Fazer Melhor - Revista Laticínios · Fazer Melhor Influência da ... Este processo consiste em uma...

4
90 Fazer Melhor Influência da adição de β-galactosidade nas características físico-químicas do leite e na cinética de fermentação de iogurte Juan Marcel Frighetto, Sabrina Vieira da Silva, Luiz Gustavo de Pellegrini, Marceli Pazini Milani, Bruna Sampaio Roberto, Neila Silvia Pereira dos Santos Richards* RESUMO O interesse industrial em oferecer produtos lácteos com teor de lactose reduzido, atendendo a população mun- dial que manifesta intolerância à lactose, tem sido cres- cente. Uma alternativa para isto é a utilização da enzima β-galactosidase, que é capaz de hidrolisar o conteúdo de lactose do leite. Entretanto, pouco se conhece sobre a interferência desta operação nos processos industriais e nas características finais dos produtos. Neste sentindo, o objetivo deste trabalho foi avaliar a influência da adição de β-galactosidade nas características físico-químicas do leite e na ci- nética de fermentação de iogurte, fornecendo bases científicas à indús- tria de laticínios. Duas formulações de iogurte foram elaboradas, sendo que uma destas foi adicionada de enzima β-galactosidase. O leite utilizado para estas formulações foi submetido à determinação de densidade, proteína, gor - dura, sólidos não gordurosos (SNG) e crioscopia, e as formulações de iogur - te, à determinação de pH e acidez titulável expressa em ºDornic durante o período de fermentação. A adição de β-galactosidase influenciou significati- vamente as características físico-químicas do leite, sendo que os valores de densidade, proteínas SNG e crioscopia foram superiores para o leite adiciona- do de enzima β-galactosidase, enquanto o percentual de lactose foi reduzido em 37,87%. Quanto à cinética de fermentação do iogurte, a formulação com adição de enzima β-galactosidase apresentou maior tempo de fermentação. Apesar de afetar a otimização do processo industrial de fabricação de iogur - te, esta conseqüência pode ser recompensada pela agregação de valor ao produto e pelo atendimento à um nicho de mercado. Palavras-chave: lactose, físico-química, fermentação, iogurte Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria. Avenida Roraima, 1000, Prédio 42, Camo- bi, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail [email protected]

Transcript of Fazer Melhor - Revista Laticínios · Fazer Melhor Influência da ... Este processo consiste em uma...

Page 1: Fazer Melhor - Revista Laticínios · Fazer Melhor Influência da ... Este processo consiste em uma operação simples, em ... iogurte, onde F1 corresponde à formulação controle

90

Fazer Melhor

Influência da adição de β-galactosidade nas características físico-químicas do leite e na

cinética de fermentação de iogurte

Juan Marcel Frighetto, Sabrina Vieira da Silva,

Luiz Gustavo de Pellegrini, Marceli Pazini Milani, Bruna Sampaio Roberto,

Neila Silvia Pereira dos Santos Richards*

RESUMO

O interesse industrial em oferecer produtos lácteos com teor de lactose reduzido, atendendo a população mun-dial que manifesta intolerância à lactose, tem sido cres-cente. Uma alternativa para isto é a utilização da enzima

β-galactosidase, que é capaz de hidrolisar o conteúdo de lactose do leite. Entretanto, pouco se conhece sobre

a interferência desta operação nos processos industriais e nas características finais dos produtos. Neste sentindo, o

objetivo deste trabalho foi avaliar a influência da adição de β-galactosidade nas características físico-químicas do leite e na ci-

nética de fermentação de iogurte, fornecendo bases científicas à indús-tria de laticínios. Duas formulações de iogurte foram elaboradas, sendo que uma destas foi adicionada de enzima β-galactosidase. O leite utilizado para estas formulações foi submetido à determinação de densidade, proteína, gor-dura, sólidos não gordurosos (SNG) e crioscopia, e as formulações de iogur-te, à determinação de pH e acidez titulável expressa em ºDornic durante o período de fermentação. A adição de β-galactosidase influenciou significati-vamente as características físico-químicas do leite, sendo que os valores de densidade, proteínas SNG e crioscopia foram superiores para o leite adiciona-do de enzima β-galactosidase, enquanto o percentual de lactose foi reduzido em 37,87%. Quanto à cinética de fermentação do iogurte, a formulação com adição de enzima β-galactosidase apresentou maior tempo de fermentação. Apesar de afetar a otimização do processo industrial de fabricação de iogur-te, esta conseqüência pode ser recompensada pela agregação de valor ao produto e pelo atendimento à um nicho de mercado.

