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NOTAS DE ALGEBRA LINEAR FORMAS CAN ˆ ONICAS Nosso objetivo ´ e o de classificar operadores lineares em um espa¸ co V de dimens˜ ao finita sobre um corpo k, mediante a rela¸ ao de semelhan¸ ca. Dois operadores T,T : V V ao ditos semelhantes se eles diferem apenas por uma mudan¸ ca de coordenadas, i.e., se existirem bases β,β de V tais que [T ] β =[T ] β . Lembrando como se relacionam matrizes de um mesmo operador com respeito a mudan¸ cas de bases, vemos que a classifica¸ ao a que nos propomos ´ e equivalente a descrever, para cada matriz A, todas as outras que lhe s˜ ao semelhantes, i.e., da forma B = M -1 AM onde M denota uma matriz invers´ ıvel arbitr´ aria. Exerc´ ıcio. Mostre que T,T ao operadores semelhantes se existir um isomorfismo S : V V tal que ST = T S . A classifica¸ ao ser´ a obtida atrav´ es das formas canˆ onicas de uma matriz ou operador. Estuda- remos dois tipos de formas canˆ onicas, uma dita racional, e a outra a de Jordan. A primeira tem a virtude de valer para um corpo n˜ ao necessariamente algebricamente fechado, como o corpo dos n´ umeros racionais ou dos reais. A forma de Jordan, mais conveniente para fins de c´ alculos. requer a presen¸ ca dos autovalores no corpo k, s´ o valendo (universalmente) para corpos algebricamente fechados, como o dos n´ umeros complexos. Enunciamos a seguir os principais resultados. Seja p(x)= x n + a n-1 x n-1 + ··· + a 1 x + a 0 um polinˆ omio mˆ onico de grau n. Sua matriz companheira ´ e definida como M (p)= 0 0 ... -a 0 1 0 ... -a 1 ................... 000 ... -a n-2 000 ... -a n-1 , matriz n × n com ´ ultima coluna dada pelos sim´ etricos dos coeficientes de p (a exce¸ ao do coeficiente lider, que ´ e sempre = 1), e subdiagonal (i +1,i) igual a 1. Temos ent˜ ao o seguinte

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NOTAS DE ALGEBRA LINEARFORMAS CANONICAS

Nosso objetivo e o de classificar operadores lineares em um espaco V de dimensao finita sobreum corpo k, mediante a relacao de semelhanca.

Dois operadores T, T ′ : V → V sao ditos semelhantes se eles diferem apenas por uma mudancade coordenadas, i.e., se existirem bases β, β′ de V tais que

[T ]β = [T ′]β′ .

Lembrando como se relacionam matrizes de um mesmo operador com respeito a mudancas debases, vemos que a classificacao a que nos propomos e equivalente a descrever, para cada matrizA, todas as outras que lhe sao semelhantes, i.e., da forma

B = M−1AM

onde M denota uma matriz inversıvel arbitraria.

Exercıcio. Mostre que T, T ′ sao operadores semelhantes se existir um isomorfismo S : V → Vtal que ST = T ′S.

A classificacao sera obtida atraves das formas canonicas de uma matriz ou operador. Estuda-remos dois tipos de formas canonicas, uma dita racional, e a outra a de Jordan.

A primeira tem a virtude de valer para um corpo nao necessariamente algebricamentefechado, como o corpo dos numeros racionais ou dos reais. A forma de Jordan, mais convenientepara fins de calculos. requer a presenca dos autovalores no corpo k, so valendo (universalmente)para corpos algebricamente fechados, como o dos numeros complexos. Enunciamos a seguir osprincipais resultados.

Seja p(x) = xn + an−1xn−1 + · · · + a1x + a0 um polinomio monico de grau n. Sua matriz

companheira e definida como

M(p) =

0 0 . . . −a0

1 0 . . . −a1

. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

0 0 0 . . . −an−2

0 0 0 . . . −an−1

,

matriz n × n com ultima coluna dada pelos simetricos dos coeficientes de p (a excecao docoeficiente lider, que e sempre = 1), e subdiagonal (i+ 1, i) igual a 1. Temos entao o seguinte

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Teorema (da forma racional). Toda matriz A e semelhante a uma matriz R(A) formadapor blocos diagonais que sao matrizes companheiras de certos polinomios monicos f1, . . . , ft,univocamente determinados pela condicao de que cada um divide o subsequente.

Os polinomios acima referidos sao chamados FATORES INVARIANTES. A matriz R(A) e ditaa FORMA RACIONAL de A.

Uma formulacao equivalente para o teorema acima pode ser enunciado em termos de operadoreslineares.

Teorema (da forma racional para operadores). Seja T um operador linear num espacovetorial V de dimensao finita sobre um corpo k. Entao existe uma base de V em relacao a quala matriz de T esta na forma racional.

Explicamos a seguir o

ALGORITMO PARA O CALCULO DOS FATORES INVARIANTES.

Dada a matriz A, defina o polinomio qi como o MDC dos determinantes menores i × i damatriz xI −A. Entao cada qi+1 e divisıvel por qi e os fatores invariantes sao os quocientes naoconstantes qi+1/qi.

Observemos que o produto dos fatores invariantes e igual ao polinomio caracterıstico.

Exemplo.

A =

1 1 00 2 00 0 2

.Temos

q1 = 1; q2 = MDC((x− 1)(x− 2), (x− 2)2) = x− 2; q3 = (x− 1)(x− 2)2

e assim vemf1 = q2/q1 = x− 2; f2 = q3/q2 = (x− 1)(x− 2).

A forma racional de A e portanto constituıda pelos blocos 1 × 1 e 2 × 2 dados pelas matrizescompanheiras de f1 e de f2:

R(A) =

2 0 00 0 −20 1 3

··········

· · · · · · · · · · ·

Observacao. A matriz companheira do polinomio x+ c e a matriz 1× 1 igual a (−c).

Descreveremos a seguir a forma de Jordan. Dados um inteiro positivo n e uma constante

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c, definimos o BLOCO ELEMENTAR DE JORDAN como a matriz triangular n× n

Jn,c =

c 0 0 . . . 01 c 0 . . . 0

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

0 0 . . . c 00 0 . . . 1 c

com diagonal igual a c e subdiagonal igual a 1. Se n = 1, definimos o bloco elementar J1,c = (c).

