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INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS 1 1. INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS A enzima β-galactosidase (EC.3.2.1.23), comummente conhecida como lactase, é a enzima que catalisa a hidrólise dos resíduos terminais não redutores dos resíduos β-D-galactose em β-D-galactosideos. Convencionalmente, a sua aplicação principal é a hidrólise da lactose de leite e derivados, particularmente soro de leite. Recentemente, têm sido extensivamente estudadas β- galactosidases com actividade transglicolítica para a produção de alimentos funcionais (1,2,3). São muitos os organismos que sintetizam naturalmente a β- galactosidase, incluído microorganismos, plantas e células animais. Normalmente, são mais utilizadas em indústria as enzimas extraídas de Aspergillus spp e de Kluyveromyces spp. uma vez que são obtidas a partir de culturas destes microrganismos com produtividade e rendimento aceitáveis, tendo a vantagem de que os produtos são “geralmente reconhecidos como seguros” (“GRAS”) para consumo humano, o que é crítico para aplicações relacionadas com alimentação (4). Uma das principais razões que tem levado ao estudo intensivo desta enzima e das suas diversas aplicações é a possibilidade da obtenção de alimentos sem lactose e que, por isso, possam ser consumidos por pessoas intolerantes a este dissacarídeo, sem prejuízo do restante aporte nutricional benéfico fornecido por tais alimentos quando inseridos numa alimentação equilibrada. 1.1. Lactose A lactose (figura 1), juntamente com a maltose e a sacarose, é um dos dissacarídeos fisiologicamente mais importantes. Os dissacarídeos são açúcares formados por dois resíduos de monossacarídeos unidos por uma ligação

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1. INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS

A enzima β-galactosidase (EC.3.2.1.23), comummente conhecida como

lactase, é a enzima que catalisa a hidrólise dos resíduos terminais não redutores

dos resíduos β-D-galactose em β-D-galactosideos. Convencionalmente, a sua

aplicação principal é a hidrólise da lactose de leite e derivados, particularmente

soro de leite. Recentemente, têm sido extensivamente estudadas β-

galactosidases com actividade transglicolítica para a produção de alimentos

funcionais (1,2,3).

São muitos os organismos que sintetizam naturalmente a β-

galactosidase, incluído microorganismos, plantas e células animais.

Normalmente, são mais utilizadas em indústria as enzimas extraídas de

Aspergillus spp e de Kluyveromyces spp. uma vez que são obtidas a partir de

culturas destes microrganismos com produtividade e rendimento aceitáveis,

tendo a vantagem de que os produtos são “geralmente reconhecidos como

seguros” (“GRAS”) para consumo humano, o que é crítico para aplicações

relacionadas com alimentação (4).

Uma das principais razões que tem levado ao estudo intensivo desta

enzima e das suas diversas aplicações é a possibilidade da obtenção de

alimentos sem lactose e que, por isso, possam ser consumidos por pessoas

intolerantes a este dissacarídeo, sem prejuízo do restante aporte nutricional

benéfico fornecido por tais alimentos quando inseridos numa alimentação

equilibrada.

1.1. Lactose

A lactose (figura 1), juntamente com a maltose e a sacarose, é um dos

dissacarídeos fisiologicamente mais importantes. Os dissacarídeos são açúcares

formados por dois resíduos de monossacarídeos unidos por uma ligação

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glicosídica. Os seus nomes químicos baseiam-se nos seus monossacarídeos

constituintes.

A principal fonte de lactose é o leite, numa percentagem que varia entre 4,2

e os 4,9 deste açúcar (5) (tabela 1).

Figura 1. Molécula de lactose

Tabela 1. Percentagem de lactose em leite e derivados (5)

Alimento Quantidade de lactose (g/100 g

de alimento) Leite de vaca esterilizado gordo 4,5

Leite de vaca esterilizado meio-gordo 4,7

Leite de vaca esterilizado magro 4,7

Leite de vaca pasteurizado gordo 4,7

Leite de vaca UHT gordo 4,7

Leite de vaca UHT meio-gordo 4,9

Leite de vaca UHT magro 4,9

Leite de cabra cru 4,6

Leite de ovelha cru 4,2

Leite humano 7,5

Nata maturada pasteurizada com 30% de gordura 2,7

Queijo flamengo com 30% ou 45% de gordura 0,2

Requeijão com 13% de proteína 5,1

Queijo fresco 1,5

Iogurte natural sólido meio-gordo 5,0

Iogurte açucarado batido meio-gordo 6,4

Iogurte líquido meio-gordo 3,9

A solubilidade e o poder edulcorante da lactose são baixos quando

comparado com outros açúcares, incluindo a glucose, galactose, frutose e

sacarose (6). Este açúcar higroscópico tem uma forte tendência para absorver

sabores e odores e tem um efeito laxativo quando consumido em grandes

quantidades. Contudo, a hidrólise da lactose diminuí os problemas de

precipitação e aumenta o seu poder edulcorante (4).

