ESTUDO DA DEGRADAÇÃO HIDROLÍTICA DE ARCABOUÇOS...

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ESTUDO DA DEGRADAÇÃO HIDROLÍTICA DE ARCABOUÇOS POROSOS DE POLI(ε-CAPROLACTONA) (PCL) E POLI(HIDROXIBUTIRATO-CO- HIDROXIVALERATO) (PHBV) A. F. Hell, S. M. Malmonge Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo (SP), Brasil E-mail: [email protected] Resumo. Este trabalho teve como objetivo estudar a degradação hidrolítica em meio fisiológico simulado de arcabouços produzidos com os polímeros PCL e PHBV. Arcabouços porosos obtidos por evaporação de solvente com agentes porogênicos foram caracterizados quanto à microestrutura, densidade e porosidade. Os arcabouços foram submetidos ao ensaio de degradação hidrolítica in vitro por 30, 60 e 90 dias e avaliados quanto à perda de massa, variação de Mv, comportamento mecânico, térmico e alterações na morfologia. O presente trabalho possibilitou a obtenção de arcabouços porosos com diâmetro de poros entre 75 e 150 μm. Os resultados indicaram diminuição da massa molar viscosimétrica e alteração das propriedades térmicas, indicativos de degradação hidrolítica. Foi verificado aumento do grau de cristalinidade dos polímeros estudados indicando que houve degradação preferencialmente na fase amorfa. Foi possível concluir que a degradação dos arcabouços de PCL é mais lenta quando comparado com os de PHBV. Palavras-chave: biomateriais, polímeros biorreabsorvíveis, arcabouços, degradação hidrolítica in vitro. 1. INTRODUÇÃO A incessante procura por novos materiais que atendam aos requisitos na área médica é fundamental para aumentar a qualidade dos produtos e métodos já existentes e principalmente desenvolver novos produtos e metodologias que facilitem, acelerem e melhorem de forma significativa o tratamento de pacientes em diversas áreas da medicina e odontologia. A expectativa de vida humana vem aumentando devido a diversas melhorias relacionadas às tecnologias aplicadas à saúde, mas nem todos os tecidos e órgãos do corpo podem manter suas funções com o processo de envelhecimento (1) ou conseguem ser facilmente regenerados em caso de traumas ou lesões. Neste contexto, a Engenharia Tecidual (ET) se destaca consistindo em um conjunto de técnicas e conhecimentos para a regeneração de órgãos e tecidos acometidos por lesões ou processos degenerativos. A técnica envolve a expansão in vitro de células sobre suportes ou arcabouços de materiais

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ESTUDO DA DEGRADAÇÃO HIDROLÍTICA DE ARCABOUÇOS POROSOS DE

POLI(ε-CAPROLACTONA) (PCL) E POLI(HIDROXIBUTIRATO-CO-HIDROXIVALERATO) (PHBV)

A. F. Hell, S. M. Malmonge

Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo (SP), Brasil

E-mail: [email protected]

Resumo. Este trabalho teve como objetivo estudar a degradação hidrolítica em meio fisiológico simulado de arcabouços produzidos com os polímeros PCL e PHBV. Arcabouços porosos obtidos por evaporação de solvente com agentes porogênicos foram caracterizados quanto à microestrutura, densidade e porosidade. Os arcabouços foram submetidos ao ensaio de degradação hidrolítica in vitro por 30, 60 e 90 dias e avaliados quanto à perda de massa, variação de Mv, comportamento mecânico, térmico e alterações na morfologia. O presente trabalho possibilitou a obtenção de arcabouços porosos com diâmetro de poros entre 75 e 150 µm. Os resultados indicaram diminuição da massa molar viscosimétrica e alteração das propriedades térmicas, indicativos de degradação hidrolítica. Foi verificado aumento do grau de cristalinidade dos polímeros estudados indicando que houve degradação preferencialmente na fase amorfa. Foi possível concluir que a degradação dos arcabouços de PCL é mais lenta quando comparado com os de PHBV. Palavras-chave: biomateriais, polímeros biorreabsorvíveis, arcabouços, degradação hidrolítica in vitro. 1. INTRODUÇÃO