Teorema da forma canonica de Jordan. Toda matriz com polinomio caracterıstico igual aum produto de fatores lineares (i.e., com todos os autovalores no corpo k) e semelhante a umamatriz formada por blocos elementares de Jordan, unica a menos de reordenacao dos blocoselementares.

DETERMINACAO DA FORMA DE JORDAN

Observemos que cada bloco Jn,c tem polinomio caracterıstico (x− c)n. Reciprocamente, e claroque a cada polinomio deste tipo podemos associar um bloco elementar. Escrevemos os fatoresinvariantes na forma

f1 = (x− c1)e(1,1) . . . (x− ct)

e(1,t)

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

fr = (x− c1)e(r,1) . . . (x− ct)

e(r,t)

onde cada expoente e(i, j) e nao negativo e necessariamente menor ou igual a e(i + 1, j).Definimos os DIVISORES ELEMENTARES

Pij = (x− ci)e(i,j)

para e(i, j) 6= 0.

Temos entao que a forma de Jordan de uma matriz e obtida pondo um bloco elementar deJordan para cada divisor elementar.

EXEMPLOS.

1) No exemplo acima, os divisores elementares sao

x− 2, x− 2 e x− 1,

resultando 3 blocos 1× 1:

J(A) =

2... 0 0. . . . . . . . . . .

0... 2

... 0. . . . . . . . . . .0 0

... 1

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2) Determinemos todas as formas de Jordan possıveis fixado o polinomio caracterıstico

(x− 1)2(x− 2).

Quais sao as possibilidades para os divisores elementares?

a) x− 1, x− 1, x− 2. Neste caso, resultam 3 blocos 1× 1 e a forma de Jordan e diagonal,diag (1, 1, 2).

b) (x− 1)2, x− 2. Temos agora

J(A) =

1 0... 0

1 1... 0. . . . . . . . . . . . .

0 0... 2

.

MODULOS

Os resultados acima enunciados serao obtidos apos a introducao de alguns conceitos basicos.A nocao principal e a de estrutura de modulo sobre um anel, generalizando a nocao de espacovetorial. A ideia e por em jogo uma algebra de operadores atuando sobre um espaco vetorial.Estaremos interessados exclusivamente em modulos sobre o anel de polinomios em uma variavela coeficientes no corpo k. No entanto, o leitor mais cuidadoso percebera que os resultadoscentrais valem para qualquer domınio principal.

No que segue, denotaremos porR = k[x]

o anel de polinomios em uma variavel a coeficientes no corpo k. Cada elemento f ∈ R seescreve de forma unica,

f = anxn + an−1x

n−1 + · · ·+ a1x+ a0,

onde os coeficentes ai sao elementos de k. Se an 6= 0 entao f e de grau n e escrevemos

deg f = n.

Inicialmente, vamos rever algumas propriedades fundamentais de R.

ALGORITMO DA DIVISAO. Sejam f, g ∈ R, f 6= 0. Entao existem unicos q, r ∈ R taisque

g = qf + r

er = 0 ou deg r < deg f.

q e o quociente na divisao de de g por f e r e o resto .

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Exercıcio. Seja f = anxn + an−1x

n−1 + · · · + a1x + a0 e seja a ∈ k. Mostre que o resto nadivisao de f por x− a e igual a f(a).

Definicao. Um subconjunto I ⊆ R e um ideal de R se

0 ∈ I

e, para todo f, g, h ∈ R valer que

se g ∈ I entao (f + hg) ∈ R.

Exemplo. Seja f ∈ R e defina

〈f〉 = {multiplos de f}.

E imediato verificar que 〈f〉 e um ideal, que chamamos de ideal principal.

Exercıcio. Sejam f1, . . . , fn ∈ R. Mostre que o conjunto

〈f1, . . . , fn〉 = {∑

gifi | gi ∈ R}

e um ideal. Dizemos que 〈f1, . . . , fn〉 e o ideal gerado por f1, . . . , fn .

Proposicao. Todo ideal de R e principal.

Prova. Seja I um ideal de R. Se I = {0}, nao ha nada a demonstrar. Assim, podemos suporque existe um elemento f0 ∈ I monico e de grau mınimo com essa propriedade. Mostraremosque I = 〈f0〉, i.e., que todo elemento g ∈ I e multiplo de f0. Com efeito, aplicando o algoritmoda divisao, podemos em todo o caso escrever,

g = qf0 + r,

onde r = 0 ou deg r < deg f0. Como r = g — qf0 e claramente um elemento do ideal I, seocorresse r 6= 0 produzirıamos um elemento em I com grau inferior ao mınimo, o que e absurdo.

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Lembramos que o MDC de uma colecao de polinomios {ft}t∈T e o polinomio monico p carac-terizado pelas propriedades seguintes:

• p divide cada ft na colecao ;

• se q divide cada ft na colecao entao q divide p.

Corolario. Seja {ft}t∈T uma colecao de polinomios. Entao existem t1, . . . , tn ∈ T e q1, . . . , qn ∈R tais que

f = q1ft1 + · · ·+ qnftn

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e o MDC dessa colecao.

Prova. Seja I o ideal gerado pelos ft, t ∈ T ,

I =

{ ∑1≤i≤m

gifti |t1, . . . , tm ∈ T, g1, . . . , gm ∈ R, m arbitrario

}.

Seja f o gerador monico de I. Sendo f um elemento de I, necessariamente se escreve na forma

f = q1ft1 + · · ·+ qnftn .

Assim, se q divide cada ft na colecao entao q divide f . Por fim, sendo I = 〈f〉, e claro que cadaft (sendo elemento de I. . . ) e divisıvel por f .

Exercıcio. Sejam f, g ∈ R, f 6= 0 e sejam q, r o quociente e resto na divisao de g por f .Prove a igualdade de ideais,

〈f, g〉 = 〈f, r〉.Deduza entao o algoritmo para calculo do MDC por divisoes sucessivas.