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A hidrólise da lactose em glucose e galactose pela β-galactosidase é um

processo importante na indústria alimentar devido ao seu potencial efeito

benéfico na assimilação de produtos que contêm lactose por pessoas com

dificuldade ou intolerância (7,8). Tem também aplicações tecnológicas e

industriais, tais como a elaboração de leite com sabor doce, de boa

aceitabilidade, e que pode ser consumido por indivíduos intolerantes à lactose,

formação de galactooligossacáridos através de reacções de transglicosilação

durante a hidrólise da lactose que devido ao seu efeito pré-biótico favorecem o

crescimento de bactérias benéficas da microflora intestinal (1,9); melhoramento

nas características tecnológicas e sensoriais de alimentos que contêm lactose

hidrolisada proveniente de leite ou soro de leite, tais como aumento da

solubilidade (evitando a cristalização da lactose e o aspecto arenoso em gelados

e produtos condensados ou em pó) e aumento do poder edulcorante com

menor valor calórico dos produtos. Muitos produtos com baixo teor em lactose

(como por exemplo: leite sem lactose ou com percentagem reduzida de lactose,

gelados elaborados com leite sem lactose, queijos curados) têm aplicações na

alimentação humana e alimentação animal (10).

Para além do leite, a principal fonte de lactose é o soro de queijo, que é o

principal subproduto da indústria queijeira. Cerca de 9 litros de soro de queijo

são gerados durante a produção de 1 Kg de queijo (4). Estima-se que todos os

anos 145 x 106 toneladas de soro de queijo e 6 x 106 toneladas de lactose sejam

produzidos mundialmente. Infelizmente, nos últimos cinquenta anos, metade

da produção anual não foi transformada em subprodutos mas deitados

directamente em habitats aquosos. Esta situação cria enormes problemas

ambientais e necessita de novas estratégias para a recuperação de subprodutos

(11). A carga orgânica do soro de queijo é elevada principalmente devido ao seu

conteúdo em lactose, que, juntamente com as elevadas quantidade de soro de

queijo que são geradas, faz com que este subproduto se torne um problema

ambiental e são requeridas soluções para a sua revalorização. Deste modo, a

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bioconversão da lactose do soro de queijo por β-galactosidase desempenha um

papel fundamental por ampliar as aplicações do soro de queijo reduzindo mais

de 75% a poluição e gerando produtos de interesse para alimentação animal,

nutrição humana e confeitaria, uso farmacêutico e agrícola (4,11).

1.2 Intolerância à lactose

A intolerância à lactose é mais comum a um hidrato de carbono e pode

afectar pessoas de todos os grupos etários, apesar de ocorrer com mais

frequência em idades avançadas. A intolerância à lactose é causada pela

deficiência em lactase (β-galactosidase), a enzima que digere o açúcar do leite, a

lactose (12).

No organismo humano, a β-galactosidase está localizada nas

microvilosidades do intestino delgado (13). Devido aos baixos níveis da enzima

no intestino, grande parte da população demostra intolerância à lactose e, em

consequência, tem dificuldade em digerir leite e lacticínios (14).

A lactose é um dissacarídeo formado por glucose e galactose que se

encontra em grande abundância no leite. Nos seres humanos, a intolerância à

lactose ou a má-absorção de lactose é um problema comum. Está estimado que

mais de 70% da população adulta no mundo tenha problemas a digerir a

lactose, resultado da reduzida ou falta de actividade da β-galactosidase no

intestino delgado (13). Geralmente, a actividade da enzima lactase diminui

exponencialmente ao longo da vida (15), atingindo cerca de 10% do valor à

nascença. Mesmo em adultos que retêm níveis elevados de lactase (75% - 85%

dos caucasianos adultos) a quantidade de lactase é cerca de metade quando

comparada com as outras sacaridases tais como a sucrase, a α-dextrinase ou a

glucoamilase (12).

A diminuição ou falta de lactase é, geralmente, denominada por

hipolactasia. Há três tipos de hipolactásia: hipolactásia primária, hipolactásia

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secundária e alactásia congénita. A hipolactásia primária é a mais comum e

corresponde ao decréscimo dos níveis da enzima verificado ao longo da vida em

certas populações e indivíduos. Segue-se a hipolactásia secundária ou adquirida

que pode ter origem numa doença gastrointestinal que danificou as

microvilosidades ou que pode surgir como consequência de uma infecção do

intestino delgado, afecções inflamatórias, HIV ou malnutrição sendo que nas

crianças é geralmente secundária a infecções virais ou bacterianas. A alactásia

congénita é o tipo mais raro pois corresponde a ausência completa da produção

de lactose (12,13).