A incessante procura por novos materiais que atendam aos requisitos na área

médica é fundamental para aumentar a qualidade dos produtos e métodos já

existentes e principalmente desenvolver novos produtos e metodologias que

facilitem, acelerem e melhorem de forma significativa o tratamento de pacientes em

diversas áreas da medicina e odontologia. A expectativa de vida humana vem

aumentando devido a diversas melhorias relacionadas às tecnologias aplicadas à

saúde, mas nem todos os tecidos e órgãos do corpo podem manter suas funções

com o processo de envelhecimento (1) ou conseguem ser facilmente regenerados em

caso de traumas ou lesões. Neste contexto, a Engenharia Tecidual (ET) se destaca

consistindo em um conjunto de técnicas e conhecimentos para a regeneração de

órgãos e tecidos acometidos por lesões ou processos degenerativos. A técnica

envolve a expansão in vitro de células sobre suportes ou arcabouços de materiais

biorreabsorvíveis, diferenciação e integração das células às matrizes para o início de

formação neotecidual e posterior implante nas regiões lesadas, desencadeando

assim o processo de regeneração do tecido ou órgão em questão e, enquanto o

novo órgão ou tecido é formado o suporte sofre degradação (2,3).

Os arcabouços podem ser confeccionados com diversos tipos de biomateriais e

são aplicados na ET como suportes para a cultura de células a fim de assegurar e

auxiliar o crescimento de tecidos vivos. Os arcabouços atuam como um suporte

estrutural para acomodar e estimular o crescimento de um novo tecido, atuando

assim como matriz extracelular artificial para o tecido em questão (4).

Polímeros biorreabsorvíveis são largamente empregados na obtenção dos

arcabouços, pois apresentam boa compatibilidade biológica e se degradam in vivo

com eliminação dos subprodutos pelas vias metabólicas do organismo, sem efeitos

colaterais residuais. Entre os polímeros biorreabsorvíveis, o poli(hidroxibutirato-co-

hidroxivalerato) (PHBV) pertencente à família dos polihidroxialcanoatos (PHAs), que

são poliésteres produzidos por microorganismos vem sendo utilizado como matéria-

prima para diversos dispositivos de aplicação biomédica e ET. Também, o poli(ɛ-

caprolactona) (PCL) tem despertado grande interesse como arcabouço, pois além

de ser biorreabsorvível possui excelente compatibilidade biológica e elasticidade (5).

A porosidade e a geometria do arcabouço são fatores determinantes na

velocidade de degradação e também na indução ao crescimento celular (2). Portanto,

o estudo da microestrutura dos arcabouços de polímeros biorreabsorvíveis é

importante para que possamos compreender a influência na degradação e

consequentes alterações nas propriedades dos dispositivos para que se possa

desenvolver e aprimorar arcabouços a fim de atender os requisitos de sua aplicação.

Este trabalho envolve o estudo da degradação hidrolítica em meio fisiológico

simulado (solução tampão fosfato) de arcabouços produzidos com os polímeros

biorreabsorvíveis poli(ɛ-caprolactona) (PCL) e poli(hidroxibutirato-co-hidroxivalerato)

(PHBV).

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Materiais

PHBV (18% de hidroxivalerato, lote FE132, PHB do Brasil) e PCL (Aldrich

440744-250G, Mn 70000-90000), triclorometano (clorofórmio) (Synth), NaCl e

solução tampão fosfato (pH 7,4 ± 0,2). Todos os materiais foram utilizados como

recebidos.