Palavras-chave: lactose, físico-química, fermentação, iogurte

Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria. Avenida Roraima, 1000, Prédio 42, Camo-bi, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail [email protected]

Page 2: Fazer Melhor - Revista Laticínios · Fazer Melhor Influência da ... Este processo consiste em uma operação simples, em ... iogurte, onde F1 corresponde à formulação controle

91

1 INTRODUÇÃO

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abaste-cimento (MAPA), o iogurte é um leite fermentado cuja fermentação se realiza por cultivos de Lactobacillus del-brueckii ssp. bulgaricus e Streptococcus salivarius ssp. ther-mophilus, aos quais se pode acompanhar, de forma com-plementar, outras bactérias lácticas, que por sua atividade, contribuem para determinação das características do pro-duto final (BRASIL, 2000).

Durante o processo de obtenção do iogurte, o leite é aquecido entre 82 e 93 ºC por 30 a 60 min., para elimi-nar os microrganismos contaminantes e desestabilizar a κ-caseína, após resfriado a 40 – 42 ºC é inoculado com a cultura iniciadora, que cresce rapidamente produzindo diacetil e ácidos láctico, acético e fórmico. O aumento da acidez reduz o crescimento de Streptococcus salivarius ssp. thermophilus e promove o crescimento de Lactobacillus delbrueckii ssp. bulgaricus, responsável pela maior parte de ácido láctico e acetaldeído produzidos, que juntos ao diacetil, proporcionam o sabor e o aroma característicos do iogurte (FELLOWS, 2006).

Segundo Arunachalam (1999) durante a fermentação do leite, a proteína, a gordura e a lactose sofrem hidrólise parcial, tornando o iogurte um produto facilmente dige-rível, e consequentemente, sendo uma excelente alterna-tiva para o tratamento de intolerância a lactose, já que os níveis de lactose encontram-se reduzidos. Porém, alguns autores revelam que o teor de lactose no iogurte, se man-tém em níveis de 70% a 90% do leite integral, o que se-ria apenas benéfico para pacientes com baixa tolerância à lactose e não para os pacientes estritamente intolerantes à lactose (GALVÃO et al.,1995).

Desta forma, o interesse em se pesquisar produtos alter-nativos, com reduzidos teores de lactose, tem sido cres-cente (MANAN et al., 1999). Uma alternativa é a utilização da enzima β-galactosidase para hidrolisar a lactose do lei-te. Este processo consiste em uma operação simples, em que o leite pasteurizado permanece em contato com a enzima β-galactosidase durante 15 a 20 horas, sob tem-peraturas de 6 a 10 ºC, e nestas condições, atinge aproxi-madamente 85% de hidrólise de lactose (REPELIUS, 2001). Entretanto, pouco se conhece sobre a interferência desta operação no processo industrial de fabricação de iogurte, bem como, nas características finais do produto.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência da adição de β-galactosidade nas características físico-químicas do leite e na cinética de fermentação de iogurte, fornecen-do bases científicas às indústrias de laticínios, para que es-tas possam atender a demanda por produtos lácteos com baixo teor de lactose.

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Material

Duas formulações de iogurte (F1 e F2) foram elabora-das no Departamento de Tecnologia e Ciência dos Ali-mentos da Universidade Federal de Santa Maria. Ambas as formulações foram elaboradas através da adição de cultura de Streptococcus thermophilus, Lactobacilus aci-dophilus LA-5® e Bifidobacterium BB-12® (Bio Rich®, Chr. Hansen®) em leite integral UHT (Piá®), e posterior incu-bação em estufa a 40-42 ºC até a obtenção de pH pró-ximo à 4,7.

A matéria-prima de F2 foi adicionada de 0,5% de enzi-ma β-galactosidase (Lactozym® 3000L HP, Novozymes) e mantida à temperatura de 8 ºC por 18 horas, buscando a hidrólise parcial do seu conteúdo de lactose. Em contra-partida, a matéria-prima de F1 atuou como controle, não sendo submetida à este tratamento.

