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AMBIENTE NA TERRA Evolução
LINUS PAULING E A QUÍMICA QUÂNTICA10 TÓPI
CO
Henrique E. Toma
10.1 Linus Pauling e a Química Quântica10.2 Pesquisas com biomoléculas10.3 Linus Pauling e a medicina ortomolecular10.4 Pauling e sua Genealogia Científica
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LINUS PAULING E A QUÍMICA QUÂNTICA 10
10.1 Linus Pauling e a Química QuânticaO início do século XX foi marcado por mudanças radicais na visão da constituição atômica
da matéria. A existência do átomo proposta por Dalton já estava bem incorporada na ciência do
século anterior, mas apenas como constituinte característico do elemento químico. Da mesma
forma, o elétron já havia sido bem caracterizado desde os trabalhos de Thomson; contudo, sua
relação com a estrutura do átomo ainda era uma incógnita. Thomson havia proposto que o
átomo de hidrogênio apresenta apenas um elétron, que se movimenta através de uma espécie
de nuvem carregada positivamente. Ramsay, em 1908, chegou a pensar no elétron como um
elemento químico. Embora já se tivesse conhecimento dos espectros de raias atômicas e sua
utilidade na identificação dos elementos, o significado físico do que elas representam ainda
permanecia desconhecido. Marie Curie havia demonstrado que a radioatividade era de origem
atômica, pois não dependia do tipo de composto.
O próximo passo para o conhecimento da estrutura atômica só
viria no início do século XX com Ernest Rutherford (1871-1937),
figura 10.1. Nascido na Nova Zelândia, Rutherford fez seus estudos
no Laboratório de Cavendish, Inglaterra, e formou uma geração de
cientistas como Soddy, Geiger, Hahn, Fajans e Bohr, que mudariam os
rumos da ciência no século XX. Em 1899, Rutherford observou que o
urânio produzia uma radiação bastante penetrante, que ele chamou de
beta (β) e outra, facilmente absorvida, que recebeu a denominação alfa
(α). O casal Curie constatou que a radiação β era defletida pelo campo
magnético e, portanto, deveria ter carga negativa. No caso dos raios α, os
estudos iniciais não foram bem sucedidos. Rutherford só conseguiu de-
monstrar a deflexão dos raios α, em 1903, empregando campos elétricos
e magnéticos bastante intensos. Dessa forma, concluiu que deveriam ter
carga positiva. As medidas da relação carga/massa (e/m) feitas em 1906 levavam a um valor de 1.5 x
1014 esu/g, equivalente à metade do valor conhecido para os íons de hidrogênio. Isso seria equivalente
a uma molécula de hidrogênio sem um elétron ou a um átomo de hélio sem dois elétrons.
Outro tipo de radiação extremamente penetrante, porém insensível ao campo magnético,
foi descoberto por P. Villard e denominado gama (γ). Rutherford, baseados nos experimentos
Figura 10.1: Ernest Rutherford (*31.08.1871 Nova Zelândia, + 19.10.1937 Cambridge).
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de difração de W.H. Bragg, mostrou que essa radiação podia ser difratada em cristais, correspon-
dendo a um tipo de raios X de comprimentos de onda extremamente curtos.
A emissão de um gás radioativo já estava sendo observado pelos pesquisadores que traba-
lhavam com substâncias radioativas. Rutherford havia detectado esse gás em emissões de tório
e observado que ele deixava alguma radioatividade em materiais com os quais entrava em
contacto. Friedrich Ernst Dorn conseguiu isolar o gás emanado do rádio. Em 1910, W. Ramsay
e R.W. Gray, medindo a densidade desse gás, obtiveram um peso atômico de 225, bastante
próximo do atual (222). Esse gás radioativo foi chamado radônio.
Em 1908, Rutherford e Thomas Royds realizaram um experimento muito interessante com
o gás radônio, cujas características emissoras de partículas α já eram conhecidas. Rutherford e
Royds aprisionaram o radônio em uma ampola com paredes suficientemente finas para deixar
passar as partículas alfa. Essa ampola foi colocada no interior de um tubo, tendo as suas extremi-
dades seladas com dois eletrodos para aplicação de descargas elétricas. Após 4 dias, já podia ser
observado o espectro atômico do hélio no tubo de descarga, confirmando a hipótese de que as
partículas alfa davam origem ao hélio.
