Contribuições da Espeleobiologia - cavernas.org.br · rápido rebaixamento do lençol freático...

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Rumo a uma legislação racional, cientificamente robusta e eficaz: Contribuições da Espeleobiologia Prof. Dr. Eleonora Trajano Instituto de Biociências Universidade de São Paulo

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Rumo a uma legislação racional,

cientificamente robusta e eficaz:

Contribuições da Espeleobiologia

Prof. Dr. Eleonora Trajano

Instituto de Biociências

Universidade de São Paulo

TRES ASPECTOS:

Ω Conceitos

Ω Critérios

Ω Métodos

- Cavernas como unidade para Conservação?

- Relevância: porque?

A noção de relevância é questionável e não usada na

Conservação em geral = porque só no caso de cavidades

subterrâneas?

Localidades/áreas/sistemas prioritários

(comparações adequadas)

Cavernas não são unidades de

habitat

janelas para o meio

subterrâneo

COMO PROTEGER ECOSSISTEMAS SUBTERRÂNEOS

NÃO-CAVERNÍCOLAS?

Espécies freatóbias proteção dos aquíferos

Jaíba, MG

Alta/ especializada, freatóbia, habitat acessível através de poços e nascentes, a

maioria secos atualmente

Altamente ameaçados por projeto extensivo de irrigação para agricultura →

rápido rebaixamento do lençol freático → não será mais acessível em 20 anos,

provável extinção da espécie por perda de habitat

Stygichthys typhlops

DECRETO Nº 6.640, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2008

Art. 2º A cavidade natural subterrânea será classificada de acordo com seu grau de

relevância em máximo, alto, médio ou baixo, determinado pela análise de atributos, biológicos,

geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais socioeconômicos.....

§ 4º Entende-se por cavidade natural subterrânea com grau de relevância máximo aquela que

possui pelo menos um dos atributos listados abaixo:

........

V - isolamento geográfico;

VI - abrigo essencial para a preservação de populações geneticamente viáveis de espécies animais

em risco de extinção, constantes de listas oficiais;

VII - hábitat essencial para preservação de populações geneticamente viáveis de espécies de

troglóbios endêmicos ou relíctos;

VIII - hábitat de troglóbio raro;

IX - interações ecológicas únicas;

X - cavidade testemunho; ou

XI - destacada relevância histórico-cultural ou religiosa (?).

Extremamente simplista, sem consistência lógica e científica,

incompatível com a complexidade dos sistemas biológicos,

portanto altamente ineficaz para fins de Conservação

SÍNTESE DOS CRITÉRIOS (sem pesos nem ordenação de valores)

I. Nível das POPULAÇÕES/ESPÉCIES:

1. Relevância científica:

1.1. Grau de especialização à vida subterrânea

1.2. Presença de características únicas (independente/ da vida hipógea)

1.3. Singularidade taxonômica

1.4. Grupo-chave para estudos filogenéticos

1.5. Importância para a elucidação de processos e padrões evolutivos

1.6. Grupo representativo de fenômenos evolutivos/ecológicos únicos

1.7. Modelo para estudos científicos: “paradigmas”

1.8. Localidade-tipo de espécies

2. Fragilidade ecológica:

2.1. População pequena

2.2. Baixa tolerância a perturbações ambientais

2.3. Baixa capacidade de reposição: estratégias K de ciclo de vida

II. Nível das COMUNIDADES:

1.Composição faunística singular

2. interações ecológicas incomuns

3. Alta diversidade para determinados táxons

4. Importância como local de abrigo e/ou reprodução

5. Ocorrência de táxons raros

TROGLÓFILOS com populações-fonte

(“source populations”) tanto em habitats

epígeos como subterrâneos, com indivíduos

deslocando-se entre esses ambientes.

TROGLOXENOS indivíduos encontrados

regularmente em habitats subterrâneos, mas que

precisam retornar periodicamente à superfície, onde

estão as populações-fonte.

Trogloxenos obrigatórios: população-fonte no

epígeo + hipógeo

TROGLÓBIOS com populações-

fonte restritas a habitats subterraneos;

populações secundárias (mas, “sink

populations” podem ocorrer no epígeo)

Análise dos critérios

Necessitam de melhor definição:

v - isolamento geográfico → BARREIRAS?

x - cavidade testemunho → DO QUÊ? De processos e padrões

singulares? Inclui localidades tipo? De qualquer espécie?

XI - destacada relevância histórico-cultural ou religiosa → inclui

importância científica na égide de “cultural”?

