Capítulo XI Teste do Qui-quadrado · “qui-quadrado”. Ao longo dos últimos capítulos, a...

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TLF – 2010/11 Cap. XI – Teste do χ 2 Departamento de Física da FCTUC 107 Capítulo XI Teste do Qui-quadrado 2 ) 11.1. Aplicação do teste do χ 2 a uma distribuição de frequências 108 11.2. Escolha de intervalos para o teste do χ 2 111 11.3. Graus de liberdade e χ 2 reduzido 112 11.4. Tabela de probabilidades do χ 2 reduzido 113 11.5. Aplicação do teste do χ 2 ao ajuste de uma função 115

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TLF – 2010/11 Cap. XI – Teste do χ2

Departamento de Física da FCTUC 107

Capítulo XI

Teste do Qui-quadrado

(χ2)

11.1. Aplicação do teste do χ2 a uma distribuição de frequências 108 11.2. Escolha de intervalos para o teste do χ2 111 11.3. Graus de liberdade e χ2 reduzido 112 11.4. Tabela de probabilidades do χ2 reduzido 113 11.5. Aplicação do teste do χ2 ao ajuste de uma função 115

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Teste do χ2

Embora não tenha havido tempo para apresentarmos outras distribuições com interesse em Física além da distribuição normal ou Gaussiana [1] vamos, contudo, reflectir sobre o modo como podemos avaliar a distribuição “teórica” que melhor se ajusta a uma determinada distribuição experimental de frequências. Para realizarmos essa avaliação de modo quantitativo apresentaremos um parâmetro de mérito, o qui-quadrado, que será também utilizado na avaliação da qualidade do ajuste de uma dada função “teórica” aos dados experimentais. O teste do χ2 é um dos testes mais importantes no que se refere à frequência de uma dada medida e à validade de um ajuste.

11.1. Aplicação do teste do χ2 a uma distribuição de frequências

Para facilitar a apresentação, consideraremos um exemplo concreto. Suponhamos que realizamos 200 medidas t1, ..., t200 do tempo que um disco leva a descer uma determinada rampa inclinada, sem velocidade inicial e em condições de ausência de atrito. Os resultados das medidas são apresentados na tabela 11.1. Admitimos, à partida, que estes resultados seguem uma distribuição normal ou Gaussiana, ( )tG

tt σ, , mas queremos avaliar se essa

hipótese é razoável. Para tal devemos calcular como esperaríamos que os 200 resultados estivessem distribuídos se correspondessem, de facto, a uma distribuição normal e comparar esses resultados com os experimentalmente obtidos.

Tabela 11.1 – Valores medidos de t (s)

1,22 0,85 0,88 0,87 0,94 0,78 0,93 0,87 1,1 0,78 0,93 1,12 0,93 1,06 0,9 0,88 0,94 0,71 0,75 0,91 0,88 0,97 0,72 0,81 0,94 0,89 1 0,91 0,81 0,72 0,86 0,78 0,77 0,75 0,9 0,78 0,88 0,82 0,83 0,9 0,88 0,97 0,84 0,72 0,82 0,97 0,89 0,72 0,91 0,94 0,88 1 0,88 0,85 0,84 0,83 1,03 0,78 0,85 0,94 0,85 0,84 0,81 0,97 0,97 0,97 0,84 0,82 0,9 0,84 0,87 0,81 0,79 0,95 0,97 0,82 0,94 0,84 0,82 0,87 0,93 0,87 0,87 0,9 0,81 0,87 0,84 0,87 0,68 0,91 0,93 0,75 0,72 0,87 0,81 0,81 0,81 0,88 0,97 1 0,81 0,85 0,84 0,96 0,95 0,84 0,85 0,75 0,94 0,9 0,88 0,75 0,91 0,87 0,75 0,95 0,78 0,88 0,88 0,91 0,81 0,9 0,71 0,91 0,87 0,75 0,84 0,84 0,81 0,77 0,87 0,75 0,72 0,9 0,75 0,91 0,84 0,94 0,88 0,83 0,94 0,85 0,88 0,94 1,03 1 0,9 0,80 0,96 0,76 0,9 0,96 0,82 0,84 0,88 0,93 0,94 0,84 0,81 0,87