Rutherford recebeu o prêmio Nobel de Química de 1908 por suas investigações sobre a
desintegração dos elementos e a química das substâncias radioativas. As pesquisas demonstravam
que os elementos radioativos eram constituídos de átomos instáveis, que decaem esponta-
neamente gerando raios α, β, e γ e um novo elemento. Essa ideia de que o átomo pode ser
quebrado entrava em conflito com o conceito original de átomo como partícula indivisível. Ao
mesmo tempo, as diferenças entre os pesos atômicos determinados para os elementos levavam
os cientistas a questionar se todos os átomos de um elemento seriam realmente idênticos. Em
1907, na Univ. Chicago, McCoy e Ross começaram a agrupar os elementos, antecipando o
conceito de isótopo, que só foi anunciado formalmente, em 1913, por Soddy, Russell e Fajans
através de suas regras de decaimento radioativo. Quando um elemento emitia partícula α,
o elemento resultante estaria recuado em duas posições na tabela periódica, ao passo que,
quando ele emitia partícula β, o elemento formado avançaria uma posição. A previsão de que
o chumbo gerado a partir do urânio teria um peso atômico de 206, e o gerado a partir do tório
teria o valor de 208, mais tarde acabou se confirmando através dos trabalhos de Richards e
Hönigschmidt, consolidando o conceito de isótopo.
Rutherford tinha feito experimentos que mostravam a capacidade das partículas α de atra-
vessar uma fina lâmina de metal, gerando algum tipo de dispersão na chapa fotográfica colocada
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atrás do alvo. Em 1908, refinou os experimentos com Hans Geiger, confirmando que um
pequeno número de partículas sofria forte deflexão quando passava através da lâmina de metal.
O fenômeno foi estudado com mais detalhes no ano seguinte por Geiger e Marsden, deixando
Rutherford surpreso com o fato de algumas partículas terem sido defletidas por mais de 90o
em relação à linha de incidência. Rutherford comparou esse resultado ao de um tiro de canhão
ricocheteando em uma folha de papel. Imediatamente, supôs que as partículas α estivessem
sendo refletidas ao se aproximarem de um centro carregado positivamente.
Em 1911, Rutherford postulou que o átomo consistia de uma região central (que chamou
de núcleo em 1912) carregada positivamente, onde estaria praticamente contida toda a massa
do átomo. Ao seu redor estariam os elétrons, movendo-se em órbitas bastante distantes. O
átomo teria assim um vasto espaço vazio, consistente com a passagem livre da maioria das
partículas α. Pela pequena fração de partículas defletidas, o núcleo ocuparia apenas uma mínima
fração do volume do átomo.
Em 1913, Geiger e Marsden realizaram cálculos mostrando que a carga do núcleo era
próxima da metade do peso atômico. Esses resultados foram confirmados por Moseley, esta-
belecendo os verdadeiros números atômicos dos elementos em sequência na tabela periódica.
Os números atômicos seriam idênticos às cargas positivas do núcleo. Criou-se, entretanto, uma
dicotomia entre números atômicos e pesos atômicos. Nesse mesmo ano, o físico holandês van
den Brock sugeriu a existência de elétrons no núcleo, o que foi aceito por Rutherford em 1914.
O núcleo teria um número de cargas positivas igual ao do peso atômico, com um número de
elétrons suficiente para igualar o número atômico.
O modelo de átomo nuclear de Rutherford explicava os experimentos de espalhamento de
raios α, porém, de acordo com a teoria do eletromagnetismo clássico, o elétron ao descrever
órbitas ao redor do núcleo estaria mudando constantemente sua direção (em relação ao mo-
vimento retilíneo) e, consequentemente, deveria emitir energia. Se isso acontecesse, o elétron
perderia energia em suas voltas até cair no núcleo. Como isso não acontecia, o modelo ainda
não podia ser considerado válido.
Niels Henrik David Bohr (1885-1962), ex-aluno de Rutherford, foi bastante influenciado
pela teoria de Max Planck (1858-1947) sobre a natureza quântica da luz. Segundo Planck, a
menor quantidade de energia luminosa, ou quantum de energia, é dada por E = h.ν onde h é
a constante de Planck =6.626 10-34 J s. Em 1913, Bohr postulou que as órbitas dos elétrons
são quantizadas e só poderiam ter certos valores, múltiplos de n = 1, 2, 3, 4 ...., com caráter
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estacionário (que não muda com o tempo). Com base nessa hipótese, derivou as equações
de forma bastante simples para as energias dos elétrons. A partir dessas equações, chegou
à equação empírica de Rydberg, explicando dessa forma a origem das linhas espectrais
características dos elementos químicos. Bohr recebeu o prêmio Nobel de Física de 1922.