Definicao. Um R-modulo e um conjunto M munido de uma operacao de soma e de multi-plicacao por elementos de R, satisfazendo as seguintes condicoes:

1: a soma e associativa, comutativa, admite um elemento neutro 0 e cada elemento v em Madmite um negativo u, i.e., um elemento tal que u+ v = 0;

2: a multiplicacao e bilinear, i.e., para todo u, v em M e para todo f, g em R, vale

(f + g)(u+ v) = fu+ fv + gu+ gv;

3 : (fg)u = f(gu)

4 : 1u = u.

Em resumo, (lembrando que R = k[x]) M e um espaco vetorial cujos elementos podem sermultiplicados por polinomios, obedecendo a certas regras operatorias naturais.

Exemplos.

1. R e um R-modulo de maneira obvia: temos definidas operacoes de soma e produto em R...

2. Todo ideal de R e um R-modulo.

3. Se M e um R-modulo e N e um subconjunto que contem 0 e e estavel sob as operacoes desoma e produto por elementos de R, entao N e um R-modulo. Neste caso, dizemos que N eum SUBMODULO de M . Note que os ideais de R sao justamente os seus submodulos.

4. Sejam M e N modulos. Entao o produto cartesiano,

M ×N = {(m,n)|m ∈M,n ∈ N}

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herda uma estrutura de modulo com as operacoes definidas componente a componente:

(m,n) + (m′, n′) = (m+m′, n+ n′),

f(m,n) = (fm, fn).

5. O mesmo pode ser feito para o produto cartesiano de um numero arbitrario de modulos.Em particular temos

Rn = R× · · · ×R.

Exercıcios.

1) Sejam M um modulo e seja S um subconjunto de M . Mostre que a intersecao de todosos submodulos de M que contem S e um submodulo de M , que denotamos por < S > echamamos de SUBMODULO GERADO por S. Mostre que 〈S〉 e igual ao conjunto de todasas combinacoes lineares ∑

fivi

formadas por sequencias finitas de elementos de S e a coeficientes em R.

2) Seja T um operador linear sobre o espaco vetorial V . Para cada polinomio f ∈ R, e paracada v em V , defina o produto f.v como a imagem de v pelo operador f(T ):

fv = f(T )v.

Mostre que isto define uma estrutura de R- modulo em V .

Definicao. Sejam M,N modulos. Um HOMOMORFISMO de M em N e uma aplicacao.

ϕ : M −→ N

que respeita a estrutura de modulo (suas operacoes), i.e.,

ϕ(fm+m′) = fϕ(m) + ϕ(m′)

para todo f em R, m, m′ em M .

Exemplos.

1. Fixado a em R, dado um modulo M qualquer, a aplicacao definida por m 7→ am (multi-plicacao por a) e evidentemente um homomorfismo, dito homotetia de razao a. Em particular(a = 1) a aplicacao identidade IM e um homomorfismo.

2. Se ϕ : M → N e ψ : N → P sao homomorfismos de modulos, a composta ψϕ : M → Ptambem e um homomorfismo.

3. Qual a “cara” de um homomorfismo de Rm em Rn? Seja ϕ um tal homomorfismo. Seja

emi = (0, . . . , 1, . . . , 0) ( 1 na casa i).

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Assim, cada x = (x1, . . . , xm) em R se escreve na forma

x =∑

xiemi

e portanto, temos

ϕ(x) =∑

xiϕ(emi ).

Deduzimos que, a exemplo do que ocorre para transformacoes lineares, ϕ fica determinado porseus valores nos vetores basicos em

i . Escrevendo agora

ϕ(emj ) = (aij, . . . , anj)

=∑akje

njk

obtemos por fim

ϕ(x) =∑

aijxjeni .

Em resumo, vemos que todo homomorfismo de modulos de Rm em Rn e dado por uma matriz(aij) a coeficientes em R (e naturalmente, vice-versa...).

Exercıcios.

1) Mostre que o nucleo e a imagem de um homomorfismo de modulos sao submodulos dodomınio e do contradomınio.

2) Seja T o operador linear em V = k2 cuja matriz em relacao a base canonica e

A =

[a bc d

]Seja ϕ : R2 → R2 o homomorfismo cuja matriz em relacao a base canonica e xI − A. Por fim,seja ψ : R2 → V definido por

ψ(p, q) = pe1 + qe2 (= p(T )(e1) + q(T )(e2)).

Calcule a composta ψϕ(p, q), (p, q) ∈ R. Generalize!

Proposicao. Seja N um submodulo de um modulo M . Entao existe um homomorfismo so-brejetor π : M → Q cujo nucleo e N . Alem disso, se ϕ : M → P e um homomorfismo tal queϕ(N) = 0, entao existe um e so um homomorfismo ϕ′ : Q→ P tal que ϕ′π = ϕ.

Prova. Suponhamos inicialmente construido π : M → Q, sobrejetor e com nucleo N . Mos-tremos que vale a assercao final. Dado ϕ tal que ϕ(N) = 0, gostariamos de definir ϕ′ pelaseguinte receita. Para cada v em Q, tome u em M na pre-imagem de v, o que e garantido pelasobrejetividade de π. Ponhamos entao

ϕ′(v) = ϕ(u).

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Devemos verificar que o segundo membro depende so de v e nao do particular u tal que π(u) = v.Ora, se u′ e outro elemento na pre-imagem de v, teremos

π(u) = π(u′) = v

e portanto, u− u′ pertence ao nucleo N de π. Daı vem

ϕ(u− u′) = 0,

ou seja, ϕ(u) = ϕ(u′), mostrando que ϕ′ esta bem definido. Agora e simples verificar que ϕ′ eefetivamente um homomorfismo e que vale evidentemente a formula ϕ′π = ϕ.

Passemos a construcao de π : M → Q. Observemos inicialmente que o modulo Q a ser tambemconstruıdo tera a propriedade de que, para cada elemento v em Q, sua pre-imagem,

π−1(v) = {u ∈M |π(u) = v}

e da formau+N = {u+ n|n ∈ N},

onde u denota uma solucao particular da equacao π(u) = v. Com isto em mente, definimos Qexatamente como o conjunto de todos os transladados u+N de N !

Assim, sejaQ = {u+N |u ∈M}.

