BIBLIOTECAS Ε O PROR DOUTOR JOSÉ GERALDES FREIRE … · Aprecia a arte, com espírito muito...

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HVMANITAS- Vol. L (1998) BIBLIOTECAS Ε O PROR DOUTOR JOSÉ GERALDES FREIRE JOãO PIRES DE CAMPOS A Igreja, desde os Apóstolos, transformou o Mundo para melhor, fez faísca entre o bem e o mal, entre a verdade e o erro. Ela, Igreja, foi Mestra do saber, indo à fonte, à inteligência e coração onde se forjam as grandes etapas da civilização. Soube o que de bom existia noutras civilizações, mesmo das mais remotas. Respeitou os preceitos da Lei Natural pelas velhas religiões mormente na filosofia e na cultura. Foi ela com o signo "ora et labora" que guardou nas catedrais e mosteiros o acervo cultural achados arqueológicos, livros e monumentos. Recordemos as bibliotecas, em grande parte desaparecidas: a de Ebla, a de Asurbanipal... Os mesopotâmicos foram os criadores da Arquivonomia e a biblioteconomia. Recordemos também as bibliotecas dos hititas, cananeus, persas e judeus. Os hurritas, provenientes do Irão, criaram ao norte da Mesopotâmia o reino de Mitani. Desta civilização pouco se conhece, não se conhece a capital nem foram descobertos arquivos ou bibliotecas. No entanto, apareceram em Mari, junto ao rio Eufrates, em Hathusa e Ugarit umas tabletas em escrita hurrita que dão uma pálida ideia do desenvolvimento intelectual de Mitani. No segundo milénio a.C. temos o império hitita, estabelecido na Ásis Menor, formado pelo primeiro povo indo-europeu conhecedor, já, da escrita. Há cidades a.C. com bibliotecas: como Biblos, como as dos reis Davide e Salomão, tão dedicados às letras. É pobre a informação que temos das bibliotecas egípcias. A chamada Casa dos Livros continha os livros dos mortos, os livros de textos religiosos, constituídos por cosmogonias, os louvores aos deuses e rituais.

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HVMANITAS- Vol. L (1998)

BIBLIOTECAS Ε O PROR DOUTOR JOSÉ GERALDES FREIRE

JOãO PIRES DE CAMPOS

A Igreja, desde os Apóstolos, transformou o Mundo para melhor, fez

faísca entre o bem e o mal, entre a verdade e o erro.

Ela, Igreja, foi Mestra do saber, indo à fonte, à inteligência e coração

onde se forjam as grandes etapas da civilização. Soube o que de bom existia

noutras civilizações, mesmo das mais remotas. Respeitou os preceitos da Lei

Natural pelas velhas religiões mormente na filosofia e na cultura. Foi ela com

o signo "ora et labora" que guardou nas catedrais e mosteiros o acervo cultural

— achados arqueológicos, livros e monumentos.

Recordemos as bibliotecas, em grande parte desaparecidas: a de Ebla, a

de Asurbanipal...

Os mesopotâmicos foram os criadores da Arquivonomia e a

biblioteconomia.

Recordemos também as bibliotecas dos hititas, cananeus, persas e judeus.

Os hurritas, provenientes do Irão, criaram ao norte da Mesopotâmia o

reino de Mitani. Desta civilização pouco se conhece, não se conhece a capital

nem foram descobertos arquivos ou bibliotecas. No entanto, apareceram em

Mari, junto ao rio Eufrates, em Hathusa e Ugarit umas tabletas em escrita

hurrita que dão uma pálida ideia do desenvolvimento intelectual de Mitani.

No segundo milénio a.C. temos o império hitita, estabelecido na Ásis

Menor, formado pelo primeiro povo indo-europeu conhecedor, já, da escrita.

Há cidades a.C. com bibliotecas: como Biblos, como as dos reis Davide

e Salomão, tão dedicados às letras.

É pobre a informação que temos das bibliotecas egípcias. A chamada

Casa dos Livros continha os livros dos mortos, os livros de textos religiosos,

constituídos por cosmogonias, os louvores aos deuses e rituais.

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A literatura do povo grego, a. de C. foi oral até ao século VIII. A partir de então, iniciou-se a composição escrita. Ε no século de Péricles, quando se construiu a acrópole que se começou a generalizar a leitura individual. Foram grandes coleccionadores de livros Eurípídes e Aristóteles.

Formaram-se abundantes colecções de livros no século IV a. de C , principalmente nos centros de ensino superior—Escola de Isócrates, Academia, Liceu.