Em todos os casos, a lactose não é hidrolisada em galactose e glucose no

intestino delgado, passando para o cólon onde as bactérias da microflora do

cólon fermentam a lactose originando ácidos gordos de cadeia curta e gases,

dióxido de carbono e hidrogénio, causando sintomas como dor abdominal,

náuseas, diarreia e flatulência. A extensão destes sintomas é variável de

indivíduo para indivíduo. O consumo de pequenas quantidades poderá ser

tolerado por alguns indivíduos pois deverá ter poucas consequências uma vez

que os ácidos gordos de cadeia curta são prontamente absorvidos e os gases

podem ser absorvidos ou expelidos. Grandes quantidades, normalmente

superiores a 12 gramas, consumidas num único alimento (quantidade

tipicamente encontrada em 240 ml de leite) poderão resultar numa maior

entrada de substrato no cólon do que aquela que consegue ser eliminada por

um processo normal.

A actividade da lactase pode também ser retardada ou diminuída após

nutrição parentérica prolongada. A má digestão da lactose com todos estes

sintomas também pode ocorrer em adultos com o Síndrome do Cólon Irritável

ou em crianças com dores abdominais recorrentes.

A deficiência em lactase é geralmente diagnosticada com base em:

1. Historial dos sintomas gastrointestinais que ocorrem após ingestão

de leite;

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2. Teste para níveis anormais de hidrogénio no hálito;

3. Teste de anormal tolerância à lactose – o teste de tolerância à

lactose foi originalmente baseado numa dose oral de lactose de 50g.

Recentemente, doses menores do que 50g de lactose foram usadas de modo a

aproximar o real consumo de lactose em lacticínios (12,16).

Os sintomas da intolerância à lactose são aliviados pela redução do

consumo de alimentos que contenham lactose. Uma dieta completamente

isenta de lactose poderá não ser necessária nas pessoas com deficiência em

lactase uma vez que o grau de intolerância à lactose é muito variável de

individuo para individuo e a maioria dos pacientes não requer uma total evicção

da lactose da sua dieta. Assim sendo, os produtos lácteos não deverão ser

totalmente eliminados da alimentação uma vez que estes fornecem nutrientes

importantes, tais como Cálcio, Vitamina A e D, Riboflavina e Fósforo (Tabela 2).

A maioria dos pacientes pode consumir quantidades entre 6 a 12 g de lactose

por dia sem aparecimento de sintomas, especialmente quando consumidas sob

a forma de queijo ou de lacticínios com culturas lácticas (5).

Tabela 2. Valores nutricionais de lacticínios por 100 g de parte edível (5)

Alimento Energia (kCal)

Valores por 100 g de parte edível

Água (g)

Proteína (g)

Gordura total (g)

Hidratos de

Carbono (g)

Vit. A (µg)

Vit. D (µg)

K (mg)

Na (mg)

Ca (mg)

P (mg)

Mg (mg)

Leite de vaca UHT meio gordo

47 89,1 3,3 1,6 4,9 22,0 0,05 163,0 40,0 112 81,0 9,0

Queijo flamengo 30% gordura

247 50,8 30,0 140,0 0,2 234 0,05 116 1032 850 500 55

Nata maturada pasteurizada 30% gordura

306 63 1,9 32 2,7 450 0,2 101 28 60 54 5,0

Iogurte natural sólido meio-gordo

54 87,9 4,2 1,8 5,0 30 0 183 62 118 108 12

Iogurte açucarado líquido meio-gordo

69 83,6

3,1 1,4 11,2 33 0 156 46 100 85 8,0

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Os indivíduos que possuem intolerância à lactose deverão ser informados

de que isto não significa que sejam alérgicos ao leite ou lacticínios, uma vez que

este tipo de alergia está, geralmente, relacionado com a parte proteica destes

produtos.

Dado isto, há um mercado considerável para leite e derivados sem

lactose, que podem ser obtidos por hidrólise enzimática usando β-galactosidase

(4).

1.3. β-galactosidase

A enzima β-galactosidase é a enzima que hidrolisa a lactose nos seus

monómeros, glucose e galactose (Figura 2), sendo por esse motivo, também

denominada por lactase.