0,88 0,87 0,87 0,82 0,75 0,88 0,72 0,95 0,75 0,85 0,84 0,78 0,96 0,75 0,9 0,78 0,95 0,88 0,88 0,81 0,79 0,84 0,84 0,84 0,96 0,84 0,91 0,97 0,91 0,85 0,97 0,78 0,78 0,75 0,81 0,84 0,84 0,75 0,88 0,77

A partir dos dados da Tabela 11.1, começamos por calcular os dois parâmetros

necessários para definir a distribuição esperada, ou seja, o valor médio e o desvio padrão:

s 8644.0200

== tt e

( )s 0822.0

199

2

=−

=σ ttit .

[1] Ainda que muito resumidamente, apresentam-se em apêndice as distribuições Binomial e de Poisson.

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Sendo o tempo medido t uma variável contínua, não podemos considerar o nº esperado de medidas de um determinado valor de t. Em vez disso, devemos ter em conta o nº esperado de medidas num dado intervalo de valores de t: a < t < b. Vamos então dividir os valores possíveis em n intervalos de valores. Os intervalos escolhidos são mostrados na tabela 11.2 e na figura 11.1. Definidos os intervalos k, contamos o no de medidas (Ok) que cai (observado) em cada intervalo k.

Tabela 11.2

Intervalo k Limites do intervalo (s) Ok (nº de medidas observadas

no intervalo k)

1 ttt σ−≤ (t ≤ 0.7822) 38

2 ttt t ≤<σ− (0.7822 < t ≤ 0.8644) 58

3 tttt σ+≤< (0.8644 < t ≤ 0.9467) 74

4 ttt σ+> (t > 0.9467) 30

Em seguida, vamos calcular o nº de medidas Ek que seria esperado que caísse em cada

intervalo k. O cálculo dos Ek é bastante rápido pois, como sabemos, a probabilidade de qualquer medida cair num intervalo a < x < b é a área delimitada pela função de Gauss entre os pontos x = a e x = b. Neste exemplo, tendo definido 4 intervalos, devemos considerar as 4 probabilidades (Prob1, Prob2, Prob3 e Prob4) correspondentes às áreas definidas na figura 11.1.

Figura 11.1 – Áreas delimitadas pela função Gaussiana e pelos limites dos n intervalos.

As duas áreas Prob2 e Prob3 correspondem à conhecida quantidade 68%. Portanto, Prob2 = Prob3 = 0.34. As outras duas probabilidades correspondem à quantidade remanescente (32%) e, portanto, Prob1 = Prob4 = 0.16. Para encontrarmos os nos esperados Ek temos apenas de multiplicar as probabilidades pelo nº total de medidas N, neste caso 200. Os resultados são mostrados na Tabela 11.3.

Tabela 11.3

Intervalo k Probabilidade

(Probk) Ek (nº de medidas esperadas no

intervalo k = N Probk) Ok

1 0.16 32 38 2 0.34 68 58 3 0.34 68 74 4 0.16 32 30

Para avaliarmos a justeza da nossa hipótese, ou seja, avaliarmos se a distribuição de frequências experimental é bem ajustada por uma distribuição de probabilidades Gaussiana vamos analisar os desvios (Ok – Ek).

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Tabela 11.4

Intervalo k Ok Ek Ok – Ek

1 38 32 6 2 58 68 -10 3 74 68 6 4 30 32 -2

A tabela 11.4 mostra os desvios (Ok – Ek) e coloca-nos perante a questão de sabermos se as diferenças (Ok – Ek) são suficientemente pequenas para podermos considerar que a distribuição é, de facto, Gaussiana.