No mundo grego, as grandes bibliotecas foram as de Pérgamo e a de Alexandria. Ficavam muito aquém as bibliotecas de Cós, Rodes, Efeso, Esmirna, Petras e Corinto.

Em Alexandria, no Egipto, foi muito importante o centro de estudos superiores, o Museu, e a biblioteca criados por Ptolomeu I. Foi crescendo du­rante os reinados dos Ptolomeus, que a tornaram a capital intelectual do mundo. Devido às lutas, revoltas populares e às questões dinásticas deixou morrer a sua supremacia.

A Roma afluíram muitos livros, trazidos das conquistas do Oriente. Por este facto, desencadeou-se a formação de bibliotecas privadas. Lúcio Emílio Paulo ofereceu a seu filho os livros do último rei da Macedónia, depois da derrota de Pidna. Sila se apoderou, em Atenas, dos livros de Aristóteles. No século II a. de C. já circulavam livros em idioma latino.

César, que vivera durante algum tempo, em Alexandria, tentou dotar Roma de uma grande biblioteca pública com secções de literatura grega e latina e para isso encarregou Marco Tarêncio Varrão. Porém, o Arquivo central de Roma, o "Tabularium" se antecipou à primeira biblioteca pública romana.

Augusto, 33 anos a. de C , instituiu duas grandes bibliotecas: uma no Campo de Marte, conhecida com o nome de Pórtico; e a outra no Palatino junto ao templo de Apolo.

Outros imperadores criaram bibliotecas em Roma: Tibério junto ao seu palácio; Trajano foi mais magnânimo e instituiu a Ulpia, rival das bibliotecas de Alexandria e de Pérgamo.

Tornou-se moda, entre os romanos ricos, uma biblioteca. No tempo de Constantino o número atingia já 28.

Os próprios cristãos sentiram a necessidade de livros para as celebrações litúrgicas, livros de carácter formativo, edificante e disciplinar.

O número ia crescendo conforme o aumento das comunidades cristãs.

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As perseguições, mormente a de Diocleciano, levaram à destruição dos livros

dos cristãos.

Constantino proibiu o culto pagão, e pediu a Eusébio de Cesareia para

lhe fazer 50 códices das Divinas Escrituras.

Em Jerusalém foi instituída uma biblioteca por ordem do seu bispo

Alexandre.

Foi muito importante, nos finais do século III d. de C. a biblioteca de

Cesareia da Palestina, fundada por Orígenes, e organizada mais tarde pelo seu

discípulo Panfílio. Foi destruída pelos árabes ao conquistar a Palestina.

Santo Agostinho, génio intelectual, ao morrer, no ano 430, recomendou

que a biblioteca de Hipona fosse conservada pelos seus sucessores.

Recordemos outras bibliotecas, como as de Santo Ambrósio, São

Clemente de Alexandria, São Basílio, São João Crisóstomo...

São de muito mérito as bibliotecas dos mosteiros cristãos, no Egipto o

de Nitria e o de Santa Catarina de Alexandria, no monte Sinai, o de São Sabas

na Palestina e os da Capadócia.

Em Constantinopla existiu grande apreço pelos livros. Toda a Ásia

Menor foi centro de irradiação livreira para o Oriente e para o Ocidente. A

maior foi a de Aretas em Cesareia da Capadócia.

Eustácio, arcebispo de Tessalónica, no século XII, chegou mesmo à

revolta contra os monges que vendiam as bibliotecas monacais.

Nas lutas iconoclásticas, o império do Oriente foi um palco triste. Neste

período, Leão III, o Isáurico, fechou o Colégio Imperial e mandou queimar

36.000 livros que integravam a biblioteca dos seus antecessores, que fora

fundada pelo patriarca Sérgio.

A cultura bizantina estendeu-se até ao Monte Athos, na Grécia, onde

existiam 20 mosteiros, já seculares.

Na Alta Idade Média, quando os bárbaros—vândalos, visigodos, alanos

e suevos — invadiram a Península Ibérica, os monges dispersaram-se levando

consigo muitos objectos de culto e também muitos livros. Do norte de África,

fugindo aos vândalos, em barca, vinham 70 monges e traziam códices dos

conventos. Fixaram-se perto de Valência, onde fundaram um mosteiro o

"Servitum", que teve suma importância.

A Espanha acudiram religiosos com São Martinho de Dume. Os quatro

santos — São Fulgêncio, Santa Florentina, São Leandro e Santo Isidoro -foram

os acividores da cultura cristã. Fundaram mosteiros, que se estenderam até ao

sul de Portugal.