Figura 2. Hidrólise da lactose em glucose e galactose

A enzima β-galactosidase (Figura 3) pode ser obtida a partir de uma

grande variedade de fontes, tais como microrganismos, plantas e animais. No

entanto, de acordo com a sua origem, as suas propriedades diferem,

essencialmente, no que respeitante às condições óptimas de aplicação da

enzima, sobretudo na gama de pH (17). Enzimas de plantas e animais têm pouco

valor comercial mas várias fontes microbiológicas de β-galactosidase são de

grande interesse tecnológico. Os microrganismos oferecem várias vantagens

relativamente às outras fontes tais como fácil manuseamento, maior taxa de

multiplicação e maior produção. Como resultado do interesse comercial na β-

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galactosidase, um grande número de microrganismos têm sido testados como

fontes potenciais desta enzima (14,18).

Figura 3. β-galactosidase (http://www.sprintechnologies.com/sprin/index.jsp?idPagina=44)

1.3.1. Fontes microbianas da enzima

1.3.1.1. Enzimas bacterianas

A enzima β-galactosidase pode ser produzida por um vasto número de

bactérias, mas as bactérias Streptococcus thermophilus e Bacillus

stearothermophilus são consideradas as fontes primordiais bacterianas desta

enzima (14).

Apesar da enzima β-galactosidase proveniente de Escherichia coli ser a

mais extensivamente estudada, o seu uso industrial é dificultado pelo facto de a

sua aplicação não ser considerada segura em alimentos, ou seja, de este

microrganismo não possuir estatuto “GRAS”. No entanto, a β-galactosidase

proveniente desta bactéria está comercialmente disponível para fins analíticos

(4).

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As bactérias ácido-lácticas (incluindo o grupo do lactococci,

streptococci e lactobacilli) e as bifidobactérias (tabela 3), são organismos

reconhecidos como seguros, ou seja, que possuem estatuto “GRAS” e que foram

identificados como boas fontes de β-galactosidase, especialmente para

aplicação em alimentos funcionais (4,19,20).

1.3.1.2. Enzimas de fungos

A gama de pH óptimo das enzimas fúngicas é de 2,5 a 5,4, o que faz com

que estas enzimas sejam apropriadas para o processamento de soro de leite

ácido. A temperatura óptima para estas enzimas é alta e podem ser tipicamente

usadas a temperaturas superiores a 50ºC.

A principal fonte fúngica desta enzima é Aspergillus niger (14) (tabela 3).

A purificação de β-galactosidase de diferentes origens fúngicas tem sido

realizada através de variadas técnicas de purificação, tais como peneiramento

molecular, permuta iónica e técnicas cromatográficas.

1.3.1.3. Enzimas de leveduras

As leveduras têm sido consideradas fontes importantes de β-

galactosidase do ponto de vista industrial.

Com um pH óptimo próximo da neutralidade, as enzimas provenientes de

leveduras são bastante apropriadas para hidrólise de lactose no leite, e são

vastamente aceites como seguras para uso em alimentos (21). Tem sido

realizada muita investigação relativamente à produção de β-galactosidase de

diferentes estirpes de leveduras devido ao seu potencial (22).

As principais leveduras utilizadas para a produção de β-galactosidase são

Kluyveromyces lactis, Kluyveromyces marxianus e Kluyveromyces fragilis (14)

(Tabela 3).

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Tabela 3. Fontes microbianas de β-galactosidase (14)

Fonte Microorganismo

Bactérias

Alicyclobacillus acidocaldarius subsp. Rittmannii

Arthrobacter sp.

Bacillus acidocaldarius, B. circulans, B. coagulans, B.subtilis, B. megaterum, B. stearothermophilus

Bacteriodes polypragmatus

Bifidobacterium bifidum, B. infantis

Clostridium acetobutylicum, C. thermosulfurogens

Corynebacterium murisepticum

Escherichia coli

Klebsiella pneumoniae

Lactobacillus acidophilus, L. bulgaricus,L. helviticus, L.kefiranofaciens, L. lactis, L. sporogenes, L. themophilus, L.delbrueckii

Leuconostoc citrovorum

Pediococcus acidilacti, P. pento

Propioionibacterium shermanii

Pseudomonas fluorescens

Pseudoalteromonas haloplanktis

Streptococcus cremoris, S. lactis, S. thermophius

Sulfolobus solfatarius

Thermoanaerobacter sp.

Thermus rubus, T. aquaticus

Trichoderma reesei

Vibrio cholera

Xanthomonas campestris

Fungos

Alternaria alternate, A. palmi

Aspergillus foelidis, A. fonsecaeus, A. fonsecaeus, A. Carbonarius, A. Oryzae

Auerobasidium pullulans

Curvularia inaequalis

Fusarium monilliforme, F. oxysporum

Mucor meihei, M. pusillus

Neurospora crassa

Penicillum canescens, P. chrysogenum, P. expansum

Saccharopolyspora rectivergula

Scopulariapsis sp

Streptomyces violaceus

Leveduras

Bullera singularis

Candida pseudotropicalis

Saccharomyces anamensis, S. lactis, S. fragilis

Kluyveromyces bulgaricus, K. fragilis, K. lactis, K. marxianus

Tradicionalmente, as β-galactosidase mais utilizadas na indústria são as

provenientes de Aspergillus spp e de Kluyveromyces spp porque podem ser

obtidas prontamente e com elevado rendimento de culturas destes

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microrganismos. Adicionalmente, produtos obtidos destes microrganismos são

“GRAS” para consumo humano o que é crítico na aplicação à produção de

alimentos.

