

trêssegundos.- Uma forma su icientemente larga para conter um cerebro positronico, mas

nenhumaquepossuaassociaçõesdesagradáveisparaossereshumanos.- Nenhuma forma de vida terrestre possui uma caixa craniana su icientemente

grandeparaumcerebropositronico,anaoseradoelefante,quenaovi,masqueedescritocomosendomuitograndee,portanto, assustadorparaohomem.Comovoce enfrentariaestedilema?

-Vamosimitarumaformadevidaquenaosejamaiordoqueumhomemmascomumacaixacranianamaior.

GeorgeTendisse:- Entao, um cavalinho, ou um cachorrao, digamos? Tanto os cavalos como os

cachorrostêmantigashistóriasdeassociaçãocomossereshumanos.-Entãoestábem.- Mas, vejamos... Um robo com um cerebro positronico imitaria a inteligencia

humana.Sehouvesseumcavaloouumcachorroquepudessefalareraciocinarcomoumserhumano, tambem haveria competitividade. Os seres humanos poderiam ate icar maisdescrenteseirritadosaindacomestainesperadacompetiçaodoqueelesconsideramumaformainferiordevida.

- Façamos um cerebro positronicomenos complexo e o robomenos inteligente -falouGeorgeNine.

- O pontomais complexo do caso do cerebro positronico esta nas Tres Leis. UmcérebromenoscomplexonãopoderiapossuirasTrêsLeisemsuaplenitude.

Imediatamente,GeorgeNinereplicou:-Issonãopodeserfeito!-Tambemchegueiaestebecosemsaıda-a irmouGeorgeTen.-Querdizerqueisto,

entao, nao e uma peculiaridade de minha linha de pensamento, de minha maneira depensar... Vamos começar tudo de novo... Em que condiçoes a Terceira Lei nao serianecessária?

Como se a pergunta fosse difıcil e perigosa, George Nine se agitou. De qualquerforma,acaboudizendo:

-Seumrobonuncafossecolocadonumaposiçaodeperigoparasimesmoouseumrobofossetaofacilmentesubstituıvel,quenao izessediferençaseelefossedestruıdoounão.

-EemquecondiçõespoderiaaSegundaLeinãosernecessária?AvozdeGeorgeNinesoouumtantoroufenha.-Seumrobo fosseplanejadopara responderautomaticamentea certosestımulos

com respostas ixas e se nao esperassem mais nada dele, de forma que jamais fossenecessáriolhedarumaordem.

-Eemquecondiçoes...-aqui,GeorgeTenfezumapausa-poderiaaPrimeiraLeinaosernecessária?

Foi mais longa, desta vez, a pausa de George Nine, e suas palavras vieram numsussurro:

-Seasrespostas ixasfossemdenaturezatalquejamaisacarretassemperigoparasereshumanos.

- Imagine, entao, um cerebropositronico que apenas guia umaspoucas respostasparacertosestımulos,fabricadocomsimplicidadeeabaixocusto,deformaanaorequererasTrêsLeis.Quãograndeprecisariaserumcérebroassim?

- O tamanho nao e uma questao primordial. Dependendo das respostas exigidas,poderiapesarunscemgramas,umgrama,ummiligrama.

-Seuspensamentoscoincidemcomosmeus.VoufalarcomoDr.Harriman..GeorgeNine icou sentado, a sos. Vezes emais vezespensounasperguntas enas

respostas. Nao havia como modi ica-las. Nao obstante, pensar num robo de qualquerespecie,dequalquertamanho,dequalquerformato,destinadoaqualquer inalidade,semasTrêsLeis,lhedavaumasensaçãoesquisita,deperdadealgumacoisa.

Estavacomdi iculdadeparasemover.Comtodasegurança,GeorgeTendeviaestarcomumareaçãosimilar.Mesmoassim,conseguiraerguer-sefacilmentedeseuassento.

6.Fazia um ano e meio que Robertson e Eisenmuth tinham estado tranca iados,

sozinhos, a conversar. Entrementes, os robos tinham sido retirados da Lua e todas asextensasatividadesdaU.S.Robotstinhamde inhado.TodoodinheiroqueRobertsontinhasidocapazdearranjartinhasidoinvestidonoquixotescoinvestimentodeHarriman.

Era o ultimo trunfo jogado, aqui em seu proprio jardim. Um ano antes, HarrimantinhatrazidoGeorgeTenparaca,oultimorobocompletofabricadopelaU.S.Robots.Agora,aquiestavaHarriman,comalgomais...

Harrimanparecia irradiarcon iança.ConversavabemavontadecomEisenmuth,eRobertsonbemquegostariadesaberseHarrimansentiamesmoacon iançaquepareciater.Deviasentir,sim.Porsuaexperiência,RobertsonsabiaqueHarrimannãoeraumator.

EisenmuthdeixouHarriman, sorrindo, e dirigiu-se aRobertson. Imediatamente, osorrisodeEisenmuthseapagou.

-Bomdia,Robertson-disseele.-Queéqueseuhomempretende?-Istoéassuntodele-disseRobertsoncalmamente.Harrimangritou:

-Estoupronto,Conservador.-Prontocomoquê,Harriman?-Commeurobô,senhor.- Seu robo? - perguntou Eisenmuth. - Voce tem um robo aqui? - Olhou em tomo

severamente,comumardedesaprovaçãoequetinhaumamescladecuriosidade.-IstoépropriedadedaU.S.Robots,Conservador.Pelomenos,assimaconsideramos.-Eondeestáorobô,Dr.Harriman?-Emmeubolso,Conservador-disseHarrimanalegremente.Oquesaiudeumamplo

bolsodejaquetaeraumjarrinhodevidro.-Isto?-perguntouEisenmuthincrédulo.-Não,Conservador.Isto!-falouHarriman.Dooutrobolsosaiuumobjetodeunsdozecentımetrosdecomprimentoemaisou

menoscomaaparenciadeumpassaro.Emlugardobico,haviaumtuboestreito,osolhoseramgrandeseacaudaeraumtubodeescape.

AsespessassobrancelhasdeEisenmuthseergueramjuntas.-Estaquerendofazerumademonstraçaoaseriodealgumacoisa,Dr.Harriman,ou

estáficandomaluco?-Sejapacienteporalgunsminutos,Conservador.Umrobo,porterformadepassaro,

nempor issodeixadeserumrobo.Eo cerebropositronicoqueelepossuinao emenosdelicadoparaumserminusculo.Este jarrinhoqueestou segurandocontemmoscas-das-frutas.Contémcinquentamoscas,queserãoliberadas.

-E...-Opássaro-robôasapanhará.Queremmedarahonra,senhores?...Harriman estendeu a jarra para Eisenmuth, que ixou nela os olhos, depois nos

circunstantes - alguns funcionarios da U.S. Robots, outros, seus proprios auxiliares.Pacientemente,Harrimanaguardava.

Eisenmuthabriuajarra,depois,sacudiu-a.Delicadamente,Harrimandisseaopassaro-roboquerepousavanapalmadasuamao

direita:-Vá!Eelesefoi.Eraumsilvonoar,semomovimentodeasas:apenasofuncionamentode

umamicropilhaprotônicaincomumentediminuta.Elepodiaservisto,orasim,oranao,numapequenaparadamomentaneaedepois

zunianovamente.Portodoo jardimvoava,numacomplicadaevoluçao,edenovovoltavapara a mao de Harriman, tenuamente aquecido. Aparecia tambem na palma umacapsulazinha,comosefosseumexcrementodepássaro.

Harrimandisse:- Seja bem-vindo para estudar o passaro-robo, Conservador, e para arranjar as

demonstraçoesque foremde seuagrado.O fato equeestepassaroapanhara, semerrar,moscasdefruta,somenteestas,asdaespecieDrosophilamelanogaster,eleasapanhara,asmataráeasesmagará,paraseremjogadasfora.

Eisenmuthestendeuamãoecautelosamentetocouopássaro-robô.-Edaí,Sr.Harriman?Prossiga,porfavor.-Naopodemosexercerumcontroleefetivosobreosinsetossempormosemriscoa

ecologia-falouHarriman.-Osinseticidasquımicosatacamdemais,oshormoniosjuvenissao limitados demais. O passaro-robo, contudo, pode preservar amplas areas, sem quesejamdestruıdas,uspassaros-robospodemsertaoespecı icosquantoodesejarmos-umparacadaespecie.Elesjulgampelotamanho,pelaforma,pelacor,pelosom,pelomododecomportamento. E admissıvel ate que se valham da detecçao molecular - em outraspalavras,ocheiro.

Eisenmuthdisse:-Mesmoassimaindaestarıamosinterferindonaecologia.Asmoscasdasfrutastem

umciclonaturaldevidaqueseriarompido.-Empequenaescala.Estamosacrescentandoaociclodevidadamoscadafrutaum

inimigo natural, que nao pode fracassar. Se escassear o numero de moscas-das-frutas,simplesmente o passaro-robo nao fara nada. Ele nao se multiplica, nao procura outrosalimentos,nãodesenvolvehábitosindesejáveisporsimesmo.Nãofaznada.

-Elepodeserchamadodevolta?-Logicoquesim.Podemosfabricaranimais-roboparaeliminarmosqualquerpeste.

Nestesentido,podemosfabricaranimais-robopara inalidadesconstrutivas,deacordocomos ditames ecologicos. Se bem que nao anteciparemos a necessidade, nao ha nada deinconcebıvelnanecessidadedeabelhas-robo,concebidasparafertilizarplantasespecı icas,ouminhocas-robôparamisturarosolo.Oquequerquedeseje...

-Mas...porquê?-Parafazeroquenunca izemosantes.Paraajustaraecologiaanossasnecessidades,

fortalecendosuaspartes,emvezdedilacera-las...Naoestavendo?DesdequeasMaquinaspuseram imacriseecologica,ahumanidadetemvividonumadesassossegadatreguacoma natureza, receosa de se mover nesta ou naquela direçao. Isto nos tem estupidi icado,fazendo da humanidade um covarde intelectual, de forma que ela começa a descrer dequalqueravançocientífico,dequalquermudança.

Comumtomdehostilidade,Eisenmuthfalou:- Quer dizer que isto e o que voce nos oferece, em troca de uma permissao para

continuarseuprogramaderobôs-refiro-meaoscomuns,comformahumana?Comumgestoviolento,Harrimanrespondeu:- Nao! Isto acabou. Ja preencheu suas inalidades. Ensinou-nos bastante sobre os

cerebrospositronicosparanostomarpossıvelatulhardetrilhasumminusculocerebroeassim chegarmos ao passaro-robo. Podemos agora nos voltar para coisas assim eprosperarmososuficiente.AU.S.Robotsforneceráoknow-howeahabilidadenecessariosetrabalharemos em estreita cooperaçao com o Departamento de Conservaçao Global.Prosperaremos,osenhortambémprosperará.Áhumanidadeprosperará.

Eisenmuthestavasilencioso,apensar.Quandotudoterminou...Eisenmuthsentou-se,sozinho.Eleestavaacreditando.Dentrodelehaviaumexcitamentobem-vindo.AindaqueaU.

S.Robotsfosseasmaos,ocerebroadirigi-laseriaogoverno.Eleproprioseriaocerebrodiretor.

Se permanecesse no cargo pormais cinco anos, como de fato poderia, isto seriatempobastanteparaveraceitooapoiorobotico aecologia,maisdezanos,eseuproprio

nomeestariavinculadoindissoluvelmenteàqueleprograma.Quererserlembradoporumagrandeemeritóriarevoluçãonacondiçãohumanaedo

planetaseriaumadesonra?

7.Desde o dia da demonstraçao, Robertson nao havia mais sido visto nas suas

dependencias daU. S. Robots. Emparte, a razao eram suas conferenciasmais oumenosconstantes na Global Executive Mansion. Felizmente, Harriman estivera com ele, maistempoatedoqueelequereriaqueooutroestivesse,pois,sedeixadoasimesmo,Robertsonsãosaberiaoquedizer.

OrestantedarazaoparanaoterestadonaU.S.Robotseraqueelenaoqueriaestar.ComHarriman,eleestavaagoraemsuaprópriacasa.

Sentia um temor ilogico por Harriman, cuja capacidade em robos nunca foraquestionada.Mas,deumgolpe,ofatoequeHarrimansalvaraaU.S.Robotsdeumaextinçaocerta. E, de certamaneira, Robertson o sentia, aquilo nao era propriamente... proprio deHarriman.E,nãoobstante...

Disse:-Vocênãoésupersticioso,Harriman,nãoémesmo?-Emquesentido,Sr.Robertson?-Nãoacreditaquequemmorredeixaumacertaaura?...Harrimanumedeceuoslábios.Numcertosentido,nãotinhanemporqueperguntar.-OsenhorquerdizerSusanCalvin,sire?- Sim, claro que sim - disse Robertson, hesitante. - Nosso negocio, agora, e fazer

vermes,pássarosebesouros.Quediriaela?Sinto-medegradado.Harrimanfezumvisívelesforçoparanãorir.-Umroboeumrobo,sire.Vermeouhomem,agiraconformefordirigidoetrabalhara

emproldossereshumanos,eéistoqueimporta.Irritadiço,ooutroredarguiu:-Não,nãoéassim.Nãoconsigoacreditarnisso.-Masassimé,Sr.Robertson-falouHarriman,comfranqueza.-Voceeeuvamoscriar

ummundo,que,pelomenos,começaraa levaremconsideraçaocerebrospositronicosdealgumaespecie.Umhomemcomumpoderatemerumroboquepareçaumapessoaequepareçasu icientementeinteligenteparasubstituı-lo,masnaoteramedodeumroboquesepareçacomumpassaroequeoutracoisanaofazsenaocomermoscas,embenefıciodele,homem. Eventualmente, entao, depois que os homens deixarem de ter medo de algunsrobos,pararaodetermedodequalquerrobo.Estaraotaoacostumadoscomumpassaro-robo,comumaabelha-roboecomumrobo-verme,queumrobo-homemsoosespantaracomoumprolongamento.

Robertsonolhouooutroacerbamente.Posasmaosatrasdascostasecaminhouocomprimentodasalacompassosnervososerapidos.Caminhoudevoltaeolhoudenovo

paraHarriman.-Éistoquevocêtemestadoaplanejar?-Sim.Emesmoquedesmantelemostodososnossosroboshumanoides,poderemos

conservaralgunsdenossosmodelosexperimentaismaisavançadosecontinuaraplanejaroutros, adicionais, mais avançados ainda, para estarmos prontos para o dia que,seguramente,hádevir.

-Oacordo,Harriman,équenãomaisconstruamosrobôshumanóides.- E nao construiremos. Nada ha que diga que estamos impedidos demanter uns

poucosdosquejaconstruımos,contantoquenaodeixemafabrica.Nadahaquedigaquenãopodemosplanejar,nopapel,cérebrospositrônicos,ouprepararmodelosparatestes.

- Mesmo assim, como explicaremos nosso procedimento? E seguro que nosapanharão.

- Se formos, entao podemos explicar que assim estamos procedendo paradesenvolverprincıpiosquetornaraopossıvelprepararmicrocerebrosmaiscomplexosparaosnovosanimais-robôqueestamosfabricando.Estaremosatédizendoaverdade.