2.2. Preparação dos arcabouços Os polímeros PCL e PHBV foram solubilizados em clorofórmio sob agitação

magnética. As soluções foram preparadas com concentração de 5% m/v dos

polímeros puros. Para a confecção dos poros utilizou-se como agente porogênico

grânulos de NaCl com diâmetro de 75<Φ<150 μm. Utilizou-se 95,24% m/v de NaCl

para a preparação das soluções e as mesmas foram vertidas em placas de petri, as

placas foram parcialmente tampadas e deixadas em capela com a exaustão

desligada para que a evaporação do solvente ocorresse de forma lenta. Após a

evaporação completa do solvente, as amostras foram submersas em água destilada

para lixiviação das partículas porogênicas. Em seguida, as amostras foram

colocadas por 24h em álcool 95% para desidratação e após evaporação total do

álcool as mesmas foram armazenadas em dessecador sob vácuo.

2.3. Degradação in vitro

Foi utilizada a norma F 1635-11 ASTM (6) para avaliação da degradação

hidrolítica in vitro. Os corpos-de-prova (CPs) foram cortados de forma retangular

com dimensões de 50mm x 10mm. A solução tampão e os instrumentos de

manuseio foram esterilizados, os CPs foram levados à capela de fluxo laminar e

foram desinfectados em álcool 95% para serem inoculados em recipientes plásticos

contendo solução tampão fosfato, os recipientes foram previamente desinfectados.

Após decorrido o tempo de seguimento, os CPs foram incubados a temperatura de

37°C ± 2°C para os tempos de seguimento de 30, 60 e 90 dias. Foram preparados

seis CPs para cada tempo de seguimento. Após, os CPs foram lavados em água

destilada em abundância, foram imersos em álcool 95% para desidratação e foram

colocados na incubadora na temperatura de 37°C ± 2°C para secagem até que sua

massa permanecesse constante.

2.4. Picnometria

A densidade e a porosidade aparente dos arcabouços foram determinadas

utilizando a técnica de picnometria (7), porém optou-se por utilizar álcool etílico

absoluto 99,5% ao invés de água destilada devido as amostras serem menos

densas do que a água e também por suas características hidrofóbicas. Para a

realização do ensaio utilizou-se 4 amostras para cada tipo de polímero e para o

cálculo foram utilizadas as densidades teóricas fornecidas pelos fabricantes dos

polímeros, para o PHBV foi utilizada ρPHBV = 1,30 g/cm3 e para o PCL ρPCL = 1,145

g/cm3.

2.5. Estereomicroscopia e microscopia eletrônica de varredura (MEV)

Para caracterizar a superfície dos arcabouços utilizou-se o estereomicroscópio

Physis (SZ40) que possui faixa de ampliação de 10 a 40x e o software de aquisição

de imagens TS View. Para as análises de MEV foi utilizado o microscópio eletrônico

de varredura JEOL (JSM-6010LA). As amostras foram fixadas em suportes

metálicos com auxílio de fita adesiva de carbono. Foi utilizado feixe de elétrons de

3kV e as amostras não foram recobertas.

2.6. Perda de massa

Mediu-se a massa antes da imersão na solução tampão fosfato (m1) e após o

processo de secagem depois de completar os tempos de seguimento (m2). A

porcentagem de perda de massa foi determinada através da Eq. (A):

% perda = [(m1 - m2)/m1]. 100% (A)

2.7. Variação da massa molar média viscosimétrica

Foi utilizada a técnica de viscosimetria capilar e a equação de Mark-Houwink Eq.

(B) (8). O ensaio foi realizado para os tempos de 0 e 90 dias de contato com a

solução tampão fosfato.

[η] = K Mv

α (B)

onde, K e α são constantes para um determinado sistema de

polímero/solvente/temperatura; η é a viscosidade intrínseca; Mv é a massa molar

viscosimétrica média.

O ensaio foi realizado com um viscosímetro capilar do tipo Cannon-Fenske e

como solvente utilizou-se o clorofórmio. Foram preparadas soluções de cada

polímero nas seguintes concentrações 0,1; 0,2; 0,3; 0,4; e 0,5 g/dl e o tempo de

escoamento do clorofórmio (t0) e das soluções (t) entre as marcações do

viscosímetro foram medidos com um cronômetro. Para cada concentração foram

realizadas 5 medições. As viscosidades inerentes e reduzidas foram obtidas através

das equações da técnica de viscosimetria e foram traçadas as curvas das

viscosidades x concentração (8). A viscosidade intrínseca foi obtida através da

extrapolação das curvas para a concentração igual a 0. Os valores de K e α

utilizados para o cálculo da Mv foram os mesmos encontrados na literatura para o

cálculo das massas molares de arcabouços densos dos mesmos polímeros para

comparação (9).