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Próximo de Toledo o mosteiro Agaliense; em Saragoça.o de Santa Engrácia.

Nos mosteiros visigóticos as bibliotecas abundavam; as Bíblias, os comentários mais autorizados, sermões, homilias, tratados dos Santos Padres, vidas dos Santos, ditos dos padres do deserto. Santo Eulógio viajou, como homem culto e escritor, pelo norte da Península Ibérica à procura de livros.

Nesta época visigótica, foram importantes as bibliotecas de Mérida, Toledo, Saragoça e Sevilha.

Na quietação dos mosteiros, a vida espiritual encontra tempo propício a escrever e a copiar as obras mais necessárias à cultura, mesmo dos escritores clássicos, gregos e latinos.

No século V, a biblioteca mais importante era a de Latrão, em Itália, fundada pelo papa Santo Hilário. Há notícias de grandes bibliotecas em Roma, Luca, Cápua, Nápoles, Verona, Lião e Orleães, nos séculos VIII e IX.

Não podemos esquecer as bibliotecas de Carlos Magno e as dos imperadores alemães.

Ainda, no Ocidente, destaca-se, logo no século V, São Bento o grande forjador da Europa culta.

Cassiodoro, tão pouco lembrado nos nossos tempos, temendo a perda do amor pela cultura clássica, criou no sul da Itália o "Vivarium" que foi da maior importância como centro de aprendizagem e de irradiação da cultura. A grande biblioteca do "Vivarium" foi depois da morte de Cassiodoro englobada, em parte, na biblioteca de Latrão e alguns livros foram para França e Inglaterra.

São Columbano, o mais famoso dos missionários irlandeses, fundou o mosteiro de Bobbio que possuía uma grande biblioteca.

Riquier, discípulo de São Columbano, fundou, em Amiens, o mosteiro que tem o seu nome. A propósito, este mosteiro chegou a ter 100 monges a trabalhar, copiando livros da antiguidade.

Outros mosteiros, com bibliotecas de fama; Corbie e o de Fulda. Neste mosteiro, havia livros pagãos ao lado de livros cristãos. Os livros eram iluminados para oferecer a papas, reis e altas personalidades.

Em Espanha com a invasão muçulmana alterou-se a distribuição da população e a vida religiosa entrou na penumbra. Os monges fugiram para norte. Levavam o que podiam, principalmente as coisas sagradas para não serem profanadas. Um grupo, de moçárabes, restaurou o mosteiro Samos, em

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Lugo, no século VIII. No século IX, foi restaurado o de São Cosme, onde

existiu uma rica biblioteca; o de Sahagun, e muitos outros.

Na Marca de Espanha sobressaem o de Ripol e o de São Cugat.

Na Baixa Idade Média destacam-se os arquivos e bibliotecas das

catedrais. Assim temos as catedrais de Verona, de York, Mogúncia, Muster,

Colónia e Treveris, Cambrai, Lion, Rems, Chartres, Bouvai, Paris, Córdova,

Toledo, Sevilha, Oviedo, Leão, Pamplona, Jerona, Urgel...

Depois da fundação das universidades, as bibliotecas foram tomando

corpo consoante o correr dos anos: Salerno, Bolonha, Palência, Salamanca,

Paris, Coimbra...

No Renascimento, uma das primeiras bibliotecas foi de Patrarca,

que a cedeu à República de Veneza. Ainda na Itália, recordemos a de Coluccio

Saluti; e a de Braccioline, grande coleccionador de manuscritos antigos.

Merece referência especial Tummaso Parentucelli, que foi papa com o

nome de Nicolau V. Tinha a paixão pelos manuscritos antigos e pelos livros

raros.

Domenico Malatesta Novello foi Senhor de Cesena, e nesta cidade,

fundou, no convento de São Francisco, uma biblioteca, considerada a primeira

biblioteca pública dos tempos modernos.

Entre os coleccionadores de obras gregas sobressaiu o cardeal Bessarion.

A biblioteca do Vaticano tinha mais de 700.000 obras impressas, entre

elas mais 6.000 incunábulos, e 60.000 manuscritos.

Porém, entre as bibliotecas de reis, sobressai a de Matias Corvino, rei

da Hungria.

Em Portugal o movimento bibliográfico foi moroso. Apenas a Casa

Real, alguns nobres e conventos organizaram colecções de livros e manuscritos.