No Kluyveromyces spp, a β-galactosidase é intracelular. Devido à sua

natureza intracelular, a enzima necessita de ser extraída da célula da levedura

pela disrupção da célula ou pela permeabilização da célula através de

substâncias químicas e/ou tratamentos mecânicos. São fontes fúngicas desta

enzima Kluveromyces lactis e Kluveromyces marximus (4). A lactose é primeiro

transportada para o interior da célula através de uma permease e depois

hidrolisada intracelularmente a glucose e galactose que seguirão a via glicolítica.

A enzima desta levedura tem um pH óptimo perto da neutralidade (6.0 –

7.0) e, como tal, tem uma ampla gama de aplicações, particularmente na

hidrólise de soro de queijo, que como já foi referido anteriormente, é o principal

subproduto da indústria queijeira.

A Lactozym 2600L, β-galactosidase utilizada neste estudo, é uma enzima

livre obtida a partir de Kluyveromyces lactis, disponibilizada comercialmente

pela Sigma-Aldrich®. Esta preparação enzimática encontra-se no estado liquido.

Será também utilizada a imibond galactosidase SPRIN®, uma preparação

de β-galactosidase proveniente de Kluyveromyces lactis, disponibilizada

comercialmente pela SPRIN® technologies, já imobilizada covalentemente numa

resina Amino Acrílica e que possuí um tamanho de partícula entre os 200-

500μm.

Kluyveromyces Lactis é um ascomiceto que pertence aos

endoascomycetales tendo sido anteriormente mal classificado como

Saccharomyces lactis e Kluyveromyces fragilis var. lactis. Tem sido objecto de

intensivo estudo taxonómico sendo que, hoje em dia, Kluyveromyces lactis é

considerado uma espécie única (23).

A sua propriedade de crescer na lactose como única fonte de carbono

distingue o K. lactis da maioria das outras leveduras e pode ser usada para

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seleccionar isolados a partir de produtos da indústria de lacticínios. Por isso o

seu nome de levedura do leite ou láctea. No entanto, este microorganismo

pode usar uma variada gama de substratos para a respiração.

Possui um metabolismo respiratório fermentativo e a maioria das

estirpes pode crescer em fontes de carbono fermentáveis quando a via

respiratória não está acessível. No entanto, K. lactis é, aparentemente, um

aeróbio estrito, que não é capaz de crescer sob condições estritamente

anaeróbias.

A utilização de lactose é uma das principais características do K. lactis e

tem sido, por isso, bastante estudada. O metabolismo da lactose é induzido e

co-regulado com o metabolismo da galactose por um activador transcripcional,

Lac9p ou KlGal4p. Dois genes LAC4 e LAC12, que codificam a β-galactosidase e a

lactose premiase, respectivamente, são específicos para o metabolismo da

lactose (23).

A β-galactosidase de K. lactis (codificada pelo gene LAC4) tem um grande

interesse em biotecnologia na indústria alimentar e na reciclagem de soro de

queijo. A vantagem de K. lactis relativamente a A. Niger (microrganismo

também bastante utilizado como fonte desta enzima) é que a levedura K. lactis

produz maiores quantidades de unidades enzimáticas. Contudo, devido à sua

natureza intracelular, a produção industrial e a aplicação da β-galactosidase de

K.lactis são limitadas pelos custos associados ao processo extracção. Para

contornar este facto, duas estratégias têm sido adoptadas para a secreção de β-

galactosidase de K. lactis: usando leveduras de estirpes com capacidade de lise

espontânea ou através da utilização de sequências sinal de secreção heteróloga

para a produção extracelular. Nos dois casos, plasmídeos episomais são usados

para a clonagem e expressão de β-galactosidase de K. lactis recombinante (4).

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1.3.2. Aplicação Industrial

Apesar da enzima β-galactosidase ter inúmeras aplicações na indústria

alimentar e dos lacticínios, a moderada estabilidade da enzima livre é uma das

limitações que impede a implementação geral de biocatalisadores à escala

industrial. Para a produção de leite sem lactose, por exemplo, a enzima β-

galactosidase pode ser adicionada directamente ao leite inteiro, mas após o

processo estar finalizado, a enzima pode ser desactivada pelo tratamento por

calor. Uma vez que a enzima livre não pode ser reutilizada, este procedimento

não é economicamente viável (14).