Rua Paracatu, 1510 . Bandeirantes Juiz de Fora . MG

Page 3: Fazer Melhor - Revista Laticínios · Fazer Melhor Influência da ... Este processo consiste em uma operação simples, em ... iogurte, onde F1 corresponde à formulação controle

92

Fazer Melhor

Figura 1. Valores de pH durante o tempo de fermentação de iogurte, onde F1 corresponde à formulação controle e F2, à formulação adicionada de enzima β-galactosidase.

Figura 2. Valores de acidez titulável durante o tempo de fer-mentação de iogurte, onde F1 corresponde à formulação con-trole e F2, à formulação adicionada de enzima β-galactosidase.

A partir das análises realizadas, observou-se que o tempo de incubação necessário para o produto atin-gir pH 4,5 foi maior para a formulação com adição de β-galactosidase (F2), quando comparada à formulação controle (F1).

Esses resultados estão de acordo com os valores obser-vados por Longo (2006), onde os iogurtes com teor de lactose normal apresentaram menor tempo de fermen-tação (em média 195 minutos), enquanto que os io-gurtes com adição da enzima β-galactosidase apresen-taram maiores tempos de fermentação (em média 228 minutos). Neste mesmo estudo, o tempo de fermenta-ção em presença de enzima β-galactosidase aumentou em aproximadamente 15%. De forma semelhante, Pe-reira (2002) observou que o tempo de fermentação em amostras de leite com teor de lactose normal foi menor (em média 206 minutos) que o tempo de fermentação em amostras com teor de lactose reduzido (em média 233 minutos).

De acordo com a legislação vigente, os limites de acidez para o iogurte são de, no mínimo, 0,6 g de ácido lácti-co/100 g de iogurte e, no máximo, 1,5 g de ácido lácti-co/100 g de iogurte (BRASIL, 2000). As formulações F1 e F2 apresentaram, respectivamente, 0,70 g e 0,69 g de áci-do láctico/100 g de iogurte ao final da fermentação, cum-prindo com as recomendações estabelecidas pela legisla-ção vigente.

Os resultados obtidos através das análises físico-químicas do leite utilizado para as formulações de iogurte encon-tram-se na Tabela 1.

O leite utilizado para estas formulações foi submetido à determinação de densidade, proteína, gordura, sólidos não gordurosos (SNG) e crioscopia, e as formulações de iogurte, à determinação de pH e acidez titulável expressa em ºDornic durante o período de fermentação.

2.2 Métodos

Os parâmetros pH e acidez titulável, expressa em ºDornic, foram determinados segundo Brasil (2006). O pH foi mensurado em pHmetro digital (Aaker Solutions) e a acidez titulável, expressa em ºDornic, obtida utili-zando indicador fenolftaleína. Estes parâmetros foram monitorados a cada 30 minutos, desde a inoculação da cultura até a obtenção de pH próximo a 4,5, afim de avaliar a cinética de fermentação das formulações de iogurte.

Os percentuais de densidade, proteína, gordura, sólidos não gordurosos (SNG) e crioscopia do leite foram deter-minados, em triplicata, em equipamento de análise por ul-trassom (Lactoscan 90, Milkotronic Ltd.®).

Os resultados das análises físico-químicas do leite foram analisados estatisticamente pela análise de variância e comparação das médias de pares de amostras pelo teste de Tukey ao nível de significância de 5%, utilizando o apli-cativo Sistema para Análise e Separação de Médias em Ex-perimentos Agrícolas (SASM-Agri), versão 4 (ALTHAUS et al., 2001; CANTERI et al., 2001).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 1 e a Figura 2 apresentam a evolução dos valores de pH e acidez titulável, respectivamente, durante o perí-odo de incubação das formulações de iogurte.

Page 4: Fazer Melhor - Revista Laticínios · Fazer Melhor Influência da ... Este processo consiste em uma operação simples, em ... iogurte, onde F1 corresponde à formulação controle

93

Tabela 1. Análise físico-química do leite utilizado para a formulação controle (F1) e para a formulação

adicionada de enzima β-galactosidase (F2).

Parâmetros F1 F2

Densidade (g L-1) 1029,55 b 1033,70 a

Proteínas (%) 2,96 b 3,38 a

Gorduras (%) 3,32 a 3,24 b

Lactose (%) 3,75 a 2,33 b

SNG (%) 8,89 b 9,98 a

Crioscopia (ºC) -0,555 a -0,874 b

a,b Médias seguidas de letras minúsculas diferentes na mesma linha diferem estatisticamente pelo teste de Tukey, ao nível de signifi-cância de 5%.