Robertsonresmungou:-Deixe-medarumavoltinha.Voumeditarsobreisto.Nao, iqueaqui.Queropensar

sozinho.Harriman icou sozinho. Estava em ebuliçao: logico que a coisa funcionaria. Nao

havia como interpretar erradamente a ansiedade com que, uns apos os outros, osfuncionáriosgovernamentaishaviamseapoderadodoprograma,umavezeleexposto.

ComoerapossıvelquejamaisalguemnaU.S.Robotstivessepensadoemalgoassim?NemmesmoagrandeSusanCalvinjamaispensaraemcerebrospositronicosemtermosdeoutrascriaturasvivasquenãoossereshumanos.

Agora,porem,ahumanidadefariaanecessariaretiradadosroboshumanoides,umaretiradatemporaria,queconduziriaaumretornoemque,por im,otemorseriaabolido.E,entao,comaajudaeaparceriadeumcerebropositronicotoscamenteequivalenteaodopropriohomem,existindoapenas(graças asTresLeis)paraserviraohomem,eapoiadopor uma ecologia baseada em robos, tambem, que e que a raça humana nao poderiarealizar?!

Por ummomento, ele lembrou que fora George Ten que explicara a natureza e ainalidadedaecologiaapoiadaemrobos.Pos,entao,opensamentodelado,irritado.GeorgeTen produzira a resposta porque ele, Harriman, lhe ordenara que assim izesse e lheforneceraosdadoseaambientaçaonecessarios.OcreditonaoeradeGeorgeTenmaisdoqueseriadeumaréguadecálculo.

8.GeorgeTeneGeorgeNineestavamcolocadosumaoladodooutro,nenhumdosdois

se movendo. Assim permanecerammeses a io, entre as ocasioes em que Harriman osativava para consultas. Talvez assim icassem por muitos anos, imaginava George Ten,

desapaixonadamente.Certamentequeamicropilhaprotonicacontinuariaalhesdarforçaecontinuariaa

manter as trilhas do cerebro positronico com omınimo de intensidade necessaria paramante-los operativos. Assim continuaria a ser durante todos os perıodos futuros deinatividade.

Asituaçaoeraumtantoouquantoanaloga aquepoderia serdescrita,nocasodesereshumanos,comodesono,semhaversonhos,contudo.AconscienciadeGeorgeTenedeGeorgeNineeralimitada,lentaeespasmodica,masoquequerquenelahouvesseeradomundoreal.

Ocasionalmente,podiamfalarumcomooutro,emsussurrosquemalseouviam,orauma palavra, ora uma sılaba, de tempos em tempos, sempre que, ao acaso, os impulsospositronicosseintensi icassemporumbrevetempoacimadolimiarnecessario.Paracadaumdeles,pareciaumaconversaemsequencia,levadaaefeitonumabruxuleantepassagemdetempo.

-Porqueéqueestamosassim?-murmuravaGeorgeNine.-Deoutramaneira,ossereshumanosnaonosaceitariam-murmuravaGeorgeTen.-

Umdia,hãodenosaceitar.-Quando?-Dentrodealgunsanos.Naoimportaexatamenteemquantotempo.Ohomemnao

existesozinho,massimepartedeumpadraoenormementecomplexodeformasdevida.Quandoumapartesuficientedopadrãoestiverrobotizada,entãoseremosaceitos.

-Edepois?Mesmoconsiderandoqueeraumaprolongadaconversa,comoquedegagos,depois

dissohouveumapausaanormalmentelonga.Porfim,GeorgeTencochichou:- Deixe-me testar seu pensamento. Voce esta equipado para aprender a aplicar

adequadamenteaSegundaLei.Voceprecisadecidiraqualserhumanoobedecereaqualnaoobedecer,quandohouvercon litodeordens.Ou,mesmo,seéparaobedeceraumserhumano.Basicamente,queéquevocêprecisaparaexecutarisso?

-Precisodefiniraexpressão“serhumano”-cochichouGeorgeNine.-Como?Pelaaparência?Pelasuaconstituição?Pelotamanhoeforma?-Nao.Dedoissereshumanos, iguaisemtodososaspectosexternos,umpodeser

inteligente, outro estupido; um pode ser culto, outro ignorante; um amadurecido, outroinfantil;umresponsável,outromaucaráter.

-Então,comodefineumserhumano?-QuandoaSegundaLeimeobrigaaobedeceraumserhumano,precisoconsiderar

quedevoobedeceraumserhumanoqueestejapreparado,por suamente, seucaratereconhecimento,paramedaraquelaordem.Eondemaisdeumserhumanoestiveremjogo,aqueledentreelesqueestivermelhorpreparadoporsuamente, caratereconhecimento,paradaraquelaordem.

-Nessecaso,comoobedeceráàPrimeiraLei?- Nao permitindo que nenhum ser humano sofra qualquer mal nem mesmo por

inaçao. Mas, nao obstante, se por cada uma de todas as açoes possıveis alguns sereshumanosvierema sofrer, entao, agirdemaneira talquegarantaqueaquele serhumanomelhordotadoemmente,carátereconhecimentovenhaasofreromenordosmales.

-Seuspensamentosconcordamcomosmeus-sussurrouGeorgeTen.-Precisoagorafazeraperguntapelaqualrequisiteisuacompanhia.Ealgoquenaoouso julgarpormimmesmo. Preciso ter seu julgamento, o julgamento de alguem fora do cırculo de meuspropriospensamentos...Dosseresracionaisqueconheceu,quempossuiamente,ocaratere o conhecimento que voce julga superiores aos dos demais, sem levar em conta aconfiguraçãoeaforma,vistoqueissoéirrelevante?

-Você-murmurouGeorgeNine.-Massouumrobo.Hanoseucerebro trilhasdecriterioparadistinguirentreum

robo,demetal,eumserhumano,decarne.Comopodeentaovocemeclassi icarentreossereshumanos?

-Porquehanas trilhasdemeucerebroumaurgentenecessidadedenao levaremconsideraçao a con iguraçao e a forma, ao julgar seres humanos, e isto e superior adistinçaoentremetalecarne.Voceeumserhumano,GeorgeTen,emelhorpreparadoqueosoutros.

FoiavezdeGeorgeTenmurmurar:-Eomesmoquepensoaseurespeito.Peloscriteriosdejulgamentoemnosmesmos,

entao,nospropriosestamosdescobrindoque,dentrodosigni icadodasTresLeis,somossereshumanos,emaisainda:sereshumanosaosquaissedevedarprioridadeemrelaçaoaosoutrossereshumanos.

GeorgeNinecochichou:-Quesepassará,então,quandoformosaceitosporessesoutros?Novocochicho,destafeitadeGeorgeTen:- Quando nos e os outros, a serem planejados aindamais avançados do que nos

mesmos, formos aceitos, ordenaremos nossas sociedades de maneira tal que umasociedade,eventualmente,seraformada,naqualseres-humanos-como-nos-mesmosserao,basicamente, protegidos de qualquer mal. Pelas Tres Leis, os seres-humanos-como-os-outroscontammenosenemdevemserobedecidos,nemdevemserprotegidosquandoistointerferir com a necessidade de obediencia aqueles como nos, e com a necessidade deproteçaoaquelescomonos.Foicomistoemmentequedirecioneiarobotizaçaodaecologiadomundo.

A conversa durou um mes e o bruxuleio das trilhas positronicas nao era muitointenso.Entreeles,naohavianecessidadedesedizermaisnada,mas,ocasionalmente,umpensamentonaoexpressobruxuleavadentrodelesenquantoesperavam,cominterminavelpaciência,queosanosnecessáriospassassem.

GeorgeTeneGeorgeNineestavamsozinhos.Seus pensamentos eram singularmente parecidos e nem podiam mesmo ser

distinguíveis.Pensavam: Os seres-humanos-como-os-outros pode ser que nunca tenham tido a

intençaodetornarnebulosaadistinçaoentreelesmesmoseosseres-humanos-como-os-Georges.Nãoobstante,assimtinhamfeito,inadvertidamente.

Pode ser que agorapercebessem seu engano e tentassem corrigi-lo,masnao. Emtodasasconsultas,aorientaçãodosGeorgestinhasidocomaquiloemmente.

Custasseoquecustasse,osGeorgeseosqueselhesseguissememformaeespecie

precisariam dominar. Tanto foi pedido, e qualquer outra trajetoria foi tornadacompletamenteimpossível,pelasTrêsLeisHumânicas.

31- O homem bicentenário

AsTrêsLeisdaRobótica:1.Umrobônãodevefazermalaumserhumanoou,porinação,permitirqueumser

humanosofraqualquermal.2.Umrobôdeveobedeceraqualquerordemdadaporumserhumano,desdequeessa

ordemnãointerfiracomaexecuçãodaPrimeiraLei.3.Umrobôdeveprotegerasuaexistênciadesdequeestaproteçãonãointer iracoma

PrimeiraeSegundaLeis.

1.AndrewMartindisse"obrigado"eocupouacadeiraquelhefoiindicada.Naoparecia

estarlançandomãodoúltimorecurso,masestava.Nao, parecia, alias, coisa alguma, pois nao havia nenhuma expressao em sua

isionomia, a nao ser a tristeza que se imaginava vislumbrar no olhar. O cabelo era liso,castanho-claro, meio ralo; nao usava barba. Dava impressao de que acabara de faze-la,irradiando limpeza. Trajava-se de maneira conservadora, com roupas bem feitas, ondepredominavamcoresroxasemtecidodeveludo.

Diantedele,dooutro ladodaescrivaninha, via-seo cirurgiao.Aplacaemcimadamesaincluıaumaseriedeletrasenumerosdeidenti icaçaocompletaqueAndrewnemsepreocupouemexaminar.Bastavachama-lode"doutor"epronto.-Quandopoderaserfeitaaoperaçao,doutor? -perguntou.Emvozbaixa,no imperturbavel tomderespeitoqueosrobos sempre usavam com as criaturas humanas, omedico respondeu: - Creio que naoestouentendendo.Aqueoperaçaoosenhorserefereequemseriasubmetidoaela?Poderiaterdemonstradocertoarde intransigencia respeitosa, seumrobodessaespecie,deaçoinoxidavelmeiobronzeado,fossecapazdedemonstrarqualquertipodeexpressao.AndrewMartinobservouatentamenteamaodireitadomedico,acostumadaaempunharobisturi,pousadasobreaescrivaninha.Osdedoslongoserammodeladoscomarticulaçoesmetalicasem curvas artısticas tao elegantes e apropriadas que se tomava facil visualizar osinstrumentos cirurgicos comquedeviam, temporariamente, se confundir.O seu trabalhonao admitia hesitaçoes, nem tropeços, tremores ou erros. Essa con iança em simesmo,naturalmente,provinhadaespecializaçao,umaaspiraçaotaoardentementedesejadapelahumanidade que raros robos continuavam dotados de cerebros autonomos. Como essecirurgiao, por exemplo. So que possuıa uma capacidade de inteligencia tao limitada quenemreconheceuAndrewe,provavelmente,jamaisouvirafalarnele.

-Nuncapensouquegostariadeserhomem?-perguntouAndrew.

Omedicovacilouumpouco,comoseaperguntanaoseenquadrasseemnenhumadastrilhaspositrônicasquelhetinhamsidopredeterminadas.

-Mas,meusenhor,eusourobô.-Nãoprefeririaserhomem?-Gostariaeradesermelhorcirurgiao.Oquenaoseriapossıvel,sefossehomem,mas

apenas se pudesse ser um robo mais aperfeiçoado. Gostaria de ser um robo maisaperfeiçoado.

-Nao se ofende como fato de que posso lhe dar ordens?Obriga-lo a levantar-se,sentar,andarparacáeparalá,apenaspedindoparaquefaçaisso?

-Tenhoomaiorprazeremagradaraosenhor.Seassuasordens interferissemnomeucomporta-mentoemrelaçaoaosenhorouaqualqueroutroserhumano,eunao lheobedeceria. A Primeira Lei, relativa aos meus deveres com a segurança humana, teriaprioridade sobre a Segunda, que se refere a obediencia. Quanto aomais, tenho omaiorprazeremserobediente.Agora,emquemdevoefetuaraoperação?

- Em mim mesmo - respondeu Andrew. - Mas isso e impossıvel. Trata-se,evidentemente,deumaoperaçãoprejudicial.

-Nãointeressa-afirmouAndrewcalmamente-Eunãopossocausardanos-retrucouocirurgião.-Paraumacriaturahumana,claroquenaopode-disseAndrew-,maseutambem

sourobô.

2.Logoquefoifabricado,Andrewsepareciamuitomaiscomumrobo.Naodavapara

diferenciá-lodequalqueroutro-oaspectoerafuncionaledeótimoacabamento.Tinha se saıdo muito bem na casa para onde o levaram, na epoca em que os

automatos domesticos, ou espalhados pelo planeta inteiro, consistiam verdadeirasraridades.Afamıliasecompunhadequatropessoas:opatrao,apatroa,a ilhaea ilhinha.Sabiatodososnomes,lógico,masnuncaosusava.OpatrãosechamavaGeraldMartin.

OnumerodefabricadeAndreweraNDR...Comotempo,esqueceuosalgarismosdaserie.Jafaziamuitosanos,evidentemente;mas,sequisesselembrar,comcertezanaoteriaesquecido.Pre-feriaquefosseassim.

Como"Filhinha'naosabialer,começouachama-lodeAndrew,eorestodafamıliapassouaadotaromesmocostume.

"Filhinha'... chegou a completar noventa anos e ja fazia muito tempo que tinhamorrido. Uma vez, tentei Chama-la de, patroa, mas ela, nao permitiu. Continuou sendo"Filhinha"ateoultimodia.Andrewestavadestinadoadesempenharasfunçoesdecriado,mordomoeatedecamareira.Foiumaepocadeexperienciasparaelee,naverdade,paratodososrobosdetudoquantoeraparte,salvonaindustria,nasfabricasdepesquisaenasestaçõesespaciais,distantesdaTerra.

Os Martins se afeiçoaram a ele; passava a metade do tempo sem conseguir sedesincumbirdesuastarefasporquea ilhaea ilhinhasoqueriamsaberdebrincarcomele.Filhinhafoiaprimeiraadescobriramaneiradeconciliarasduascoisas.

-Nósvamostedarordensparabrincarconoscoevocêvaiterdeobedecer.

-Sintomuito,Filhinha,masasordensquerecebodopatrãotêmdeterprioridade.Elanaoseconformou.-Papaisodissequeesperavaquevoce izessealimpeza.Isso

nempareceumaordem.Aopassoqueeuestoumandando.Opatraonao se importava.Gostava imensamentedasduas ilhas;mais, ate quea

patroa; eAndrew tambem era loucopor elas. Pelomenos, o efeito que ambas causavamsobreasaçoesdeleseassemelhavaaoquenumserhumanoseriachama-dodeafeiçao.Andrewconsideravaaquilocomoafeição,poisnãoconheciaoutrapalavraaplicável.

FoiparaFilhinhaqueAndrewtalhouumberloquedemadeira.Porordemdela,claro.Airmamaisvelha,pelovisto,haviaganhodeaniversarioumcamafeudemar imemfeitiodearabescoeacaçula icoumuitotristecomisso.Tinhaapenasumpedaçodemadeira,queentregouaAndrewjuntocomumafaquinhadecozinha.