Para “calibração” desse ajuste vamos então adoptar um número de mérito designado por “qui-quadrado”. Ao longo dos últimos capítulos, a definição de χ2 apareceu várias vezes e em todos os casos correspondeu a uma soma de quadrados de fórmula geral:

2

1

2

padrão desvio

esperado valor observadovalor

−=χN

.

No presente caso, este nº é extraído da comparação dos dados experimentais com os valores previstos pela distribuição esperada e que é dado pelo somatório (desde k = 1 até ao nº total de intervalos n):

( )=

−=χn

k k

kk

EEO

1

22 . (11.1)

Embora não seja possível dar aqui uma justificação cabal da fórmula 11.1, a sua plausibilidade para avaliar a qualidade de um ajuste pode compreender-se se escrevermos a igualdade 11.1 como

k

n

k k

kk EE

EO2

1

2 =

−=χ . (11.2)

Como se pode perceber, o número do χ2 tem em conta o valor dos desvios relativos

k

kk

EEO

,

pesados pelo valor esperado correspondente. Através deste peso, atribui-se um maior significado aos desvios relativos dos valores com maior probabilidade. Por exemplo, no caso da distribuição Gaussiana é de atribuir maior significado aos desvios relativos junto ao máximo (valor central da Gaussiana), do que a valores nas suas caudas, onde o desvio relativo tende a ser grande uma vez que os valores da probabilidade são pequenos.

O nº do χ2 constitui um indicador razoável para verificarmos o acordo entre a distribuição observada e a esperada. Se χ2 = 0, o acordo é perfeito, embora essa situação seja altamente improvável. Em geral, espera-se que cada termo da soma seja da ordem de 1[2] e, [2] Isto significa que se espera que as diferentes medidas registadas em Ok tenham como valor médio Ek,

flutuando em torno desse valor com um desvio padrão da ordem de kE . Esta conclusão compreende-se

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portanto, como haverá n termos (n intervalos), n≤χ2 . Esta corresponderá então à situação

em que a hipótese é verificada experimentalmente. Pelo contrário, n>>χ2 significará que a hipótese estava incorrecta.

No nosso exemplo:

( )

( ) ( ) ( ) ( )

24.3

12.053.047.11.12 32

2

68

6

68

10

32

6

2222

1

22

==+++=

=−++−+=

=−=χ =

n

k k

kk

EEO

que é um valor menor do que 4, não havendo, portanto, razão para duvidar da validade da hipótese proposta. As secções 11.3 e 11.4 completarão considerações importantes a ter em conta sobre o critério de ajuste do χ2. 11.2. Escolha de intervalos para o teste do χ2

O resultado ( )

=

−=χn

k k

kk

EEO

1

22 é geral e pode ser aplicado a muitas experiências

diferentes. Uma questão que devemos agora abordar é saber qual o procedimento que devemos seguir para escolher o nº de intervalos adequado à realização do teste do χ2. Essa escolha depende do tipo de experiência e, em particular, da grandeza x medida ser de natureza contínua ou discreta. Apresentam-se a seguir algumas considerações sobre este aspecto.

Caso de uma variável contínua

Seja qual for a distribuição de frequências esperada, f(x), a área total circunscrita pelo gráfico de f(x) em função de x deve valer 1 (condição de normalização) e a probabilidade de obtermos uma medida entre x = a e x = b corresponderá à área entre a e b, que é dada, como sabemos por:

( ) ( )=<<b

adxxfbxa Prob .

Então, se o intervalo k for circunscrito por x = ak e x = ak+1, o nº esperado de medidas no intervalo k (para um total de N medidas realizadas) é

( )1 Prob +<<= kkk axaN E

( )+= 1k

k

a

adxxfN .

melhor assemelhando o resultado a uma experiência de contagens do tipo descrito por uma distribuição de Poisson (ver definição de distribuição de Poisson no Apêndice).