Apesar de ainda haver quem utilize a enzima livre para hidrolisar a

lactose, o alto custo da enzima e a sua moderada estabilidade fazem com a

imobilização da β-galactosidase seja uma área de grande interesse devido aos

seus potenciais benefícios. A utilização de técnicas de imobilização é de

importância significativa do ponto de vista económico porque permite a

reutilização da enzima, o seu uso em operações contínuas, aumenta a

estabilidade enzimática e facilita a separação da enzima do substrato no final do

processo (4, 24). No entanto, a utilização de enzimas imobilizadas apresenta

ainda algumas limitações, incluindo a baixa taxa de recuperação da actividade

enzimática, a perda gradual da enzima durante o processo reaccional e uma

elevada resistência na transferência de massa entre algumas enzimas

imobilizadas e os substratos (4).

1.4. Métodos de Imobilização Enzimática

Vários tipos de suportes e técnicas têm sido utilizados e investigados para

a imobilização desta enzima mas apenas alguns foram ampliados e menos ainda

foram aplicados a nível industrial ou semi-industrial (14). Aparentemente a

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adequação do suporte varia de enzima para enzima e consoante o objectivo do

seu uso sendo necessário optimizar para cada sistema (25).

A imobilização de células ou enzimas é definida como “a confinação física

de enzimas ou células ou a sua localização numa região ou espaço definido com

a retenção da sua actividade catalítica, que podem ser utilizadas repetida e

continuamente” (26).

O processo de imobilização deverá ser suave o suficiente de modo a que

a enzima não se desnature durante o processo de imobilização (27). A enzima

imobilizada é mais facilmente manipulada e facilita a separação do produto,

minimizando ou eliminando a contaminação de proteína no produto (28).

A tecnologia de imobilização de β-galactosidase é um processo efectivo

para a hidrólise bem-sucedida da lactose e ultrapassa os problemas associados

aos custos da enzima solúvel (21,25). Todavia, existem problemas associados à

enzima imobilizada tais como a contaminação microbiológica e a aderência de

proteínas. Contudo, para processos a longo termo usando enzimas imobilizadas,

é indispensável proceder a lavagens e pasteurizações periódicas (4).

Em estudos anteriores (29, 30, 31) a enzima foi imobilizada de diversos

modos, tais como:

1. Adsorção física;

2. Encapsulação;

3. Ligação covalente.

1.4.1. Adsorção física

A adsorção física (Figura 4) é considerada o método mais simples de

imobilização no qual uma enzima é imobilizada num transportador insolúvel em

água e o biocatalisador é mantido na superfície do transportador por forças

físicas (força de Van der Waals). Frequentemente, estão presentes forças

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adicionais na interacção entre o transportador e o biocatalizador principalmente

interacções hidrofóbicas, pontes de hidrogénio e ligações heteropolares

(iónicas). Este método tem a vantagem de ser de simples realização e de ter

pouca influência na conformação do biocatalizador. No entanto, as

desvantagens desta técnica são a relativa fragilidade nas forças de ligação

adsortivas. Diferentes materiais de suporte inorgânicos (alumínio, sílica, vidro

poroso, terra diatomácea, argila, bentonite) e orgânicos (celulose, amido,

carvão activado e resinas iónicas como a amberlite, Sephadex, Dowex) podem

ser usados para adsorção enzimática. A adsorção da enzima também pode ser

estabilizada por tratamento com gluteraldeído (14,26).

1.4.2. A Encapsulação

A encapsulação é o método que visa colocar a enzima num invólucro de

pequenas dimensões (Figura 4). A encapsulação em membrana e em matriz

(incluindo microencapsulação) são os principais métodos de encapsulação. A

principal vantagem da técnica de encapsulação é a simplicidade pela qual as

partículas esféricas são obtidas pela extrusão de uma suspensão de polímero-

célula num meio contendo iões de carga positiva ou através de polimerização

térmica. Para além disso, as esferas formadas, particularmente as esferas de

alginato, são transparente e, normalmente, mecanicamente estáveis. A principal

limitação desta técnica para a imobilização de enzimas é a possível lenta perda

de enzima durante o uso continuado. Contudo, melhoramentos poderão ser

realizados através da utilização de procedimentos de ligação apropriados. As

matrizes usadas são normalmente feitas de polímeros tais como o alginato de

cálcio, agar, k-carregenina, poliacrilamida, quitosano e colagénio. No entanto,

algumas matrizes sólidas como o carvão activado e a terra de diatomácea,

também podem ser usadas para imobilização. As membranas normalmente

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utilizadas para encapsulação de enzimas são nylon, celulose, polisulfone e

poliacrilamida. (14,26)

Este método é o utilizado neste estudo.