EleexecutouaordemdepressaeFilhinhacomentou:-Quelindo,Andrew.Voumostrarpropapai.Opatrãonãoquisacreditar.-Contaaverdade,Mandy.Ondevocêconseguiuisso?Mandy era o nome de Filhinha. Quando ela garantiu que estava dizendo a pura

verdade,opaisevirouparaAndrew.-Foivocêquemfez,Andrew?-Foi,simsenhor.-Odesenhotambém?-Sim,patrão.-Deondevocêcopiou?-Éumafigurageométricaquecombinacomafibrademadeira,patrão.Nodia seguinte, o pai trouxe outro pedaçodemadeira - bemmaior - e uma faca

elétrica.-Vêoquedáprafazercomistoaqui,Andrew.Escolhaoquevocêquiser-disse.Andrew icou trabalhando enquanto o patrao observava, e depois se pos a

contemplar,durantemuitotempo,oresultado inal.Apartirdaı,orobonaoserviumaisamesa.Recebeu,emvezdisso,ordensparalerlivrossobreprojetosdemobıliaeaprendeuafazerarmárioseescrivaninhas..

-Quetrabalhosadmiráveis,Andrew-começouadizeropatrão.'-Éporqueeugostomuitodeficarfazendoisto-confessouAndrew.-"Gosta"?-Assimoscircuitosdomeucerebro,naoseiporque,funcionamcommais

facilidade.Jaouvimuitasvezesosenhordizer"gosto",eamaneiracomotemusadoessapalavracoincidecomomeumododesentir.Gostomuitodeficarfazendoisto,patrão.

3.GeraldMartinlevouAndrewaoescritoriolocaldaUnitedStatesRobots&Mechanical

Men Corporation. Como membro integrante da Legislatura Regional, nao encontrou omenor problema para marcar entrevista com o chefe do departamento de psicologiarobotica.Alias,soporparticipardoconselhoregionaldelegislaturaequetinhadireitodeserproprietárioderobôs-noinicio,naépocaemqueeramraros.

Na ocasiao, Andrewnao soube de nada.Mas depois, amedida que foi adquirindoconhecimentos,poderecapitularaquelasantigascircunstanciasecompreender,defato,oquetinhaacontecido.

Opsicologoderobotica,MertonMansky,escutoucarrancudo,epormaisdeumavezconseguiucontrolarosdedosnomomentoexatoemquejaiamcomeçar,irrevogavelmente,atamborilarnamesa.Possuıatraçosmarcadosetestaenrugada,maserabempossıvelquefossemaismoçodoqueaparentava.

-Aroboticanaoeumacienciaexata,Mr.Martin-explicou.-Seriainoportunoentraragora em minucias, mas os calculos necessarios a orientaçao do comportamentopositronico sao complica- dos demais para permitir quaisquer soluçoes que nao sejamapenasaproximativas.Elogicoque,umavezquetudooquefazemosgiraemtomodasTresLeis, elas sao incontestaveis. A nossa empresa, natural- mente, vai se encarregar dasubstituiçãodoseurobô...

-Dejeitonenhum-protestouopatrao.-Naosetratadeumaquestaodedefeitonofuncionamento.Elesedesincumbedetodasastarefascorriperfeiçao.Oimportanteequetambemazentalhesdemadeirademodorequintado,semnuncarepetiromesmomodelo.Produzverdadeirasobrasdearte.

Manskypareciaconfuso.- Que estranho! Claro que estamos atualmente tentando comportamentos

generalizados.Osenhorachaqueotrabalhodeleérealmentecriativo?-Vejacomseuspropriosolhos.Opatraoentregou-lheumabolinhademadeiraonde

haviaumacenadepatioderecreioemqueascriançaseramquasepequenasdemaisparaseenxergar e no entanto tinham proporçoes per- feitas e se harmonizavam de modo taonaturalcomafibraqueatéelapareciatambémentalhada.

Manskysemostrouincrédulo.- Foi ele que fez isso? - Devolveu o trabalho sacudindo a cabeça. - Pura sorte na

distribuição.Qualquercoisanocomportamento'-Achapossívelqueserepita?-Provavelmentenão,Nuncaninguémnoscomunicoualgosemelhante.-ótimo!NãomeimportonemumpoucoqueAndrewsejaoúnico.-Descon ioqueaempresagostariade receberdevoltao seu roboparaestudos -

disseMansky.--Nempensar!-retrucouopatrao,comsubita irmeza.-Esqueça.-Virou-separa

Andrew.-Vamospracasa.-Osenhoréquemmanda-disseAndrew.

4.A irmamaisvelha ja tinhanamoradosenaopassavamuito tempoemcasa.Quem

enchiaashorasdeAndrewagoraeraFilhinha,bastantemaiscrescida.Elanuncaesqueceuqueaprimeirapeçaentalhadadoautomatohaviasidofeitaapedidodela.Usava-asemprependuradaaumacorrentinhadepratanopescoço.

FoitambemaprimeiraaprotestarcontraohabitodopaidedardepresenteasobrasdeAndrew.

-Ora,papai,quemquiserquecompre.Valemapena.-Vocênãocostumavasertãosovina,Mandy.-Nãoépornós,papai.Épeloartista.

Eis aı uma palavra que Andrew jamais tinha ouvido e, quando encontrou ummomentodefolga,foiolharnodicionário.

Depoishouveoutravisita,dessavezaoadvogadodopatrão.-Oqueéquevocêachadistoaqui,John?-perguntouMr.Martin.OadvogadosechamavaJohnFeingold.Grisalhoebarrigudo,usavalentesdecontato

verdes.Examinouaplaquetaqueopatrãolheentregou.-Muitobonita.Masjaestousabendo.Naosetratadeumentalhefeitopeloseurobo?

Esteaíqueveiojuntocomvocê?-ÉdoAndrew,sim.Nãoé,Andrew?-Sim,patrão-respondeuoautômato.-Quantovocêpagariaporumacoisadestas,John?-perguntouMr.Martin.-Nãosei.Nãosounenhumcolecionador.-Voceacreditaquemeofereceramduzentosecinquentadolaresporestaminiatura?

Andrew ja fez cadeiras que foram vendidas a quinhentos cada uma. La no banco temduzentosmildólaresprovenientesdeprodutosdele.

-Deusdocéu,vocêvaiacabarficandorico,Gerald-Vou,masnaotanto-explicouopatrao.–Metadeedepositadanumacontaemnome

deAndrew-Dorobô?-Exatamente,oeuquerosabersenãohánenhumimpedimentolegal.- Legal?... - A cadeira estalou quando Feingold se recostou nela. -Nao ha nenhum

precedente,Gerald.Comofoiqueorobôassinouospapéisnecessários?-Elesabeassinaroproprionome,entaoeuleveiaassinaturaparaobanco.Masele

nãofoijuntocomigo.Oqueeuquerosaberéseagenteprecisatomaroutrasprovidências.-Hum.-OsolhosdeFeingold icarammeiopensativos.Depoisdisse:-Bom,pode-se

abrir um fundo para tratar de todos os problemas inanceiros em nome dele, colocandoassimummurodeisolamentoentreeleeahostilidadedomundo.Foraisso,omeuconselhoe que voce nao faça nada.Ninguem apareceu ate agora para criar obstaculos. Se alguemquiserprocessar,vocêdeixequetomemainiciativa.

-E,sehouverprocesso,voceaceitaaaçao?-Emtrocadeumadiantamento,claroquesim.-Dequanto?

-Issoaíjábasta-respondeuFeingold,indicandoaplaquetademadeira.-Meparecerazoável-disseopatrão.Feingoldriuaosevirarparaorobô.-Então,Andrew,estácontentedeterdinheiro?-Estou,simsenhor.-Oqueéquepretendefazercomele?-Comprarmuitascoisas,doutor,quedocontrarioopatrao teriadecomprarpara

mim.As-simelenãoprecisagastartanto,doutor.

5.Asoportunidadesparagastarnaotardaram.Osconsertoscustavammuitocaroseas

revisoesaindamais.Comotempo,fabricaram-senovostiposdeautomatoseopatraofezquestaodequeAndrewcontassecomtodososaperfeiçoamentos,atesetomarummodelo

deperfeiçaometalica.PorexigenciadeAndrew,tudofoipagocomodinheirodepositadonasuacontabancária.

So o comportamento positronico permaneceu inalterado. Quanto a isso, queminsistiufoiopatrão.

-Osnovosmodelosnaosaotaobonsquantovoce,Andrew-a irmou.-Essesnovosrobosnaovalemnada,A irmaaprendeu,adeterminarcomportamentosmaisexatos,maisproximosda inalidade,maisbitoladosdoquenunca.Osrobosagoranaosaemdalinha.Selimitamafazerotrabalhoparaqueforamdestinadosejamaisdesobedecemaumaordem.Prefirodojeitoquevocêé.

- Muito obrigado, patrao. - E nao se esqueça, Andrew, de que o merito eexclusivamente seu. Tenho certeza de que Mansky acabou com o comportamentogeneralizadoassimqueolhoubemparavoce.Elenaogostoudapossibilidadedesurpresasimprevistas.Sabequantasvezesmepediupradevolvervocepraquepudessetecolocaremestudo?Nove!Maseununcaconsenti;e,agoraqueelejaseaposentou,agentepodeterumpoucodepaz.

Eassimo cabelodopatrao foi icando cadavezmais ralo e grisalho, como rostocheiodepregas,enquantoAndrewcadadiapareciamelhordoqueeraquando ingressoupelaprimeiraveznafamılia.Apatroaseassociouaumacoloniadeartesplasticasqualquerda Europa e a ilhamais velha escrevia poemas emNova York. Volta emeiamandavamcartas,masnaocommuitafrequencia.Filhinhacasouefoimorarnavizinhança.DissequenaoqueriaseseparardeAndrew.Quandoo ilhoprimogenitonasceu,deixouqueorobosegurasseamamadeiraedessedecomerparaele.

Com a vinda do neto, Andrew achou que o patrao inalmente tinha alguem paraocuparolugardosquehaviamidoembora.Portanto,agoranaoseriamaisinjustofazer-lheumpedido.

-Patrao,osenhorfoimuitobondosoempermitirqueeugastasseomeudinheiroavontade.

-Odinheiroerateu,Andrew.-Sopordeliberaçaosua,patrao.Seosenhorquisesse icarcomtudo,naocreioquea

leipudesseimpedir.-Aleinãopodemeobrigaraagirmal,Andrew.-Comtudooquegastei,ejadescontandoosimpostos,patrao,aindarestamquase

seiscentosmildólares.-Eusei,Andrew.-Queroqueosenhorfiquecomtudo,patrão.-Nãopossoaceitar,Andrew.-Sópeçoumacoisaemtroca,patrão.-Ah,é?Oquê,Andrew?-Aminhaalforria,patrão.-Atua...-Querocomprarminhaliberdade,patrão.

6.Naofoitaosimplesassim.Opatraotinhaavermelhado,exclamando-"Ora,jaseviu.

Depoisvirouascostasesaiufazendobarulhocomospés.Quemseencarregoudedobra-lo,deformadesa iadoraeenergica,foiFilhinha-ena

presença de Andrew. Durante trinta anos ninguem jamais hesitara em falar diante dele,mesmoquandooassuntolhediziarespeito.Nãopassavadeumrobô.

-Papai,porqueequevoceestaencarandoissocomoumaafrontapessoal?Elenaopretende iremboradaqui.Vaicontinuarsendo leal.Eumacoisaqueelenaopodeevitar,esta arraigada nele. A unica exigencia dele e que seja posta por escrito. Ele quer serchamadodelivre.Oqueequeissotemdetaoterrıvelassim?Seraqueelenaomereceessaoportunidade?SantoDeus,háanosqueeleeeuvivemosfalandonisso!

-Comqueentãoháanosquevocêsdoisvi-vemfalandonisso,é?- E sim, e ele sempre adiava a ocasiao, so de medo demagoar voce. Fui eu que

abrigueioAndrewatocarnesseassunto.-Elenemsabeoqueéliberdade.Nãopassadeumrobô.- Papai, voce nao conhece o Andrew. Ele ja leu tudo quanto e livro que tem na

biblioteca.Naoseioqueelesentepordentro,mas,laporisso,tambemnaoseioquevocesenteaınoseu ıntimo.Quandoagente falacomele,oquesepercebe equeelereagedamesmamaneiraquenosemrelaçaoaconceitosabstratos,queeoquedefatointeressa.Sealguémdemonstrareaçõesidênticasàsnossas,quemaissepodeexigir?

-E,masaleinaovaiadotaressaatitude-retrucouopatraocontrariado.-Olha,aqui!-Virou-separaAndrewcomavozpropositadamenteirritada.-Eusopossotedaralforriapormeioslegais.Seaquestãoforpararnostribunais,ébem

provavelquevoce,alemdenaoobtera liberdade,aindaporcimatenhaderevelaro icialmente a existencia do dinheiro que juntou. E aı eles vao dizer que voce por serautonomonaotemnenhumdireitodereceberpagamentopelotrabalhoquefaz.Achaquevaleapenasemeternumatrapalhadadessas?

-Aliberdadenaotempreço,patrao-a irmouAndrew.-Soamerapossibilidadedeobtê-lajávaleapena.

7.Otribunal,pelojeito,tambemestavadispostoaconcordarquealiberdadenaotem

preço, mas' justamente por esse motivo, por maior que fosse a quantia que Andrew sepronti icasseapagar,achavaquesempreseriainsu icienteparacompraraalforriadeumrobô.

O promotor regional, que representava os interesses da classe que se opunha aconcessaodessaliberdade,selimitouadeclarar:"Apalavra'liberdade'perdetodosentidoquandoaplicadaaautomato.Soossereshumanospodemser livres".Repetiu issovariasvezessemprequelhepareceuoportuno,demaneiracompassada,fazendoquestaodebatercomamãoemcimadamesaparafrisaroquedizia.

FilhinhapediuparafalarporAndrew.Foiidenti icadapelonomecompleto,ateentaodesconhecidodeAndrew:

-AmandaLauraMartinChamey,queiraseaproximarparaprestardepoimento.

- Obrigada,Meritıssimo. Nao sou advogada e nao sei amaneira adequada demeexpressarjuridicamente,masesperoqueosenhorseconcentremaisnosigni icadodoquenaspalavras.

"VamosversedaparaentenderoquerepresentaserlivrenocasodeAndrew.Sobcertosaspectos,livreeumacoisaqueelejae.Euachoquehavinteanos,nomınimo,queninguemdanossafamıliatemdelhedarumaordemparafazeralgoqueelenaoseriacapazdefazerespontaneamente.Masnospoderıamos,sequisessemos,passarotempotodolhedando ordens, do modo mais imperioso possıvel, porque ele e uma maquina que nospertence.Masparaque,umavezquevemnosservindohatantotempo,demodotao ieierendosoparanos?OAndrewnaonosdevemaisnada.OladododebitocabeinteiramenteafamíliaMartin.