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O nº de medidas Ek esperado em cada intervalo não deve ser muito pequeno. Embora não haja limite inferior, Ek deve ser maior ou igual a 5: Ek ≥ 5. Por outro lado, o nº de intervalos não deve ser inferior a 4, tal como no exemplo que considerámos acima. Desta forma, concluiremos que, para aplicarmos o teste do qui-quadrado a uma distribuição de frequências de forma útil, o nº de medidas realizadas não deve ser inferior a 20.

Caso de uma variável discreta

Suponhamos que medimos uma variável discreta ν, como por exemplo, o nº de vezes que sai o algarismo 1 quando jogamos cinco dados. Neste caso, os valores possíveis para ν são 0, 1, 2, 3, 4 e 5 e não é necessário agregarmos os valores em intervalos. Ou melhor, escolhemos 6 intervalos mas cada um deles contém apenas um valor possível.

Contudo, por vezes acontece ser necessário agruparmos vários resultados possíveis no mesmo intervalo. Por exemplo, se atirarmos os mesmos 5 dados 200 vezes, de acordo com o cálculo das probabilidades que rege este tipo de acontecimentos [3], a distribuição dos resultados esperada seria a apresentada na 2ª coluna da tabela 11.5. Como podemos verificar, os valores esperados para a probabilidade de sair 4 ou 5 vezes o nº 1 é de apenas 0.6 e 0.03. Estes intervalos não estão, portanto, em situação adequada à aplicação do teste do qui-quadrado. Devemos, então, reagrupar os resultados ν = 3, 4 e 5 num único intervalo, ficando no total com n = 4 intervalos, como se mostra na 4ª coluna, com os Ek finais.

Definidos os intervalos procedemos como anteriormente, ou seja, contamos as ocorrências observadas Ok em cada intervalo, determinamos (Ok – Ek) e calculamos o χ2 , avaliando a partir dele se as distribuições esperada e medida concordam [4].

Tabela 11.5

Nº de dados em que sai o nº 1 Ek Intervalo k Ek final

0 80.4 1 80.4 1 80.4 2 80.4 2 32.2 3 32.2 3 6.4 4 0.6 4 7.0 5 0.03

11.3. Graus de Liberdade e χ2 reduzido

Na secção 11.1, comparámos o parâmetro χ2 com o nº de intervalos em que dividimos os nossos dados. Contudo, mostra-se que um procedimento mais correcto é compará-lo com o nº de graus de liberdade, d, do cálculo estatístico.

Como já referimos, num cálculo estatístico o nº de graus de liberdade é definido como o nº de dados observados menos o nº de parâmetros obtidos a partir desses dados e usados nos cálculos. No exemplo do disco que desce o plano inclinado, registámos os nos Ok que caem nos n intervalos k = 1, …, n. Portanto, o nº de dados observados é apenas n, o nº de intervalos. O nº de graus de liberdade é dado por

d = n – c,

[3] A distribuição binomial, que pode ser consultada no apêndice [4] Como nesta experiência sabemos que a distribuição medida é certamente uma distribuição binomial B5,1/6(ν), o teste do χ2 acaba por ser um modo de saber se os dados são verdadeiros ou se estão falseados.

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sendo c o nº de parâmetros que tiveram que ser calculados para determinarmos os nos Ek esperados. Este valor c é frequentemente designado por número de constrangimentos e varia com o tipo de experiência. No caso de distribuições de frequência devemos ter em conta que existe sempre o constrangimento associado à condição de normalização da distribuição.

Exemplos Tempo de descida de um disco

Os dados foram agrupados em 4 intervalos. Logo, n = 4. Nessa experiência, para determinar a distribuição ( )tG

tt σ, calculámos t e σt. Além disso, a distribuição foi

normalizada. Assim, o nº total de constrangimentos foi, portanto, de 3. O nº de graus de liberdade é então:

d = 4 – 3 = 1.