O surgimento do modelo atômico de Bohr estimulou muitos cientistas, como Gilbert N.
Lewis, Walther Kossel e Irving Langmuir, a pensar na questão da ligação química. O envolvi-
mento dos elétrons na formação das ligações químicas era uma premissa aceita por todos, mas
havia necessidade de saber qual o número de elétrons disponíveis na camada mais externa que
faria o contacto entre os átomos. Os resultados de Bohr e Sommerfeld, e os números atômicos
determinados por Moseley, tornavam possível ordenar os elementos, deixando claro que o
número de elétrons mais externos corresponde ao do grupo em que está localizado na tabela
periódica, ou seja: H, Li, Na e K teriam 1 elétron na camada externa, Mg e Ca teriam 2, C e Si
teriam 4, O e S teriam 6, F e Cl teriam 7, e Ne e Ar teriam 8.
Tanto Lewis como Kossel reconheceram a existência do octeto. Os modelos estáticos pro-
postos para o átomo de argônio estão ilustrados na figura 10.2.
Kossel colocou os elétrons ao redor de um anel; Lewis imaginou que a estrutura congelada
teria o aspecto de um cubo, pois é a configuração mais simétrica com os elétrons equidistantes
entre sí. A ideia do cubo, conforme ilustrado na figura 10. 3, era sugestiva, pois indicava a
vacância de elétrons nos vértices de alguns elementos e a necessidade de completar o octeto
compartilhando elétrons com outros elementos (Figura 10.3).
Figura 10.2: Modelos estáticos do átomo de argônio, segundo Lewis e Kossel.
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A ligação do hidrogênio com o cloro, formando HCl, pode ser pensada como o compar-
tilhamento dos vértices dos cubos, como ilustrado na figura 10.4. Para retratar a valência
compartilhada, Langmuir chamou esse tipo de ligação de covalente.
Nesse processo, o átomo de hidrogênio teria tantos elétrons quanto o gás inerte hélio, e o
flúor teria uma configuração parecida com a do gás inerte neônio. Ambos passavam a adquirir
a configuração de um gás inerte ou nobre.
Lewis desenvolveu um simbolismo para as ligações através de pares de elétrons, que continua
sendo usado até o presente.
Depois de Bohr, um grupo de físicos teóricos, inclusive Louis Victor de Broglie (França
– 1892-1987), Erwin Schrödinger (Áustria e Alemanha, 1887-1961), Werner Heisenberg
(Alemanha 1901-1976) e Paul A.M. Dirac (Inglaterra, 1902-1984), escreveram a nova mecânica
quântica, incorporando o comportamento ondulatório das partículas (de Broglie), a quanti-
zação dos níveis de energia e o princípio da incerteza (Heisenberg). Através desse princípio,
ficou clara a impossibilidade de se determinar com precisão a posição e a velocidade do elétron
ao mesmo tempo. Quando a posição pode ser determinada precisamente, a velocidade torna-
-se incerta e vice-versa. O problema não é de natureza experimental, e sim uma restrição
fundamental da natureza. O erro da medida de posição multiplicado pelo erro da medida
de velocidade é da ordem de grandeza da constante de Planck. Wolfgang Pauli introduziu o
princípio da exclusão em 1925, que permitiu fazer a colocação dos elétrons nos orbitais, s, p, d, f.
A teoria quântica, com sua linguagem matemática, não foi rapidamente assimilada pelos
Figura 10.3: Estruturas de Lewis para os elementos do lítio ao flúor.
Figura 10.4: Estrutura de Lewis para a formação do HF
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químicos. O octeto de Lewis prevalecia nas representações das ligações. A formação de sais
era descrita através das ligações eletrovalentes, para diferenciar das ligações covalentes, termo
utilizado por Langmuir, em compostos não metálicos. A racionalização do comportamento
químico através das ligações, com base nos princípios da mecânica quântica, foi a grande
contribuição de Linus Pauling (Figura 10.5), conhecido como cientista, educador e paci-
ficador. Pauling é considerado um dos químicos mais inf luentes do século XX, e é a perso-
nalidade principal deste tópico.