2.8. Comportamento mecânico

Foi utilizado à norma ASTM D 882-12 (10) e o equipamento MTS Tytron 250 para

realizar os ensaios de tensão x deformação sob tração dos arcabouços. O ensaio foi

realizado sob tração com velocidade de 1 mm/min e distância entre as garras de 20

mm com o auxílio do software MTS Flex Test. Foram preparados 5 CPs para cada

tipo de polímero com dimensões aproximadas de 50 mm x 10 mm. A espessura e

largura dos CPs foram medidos antes do teste com o auxílio do micrômetro e

paquímetro digital, para cada parâmetro foram realizadas 3 medições para obtenção

de valores médio.

2.9. Comportamento térmico As análises de Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) foram realizadas

utilizando o equipamento DSC Q series (TA Instruments) em atmosfera inerte,

empregando vazão de 50 mL/min de nitrogênio. Foram utilizadas amostras em

panelinhas de alumínio tampadas e como referência utilizou-se panelinha de

alumínio tampada vazia. As amostras foram submetidas à varredura de temperatura

de -50oC a 250oC com velocidade de 10oC/min. O grau de cristalinidade (GC) para

polímeros semicristalinos é calculado a partir do valor da entalpia de fusão (ΔHm)

que é obtida da curva de DSC para o aquecimento, através da integração do pico de

fusão, do valor da entalpia de cristalização (ΔHc) quando houver e conhecendo o

valor teórico do polímero hipoteticamente 100% cristalino (∆Hm100%). Para o PCL

utilizou-se o valor de ∆Hm100%=136 J/g e para o PHBV ∆Hm100% =146 J/g (11).

(c)

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A superfície do arcabouço em contato com o vidro da placa de petri apresentou

menor rugosidade do que a superfície em contato com o ar, comportamento este

verificado para ambos os polímeros estudados. A menor rugosidade encontrada na

superfície em contato com vidro deve-se provavelmente ao fato da superfície plana e

lisa do vidro atuar como molde para a formação do arcabouço, enquanto que os

cristais se depositam formando uma superfície irregular no lado superior do

arcabouço. Através das imagens obtidas no estereomicroscópio e pela MEV, para os

arcabouços porosos de PCL e PHBV, foi possível notar que foram obtidos

arcabouços com uniformidade de poros e também não foi verificada presença de

NaCl o que indica que o tempo de lavagem das amostras foi adequado. A Fig. 1

apresenta as imagens típicas dos arcabouços obtidas pela técnica de

estereomicroscopia e as Fig. 2 e 3 apresentam as imagens obtidas por MEV dos

arcabouços de PCL e PHBV, respectivamente.

Figura 1 - Estereomicroscopia de amostras típicas de PHBV (A) superfície em contato com ar com aumento de 20x, (B) superfície em contato com vidro com aumento de 20x; amostras típicas de PCL (C) superfície em contato com ar com aumento de 20x e (D) superfície em contato com vidro com aumento de 20x.

Figura 2 - Imagens típicas de microscopia eletrônica de varredura dos arcabouços de PCL porosos: imagens da esquerda (A) e (C) superfície em contato com ar; imagens da direita (B) e (D) superfície em contato com vidro.

Figura 3 - Imagens típicas de microscopia eletrônica de varredura dos arcabouços de PHBV porosos: imagens da esquerda (A) e (C) superfície em contato com ar; imagens da direita (B) e (D) superfície em contato com vidro.