Este resultado explica porque não podemos usar um nº de intervalos inferior a 4. Quando n é elevado, a diferença entre n e d não é importante, mas quando n é pequeno (o que acontece muitas vezes), percebe-se como é importante esta diferença.

Lançamento de 5 dados e registo do nº de vezes em que sai o número 1.

Nesta experiência, onde estamos a testar a hipótese dos dados serem verdadeiros, a distribuição esperada do nº de vezes ν que sai o número 1 é a distribuição binomial B5,1/6(ν), onde ν = 0, 1, 2, 3, 4 ou 5. Ambos os parâmetros desta função, o nº de dados (5) e a probabilidade de sair o número 1 num dado (1/6), são conhecidos à partida e não têm que ser calculados a partir dos dados experimentais. A distribuição deve ser normalizada e como vimos na tabela 11.5, os dados foram agrupados em 4 intervalos e, portanto, n = 4. Então, neste caso, c = 1 e d = 4 – 1 = 3 e há, portanto, 3 graus de liberdade.

Prova-se que o valor esperado para χ2 é exactamente d, ou seja, o nº de graus de liberdade. Uma forma mais conveniente de avaliar o χ2 é usar o χ2 reduzido ou normalizado, que aqui representaremos por 2~ χ :

d

22~ χ=χ ,

sendo 1~ 2 =χ o valor esperado para o qui-quadrado reduzido.

11.4. Tabela de probabilidades do χ2 reduzido

Voltemos à experiência do disco que desliza sobre o plano inclinado sem atrito. Vimos que χ2 = 3.2 e como para esta experiência d = 1, o χ2 reduzido vale também 3.2. Será este um valor aceitável para concluirmos que a experiência é bem ajustada por uma distribuição Gaussiana?

O procedimento geral é o seguinte: depois de completarmos qualquer série de medidas, calculamos o χ2 normalizado, registando-o como 2~

Oχ , uma vez que é o que resulta

directamente das nossas observações. Depois, considerando que as nossas medidas seguem

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uma determinada distribuição (a distribuição esperada), calculamos a probabilidade de encontrarmos um valor de 2~χ maior ou igual a 2~

Oχ :

( )22 Prob O

~~ χ≥χ .

Tabela 11.6 – Probabilidade percentual ( )22 Prob O~~ χ≥χ de obter um valor de 22 ~~

Oχ≥χ numa

experiência com d graus de liberdade. Os espaços em branco correspondem a probabilidades inferiores a 0.05%. 2~

Oχ é o valor do qui-quadrado reduzido (ou normalizado) observado.

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Se esta probabilidade for elevada, o nosso valor de 2~Oχ é perfeitamente aceitável e não há

razão para rejeitarmos a distribuição esperada. Se a probabilidade for muito baixa, um valor de 2~χ da ordem do nosso 2~

Oχ observado é improvável e, por isso, é-o também a

correspondência entre a distribuição esperada e a experimental. Uma fronteira possível é o nível de confiança de 5% que já usámos noutros contextos. Assim, uma ( ) %~~

O 5 Prob 22 <χ≥χ

indicaria um desacordo significativo. Se o nível de confiança estabelecido for de 1% então uma ( ) %~~

O 1 Prob 22 <χ≥χ indicaria um desacordo altamente significativo.

O cálculo das ( )22 Prob O~~ χ≥χ é complexo para o âmbito desta disciplina, mas os

resultados estão tabelados e podem ser encontrados facilmente na literatura da especialidade. As percentagens da probabilidade de obtermos um valor de 2~χ maior ou igual a um valor

particular 2~Oχ para certo nº de graus de liberdade d são apresentadas na tabela 11.6. Os

espaços em branco indicam probabilidades inferiores a 0.05%. Por exemplo: para d = 10 graus de liberdade, a probabilidade de obter um 2~2 ≥χ é

igual a 2.9%. Portanto, se tivéssemos obtido um χ2 reduzido de 2 numa experiência de 10 graus de liberdade, concluiríamos que as nossas observações diferiam significativamente da distribuição esperada, tendo em conta um nível de confiança de 5%.