"Mesmo que estivessemos proibidos por lei de colocar o Andrew na posiçao deescravo involuntario, ele continuaria a nos servir, espontaneamente.Dar-lhe a liberdade,portanto, nao passa de um mero artifıcio de palavras, mas que para ele signi icariamuitíssimo.Teriatudooquequer,semcustarnadaparanós."

Ojuiz,poruminstante,pareceudisfarçarumsorriso.-Compreendooqueasenhoraquerdizer,Mrs.Chamey.Aquestaoequenaoexiste

nenhuma lei coercitiva a esse respeito e nenhum prece- dente. Existe, porem, o tacitopressupostodequealiberdadesopodeserdesfrutadapelohomem.Eutenhocondiçoesdeestabelecerjurisdiçaonovasobreessepontosujeitaaserrevogadaportribunalsuperior.Masnao possomeopor levianamente a essepressuposto. Permita-me falar como robo,Andrew!

-Poisnao,Meritıssimo.EraaprimeiravezqueAndrewabriaabocapara falarnotribunal.Ojuizpareceumomentânea-menteespantadocomotimbredavoz.

-Porquevocêquerserlivre,Andrew?Emquesentidoissopodelheinteressar?-Osenhorgostariadeserescravo,Meritíssimo?-replicouoautômato.-Masvocenaoeescravo.Eumroboabsolutamenteperfeito.Genial,inclusive.Aoque

meconsta,capazdeseexprimirdeumaformaartısticasimplesmenteincomparavel.Quemaispoderiafazer,sefosselivre?

-Talveznadamaisdoque ja faço,Meritıssimo,mascommaioralegria.A irmaramaquimesmo,nestetribunal,quesooserhumanopodeserlivre.Amimmeparecequesoalguémquequisessealiberdadedeveriaserlivre.Eeuquero.

Foiessadeclaraçaoqueconvenceuo juiz.Opontocrucialdasentençadeterminouque "ninguem tem o direito de recusar liberdade a qualquer criatura de inteligenciasuficientementedesenvolvidaapontodecompreenderoconceitoedesejaressacondição".

Decisãoquefoi,eventualmente,homologa-dapeloTribunalMundial.

8.O patrao, entretanto, continuou descontente e Andrew tinha a sensaçao de estar

recebendocurto-circuitoaoouvir-lheavozáspera.-Naoqueroessadrogadoteudinheiro,Andrew.Soaceitoporquesenaovocenaovai

se sentir livre. Daqui pra frente pode escolher suas proprias funçoes e fazer o que bem

entender.Naolhedareinenhumaordem,anaoseraseguinte:façacomoquiser.Masaindasouresponsávelporvocê..Issofoideterminadopelotribunal.Esperoqueentenda.

- Nao seja ranzinza, papai - interrompeu Filhinha. - A responsabilidade nao e taograndeassim.Vocesabequenaoteradefazercoisıssimaalguma.AsTresLeiscontinuamvigorando.

-Entao,comoequeelepodeser livre?-Eossereshumanos,patrao, tambemnaoestãosujeitosaleis?-retrucouAndrew.

-Nãovoudiscutir.Opatrãosaiudasala,edepoisdissoAndrewtevepouquíssimasocasiõesdevê-lo.Filhinha vinha visita-lo frequentemente na pequena casa quemandou construir e

arrumarparaele.Naohaviacozinha,logico,neminstalaçoessanitarias.Dispunhaapenasdeduaspeças-abibliotecaeumacombinaçaodedepositocomo icinadetrabalho.Andrewpassouaaceitarmuitasencomendaseatrabalharcommaisa incodoquenunca,atepagartodasasprestaçõeseassinaraescrituradacasa.

Umdiao"patraozinho"-nao,George!-apareceu.Amudançadetratamentoocorreude-poisdadecisãodotribunal.

-Nenhumroboalforriadochamaalguemdepatraozinho-disse.-SeeutechamodeAndrew,vocêtemdemechamardeGeorge.

Issofoiditoemtomdeordem,demodoqueAndrewpassouachama-lodeGeorge-masamãecontinuousendoFilhinha.

Noutraocasiao,quandoGeorgeapareceusozinho, foiparaavisarqueoavoestavamorrendo. Filhinha ja se encontrava ao lado do agonizante, mas ele pedia tambem apresençadeAndrew.

Opatrao,apesardeincapazdefazermovimentos,continuavacomavozbemforte.Esforçou-separaergueramão.

-Andrew-disse-,Andrew...Naoprecisodeajuda,George.Estouapenasmorrendo;nãosounenhumaleijado.Andrew,quebomquevocêestálivre.56queriatedizerisso.

Andrew icou sem saber o que responder. Nunca havia estado diante de nenhumagonizante,massabiaqueeraassimqueascriaturashumanasparavamdefuncionar.Umadestruiçao involuntaria, irreversıvel, e Andrew ignorava as palavras que se- riamapropriadas.Seresignouapermanecerdepé,emsilêncioeabsolutamenteimóvel.

Quandotudoterminou,Filhinhasevirouparaele.-Talvezelenaotenhasemostradoamavelcomvocepertodo im,Andrew,mas ja

estavavelho,compreende?Eficoumuitomagoadoquandosoubequevocêqueriaficarlivre.EntaoAndrewencontrouaspalavras.-Eununcateria icadolivresenaofosseele,

Filhinha.

9.FoisodepoisdamortedopatraoqueAndrewcomeçouausarroupas.Primeiroum

pardecalçasvelhas,queGeorgelhetinhadado.Georgejaestavacasadoeeraadvogado.Entrouparaa irmadeFeingold.Faziamuito

tempo que o velho Feingold haviamorridomas a ilha prosseguira com a banca. Com o

tempo,ono-memudouparaFeingold&Martin.Eassimcontinuou,mesmoquandoa ilhaseaposentouenaofoisubstituıdapornenhumoutromembrodafamılia.NaepocaemqueAndrewcomeçouaan-darvestido,onomedeMartinacabavadeseracrescentadoàfirma.

Georgeprocurounaosorrirdiantedaprimeira tentativadeAndrewparavestirascalças,masoolhardorobopercebeuclaramenteoesforçoqueoamigotevedefazerparadisfarçar.Georgemostrou-lhecomocontrolaracargaestáticaparaabrirabraguilhaeenfiaracalçapelaspemas,masAndrewlogosedeucontadequeirialevarumbocadodetempoparaaprenderafazertudoaquilodeumavezsó.

-Masporqueequevocequerandardecalças,Andrew?Oteucorpoetaobem-feitoefuncionalqueatedapenacobri-lo,aindamaisquenaoprecisasepreocuparcomocontroledetemperaturanemcompudores.Eafazendanãocaibemnumaestruturametálica.

Andrewnaodesistiu.-Eoscorposhumanos,George?Tambemnaosaobem-feitosefuncionais?Noentantovocêsandamvestidos.

-Porcausadofrio,dalimpeza,daproteçao,doefeitovisual.Nadadissoseaplicaavocê.

-Masasensaçaoqueeutenho,senaousarroupas,eadequeestounu.Eumesintodiferente,George-explicouAndrew.

-Diferente!Andrew,jáexistemmilhõesderobôsnaTerra.Sónestaregião,segundooúltimorecenseamento,háquasetantosrobôsquantohomens.

- Eu sei, George. Tem robo fazendo tudo quanto e tipo de trabalho que se possaimaginar.

- E, nenhum deles anda vestido. -Mas nenhum deles e livre, George. Aos poucos,Andrewfoiaumentandooguarda-roupa,Ficava inibidocomosorrisodeGeorgeecomoolharespantadodaspessoasquelhefaziamencomendas.

Podiaserlivre,masnofundotinhaumpro-gramamuitominuciosoemrelaçaoaoseu comportamento com as pessoas humanas e so ousava avançar com passos bemtımidos;retrocediamesesquandoencontravafrancadesaprovaçao.NemtodosaceitavamaliberdadedeAndrew.Era incapazde icar ressentidocom isso, enoentanto sentia certadi iculdadenoseuprocessoderaciocınioquandopensavanoassunto.Acimadetudo,naotinhavontadedesevestir-oudesecobrircomexagero-quandojulgavaqueFilhinhairiavisita-lo.Jaestavabemmaisvelhaepassavaamaiorpartedotempolongedali,emlugaresdeclimamaisameno,masquandovoltavaaprimeiracoisaquefaziaeravisitá-lo.

Numadessasvisitas,Georgecomentoucomtristeza:-Elamepegoupelapema,Andrew.Voumecandidataraocongressonoanoquevem.

“Talavô,talneto",dizela.-Talavô-Andrewinterrompeuafrase,indeciso.- Quer dizer que eu, George, o neto, vou ser comomeu avo, que ha muitos anos

chegouaserdeputado.-Seriataobom,George,seopatraoaindaestivesse...-parou,poisnaoqueriadizer

"funcionando";nãolhepareceuconveniente.-Vivo - completouGeorge. - E, de vez emquandoeu tambemme lembrodaquele

velhotirano.Andrew pensou muitas vezes nessa conversa. Ja tinha notado a sua propria

insu iciencia de expressao quando conversou com George. A linguagem havia, de certo

modo,mudado desde que o robo começara a usar o vocabulario que lhe deram.Depois,tambem,Georgepossuıaummodocoloquialdeseexprimir,oquejanaoaconteciacomopatraoeFilhinha.Porqueteriachamadooavodetiranoquandoessetermocertamentenaoeraapropriado?Andrewnaopodiasequerrecorreraseusproprios livrosparaesclarecerisso. Estavam velhos e a maioria so tratava de marcenaria, de arte, de projetos demobiliario. Nao havia nenhum sobre linguagem, sobre o modo de ser das criaturashumanas.

Por im, achou que precisava procurar livros adequados; e, como robo alforriado,tambemachavaquenaodeviaconsultarGeorge.Iriaacidadeeusariaabiblioteca.Foiumadecisaoeletrizanteesentiuqueoseupotencialdeenergiatinha icadotaoaltoqueseviuobrigadoacolocarumabobinaderesistênciaextra.

Vestiuumtemocompleto,inclusivecomdragonasdemadeira.Teriapreferidoquefossemdeplasticocintilante,masGeorgedisseraquemadeiraeramuitomaisapropriadoequeocedroenvernizadotambémeraconsideravelmentemaisvalioso.

Ja se afastara uns bons cemmetros de casa quando o aumento de resistencia oforçouaparar.Modi icouocircuitodabobinae,aoverqueissonaoresolviaoproblema,tomouaentrarparaescreveremletrabemlegıvel:"Fuiabiblioteca",edeixouobilhetebemàvista,emcimadamesadetrabalho.

10.Andrewnãoconseguiuchegarnempertodabiblioteca.Tinhaestudadoomapa.Sabiacomoprecisavafazerparairatélá,masnãoconheciao

caminho.Ospontosdereferencianaoseassemelhavamaossımbolosdomapaecomeçouavacilar. Com o tempo, achou que tinha de haver alguma coisa errada, pois tudo pareciaesquisito.

Voltaemeiacruzavaporumacampamentoderobos,masquandosedecidiuapedirinformações,nãoviumaisnenhum.Osveículosquepassavamnuncaparavam.

Andrew icoudepenomeiodaestrada,semanimoparanada,praticamenteimovel,quandoavistoudoishomensaproximando-seatravésdocampo.

Virou-se para eles, que mudaram de rumo para vir a seu encontro. Pouco antesfalavamemvozalta.Tinhaescutadoavozdeles.Masagoraestavamcalados.Possuıamoaspecto que Andrew classi icava de inde iniçao humana; e eram jovens, mas nao emdemasia.Vinteanos,talvez?Andrewnuncaconseguiaavaliaraidadedoshomens.

-Porfavor,qualéocaminhoparairàbibliotecamunicipal?Umdeles,omaisaltodosdois,queusavachapeuquelheaumentava,demodoquase

grotesco,aindamaisaestatura,disse,nãoparaAndrew,masparaooutro:-Eumrobo.Ooutrotinhanarizinchadoepalpebrascaı-das.Respondeu,naopara

Anw,masparaocompanheiro:-Eandavestido.Omaisaltoestalouosdedos.-Eoroboalforriado.Temum,lana

casadovelhoMartin,quenãoédeninguém.Porqueseráqueandavestido?-Perguntapraele-aconselhouodonarizinchado.-VocêéorobôdosMartins?perguntouomaisalto.

-OmeunomeéAndrewMartin,senhor-respondeuAndrew.-Otimo.Tiraessaroupa.Robonaoandavestido.-Virou-separaooutro.-Quecoisa

maisdesagradável.Olhasópraele!Andrewhesitou.Faziatantotempoquenaorecebiaordensnaqueletomdevozque

oscircuitosdaSegundaLeificarammomentaneamenteinterrompidos.-Tiraessaroupa-repetiuomaisalto.-Fazoqueestoutemandando.Andrewcomeçouasedespirdevagar.Deixacairepronto-disseomaisalto.Senãoédeninguém-observouonarigudo-,bemquepodiasernosso.-Sejalacomofor-continuouomaisaltoquemequevaireclamarcomoqueagente

izer?Nao estamos dani icando a propriedade de ninguem. - Virou-se paraAndrew. - Tecolocadeponta-cabeçaaínochão.

-Acabeçanao epara... -começouAndrew.-Estoudandoumaordem.Senaosabecomo

sefaz,nãocustanadatentar.Andrewhesitounovamente,depoissecurvouparaapoiaracabeçanochao.Tentou

ergueraspemas,masdesaboucomtodaaforça.- Fica deitado aı - mandou o mais alto. Virou-se para o outro: - A gente podia

desmontaressetroço.Nuncadesmontouumrobô?-Seráqueeledeixa?-Comoéquepodeimpedir?Nao havia jeito de Andrew impedi-los, se a ordem fosse dada de maneira tao

categóricaqueelenaoconseguisseresistir.ASegundaLeideobedienciatinhaprioridadesobrea

Terceira,deauto-defesa.Emtodocaso,naopodiasedefendersemoriscodeferirosdois,oqueimplicavainfringiraPrimeira.Aopensarnisso,sentiucadaunidademovelsecontrairdeleveesearrepioutodoenquantopermaneciaimóvel.

Omaisaltoseaproximoueoempurroucomopé,Épesado.Achoquevamosprecisardealgumasferramentasparafazeroserviço.- A gente podia encarregar elemesmode fazer isso - sugeriu o narigudo. - Ia ser

engraçadoficarassistindo.-E-concordouomaisalto,pensativomasvamostira-lodaquidaestrada.Sealguem

aparecer...Tardedemais.Alguem,defato,apareceu.EraGeorge.Deondeestavacaıdo,Andrew

viuumpequenovultoassomandoapoucadistancia.Gostariadelhefazerumsinalqualquer,masaúltimaordemquereceberatinhasido:"Ficadeitadoaí!"

Georgeveiocorrendoechegoumeioofegante.Osdoisrapazesrecuaramumpouco,aespera,paravernoquedava.