Os valores médios obtidos das densidades aparente foram: para o PCL 0,0934 ±

0,0285 g/cm3 e para o PHBV 0,0658 ± 0,0190 g/cm3. Os elevados valores de desvio

padrão podem estar relacionados à técnica utilizada, que depende muito da

habilidade do operador. Em relação à porosidade aparente, foi encontrado o valor de

91,84 ± 2,49 para o arcabouço de PCL e 94,94 ± 1,46 para o de PHBV. Pode-se

concluir que o resultado da porosidade aparente para os arcabouços porosos está

coerente tendo em vista que foi utilizado 95,24% m/v de NaCl na preparação dos

mesmos.

A Fig. 4 apresenta a perda de massa dos arcabouços (%) em função do tempo

de contato com o meio fisiológico simulado (MFS).

Figura 4: Variação percentual da massa das amostras para diferentes tempos de imersão em solução tampão fosfato.

Os arcabouços de PCL e PHBV perderam massa ao longo do tempo de contato

com a solução tampão fosfato, porém, com redução na velocidade de perda de

massa após 60 dias. Este comportamento ocorreu provavelmente devido à redução

da fase amorfa dos polímeros, já que o acesso das moléculas de água às cadeias é

mais fácil na fase amorfa, esta é consumida primeiro. No primeiro estágio de

degradação, há penetração e difusão da água nas regiões amorfas do polímero e

cisão hidrolítica das ligações ésteres das cadeias poliméricas. Após grande parte da

fase amorfa sofrer degradação começa o segundo estágio na fase cristalina,

portanto, há um aumento percentual do grau de cristalinidade (12).

Tanto para os arcabouços de PCL quanto para os de PHBV houve redução da

massa molar média viscosimétrica após o tempo de contato com o MFS o que indica

que houve degradação de ambos os polímeros. Para o PCL poroso houve redução

da massa molar de 17,0% enquanto que para o PHBV poroso a redução foi de

25,8% para 90 dias de contato com o MFS.

Analisando o aspecto visual dos arcabouços após o contato com o MFS, não foi

possível notar defeitos (aumento de poros, trincas, diferença na coloração, etc.) que

caracterizassem a perda de massa. Não é possível afirmar que existe

interconectividade dos poros, característica essencial para o emprego dos

arcabouços como suportes em ET a partir das imagens obtidas na MEV.

A degradação dos arcabouços é caracterizada pela perda de massa, diminuição

da massa molar ponderal média (Mw) e consequentemente perda das propriedades

mecânicas (2). Através das curvas tensão x deformação de cada amostra foram

calculados os valores médios e desvios para os parâmetros tensão de escoamento,

tensão máxima, tensão na ruptura e módulo de elasticidade de cada tipo de

membrana. Foram traçados gráficos dos parâmetros em função do tempo de contato

dos arcabouços com a solução tampão fosfato, os quais são apresentados na Fig 5.

Figura 5 – Propriedades mecânicas em função do tempo de contato com a solução tampão fosfato.

Nota-se que os valores médios das propriedades mecânicas dos arcabouços

porosos são baixos. As paredes dos poros dos arcabouços são muito finas em

comparação com o tamanho do poro o que, provavelmente, facilita a ruptura do

arcabouço devido à propagação de trincas em baixas tensões. Tanto para os

arcabouços de PCL como os de PHBV, não fica evidente a diminuição da resistência

mecânica ao longo do tempo de contato com o MFS.

A Tab. 1 apresenta os dados obtidos pela técnica de DSC para os arcabouços.

Tabela 1 - Valores de Tg, Tc, ΔHc, Tm, ΔHm e GC para as membranas porosas de PHBV e PCL para os tempos de 0, 30, 60 e 90 dias de contato com a solução tampão fosfato.