11.5. Aplicação do teste do χ2 ao ajuste de uma função

Este é o caso que geralmente mais nos interessa, nomeadamente quando pretendemos avaliar a qualidade do ajuste de determinadas funções aos dados recolhidos no âmbito de trabalhos laboratoriais. O raciocínio a fazer segue de muito perto o anteriormente utilizado para a avaliação da qualidade do ajuste de uma distribuição.

Figura 11.2 – Representação da função y = f(x) ajustada a N pares de valores (xi,yi) (não

representados). As medidas dos xi têm incerteza desprezável e as dos yi têm distribuição Gaussiana centrada em Yi e com incerteza σi. Os pontos (xi,Yi) são, portanto, os pontos ajustados (sobre a curva de ajuste) aos pontos (xi,yi).

Consideremos uma situação em que medimos duas grandezas experimentais, x e y, e

esperamos que haja uma determinada relação funcional entre elas, y = f(x). Suponhamos que foram feitos N pares de medidas (xi,yi) onde os xi têm incerteza desprezável e os yi têm

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distribuição Gaussiana centrada no valor esperado Yi = f(xi) e incerteza σi (Figura 11.2). Podemos então testar até que ponto a função y = f(x) se ajusta aos valores (xi,yi) através de:

( ) 2

1

2

σ

−=χN

i

ii xfy. (11.3)

Para tornar mais claro o procedimento de aplicação do teste do χ2, consideraremos o

resultado de medições da corrente eléctrica que atravessa uma lâmpada de incandescência e da diferença de potencial aos seus terminais, no regime em que a lâmpada está acesa (emite radiação). Os N = 20 valores medidos são apresentados na tabela 11.7 e o gráfico da ddp em função da corrente eléctrica está representado na figura 11.3. O mesmo gráfico apresenta também o ajuste de uma recta de equação y = A + Bx aos pontos experimentais.

Tabela 11.7

I (A) V±0,01 (V) I (A) V±0,01 (V)

0,0847 1,28 0,1532 3,82

0,0932 1,53 0,1590 4,09

0,1003 1,76 0,1623 4,24

0,1083 2,03 0,1683 4,53

0,1138 2,22 0,1727 4,74

0,1223 2,54 0,1786 5,04

0,1279 2,75 0,1827 5,25

0,1356 3,07 0,1883 5,55

0,1400 3,25 0,1923 5,76

0,1466 3,53 0,1967 6,00 Para avaliação da qualidade do ajuste procede-se do seguinte modo: 1 – Ajusta-se a recta BxAy += aos N pontos experimentais representados na figura 11.3

utilizando o método dos mínimos quadrados (regressão linear). As incertezas associadas à medida da corrente foram desprezadas e apenas foram tidas em conta as incertezas na tensão eléctrica (± 0,01 V). Obteve-se a recta representada no gráfico, de equação y = -2.6 + 42.6x. (Não foram determinadas as incertezas associadas aos parâmetros A e B por não serem indispensáveis no que segue.)

Determinou-se (para comparação) o parâmetro coeficiente de correlação linear, usando a definição 10.9 do capítulo anterior:

( )( )

( ) ( )

−−

−−=

i iii

iii

yyxx

yyxxr

22.

Obteve-se o valor r = 0.997, indicando a existência de uma correlação de tipo linear entre a ddp e a corrente eléctrica.

2 – Conhecidos os melhores valores para os parâmetros A e B, determinou-se o parâmetro χ2

através da fórmula 11.3, onde a função de ajuste f(x) foi substituída por A + Bx:

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( ) 2

1

2 =

σ

+−=χN

i i

ii BxAy.

A soma foi feita sobre os 20 pares de valores medidos (xi,yi), e o σi associado a cada yi foi tomado como o erro de 0.01 V acima referido.