1.4.3. Ligação Covalente

No método de ligação covalente há uma retenção da enzima numa

superfície de suporte através da formação de uma ligação covalente. As enzimas

ligam-se a um suporte através de certos grupos funcionais tais como o grupo

amina, carboxilo, hidroxilo e sulfidrilo. Estes grupos funcionais não deverão

estar no centro activo da enzima. É frequente que se recomende que a

imobilização seja realizada na presença de substrato ou de um inibidor

competitivo para que se proteja o sítio activo num suporte. Os grupos

funcionais no material de suporte são normalmente activados através de um

reagente químico tal como brometo cianogenico, carbodimida e gluteraldeído.

Cascas de ovo partidas em pequenos pedaços podem ser bons transportadores

para imobilização de β-galactosidase devido ao seu baixo custo, boa resistência

mecânica e resistência a ataques microbianos (14,26) (Figura 4).

Figura 4. Esquema dos vários métodos de imobilização. (26)

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1.5.Cinética Enzimática

A cinética enzimática é o estudo da velocidade de uma reacção química

que ocorre na presença de uma enzima. Permite compreender melhor os

pormenores do mecanismo catalítico das enzimas, o papel das enzimas no

metabolismo, o controlo da actividade e os mecanismos de inibição.

O estudo cinético de uma enzima visa primariamente caracterizar, ou

seja descrever, a actividade dessa enzima. In vitro estuda-se a actividade da

enzima procurando saber que tipo de reacções pode catalisar, com que

substratos pode interagir e como se modifica essa actividade (qualitativa e/ou

quantitativamente) quando se fazem variar as condições experimentais. O valor

de pH, a temperatura, o tempo de incubação, as concentrações dos substratos,

de cofactores ou de outras substâncias (inibidores ou activadores) são exemplos

de condições experimentais que podem ser modificadas com o objectivo de

observar a variação da actividade da enzima (32).

Para que uma reacção enzimática se dê, a enzima (E) e o substrato (S)

têm de se encontrar e formar o complexo enzima-substrato (ES). Este equilíbrio

é expresso sob a forma:

E+S ES

A enzima pode então transformar o substrato num produto (P). Existe de

forma transitória um complexo EP, havendo então dissociação deste complexo

em enzima livre (E) e produto (P). Este mecanismo pode escrever-se na forma

simplificada:

E+S [ES] E+P

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A reacção de formação de ES é normalmente mais rápida que a reacção

de dissociação de EP, ou seja, a libertação do produto da reacção é

normalmente um passo limitante da reacção.

O estudo de uma reacção enzimática in vitro não reflecte a verdadeira

situação das enzimas em células, mas possibilita a simplificação da

determinação de parâmetros cinéticos. Dentro de uma célula, o substrato pode

estar confinado a um dado compartimento e não sofrer facilmente difusão: por

exemplo, pode ser o produto de uma reacção anterior numa via metabólica,

pelo que passa directamente de uma enzima para a outra.

Nos ensaios in vitro é utilizada uma concentração de substrato maior que

a concentração de enzima de modo a possibilitar a monitorização da variação da

velocidade de reacção. Como S está a ser convertido em P, S decresce com o

tempo, à medida que o produto se acumula em solução. Como a concentração

de substrato influencia a formação do complexo ES (e portanto da formação de

produto), vai influenciar também a velocidade da reacção (32,33).

Nestas condições, a velocidade inicial medida (V0) depende apenas da

concentração de enzima. Um gráfico representativo de V0 em função da

concentração de substrato apresenta uma forma característica de semi-

hipérbole: a baixas concentrações de substrato, a variação de V0 com a

concentração de substrato é linear; à medida que se usam contracções de

substrato mais elevadas, V0 sofre uma variação cada vez menor, tendendo para

um valor limite. Este valor é denominado velocidade máxima (Vmáx).

Os primeiros estudos da cinética enzimática com base científica foram

feitos por Leonor Michaelis e Maud Menten, em 1913, que propuseram pela

primeira vez um mecanismo para as reacções catalisadas enzimaticamente. As

suas concepções foram baseadas nos factos observáveis quando um substrato

sofre uma transformação sob a acção catalítica de uma enzima:

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• a velocidade aumenta hiperbolicamente com a concentração do

substrato, sendo a reacção de ordem zero quando a concentração do substrato

é elevada e de 1ª ordem quando a concentração é baixa.

• a velocidade aumenta linearmente com a concentração de enzima,

para qualquer valor constante da concentração de substrato.