Linus Pauling nasceu em Oregon (Portland, EUA), em 28 de fevereiro de 1901. Era um
jovem muito ativo e curioso, apreciava ler e fazer experimentos. Aos 15 anos, decidiu entrar
para a Oregon State University (antiga Oregon Agricultural College), e começou a trabalhar
em diversos empregos para economizar o suficiente para seus estudos. Em
1917, foi aceito pelo College e mudou-se para o campus da Universidade.
Com poucos recursos, continuou batalhando por sua sobrevivência. Era
muito atuante em sua vida estudantil e, já no segundo ano, foi contratado
pela faculdade para ministrar aulas na disciplina química quantitativa, que
acabara de concluir. Com esse salário, Pauling conseguiu manter-se nos
estudos. Pauling era aluno brilhante em física e matemática. Convidado
pela faculdade, Pauling ministrou um curso de química para alunos da área
de economia doméstica, quando conheceu Ava Helen Miller, que seria sua
futura esposa. Em seus últimos anos de graduação, Pauling tomou conhe-
cimento dos trabalhos de Gilbert N. Lewis e Irving Langmuir sobre a es-
trutura eletrônica dos átomos e ligação química. Decidiu que essa seria a
sua linha de estudos no futuro. Pauling graduou-se em engenharia química
pela Oregon State University em 1922.
Seguindo sua vocação, Pauling continuou seus estudos de pós-graduação no Instituto de
Tecnologia da Califórnia (CALTECH), sob a orientação do cristalógrafo Roscoe G. Dickinson.
Casou-se com Ava Miller em 1923. Em sua tese, Pauling estudou a estrutura de vários minerais
através da difração de raios X. Obteve seu doutorado em 1925, na área de físico-química e
física-matemática.
Pauling tinha curiosidade pela mecânica quântica desde seu tempo de estudante na
Universidade de Oregon. Em 1926, após o doutorado em Caltech, Pauling conquistou uma
bolsa da fundação Guggenheim para realizar estudos e pesquisas com Arnold Sommerfeld, na
Figura 10.5: Linus Pauling, recém-graduado da Universidade Estadual de Oregon (1922).
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Alemanha, Niels Bohr, em Copenhagen, e Erwin Schrödinger, na Suíça. Pauling queria saber
como a mecânica quântica poderia ajudar na compreensão da estrutura eletrônica dos átomos
e moléculas. Em Zurique, Pauling conheceu um dos primeiros estudos de mecânica quântica
da ligação na molécula do hidrogênio, feita por Walter Heitler e Fritz London. Essa viagem o
convenceu a explorar a mecânica quântica no estudo da estrutura das moléculas, tornando-se
um dos pioneiros na química quântica.
Em 1927, Pauling foi aceito como professor-assistente em Caltech na área de química teó-
rica. Em Caltech, Pauling tornou-se amigo do físico teórico Robert Oppenheimer, da Univ.
Berkeley, na Califórnia. Junto com Oppenheimer, pretendia atacar o problema da natureza
da ligação química, mas isso acabou não acontecendo por problemas de relacionamento. Sua
carreira foi brilhante. Prosseguiu os estudos de cristalografia de raios X e passou a realizar
cálculos de mecânica quântica em átomos e moléculas. Em 1929, foi promovido a professor-
-associado e, em 1930, já era professor pleno. Em 1931, recebeu da American Chemical Society o
prêmio Langmuir pelos seus trabalhos de destaque como cientista com menos de 30 anos. No
ano seguinte, Pauling publicaria seu trabalho sobre a hibridização de orbitais atômicos e sua
aplicação na teoria da valência.
Pauling soube explorar a relação entre a ligação iônica, onde os elétrons são transfe-
ridos de um átomo para outro, e ligação covalente, onde os elétrons são compartilhados
entre os átomos, mostrando que ambas as situações são casos extremos. Em 1932, Pauling
introduziu o conceito de eletronegatividade. Tomando como base as energias das ligações
e os momentos de dipolo, ele criou uma escala numérica para os elementos para expres-
sar a maior ou menor atração dos elétrons compartilhados pelos átomos envolvidos. Esse
conceito tornou-se de grande utilidade na discussão das ligações químicas, e na previsão da
polaridade e energias das ligações.