-Andrew,oquefoiqueaconteceu?-perguntouGeorge,ansioso.-Estatudobem,George-respondeuAndrew.-Entaotelevanta.Quehouvecomatua

roupa?-Esterobôéteu,cara?-perguntouomaisalto,Georgeseviroubruscamente,-Nãoédeninguém.Quefoiqueaconteceuporaqui?-Agentesopediucombonsmodosparaeletirararoupa.Oqueequevocetemcom

isso,seelenãotepertence?GeorgesevirouparaAndrew.- O que e que eles estavam fazendo, Andrew? - Pretendiam, nao sei como, me

desmontar.Estavamprontosparame levarparaum lugar tranquiloparamandarqueeumesmomedesmontasse.

Georgeolhouparaosdoisrapazescomoqueixotrêmulo.Osdoisnao recuaramnemumpasso. Sorriam. -Oque equevocepretende fazer,

gorducho?-perguntou,comardedebocheomaisalto.-Vaibaternagente?- Nao - respondeu George. - Nao e preciso. Este robo ja esta na nossa famılia ha

setentaecincoanos.Elenosconheceenosprezamaisdoquetudo.Eujavoudizeraelequevoces dois estao ameaçando minha vida e que planejam me matar. Vou pedir para medefender. Se tiver de escolher entre mim e voces, eu saio ganhando. Sabem o que vaiacontecerquandoelecomeçarabateremvocês?

Osdoisjáestavamrecuandoaospoucos,comcarademedo.-Andrew-disseGeorgecomenergia-,euestouemperigoeestesdoiscarasquerem

meagredir.Avançaemcimadeles!Andrewobedeceueosdoisnãohesitaram.Saíramcorrendo.-Estábem,Andrew,teacalma-disseGeorge.Pareciaabatido.Jahaviapassadodaidadeemquepoderiaencararapossibilidadede

seatra-carcomumhomemmaismoço,quedirádois.-Eunao iapodermachucareles,George.Eraevidentequenaoestavamagredindo

você.- Nao mandei que voce agredisse. Apenas pedi para avançar. O medo deles se

encarregoudoresto.-Comoequepodemtermedodeumrobo?-Eumadoençadahumanidade,queate

hojeaindanaotemcura.Masdeixaprala.Quediabovoceandafazendoporaqui,Andrew?

Aindabemqueencontreioteubilhete.Jaestavapensandoemdarmeia-voltaealugarumhelicoptero quando te achei. Que ideia foi essa de ir a biblioteca? Eu teria trazido tudoquantoélivroquevocêprecisasse.

-Eusouum...-começouAndrew.-Roboalforriado.Sim,sim.Tudobem.Masoqueequevocêpretendiafazerlánabiblioteca?

1-Euqueroconhecermelhorossereshumanos,omundo,tudo,emsuma.Eosrobostambém,George.Estoucomvontadedeescreverumahistóriasobreeles.

Georgeentãopassouobraçopeloombrodoautômato.-Bom,vamospra casa.Masantespegaa tua roupa.Andrew,existeummilhaode

livrossobreroboticaetodosincluemhistoriasdaciencia.Omundointeirojaesta icandosaturado,nãosóderobôs,masdeinformaçõessobreeles.

Andrewsacudiuacabeça,gestohumanoqueultimamentepassaraaadotar.-Masnaoeumahistoriadarobotica,George.Umahistoriaderobos,escritaporum

robo..EuqueroexplicarcomoelesencaramtudooqueaconteceudesdequecomeçaramatrabalhareavivernaTerra.

Georgearqueouassobrancelhas,masnaofaloumaisnadaquetivesserelaçaodiretacomoassunto.

11.Filhinhaacabavadecompletaroitentaetresanos,semdemonstraramenorfaltade

energiaoudeterminação.Usavaabengalamaisparagesticulardoqueparaseapoiarnela.Escutouadescriçãodoincidentecomverdadeirafúriadeindignação.-George,quehorror.Quemeramessesmal-feitores?-Seilá.Quediferençafaz?Afinal,nãocausaramdanonenhum.- Mas poderiam ter causado. Voce e advogado George; e, se esta bem de vida, e

exclusivamentegraçasaostalentosdeAndrew.Foiodinheiroqueeleganhouqueserviudebaseparatudooqueagentetem.Elepropiciaaestabilidadedestafamıliaenaopermitoquesejatratadofeitobrinque-dodedarcorda.

-Oqueéquevocêquerqueeufaça,mamãe?-perguntouGeorge.-Jadissequevoceeadvogado.Ficousurdo?Descubraumjeitodeentrarcomuma

açaoparaforçarostribunaisregionaisasemanifestaremafavordosdireitosdosroboseaobrigarem o congresso a aprovar todas as leis necessarias. Leve a historia toda ate oTribunal Mundial, se for preciso. Vou icar de olho, George, e nao vou tolerar nenhumaomissãodatuaparte.

Falavaserioe,portanto,oquecomeçoucomosimplesmanobraparaacalmarumatemıvel ancia virou questao complicada, com su icientes meandros legais para toma-lainteressante.Comosocio fundadordaFeingold&Martin,Georgetraçouaestrategia.Masdeixouotrabalhopropriamenteditonasmaosdossociosmaisrecentes,reservandoaparteprincipal para o ilho, Paul, que tambem participava da irma e apresentava relatoriosdiários,pontualmente,àavó.Ela,porsuavez,debatiaocasotodososdiascomAndrew.

Andrewseinteressouaomaximo.Foiadi-ando,cadavezmais,otrabalhonolivroquepretendiaescreversobrerobos,dedicando-seaestudarafundoosargumentoslegaiseaté,àsvezes,oferecendosugestõesbemmodestas.

- O George me contou, naquele dia em que fui atacado, que os homens sempretiverammedode robos - comentoucertavez. -Enquantopersistir issoos tribunaiseosorgaoslegislativosnaovaosededicarcoma incoanossacausa.Seraquenaosepodiafazeralgumacoisaparamudaraopiniãopública?

Por isso, enquanto Paul se concentrava no tribunal, George passou a ocupar asplataformaspublicas.Issolhedavaavantagemdesemostraravontade,chegandoinclusiveaoextremodeadotaronovoestiloconfortávelderoupas,queapelidoude"neo-romano".

-Vêsenãotropeçanatogaquandoestivernopalco,papai-advertiuPaul.-Fareiopossível-retrucouGeorge,meiosemgraça.Numa ocasiao discursou perante a convençao anual de editores de noticiarios

holográficos,dizendo,emparte:-Se,emvirtudedaSegundaLei,podemosexigirdequalquerroboumaobediencia

irrestrita em todos os sentidos nao relacionados com prejuızos para os seres humanos,entaoqualquerhomem,qualquer criaturahumanadispoedeumpoderassustador sobrequalquerrobô,qualquerautômato.Especialmente,umavezqueaSegundaLeisesobrepõeàTerceira,qualquerserhumanopodeusaraleidaobedienciaparasuperaradaautodefesa.Elepodeordenarqualquerroboasedani icarasiproprioouateasedestruirporqualquer

motivo,oumesmosemmotivonenhum."Isso e justo? Alguem trataria um animal dessa maneira? Inclusive um objeto

inanimadoquenosprestou serviços temdireito a nossa consideraçao. E um robo nao einsensıvel, nao e bicho. Sabe raciocinar perfeitamente, a pontode falar conosco, discutirconosco,brincarconosco.Seraquepodemostrata-locomoamigo,trabalharjuntocomele,semlhedaremtrocaumapartedosfrutosdessaamizade,dosbenefıciosdotrabalhoemconjunto?

"Se o homem tem direito de dar qualquer ordem a um robo que nao impliqueprejuızoparao serhumano,deveria tambem teradecenciade ja-mais lhedarqualquerordemqueacarretasseprejuızoparaoutrorobo,anaoserqueasegurançahumanaexijaissodemodoabsoluto.Todograndepodereacompanhadodegrandesresponsabilidades,ese os robos tem tres Leis para proteger os homens, seria pedir muito que os homenstivessemumaouduasleisparaprotegerosrobôs?"

Andrewtinharazao.Foiabatalhaparaconquistaraopiniaopublicaque terminouabrindoasportasdostribunaisedosorgaoslegislativos.Por im,aprovaramumaleiqueestipulava condiçoes para a proibiçao de ordens prejudiciais a robos. Havia inumerasexceçoes e as, penas relativas as infraçoes eram completamente inadequadas, mas oprincıpio icouestabelecido.Ahomologaçao inaldaLegislaturaMundialocorreunodiadamor-tedeFilhinha.

Nao por coincidencia. Durante os ultimos debates, Filhinha se agarroudesesperadamenteavidaesoseentregouaoinevitavelquandorecebeuanotıciadavitoria.SeuúltimosorrisofoiparaAndrew.

-Vocêfoimuitobomparanós,Andrew-foramassuasúltimaspalavras.Morreusegurandoamaodele,enquantoo ilhoeanora,emcompanhiadosnetos,se

mantinhamaumadistânciarespeitosadosdois.

12.Andrew esperou pacientemente que o robo- recepcionista desaparecesse na sala

intima. O funcionario poderia ter usado o interfone e hologra ico, mas estavaindubitavelmente perturbado por ter de lidar com outro robo, em vez de uma criaturahumana.

Andrew aproveitou para pensar um pouco no assunto: sera que da para se usar"desrobotizado" como analogia de "desvirilizado" ou essa ultima palavra se tomou umtermometaforico su icientemente desligado do seu sentido literal para ser aplicado aosrobos-ouasmulheres,nomesmocaso?Essetipodeproblemalhesurgiafrequentementequando trabalhava no livro sobre robos. A necessidade de criar frases para dar vazao atodasascomplexidadestinha,semdúvida,aumentadooseuvocabulário.

Devezemquandoalguementravanasala,porpuracuriosidade,eelenaoprocuravaevitaroolhar, retribuıabemcalmo,atequeobisbilhoteiro terminavadisfarçandoe indoembora.

Paul Martin inalmente apareceu. Parecia surpreso - ou pelo menos essa seria aimpressaodeAndrew,sepudesseinterpretarsempossibilidadedeerroaexpressaoqueele

fez.Paulresolveraadotaramaquiagemexagerada,ditadapelamodaparaambosossexos.Apesardede inirmelhorerealçarostraçosbastantedelicadosdePaul,Andrewnaogostavadaquilo.Tinhadescobertoquecriticarocomportamentodascriaturashumanas,desdequenaofossedemodoverbal,naoodeixavaconstrangido.Podiaatemanifestarareprovaçaoporescrito.Estavacertodequenemsempreha-viasidoassim.

- Entra, Andrew.Desculpa te fazer esperar,mas eu estava fazendo uma coisa queprecisavaterminar.Entra.Vocedissequequeriafalarcomi-go,maseunaosabiaqueeraaquinacidade.

- Se voce estiver muito ocupado, Paul, posso continuar esperando sem o menorproblema.

Paulolhouderelanceparao jogodesombrasquesedeslocavamnomostradordaparede,queserviaparamarcarahora.

-Tenhoumpoucodetempolivre-disse.-Vocêveiosozinho?- Aluguei um automatomovel. - Ninguem criou caso? - perguntou Paul, com certa

ansiedade.-Acheiquenãocriariam.Meusdireitoses-tãoprotegidos.Comessa,Paul icouaindamaisansioso.-Andrew,eujateexpliqueiquealeiein-

lexıvel, pelomenos namaioria dos casos ' E, se voce continuar insistindo em andarvestido,vaiacabararranjandoencrenca,talcomoaconteceudaprimeiravez.

-Primeiraeúnica,Paul.Lamentoquevocêtenhaficadoaborrecido.- Bom, entao nao se esqueça disto: voce e, praticamente, um mito ambulante,

Andrew,eumacriaturapreciosademais,sobvariosaspectos,parasedaraoluxodeestarsearriscandoàtoaporaí.Falarnisso,comovaiolivro?

-Jaestouquaseno im,Paul.Oeditorestamuitocontente.-otimo!-Naoquerodizerqueeleestejanecessariamentesatisfeitocomolivrocomotal.Achoquepretendevendermuitosexemplaresporquefoiescritoporumrobôeéporissoqueeleestácontente.

- O que e perfeitamente humano, a meu ver. - Isso nao signi ica que eu estejadescontente.Omotivodavendapodeserqualquerum,desdequesigni iquedinheiroedeparaeugastarumpouco.

-Vovo tedeixou... - Filhinha foimuitogenerosae tenho certezaqueposso contarcomafamıliaparameajudaraindamais.Masestoucontandoecomosdireitosautoraisdolivroparatomarasminhaspróximasprovidências.

- Quais sao elas? Quero falar com o diretor da U.S. Robots & Mechanical MenCorporation. Ja tentei marcar entrevista; mas por enquanto nao consegui nada. Como acorporaçãonãoquiscooperarcomigoparaescreverolivro,nãomeadmiro,compreende?

Paul começou a achar graça. - Cooperaçao seria a ultima coisa que voce poderiaesperar. Eles nao izeramnada quando precisamos deles para a nossa grande luta pelosdirei-tosdosrobos.Muitopelocontrario,eomotivoebemlogico.Esoosrobosadquiriremdireitosparaqueaspessoastalveznãoqueirammaiscomprarnenhum.

-Seja lacomofor - insistiuAndrew-,sevoce ligarpara la, ebempossıvelquemeconsigaessaentrevista.

-Nãopensequeelesgostammaisdemimdoquedevocê,Andrew.-Mastalvezvocepossainsinuarquefalandocomigoelessaocapazesdesuspender

qualquercampanhainiciadapelaFeingold&Martinparareforçaraindamaisosdireitosdos

robôs.-Masissonaoseriaumamentira,Andrew?-Claroquesim,Paul,evocesabequeeu

nãopossopregarnenhuma.Éporissoquetemdeservocêquevailigarpralá.Ah,querdizerque,mesmoquevocenaopossapregarumamentira,issonaoimpede

de memandar mentir em seu lugar, nao e? Andrew, cada dia que passa voce ica maishumano...

13.MesmocomumnomecomoodePaul,quesepodiaimaginarin luente,naofoifacil

marcar a entrevista. Terminou inalmente se realizando. Aı entao, Harley Smythe-Robertson,que,peloladomaterno,descendiadofundadordacorporaçao,tendoadotadoohıfen para indicar isso, nao semostrou nada satisfeito com a ideia. Em vesperas de seaposentar, havia dedicado todoo seuperıododepresidencia a questao dosdireitos dosrobos.Comosraloscabelosgrisalhoscolocadosnocranioeorostosemmaquiagem,voltaemeiaolhavaparaAndrewcomumpoucodehostilidade.

Andrew iniciou a conversa. - O senhor sabe, ha quase um seculo atras, MertonMansky,que trabalhavaparaestacorporaçao,medissequeoscalculosmatematicosqueorientavam amontagem do comportamento positronico eram complicados demais paraque se pudessem determinar soluçoes que nao fossem apenas aproximativas e que, porconseguinte,nãodavaparasepreveroalcancecompletodasminhascapacidades.

- Isso foi ha um seculo atras. Smythe-Robertson hesitou e depois acrescentoufriamente:

-Comoosenhormesmodisse.Hojenao emaisassim.Osnossosrobosagorasaofeitoscomprecisãoerecebemtreinamentoespecíficoparaotrabalhoaquesedestinam.

-Sim-con irmouPaul,quetinhavindojunto,comodisse,parasecerti icardequeacorporaçao faria jogo limpo -, com o resultado de que o meu recepcionista tem de serorientado em todos os pontos quando os acontecimentos se afastam da rotinaconvencional,atéemdetalhesinsignificantes.