I. Nível das POPULAÇÕES/ESPÉCIES:

1. Relevância científica:

1.1. Grau de especialização à vida subterrânea

1.2. Presença de características únicas (independente/ da vida hipógea)

1.3. Singularidade taxonômica

1.4. Grupo-chave para estudos filogenéticos

1.5. Importância para a elucidação de processos e padrões evolutivos

1.6. Grupo representativo de fenômenos evolutivos/ecológicos únicos

1.7. Modelo para estudos científicos: “paradigmas”

1.8. Localidade-tipo de espécies

2. Fragilidade ecológica:

2.1. População pequena

2.2. Baixa tolerância a perturbações ambientais

2.3. Baixa capacidade de reposição: estratégias K de ciclo de vida

II. Nível das COMUNIDADES:

1.Composição faunística singular

2. interações ecológicas incomuns

3. Alta diversidade para determinados táxons

4. Importância como local de abrigo e/ou reprodução

5. Ocorrência de táxons raros

Vll - hábitat de troglóbio raro → DEFINIR RARIDADE em termos de

distribuição e densidades populacionals

“Levando em consideração o atributo de distribuição geográfica, foi sugerido que espécie troglóbia

encontrada em até três cavidades seja considerada rara. Caso seja encontrada em mais de três

cavidades, sendo estas inseridas em um sistema subterrâneo contínuo em um raio de 500 m, também

deve entrar no status de troglóbio raro, pois existe comunicação viável entre os canalículos.” (doc.

Workshop Troglóbios Raros, 2011, Inst. do Carste)

“Raridade é definida por diferentes aspectos, abrangendo tanto casos de populações

com distribuição muito restrita (independente/ da densidade) como daquelas com

densidades populacionais muito baixas (independente/ da distribuição), ou ambos. A

raridade também pode referir-se a atributos morfológicos, fisiológicos, ecológicos ou

comportamentais únicos da espécie” (Trajano & Bichuette, 2010).

Método do polígono!

Análise dos critérios

Inclusões:

Ω Por PRECAUÇÃO, considerar qualquer troglóbio/troglomórfico (até

prova em contrário), não apenas os “raros”

Ω Trogloxenos orbigatórios

Ω Aspectos de singularidade.

PROBLEMA = o Decreto considera basica/ um nível de singularidade

(nível populações/espécies), pratica/ restrito a troglóbios, ignorando a

complexidade do ecossistema, assim como a importância científica de

seus componentes

I. Nível das POPULAÇÕES/ESPÉCIES:

1. Relevância científica:

1.1. Grau de especialização à vida subterrânea

1.2. Presença de características únicas (independente/ da vida hipógea)

1.3. Singularidade taxonômica

1.4. Grupo-chave para estudos filogenéticos

1.5. Importância para a elucidação de processos e padrões evolutivos

1.6. Grupo representativo de fenômenos evolutivos/ecológicos únicos

1.7. Modelo para estudos científicos: “paradigmas”

1.8. Localidade-tipo de espécies

2. Fragilidade ecológica:

2.1. População pequena

2.2. Baixa tolerância a perturbações ambientais

2.3. Baixa capacidade de reposição: estratégias K de ciclo de vida

II. Nível das COMUNIDADES:

1.Composição faunística singular

2. interações ecológicas incomuns

3. Alta diversidade para determinados táxons

4. Importância como local de abrigo e/ou reprodução

5. Ocorrência de táxons raros

DIVERSIDADE

Considerar organismos subterrânea propriamente ditos (troglóbios,

troglófilos e trogloxenos) → exclusão dos acidentais.

Mas.... diversidade alfa apenas é insuficiente!

Considerar:

Ω Contribuição da diversidade alfa para a gama → Estudos epígeos

regionais

Ω Diversidade negra → estudos epígeos

Ω Diversidade filogenética

Ω Diversidade funcional.

Enquadram-se em IX - interações ecológicas únicas ?

Hypogean alpha diversity indices will always be within the range for epigean

habitats, from the lowest in extreme habitats such as deserts to the highest in

tropical forests. Far more important than calculating absolute values of

subterranean alpha diversity (including indices such as Shannon’s, which have

long been questioned) is to determine its relative importance to the gamma

(regional) diversity, which requires estimating the beta (non-subterranean)

diversity. Therefore, it is clear that comparable epigean surveys are basic not

only to determine the troglobitic status for troglomorphic taxa (the presence of

troglobites increases alpha diversity), but also to understand the special feature

of subterranean biodiversity. An important factor of singularity of hypogean

habitats is dark diversity (taking into account species that belong to a particular

species pool but that are not locally present), which tends to be high in

subterranean and other extreme habitats. Moreover, phylogenetic and functional

diversity may also differ, presenting special components in subterranean

habitats. For instance, troglophilic populations may contribute to ecological

diversity, because, as frequently observed, their dynamics is different from that

of epigean populations of the same species

MÉTODOS

Falha gravíssima da IN, que impede sua aplicação:

Ω Não inclui métodos adequados à verificação dos atributos

VI - abrigo essencial para a preservação de populações geneticamente

viáveis de espécies animais em risco de extinção, constantes de listas

oficiais;

VII - hábitat essencial para preservação de populações geneticamente

viáveis de espécies de troglóbios endêmicos ou relíctos.