Cabe a honra, ao grande D. Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas de criar bi­

bliotecas. Queria o clero, das dioceses de que foi bispo - Beja e Évora

- culto nas letras e no amor aos livros. No entanto, não se lhe está a fazer

justiça ao querer esfragalhar a Biblioteca Pública de Évora, fundada por ele,

com os seus livros e os do seu antecessor na cátedra eborense, D. Joaquim

Xavier Botelho de Lima. Nem mesmo na fronteira da nova Biblioteca Pública

de Lisboa se colocou lá o seu retrato esculpido na pedra ou, pelo menos, o seu

nome.

O Professor Doutor José Geraldes Freire, como humanista, tem passado

grande parte do seu tempo em bibliotecas, arquivos. Por isso, aqui lhe presto a

minha singela, mas autêntica homenagem, nas linhas acima, recordando o

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valioso património da humanidade-AS BIBLIOTECAS. O Professor Doutor José Geraldes Freire, desde o Seminário se mostrou

inclinado para a cultura. Faz-se a si próprio, não precisou de alavancas para subir. Chegou alto.

Leccionou, no Seminário diocesano de Portalegre e Castelo Branco: Literatura Portuguesa, Grego e Latim. Foi Secretário da Câmara Eclesiástica. Frequentou como aluno voluntário a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, desde 1957. Concluiu a licenciatura em Filologia Clássica, em 1962, com a tese Obra Poética de Diogo Mendes de Vasconcelos — humanista do século XVI. Posteriormente especializou-se em Latim tardio e medieval e Grego cristão na Universidade de Nimega (Holanda). Colaborador de várias revistas e jornais, como Lúmen, Bracara Augusta, Revista Portuguesa de Filologia, e é redactor de Humanitas.

O estilo é clássico, onde a selecção dos vocábulos e a construção da frase o colocam ao lado de Luís de Camões, de António Vieira, Manuel Bernards, Almeida Garrett, Camilo...

Também a Arqueologia lhe é muito querida, como se tem visto em conferências proferidas em meios intelectuais, em artigos dispersos por vários periódicos.

Trabalhou como organizador e crítico nos documentos relativos às aparições de Nossa Senhora, em Fátima.

Aprecia a arte, com espírito muito elevado, sabe contemplar e dar a sua palavra sobre iconografia sacra.

A partir da década de sessenta, surgiu na Filosofia a desviação nos princípios a respeito do valor do conhecimento; o ressuscitar do evolucionismo monista e materialista, tentando explicar a evolução da matéria com a exclusão de Deus; o existencialismo a recusar todo o imutável, para admitir só o existente concreto e casual; o historicismo não reconhece a verdade e o bem, valores absolutos e normativos para todos os tempos e indivíduos. Toda esta filosofia desvairada, sistemas destruidores da Fé, e negam o valor da Teodiceia e da Ética.

Na Teologia aparecem as heresias do passado: se intenta uma reforma na Teologia; se nega a tradição escolástica; se afirma a necessária adaptção dos dogmas definidos pela Igreja; a Revelação não pode expressar adequadamente a Verdade em conceitos e fórmulas humanas.

De todo este marulhar, de certas camadas, ditas intelectuais, ressalta o desquiciar os grades valores da Humanidade, o encaixilhar a vida Divina nas categorias e planos puramente humanos.

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Tudo isto de avariado, na Filosofia e na Teologia, tem as suas causas:

- A astúcia no erro.

— O desejo desordenado de coisas novas.

— A ânsia de liberdade.

— O menosprezar o Magistério da Igreja.

— O uso de uma linguagem capciosa.

O ilustre Professor Doutor José Geraldes Freire não enveredou por esses

caminhos, injustamente chamados progressistas, mas foi equilibrado no pensar

e no agir.

Em Portugal, no campo da ortodoxia e da política, recordemos grandes

combatentes: D. Frei Fortunato de São Boaventora, D. Francisco Alexandre

Lobo, D. Augusto Eduardo Nunes, Pe. José Joaquim de SEna Freitas, D. Manuel

Vieira de Matos, entre muitos como soldados de Cristo e de Igreja, não temeram

nem olharam para trás.

São Miguel, a diocese de Portalegre e Castelo Branco, Portugal sentem-

-se orgulhosos deste seu filho, o Professor Doutor José Geraldes Freire. Na

diocese de Portalegre e Castelo Branco também Mon. Dr. José Maria Félix

está na galeria dos filhos ilustres da Igreja e da Pátria. Estes, aqui mencionados

no seu nome, são aqueles "Se vão da lei da Morte libertando.".