Tempo Aquecimento PHBV poroso PCL poroso

Tg (oC) Tc (

oC) ΔHc (J/g) Tm (oC) ΔHm (J/g) GC Tm (oC) ΔHm (J/g) GC

0 dias 1o Aq. -0,3 - - 159,8 33,8 23,2 63,4 54,4 40,0 2o Aq. -0,8 55,4 7,5 161,1 41,4 23,2 54,9 38,8 28,5

30 dias 1o Aq. -2,3 - - 160,2 20,3 13,9 65,0 62,3 45,8 2o Aq. -4,2 65,2 24,1 153,3 29,8 3,9 55,2 47,5 34,9

60 dias 1o Aq. 0,8 - - 158,8 37,2 25,5 64,3 54,3 39,9 2o Aq. -4,8 68,0 46,1 152,4 54,0 5,4 55,9 40,2 29,6

90 dias 1o Aq. -3,1 - - 159,3 43,9 30,1 65,3 80,2 59,0 2o Aq. -3,4 66,8 47,4 154,3 59,0 7,9 55,0 66,9 49,2

Analisando os dados obtidos através do DSC para os arcabouços porosos de

PHBV, verifica-se aumento no grau de cristalinidade (GC) ao longo do tempo de

degradação para as curvas do primeiro e segundo aquecimento. Para o tempo de 0

dias, a curva do 1° aquecimento representa a fase cristalina resultante do processo

de evaporação do solvente, no caso da amostra que não entrou em contato com o

MFS. Já para os tempos de 30, 60 e 90 dias o GC referente à curva do 1°

aquecimento representa a fase cristalina resultante do processo de evaporação do

solvente e a fase cristalina resultante da evaporação do solvente modificada pela

ação do MFS, isto é, plastificação e/ou degradação. O aumento do GC ao longo do

tempo de degradação corrobora o resultado verificado em relação à diminuição da

velocidade de perda de massa do polímero ao longo do tempo. O MFS atua como

plastificante, provavelmente contribuindo para a diminuição do grau de cristalinidade,

porém ao longo do tempo de contato com o MFS, ocorre quebra das cadeias

(degradação) preferencialmente na fase amorfa com consequente aumento do GC.

Já o GC determinado a partir da curva do 2° aquecimento é resultante do

resfriamento a 10°C/min, desta forma os resultados obtidos mostram que para as

amostras que entraram em contato com o MFS a cristalização por resfriamento na

taxa de 10°C/min parece ser menos eficiente que a cristalização inicial, por

evaporação de solvente. Porém, é importante analisar a cristalização que ocorre

durante o 2° aquecimento. Observa-se aumento do ΔHc em função do aumento do

tempo de degradação do polímero. Isto deve-se provavelmente a diminuição do

tamanho de cadeias ao longo do tempo em contato com o MFS, o que favorece a

formação de cristais. Observa-se também o aumento do GC resultante do

resfriamento a 10°C/min, indicando mais uma vez a diminuição do tamanho de

cadeia.

Analisando os dados para os arcabouços porosos de PCL também se verifica

aumento no GC ao longo do tempo de degradação para as curvas do primeiro e

segundo aquecimento o que indica que ao longo do tempo de contato com o MFS,

ocorreu quebra das cadeias preferencialmente na fase amorfa com consequente

aumento do GC. Este fato está de acordo com a diminuição da massa molar média

viscosimétrica que foi obtido para as amostras porosas de PCL após contato de 90

dias com o MFS. 4. CONCLUSÕES

O presente trabalho possibilitou a obtenção de arcabouços porosos de PCL e

PHBV com diâmetro de poros entre 75 e 150 µm. Após o contato com o meio

fisiológico simulado e a partir dos dados obtidos nas análises conclui-se que a

degradação dos arcabouços de PCL é mais lenta quando comparado com as de

PHBV. A degradação hidrolítica in vitro resultou em aumento da cristalinidade de

todos os polímeros estudados, indicando que as reações de hidrólise ocorrem

inicialmente na fase amorfa. A diminuição da massa molar viscosimétrica e a

diminuição das propriedades térmicas é um indicativo da degradação. A densidade e

a porosidade aparente não são fatores determinantes na velocidade de degradação

dos arcabouços.

AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à PHB do Brasil pela doação do PHBV, à Universidade

Federal do ABC e a Central Experimental Multiusuários da UFABC pela

disponibilidade dos equipamentos e materiais.