O percentual de lactose do leite submetido à ação da en-zima β-galactosidase foi reduzido em 37,87%. O aumen-to significativo dos valores de densidade, proteínas SNG e crioscopia observados em F2 pode estar relacionado à adi-ção da enzima β-galactosidase, sendo que esta é de nature-za protéica. O aumento do percentual de proteína provoca, consequentemente, o aumento dos níveis de SNG, reduzin-do a temperatura de congelamento e alterando a relação entre massa e volume do produto (FOSCHIERA, 2004).

4 CONCLUSÃO

A adição de β-galactosidase influenciou significativa-mente as características físico-químicas do leite, sendo que os valores de densidade, proteína, SNG e criosco-pia foram superiores para o leite adicionado de enzima β-galactosidase.

Quanto à cinética de fermentação do iogurte, a formula-ção com adição de enzima β-galactosidase apresentou maior tempo de fermentação. Esta consequência pode afe-tar a otimização do processo industrial de fabricação de io-gurte, porém, é recompensada pela agregação de valor ao produto e pelo atendimento à um nicho de mercado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALTHAUS, R. A., CANTERI, M. G., GIGLIOTI, E. A. Tecnologia da informa-ção aplicada ao agronegócio e ciências ambientais: sistema para análise e separação de médias pelos métodos de Duncan, Tukey e Scott-Knott. Anais do X Encontro Anual de Iniciação Científica, Parte 1, Ponta Grossa, p. 280-281, 2001.ARUNACHALAM, K. D. Role of bifidobacteria in nutrition, medicine and technology. Nutr. Res., v.19, n.10, p.1559-1597, 1999.ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LEITE LONGA VIDA. Leites especiais. Asso-ciação Brasileira de Leite Longa Vida. Disponível em: <http://www.ablv.org.br/Index.cfm?fuseaction=longavida>, Acesso em: 25 jan. 2010.BRASIL. Instrução Normativa n. 68, de 14 de dezembro de 2006. Méto-dos analíticos oficiais físico-químicos, para controle de leite e produtos

lácteos. Diário Oficial da União, Brasília, 14 dez. 2006.BRASIL. Resolução n. 5, de 13 de novembro de 2000. Padrões de Identi-dade e Qualidade de Leites Fermentados. Diário Oficial da União, Brasília, 13 nov. 2000.CANTERI, M. G., ALTHAUS, R. A., VIRGENS FILHO, J. S., GIGLIOTI, E. A., GODOY, C. V. SASM - Agri: Sistema para análise e separação de médias em experimentos agrícolas pelos métodos Scoft-Knott, Tukey e Duncan. Revista Brasileira de Agrocomputação, v.1, n.2, p.18-24, 2001.FELLOWS, P. J. Tecnologia do processamento de alimentos: princípios e práticas. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.FOSCHIERA, J. L. Indústria de laticínios: Industrialização do leite, análises, produção de derivados. Porto Alegre: Suliani Editografia Ltda., 2004.GALVÃO, L. C.; FERNANDES, M. I. M.; SAWAMURA, R. Conteúdo de lacto-se e atividade de β-galactosidase em iogurtes, queijos e coalhadas pro-duzidos no Brasil. Arquivos de Gastroenterologia, v.32, n.1, p.8-14, 1995.LONGO, G. Influência da adição de lactase na produção de iogurtes. Curi-tiba, 2006, 89f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia de Alimentos), Uni-versidade Federal do Paraná (UFPR).MANAN, D. M. A., ADB KARIM, A.; KIT, W. K. Lactase content of midified enzyme teatred “Dadih”. Food Chemistry, v.65, n.4, p.430-443, 1999.PEREIRA, M. A. G. Efeito do teor de lactose e do tipo de cultura na acidi-ficação e pós-acidificação de iogurtes. Campinas, 2002, 86f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia de Alimentos), Universidade Estadual de Cam-pinas (USP).REPELIUS, C. Lactase: an optimun enzime for low lactose. Asia Pacific In-dustry, Special Supplement Ingredient & Additives, jun. 2001.SUENAGA, C. I.; SIU, E. R.; KATO, L. M.; OSAKO, M. K. Intolerância à lac-tose. Universidade Federal de São Paulo. Disponível em: <http://www.virtual.epm.br/material/tis/curr-bio/trab2001/grupo1/intolerancia.htm>. Acesso em: 04 ago. 2010.