Os trabalhos de Pauling sobre a natureza da ligação química deram origem ao seu livro The
nature of the chemical bond, publicado em 1939. Esse livro é considerado um dos mais influentes
na química, em todos os tempos. Nos 30 anos após a primeira edição, já havia sido citado
16.000 vezes.
Outro aspecto importante introduzido por Pauling foi o conceito de ressonância para ex-
plicar a estrutura de hidrocarbonetos aromáticos como o benzeno. A descrição histórica de
Kekulé ficou mais palatável quando, através da mecânica quântica, Pauling mostrou que, no
benzeno, os elétrons ficam igualmente distribuídos entre as ligações duplas e simples alternadas.
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A interconversão entre as duplas e simples ligações alternadas foi chamada ressonância, e esse
conceito se expandiu para os vários tipos de estruturas químicas.
Pauling tinha profundos conhecimentos de mecânica quântica, e foi coautor de um dos livros
mais importantes sobre mecânica quântica, Introduction to Quantum Mechanics with Applications
to Chemistry, utilizado até hoje. Influenciado pelos trabalhos de Maria Goeppert-Mayer na
década de 1940 sobre a estrutura do núcleo, Pauling sempre pensou estudar esse assunto. Em
1965, publicou dois artigos na Science e nos Proc. Natl. Acad. Sci. (PNAS) sobre um modelo
de núcleo atômico envolvendo a formação de clusters de núcleons (spherons) em arranjo de
esferas de empacotamento denso. Vários artigos foram publicados por Pauling desde então até
1994. Norman D. Cook, em um artigo de revisão sobre núcleos atômicos, comenta:
"... o modelo de “spherons” de Pauling leva à estruturação do núcleo segundo uma visão parecida com a molecular e tem uma lógica intrínseca difícil de negar...; contudo, após várias décadas, os físicos teóricos ainda não trabalharam nessa ideia e o modelo de Pauling continua ausente do quadro das teorias nucleares."
Pauling manteve-se afastado da política até a segunda guerra mundial, mas, com o seu desen-
rolar e a atitude pacifista de sua esposa, decidiu ser mais participativo. Assim, Pauling tornou-se
um líder no movimento pacifista. Preocupado em manter a família unida, Pauling recusou
o convite de Oppenheimer para participar do Projeto Manhattan. Entretanto, participou de
outros projetos com aplicações militares, como explosivos, propelentes balísticos, medidores de
oxigênio para submarinos, entre outros. Suas contribuições foram reconhecidas com a Medalha
do Mérito outorgada pelo Presidente da República.
Em 1946, Pauling entrou para um Comitê de Cientistas encabeçado por Albert Einstein,
cuja missão era alertar o público sobre os riscos das armas nucleares. Sua atuação foi detectada
pelo Departamento de Estado Americano e, em 1952, seu passaporte foi bloqueado, negando-
-lhe a permissão de proferir uma importante conferência científica em Londres. Seu passaporte
só foi liberado em 1954, um pouco antes da cerimônia em Estocolmo, onde iria receber seu
Prêmio Nobel em Química.
Em 1955, uniu-se a Einstein, Bertrand Russell e oito líderes científicos e intelectuais no
Manifesto pacifista Russell-Einstein. Em 1958, juntamente com sua esposa, apresentou uma
petição às Nações Unidas, com mais de 11.000 assinaturas, pedindo o fim dos testes com as
bombas nucleares. Em 1958, integrou um grupo de professores da Universidade de Washington,
solicitando um estudo governamental da presença de estrôncio-90 (radioativo) nos dentes da
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população em todo o país. Esse projeto conduzido pela DrªLouise Reiss, com o título Baby
tooth survey, mostrou de forma conclusiva, em 1961, que os testes nucleares acima da superfície
ameaçam a saúde pública através da chuva radioativa, que contamina os campos, depois o leite
das vacas e entram na cadeia alimentar. Em um debate com Edward Teller, Pauling alertou sobre
a possibilidade de a chuva radioativa provocar mutações.
Em 1963, a pressão da opinião pública colocou em moratória os testes nucleares e levou
ao Tratado de banimento dos testes, assinado pelos presidentes John F. Kennedy e Nikita
Khrushchev. Logo a seguir, Linus Pauling foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz, com a
seguinte justificativa:
"Linus Pauling, desde 1946, tem atuado incessantemente, não apenas contra os testes de bombas nucleares, não apenas contra a proliferação dessas armas, não apenas contra seu uso irrestrito, mas contra toda a disputa armada como meio de resolver os conflitos internacionais."