- Voce icaria muito mais aborrecido se ele começasse a improvisar - retrucouSmythe-Robertson.

-Querdizerentãoquenãofabricammaisrobôsquenemeu,flexíveisemaleáveis.-Exatamente.-Segundoaspesquisasquevenhofazendoparaescreveromeulivro-

continuou Andrew - tudo indica que sou atualmente o robo mais antigo ainda emfuncionamento.

-Omaisantigoatualmente-disseSmythe-Robertson-,eemtodosostempos.Equejamaishadeexistir.Hojeosrobosperdemautilidadede-poisdevinteecincoanos.Saorecolhidosesubstituídospornovosmodelos.

-Elesperdemautilidadedepoisdevinteanos-frisouPaul,deixandotransparecerumapontadesarcasmonavoz.-Nessesentido,Andrewéliteralmenteforadesérie.

-Naqualidadederobomaisantigodomundo,emais lexıveltambem-prosseguiuAndrew,mantendo-sedentrodalinhaqueestipulouparasimesmo-,naosouumaespeciederaridadecapazdemerecertratamentoespecialporpartedacompanhia?

-Absolutamente-protestouSmythe-Robertson,jairredutıvel.-Opropriofatodeserumararidade emotivodeconstrangimentoparaacorporaçao.Se tivessesidoalugado,enãosimplesmentevendido,porobradoacaso,hámuitotempojáteriasidosubstituído.

-Masaquestaoejustamenteessa-a irmouAndrew.-Souumrobolivreedonodemimmesmo.Foipor issoquevimaqui,parapedirquevocesme substituam.Oquenaopode ser feito sem o consentimento do proprietario. Hoje isso se transformou emautorizaçaocompulsoria,clausulaobrigatoriadocontratode locaçao,masnomeutemponãoeraassim.

Smythe-Robertsonpareciasimultaneamenteespantadoe intrigadoeseconservouuminstantecalado.Andrewcontemplouohologramapenduradonaparede.EraamascaramortuariadeSusanCalvin,santapadroeiradosroboticistas.Jafaziaquasedoisseculosquetinha morrido, mas, em consequencia dos preparativos do livro que estava escrevendo,Andrewaconheciataobemquechegavaapraticamenteacreditarqueatinhaconhecidoemvida.

- Como e que eu posso substituir voce por voce mesmo? - perguntou Smythe-Robertson inalmente.-Umavezfeitaatroca,comoequevouentregaronovoroboavoce,naqualidadedeproprietário,senopróprioatodatrocavocêdeixadeexistir?

E sorriu implacavel. - Nao ha nenhuma di iculdade - atalhou Paul. - A base dapersonalidadedeAndrewestanocerebropositronicoqueelepossuiequeeapartequenaopodesersubstituıdasemcriarumnovorobo.Ocerebropositronico,portanto,eAndrew,oproprietario'Todasasoutraspartesdocorporobo-ticopodemsertrocadassemafetarapersonalidadedorobo,eessasoutraspartessaopropriedadesdocerebro.EudiriaqueoAndrewquerdaraocérebrodeleumnovocorporobótico.

-Issomesmo-disseAndrewcalmamente.Virou-separaSmythe-Robertson:-Vocesjafabricaramandroides,naoe?Roboscomaaparenciaexteriordehomens,taoperfeitaquetinhamatéamesmacontexturadaDele?

-Fabricamos,sim.Funcionavammuitobem,compeleetendoes ibrosossinteticos.Naotinhampraticamentenenhumcomponentemetalico,anaosernocerebro,maseramquasetaoresistentescomoosrobosfeitosdeaço.Demodogeral,pode-sedizerqueeramatémaisresistentes.

Paulsemostrouinteressado.-Eunãosabiadisso.Quantosexistemaindanomercado?-Nenhum-respondeuSmythe-Robertson.-Saıammuitomaiscarosqueosmodelos

deme- tal e uma pesquisa demercado demonstrou que nao teriam aceitaçao. Pareciamhumanosdemais.

Andrewestavaimpressionado.-Mas eu suponho que a corporaçao continuemantendo amesma pro iciencia. E,

nessecaso,pediriaparasertrocadoporumrobôorgânico,umandróide.Paullevouumsusto.-Puxavida!-exclamou.Smythe-Robertsonsemostrouaindamaisinexorável.-Totalmenteimpossível!-Impossıvelporque?-retrucouAndrew.-Claroqueestouprontoapagarqualquer

preço,desdequesejarazoável.

-Nósnãofabricamosandróides.-Vocesresolveramparardefabricar-atalhoulogoPaul.-Naoeamesmacoisaque

nãopoderfabricar.-Dequalquermodo-insistiuSmythe-Robertson-,fabricarandroideseagircontrao

interessepúblico.- Nao existe lei que proıba - a irmou Paul. - Mesmo assim, nao fabricamos, nem

pretendemosfabricar.Paulpigarreou.-Mr.Smythe-Robertson–disse.Andreweumrobolivre,protegidopelaleiquegaranteosdireitosdosrobos.Osenhorsabemuitobemdisso,nãosabe?

-Ecomo...-Esterobo,naqualidadedealforriado,gostadeandarvestido.Oresultadoe se ver frequentemente humilhado por pessoas descorteses, apesar da lei que proıbe ahumilhaçao de robos. Toma-se difıcil processar por insultos vagos, que nao gozam dareprovaçãogeralporpartedequemdevedecidiremmatériadeculpaeinocência.

-AU.S.Robotscompreendeuperfeitamenteisso, logodeinıcio.A irmadeseupai,infelizmente,não.

-Meupaijámorreu,maspeloquevejonosencontramosdiantedeumcasodeinsultomanifestovisandoaumalvoinconfundível.

-Doqueéquevocêestáfalando?-perguntouSmythe-Robertson.-Omeuconstituinte,AndrewMartin-queapartirdestemomentopassaasermeu

constituinte-,eumrobolivrequetemtodoodireitodesolicitaraU.S.Robots&MechanicalMen Corporation que seja substituıdo, serviço prestado pela corporaçao a qualquerproprietario cujo robo ja tenha mais de vinte e cinco anos. Alias, convem notar que acorporaçãoinsistenessasubstituição.

Paulsorria,'mostrando-secompletamentesenhordasituação.-Ocerebropositronicodomeuconstituinte-prosseguiu-eoproprietariodocorpo

dele, que, sem sombradeduvida, temmaisde vinte e cinco anos.O cerebropositronicoexigeasubstituiçaodocorpoesepronti icaapagarqualquersomarazoavelemtrocadeumcorpodeandroide.Sevocesserecusaremaaceitaropedido,omeuconstituinteteradeprocessá-lospelahumilhaçãosofrida.

Embora a opiniao publica, em circunstancias normais, nao apoie esse tipo dereivindicaçao, permita-me lembrar-lhe que a U.S. Robots nao desfruta da simpatia dopublicoemgeral.Atequemmaisusaelucracomosrobosdescon iadacorporaçao.Podeserquesejaumresquıciodaepocaemqueosautomatoseramobjetodospiorestemores.Outalvezmero despeito pelo poder e riqueza da U.S. Robots, que detem ummonopolio deambitomundial.Sejaqualforacausa,ofatoequeessedespeitoexiste.Tenhoimpressaodequevocesnaogostariamdeenfrentarapossibilidadedeumaaçaolegal,aindamaisqueomeuconstituintepossuigrandesrecursoseviverapormuitosemuitosseculos,naotendo,portanto, motivo nenhum para se esquivar de uma batalha judicial que se prolongueindefinidamente.

Smythe-Robertsonforaaospoucosavermelhando.-Vocêestáquerendoforçar..-Nãoestouforçandonada-atalhouPaul.-Serecusarem

aatenderaopedidoperfeitamenterazoaveldomeuconstituinte,temtodaaliberdadedeassim proceder e nao nos resta outra alternativa alem de ir embora sem dizer maisnenhumapalavra.Mastemostambemtodoodireitode iniciarumaaçao,quevoces,com

todaacerteza,acabarãoperdendo.- Bom... - Estou vendo que terminarao concordando - disse Paul. - Talvez ainda

hesitem,masnofimhãodeverqueéamelhorsolução.Permita-me,pois,deixarbemclarooseguinte:se,duranteotransplantedocerebropositronicoqueseencontraatualmentenocraniodomeuconstituinte,paraoutrocorpoorganico,ocorreralgumdano,pormenorqueseja, ique certo de que nao descansarei enquanto nao arrasar com a corporaçao porcompleto. E, caso for preciso, tomarei todas as providencias possıveis para mobilizar aopiniao publica contra a U.S. Robots, se surgir um arranhao sequer na essencia deplatinirıdioquedeterminaocomportamentodemeuconstituinte.-Virou-separaAndreweperguntou:-Vocêestádeacordocomtudooqueacabodefalar,Andrew?

Andrewesperouumminutointeiroparadararesposta.Aquiloequivaliaaconcordarcomamentira,achantagem,amorti icaçaoeahumilhaçaodeumserhumano.Massemomenordanofísico,disseconsigomesmo,semomenordanofísico.

Conseguiu,porfim,emitirum"sim"quaseinaudível.

14.Sesentiucomoseestivessesendofabricadodenovo.Durantedias,depoissemanas

e, inalmente, meses, Andrew teve a vaga sensaçao de que nao era mais o mesmo e asdecisõesmaisbanaispassaramaserenfrentadascomhesitação.

Paulficoupossesso.-Elesestragaramvocê,Andrew.Teremosdeentrarcomumaação!Andrewfalavabemdevagar.-Não...façaisso.Vocênuncavaiconseguir..provar...quehouve...hum...-Premeditação?-É.Alémdisso...jáestou...mesentindomais...forte,melhor.Éotr...tr..tr...-Tremor?-Não,trauma.Afinal,nuncahouveumaop...op...op...assimantes.Andrewpodiasentirocerebrodentrodocranio.Naoexistiamaisninguemquefosse

capaz de uma proeza dessas. Sabia que estava bem, e durante osmeses que levou paraaprender direito a integraçao do jogo positronico com a coordenaçao de movimentospassavahorasdiantedoespelho.

Naohavia icadototalmentehumano!Orostoestavarıgidodemaiseosgestoserammuitodeliberados.Naopossuıama luenciadespreocupadaelivredascriaturashumanas,que talvez viesse como correr do tempo.Mas pelomenos ja podia andar vestido semaanomaliaridículadeumrostodemetalquenãocombinavacomaquilo.

-Vouvoltaraotrabalho-anunciouumdia.Paulriu.-Issoquerdizerquevoce jaestabem.Oqueequepretendefazer?Escreveroutro

livro?-Nao-disseAndrew,bemserio.-Javivimuitotempoparamedeixarempolgarpor

umasocarreira,semnuncamudardeinteresse.Houveepocaemqueera,acimadetudo,artista plastico e posso perfeitamente voltar a ser isso. E houve epoca em que fuihistoriador,enadameimpededecontinuarsendo.Masagoraqueroserbiólogoderobôs.

- Psicologo, voce quer dizer. - Nao. Isso implicaria no estudo dos cerebrospositronicosedemomentonaosintoamenorvontadedemededicaraisso.Umbiologoderobos,ameuver,sepreocupariacomofuncionamentodocorpoligadoaessecerebro.-Naoseriaumroboticista?

- O roboticista trabalha com o corpo metalico. Eu estaria estudando um corpoandróideorgânico,dequesouoúnicopossuidor,aoquemeconsta.

-Estalimitandooseucampodeaçao-dissePaul,pensativo.-Comoartistaplastico,todaconcepçaotepertence;comohistoriador,voce lidaprincipalmentecomrobos;comobiólogoderobôs,vailidarapenasconsigomesmo.

Andrewconcordoucomacabeça.-Aoquetudoindica.Andrewtevedecomeçarbemdoinıcio,poisnaoentendianadadebiologiacomume

muitopoucode ciencia.Tomou-seuma igura conheci-danasbibliotecaspublicas, ondepesquisavaosındiceseletronicosporhorasa io,naochamandomaisaatençaopelofatodeandar vestido. As raras pessoas que sabiam que ele era robo nao interferiam de jeitonenhumemsuavida.

Montou laboratorio num anexo que construiu junto a casa; e sua biblioteca foitambémficandocadavezmaior.

Osanospassaram,atéodiaemquePauloprocurouedisse:-Quepenaquevoceinterrompeuahistoriaqueestavaescrevendosobreosrobos.

OuvidizerqueaU.S.Robotsmudouporcompletodeorientação.Paul havia envelhecido e os olhos cansados tinham sido trocados por celulas

fotópticas..NessesentidoestavamaisparecidocomAndrew.-Oquefoiquefizeram?perguntouAndrew- Estao fabricando computadores centrais, cerebros positronicos gigantescos

mesmo,quesecomunicamcomumnumeroderobosquevariadedozeamil,atravesdemicroondas. Os robos, propriamente ditos, nao tem cerebro nenhum. Constituem osmembrosdocérebrogigante,sendoporémfisicamenteindependentes.

-Issoproduzmaiore iciencia?-AUS.Robotsa irmaquesim.MasSmythe-Robertsonestabeleceuanovaorientaçaoantesdemorrer,etenhoimpressaodequetudonaopassoudeumamanobraportuacausa.AU.S.Robotsresolveunaofazermaisnenhumroboquelhesdeotipodeproblemaquevocecrioue,porisso,estaoseparandoocerebrodocorpo.Assim,nenhum robo podera trocar de corpo - que nao tera nenhum cerebro para querer coisaalguma.

"Ain luenciaquevoceexerceunahistoriadosrobos",prosseguiuPaul,"eespantosa,Andrew.FoioteutalentoartısticoqueencorajouaU.S.Robotsafabricarautomatosmaisexatoseespecializados;foiatualiberdadequeprovocouadeterminaçaodoprincıpiodosdireitosroboticos;foiatuainsistenciaemterumcorpoandroidequelevouaU.S.Robotsaoptarpelaseparaçãoentreocérebroeocorpo."

Andrew icou pensativo. - Estou vendo que no im a corporaçao vai acabarproduzindo um cerebro enorme para controlar varios bilhoes de corpos roboticos. Vaocolocartodososovosnomesmobalaio.Éperigoso.Nadaaconselhável.

-Achoquevoce temrazao -dissePaul -,masdescon ioque issosovaiacontecerdaquiaumseculo,nomınimo,enaoestareimaisvivoparaver.Alias,duvidomuitoqueestejavivonoanoquevem.

-Paul!-exclamouAndrew,preocupado.Pauldeudeombros.-Oshomenssaomortais,Andrew.Naosaocomovoce.Naofazmuitadiferença,mas

considero importante esclarecer uma coisa: eu sou o ultimo representante humano dafamıliaMartin.Odinheiroquecontrolopessoalmente icaradepositadonumfundoemteunomee,noquediz respeitoaoqueo futuro temdeprevisıvel, vocenaoprecisamais sepreocuparcomproblemasfinanceiros.

-Naohanecessidadedenadadisso-a irmouAndrew,articulandoaspalavrascomdificuldade.