Resta-nos a tarefa de mostrar que este conjunto, munido de operacoes de soma e multiplicacaopor elementos de R e de fato um modulo e que, por fim, a aplicacao (quociente) π : M → Qdada por u→ u+N e um homomorfismo sobrejetor com nucleo N .

A soma de dois transladados u+N, u′ +N e naturalmente definida por

(u+N) + (u′ +N) = (u+ u′) +N.

O leitor deve verificar sem dificuldade que o lado direito da expressao acima e funcao dostransladados u+N, u′ +N , e nao dos representantes u, u′.

Define-se a multiplicacao de elementos de Q por elementos de R da maneira seguinte:

f(u+N) = fu+N,

onde f ∈ R. E imediato verificar que os axiomas exigidos na definicao de modulo sao satisfeitos.Destacamos que o elemento neutro da adicao em Q e N(= O + N). Por fim, notando queu+N = N se e so se u ∈ N , vemos que o nucleo de π e N como requerido.

Definicao. O modulo Q construıdo na proposicao acima e chamado QUOCIENTE de M porN e indicado por M/N .

Exercıcio. Mostre que, para cada u, v em M,u + N = v + N se e so se u − v pertence aosubmodulo N .

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Definicao. Dizemos um homomorfismo de modulos ϕ : M → M ′ e um ISOMORFISMO seexistir um homomorfismo ϕ′ : M ′ → M tal que ϕϕ′ = IM ′ e ϕ′ϕ = IM . Dizemos entao que osmodulos M e M ′ sao ISOMORFOS.

EXEMPLOS. 1) Seja I = 〈p〉 um ideal nao nulo de R. Entao a aplicacao R → I definida porf 7→ pf e um isomorfismo. Logo, todo ideal nao nulo de R e um R-modulo isomorfo a R.

Exercıcios.

1. Verifique que todo homomorfismo bijetivo e um isomorfismo.

2. Mostre que a composicao de isomorfismos e um isomorfismo. Conclua que dois modulosisomorfos a um terceiro sao isomorfos entre si.

3. Seja ϕ : R→ R um homomorfismo. Mostre que existe c em R tal que ϕ(f) = cf para todof em R. Mostre que ϕ e um isomorfismo se e so se c e uma constante nao nula.

4. Seja ϕ : Rm → Rn um isomorfismo. Mostre que m = n. (Sugestao: seja ψ : Rn → Rp umhomomorfismo e seja ψ0 : kn → kp a transformacao linear obtida substituindo x = 0 na matrizde ψ na base canonica. Verifique que (ψϕ)0 = ψ0ϕ0.)

5. Seja ϕ : M → M ′ um homomorfismo sobrejetor com nucleo N . Mostre que M ′ e isomorfoao quociente M/N .

6. Sejam N,N ′ submodulos de M,M ′. Mostre que

(M ×M ′)/(N ×N ′) e isomorfo a (M/N)× (M ′/N ′).

7. Seja M o modulo das matrizes m×n com entradas em R. Mostre que M e isomorfo a Rmn.

8. Sejam I, J ideais de R. Mostre que R/I e isomorfo a R/J se e so se I = J .

Definicao. Dizemos que um modulo e LIVRE se for isomorfo a Rn para algum n. Dizemosque um subconjunto B = {v1, . . . , vn} de um modulo L e uma BASE de L se todo elemento vde L se escrever de maneira unica como combinacao linear a coeficientes em R dos elementosde B, i.e.,

v =∑

civi, ci ∈ R.

Em outras palavras, B gera L e e l.i sobre R. O vetor (c1, . . . , cn) na expressao acima e dito ovetor de coordenadas de v com respeito a base B.Evidentemente um modulo e livre se e so se admitir uma base.

Observemos que o numero de elementos de uma base de um modulo livre e bem determinado,tendo em vista o exc.#4 acima. Definimos entao o POSTO de um modulo livre L como onumero de elementos de uma base qualquer de L.

Exemplos.

1) Seja M = R/〈p〉, quociente de R pelo ideal gerado por um polinomio nao constante p. EntaoM nao e livre, pois para cada m em M , temos pm = 0, donde nenhum subconjunto de M e

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l.i. sobre R. Por outro lado, M tambem e um espaco vetorial sobre k. Seja n o grau de p. Oalgoritmo da divisao nos permite escrever cada f em R na forma

f = qp+ r,

onde o resto r e zero ou de grau < n. Assim, cada elemento de M, f + 〈p〉, pode ser escrito deforma unica como

f + 〈p〉 = r + 〈p〉= a0 + a1x+ · · ·+ an−1x

n−1 + 〈p〉,

com ai em k. Logo, R/〈p〉 agora considerado como espaco vetorial sobre k tem dimensao =grau de p.

2) Todo submodulo de R e livre. Com efeito, sabemos que submodulo de R significa ideal deR. Seja I um tal ideal. Se I e zero, entao e livre (por vacuidade!). Se I 6= 0, entao I e geradopor um polinomio monico o qual constitui obviamente um base para I.

Exercıcios.

1) Os exemplos acima mostram que o quociente de um modulo livre L por um submodulo emgeral nao permanece livre. Mas prove que se o submodulo M for gerado por parte de uma basede L entao L/M e livre.

2) Mostre que v = (p, q) ∈ R2 e parte de uma base de R2 se e so se MDC(p, q) = 1.

3) Seja V = R/〈p〉 como no Exemplo 1. Seja T : V → V o operador definido por multiplicacaopor x, i.e.,T (v) = xv. Mostre que a matriz de T com respeito a base {1 + 〈p〉, . . . , xn−1 + 〈p〉}e igual a matriz companheira de p. Suponha agora que

p = (x− c)a.

Mostre que {1 + 〈p〉, (x − c) + 〈p〉, . . . , (x − c)a−1 + 〈p〉} e base de V e calcule a matriz de Tcom respeito a mesma.

4) Sejam f, g em R e seja h = g/MDC(f, g). Seja M = R/〈g〉. Seja

fM = {fv|v ∈M}.

Mostre que fM e isomorfo a R/〈h〉.

Um dos principais resultados sobre R-modulos e o seguinte.

Teorema. Todo submodulo de um modulo livre e livre.