Por mais de uma década, protestou contra a ação militar dos Estados Unidos contra o Vietnã
e o sudeste asiático, criticou a interferência americana em assuntos da América Latina, Cuba e
Nicarágua, e os riscos da declaração de guerra contra o Iraque (que, de fato, acabou acontecen-
do) sem fazer as devidas negociações.
Pauling provocava os cientistas a se posicionarem na política e na sociedade:
"Muitas vezes se diz que a ciência não tem nada a ver com moralidade. Isto é errado, dizia Pauling. A ciência é a procura da verdade, o esforço de en-tender o mundo: ela pode rejeitar tendências, dogmas e revelações, porém, nunca a moralidade..."
Sua premiação com o Nobel da Paz, em 1964, não teve a acolhida esperada em Caltech. Após 42
anos de atividade nesse Instituto, passando por todas as etapas e funções de sua carreira profissional
até a chefia da Divisão de Química e Engenharia Química, Linus Pauling acabou se desligando da
sua posição de Professor, cedendo à pressão dos administradores e patrocinadores, que desaprovavam
sua atuação em movimentos contra a proliferação de armas nucleares e organizações pacifistas.
Deslocando-se para Santa Bárbara, na Califórnia, Pauling participou na fundação do Centro
de Estudos de Instituições Democráticas, onde continuou sua luta humanitária, através do uso
do pensamento científico na solução dos problemas da sociedade moderna. Depois, atuou
como Professor na Universidade da Califórnia, em San Diego (1967-1969) e na Universidade
de Stanford (1969-1973).
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Pauling prosseguiu com sua atividade pacifista, participando da fundação da Liga dos
Humanistas em 1974, tendo sido presidente do comitê científico da União Internacional para
a Proteção da Vida.
10.2 Pesquisas com biomoléculasAlém dos trabalhos com compostos inorgânicos, Pauling também se dedicou ao estudo de
diversos compostos e sistemas biológicos. No início da década de 1930, realizou um estudo
importante sobre a estrutura da hemoglobina, mostrando que essa biomolécula sofria alterações
estruturais com a entrada do oxigênio. Além disso, nessa proteína, os aminoácidos pareciam estar
formando um arranjo helicoidal. Depois continuou realizando estudos cristalográficos com
proteínas, aplicando essa mesma ideia, sem chegar, todavia, a conclusões definitivas. Somente
em 1951, Pauling, Corey e Branson, baseados nas estruturas dos aminoácidos e peptídeos, e na
geometria planar a ligação peptídica, propuseram a alfa hélice e a conformação beta como os
elementos principais da estrutura secundária das proteínas.
Com base nesses trabalhos, Pauling começou a investigar a estrutura do DNA. Com os dados
de raios X obtidos, ainda sem alta resolução, Pauling propôs que o DNA seria formado por hélices
triplas. Algumas de suas premissas estavam erradas, como a da neutralidade dos grupos fosfatos.
Nessa época, na Inglaterra, Rosalind Franklin estava produzindo as melhores imagens de difração
de raios X do DNA. Quando se espalhou a notícia de que Pauling estava trabalhando na estrutura
do DNA, o Laboratório Cavendish autorizou Watson e Crick a elaborarem um modelo molecu-
lar de DNA usando os dados de raios X ainda não publicados por Maurice Wilkins e Rosalind
Franklin no King’s College. Estes foram apresentados na conferência da Inglaterra em 1952,
evento a que Pauling havia sido proibido de comparecer pelas autoridades americanas. Assim, em
1953, utilizando os dados de Rosalind Franklin, James D. Watson e Francis Crick propuseram a
estrutura correta de dupla hélice do DNA. Os trabalhos de Rosalind Franklin foram decisivos
para o sucesso de Watson e Crick, E Linus Pauling, certamente, teria formulado a hipótese de
dupla hélice com antecedência se tivesse tido conhecimento daqueles dados.
Esse fato gerou a crença de que Pauling perdeu a paternidade da estrutura do DNA por
causa da política. Os defensores do governo alegam, entretanto, que seu assistente Corey estava
presente na conferência, e que por sua vez Pauling já teria seu passaporte liberado após algumas
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semanas, e poderia ter visitado vários laboratórios da Inglaterra, inclusive o de Rosalind Franklin,
antes de escrever seu trabalho com a estrutura errada do DNA.