3 – O valor do χ2 obtido foi depois dividido pelo nº de graus de liberdade dando origem ao

qui-quadrado reduzido. Aos 20 pares de valores medidos subtraíram-se 2 constrangimentos (uma vez que o cálculo do χ2 depende da determinação anterior dos parâmetros A e B). O nº de graus de liberdade foi, portanto, de 18.

Repare-se que, embora o parâmetro r fosse bom, o valor elevado do χ2 reduzido (155.7) indica um mau ajuste de uma recta aos dados experimentais.

y = 42,6x - 2,6r = 0,997

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

0,07 0,09 0,11 0,13 0,15 0,17 0,19 0,21

I (A)

V (V

)

χred2 = 155,7

Figura 11.3 – Gráfico da ddp aos terminais da lâmpada de incandescência em função da corrente

eléctrica que a percorre. A linha contínua corresponde à recta de ajuste y = A + Bx.

O procedimento anterior foi então repetido mas tentando ajustar uma equação diferente aos dados experimentais. 1’ – Ajustou-se a curva BAxy = aos pontos experimentais da tabela 11.7, agora representados

na figura 11.4, tendo-se obtido a relação y = 117.7x1.8. 2’ – Com base nos valores de A e B obtidos a partir do ajuste, determinou-se o parâmetro χ2

através de:

( ) 2

1

2 =

σ

−=χN

i i

Bii Axy

,

Page 12: Capítulo XI Teste do Qui-quadrado · “qui-quadrado”. Ao longo dos últimos capítulos, a definição de χ2 apareceu várias vezes e em todos os casos correspondeu a uma soma

TLF – 2010/11 Cap. XI – Teste do χ2

Departamento de Física da FCTUC 118

onde a soma foi feita sobre os 20 pares de valores medidos (xi,yi) e como σi associado a cada yi foi tomado o erro de 0.01 V.

3’ – O valor do χ2 obtido (χ2 = 26.7) foi depois dividido pelo nº de graus de liberdade dando

origem ao qui-quadrado normalizado. Aos 20 pares de valores medidos subtraíram-se 2 constrangimentos, uma vez que o cálculo do χ2 depende da determinação anterior dos parâmetros A e B. O nº de graus de liberdade foi, portanto, de 18, tendo-se obtido

5.1~2 =χ .

Consultando a tabela 11.6 para d = 18 graus de liberdade, vê-se que a ( ) ( ) 6.85.1~ Prob~~ Prob 222 ≈≥χ=χ≥χ O , significando que não há desacordo significativo

entre a curva ajustada e os pontos experimentais (para um nível de confiança 5%) e que, portanto, a curva pode ser tomada como uma boa representação da relação entre a ddp aos terminais da lâmpada e a corrente que a percorre.

y = 117,7x1,8

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

0,07 0,09 0,11 0,13 0,15 0,17 0,19 0,21

I (A)

V (V

)

χ2 = 26,7

χred2 = 1,5

Figura 11.4 – Gráfico da ddp aos terminais da lâmpada de incandescência em função da corrente

eléctrica que a percorre. A linha contínua corresponde à curva de ajuste y = AxB.

Antes de finalizarmos este capítulo, repare-se que se calcularmos o valor de

( ) −−−

=σi

iiy BxAyN

2

2

1 definido no capítulo IX, e que caracteriza a dispersão dos

valores y relativamente à função ajustada, encontramos o valor 12.0=σ y V. Este valor é

bastante superior ao erro assumido à partida em cada valor yi (0.01 V). Se agora calcularmos o

valor de ( ) −−

=σi

Biiy Axy

N2

2

1 para avaliar a dispersão destes valores relativamente à

curva BAxy = encontramos 005.0=σ y V, desta vez inferior à dispersão associada a cada

medida individual. Como se depreende, este parâmetro também é sensível à qualidade do ajuste.