Prova. Procederemos por inducao sobre o posto n. O caso n = 1 foi discutido no exemploacima. Seja L um modulo livre de posto n+1 e seja M um submodulo. Seja N o submodulo deL gerado pelos n primeiros elementos de uma base B de L, de sorte que N e livre de posto n.Seja M ′ a intersecao de M e N . Seja ϕ : L → R o homomorfismo definido por ϕ(v) = ultima

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coordenada de v com respeito a B, e seja M ′′ a imagem de M por ϕ.

N ⊂ Lϕ→ R

∪ ∪ ∪M ′ = N ∩M ⊂ M → M ′′

Por inducao, M ′ e livre. M ′′ tambem o e em virtude do caso n = 1. Se M ′′ = 0 entao M estacontido em N e portanto ja ganhamos por inducao.

Suponhamos M ′′ 6= 0.

Seja {v1, . . . , vr} base de M ′ e seja w elemento de M cuja imagem ϕ(w) forma base de M ′′.

Mostremos que {v1, . . . , vr, w} e base de M . Dado v em M , podemos escrever ϕ(v) comomultiplo de ϕ(w), digamos

ϕ(v) = cϕ(w), com c emR.

Seja u = v − cw. A imagem de ϕ(u) e zero, logo u pertence a N . Mas u esta tambem em M ,donde u ∈M ′. Temos assim uma expressao

u =∑

bjvj com bj em R.

Portanto, os v′js, juntos com w, geram M .

Suponhamos agora

c w +∑

bjvj = 0.

Aplicando-se ϕ, conclue-se que c = 0; segue evidentemente bj = 0.

Exercıcios.

1) Seja ϕ : P → Q um homomorfismo sobrejetor de modulos livres. Seja N o nucleo de ϕ.Seja {v1, . . . , vn} base de N e sejam w1, . . . , wm tais que ϕ(w1), . . . , ϕ(wm) formam base de Q.Mostre que {v1, . . . , vn, w1, . . . , wm} e base de P .

2) Seja {w, w′} base de R2. Sejam a, b, c, d ∈ R, u = aw + bw′, u′ = cw + dw′. Mostreque {u, u′} e base de R2 se e so se ad− bc e uma constante6= 0.

3) Mostre que a n−upla (f1, . . . , fn) ∈ Rn e parte de uma base de Rn se e somente seMDC(f1, . . . , fn) = 1.

4) Ache uma base do submodulo formado pelos (a, b, c) em R3 que satisfazem as relacoes

xa+ xb− (x− 1)c = x2a+ (x+ 1)b− xc = 0.

Definicao. Seja L um modulo livre e seja M um submodulo. Dizemos que uma base{v1, . . . , vn} de L e ADAPTADA a M se existirem polinomios monicos p1, . . . , pt tais que

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{p1v1, . . . , ptvt} e base de M e cada pi divide pi+1. Esses polinomios sao chamados de FA-TORES INVARIANTES de M em L.

Teorema. Seja L um modulo livre de posto n e seja M um submodulo 6= 0. Entao existe umabase {v1, . . . , vn} de L e existem polinomios monicos p1, . . . , pt tais que {p1v1, . . . , ptvt} e basede N e cada p1 divide o subsequente, i.e. existe um base de L adaptada a M .

Prova. Se n = 1, podemos supor L = R e M um ideal de R; neste caso o resultado e evidente.

Seja p polinomio de grau mınimo dentre as coordenadas de elementos de M com respeito abases arbitrarias de L. Sem perda de generalidade, podemos supor que p e a 1a coordenada dev com respeito a base B = {w,w′, . . . }.

Afirmamos que p necessariamente divide TODAS as coordenadas de v.

Com efeito, se por absurdo p nao dividir, digamos, a 2a coordenada q de v, seja f = MDC(p, q).Ponhamos p′ = p/f e q′ = q/f . Podemos escrever

1 = ap′ + bq′, para certos a, b em R.

Sejam {u = p′w + q′w′,u′ = −bw + aw′.

Verifica-se facilmente que substituindo w,w′ em B por u, u′ obtem-se uma base de L. Temosque

w = au− q′u′ e w′ = bu+ p′u

resultando quev = pw + qw′ + · · ·

= (ap+ bq)u+ · · ·= fu+ · · ·

Logo, o polinomio f e 1a coordenada de v com respeito a uma base de L, contradizendo aminimalidade do grau de p.

Ja sabendo que p divide todas as coordenadas de v, podemos escrever

v = pv′ para algum v′ em L.

Provemos que v′ e parte de uma base de L. Seja

ϕ : L −→ R

o homomorfismo “1a coordenada em relacao a base B”. Assim temos

ϕ(v) = p, ϕ(v′) = 1.

Seja N o nucleo de ϕ. Visto que ϕ e sobrejetora (por que?), segue-se do exercıcio acima que Ne livre, de posto n− 1. Seja

M ′ = N ∩M.

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Por inducao, N admite uma base {v2, . . . , vn} tal que existem polinomios p2, . . . , pt, com{p2v2, . . . , ptvt} base de M ′ e cada pi dividindo o subsequente. O exercıcio acima referidomostra que

{v′, v2, . . . , vn} e {pv′, p2v2, . . . , ptvt}sao bases de L e M respectivamente. (Note que ϕ induz um homomorfismo sobrejetor de Mno ideal 〈p〉.) Resta apenas mostrar que p divide q = p2. Se tal nao ocorresse, um argumentoanalogo ao feito acima forneceria o elemento pv′ + qv2 cuja primeira coordenada com respeitoa uma base conveniente de L teria grau menor que o de p.

Exercıcios. Sejam L e M como no teorema anterior e sejam p1, . . . , pt os fatores invariantesde M em L.

1) Mostre que p acima construıdo e o MDC das coordenadas de todos os elementos de M comrespeito a uma base arbitraria de L.

2) Seja ϕ : L −→ R um homomorfismo arbitrario. Mostre que a imagem de M por ϕ e umideal contido em 〈p1〉.