Outra contribuição importante de Linus Pauling foi o estudo feito, em 1949, com Itano,
Singer e Wells, sobre a anemia de células falciformes. Eles caracterizaram a doença como um
problema ao nível molecular, onde as hemácias abrigariam uma forma estruturalmente modi-
ficada de hemoglobina, afetando o seu desempenho normal.
10.3 Linus Pauling e a medicina ortomolecular Em 1941, Linus Pauling foi diagnosticado com uma doença renal, conhecida como doença
de Bright. Seguindo as recomendações de seu médico, Thomas Addis, Pauling recuperou-se
com uma dieta de baixa proteína, pouco sal e suplementos de vitamina. Isso estimulou seu
interesse na biologia do ponto de vista químico ou molecular, levando-o a estudar e desen-
volver a Medicina Molecular, nome dado a uma de suas conferências em 1951. Influenciado
pelos trabalhos de Abram Hoffer e à sua própria experiência, passou a acreditar firmemente na
importância de doses extras de vitaminas na prevenção de doenças, gerando uma crença que se
tornou moda nos anos 1970: a terapia megavitamínica. Pauling concentrou sua preferência na
vitamina C, após os relatos de Irwin Stone, em 1966, sobre os benefícios de uma dose elevada
dessa vitamina. Ingerindo diariamente 3g de vitamina C, Pauling convenceu-se de que sua
resistência ao resfriado havia aumentado e passou a pesquisar a literatura clínica a respeito. Em
1970, publicava o livro Vitamina C e o resfriado. Depois fez estudos clínicos com Ewan Cameron,
utilizando doses intravenosa e oral de vitamina C na terapia de pacientes terminais com câncer.
Os resultados foram publicados em um livro, Câncer e vitamina C.
Em 1973, Pauling entrou para o quadro de professores eméritos da Universidade de Stanford. Nesse
ano, fundou com outros colegas, inclusive Arthur B. Robinson, o Instituto de Medicina Ortomolecular
em Menlo Park, Califórnia, que depois passou a ser chamado Instituto Linus Pauling de Ciência e
Medicina. Nesse Instituto passaria a desenvolver suas atividades, permanecendo como diretor até 1992,
enquanto trabalhava em seus artigos em seu apartamento localizado nas proximidades.
Em 1982, os estudos sobre a atividade anticancerígena da vitamina C começaram a ser
questionados pelo procedimento incorreto que havia sido empregado na pesquisa clínica. Em
novos testes clínicos, realizados na Clínica Mayo, ficou demonstrado que uma alta dose (10g)
de vitamina C não é melhor que o placebo, e que sua capacidade de prevenir resfriados não
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é conclusiva. Criou-se um desgastante clima de debates, com acusações fraudulentas entre
Pauling e a Clínica Mayo, que acabaram minando o interesse do público no uso da vitamina C
na prevenção do câncer. O Instituto continuou suas atividades em vários campos, recuperando
sua credibilidade após esse período de desgaste.
10.4 Pauling e sua Genealogia CientíficaO quadro a seguir apresenta alguns ramos da imensa árvore genealógica plantada por Justus
Liebig, os quais foram especialmente selecionados para ilustrar o significado da evolução cien-
tífica e o papel dos grandes mestres na história da ciência.
A biografia de Justus Liebig (1803-1873), figura 10.6, mereceria um capítulo à parte. Liebig, nas-
cido em Darmstadt, realizou seus estudos em Paris em 1822, com Louis Jacques Thénard, Gay-Lussac,
Michel Eugène Chevrel e Louis Nicolas Vauquelin. Em 1824, foi nomeado profes-
sor da Universidade de Giessen, na Alemanha, com apenas 21 anos de idade. Lá se
dedicou a pesquisas de química orgânica, química analítica e química agrícola.
Liebig é mais lembrado por ter criado um laboratório de pesquisa modelo em
Giessen, que, embora com instalações precárias, estimulava a formação científica
através da experimentação. Esse laboratório-escola atraía estudantes de todas as re-
giões pelo ensino de química analítica qualitativa/quantitativa e, depois, de química
orgânica. Por esse laboratório passaram A.W. von Hofmann, Fresenius, Pettenkofer,
Kopp, Fehling, Volhard, Carl Schmidt, Will, Varrentrapp, Erlenmeyer, Strecker, e
Kekulé (todos da Alemanha), Wurtz, Regnault e Gerhardt (da França), Williamson,
Playfair e Muspratt (Inglaterra), Horsford, Gibbs e Lawrence Smith (EUA).