Necessidade de estudos populacionais e genéticos

e...

IX - interações ecológicas únicas

Necessidade de estudos bionômicos e no nível de comunidades

Métodos basica/ restritos a levantamentos faunísticos para

diversidade alfa Preveem apenas verificação de VIII - hábitat de troglóbio raro

METODOLOGIA: CRITÉRIOS MÍNIMOS

Amostragens com métodos comparáveis +

Testes de suficiência amostral: Curvas de acumulação de

espécies

1. Abrangência espacial: sistema subterrâneo + sua área de

influência, incluindo toda a micro-bacia a montante (até

nascentes) / áreas de recarga(estudos caso-a-caso). Cavernas não cársticas: criar modelos específicos, com base em

taxonomia “boa”.

2. Abrangência temporal: pelo menos três ciclos anuais, com coletas

sazonais regularmente espaçadas em cada ciclo anual.

Morcegos cavernícolas no Alto Ribeira 1978/1979, 32 cavernas, 53 ocasiões col.

Curva do coletor

Mm

i

Ag

Fh-

Hs-

Mn

Ao-

Gsy-

Pl- M

s-

Tb

32

Le

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Ps

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Af-

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Sl- S

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27

26

2120

22

24

26

28

30

32

34

36

Fevere

iro

Mar

çoAbr

il

Mai

o

Junh

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Julho

Agosto

Setem

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Out

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Nov

embr

o

Dez

embr

o

Jane

iro

Época de amostragem

de e

sp

écie

s

30

3433

35

Morcegos cavernícolas no Alto Ribeira

2006,10 cavernas, 23 col.

Gruna Parede Vermelha – a

Gruna Ressurgência do Morro de Alvo – b

Sistema Torras – c

Gruna Rio dos Pombos – d

1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 5 5,5

Samples

12

18

24

30

36

42

48

54

60

66

Ta

xa (

95%

co

nfid

ence)

1,2 1,6 2 2,4 2,8 3,2 3,6 4 4,4

Samples

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Ta

xa (

95%

co

nfid

ence)

1,2 1,6 2 2,4 2,8 3,2 3,6 4 4,4

Samples

0

3

6

9

12

15

18

21

24

27

Ta

xa (

95%

co

nfid

ence)

1,2 1,5 1,8 2,1 2,4 2,7 3 3,3 3,6 3,9

Samples

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

Ta

xa (

95%

co

nfid

ence)

Curvas de rarefação

de amostragem –

cavernas de Igatu Linhas azuis = intervalo de

confiança de 95%.

Gallão & Bichuette, 2012

Ω Cavernas Areias de Cima + Areias de Baixo

~ 7 km de desenvolvimento, porém apenas 2 km bem

prospectados

Até 1995, ca. 75 táxons de invertebrados

10+ ocasiões de coleta (Strinati, 1968, 1 visita; Trajano,

1983/1985, 16 visitas; Godoy, 1986/1988, 10 visitas) →

inspeção visual, armadilhas de queda em poucas ocasiões

2007, 98 táxons de invertebrados

Após 1995 = 20+ ocasiões de coleta (Bessi, 2002/2003, 17

visitas; visitas esporádicas) → armadilhas de queda (Bessi),

inspeção visual,

Abrangência temporal: min. 3 ciclos anuais,

amostrando diferentes estações

METODOLOGIA: CRITÉRIOS MÍNIMOS

Poucos estudos ecológicos cobrindo 2+ ciclos anuais:

Ω F. Pellegatti-Franco: 2001 → 2002 = C. fasciatus ↓ (Laje Branca)

Ω R. Bessi: 2002 → 2003 = mudanças na dinâmica populacional

de S. ocellatus (Areias de Cima)

Ω E.Trajano e col.: 2006 → 2008 = acentuada variação na

umidade na Gruta do Enfurnado, com reflexos na fauna terrestre

Cavernas = grande dinamismo faunístico devido a

migrações/deslocamentos

CAVERNAS ↔ SISTEMA DE FENDAS E ESPAÇOS

INACESSÍVEIS

Ciclos previsíveis → ciclos anuais de chuvas

Ciclos de difícil previsão → ciclos infra-anuais

Migrações não previsíveis → eventos estocásticos

Princípio da PRECAUÇÃO/

PREVENÇÃO

DÚVIDA RAZOÁVEL = Decisão a favor do ecossistema IN DUBIO PRO REU

Cavernas relevantes versus não relevantes:

Decreto 6640 → relevância deve ser demonstrada

Precaução: todas as cavernas são relevantes até prova em

contrário → Decreto 99556