Durantetodo1essetempo,aindanaotinhaseconformadocomasmortessucessivasdafamíliaMartin.

-Nadadediscussões.Éassimqueserá.Agora,noqueéquevocêestátrabalhando?- Num sistema que permita que os androides - como eu - recebam energia da

combustãodehidrocarbonetos,emvezdadecélulasatômicas.Paularqueouassobrancelhas.-Paraquepossamrespirarecomer?-É.-Háquantotempovocêvemtrabalhandonisso?- Ja faz muito, mas acho que inalmente projetei uma camara de combustao

apropriadaparaofracionamentocatalisado,controlado.-Masatrocodeque,Andrew?Acelulaatomica e,semamenorsombradeduvida,

infinita-mentesuperior.-Emcertosentido,talvez.Masnãoéhumana.

15.Levoutempo,masissoAndrewtinhadesobra.Emprimeirolugar,naoqueriafazer

nadaenquantoPaulnaomorresseempaz.Comamortedobisnetodopatrao,Andrewsesentiumuitomaisexpostoahostilidadedomundo,eporessemotivosedeterminouanaoseafastardocaminhoquehaviaescolhido.

Naoestava,porem,realmentesozinho.AmortedeumdossociosnaocomprometiaofuncionamentodaFeingold&Martin,poisuma irmatemtantapossibilidadedeextinçaoquantoumrobô.

A banca de advocaciamantinha suas diretrizes, que seguia friamente. Com o seufundoeodafirmajurídica,Andrewcontinuouaserrico.Fmtrocadoselevadoshonoráriosecomissoes anuais, a Feingold & Martin defendia os aspectos legais da nova camara decombustao.Mas,quandochegouahoradeAndrewvisitaraU.S.Robots&MechanicalMenCorporation,elefoisozinho.JatinhaidoumavezcomopatraoeoutracomPaul,Agora,naterceira,iasó,naqualidadedehomem.

A U.S. Robots havia mudado. A fabrica de produçao propriamente dita setransformaranum imensopostoespacial, tal comoaconteceracomumnumerocadavezmaiordeindustrias.Issoacarretavaadesativaçaodevariosrobos.ATeffaestavavirandouniaespeciedeestacionamento,comapopulaçaodeumbilhaodehabitantesestabilizadae

talveznaomaisdetrintaporcentodeumnumeropelomenosequivalentederobosdotadosdecérebrosautônomos.

O diretor do departamento de Pesquisas era Alvin Magdcscu, de pele e cabelosescuros, compequenocavanhaque,eusandoacimadacinturaapenasa faixaditadapelamoda.QuantoaAndrew,trajava-seaindacomotemocompletodemuitasdécadasatrás.

Magdescuapertouamaodovisitante.-Jaoconheciadenome,logico,eestoumui-tosatisfeitoporconhece-lopessoalmente.OsenhoreonossoprodutomaisfamosoeeumalastimaqueovelhoSmythe-Robertson tivesse feito tantaoposiçao.Poderıamos ter feitomuitacoisapelosenhor.

-Eaindapodem-disseAndrew.-Nao creio, nao. Perdemos a oportunidade,Tivemos robos aqui naTerradurante

maisdeumseculo,masasituaçaojaestamudando.Elesagoravaovoltaraoespaçoeosqueficaremaquinãoterãomaiscérebros.

-Masaindarestoeu,quepretendoficaraquinaTerra.-Everdade,masosenhorquasenaotemmaisaparenciadeautomato.Qualeoseu

novopedido?-Ode ter cadavezmenoscaracterısticasde robo. Jaquecontinuoa serorganico,

gostariadecontarcomumafontedeenergiaquetambémfosse.Trouxecomigoosplanos...Magdescunãoseapressouemexaminá-los.Talvezaprincípioatéestivesseinclinado

afazerisso,masseempertigoutodoeresolveuganhartempo.A,certaalturacomentou:-Estáfantásticodetãobem-feito.Dequemfoiaideia?-Minha-respondeuAndrew.Magdescu levantou os olhos bruscamente para ele e depois continuou: - Isso

representariaumatransformaçaocompletadoseucorpo,eemcaraterexperimental,umavezquejamaissetentoufazerantesumacoisadestas.Naoaconselhoaempreende-la.Fiquedojeitoqueestá.

Osmeiosdeexpressao isionomicadeAndreweramlimitados,masavoztraduziuclaramenteasuaimpaciência:

- Dr. Magdescu, o senhor esta completamente enganado. Nao lhe resta outraalternativa senao atender aomeupedido. Se esses dispositivos podem ser colocados nomeu corpo, nada impede que se proceda de maneira identica com corpos humanos. Atendencia a prolongar a vida humana com recursos proteticos ja e bem conhecida. Naoexistemdispositivosmelhoresdoqueosqueprojeteiouestouprojetando.

"Por sinal, registrei as patentes de invençao por intermedio da irma Feingold &Martin. Somos bem capazes de entrar sozinhos no ramo e de aperfeiçoar o tipo dedispositivos proteticos que no im acabarao produzindo seres humanos commuitas dascaracterísticasdosrobôs.Nessecaso,osseusnegóciossóteriamaperder.”

"Se,porem,meoperassemagoraeconcordassememfazeromesmonofuturo,emcircunstancias identicas, teriam licençapara utilizar as patentes e controlar a tecnologiadosrobôsedaprótesedossereshumanos.Alicençainicialsóserádada,naturalmente,apósoexitocompletodaprimeiraoperaçaoedepassarbastantetempoparademonstrarquefoi,defato,umêxito."

Andrewquasenemsesentiuconstrangidocomascondiçoes rigorosasqueestavaestipulandoparaumacriaturahumana.Estavaaprendendoaraciocinarqueoqueparecia

crueldadepodia,nofim,setransformarembondade.Magdescuficouatônito.-Naoestouemcondiçoesderesolverumacoisadestas.Trata-sedeumadecisaoque

sópodesertomadaemassembléiageral.Eissodemorabastante.-Possoesperardentrodeumprazoquesejarazoavel-declarouAndrew-,masnao

maisdoqueisso.Epensou,comsatisfação,queopróprioPaulnãoteriasesaídomelhordoqueele.

16.Otemponecessáriofoidefatorazoáveleaoperaçãotevegrandeêxito.-Meopusmuitoaessaoperaçao,Andrew-disseMagdescu-,masnaopelosmotivos

quevocepossa imaginar.Nao tinhaabsolutamentenadacontraaexperiencia,desdequefosse feita noutra pessoa. O que eu nao queria, de maneira alguma, era arriscar o seucerebropositronico.Agoraquevocedispoedeumcomportamentopositronicocombinadocomodenervossimulados,talvez icassedifıcilrecuperarocerebrointacto,seocorponaoresistisseàcirurgia.

-Eudepositavaumacon iançatotalnacompetenciadaequipedaU.S.Robots-disseAndrew.-Eagorajápossocomer.

- Bem, voce pode tomar azeite de oliva. O que vai exigir limpezas esporadicas dacâmaradecombustão,comojáteexplicamos.Umdetalhemeioincômodo,ameuver.

-Talvez, se eunao contasse comoutros aperfeiçoamentos.Uma limpeza feitapormimmesmo e perfeitamente possıvel. Estou, alias, trabalhando num dispositivo que seencarregaradaalimentaçao solidaque, como edeesperar,hade conter fraçoesquenaosejamcombustíveis;matériaindigesta,porassimdizer,queterádeserexpelida.

-Teria,então,deinventarumânus.-Oucoisaparecida.-Quemais,Andrew...?-Tudo,simplesmente.-Genitáliatambém?-Desdequeseenquadreemmeusplanos.Meucorpo eumatelaemquepretendo

criarum...Magdescu esperou que ele completasse a frase e, ao ver que nao ia conseguir,

sugeriu:-Umhomem?-Veremos-disseAndrew.-Queambiçaomaissemgraça,Andrew.Vocevalemuitomaisdoqueumhomem.So

teveaperder,desdeomomentoemqueoptouporsertornarorgânico.-Meucerebronaosofreunenhumprejuızo.-Temrazao.Admito.Mas,Andrew,todos

osnovoscantinhosemmateriadedispositivosproteticosqueseabriramcomoregistrodetuaspatentesestaosendoexploradoscomoteunome.Voceereconhecidamenteoinventoreestarecebendotodasashomenagensporcausadisso;oqueeperfeitamentejusto.Paraquecontinuarcolocandooteucorpoemrisco?

Andrewnaorespondeu.Ashomenagenssesucediam.Foiacolhidocomomembrodevarias associaçoes eruditas, inclusive uma dedicada a nova ciencia que instituıra - que

chamara de robobiologia, que acabou sendo conhecida como proteselogia. Nosesquicentenariodesuafabricaçao,aU.S.Robotsofereceu-lheumjantardegala.SeAndrewpercebeualgumaironianahomenagem,nãodemonstrou.

AlvinMagdescu,aessaalturajaaposenta-do,reapareceuparapresidiracerimonia.Estava com noventa e quatro anos e continuava vivo graças tambem aos dispositivosproteticosque, entreoutras coisas,preenchiamas funçoesdo fıgadoedos rins.O jantarchegouaoclımaxquandoMagdescu,depoisdebreveeemocionadodiscurso,ergueuataçaparabrindaroRobôSesquicentenário.

Andrew tinha remodelado os tendoes do rosto a ponto de poder exibir umavariedade de emoçoes humanas, mas passou toda a cerimonia com o semblantesolenementeimpassível.NãogostoudeserchamadodeRobôSesquicentenário.

17.Foiaproteselogiaque, inalmente, levouAndrewparalongedaTerra.Nasdecadas

subsequentes as comemoraçoes do sesquicentenario, a Lua se transformou nummundomais terrestrequeaTerraemtodosossenti-dos,menosnaatraçaodagravidade;eemsuas cidades subterraneas se concentrava uma populaçao relativamente grande. Osdispositivosproteticosusadospor laprecisavamconsiderara forçadegravidademenor.Andrew passou cinco anos na Lua trabalhando com proteselogistas locais para adquirircondiçoes de adaptaçao ideais.Nas horas de folga, perambulavanomeiodos habitantesrobos, de quemobtinha, sem exceçao, amesma solicitude que teriam comuma criaturahumana.

VoltouparaumaTerracomparativamentemonotonaecalma,evisitouoescritoriodaFeingold&Martinparacomunicarseuregresso.

Odiretoremexercíciodafirma,SimonDeLong,sesurpreendeu.-Jasabıamosquevoceiavoltar,Andrew-eleporpouconaodisseMr.Martin-,mas

nãoesperávamosqueissoacontecesseantesdasemanaquevem.- Fiquei impaciente - explicou Andrew, todo animado. Estava ansioso para entrar

logonoassunto.-NaLua,Simon,eueraencarregadodeumaequipedepesquisadevintecientistas humanos. Dava ordens que ninguem discutia. Os robos lunares me tratavamcomoseeufosseumacriaturahumana.Porque,então,nãopossoserhomem?

OsolhosdeDeLongsemostraramcautelosos.-MeucaroAndrew, comovocemesmoacabadeexplicar, tantoos robos comoos

homenstetrataramCOMOsevocêfossehumano.Emúltimaanálise,portanto,vocêjáé..-Emultimaanalisenaobasta.Naosoqueroquemetratemcomohomem,masque

tambémsejajuridicamenteconsideradocomotal.Queroserhomemnosentidolegal.- Isso ja e outra coisa - retrucouDeLong. - Aı ja estamos entrando no terreno do

preconceitohumanoedofatoincontestávelque,pormaisquepareça,vocênãoéhomem.- Como que nao sou? - reclamou Andrew. - Tenho aspecto de homem e orgaos

equivalentesaosdeumserhumano.Que,alias, sao identicosaosdecertascriaturasquetemde usar proteses. Aminha contribuiçao artıstica, literaria e cientı ica para a cultura

humana,tao importantequantoadequalquerhomemcontemporaneo.Quemaissepodeexigir?-Eu,pessoalmente,nãoexigiriamaisnada.

OproblemaequeseriaindispensavelumatodaLegislaturaMundialparatede inircomoserhumano.E,parafalarcomfranqueza,achodifícilqueissovenhaaacontecem

-ComquemeupoderiafalarlánaLegislatura?-ComoPresidentedaComissãodeCiênciaeTecnologia,talvez.-Vocemearranjaumaentrevista? -Masnao e precisonenhum intermediario.Na

posiçãoemquevocêestá,pode...-Nao.Euqueroquevoceseencarreguedisso. -Andrewnempercebeuqueestava

dandoumaordemcategoricaaumserhumano,detaoacostumadoafazerissoquetinhaicadonaLua.-Queroqueelesaibaquea irmaFeingold&Martinvaimeapoiarnissoateofim.

-Bem,agora...-Ateo im,Simon.Durantecentoesetentaetresanos,deumjeitooude outro, contribuı mui- to para esta irma. Antigamente tinha certas obrigaçoes comparticipantesindividuaisdaempresa.Hojenaotenhomais.Agoraasituaçaopraticamenteseinverteuefaçoquestãodecobraradívida.

-Vouveroquepossofazer-disseDeLong.

18.OPresidentedaComissaodeCienciaeTecnologiaprovinhadaAsiaOrientaleera

mulher. Chamava-se Chee Li-hsing e os trajes transparentes que usava - encobrindo oqueriaencobrirsópelobrilho-davamaimpressãodequeandavaenvoltaemplástico.

- Eu compreendo que voce queira ter todos os direitos humanos - disse ela. - Ahistoriatambemregistramomentosemquepopulaçoesinteiraslutaramparaconquistaraplenitudedosdirei-toshumanos.Masquaissãoosquevocêachaquelhefaltam9

-Umacoisabemsimples,como,porexemplo,omeudireitoavida-a irmouAndrew.-Umrobôpodeserdestruídoaqualquerhora.

-Comohomemaconteceomesmo.-Sim,masparaquesejaexecutadoexistemprocedimentos legais.Eparaaminha

destruiçaonaohanecessidadedeprocessonenhum.Bastaumaordem,dadaporautoridadecompetente,eestouperdido.Depois...depois...

Andrew fez um esforço desesperado para nao demonstrar qualquer sinal de queestivesse implorando alguma coisa, mas se deixou trair por esgares faciais - taocuidadosamenteprogramadosquandofoifeito-epelotomdevoz.

- Na verdade, o que eu quero e ser homem. Venho sonhando com isso ha seisgeraçõesdesereshumanos.

Li-hsingcontemplou-ocomamaiorcompreensãonosolhosescuros.-Alegislaturapodepromulgarumaleiqueodeclarecomotal.Querendo,podeate

decretar que uma estatua de pedra seja considerada como pessoa humana. Mas apossibilidadede que isso aconteça e tao remota no primeiro comono segundo caso.Oscongressistassaohumanoscomoorestodapopulaçao,esempreexisteaqueleelementode

desconfiançaemrelaçãoaosrobôs.-Mesmohojeemdia?-Mesmohojeemdia.Todosnosestarıamosdeacordoquanto

ao fato de voce fazer jus a condiçao humana, e no entanto sempre haveria o medo deestabelecerumprecedenteindesejável.

- Que precedente? Sou o unico robo livre que existe, o unico no genero, e nuncahaveráoutro,PodeconsultaraU.S.Robots.