Na figura 10.7 (página seguinte), seguindo apenas o ramo da árvore genealógica encabeçado por
Carl Schmidt, vamos encontrar várias gerações depois, Linus Pauling, ao lado de Henry Taube, ambos
Prêmios Nobel em química. Depois, novas gerações de Prêmios Nobel se sucederam. A propósito,
Henry Taube deu uma grande contribuição ao desenvolvimento da Química Inorgânica no Brasil a
partir da década de 1970, através do Programa da National Academy of Sciences (EUA) e o CNPq.
Acompanhando a sequência de Prêmios Nobel, esse quadro ilustra bem a importância dos bons
professores, perpetuando a cadeia de valores e do conhecimento.
Linus Pauling morreu de câncer de próstata em 19 de agosto de 1994. Seu nome tem
Figura 10.6: Justus Liebig
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LINUS PAULING E A QUÍMICA QUÂNTICA 10
sido incluído na lista dos 20 maiores cientistas de todos os tempos, ao lado de Albert Einstein.
Recebeu centenas de prêmios e homenagens como cientista, educador e humanista, inclusive
dois Prêmios Nobel. Atuou em vários campos de pesquisa, publicou mais de 1.000 artigos
e vários livros. Muitos consideram The nature of the chemical bond o texto científico de maior
influência no século XX. Em 1996, o instituto que leva o seu nome mudou-se para Corvallis,
tornando-se parte da Universidade Estadual de Oregon. Pauling nunca relutou em provo-
car controvérsias ao expressar um pensamento pouco ortodoxo, porém sempre sustentando a
moral, levando muitas vezes a agitar o público por uma causa nobre. Suas hipóteses científicas
e a fértil imaginação provocaram calorosos debates científicos, médicos e políticos. Assumiu
riscos profissionais e pessoais que a maioria dos colegas nunca aceitariam. Decidido e insistente,
raramente perdendo o equilíbrio, Pauling prosseguiu em seu rumo, às vezes solitário, como um
grande visionário da ciência e da humanidade.
Justus Liebig(Dr. 1822, Erlangen)
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Carl Schmidt(Dr. 1844, Giessen)
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Friedrich Ostwald(Dr. 1878, Dorpat)
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Arthus A. Noyes(Dr. 1890, Leipzig)
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Robert T. D. Luther(Dr. 1896, Leipzig)
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Georg Bredig(Dr. 1894, Leipzig)
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Rascoe G. Dickinson(Dr. 1920, Caltech)
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William C. Bray(Dr. 1905, Leipzig)
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Michael Polanyi(Dr. 1915, Budapest)
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Linus Pauling(Dr. 1925, Caltech)
Nobel Química 1954, Paz 1962 |
Henry Taube(Dr. 1940, Berkeley) Nobel Química 1983
Ernest Warhust(Dr. 1930, Manchester)
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Eugene Wigner(Dr. 1925, Berlin)
Nobel Física 1963 |
Edgar B.Wilson Jr.(Dr. 1933, Caltech)
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William N. Lipscombr Jr(Dr. 1946, Caltech)
Nobel Química 1976 |
John C. Polanyi(Dr. 1952, Manchester)
Nobel Química 1986 |
John Bardeen(Dr. 1936, Princeton)
Nobel Física 1956, 1972 |
Dudley H. Herschbach(Dr. 1958, Harvard)
Nobel Química 1986
Roald Hoffmann(Dr. 1962, Harvard)
Nobel Química 1981
John R. Schieffer(Dr. 1957, Illinois) Nobel Física 1972
Figura 10.7: Linus Pauling e a genealogia dos Prêmios Nobel desde Liebig.
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AMBIENTE NA TERRA Evolução
Bibliografia
IHDE, A. J. The development of modern chemistry. New York: Harper & Row, 1966.
GREENBERG, A. Um passeio pela história da química. Tradução: H.E.Toma, P. Cório e V.K.L.
Osório. São Paulo: Editora Edgard Blucher, 2010.
PAULING, L. Como viver mais e melhor. São Paulo: Círculo do Livro Ltda., 1986.