A semi-hipérbole correspondente ao comportamento da velocidade de

uma enzima em função da concentração do substrato pode ser descrita

matematicamente pela equação de Michaelis-Menten:

V0=Vmax [S]/(KM+[S])

em que [S], V0 e Vmax são as grandezas anteriormente definidas e KM a

constante de Michaelis. Esta equação pode ser deduzida de forma intuitiva

considerando a forma como se desenrola a catálise enzimática (33)

É assumida, nesta dedução, a existência de um estado estacionário, em

que a concentração do complexo enzima-substrato permanece constante ao

longo do tempo.

A constante Km é expressa em unidades de concentração e tem um

significado tal que quando a concentração do substrato iguala o seu valor a

velocidade da reacção é igual a metade de Vmax (i.e., [S]½ = KM => V = ½Vmax).

A teoria do estado estacionário, introduzida por G. E. Briggs e J. B. S.

Haldane em 1925, considera que a velocidade a que o complexo ES se forma é

aproximadamente igual à velocidade da sua dissociação. Existe um curto

período de tempo, normalmente na ordem dos microssegundos, em que há

uma acumulação de ES – estado pré-estacionário. O estudo da cinética

enzimática envolvendo a teoria do estado estacionário é referida como cinética

do estado estacionário (33).

Também é assumido que a concentração de produto é insignificante no

início da reacção, logo, não é dada importância à extensão da reacção inversa

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no equilíbrio entre substrato e produto, S P, considerando-se apenas a reacção

directa na dedução da equação. Assim, a reacção é descrita por:

E+S [ES] E+P

Como já referido, a formação do complexo limita a velocidade da

reacção, medida como V0:

V0 = k2[ES]

Se a concentração do complexo enzima-substrato fosse facilmente

mensurável, o valor de k2 seria simples de determinar directamente. No

entanto, esse não é o caso, e o valor de concentração do complexo enzima-

substrato tem de ser deduzido. Para tal, considere-se que a concentração do

total de enzima (Et) presente na reacção é o somatório da concentração de

enzima em complexo com o substrato e da concentração de enzima "livre" (E)

(não ligada a substrato):

[E]t = [E]l + [ES]

Embora o gráfico obtido directamente da equação de Michaelis-Menten

seja de interpretação relativamente simples, existem tratamentos matemáticos

que simplificam a representação gráfica da equação e permitem a obtenção

rápida de parâmetros cinéticos.

O tratamento mais conhecido é o de Lineweaver-Burk. A equação de

Michaelis-Menten pode ser transformada numa equação da recta, do tipo

y=ax+b:

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Este tipo de tratamento matemático permite uma determinação mais

precisa de Vmax, um parâmetro que só se obtém por aproximação num gráfico

de Michaelis-Menten.

1.5.1. Inibição Enzimática

Quando a presença de uma substância na solução provoca a diminuição

da velocidade da reacção essa substância designa-se por Inibidor e a sua acção

pode ser reversível ou irreversível. A inibição reversível é caracterizada por um

equilíbrio estabelecido muito rapidamente entre enzima e inibidor. Os principais

tipos de inibição reversível são:

• a inibição competitiva, ocorre quando o inibidor compete com o

normal substrato para se ligar ao sítio activo catalítico.

• a inibição não-competitiva, ocorre quando o inibidor se liga à

enzima ou ao complexo enzima-substrato, não no sítio activo do enzima mas

num outro sítio não cataliticamente activo. Ao ligar-se forma complexos

inactivos, alterando o valor da constante catalítica.

• a inibição incompetitiva (caso muito particular de inibição mista),

ocorre quando, ), o inibidor não se combina com o enzima livre nem interfere

com a ligação entre enzima e substrato mas combina-se com o complexo

enzima-substrato para formar um complexo enzima-substrato-inibidor inactivo.

Estes tipos distintos de inibição reversível podem distinguir-se

experimentalmente pelos efeitos do inibidor na cinética da reacção e que se

podem analisar recorrendo à equação de Michaelis (32).

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1.6. Objectivos

O objectivo principal deste trabalho é estudar a enzima β-galactosidase,

proveniente de Kluyveromices lactis, na sua forma livre e imobilizada, com a

finalidade de produção de derivados de lactose de modo a melhorar as

características e as qualidades de leites, com aplicação na indústria.

Os objectivos específicos incluem:

1. Imobilização da β-galactosidase em alginato de cálcio.

2. Avaliação da actividade e estabilidade operacional da enzima em

diferentes condições operacionais, com avaliação dos parâmetros

cinéticos (e.g. temperatura, pH, concentração da enzima e do

substrato).

3. Comparação do desempenho enzimático nas diferentes formas (livre e

imobilizada) através da utilização de um substrato padrão.

4. Optimização dos parâmetros operacionais para aplicação em leite.