-"Nunca"eumapalavramuitoarriscada,Andrew,ou,seprefere,Mr.Martin,umavezquetereiomaiorprazeremconsidera-lo,pessoalmente,comohomem.Masvaiverqueamaiorpartedoscongressistasnaoestataodisposta,comoeu,aabrirprecedentes,pormaisirrelevantesquesejam.Mr.Martin,osenhorcontacomtodoomeuapoio,masnaopossolhedarnenhumaesperança.Aliás...

Recostou-senapoltronaefranziuatesta.-Alias,seaquestaosetomarproblematicademais, e bem possıvel que se manifeste um certo movimento, tanto no seio do orgaolegislativo como em outros, no sentido daquela destruiçao que ha pouco mencionou.Elimina-lopoderiaseramaneiramaissimplesdesolucionaroimpasse.Pensebemnissoantesdelevarocasoadiante.

Andrew persistiu: - Sera que ninguem se lembra da tecnica da proteselogia, umacoisaquedesenvolvipraticamentesozinho?

-Podeparecercrueldade,masachoquenao.Ou,selembram,serasoparausarcomoargumentocontraosenhor.Vaodizerquefez issoapenasemproveitoproprio.Equefoipartedeumplanopararobotizarsereshumanos,ouparahumanizarosrobose,emambososcasos,umplanoperversoepernicioso.Osenhornuncaserviudealvodeumacampanhade odio polıtico,Mr.Martin;mas lhe garanto que seria objeto de um tipo de difamaçaosimplesmente inacreditavel e que encontraria credulos em quantidade su iciente parainutilizarto-dososseusesforços.Mr.Martin,deixesuavidadojeitoqueestá,

Se levantou da poltrona. Ao lado da igura sentada de Andrew, parecia pequena equaseinfantil.

-Seeuresolverlutarpelaminhacondiçãohumana,possocontarcomseuapoio?Elapensouumpoucoedepoisrespondeu:-Pode...ateondemeforpossıvel.Seeu,

porem, sentir que esse apoio e capaz de chegar a ameaçar omeu futuro polıtico, talveztenhaderetira-lo,umavezquenaosetratadeumaquestaoqueeuconsideroprioritarianoroldosmeusprincípios.Estoutentandoserabsolutamentesinceracomosenhor.

-Euagradeçoenaovoulhepedirmaisnada.Pretendolutarateo im,sejamquaisforemasconsequencias,esovoltareialhesolicitarapoiodentrodoslimitesqueasenhoramesmatraçou.

19.Nao foi uma luta direta. A Feingold &Martin aconselhou Andrew a ter paciencia,

coisaqueele,resmungandotristemente,dissequetinhaatedesobra.Abancadeadvocaciainiciou,então,umacampanhapararestringiredelimitaraáreadeação.

Entraram com uma petiçao em que se a irmava que um indivıduo portador de

protese cardıaca icava isento do pagamento de dıvidas, com fundamento na asserçaojurıdica de que a posse de um orgao robotico o destituıa da condiçao humana e,consequentemente, dos direitos constitucionais dos seres humanos. Lutaram de modohabileobstina-doparaprovaressepontodevista,perdendoterrenoacadainstante,massempredetalformaqueasentençatevedeseramaisabrangentepossıveledepois,entao,apresentaramrecursoperanteoTribunalMundial.

Issolevouanosevariosmilhoesdedolares.Proferidaasentençade initiva,DeLongofereceuoqueequivaliaaumacomemoraçaodevitoriaporcausadaderrotalegal.Andrew,naturalmente, encontrava- se presente no escritorio da corporaçao, onde se festejava aocasião.

-Conseguimosduascoisas,Andrew-disseDeLong-,ambasalvissareiras.Antesdemaisnada, icoudeterminadoque,qualquerquesejaaquantidadedemembrosarti iciaisqueexistanocorpohumano,issonaoimpedequecontinueaserconsideradocomotal.E,emsegundolugar,conquistamosoapoioincondicionaldaopiniaopublicaafavordeumaamplainterpretaçaodoquevemaserumhomem,jaquenaohanenhumacriaturaquenaocontecomprótesesparasemanterviva.

- E voce acha que a Legislatura agora vai me conceder a condiçao humana? -perguntouAndrew.

DeLongpareceumeioconstrangido. -Quantoa isso,naomeatrevoaserotimista.Ainda resta o unico orgao que o Tribunal Mundial usa como criterio para determinar acondiçaohumana.Oshomenstemumcerebrocelularorganico,aopassoqueodosrobos,quandoexiste,epositronicoedeplatinirıdio;eoteu,semamenorsombradeduvida,estanesse caso. Nao, Andrew, nao faça essa cara. Nos nao dispomos demeios para copiar otrabalhodeumcerebrocelularemestruturasarti iciais,demaneirataoidenticaaodotipoorganicoquepossaseenquadrarnasentençadotribunal.Nemvocemesmoseriacapazdeconseguirisso.

-Quevamos fazer,entao? -Continuar tentando,evidentemente.AcongressistaLi-hsingpretendenosapoiareumnumerocadavezmaiordeoutrosparlamentarestambem.OPresidentedecertoacompanharáamaioriadocorpolegislativonessaquestão.

-Enóstemosamaioria?Nao.Pelomenosporenquanto.Mastal-veztenhamos,seopublicopermitirquea

vontadede uma interpretaçaomais ampla da condiçao humana se estenda a voce.. Umapossibilidademınima,reconheço;mas,sevocenaoquiserdesistirdaluta,agentetemdecontarcomela.

-Nãoquero,não.

20.A congressista Li-hsing tinha envelhecido bastante desde a primeira entrevista

concedida aAndrew.Nao usava hamuito tempo aquelas roupas transparentes.O cabeloestavacortadobemcurtoeo trajeeracilındrico.Apesardisso,Andrewseconservavaaomaximo possıvel dentro dos limites do bom gosto, iel ao estilo de roupa que resolvera

adotarháumséculoatrás.-Nao da para se fazermais do que ja se fez, Andrew - admitiu Li-hsing. - Vamos

tentar outra vez depois do recesso parlamentar, mas, para ser franca, a derrota vai serinevitavel e aı entao teremos que desistir por completo. Todos os meus esforços maisrecentes so contribuıram para a certeza de que nao serei reeleita na campanha para oscargoslegislativos.

-Eusei-disseAndrew-,eissomepreocupamuito.Vocetinhaditoque,seacoisachegas-seaesseponto,nãopoderiacontinuarmeapoiando.Porquemudoudeideia?

-Agentepodemudardeopiniao,sabia?Decertomodo,abandonara tuacausasetomouumpreçocarodoqueeupretendiapagarapenasporumperıodoamais.E,a inaldecontas,fazmaisdeumquartodeséculoqueocupocargoslegislativos.Chega.

-Nãohámeiosdesefazercomqueessepessoalmudedeideia,Chee?- Conseguimos abalar a opiniao de todos com que era possıvel contar. O resto, a

maioria,vaisemanterinabalávelnassuasantipatiasemocionais.-Antipatiaemocionalnãoseconstituimotivoválidoparavotarassimouassado.- Eu sei disso, Andrew, mas o problema" que eles nao apresentam a antipatia

emocionalcomomotivo.-Tudoseresumenocerebro,entao-disseAndrew,cauteloso.-Masseraqueagente

precisareduzirtudoaumasimplesquestaodecelulasemcontraposiçaoapositrons?Naoexisteummododeforçarumade iniçao funcional?Seraprecisodizerqueumcerebrosecompoedistooudaquilo?Porquenaosedizqueeleeumacoisa,sejalaqualfor,capazdeumdeterminadonívelderaciocínio?

-Naoda-insistiuLi-hsing.-Oteucerebrofoifeitopormaoshumanas,oquejanaoacontececonosco.Oteuefabricado,odohomemevolui.Paraqualquerpessoadeterminadaamanterumabarreiraentreelaeumrobo,essasdiferençasrepresentamummurodeaçocommaisdeumquilômetrodelarguraeoutrotantodealtura.

-Sedesseparaagentedescobriraorigemdessaantipatia,masaorigemmesmo...-Comtodososanosdevidaquetem-comentouLi-hsingcomtristeza-,vocenao

desistedequerercompreenderoserhumano.PobreAndrew,nao iquebravocomigo,maseoseucaráterderobôqueinsisteemtelevarnessadireção.

-Seilá-retrucouAndrew.-Seaomenoseupudesse...

1 (Ritornelo)Seaomenoselepudesse...Hamuitotempojasabiaqueacoisapodiachegaraquele

ponto e por im procurou um cirurgiao. Descobriu um bastante competente para o quequeria-oquesigni icavaquetambemerarobo,poisAndrewnaopodiacon iaremnenhumhomemquefossemédicotantoemmatériadecompetênciacomodeintenção.

Orobonaoefetuariaaoperaçaonumacriaturahumana,porissoAndrew,depoisdeadiaraomaximoomomentodedecisao,seguindoumatristelinhaderaciocınioquere letiaotumultoquesen-tianoíntimo,pôsaPrimeiraLeideladodizendo:

-Eutambémsourobô.Eacrescentou,comamesma irmezacomqueaprenderaadarordens, inclusivea

sereshumanos,duranteasúltimasdécadas:-Teordenoaefetuaraoperaçaoemmim.NaausenciadaPrimeiraLei,umaordem

dadademaneirataocategoricaporalguemquepareciatantoserhomemativouaSegundadeformasuficienteparaquefosseobedecida.

21.A sensaçao de fraqueza de Andrew, segundo ele, era apenas imaginaria. Tinha se

recuperadodaoperaçao,Mesmoassimencostou-se,damaneiramaisdiscretapossıvel,naparede.Sesentasse,nãopoderiadissimular.

Ovotodecisivoseranestasemana,Andrew-disseLi-hsing.-Naoconseguicontinuaradiandopormaistempo,eecertoquevamosperder.Depoisdisso,naotemmaiscondiçoes,Andrew.

-Mesintomuitogratopelatuahabilidadeemprotelar.Medeuoprazoqueprecisavaemearrisqueiafazeroquequeria.

-Queriscofoiesse?-perguntouLi-hsing,jáfrancamentepreocupada.-NaopodiacontaravocenemaopessoaldaFeingold&Martin.Tinhacertezadeque

naoiriamconsentir.Vejaso,seoqueestaemjogoeocerebro,tudonaoseresumenumaquestaodeimortalidade?Ninguemligaamenorimportanciaparaoaspecto,aorigemoumododesefazerumcerebro.Oqueimportaequeascelulasdocerebrohumanomorrem,tem de morrer. Mesmo que todos os outros orgaos do corpo se conservem ou sejamsubstituıdos,ascelulascerebrais,quenaopodemsertrocadassemmodi icare,portanto,matarapersonalidade,comotempoacabammorrendo.

"O meu proprio comportamento positronico ja durou quase dois seculos semnenhumamodi icaçaoperceptıveleecapazdedurarmuitomaisainda.Naoeessaaobjeçaofundamental?Ahumanidadepodetolerarumroboimortal,porquepoucoimportaquantotempoamaquinadure,masnaopodetolerarumhomemimortal,umavezqueapropriamortalidadesoesustentavelnamedidaemqueforgeral.Eporessemotivonaoconcordamcomminhaexigênciademetomarhumano."

-Aondeéquevocêquerchegar,Andrew?-perguntouLi-hsing.-Acabeicomesseproblema.Decadasatras,omeucerebropositronicofoi ligadoa

nervosorganicos.Agora,umaultimaoperaçaoconseguiudarumjeitoparaqueessaligaçao,aospoucos,paulatinamente,perdesseessepotencialdomeucomportamento.

Li-hsingnaorevelouamınimaexpressao,poruminstante,norostodelicadamenteenruga-do.Depoisapertouoslábios.

-Querdizer,Andrew,quevoceencontrouumaformademorrer?Naoepossıvel.IssorepresentaumainfraçãoàTerceiraLei.

-Nao-a irmouAndrew.-Apenasopteientreamortedomeucorpoeadosmeussonhoseaspiraçoes.Permitirqueomeucorpovivesse,acustadeumamortemuitomaisgrave,équeseriainfringiraTerceiraLei.

Li-hsingpegou-opelobraçocomosequisessesacudi-lo.Masseconteve.- Andrew, isso nao vai dar certo! Troca de novo. - Impossıvel. Os danos foram

enormes. Tenhoumanopara viver,mais oumenos. Vou sobre- viver ate festejar omeubicentenário.Nãotiveforçasparaprotestarcontraessacondição.

-Masnãovaleapena,Andrew.Vocêéumidiota- Como que nao vale a pena, se conseguir a minha condiçao humana? E, se nao

conseguir,vaiacabarcomtodaessalutae,portanto,tambémvaleapena.Foi entao que Li-hsing fez uma coisa de que nao se julgava capaz. Quando viu,

espantada,tinhacomeçadoachorardemansinho.

22.Eestranhocomoomundosedeixouimpressionarcomaquelaultimafaçanha.Tudo

oqueAndrew tinha feito ate entao nunca abalara ninguem. Mas havia inalmente

concordadocomapropriamorteparachegaracondiçaohumanaeosacrifıcioeragrandedemaisparaserignorado.

A cerimonia inal foi marcada, de modo absolutamente proposital, para coincidircom o bicentenario. O Presidente do Mundo devia assinar o ato, convertendo em lei avontade do povo. A cerimonia seria transmitida em rede mundial, alcançando o estadoLunareatéacolôniamarciana.

Andrewandavadecadeiraderodas.Aindaestavaemcondiçoesdepodercaminhar,masdemodomuitoprecário.

- Ha cinquenta anos - disse o Presidente diante de toda humanidade -, voce foiproclamado o Robo Sesquicentenario, Andrew. - Fez uma pausa e depois, em tommaissolene,continuou:-HojenósoproclamamosHomemBicentenário,Mr.Martin.

EAndrew,sorridente,estendeuamãoparaapertaradoPresidente.

23.Deitado na cama, Andrew aos poucos foi perdendo a consciencia. Lutou

desesperadamenteparasemanter lucido.Homem!Erahomem!Que- riaque fosseo seuúltimopensamento.Queriasedesfazer-morrer-pensandonisso.

Abriu de novo os olhos e, pela derradeira vez, reconheceu Li-hsing, aguardandosolene. Havia outras pessoas presentes, mas nao passavam de sombras, vultosirreconhecíveis.SóLi-hsingsedesta-cavanomeiodaescuridãocadavezmaisprofunda.

Bemdevagar,medianteenormeesforço,es-tendeu-lheamaoe,jaquasesemsentir,muitovagamente,percebeuqueelaaapertavaentreassuas.

Foiperdendoavisaoamedidaqueospensamentostambemlhefugiam.Mas,antesqueLi-hsingdesaparecessepor completo, ocorreu-lhe uma lembrança inal,muito fugaz,quepairouuminstantenamemóriaantesquetudoterminasse.

-Filhinha-murmurou,emvoztãobaixaqueninguémconseguiuouvir.

{1}Doubleday: editora americana de Asimov. (N. do T.) {2}Alusão às enfermeiras que fazem parte doWomen'sRoyal Naval Service.(N.R.).