3) Seja b : L× L −→ R bilinear alternada. Mostre que o ideal Ib gerado por

{b(u, v)|u, v ∈M}

esta contido em 〈p1p2〉. Mostre que existe b para a qual vale a igualdade Ib = 〈p1p2〉. Idem, ana-logamente, para formas trilineares alternadas... Conclua que a sequencia p1, . . . , pt so dependedo par (M,L) e nao da base particular nas condicoes do teorema.

4) Sejam B e C matrizes a coeficientes em R e suponha A = BC. Mostre que cada determinantemenor r × r de A pertence ao ideal gerado pelos menores r × r de C.

Lema. Seja L ∼= Rn e seja M um submodulo de L, M6=0. Sejam λ1, λ2 : L → R funcionaislineares e sejam p1, p2 os geradores monicos de λ1(M) e λ2(M). Entao existe funcional λ :L → R tal que λ(M) = 〈p1, p2〉 = 〈mdc(p1, p2)〉.

Prova. Seja A = {v1, . . . , vn} uma base adaptada de L a M e sejam f1, . . . , fr os fatores inva-riantes. O funcional λi se escreve na forma λi(

∑n1 xjvj) =

∑n1 aijxj onde ai = (ai1, . . . , ain) ∈

Rn, i = 1, 2. Cada w ∈M se expressa como w =∑r

1 xjfjvj; logo λiw =∑r

1 xjfjaij, i = 1, 2. Te-mos assim λiM = 〈f1ai1, . . . , frair〉 = 〈pi〉. Seja b = (b1, . . . , bn) tal que bj = mdc(a1j, a2j), j =1..n. Seja λ ∈ L∨ definido por λ(

∑xjvj) =

∑n1 bjxj. Lembrando que para cada j = 1..n te-

mos 〈bj〉 = 〈a1j, a2j〉, concluımos que λM = 〈f1b1, . . . , frbr〉 = 〈f1a11, f1a21, . . . , fra1r, fra2r〉 =〈p1, p2〉. 2

O lema acima mostra que a colecao de ideais da forma λ(M), com λ ∈ L∨ goza da seguintepropriedade: dados dois quaisquer destes, existe um outro que os contem. Mas de fato, existeum tal ideal “maior de todos”: a demonstracao acima mostra que λM ⊆ 〈f1〉, o ideal geradopelo primeiro fator invariante. Alem disso, escolhendo λ = v∨1 , o funcional que toma a primeiracoordenada em relacao a uma base adaptda, temos a igualdade v∨1 (M) = 〈f1〉. Portanto, f1 eindependente da escolha de base adaptada. Mais geralmente, temos o seguinte.

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Lema. Seja L ∼= Rn e seja M um submodulo de L, M6=0. Sejam f1, . . . , fr os fatores invari-antes de M em L. Seja λ :

∧k L → R um funcional. Entao λ(∧k M) ⊆ 〈f1 · · · fk〉, valendo a

igualdade para algum λ ∈ (∧k L)∨.

Prova. Com a notacao da prova do lema anterior, sabemos que os k–vetores fi1vi1 ∧ · · · ∧ fikvik

com 1 ≤ i1 < · · · < ik ≤ r formam uma base de∧k M . A imagem em

∧k L pode se escrever

fi1 · · · fikvi1 ∧· · ·∧vik . Consequentemente, λ(∧k M) e gerado por multiplos de fi1 · · · fik . Estes,

por sua vez, sao todos multiplos de f1 · · · fk. Por fim, tomando λ = (v1 ∧ · · · ∧ vk)∨, e claro que

vale a igualdade λ(∧k M) = 〈f1 · · · fk〉. 2

O lema anterior mostra que os fatores invariantes sao independentes da escolha de baseadaptada. Vamos agora a um metodo “pratico” para o calculo.

Proposicao. Seja L ∼= Rn e seja M o submodulo gerado pelas linhas de uma matriz A. Sejamf1, . . . , ft os fatores invariantes de M em L. Seja qr o MDC dos determinantes menores r× rda matriz A. Entao, para cada r = 1, . . . , t, temos que o produto f1 · · · fr e igual a qr.

Prova. Tendo em vista o lema e observacoes acima, basta mostrar que(i) ∀λ ∈ (

∧k L)∨, temos λ(∧r M) ⊆ 〈qr〉 e

(ii) esta ultima inclusao e uma igualdade para algum λ.

Seja Ai a i−esima linha da matriz A. Sabemos que∧r M e gerado pelos Ai1 ∧ · · · ∧ Air

com sequencias crescentes 1 ≤ i1 < · · · < ir ≤ N = numero de linhas de A. Escrevendo comocombinacao da base canonica de Rn, vemos que a imagem em

∧r Rn e gerada por

(∑

Ai1jej) ∧ · · · ∧ (∑

Airjej) =∑

J

AIJej1 ∧ · · · ∧ ejr

onde I = (i1 < . . . < ir), J = (j1 < . . . < jr) e AIJ denota, a menos de sinal, o subdeterminante

r× r feito com a escolha indicada de linhas e colunas. Logo, para cada λ ∈ (∧k L)∨, a imagem

λ(∧r M) e combinacao dos referidos menores r × r. Isto completa a verificacao de (i). Para

a (ii), seja λJ = (ej1 ∧ · · · ∧ ejr)∨. Vemos que λJ(M) e gerado pelos AIJ , J fixo. Usando

repetidamente o lema da pagina anterior, vemos que e possıvel encontrar λ cuja imagem sejaigual ao ideal gerado por todos os AIJ , ou seja, pelo mdc qr. 2

Exemplo. Seja

A =

1 x x0 x x0 0 x

.Temos q1 = 1, q2 = x, q3 = x2. Logo, p1 = 1, p2 = x, p3 = q3/q2 = x. Note que a base{(1, x, x), (0, 1, 1), (0, 0, 1)} e adaptada ao submodulo gerado pelas linhas de A.

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DEMONSTRACAO DO TEOREMA DA EXISTENCIA

DA FORMA RACIONAL

Para aplicarmos os resultados acima ao contexto da classificacao de operadores lineares, vamosassociar a cada operador T : V −→ V um R–modulo VT .

Os elementos de VT sao os mesmos de V . A multiplicacao de um elemento v em VT por umpolinomio f = anx

n + · · ·+ a0 e definida por

fv = anTn + · · ·+ a0v.