REFERÊNCIAS (1) GALDINO, A. G. S. et al. Análise de ensaios in vitro do compósito de 50%HA-50%TiO2

fabricados pelo método de esponja polimérica. Cerâmica, v. 60, n. 356, p. 586-593, 2014.

(2) BARBANTI, S. H.; ZAVAGLIA, C. A. C. & DUEK, E. A. R. Polímeros bioreabsorvíveis na

engenharia de tecidos. Polímeros: Ciência e Tecnologia, v. 15, n. 1, p. 13-21, 2005. (3) SILVA, E. F. et al. Engenharia tecidual de cartilagem articular com ênfase em

odontologia. RFO, v. 20, n. 3, p. 372-379, 2015. (4) MARTINS, M. I. P. Desenvolvimento de hidrogéis à base de quitosano/fosfatos de cálcio

para aplicações ortopédicas. 2012, 82p. Dissertação (Mestrado em Ciências e Tecnologias) - Universidade Nova de Lisboa, Almada.

(5) AIRES, A. M. M. Biodispositivos electrónicos implantáveis e biodegradáveis: nano/microfibras de poli(ε-caprolactona) (PCL). 2012, 69p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Biomédica) - Universidade Nova de Lisboa, Lisboa.

(6) ASTM F-1635-11 Standard Test Method for in vitro Degradation Testing of Hydrolytically Degradable Polymer Resins and Fabricated Forms for Surgical Implants.

(7) LeBLON, C. E et al. In vitro comparative biodegradation analysis of salt-leached porous scaffolds. Journal of Applied Polymer Science, v. 128, n. 5, p. 2701-2712, 2013.

(8) LUCAS, E. F.; SOARES, B. G.; MONTEIRO, E. Caracterização de polímeros: determinação do peso molecular e análise térmica. 1th ed. Rio de Janeiro (RJ): E-papers; 2001. Capítulo 6, Viscosimetria; p. 125-149.

(9) FERREIRA, F. A. Polímeros biorreabosorvíveis para engenharia biomédica: cinética de degradação hidrolítica. 2014, 121p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Biomédica) - Universidade Federal do ABC, Santo André.

(10) ASTM D-882-12 Standard Test Method for Tensile Properties of Thin Plastic Sheeting. (11) CASARIN, S. A. Blendas de PHBV e PCL para uso em dispositivos de osteossíntese.

2010, 158p. Tese (Doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.

(12) BARBANTI, S. H.; ZAVAGLIA, C. A. C. & DUEK, E. A. R. Degradação acelerada de suportes de poli(ɛ-caprolactona) e poli(D, L-ácido láctico-co-ácido glicólico) em meio alcalino. Polímeros: Ciência e Tecnologia, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 141-148, 2006.

STUDY OF HYDROLYTIC DEGRADATION OF POROUS SCAFFOLDS OF POLY(ε-CAPROLACTONE) (PCL) AND POLY(HYDROXYBUTYRATE-CO-

VALERATE) (PHBV)

A. F. Hell, S. M. Malmonge Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ABC, São

Bernardo do Campo (SP), Brasil E-mail: [email protected]

Abstract. The aim of this study was to verify the hydrolytic degradation in a simulated physiological environment of scaffolds produced with the polymers PCL and PHBV. Porous scaffolds obtained by solvent evaporation with porogenic agents were characterized by microstructure, density and porosity. The scaffolds were submitted to in vitro hydrolytic degradation test for 30, 60 and 90 days and evaluated by weight loss, variation of Mv, mechanical performance, thermal performance, and changes in morphology. This study made it possible to obtain porous scaffolds with pore diameter between 75 and 150 µm. The results showed decreased of viscosimetric molar mass and changes of thermal properties, indicative of hydrolytic degradation. It was verified an increase in the degree of crystallinity of studied polymers indicating that was degradation preferably in the amorphous phase. It was concluded that the degradation of PCL scaffolds is slower when compared with those of PHBV.

Keywords: biomaterials, bioresorbable polymers, scaffolds, in vitro hydrolytic degradation.