A soma e a mesma da estrutura de espaco vetorial. Deixamos como exercıcio a (facil) verificacaode que estas operacoes tornam VT em R-modulo.

Proposicao. Sejam T, T ′ operadores lineares em V . Entao T e T ′ sao semelhantes se e so seos modulos VT e VT ′ sao isomorfos.

Prova. Se T e semelhante a T ′, existe um operador linear inversıvel S tal que ST = T ′S. Daısegue que, para, cada inteiro n > 0 vale

ST n = T ′nS.

Portanto, se f e um polinomio arbitrario, temos

Sf(T ) = f(T ′)S.

Esta formula significa que a aplicacao ϕ : VT −→ VT ′ , definida por ϕ(v) = S(v) e um ho-momorfismo de R-modulos. Como ϕ e bijetiva, segue-se que ϕ e um isomorfismo de VT emVT ′ .

Reciprocamente, se existir ϕ : VT −→ VT ′ , isomorfismo de R-modulos, temos que ϕ induz umoperador linear S : V −→ V obviamente inversıvel e tal que, para todo v em V , vale

ST (v) = ϕ(xv) = xϕ(v) = T ′S(v),

mostrando que T e T ′ sao semelhantes.

Vemos assim que a classificacao de operadores mediante a relacao de semelhancae o mesmo que a classificacao dos modulos do tipo VT a menos de isomorfismo.

Teorema. Seja T um operador linear num espaco vetorial V de dimensao n sobre um corpok. Entao existe uma base de V em relacao a qual a matriz de T esta na forma racional.

Prova. Seja A = (aij) matriz de T em relacao a uma base arbitraria B = {v1, . . . , vn} de V(como espaco vetorial !). Seja

ϕ : Rn −→ VT

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o homomorfismo de R−modulos definido por

ϕ(p1, . . . , pn) =∑

pivi.

Sejaψ : Rn −→ Rn

o homomorfismo cuja matriz em relacao a base canonica e xI − A. Seja N a imagem de ψ;assim, N e gerado pelas colunas de xI − A.

Afirmamos que

(F) VT e isomorfo ao modulo quociente Rn/N .

Isto e equivalente a mostrar que o nucleo de ϕ e igual a N , pois ϕ e claramente sobrejetor.

Vejamos como esta afirmacao implica o teorema. Sabemos que existe uma base de Rn adaptadaa N , digamos {w1, . . . , wn}. Alem disso, os fatores invariantes p1, . . . , pt de N em Rn sao dadospela relacao

p1 . . . pr = MDC(menores r × r de xI − A)

Em particular, segue que t = n e o produto dos fatores invariantes e igual ao polinomiocaracterıstico q, cujo grau recordamos que e igual a n.

Ora, visto que p1v1, . . . , pnvn e base de N , concluimos que Rn/N e VT sao isomorfos a

R/〈p1〉 × · · · ×R/〈pn〉.

Seja ϕ um isomorfismo deste ultimo modulo em VT . Em particular, ϕ e um isomorfismo paraas estruturas de espacos vetoriais subjacentes.

Seja ni o grau de pi. Observemos que ni = 0 se e so se pi = 1, ou seja, R/〈pi〉 = 0. Desprezandotais fatores e reenumerando, guardamos justamente os fatores invariantes p1, . . . , pt da matrizA. Definimos entao

vij = ϕ(0, . . . , xj + 〈pi〉, . . . , 0)

comi = 1, . . . , t; j = 0, . . . , ni − 1.

A matriz de T com respeito a base formada pelos vij (em ordem lexicografica) esta na formaracional.

Com efeito, Tv corresponde pelo isomorfismo ϕ a multiplicacao de ϕ(v) por x. Assim, paraj = 0, . . . , ni − 2 temos

Tvij = vi,j+1

enquanto que, para j = ni − 1, temos

Tvi,j = ϕ(0, . . . , xj+1 + 〈pi〉, . . . , 0)= ϕ(0, . . . , r + 〈pi〉, . . . , 0),

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onde r = xni − pi denota o resto na divisao de xni por pi, mostrando que a matriz de T eefetivamente formada por blocos que sao as matrizes companheiras dos p′is.

Passamos por fim a verificacao da afirmacao (F).

Mostremos que o nucleo de ϕ e igual a imagem N de ψ. Calculamos

ϕψ(ej) = ϕ(xej −∑aijei)

= xϕ(ej)−∑aijϕ(ei)

= Tvj −∑aijvi = 0,

valendo a ultima igualdade por definicao da matriz A. Isto mostra que N esta contido nonucleo de ϕ. Portanto, existe um homomorfismo bem definido ϕ′ : Rn/N −→ VT , dado poru + N −→ ϕ(u). Ora, ϕ′ e claramente sobrejetor (pois ϕ e). Como as dimensoes dos espacosvetoriais subjacentes sao iguais, segue-se que ϕ′ e de fato um isomorfismo, como querıamos.

Corolario. (Teorema de Cayley-Hamilton). Seja T um operador linear num espacovetorial V de dimensao n. Entao o polinomio caracterıstico q anula T , i.e., q(T ) = 0.

Prova. A acao de T em V corresponde a multiplicacao por x em VT . Este modulo e isomorfo aR/〈p1〉× · · ·×R/〈pt〉, com o produto dos polinomios p1 . . . pt = q. Assim temos, para f1, . . . , ft

em R.q · (f1 + 〈p1〉, . . . , ft + 〈pt〉) =(qf1 + 〈p1〉, . . . , qft + 〈pt〉) = 0

Observacao. A mesma argumentacao acima mostra que pt e o polinomio mınimo de T .

DEMONSTRACAO DA UNICIDADE

DA FORMA RACIONAL

Sejam f1, . . . , fr e g1, . . . , gs polinomios monicos de grau > 0 e tais que cada fi (resp. gj) divideo subsequente. Mostraremos que

se M := R/〈f1〉 × · · · ×R/〈fr〉 for isomorfo a N := R/〈g1〉 × · · · ×R/〈gs〉

(como R-modulos!)entao r = s e cada fi = gi.

Escrevamos as decomposicoes primarias,

f1 = pa(1,1)1 . . . p

a(1,t)t

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

fr = pa(r,1)1 . . . p

a(r,t)t

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onde os pi sao irredutıveis e monicos dois a dois distintos, e os expoentes satisfazem a 0 ≤a(i, j) ≤ a(i+ 1, j).

Queremos mostrar que M determina completamente os pi e os a(i, j).

Lema. Sejam p, q polinomios primos relativos. Entao a aplicacao

ϕ : R/〈pq〉 −→ R/〈p〉 ×R/〈q〉

f + 〈pq〉 −→ (f + 〈p〉, f + 〈q〉)

e um isomorfismo de R-modulos.

Prova. Observemos inicialmente que ϕ e efetivamente uma aplicacao bem definida, pois sef + 〈pq〉 = g+ 〈pq〉 entao f −g e multiplo de pq e portanto (f + 〈p〉, f + 〈q〉) = (g+ 〈p〉, g+ 〈q〉).E claro que se trata de um homomorfismo de R-modulos. A injetividade resulta de que, se f emultiplo de p e de q, entao e multiplo de pq ja que p, q sao primos relativos. Lembrando queϕ tambem e uma transformacao linear de espacos da mesma dimensao (= soma dos graus dep, q), segue-se que e um isomorfismo.

Aplicando o lema repetidamente a M , obtemos o isomorfismo

ϕ : M →R/〈pa(1,1)1 〉 × · · · ×R/〈pa(r,1)

1 〉 × · · · ×R/〈pa(r,t)t 〉

e analogamente,

N →R/〈pb(1,1)1 〉 × · · · ×R/〈pb(s,1)

1 〉 × · · · ×R/〈pb(s,t)t 〉.

Lema. (i) Sejam p, q polinomios primos relativos e seja e um inteiro > 0. Entao a homotetiade razao p e injetiva em R/〈qe〉.

(ii) SejaM(p) = {v ∈M |pev = 0 para algum e > 0}.

Entao M(p) = 0 exceto se p = pi para algum i = 1, . . . , t, e neste caso, temos

M(p) →R/〈pa(1,i)i 〉 × · · · ×R/〈pa(r,i)

i 〉

Prova. (i) Escreva g = qe. Seja f em R e suponha

p(f + (g)) = (g).

Logo pf e multiplo de g. como p, g sao primos relativos, segue-se que f e multiplo de g, ouseja, f + 〈g〉 = 0 em R/〈g〉.

(ii) Dado v em M(p), podemos escrever sua imagem ϕ(v) na forma

ϕ(v) = (v(i, j)), v(i, j) em R/〈pa(i,j)j 〉.

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Agora pev = 0 se e so se cada pev(i, j) = 0. Mas se p 6= p1, digamos, necessariamente v(i, 1) = 0,tendo em vista a assercao (i). Daı segue facilmente (ii).

Retomando a demonstracao da unicidade, podemos ja afirmar que M determina completamenteos fatores irredutıveis pi. Por outro lado, visto que M ' N certamente implica M(p) ' N(p),resta-nos mostrar a seguinte

Proposicao. Sejam a(1), . . . , a(r); b(1), . . . , b(s) sequencias nao decrescentes de inteiros > 0e seja p um polinomio irredutıvel. Seja

M(a(1), . . . , a(r)) = R/〈pa(1)〉 × · · · ×R/〈pa(r)〉.

Se M(a(1), . . . , a(r)) for isomorfo a M(b(1), . . . , b(s)), entao r = s e cada a(i) = b(i).

Prova. Procedemos por inducao sobre m = max{a(r), b(s)} >. Se m = 1, os a’s e os os b’s saotodos iguais a 1. Seja d o grau de p. Calculando dimensoes de espacos vetoriais encontramos

dim(M(1, . . . , 1)) = rd = sd

e portanto r = s.

Suponhamos m > 1. Seja r′ tal que a(i) = 1 para i < r′; defina s′ analogamente para os b(j).Temos entao,

pM(a(1), . . . , a(r)) 'M(a(r′)− 1, . . . , a(r)− 1) 'M(b(s′)− 1), . . . , b(s)− 1)

em virtude do exc.#4, p. 9(?). Por inducao, segue que r− r′ = s− s′ e que a(r′ + i) = b(s′ + i)para i = 0, . . . , r − r′. Por fim, calculando

dimM(1, . . . , 1, a(r′), . . . , a(r)) = d((r′ − 1) + a(r′) + · · ·+ a(r))= d((s′ − 1) + b(s′) + · · ·+ b(s)),

concluimos que r′ = s′, completando a demonstracao.

A FORMA DE JORDAN

Seja T : V −→ V um operador linear. Suponhamos que o seu polinomio caracterıstico seja daforma

qT = (x− c1)a(1) · · · (x− ct)

a(t).

(Este e sempre o caso se o corpo k for algebricamente fechado, e.g. k = C.)

Segue-se que os divisores elementares sao da forma

pi,j = (x− cj)a(i,j),

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onde, para cada j = 1, . . . , t, vale

a(1, j) + · · ·+ a(r, j) = a(j).

Em outras palavras, os expoentes a(i, j) formam uma particao do expoente a(j).

Por outro lado, vimos no decorrer da demonstracao da unicidade da forma racional que omodulo VT e isomorfo ao produto de modulos do tipo

M = R/〈(x− c)a〉,

(com c igual a um dos ci e a igual a algum dos a(i, j).)

Cada um destes corresponde a um certo subespaco V (c, a) de dimensao a em V e que e invariantepela acao de T . Mais precisamente, sejam v1, . . . , va ∈ V os vetores que correspondem a

1 + 〈(x− c)a〉, . . . , (x− c)a−1 + 〈(x− c)a〉

respectivamente. Lembramos que a acao de T corresponde pelo isomorfismo a multiplicacaopor x. Notando a identidade,

x(x− c)i = c(x− c)i + (x− c)i+1,

podemos escrever,Tv1 = cv1 + v2

. . .T va−1 = cva−1 + va

Tva = cva.

Em outras palavras, a matriz de T com respeito a base formada pela uniao dos vi’s correspon-dentes a cada divisor elementar esta na forma de Jordan.